Pós-colonialismo e o hibridismo no Brasil
Mele Pesti
Universidade de Tallinn, Estonia
[email protected]
Introdução
Durante os meus estudos na Universidade de São Paulo em 2010 participei numa diciplina
sobre Modernismo Brasileiro. Nessas aulas o termo “hibridismo” era muitas vezes
mencionado de uma forma pouco reflexiva ou sem ser visto como um termo que pede uma
definição antes de ser usado ou discutido. Como já tinha estudado teoria pós-colonial e
compreendi que “hibridismo” podia ser um conceito chave para perceber a situação cultural
única do Brasil, fiquei curiosa e perguntei:
„O que querem dizer com hibridismo e que tradição de hibridismo cultural seguem no
Brasil?” Pelos olhares confusos que vi percebi que a pergunta parecia estranha. “Hibridismo”
é uma palavra comum na nossa língua, e uma das características mais importantes da nossa
cultura. Sempre a usámos!”, afirmou o professor.
A percepção de que o hibridismo cultural é algo de muito comum e talvez mesmo central na
sociedade brasileira – um país colonizado pelas potências europeias durante séculos –
interessou-me pelas suas eventuais ligações com o uso do termo “hibridismo” nas obras de
proeminentes teóricos do pós-colonialismo. Para compará-los, escolhi dois autores: as obras
do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre e de um dos principais líderes da escola da teoria póscolonial, Homi K. Bhabha. Sei que existe um debate muito intenso no Brasil sobre os
argumentos de Gilberto Freyre na formação da sociedade brasileira e do seu possível atraso
no contexto contemporâneo. Ainda acredito que parte do que escreveu em 1933 se mantém
actual hoje e ajuda-nos na difícil tarefa de formular algumas descrições operacionais sobre a
condição brasileira. Como mais a frente referirei, nem Freyre nem Bhabha nos dão respostas
muito boas, mas ambos contribuem com algo para esta discussão.
No início os diferentes tipos de “hibridismo” sobre o qual escrevem parecem muito distantes
um do outro. Tentei preencher o espaço entre ambos através de concepções genéricas sobre
hibridismo cultural. Assim, usei o trabalho de outros teóricos e também o recente livro de
Peter Burke “Cultural Hybridity”(2009) – a sua tentativa de juntar vários métodos na
explicação de processos de hibridização cultural no mundo. Este processo de colocar lado a
lado duas teorias de hibridismo e compará-las fez-me também pensar numa escala um pouco
maior sobre a justificação do uso de teoria pós-colonial numa análise da América Latina. Este
debate já existe (ver por exemplo Sara Castro-Klarén (1995) lamentando a falta de atenção
dada pelo pós-colonialismo ás realidades latino-americanas ou Klor de Alva (1995) lutando
contra o uso do termo, (ambos citados em McLeod 2007:120)).
O primeiro objectivo deste ensaio é comparar o uso do termo “hibridismo cultural” na velha
tradição brasileira tal como apresentado em Gilberto Freyre’s “Masters and Slaves” (CasaGrande e Senzala, 1933) e na teoria pós-colonial mais contemporânea. Depois prosseguirei
para o debate mais amplo sobre a justificação do uso de teoria pós-colonial na América
Latina. O ultimo e talvez o mais importante objectivo é tentar descobrir quem mais para além
dos mundialmente conhecidos teóricos do pós-colonialismo e de Freyre pode dar-nos uma
descrição ou análise de hibridismo cultural aplicável ao Brasil.
O que quer dizer chamar o Brasil de “nação híbrida”?
O tema da miscigenação tem estado no centro de intensos debates entre intelectuais brasileiros
no que diz respeito a questão da identidade brasileira. Esta discussão prolongou-se durante o
século XX, tendo atingido um dos seus pontos altos durante anos 30 (período que nos trouxe
os textos mais influentes de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Paulo Prado).
Durante o Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), a miscigenação foi
transformada numa bandeira ao serviço da ideologia do estado chamada “democracia racial”,
afirmando que o racismo não existia num país no qual quase todos os cidadãos partilhavam
sangues vários. A usurpação por um ditador do conceito de hibridismo através da
miscigenação para servir propósitos ideológicos não deve tirar crédito ao uso inicial do termo,
e deixar para trás a possibilidade de explicar algo importante sobre a sociedade brasileira.
Apesar de Gilberto Freyre nunca ter usado o polémico termo de “democracia racial”, este foi
claramente aproveitado a partir do seu conceito de “nação híbrida”. No seu livro mais
importante, “Casa-Grande e Senzala, (1933) ele coloca o termo “híbrido” logo no título do
primeiro capítulo: “Características Gerais da Colonização Portuguesa do Brasil: A Formação
de uma Sociedade Agrária, Escrava e Híbrida”. Na primeira página ele afirma que a nova
sociedade brasileira do século XVI é de “composição híbrida, com uma mistura de Índio e
mais tarde de Negro.” (Freyre 1966:3). Freire não se limita a narrativa clássica, quase
mitológica de um Brasil formado por três elementos – os habitantes indígenas originais, os
colonizadores portugueses e os escravos de África. De uma forma inteligente ele menciona a
união de várias culturas compreendendo diversos factores étnicos: “O “Velho Cristão”
português, o Judeu, o Espanhol, o Holandês, o Francês, o Negro, o Ameríndio, os
descendentes dos Mouros” (Freyre 1966: xii).
