Cooperativismo de crédito para a agricultura familiar: o
caso do Sistema Cresol
Rodolfo Arashiro Rodriguez – bolsista PIBIC USP.
[email protected]
Ricardo Abramovay – orientador.
www.econ.fea.usp.br/abramovay
Projeto de Iniciação Científica
Grupo de Pesquisa (CNPq): As instituições do desenvolvimento territorial.
Agradecimentos:
Ao CNPq, que tornou possível a realização deste projeto;
A todos os agricultores e agricultoras familiares, que tornaram tão agradáveis a
tarefa das entrevistas de campo;
Aos funcionários e diretores do sistema Cresol (cujos nomes não citarei por medo
de cometer qualquer injustiça), sempre solícitos, que puderam criar uma instituição tão
transparente a ponto de possibilitar estas e outras pesquisas, cujo caráter público é de
grande valia ao meio acadêmico e à implementação de políticas públicas.
Nota Explicativa:
Embora o projeto inicial previsse trabalho na organização de microcrédito São
Paulo Confia, da Prefeitura do Município de São Paulo, meu orientador e eu julgamos que
não poderia perder a oportunidade de conhecer o Sistema Cresol de Crédito Solidário.
Assim, este primeiro relatório não se refere ao São Paulo Confia, embora se apóie sobre os
mesmos pressupostos teóricos e algumas das mesmas questões científicas que inspiraram o
projeto inicial.
Resumo
O sistema Cresol de crédito cooperativo tem conseguido atender a um grande
número de associados até então excluídos do mercado de crédito, sem que isto comprometa
sua estabilidade financeira. Tal sucesso é devido à grande participação do quadro social no
processo decisório da cooperativa, o que gera um sistema de incentivos benéficos. Estes
incentivos explicam a grande redução dos custos de transação tão comuns ao mercado de
crédito, devido à assimetria de informações. Isto torna importante a compreensão do
mecanismo de alocação de crédito – em particular os sistemas de garantia - desenvolvido
pelo Cresol.
Palavras-chave: Capital Social, Custos de Transação, Racionamento de Crédito.
1 Introdução
Os bancos comerciais de varejo resistem em incluir em sua carteira de clientes
aqueles de mais baixa renda. Os motivos são diversos: baixo montante da transação, o que
faz os custos de transação serem relativamente elevados, assimetria de informação, e
ausência de garantias patrimoniais por parte deste público. Neste aspecto, tanto bancos
públicos como privados mostram-se incapazes de atender ao cliente de baixa renda1.
A experiência internacional mostra que este não é um problema tipicamente
brasileiro. O caso mais conhecido e estudado ao redor do mundo é o Grameen Bank, de
Bangladesh, surgido a partir da demanda não atendida por bancos estatais e privados(Yaron
et al., 1997).
O crédito agrícola (que será a modalidade relevante para este trabalho) possui ainda
especificidades que dificultam sua implementação (Meyer, 2003):
•
Altos custos de transação tanto para instituições e clientes, devido à
dispersão espacial dos clientes, montante relativamente baixo das transações, vias
de acesso e comunicação prejudicadas.
•
Maior risco covariante devido aos riscos climáticos, pragas, variação
dos preços agrícolas e sazonalidade.
•
Baixa capacidade de suportar riscos, e maior necessidade de ajustar o
consumo ao longo do tempo, já que a renda é variável e sazonal.
A estas dificuldades associa-se ainda a ausência de legislação própria para a
agricultura familiar, cuja unidade de produção não é parecida com propriedade rural
patronal.
O sistema Cresol (Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária)
surgiu em 1995, a partir da necessidade de crédito por parte dos agricultores familiares do
Sul do país. O sistema, que em 1995 contava com apenas quatro cooperativas, no início de
2004 contava com 75 cooperativas e mais de 42 mil associados, nos três estados da Região
Sul. O quadro social é composto unicamente por agricultores familiares – cujas principais
atividades incluem milho, soja, feijão, leite, frango e suíno. Destes, antes de aderirem à
1
Nos últimos meses a decisão da Caixa Econômica Federal e, agora, do recém criado Banco Popular do
Brasil de voltar esforços à inclusão de pessoas muito pobres entre seus clientes poderá atenuar esta situação.
cooperativa, 48,8% não possuíam conta corrente em banco comercial, 85,18% nunca
tinham feito financiamento em banco comercial, 63,3% obtinham crédito com
fornecedores, cujo custo (em juros) poderiam alcançar 100% ao ano (Abramovay, 2003b).
O objetivo deste trabalho é entender por que o Cresol consegue atender este público,
e, ainda assim, possui estabilidade financeira. O trabalho apresentará um breve histórico do
sistema, bem como a composição de seu quadro social, em seguida, apresentará a hipótese
e as bases teóricas na qual se apóia a pesquisa, as justificativas empíricas ilustrativas do
problema e finalmente a conclusão. A questão básica é compreender como o Sistema
Cresol consegue atender um público até então não atendido pelo sistema bancário, sem
perder a estabilidade financeira.
2 Sistema Cresol: Histórico, Funcionamento e Quadro Social2
Num ambiente de ampla atividade política e cultural das Comunidades Eclesiais de
Base da Igreja Católica surgiu o Sistema Cresol como desdobramento de fundos rotativos,
criados em 1988, financiados por entidades internacionais de apoio a Organizações Não
Governamentais. Tais fundos eram administrados pelos próprios agricultores, em resposta
ao alto índice de exclusão do sistema bancário tradicional. Esta experiência foi importante
para que as lideranças do sudoeste e centro-oeste do Paraná pudessem propor uma estrutura
organizacional mais propícia a um sistema economicamente viável (Bittencourt, 2000).
