UM FILME DE BRILLANTE MENDOZA SINOPSES SINOPSE CURTA Duas avós lidam com as consequências de um crime que envolve os seus respectivos netos - um é vítima, o outro suspeito. Frágeis e sem posses, terão de conseguir dinheiro para o enterro de um e para a fiança do outro. Tudo por amor aos netos. SINOPSE O neto de Lola Sepa foi morto por um ladrão de telemóveis. Apesar do desgosto trazido pela súbita violência, tem de carregar o fardo dos preparativos para o funeral. Ela e a família são pobres, e não há dinheiro suficiente para o caixão e para o processo legal contra o suspeito homicida. Mas esta mulher idosa está até disposta a fazer um empréstimo bancário para assegurar um enterro decente e fazer justiça ao seu adorado neto. Lola Puring está decidida a tirar o seu neto Mateo da prisão, apesar de ele ser acusado de ter matado insensatamente o neto de Lola Sepa. Mas a pobre idosa não tem dinheiro para a fiança. Cada vez que visita o neto na prisão para lhe levar refeições decentes, parte-se-lhe o coração ao vê-lo abatido atrás das grades ao pé de tantos outros. Na primeira audiência de tribunal, as duas avós vão ter de se confrontar. Frágeis e pobres, ambas estão determinadas a fazer tudo o que for necessário pelos seus netos. O futuro do caso depende do amor de avó... 2 COMENTÁRIOS DE BRILLANTE MENDOZA A nossa humanidade pode ser pesada e equilibrada nas balanças da justiça. Em LOLA, um crime vai testar as forças e as fraquezas de duas mulheres idosas. Uma vai demonstrar-se fraca, a outra forte. Mantém-se o equilíbrio da humanidade e, como na natureza, sobrevivem os mais fortes. Mas o valor humano é gerido pelo estatuto social. LOLA Lola significa avó em Tagalog. Os filipinos respeitam muito os mais velhos, especialmente os avós. O respeito pelos mais velhos é, desde sempre, motivo de orgulho para os filipinos. Os avós desempenham um papel importante em todas as famílias filipinas. Os filipinos são conhecidos pelos seus laços familiares muito fortes. Quando os pais não estão, os filhos vão viver com os avós. Muitas vezes, tratam melhor os netos do que os próprios filhos. Sabe-se que, frequentemente, os avós estragam os netos com mimo. AS AVÓS Em LOLA, ambas as avós são interpretadas por actrizes profissionais. Já tinha pensado nas duas actrizes quando eu e o argumentista escrevemos a história há dois anos. Anita Linda, que faz de Lola Sepa, tem 84 anos, e Rustica Carpio, que faz de Lola Puring, tem 79 anos. É sempre uma alegria trabalhar com profissionais assim. Nunca se queixaram durante a rodagem, apesar das dificuldades logísticas. 3 COMUNIDADES INUNDADAS O filme foi rodado em Malabon, a maior área de Manila. Fica a cerca de 45 minutos da baixa. Esta comunidade está inundada o ano inteiro. O nível da água sobe ou desce consoante a queda de chuva. As pessoas que vivem nesta comunidade decidiram permanecer nesta área inundada porque não têm casa ou outro sítio para viver na grande Manila. Decidi filmar nessa zona de Manila para mostrar as condições de vida das pessoas que aí moram e a forma como lidam com a sua vida quotidiana e como se adaptaram a este ambiente. Tal como se mostra em LOLA, apesar das suas condições de vida, ainda assim conseguem sobreviver e encontrar soluções para os problemas dos seus entes queridos. A ESTAÇÃO DAS CHUVAS Rodei o filme em Junho, durante a estação das chuvas. Queria especificamente uma atmosfera encoberta que evocasse a dor que as avós sentem ao longo do filme. A chuva e o vento são artificiais. Não podíamos depender de chuva verdadeira porque a câmara e o equipamento de luz podiam ficar molhados. É também muito perigoso ter cabos espalhados enquanto chove. A água é também um símbolo em LOLA. A água é a fonte da vida, mas também pode ser a fonte da estagnação e da imundície. Podemos flutuar na água, mas também podemos afundar-nos. A PROCISSÃO FÚNEBRE A procissão fúnebre que é mostrada em LOLA é típica de áreas inundadas. Do mesmo modo, há desfiles fluviais famosos em algumas regiões das Filipinas durante os festejos das estações das chuvas. A pessoa que vemos cair à água no início da procissão fúnebre foi secretamente arranjada por mim e pelo assistente de realização. Queríamos surpreender os figurantes. Acontece que todos se riram dele, quebrando o silêncio e a solenidade da cena. ACONTECIMENTOS REAIS O filme foi baseado em acontecimentos reais de um neto ter matado outro. Situei esta historia durante a estação das chuvas em Manila porque quis conferir um ambiente e uma atmosfera melancólicos de forma a complementar os sentimentos das duas lutadoras personagens principais. Os filipinos são, basicamente, sobreviventes. Olham para as adversidades como parte da sua vida, mas mantêmse esperançosos. Costumam encontrar conforto e paz na oração. 