Freyre explica em detalhe como e porquê as relações interraciais começaram de uma forma
tão rápida e intensa no Brasil quando comparado com todas as outras colonizações nas
Américas. Explica-o sobretudo pela natureza dos portugueses que chegaram ao Novo Mundo:
era a população masculina que tinha ficado em casa após as descobertas portuguesas na Índia,
e que consistia sobretudo “daqueles pobres em recursos económicos, plebeus e de origem
Moçárabe – com uma consciência racial muito fraca” (Freyre 1966: 85). “As inclinações
lascivas de indivíduos sem ligações familiares e rodeados de mulheres índias nuas serviriam
as razões poderosas do Estado, através da rápida população das novas terras com
descendentes mestiços”. (ibid).
O rápido processo de miscigenação contrastava de forma clara com a dos colonizadores
britânicos na América do Norte, onde estes se comportavam muito mais como grupos
fechados, mudando-se para o Novo Mundo com as suas mulheres, sendo mais conservadores,
e tendo muito menos experiência de vida em comum com outras raças do que os portugueses.
No sentido oposto, e de acordo com Freyre, os homens portugueses tinham viajado para o
Novo Mundo sem família, sentiam-se muito atraídos pelas mulheres índias e por terem tido a
experiência de conviver com outras raças não viam as diferenças raciais como um problema.
Mas estas diferenças parecem ser claras mesmo quando o início da colonização do Brasil é
comparada com as conquistas espanholas no Novo Mundo. Freyre argumenta de uma forma
bastante lógica que as culturas Incas, Aztecas e Maias foram destruídas pelos colonizadores
espanhóis porque eram perigosas para o Cristianismo e pouco favoráveis a uma exploração
mais fácil das suas riquezas minerais. Como os recursos naturais esperados não foram
inicialmente descobertas no Brasil, havia menos antagonismo e uma necessidade mais forte na
constituição de famílias e no início da produção agrícola por razões de sobrevivência. Freyre
refere várias vezes a família como sendo um agente absolutamente decisivo na construção da
sociedade brasileira durante os primeiros séculos de colonização.
No “The Routledge Companion to Postcolonial Studies” (2007) Claire Taylor escreve que a
partir da segunda metade do século XVII a população mestiça en America Latina começou a
crescer, bem como a quantidade de casamentos interraciais legítimos. As estatísticas exactas
sobre a composição étnica da nação brasileira através da sua história são difíceis de encontrar:
cada fonte indica dados diferentes e define grupos étnicos de forma diversa. Zita Nunes
escreve num artigo sobre raça e antropologia no Brasil: “Durante o período do comércio de
escravos, o Brasil recebeu até 37% do número total de africanos trazidos pela força para as
Américas (em comparação com os 5% da América do Norte) – (Curtin 1969).” (Nunes 1995:
115). Nunes refere igualmente uma pesquisa (da Costa 1989) que estabelece o número de 1
347 000 brancos e 3 993 000 negros e mulatos a viver no Brasil em meados do século XIX.
Enquanto contextualiza as especificidades do Brasil, Freyre cita também (entre muitos outros)
um importante trabalho sobre relações raciais conduzida pelo seu contemporâneo Ruediger
Bilden em 1931. De acordo com este estudo, os diferentes tipos de colonização na América
Latina encontram-se divididos em quatro grupos: as repúblicas maioritariamente brancas da
região de Rio de la Plata e do Chile com poucos índios; México e Perú, com conflitos
acentuados pelas riquezas minerais e onde a exploração e o antagonismo entre raças
resultaram numa super-estrutura europeia; Paraguai e Haiti com uma maioria de Índios e
Negros; e o último grupo, cujo único exemplo é o Brasil, onde o elemento europeu nunca se
encontrou numa posição de domínio absoluto sem disputa e por isso mesmo sempre teve que
competir com os outros numa base de maior igualdade. Freyre acrescenta um comentário:
“Híbrida desde o inicio, a sociedade brasileira é, entre todas as das Américas, a mais
harmoniosamente constituída no que diz respeito às relações raciais, no contexto de uma
reciprocidade cultural prática” (Freyre 1966: 83).
Tocando agora no lado mais discutível da narrativa de Freyre, existem muitos pontos
altamente criticáveis que podem ser feitos, mas dois destes são particularmente importantes.
Em primeiro lugar, ele não dedica muita atenção à violência que está presente no processo de
“hibridismo ao nível da família. Concretamente, a questão é a seguinte: a formação de uma
nova família híbrida foi sempre inteiramente voluntária no que diz respeito à mulher
Índia/Negra? E se existia, por muito pequeno que fosse, um elemento económico ou de medo
envolvido, podemos ainda falar de “relações raciais harmoniosamente constituídas?” Talvez o
hibridismo perdesse assim parte do seu significado positivo e se passasse a analisar o
fenómeno num contexto de dominação, repressão, etc.