A criação de programas governamentais voltados especificamente à agricultura
familiar no início dos anos 90 (como o PRONAF) evidenciou a necessidade de uma
organização que fosse confiável aos participantes, e que pudesse manter, da mesma
maneira, uma relação estável com os órgãos oficiais responsáveis por tais políticas
públicas. O sistema bancário – ainda que estatal – muito dificilmente tinha disposição de
fazer chegar os recursos creditícios ao público visado pelo PRONAF (Abramovay e Veiga,
1999). Assim, o sistema Cresol surge com a missão de fortalecer a organização da
agricultura familiar, especialmente com respeito ao acesso ao crédito.
Em 1995 foi criada a primeira cooperativa, seguida logo depois por mais quatro.
Estas cinco primeiras possibilitaram a criação da Cooperativa Central Base de Serviços
Cresol (Cresol-Baser). A Baser apóia as demais cooperativas através de serviços de
informática e softwares, normatização, contabilidade, contato com bancos e governo e
demais entidades dos agricultores. Esta central concentrou esforços de padronização e
garantiu o funcionamento das cooperativas, que necessitavam de capacitação para gerir
uma cooperativa de crédito. Tal esforço obteve resultado impressionante: possuía mais de
42 mil associado, em 75 cooperativas no início de 2004.
As cooperativas de crédito filiadas ao sistema Cresol possuem uma administração
autônoma, composta por uma diretoria eleita em assembléia geral, com mandato de três
anos. É interessante observar que os diretores respondem com seus próprios patrimônios
em caso de quebra, desvio ou má administração. As cooperativas possuem também um
balanço próprio, com sobras ou prejuízos. Anualmente, um conselho fiscal é eleito e
juntamente com a Cresol-Baser fiscaliza o funcionamento da cooperativa. A Cresol-Baser
realiza ainda o acompanhamento diário da contabilidade das cooperativas, além de
auditorias semestrais em suas filiadas. A partir destas auditorias, ela apresenta sugestões
administrativas e operacionais, às quais a própria cooperativa filiada decide sua
2
As informações abaixo se baseiam em Bittencourt e Abramovay, 2003, e informações cedidas pelo próprio
sistema Cresol.
implementação. Apenas em caso de risco de insolvência por parte de uma cooperativa
singular, a central intervem, afastando a diretoria e assumindo o controle das operações até
que o problema esteja sanado.
As cooperativas de crédito singulares filiadas ao sistema Cresol têm área restrita a
poucos municípios (normalmente de 1 a 5). As que atuam em mais de um município
possuem uma sede no maior município da região e postos de atendimento nos demais.
Estas cooperativas possuem um ou dois diretores remunerados e mais um ou dois
funcionários contratados. Cabe lembrar que esta diretoria remunerada é eleita, e é composta
exclusivamente por associados – experiências anteriores com gerentes profissionais
mostraram-se frustrantes. Algumas cooperativas contam, ainda, com um técnico de campo.
Para se associar a uma cooperativa Cresol, o candidato deve ser agricultor(a)
familiar acima de 18 anos que explore área inferior a quatro módulos rurais. Podem
associar-se também pessoas físicas que desempenham funções técnicas voltadas ao meio
rural, além de funcionários e colaboradores. Pessoas jurídicas podem se associar, desde que
desenvolvam atividades agropecuárias ou agroindustriais e que sua maior fonte de renda
provenha de atividades agropecuárias. É permitida, ainda a associação de mais de um
membro da família, o que ocorre com freqüência.
Os cooperados, ao entrarem para a cooperativa, fazem uma capitalização mínima de
dez sacas de milho, um valor relativamente baixo (13,50/saca em 03/2004). Esta
capitalização é retida pela cooperativa enquanto o cooperado se mantém no sistema, e passa
a fazer parte do patrimônio líquido da cooperativa. A esta capitalização é atrelado o nível
máximo de endividamento: nenhum cooperado pode se endividar mais do que 12 vezes a
sua capitalização. Não existem taxas de utilização da conta corrente. O cliente paga apenas
os juros dos empréstimos , taxas para cheques de baixo valor e taxa em caso de cheque sem
fundos – evidentemente os clientes também pagam impostos como CPMF ou impostos no
caso de ganhos de depósitos a prazo.
A concessão de crédito é feita por um comitê, formado pela diretoria e conselho, e
este comitê analisa o risco de crédito dos tomadores, com base em informações fornecidas
por agentes comunitários, agricultores escolhidos pela comunidade rural que têm como
tarefa participar do processo de cadastramento dos cooperados, levantar as demandas e
fazer a análise dos projetos encaminhados para as cooperativas. Esta maneira de alocar
recursos será mais detalhadamente analisada posteriormente.
Ano
1.996
Cooperativas
5
Associados
1.639
Patrimônio
Líquido
101.000
Depósitos a
vista e a
prazo
Tabela 1 Quadro evolutivo do Sistema Cresol
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
7
15
28
31
46
2.674
5.898
11.316
15.175
20.540
308.000
2.002
71
29.990
2.003
75
42.375
682.000 1.853.000 3.173.000 6.110.000 10.855.000 21.585.000
697.000 1.297.000 2.926.000 6.925.000 9.885.000 15.600.000 27.625.000 41.045.000
Fonte: Sistema Cresol, Cresol Baser.
O Pronaf, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar,
visa fornecer crédito aos agricultores familiares, para investimento e custeio,
e é dividido nas seguintes classes:
Pronaf Grupo A – É o primeiro crédito para os assentados da reforma
agrária destinado à estruturação de suas unidades produtivas.
Pronaf Grupo B – É a linha de microcrédito criada para combater a pobreza
rural. Os recursos de investimento são destinados a agricultores com renda
familiar anual bruta de até R$ 2 mil para financiar qualquer atividade
geradora de renda.
Pronaf Grupo C – Beneficia com crédito de custeio e de investimento os
agricultores com renda familiar anual bruta superior a R$ 2 mil e inferior a
R$ 14 mil.
Pronaf Grupo A/C – É o primeiro crédito de custeio para as famílias
assentadas da reforma agrária que já receberam financiamento do Grupo A.
Pronaf Grupo D – Beneficia com crédito de custeio e de investimento os
agricultores com renda familiar anual bruta superior a R$ 14 mil e limitada a
R$ 40 mil.
Grupo E (Proger Familiar Rural) – Abrange os agricultores com renda
familiar anual bruta entre R$ 40 mil e R$ 60 mil, que passam a ter direito a
linhas de crédito para financiamento e custeio da produção.
2.1 Sistema de garantias do Sistema Cresol
O sistema possui diversos tipos de garantias para seus empréstimos. Em caso de
empréstimos pequenos, a própria cota de capitalização serve de garantias. Para
empréstimos maiores, é exigido avalista, penhora ou hipoteca a depender do valor do
empréstimo e da modalidade de financiamento. De maneira geral, no Pronaf D exige-se
penhor ou avalista. No caso do Pronaf C é exigida a garantia do aval solidário, modalidade
na qual um grupo de aproximadamente 5 associados toma empréstimos em conjunto e se
tornam avalistas uns dos outros. O interessante nesta modalidade é que, em caso de não
pagamento, a ordem de preferência é invertida: ao invés de contatar primeiro o devedor e
depois seu avalista, neste esquema avalistas e devedor são notificados simultaneamente, e
todos perdem direito a crédito na cooperativa enquanto a solução não é encontrada. A taxa
de inadimplência é bastante baixa nesta, como será visto mais adiante.
3 Hipóteses e Bases Teóricas
A pergunta que guia esta pesquisa é: por que o sistema Cresol consegue se atender a
um público até então excluído do sistema bancário tradicional e mesmo assim se mantém
financeiramente estável? Duas observações são cabíveis nesta pergunta: o Cresol é
financeiramente estável? A este respeito, o sistema Cresol recebe auditorias por parte do
Banco Central do Brasil, como qualquer outra instituição financeira, e nunca foi necessária
qualquer tipo de intervenção. Outra questão implícita na pergunta é: se o sistema Cresol
consegue manter seu equilíbrio financeiro trabalhando com um público de baixa renda, por
que razão esta clientela não era atendida pelo sistema bancário? Por que os bancos
comerciais de varejo estatais e privados, bem como bancos estatais de fomento não
incluíam tais clientes em sua carteira? Esta pergunta será respondida mais à frente, durante
apresentação das bases teóricas do trabalho.
Segue-se a hipótese: grande parte da literatura internacional (van Bastelaer, 1999)
justifica o sucesso de tais iniciativas na área de microfinanças associando-o a baixos níveis
de inadimplência e ao sistema alternativo de garantias, basicamente o aval solidário. O
sucesso atingido pelo sistema Cresol não se deve apenas a baixos níveis de inadimplência e
a este sistema de garantias. De fato, ela é baixa, contudo, devemos levar em conta o modo
com que os recursos são alocados. Tal alocação não é impessoal – o que não quer dizer que
haja algum tipo de favorecimento - e o preço de seus produtos, basicamente o juro, não é a
informação mais relevante para a decisão. Como explicado no item anterior, a decisão de
emprestar ou não, condicionada a restrições orçamentárias, cabe a um comitê eleito, e
baseia-se em experiências próprias dos membros deste comitê, bem como da avaliação dos
agentes comunitários, também eleitos. O Cresol consegue atingir este público porque utiliza
o conhecimento social de seus agentes e diretores ao conceder empréstimos, e possui um
sistema contábil, administrativo e fiscal capaz de evitar desvios e utilização equivocada dos
recursos.
Após a apresentação das bases teóricas seguirá uma análise mais detalhada desta
forma de alocação de recursos.
3.1 Assimetria de Informação
A assimetria de informação pode ser definida como incerteza a respeito da
qualidade de um produto, por parte de um ou mais sujeitos da transação. O primeiro
trabalho a apontar as dificuldades em mercados com assimetria de informação foi o de
Akerlof (1970). O trabalho é ilustrado com o exemplo do mercado de carros usados: não é
possível ter certeza a respeito da qualidade do carro que se está comprando. Obter
informações sobre a qualidade, quando possível, é custoso. Certamente, no mercado de
crédito ocorre algo semelhante: como saber as reais intenções do tomador de empréstimo?
Obter tal informação é, geralmente, muito custoso.