A segunda questão a colocar sobre as premissas de Freyre é a questão sobre a que sectores da
sociedade o “hibridismo” a que este se refere são aplicáveis. O “hibridismo” a que se refere
Freyre no Brasil parece ser racial e de alguma forma cultural, mas não exactamente social ou
político. Deste modo a discussão sobre uma sociedade híbrida harmoniosa tal como
apresentada por Freyre requer atenção especial: nalguns sectores os seus argumentos possuem
alguma verdade, mas noutros são muito limitados.
Enquanto se celebram os frutos do hibridismo racial não devemos idealizar a nova raça
híbrida e fechar os olhos às relações hierárquicas e enormes desigualdades presentes na
sociedade brasileira. Apesar de todo este hibridismo racial as desigualdades continuam,
paradoxalmente, a ter uma base racial. “No Brasil a desconstrução da raça levou a esconder o
facto de que a discrepância estatística entre brancos e “castanhos” (pardos) na mortalidade
infantil, esperança de vida e rendimento disponível é consistentemente elevada, enquanto que
a discrepância estatística entre “castanhos” e negros é consistentemente pequena. (Nunes
1995: 116-117)
O optimismo de Freyre sobre a sociedade tem alguma razão de ser, mas ignora igualmente
muitas realidades sociais: “Os portugueses não trouxeram para o Brasil divisões políticas,
como os espanhóis o fizeram nas Américas, nem diferenças religiosas, como foi o caso dos
ingleses e franceses nas suas colónias.” (Freyre 1966: 40) “Talvez em mais nenhum lugar
ocorra o encontro, intercomunicação e a fusão harmoniosa de tradições culturais diferentes de
uma forma tão liberal como no Brasil” (ibid: 78) Freyre avança com algumas críticas (sobre o
grande fosso entre doutorados e iletrados, sádicos e masoquistas, senhores e escravos) mas
termina a sua argumentação numa nota optimista: “Entretanto o fosso entre os dois extremos
continua a ser enorme, a intercomunicação entre tradições culturais é em muitos casos
deficiente; mas de qualquer modo o regime brasileiro não pode ser acusado de rigidez ou/…/
de falta de uma mobilidade vertical.” (ibid). Aqui podemos mais uma vez detectar o
entusiasmo de Freyre sobre o hibridismo racial que ele não separa de um hibridismo
social/político. Em vez disso ele funde-os num só, transmitindo um diagnóstico geralmente
positivo.
O diálogo entre o “hibridismo” na teoria pós-colonial e de Gilberto Freyre
Os teóricos pós-coloniais Bill Ashcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin compilaram os
conceitos chave do pensamento pós-colonial. Eles definem hibridismo de uma forma
abrangente, como a criação de novas formas transculturais no interior da área de contacto
produzida pela colonização, as suas formas sendo linguísticas, culturais, políticas e raciais
(Ashcroft et al 2000). A forma como Freyre analisa o hibridismo encaixa perfeitamente nesta
definição: a partir do ano de 1500 o Brasil transforma-se claramente numa área de contacto
por causa da colonização. Das formas transculturais ele dá mais atenção à racial, mas sublinha
que esta não é a questão mais importante do hibridismo. O que para ele é mais importante é a
diversidade étnica que deixa a sua marca nas formas culturais da vida. Freyre faz igualmente
algumas incursões linguísticas tentando explicar a suavidade do português do Brasil em
comparação com a sua versão europeia através da diversidade étnica dos seus falantes no
Novo Mundo.
O pensador/intelectual que preencheu o termo “hibridismo” com um conteúdo mais sólido foi
Homi K. Bhabha. Nos seus principais trabalhos sobre teoria pós-colonial (editados no livro
“The location of culture” 1994) Bhabha tende a problematizar a oposição binária demasiado
simples entre “colonizador” e “colonizado”. Tal como aplicado ao Brasil, a reconsideração
desta oposição torna-se inevitável. Quando o processo de miscigenação já teve um impacto
muito forte na formação da sociedade, torna-se impossível colocar em oposição
“colonizadores” e “colonizados” de forma clara. O proto-colonizador (o português) e o protocolonizado (o índio, o africano), transformaram-se num só: o brasileiro. A repressão mantémse mas não através de linhas definidas entre colonizador e colonizado.
Lendo com mais atenção os textos de Bhabha devemos lembrar-nos que os escreveu em
diálogo com Edward Said e outros críticos do discurso colonial. Bhabha viu-os como uma
imagem transmitindo uma imagem monocromática do colonizador e colonizado no Oriente, e
em especial na Índia, e criou a sua própria teoria para iluminar áreas mais abrangentes na sua
composição.
Bhabha sublinha a interdependência entre colonizador e colonizado e a construção mútua das
suas subjectividades. Na sua compilação de conceitos chave do pós-colonialismo, Aschcroft,
Griffiths e Tiffin explicam que para Bhabha o reconhecimento de um espaço de ambivalência
de identidade cultural pode ajudar-nos a ultrapassar o exotismo da diversidade cultural em
prol do reconhecimento de um hibridismo libertador no qual a diversidade cultural pode
operar (2000: 118). Isso encaixa na perfeição com o principal conceito nos trabalhos de
Freyre - e é importante perceber que o exotismo também é possível no contexto de uma
nação, especialmente se é de tal maneira grande e distinta como a brasileira.