A solução encontrada pelo sistema financeiro face a este problema inclui: um
cadastro para maus pagadores, visitas e monitoramento, exigência de garantias e aumento
das taxas de juros para fazer frente à inadimplência. Tais soluções parecem bastante
plausíveis neste ambiente incerto. Contudo, como apresentado por Stiglitz e Weiss (1981),
os mecanismos criados podem ter efeitos totalmente indesejados, o que é chamado de
Seleção Adversa.
3.1.1 Seleção Adversa
O termo seleção adversa foi utilizado pela primeira vez no setor de seguros para
descrever o seguinte tipo de problema (Varian, 2000): uma companhia de seguros faz uma
pesquisa e descobre uma taxa média de furtos de carros em determinada cidade. Contudo
existe grande variação da taxa de furtos dependendo da região da cidade. Suponhamos
agora que a seguradora resolva oferecer um seguro contra furto baseada na taxa média. A
conseqüência é que apenas os moradores de regiões com altos índices de furtos irão
comprar o seguro. E logo a seguradora irá à falência.
Analogamente, Stiglitz e Weiss demonstram que o mesmo ocorre no mercado de
crédito. A exigência de maiores de garantias e aumento de juros faz com que apenas
indivíduos dispostos a arriscar mais se candidatem ao crédito. Resultado: o banco correrá
mais riscos e expulsará de sua carteira clientes com risco mais baixo, não dispostos a
oferecer tamanhas garantias e juros. Existe ainda uma outra faceta neste problema:
provavelmente, os indivíduos mais dispostos a arriscar possuem maior riqueza.
Do ponto de vista da eficiência do mercado, ele certamente não estará no ponto
eficiente de Pareto, e haverá racionamento de crédito. Uma das respostas possíveis à
resistência dos bancos comerciais de varejo em incluir clientes do quadro social da Cresol
está no fato de haver tal racionamento, atingindo especificamente este público.
3.1.2 Perigo Moral
Voltemos ao exemplo dos seguros. Suponha que um segurado, assim que passa a
estar coberto pelo seguro, mude de atitude em relação a precauções. Ou seja, antes, ele
trancava o carro, ligava o alarme, etc..., agora que está segurado ele deixa de tomar
precauções. Quanto maior for a abrangência do seguro, menos cuidado o segurado tomará.
É uma decisão racional. Tal fenômeno é conhecido como Perigo Moral. No mercado de
crédito podem acontecer casos análogos, uma vez que nem sempre se pode observar o
esmero com que um tomador de empréstimo vai cuidar de seus negócios.
A respeito deste item, a proximidade social e geográfica em que se encontram os
associados do sistema faz o monitoramento de tais atitudes ser mais barato. Mais à frente
veremos com mais detalhes o caso do aval solidário, que ilustrará bem a situação acima.
3.2 Custos de Transação
Num mundo ideal para os economistas, a informação é perfeita e os direitos de
propriedade bem definidos. Neste ambiente, o sistema econômico é coordenado pelo
mecanismo de preços. O preço é o sinal inequívoco, que dirá aos indivíduos o que e quanto
produzir. A sociedade, assim, não seria uma organização, mas um organismo (Hayek apud
Coase, 1988). Contudo, como vimos anteriormente, as informações não são perfeitas, bem
como não o são os direitos de propriedade. Neste ambiente, os indivíduos se defrontam com
preços diferentes para o mesmo produto, mesmo em mercados competitivos. Isto ocorre por
que o preço relevante para os indivíduos é o custo de oportunidade total associado àquela
escolha, o que inclui o preço dos bens, mais seu custo de troca (Benham e Benham, 2001).
Não é difícil prever que a existência de tais custos muda radicalmente a forma com que são
alocados os recursos.
O que seriam, então, custos de transação? Podemos encontrar diversas definições:
“the costs of running economic system” (Arrow apud Benham e Benham, 2001: 3).
“the costs associated with the transfer, capture and protection of rights” (Barzel
apud Benham e Benham, 2001: 3).
“the costs that arise when individuals exchange ownership rights to economic
assets and enforce their exclusive rights” (Eggertson apud Benham e Benham, 2001: 3).
Benham e Benham argumentam a favor de uma outra medida correlata com os
custos de transação: os custos de troca (costs of exchange), que são definidos como o custo
de oportunidade total – dinheiro, tempo e bens – para um individuo de características
específicas obter um bem qualquer usando uma dada forma de troca em um arranjo
institucional específico. Um agricultor familiar que quisesse tomar um empréstimo em um
banco comercial teria custos burocráticos a enfrentar, como custos de cartório, tempo em
filas para obter documentos, deslocamento até a sede do município onde está o banco, etc...,
e todos estes custos somados seriam os custos de troca. Neste trabalho os custos de troca
não serão medidos, contudo, é necessário compreende-los se quisermos entender por que
tão poucos associados do Cresol possuíam conta bancária. Em entrevistas com agricultores
familiares, alguns relatam que os gastos com cartório ultrapassam 50 reais, para conseguir
um financiamento junto ao Banco do Brasil – em relação ao valor médio do empréstimo
(inferior a R$ 2.000,00), este montante é altíssimo. Cabe ainda salientar, que apesar de
todos estes custos, os bancos comerciais podem eventualmente negar o empréstimo, o que
faz com que o candidato a tomador de crédito assuma este tipo de risco.