Na actualidade, uma das questões fundamentais no mundo globalizado é: o que é que uma
sociedade precisa fazer num contexto onde coexistem vários grupos étnicos vivendo juntos?
Nos discursos europeus e norte-americanos a principal resposta hoje em dia é o
multiculturalismo, e no Brasil desde o início da colonização sempre foi: hibridismo. Bhabha
parece preferir o último, sugerindo que a celebração da diversidade não é suficiente para uma
sociedade funcionar bem.
“Porque a vontade em penetrar em território desconhecido/…/ pode permitir a
conceptualização de uma cultura internacional, que não toma por base o exotismo do
multiculturalismo da diversidade de culturas, mas na inscrição e articulação do hibridismo
cultural.” (Bhabha 1994: 56)
Assim podemos chegar a uma conclusão preliminar que nos diz que o hibridismo que Bhabha
encontra no caso da Índia num espaço bastante abstracto formado algures no terceiro espaço
entre colonizador e colonizado, está presente de uma forma muito mais aberta noutro país
com uma trajectória histórica muito diferente. Talvez os brasileiros já alcançaram o objectivo
que Bhabha coloca às sociedades: ultrapassar o exotismo da diversidade cultural em favor de
um reconhecimento de um hibridismo libertador?
Peter Burke avisa-nos sobre os perigos em idealizar o “hibridismo”. O conceito de hibridismo
também foi criticado por oferecer uma imagem de harmonia de algo que é obviamente um
confronto e por ignorar descriminações sociais e culturais. /…/ No entanto pode ser útil
distinguir estes conflitos sociais das suas consequências não intencionais no longo prazo – a
mistura, interpenetração ou hibridação de culturas.” (Burke 2009: 7)
***
É também extremamente importante tomar em consideração nesta discussão o grande impacto
da escravatura na história brasileira, cujos efeitos ainda são muito visíveis na sociedade
actualmente, muito após a abolição da escravatura em 1888. Mesmo quando o Senhor não era
de origem pura europeia e a sua mulher indígena, ele ainda ocupava o lugar do Senhor e deste
modo, do repressor. É no entanto muito discutível se podemos tratar o Senhor por
colonizador, especialmente porque na medida que o tempo passa se torna cada vez mais
difícil distinguir quando é que o dono da plantação de origem portuguesa ou o seu filho ou
neto deixa de ser português e se torna brasileiro. Podemos afirmar que a dinâmica que nos
interessa aqui tem lugar entre o senhor e o escravo, e não entre o colonizador e o colonizado.
Nesta relação antagónica os termos sugeridos por Bhabha: “mimetismo/mimicry” e
“ambivalência/ambivalence” também encaixam bastante bem para descrever os processos em
curso.
A relação pouco clara entre colonizador/colonizado fica ainda mais complicada se
adicionarmos o precedente da mudança da Coroa do Império português para o Brasil em
1808-1821 – a colónia periférica transformando-se na metrópole. A relação entre colonizador
e colonizado parece ficar esvaziada do seu significado inicial nesta situação de alteração da
ordem de poder, bastante única na história mundial. Poderia certamente ser uma base para o
estudo das relações centro/periferia em circunstâncias de mudança.
No que diz respeito ao objectivo deste trabalho – comparar o hibridismo visto do Brasil com o
da teoria pós-colonial – podemos assumir que o hibridismo no caso brasileiro não é
necessariamente formado na oposição colonizador/colonizado – ou se o é, é num sentido
muito mais abrangente, onde pelo menos uma parte da equação, o “colonizador”, se torna
progressivamente uma figura quase mitológica: “colonizador” é cada vez menos um indivíduo
concreto e mais uma ideologia ultrapassada que se manifesta apenas parcialmente na figura do
dono da plantação. O senhor e o seu chicote são muito reais na mente do escravo (que parece
encaixar na figura do “colonizado”) mas os valores que o senhor traz consigo não são
necessariamente puramente coloniais. Portugal estando tão longe e sendo tão pequeno e tendo
que tomar conta de tantas outras colónias noutros continentes – tudo isto ao mesmo tempo que
perde a sua importância como potência mundial. Não possui a energia necessária de uma
super-potência para impor um domínio colonial aos seus sujeitos.
Assim, a distância entre a noção da representação democrática do povo vs os serviço imposto
por um governo colonial central tal como descrito por Bhabha (1994: 136-137), ou a distância
na lealdade dos senhores coloniais, entre a sua antiga pátria e a nova não pode ser aplicada no
Brasil de uma forma simples. A segunda ou pelo menos a terceira geração de senhores
coloniais encontrava-se já tão afastada de Portugal que fez tais questões dissiparem-se. As
questões enunciadas por Bhabha sobre democracia e representatividade não são realmente
aplicáveis no contexto do Brasil colonial mas a questão da lealdade dos colonizadores ainda
pode ser colocada. Daquilo que nos dizem Freyre e os historiadores brasileiros sobre a
mentalidade dos senhores entre os séculos XVI-XIX no Brasil, eu suponho que as suas
limitações éticas no dia-a-dia não eram o resultado de uma divisão de lealdades entre dois
países tal como Bhabha o coloca. O Brasil parece ter sido para muitos a sua única casa, e a
mística
pátria
portuguesa
estava
simplesmente
demasiado
longe,
fisicamente
e
psicologicamente.