Da mesma forma, os bancos comerciais percebem custos diferentes de acordo com o
tipo de cliente. Um cliente novo gerará custos ao pedir um empréstimo. Estes custos estão
associados à assimetria de informação. O Banco do Brasil, por exemplo, pede uma taxa de
serviço adicional ao Tesouro Nacional para operar o Pronaf. Num montante de 34,4
milhões de reais emprestados, o banco cobrou do tesouro nacional 1,69 milhão de reais,
para cobrir os custos de transação, na safra 2002/03 (Abramovay, 2003)
3.2 Natureza da Firma
Não houvesse os custos de transação, o mecanismo de preços seria suficiente para
os indivíduos saberem o que e quanto produzir. Neste ambiente, a firma não teria qualquer
sentido em existir. No ambiente real, contudo, as firmas existem. Elas são formas
alternativas ao mercado na função de alocar os recursos. A existência da firma é justificada
pelos custos de transação (Coase, 1988). Tais custos fazem com que o mecanismo de
mercado funcione imperfeitamente. A conseqüência de tal situação é a necessidade de
contratos. Desta forma, o que permite à firma realizar uma alocação alternativa ao mercado
é a possibilidade de formular e fazer cumprir contratos – notadamente o contrato de
trabalho. Coase (1988) argumenta ainda que o tamanho da firma é limitado pela
comparação marginal entre o custo de organização da firma com o custo de recorrer ao
mercado para alocar recursos.
Tais idéias são especialmente importantes ao na análise do Sistema Cresol. Embora
não seja uma organização maximizadora de lucro, é uma forma alternativa ao mercado de
organizar a alocação de recursos, no mesmo sentido que as firmas tradicionais também o
são (Coase 1988) e seus problemas são bastante parecidos com os problemas das empresas
tradicionais. Posteriormente será feito o esforço de mostrar que o Sistema Cresol funciona
com estabilidade econômica justamente por que é menos custoso, do ponto de vista dos
custos de transação do que o mecanismo de mercado.
3.3 Capital Social
Capital social pode ser definido como o conjunto de relações que mantém um
indivíduo e dos poderes decorrentes destas relações, que favorecem sua capacidade de
geração de riqueza. Como o capital físico ou humano, as relações sociais podem ser uma
base a partir da qual os indivíduos geram e se apropriam de renda. Ao definir capital
humano, entendemos que indivíduos serão comparativamente mais bem sucedidos quanto
mais habilidosos, educados e treinados forem. Capital social se refere às vantagens obtidas
através dos laços e estruturas sociais nas quais os indivíduos estão inseridos (Burt, 2000).
Neste caso, os agentes se beneficiam de suas relações sociais, mas também outros agentes
nesta estrutura social podem ser beneficiados, caracterizando capital social não apenas com
bem privado, mas também público ou coletivo.
Capital social facilita ações individuais e coletivas no sentido de aumentar a
eficiência da sociedade:
“Social structure is a kind of capital that can create for certain individual or groups
a competitive advantage in pursuing their ends” (Burt, 2000: 3).
É claro que os resultados dos laços sociais que vinculam os indivíduos nem sempre
são positivos: basta citar o caso da Máfia ou de formas clientelistas de dependência entre
pessoas e de laços fortemente hierarquizados. Mas ali onde as relações são horizontais,
amplas, a tendência é que o sentimento de confiança possa se disseminar pelo organismo
social (Abramovay, 2000).
É interessante salientar que pessoas melhor conectadas atingem mais facilmente
seus objetivos, entretanto, tal conexão não apenas aumenta a probabilidade de êxito
individual, mas também coletiva, através da melhor coordenação dos agentes (Putnam apud
Abramovay, 2000).
A noção de capital social é o complementar contextual do capital humano – no
sentido em que indivíduos melhor relacionados terão melhores rendimentos. Tal abordagem
não deve resolver por si apenas problemas de falhas de mercado – embora uma substancial
contribuição possa ser identificada, por exemplo, no mercado de crédito, no caso das
microfinanças. Contudo, estudos recentes ressaltam a importância deste capital na formação
de conglomerados (clusters) e novas formas de organização de mercados (Abramovay,
2000).
3.3.1 Reputação
Reputação pode ser entendida como fama ou renome. Neste caso será entendida
como uma informação a respeito da conduta econômica e social do indivíduo. É condição
necessária para que haja cooperação entre indivíduos racionais, que sem tal informação não
se sentiriam aptos a cooperar – embora isto não signifique que reputação seja sinônimo de
caráter ou honestidade: a reputação é um atributo decorrente da conduta observada apenas.
Vejamos o exemplo do dilema dos prisioneiros: sem qualquer informação ou confiança de
que o outro irá cooperar, ambos acabam racionalmente decidindo pela não cooperação3. Em
jogos únicos, este é o resultado esperado: a não cooperação. Contudo, em jogos repetidos
ad infinitum o resultado pode ser diferente: caso os jogadores adquiram reputação ao longo
3
O dilema dos prisioneiros é amplamente conhecido na literatura econômica, ver, por exemplo, Varian, 2000.
do tempo, pode haver cooperação, mesmo que a maximização de utilidade de curto prazo
incentive a não cooperação.
Mais do que isto, a reputação sinaliza aos outros indivíduos quem é e quem não é
confiável. Num cenário de informação assimétrica esta característica é fundamental ao
decidir como alocar os recursos. A reputação é um bem público e privado, com
externalidade de rede, como o telefone:
“The social capital embodied in a network of is partly a private good and partly a
public one. A network of associations has the same kind of publicness as a telephone
network” (Bruni e Sugden, 2000:24).
Externalidade de rede pode ser explicada com o exemplo do telefone. Se você
possui um telefone e ninguém mais o possui, será inútil tê-lo. A utilidade do seu aparelho
telefônico cresce a medida em que mais e mais pessoas possuírem telefones. Uma rede
social densa faz com que a reputação chegue com mais velocidade e precisão a todos ou
grande parte dos membros da rede.
4 Justificativas Empíricas
Durante visitas ao Sistema Cresol, foram entrevistados diretores e funcionários da
central Baser, além de oito famílias de agricultores familiares. Certamente esta é uma
amostra pequena demais para se fazer qualquer teste estatístico. Tais entrevistas podem,
contudo, ilustrar dimensões teóricas pertinentes ao problema, além de ajudar a corroborar a
hipótese. Nesta parte do trabalho será realizado o esforço de tentar conciliar as teorias e
hipóteses acima mencionadas com o trabalho de campo realizado no Sistema Cresol.
As entrevistas aplicadas aos diretores e funcionários visavam compreender o
funcionamento do sistema e verificar quais eram os mecanismos de controle das tarefas e
monitoramento e quais eram os mecanismos de incentivos desta organização. Aos
agricultores, as entrevistas buscavam entender o modo produtivo da propriedade, o
mecanismo de ajuste do consumo intertemporal, as dificuldades encontradas em fazer tal
ajuste – basicamente entender quais eram as dificuldades de se obter e ajustar diversas
formas de crédito e poupança4
Durante as entrevistas, os agricultores contaram quais as principais dificuldades em
se obter crédito nos bancos comerciais de varejo. Elas são:
•
Burocracia excessiva para se acessar o crédito.
•
Discriminação de renda: era necessário algum nível mínimo
de renda.
•
Discriminação do tamanho do empréstimo: era necessário um
montante mínimo para efetuar a operação.
•
Tempo de espera alto até que se conseguisse a aprovação do
crédito.
•
Cobrança excessiva de taxas
•
4
Falta de crédito para investimento
Evidentemente, explorar a fundo todas estas variáveis seria ambicioso demais. Tais variáveis foram
exploradas apenas com relação ao interesse desta pesquisa.
Tais respostas indicam sério racionamento de crédito. Ele é devido em
grande parte à política macroeconômica. Contudo, vemos que os efeitos de tal
racionamento recaem principalmente sobre os mais pobres e os que suportam
menores riscos, como previsto por Stiglitz e Weiss (1981). Percebemos também que
altos custos de transação desencorajam os agricultores a tomar crédito nos bancos
comerciais.
Os agricultores enumeraram, também, as vantagens do Sistema Cresol:
•
Maior quantidade de crédito.
•
Menores juros5.
•
Menores taxas de serviços.
•
Maior agilidade na obtenção do crédito.
•
Apoio técnico oferecido pelo sistema.
•
Maior participação no processo decisório da cooperativa.
As vantagens do sistema Cresol são basicamente os antônimos citados
anteriormente para os bancos comerciais. Todos os entrevistados se disseram
participativos com relação à cooperativa.
Tal participação é peça decisiva para que o sistema funcione. Os diretores e
conselho fiscal são eleitos. Esta eleição precisa ser representativa e fiscalizada, o
que se torna mais fácil com a grande participação dos associados. Isto poderia levar
a uma outra pergunta: se os diretores são eleitos, haveria espaço para algum tipo de
troca de favores? A resposta é não. Na grande maioria dos casos a disputa é feita por
chapa única. Além disto, as cooperativas singulares são fiscalizadas e têm sua
contabilidade feita pela central, e os diretores eleitos respondem com seu próprio
patrimônio em caso de improbidade.
Os diretores possuem obrigações e se arriscam a perder seus patrimônios em
caso de quebra da cooperativa, e possuem uma remuneração relativamente baixa
para assumir esta responsabilidade: um diretor que trabalhe diariamente na
cooperativa recebe menos que 5 salários mínimos por mês – note que o custo de
vida nesta região é menor do que nos grandes centros. Some-se a isto o fato deles
receberem apenas por dia trabalhado e não poderem trabalhar, nestes dias, em suas
respectivas propriedades. Entretanto, eles se sentem estimulados a fazer este
trabalho. Em entrevistas feitas com diretores, tal estímulo deriva do respeito e
prestígio que gozam atualmente a cooperativa e seus diretores, reforçando sua
liderança regional. Uma conseqüência inesperada por parte do sistema Cresol foi a
projeção política regional de membros do quadro social e diretoria, a ponto de
eleger um deputado federal: Assis Miguel do Couto, pelo Partido dos
Trabalhadores. Outro fator de estímulo ao trabalhar na cooperativa é o aprendizado.
Provavelmente nenhum destes agricultores pensou em um dia estar realizando
funções de banqueiro. Tampouco ser interlocutor junto a órgãos públicos, como o
Banco Central e Ministérios. Percebe-se nas entrevistas que tais fatores são
suficientes para fazer o trabalho dos diretores ser estimulante o suficiente para
compensar os riscos.
5
Os juros do sistema Cresol estão um pouco abaixo dos bancos comerciais, com relação ao crédito pessoal
(1,8% ao mês).