A partir dos séculos XVII-XVIII, o senhor – se acreditarmos nas descrições de Gilberto
Freyre – já não é necessariamente o colonizador português: este tornou-se parte de uma
cultura híbrida. Mesmo que ela provenha de uma das poucas linhas de sangue “puramente”
portuguesas ele teria muito provavelmente uma ama negra, um amigo para as brincadeiras que
seria um escravo negro e uma amante negra ou índia. Tudo isto o afecta de forma profunda –
muito mais do que qualquer família inglesa seria influenciada pelos hábitos indianos ou a sua
maneira de pensar.
Não nos devemos esquecer que esta imagem do senhor é um pouco idealizada/fabricada.
Afirmar que a noção de colonizador desapareceu rapidamente devido ao rápido progresso do
hibridismo não quer dizer que a repressão e práticas cruéis não tinham lugar tão
frequentemente como noutros países colonizados onde os colonizadores mantinham a sua
identidade e estavam ligados de uma forma mais directa à sua pátria. Gilberto Freyre tem sido
acusado de excesso de optimismo na maneira nostálgica como escreve a história, não fazendo
referência à violência presente nesta imagem idílica de uma sociedade híbrida. Se analisado
mais de perto, o seu “The Masters and Slaves” é escrito a partir da perspectiva do senhor.
Apesar da sua simpatia pelos escravos e dos seus esforços para elevar o orgulho pelas
contribuições dadas pelos indígenas e africanos para a consciência nacional, existe um
elemento paternalista presente. A história do ponto de vista do escravo (ou qualquer outra
pessoa de estatuto social baixo) continua sem ser contada – as obras de Gayatri Spivak no
campo dos estudos subalternos poderão neste caso ser uteis.
***
Um dos problemas no uso da teoria de Bhabha para analisar a situação brasileira reside na
diferença do nível de auto-confiança do colonizador em vários casos. O sistema colonial
(indiano) apresentado por Bhabha implica uma situação onde os colonizadores conseguiram
convencer os indígenas sobre a superioridade dos britânicos (apesar das confusões sobre a
credibilidade de uma autoridade que come carne). Baseado na classificação dos diferentes
estilos de colonização de Ruediger Bilden acima mencionados, algumas semelhanças podem
ser aplicadas no contexto da “Super-estrutura europeia” no México e no Perú, mas não no
Brasil, onde a hierarquia racial era muito menos rígida e a miscigenação tinha já tido um
efeito muito rápido e forte na sociedade.
Algo semelhante ao que Bhabha descreve como ambivalência colonial e o uso do mimetismo
poderá ter acontecido (num processo que talvez possa ser chamado de auto-colonização
cultural) na relação entre brasileiros e britânicos. Houve uma onda de “londronização” no
inicio do século XIX quando os homens no Rio de Janeiro usavam grossos fatos britânicos no
meio do calor tropical (Burke 2009: 80), e Freyre tinha referido situações semelhantes na sua
cidade natal do Recife. Existe também uma expressão no Brasil – em uso desde o século XIX
– “para inglês ver”, que tem um significado semelhante á da “aldeia Potyomkin” nos países
mais próximos da cultura russa – algo que é feito apenas para que o patrão/senhor/colonizador
veja, algo que aquele que o prepara ou mostra não acredita, ou que nem sequer existe. Parece
ser muito próximo da definição de “sly civility” tal como referido por Bhabha (1994). Mas
mais uma vez – o exemplo não é muito válido para analisar de uma forma tradicional o
processo de colonização (a relação entre Portugal e o Brasil) pois esta expressão descreve um
aspecto da relação entre brasileiros e ingleses, que oficialmente nunca tiveram uma relação no
campo da colonização.
Os dados que colocam de parte o Brasil da análise (parcial) da teoria pós-colonial.
A partir de tudo aquilo que já foi referido, começo a formar a hipótese sobre as grandes
limitações em analisar o Brasil a partir do hibridismo de Bhabha – não porque ele o defina de
forma diferente mas pelas diferenças entre os contextos históricos dos países analisados.
Apesar destas limitações, ainda podemos utilizar algumas das formulações de Bhabha sobre o
hibridismo.
Parece-me que no caso do Brasil o hibridismo foi formado a partir de diversos elementos
étnicos devido e apesar do colonialismo, sendo que aconteceu certamente na zona de contacto
que se formou apenas por causa da colonização. Depois, neste mesmo processo, este mesmo
hibridismo começou a trabalhar contra o colonialismo – não como uma resistência activa
contra o poder colonial mas de uma forma mais subtil. Hibridismo visto a partir da tradição
brasileira (baseado sobretudo nos trabalhos de Freyre) é um processo que construiu uma
nação, uma força centrípeta que juntou vários elementos – os colonizadores, os colonizados e
os que ficam no meio – formando uma mistura. Não devemos pensar que esta mistura traz
igualdade para todos os seus elementos constituintes (isso significaria aceitar a visão
promovida pelo presidente Getúlio Vargas) mas o processo de hibridização criou certamente
alguma coesão entre pessoas que entraram nesta mistura a partir de pontos de entrada muito
diferentes e níveis de hierarquia social diversos.
As pessoas de origem portuguesa que podiam claramente ser identificadas como os
colonizadores no início do século XVI foram gradualmente perdendo a sua identidade como
colonizadores, mas mantendo-se como senhores. Os portugueses tornaram-se brasileiros. Não
nos devemos esquecer de um dos principais factores que torna o Brasil diferente da Índia (este
último país é o principal caso de estudo de Gayatri Spivak e Homi Bhabha): não existiam
“brasileiros” no início, não havia sujeito para formar o parceiro antagonista (na opinião de
Edward Said) ou ambivalente (na opinião de Bhabha). Assim, se Bhabha afirma, baseado em
Derrida e Lacan, que a situação colonial se baseia no mimetismo, ou na imitação
multifacetada da situação da pátria na terra da conquista colonial imposta aos sujeitos
coloniais, podemos facilmente dizer que tal não se aplica ao Brasil porque o sujeito colonial
não existia quando os portugueses chegaram. Algo com o potencial de se tornar num sujeito
colonial começou a formar-se num processo que incluiu o colonizador original, os seus
escravos (isto é – os colonizados de outro continente) e os colonizados originários do Brasil
(os indígenas). Pode-se afirmar que o resultado deste processo – o brasileiro – foi mais tarde
colonizado economicamente (pelos britânicos, e mais tarde pelos americanos e pelas empresas
multinacionais) mas isto já é um tipo diferente de colonização e requer novas estruturas
teóricas de análise.
Claro que os indígenas estavam presentes no “Novo Mundo” no momento do contacto e
existem processos extremamente interessantes a ter lugar nas leituras de ambos os lados sobre
este contacto – mas isso é uma outra história (ou talvez parte da mesma história, mas apenas
uma parte). O único momento durante projecto brasileiro de colonização no qual podemos
analisar a relação entre colonizador e colonizado é logo no início do século XVI quando os
homens portugueses que chegaram ao Novo Mundo mudaram de forma violenta as vidas dos
indígenas e começaram a agir da maneira que acharam própria em nome de um Império e em
nome da civilização que entrava agora numa “não-civilização”. Mas este jogo com dois
jogadores não durou muito: os portugueses começaram a perder a sua “portugalidade” – no
sentido de se sentirem abandonados pela sua pátria e também por deixarem rapidamente o seu
anterior sistema de valores. O terceiro elemento – o escravo Negro, apareceu igualmente neste
contexto e mudou-o também de forma radical.
Nos processos de hibridização que começaram a partir daqui, contados de uma forma tão
sedutora por Gilberto Freyre, a lógica colonial apresentada por Homi Bhabha enfraqueceu ou
deixou mesmo de funcionar. Toda a vida dos descendentes dos colonizadores estava agora no
“Novo Mundo” /que também deixou de ser “novo”), e estes perderam a sua posição volátil e
ambivalente entre dois países que os funcionários britânicos na Índia ainda mantinham na
primeira metade do século XX.
Vamos fazer uma última tentativa para iluminar o contexto brasileiro com as fórmulas de
Homi Bhabha sobre a natureza do hibridismo. Ele define-o primeiramente por aquilo que não
é e depois pelo que é: “Não é uma terceira definição que acaba com a tensão entre duas
culturas, ou duas cenas de um livro, numa peça dialéctica de “reconhecimento”….o
hibridismo colonial não é um problema da genealogia ou identidade entre duas culturas
diferentes que pode depois ser resolvido através do relativismo cultural. O hibridismo é um
problema de representação colonial e de individualidade que altera os efeitos da negação
colonialista, para que outros conhecimentos “recusados” entrem no discurso dominante e
alterem a base da sua autoridade – as suas regras de reconhecimento.” (1994: 162)
Como sabemos agora que no contexto brasileiro o “hibridismo” existe num espaço diferente –
não entre colonizador/colonizado mas entre os diferentes actores étnicos na situação colonial
apesar e apesar da situação colonial – podemos ver que tudo na definição mais abrangente de
“hibridismo” ainda é aplicável ao Brasil. O discurso dominante não é claramente definido
como sendo o discurso colonial, é cada vez mais o discurso do senhor/master que estão a ser
afastados do império europeu – a voz colonial. Ao mesmo tempo a situação mantém-se “algo”
colonial por causa da escravatura, peça central no processo de produção de significado na vida
brasileira mesmo após a abolição, e que tem as suas origens no colonialismo.