A hipótese deste trabalho defende a maneira de conceder empréstimos como
peça fundamental do sucesso do sistema quanto ao atendimento de seus associados.
Vejamos, então, como funciona o sistema de concessão de crédito6:
Após a solicitação do crédito e do agente ter realizado todas as tarefas de
confirmação do cadastro do associado, levantamento sócio-econômico, análise dos
dados e elaboração do parecer, o processo de decisão culmina com a apresentação
de um dossiê do associado e de sua unidade de produção ao comitê de crédito,
última instância de decisão sobre a concessão do crédito.
Objetivos do comitê de crédito:
•
Zelar pela qualidade da carteira de crédito;
•
Manter critérios técnicos homogêneos nos processos de
decisões;
•
Isentar a decisão de crédito de influências interpessoais;
•
Avaliar a viabilidade da proposta de utilização do crédito;
•
Quantificar o nível de comprometimento/responsabilidade do
agente de crédito com o associado e com a cooperativa;
•
Confirmar se o associado atende os critérios e exigências da
cooperativa;
•
Oportunizar troca de informações com os agentes de crédito
com vistas ao aprimoramento permanente no desempenho de suas funções;
•
Detectar tendências ou comportamento de mercado que
possam interferir na qualidade da carteira;
•
Identificar necessidades de adequação de políticas e
procedimentos definidos nas linhas de crédito.
A análise aplicada a projetos de crédito envolve três componentes: a pessoa do
agricultor e sua família, a unidade de produção, e o projeto de investimento. Tal processo se
desenvolve em seis etapas: proposta básica; cadastros do agricultor e avalista; visita na
unidade de produção para atualizar e aplicar o cadastro sócio-econômico; análise da
viabilidade econômica; plano, projeto ou orçamento; e avaliação pelo comitê de crédito.
Os principais aspectos a serem observados são os cinco C’s: Caráter; Capital;
condições da unidade de produção; capacidade de pagamento;e colateral (garantia).
Caráter é o elemento básico para a decisão de concessão de crédito e um dos
critérios mais difíceis de serem analisados. Fatores de análise: idoneidade, crédito que
desfruta na praça, experiência com operações de crédito na cooperativa.
O principal capital da unidade de produção é o capital humano, mensurado pelo
conhecimento técnico, capacidade empreendedora e experiência com o tipo de atividade
desenvolvida. Fatores de análise: condições sócio-econômicas, experiência profissional,
qualificação técnica, características empreendedoras e objetivos pessoais.
Condições da unidade de produção compreende a análise dos ambientes externo e
interno da unidade de produção, procurando identificar e medir o desempenho das
atividades desenvolvidas. Fatores de análise: características da unidade de produção,
histórico das atividades, mercado, controle e gestão da unidade de produção, visão futura da
unidade de produção.
6
As informações abaixo foram transcritas do documento “O cooperativismo de crédito rural com interação
solidária na agricultura familiar: a formação de um sistema”, de Sady Domingos Alves Grisa. Trata-se de um
manual de circulação interna do sistema.
A capacidade de pagamento compreende a avaliação quantitativa do desempenho
financeiro da unidade de produção. Fatores de análise: recitas operacionais, custos
operacionais, resultados operacional (receita menos despesa), gastos familiares, outras
fontes de renda, margem de endividamento.
As garantias constituem um fator complementar à operação de crédito, devendo-se
levar em conta, em primeiro plano, o caráter e a capacidade de pagamento. Fatores de
análise: qualidade das garantias reais, liquidez das garantias reais e qualidade das garantias
pessoais (aval, fiança).
Como podemos ver nas instruções acima, não é dada muita importância ao sistema
de garantias. Embora saibamos que elas podem aumentar os lucros dos financiadores
(Stiglitz e Weiss, 1981) e aumentar a probabilidade de pagamento, os dois itens principais
são o caráter e a capacidade de pagamento. Está aí a razão do sistema Cresol poder atender
a um público não contemplado pelos bancos comerciais. A razão: os bancos comerciais não
possuem meios de reduzir a assimetria de informação sem que isto gere custos altos
demais.
No sistema Cresol, o grau de inserção da cooperativa junto à comunidade faz com
que seja possível, através da participação dos agentes e diretores no processo de concessão
de crédito, aproveitar a teia social na qual está inserido para diminuir a assimetria de
informação. Os custos de tal redução se diluem entre agentes, diretores e cooperados, uma
vez que o trabalho dos agentes é voluntário e não remunerado, bem como a aplicação de
controles e gestão dentro da unidade de produção fica a cargo do produtor. Como ilustração
a este caso, um dos entrevistados mostrou, com evidente orgulho, sua planilha contábil,
prática até então estranha ao produtor. Claramente, a aplicação de controles contábeis gerou
benefícios ao produtor. Contudo, inicialmente ela gera custos, uma vez que os produtores
precisam ser ensinados e convencidos a fazer tais controles. Os agentes de crédito, por sua
vez, graças à proximidade geográfica e social, conseguem fiscalizar a utilização dos
empréstimos, o que diminui sensivelmente o perigo moral. Tal fiscalização seria
extremamente custosa se feitas por pessoas externas à comunidade.