Procurando outras possibilidades para teorizar a condição Latino-Americana
A um nível geral, os dois principais pensadores usados neste trabalho – Freyre e Bhabha –
podem ser vistos como dois analistas da mesma tendência global: mistura racial e cultural,
fusão, transferência, troca – que está claramente em crescimento, apesar das diferentes
denominações e preferências teóricas dos autores. Peter Burke tentou coligir todos os teóricos
destes processos e colocá-los em grupos diferentes de trocas culturais, como exemplos de
imitação, apropriação ou mistura. Não é claro o porquê da utilização de apenas um dos
elementos como título do livro (“hibridismo cultural”). Quer isso dizer que ele o considera
suficientemente genérico para ser usado como termo-chapéu aplicável a todas (e muitas vezes
em competição) descrições de misturas culturais? (eu tento utilizar “mistura” como termochapéu para não confundir com “hibridismo”, que é um dos tópicos em análise). Apesar de
Burke “premiar” o hibridismo colocando-o no título do seu livro, também o critica por não ser
um conceito ideal. “Hibridismo é um conceito complexo e ambíguo, ao mesmo tempo literal e
metafórico, descritivo e explicador”. (Burke 2009: 154)
Burke vê Gilberto Freyre como um dos primeiros dois defensores do hibridismo, sendo o
segundo o mexicano José Vasconcelos, o autor de “The Cosmic Race” (1929), que apresentou
o mestiço como sendo a essência da nação mexicana (Burke 2009: 4) Estes dois autores já
apontam para o hibridismo como algo que cresceu e se desenvolveu a partir dos trabalhos de
teóricos latino americanos (e levanta a questão sobre o porquê desta ligação não ter sido
identificada na teoria pós-colonial mainstream?). Esta linha de pensamento é ao mesmo tempo
precedida e seguida por outros conceitos de origem latino-americana paralelos ao hibridismo.
Não entrarei em detalhes sobre os mesmos, que vão para além dos objectivos deste texto, mas
farei uma curta apresentação.
Primeiramente a escola de antropofagia surgiu – ainda antes de Freyre e Vasconcelos – no
Brasil dos anos 20. O “Manifesto Antropofágico” (1928) é muitas vezes menorizado pelos
historiadores das ideias, provavelmente porque o seu autor, Oswald de Andrade, gostava de se
expressar de uma forma bastante hermética e metafórica, e as ideias bem á frente do seu
tempo/época não revelam o seu verdadeiro significado numa primeira leitura. Burke refuta
estas ideias como uma versão de imitação, sublinhando apenas a “parte-digerida” da metáfora
(2009:38) e deixando totalmente de lado as ideias vanguardistas sobre o reverso do poder
cultural e as sugestões para reanalisar a história mundial a partir de um ponto de vista latinoamericano. Oswald de Andrade é um autor respeitado e estudado no Brasil, mas parece que o
“peso” filosófico e sociológico do seu “Manifesto Antropofágico” continua a ser menorizado.
Merece ser estudado de forma mais aprofundada no contexto da discussão do hibridismo no
Brasil. De facto “antropofagia” poderia ser uma metáfora mais acertada que o termo
hibridismo para compreender a condição brasileira, pelas razões acima mencionadas: apenas
alguns aspectos do hibridismo (raciais, étnicos) funcionam realmente, enquanto outros
(sociais, políticos) nem por isso, e a antropofagia devora-os todos.
No período entre as obras de Frantz Fanon e Edward Said no contexto da teoria pós-colonial
surge uma outra interessante teoria produzida por um autor latino-americano. No seu texto de
1971 “Caliban: Notes Towards a Discussion of Culture in Our America”, o escritor cubano
Roberto Fernandez Retamar lida com tópicos e problemáticas pós-coloniais. Tomando por
base “Storm”, de Shakespeare, Retamar sugere que o símbolo mais apropriado para a América
Latina não é Ariel mas sim Caliban. Próspero invadiu as ilhas, matou os seus antecessores,
escravizou Caliban e ensinou-lhe a sua língua para que ele próprio pudesse ser compreendido.
È por isso que Caliban é uma representação útil da América Latina, na qual apenas termos que
são emprestados podem por ele ser utilizados para a sua expressão. Não existe uma identidade
latino-americano “essencial” que possa ser expressada/explicada sem os constrangimentos
impostos pela língua colonial (Taylor 2007: 123). Mais uma vez estamos perante uma
metáfora que é eventualmente mais adequada para explicar as realidades brasileiras que os
autores descreveram anteriormente. Primeiramente revela o lado violento do processo de
hibridismo cultural que Gilberto Freyre não considera nos seus textos e por outro lado o
contexto histórico local do continente é tomado em consideração – algo que Bhabha nunca
poderia ter feito.
Taylor chama a nossa atenção para um detalhe muito importante sobre Retamar e Ortiz, mas
eu aplicaria também a de Andrade. Nenhum destes três pensadores rejeita os conceitos dos
poderes coloniais, mas argumentam que a exploração estratégica e a manipulação desses
termos deve ser a forma de expressão para os latino-americanos. “Tal conceito parece
esvaziar os conceitos de sly civility, mimetismo e hibridismo apresentados anos mais tarde por
Bhabha” (Taylor 2007: 124).