Os agentes de crédito não recebem remuneração, contudo, realizam um serviço
bastante importante à cooperativa. A contrapartida a este serviço é, como no caso dos
diretores, o respeito e prestígio de exercer este tipo de liderança. Cabe salientar que a
maioria dos entrevistados exerce alguma função em sua comunidade religiosa. São também
bastante participativos em relação aos sindicatos e cooperativas de produção. O exercício
das funções de agente de crédito reforça e é reforçado pela liderança destes indivíduos em
outras áreas do convívio social. Tal antecedente de participação social permite aos agentes
deter informações e consegui-las mais facilmente em suas comunidades.
Diante de tal quadro, o oferecimento de garantias torna-se secundário: dada a
reputação obtida pelo sistema Cresol nos últimos anos, acredita-se que é um sistema
cooperativo duradouro. Ao agricultor, cujas necessidades financeiras são muito peculiares e
sazonais, perder esta fonte de crédito é muito prejudicial no longo prazo. Será uma decisão
bastante racional honrar seus compromissos. De fato, todos os entrevistados temem perder
crédito e reputação junto à cooperativa. A possibilidade de inadimplência, portanto,
dificilmente seria gerada pelo perigo moral, uma vez que os incentivos vão à direção
contrária, ela deriva de algum tipo de erro no planejamento e avaliação da capacidade de
pagamento ou frustração de safra (o que depende de fatores climáticos ou pragas). A
segunda possibilidade é de difícil controle. A primeira, contudo, é controlada pelo tecido
social na qual se insere a cooperativa, bem como por avaliações técnicas por parte do
comitê de crédito.
Tais evidências apóiam a posição de Bittencourt e Abramovay em relação ao
sistema Cresol:
“pode-se dizer que o caráter localizado e a intencional limitação de
tamanho das cooperativas permitem, em princípio, que as redes sociais que a constituem
abram caminho para uma significativa redução dos custos de transação bancária,
explicando assim o paradoxo delas serem economicamente mais viáveis que os sistemas
convencionais, quando se trata de atingir este tipo de público. Ao mesmo tempo, elas
funcionam a partir de um conjunto de controles externos, objeto de administração
financeira padronizada que indicam claramente o potencial de expansão e universalização
do sistema.” (Bittencourt e Abramovay, 2003).
A franca expansão do sistema Cresol indica a presença de altos custos de transação.
Coase (1988) justifica a existência da firma como maneira alternativa de alocação de
recursos em contraposição ao mercado. Sua existência está ligada aos custos de transação.
Podemos incluir o sistema Cresol neste caso. As dificuldades de se acessar o mercado de
crédito explicam sua existência. Seu limite é dado pelo montante de custos transação que
consegue economizar em relação ao sistema de mercado. Como vimos anteriormente, a
redução dos custos de transação depende do uso da coesão social existente na localidade.
Mais ainda, depende da absorção de parte dos custos por parte dos agentes e diretores. Tal
absorção é possível graças ao reconhecimento social recebido por estes indivíduos. Em
busca deste reconhecimento, estes indivíduos estão dispostos a dispor de recursos –
principalmente o tempo – para manter e ampliar este prestígio. A redução de custos de
transação por parte da cooperativa está ligada portanto, ao reconhecimento social que a
cooperativa pode oferecer aos seus diretores e agente. Isto não significa qualquer tipo de
interesse mesquinho, pois o reconhecimento social por parte desta teia social deriva da
realização de atividades com intuitos nobres.
Desta forma, a ampliação do sistema Cresol deve continuar enquanto houver este
mecanismo benéfico de incentivos.
5 Conclusão
O sistema Cresol consegue atingir a um público até então excluído do mercado de
crédito através do uso das relações interpessoas pré-existentes nas comunidades onde atua.
Embora seja verdade que tal coesão social, coeteris paribus, inibe a inadimplência, nota-se
que graças ao caráter perene e grande reputação obtida pela cooperativa, a decisão de
honrar os compromissos de crédito é bastante racional, sob pena de perda de reputação e
créditos futuros. A coesão social e grande participação dos quadros da cooperativa
explicam, por outro lado, o baixo nível de corrupção e o eficiente sistema de alocação de
recursos utilizado pelo sistema. Os custos de transação bancária são drasticamente
reduzidos por parte da cooperativa, em parte porque ela utiliza o recurso da coesão social
para diminuir riscos, custos de monitoramento e assimetria de informação, em parte porque
os custos derivados da assimetria de informação são distribuídos entre agentes de crédito,
quadro social e diretoria do sistema. Tais custos são absorvidos pelos agentes e diretores
graças ao reconhecimento social que tais funções geram.
As características específicas daquela região explicam por que tal reconhecimento
social é importante. O ambiente institucional permite que aqueles que exercem posições de
liderança junto à comunidade sejam reconhecidos e estejam dispostos a ceder recursos –
basicamente tempo – em nome deste reconhecimento. Certamente se sentem reconhecidos
em estar criando uma organização surpreendente do ponto de vista do fortalecimento dos
laços de confiança e organização por parte dos agricultores e agricultoras familiares, bem
como por sua sustentabilidade financeira.
É interessante perceber que tais condições institucionais podem não ser observadas
em diversas localidades. Mas onde as relações horizontais de confiança e reconhecimento
puderem criar este sistema de incentivos benéficos, a reprodução espacial e temporal do
sistema é possível.
O sistema Cresol encontra-se em plena expansão. E ao que tudo indica, tal expansão
será tolhida apenas se e onde tal sistemas de incentivos não for possível.
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o caso do Sistema Cresol