A linha de pensadores latino-americanos que teorizam a situação pós-colonial sem fazer
referência à teoria pós-colonial mainstream (e também em muitos casos precedendo-a)
continua. Entre os intelectuais brasileiros contemporâneos podemos mencionar Silvano
Santiago com a sua noção de “in-betweeness” (Santiago 1971) cujos agumentos são próximos
ao hibridismo de Bhabha, atribuindo um papel mais activo aos “nativos”, ou Roberto
Schwartz (1992) com a sua brilhante teoria sobre “misplaced ideas”.
É talvez nesta linha contínua de pensamento que reside o actual discurso latino-americano
sobre as mesmas problemáticas/questões que Bhabha e outros investigam nos seus trabalhos
sobre outros locais no mundo. A razão pela qual os trabalhos destes intelectuais encontram
mais dificuldades para se integrarem na história do pensamento pós-colonial não reside numa
falta de qualidade ou falta de vigor académico mas eventualmente no facto de que estes
autores continuam a ser “nativos”, sendo assim mais difícil de penetrar/influenciar a partir
desta posição o discurso académico internacional.
A partir de uma visão global podemos ver que os exemplos muito fragmentados de como
diferentes intelectuais de todo o mundo registaram/problematizaram as suas ideias na obra
“Hibridismo Cultural”, parece existir mais uma característica em comum que vai para além da
semelhança de tópico. A partir das diferentes teorias aplicadas em contextos diferentes
podemos detectar um eixo relativamente estável de uma avaliação totalmente negativa de
misturas culturais em direcção de uma aceitação e até promoção dos efeitos positivos do
processo. Parece que pelo menos os pensadores mais vanguardistas estão a ficar prontos para
abraçar a inevitável tendência geral para o hibridismo e para o surgimento de novas formas.
Burke sublinha o facto de que todas as culturas são híbridas, mas algumas são-no mais que
outras. “Também existem algumas ocasiões de uma hibridização particularmente intenso,
consequência de encontros culturais” (66). A seguir vem um período de estabilização, depois
um novo encontro e o velho híbrido é protegido contra o novo (ibid.). Todas estas etapas
podem ser analisadas/vistas de forma clara no Brasil durante os últimos 500 anos da sua
história.
Conclusão
Por várias razões que foram apresentadas neste texto, o Brasil não parece ser o melhor
exemplo para usar as análises exactas/objectivas e por vezes mesmo psicológicas que Homi
Bhabha aplica aos processos que decorrem no interior da relação colonizador/colonizado. A
análise de Bhabha funciona bem nos tipos de colonização onde é fácil definir o colonizador e
o indígena, como na Índia colonial e em muitos outros países. O hibridismo, nesses casos, é
formado num terceiro espaço entre os dois, está também presente e por vezes de forma
vigorosa no Brasil, mas o processo de formação é diferente, a sua presença é muito mais
aberta e por isso mais fácil de detectar do que em muitos outros países colonizados. Apesar da
sua diferente forma, é este mesmo hibridismo, visto pelo dois principais autores analisados
neste texto como algo de positivo ou, de uma forma mais neutra, uma consequência inevitável
do colonialismo. Hoje em dia podemos vê-lo sendo aplicado em todo o lado pois vivemos no
mundo moderno onde nenhum homem é uma ilha. A colonização iniciou alguns processos
irreversíveis há muito tempo e agora os contactos entre etnias têm lugar a uma grande escala.
Durante a análise da situação pós-colonial no Brasil, os textos dos autores latino-americanos
poderão ser mais úteis do que os dos autores que fazem parte da nata da teoria pós-colonial.
Perceber porquê estes autores não fazem parte deste grupo é uma questão diferente mas que
vale a pena também analisar. O que é importante: os autores da metáfora da antropofagia ou
símbolo de Caliban e muitos outros pensadores latino-americanos demonstram de uma forma
muito original a multiplicidade de contactos culturais entre a Europa (e mais tarde os EUA) e
a América Latina, as estratégias de reversão/oposição das aparentes relações de poder
unidireccionais e algumas alternativas muito criativas de manipulação estratégica dos termos
impostos pela Europa.
Bibliografia:
Ashcroft, Bill; Griffiths, Gareth; Tiffin, Helen (eds) 2000. Post-Colonial Studies. The Key
Concepts. Routledge, New York.
Bhabha, Homi K. 1994. The Location of Culture. Routledge, London and New York
Burke, Peter 2009. Cultural Hybridity. Polity Press, Cambridge.
Freyre, Gilberto 1966. The Masters and The Slaves. Alfred A. Knopf, New York.
Levine, Robert M. 1999. The Brazil Reader: History, Culture, Politics. Duke University Press.
McLeod, John (ed). The Routledge Companion to Postcolonial Studies. NY, 2007.
Nunes, Zita 1995. Anthropology and Race in Brazilian Modernism. In: Colonial discourse/
post-colonial theory. Edited by Francis Barker, Peter Hulme, Margaret Iversen. Manchester
University Press, p 115-125.
Santiago, Silviano 1978. Uma literatura nos trópicos. Editora Perspectiva, Sao Paulo.
Schwarz, Roberto 1992. Misplaced Ideas. Essays on Brazilian Culture. Verso, London.
Download

Pós-colonialismo e o hibridismo no Brasil Mele Pesti Universidade