4 PRISÃO As cenas da esquadra e da prisão foram todas filmadas numa prisão verdadeira. Todas as pessoas que vemos lá dentro são verdadeiros prisioneiros e guardas, à excepção do massagista, que é, na realidade, o meu assistente de realização. PAPELADA E BUROCRACIA A vida moderna nas Filipinas, como em qualquer outro país industrializado, pode ser complicada, especialmente para os idosos. A vida urbana é rápida e caótica. Na maior parte do tempo, os idosos são considerados inúteis e incómodos porque são lentos e conservadores. Hoje em dia, podemos fazer tudo à distância de um clique, mas num país em desenvolvimento as coisas ainda podem ser particularmente difíceis para os idosos por causa da papelada e da burocracia. ROUBO DE TELEMÓVEIS E DINHEIRO O roubo de telemóveis está em destaque em LOLA. Nas Filipinas, a fiança pelo roubo de telemóveis é mais alta do que para qualquer outro objecto por causa da escalada de furto de telemóveis, especialmente entre os miúdos ricos. Os telemóveis caros tornaram-se o importante símbolo social entre os adolescentes. O filme começa com um close-up de dinheiro, e o dinheiro desempenha um papel muito importante na conclusão do filme. O dinheiro é, de facto, a origem de todos os males. Em LOLA, a humanidade das duas avós é posta à prova por causa das necessidades dos seus entes queridos, mas não necessariamente por causa das suas próprias necessidades. As despesas da vida e da morte dependem do estatuto de cada um na vida. Quanto mais rico se é, mais caro se torna morrer. Mas quando se é pobre, a vida pode ser negociável, tal como se vê em LOLA. 5 IMPRENSA Um povo que tudo suporta: eis aquilo que filma Brillante Mendoza, um dos mais talentosos cineastas contemporâneos. Tudo, em LOLA, é ilustração da inesgotável energia demonstrada pelo modesto povo das Filipina para resistir aos males de que são vítimas, sobreviver, triunfar perante os obstáculos que lhes são impostos. Logo no início é-nos dado um exemplo: uma idosa esforça-se por acender uma vela em plena rua, riscando os fósforos debaixo de um dilúvio, desafiando o vento que fustiga o guardachuva. Apesar de todos estes obstáculos, ele atinge os seus objectivos. A mensagem do filme é essa. Os problemas são múltiplos: miséria, problemas administrativos, burocracia, delinquência, tempestades e chuvas. O bairro Malabon, em Manila, onde se desenrola a história, está inundado todo o ano. Algumas casas só são acessíveis através de barco. O cinema de Mendoza é assombrado por esta ambivalência da água, ao mesmo tempo fonte de vida e insalubridade. É também assombrado por morgues e cadáveres. Uma das mais impressionantes sequências de LOLA mostra pessoas a partir de barco para um enterro, o caixão transportado numa gôndola de pobres. Tudo o que cai do céu transformar-se-á, mais cedo ou mais tarde, em ameaça de morte. 6 Duas mulheres incarnam aqui a resistência do povo filipino. Duas avós cambaleantes, tolhidas pela artrite, pequenas formigas determinadas a salvar a sua descendência e a fazer respeitar a sua memória. “Lola” é o nome que se dá aos idosos na língua tagalog. Os pais estão praticamente ausentes do filme, que presta homenagem ao papel das lolas na vida quotidiana, ao poder do trabalho e ao calor do afecto que demonstram pelos seus netos. Lola Sepa quer dar um enterro digno ao seu neto Arnold, esfaqueado por causa de um telemóvel. O seu périplo leva-a da igreja à agência funerária, da empresa onde trabalhava o rapaz ao tribunal, de um gabinete de empréstimos - para solicitar ajuda - ao porta-à-porta através do qual pede aos vizinhos uma graciosa ajuda. Faz queixa do assassino. Lola Puring faz o que pode para tirar o seu neto da armadilha onde ele se foi enfiar. Leva-lhe comida à cela da esquadra, tenta obter ajuda do presidente da junta de freguesia para conseguir libertação sob fiança, pede um advogado gratuito junto do gabinete de assistência jurídica, acompanha-o durante o processo, esforça-se por reunir uma soma considerável para convencer a lola queixosa a desistir do caso. As duas avós encontrar-se-ão à volta de uma mesa para um acordo amigável. A comida é a condição primordial da sobrevivência. Mas LOLA é também um filme sobre a circulação do dinheiro. O primeiro plano é o da troca de uma nota, e tudo o que se lhe segue sublinha o preço das coisas (do caixão às fotos tipo passe). Mendoza descreve a troca de legumes e patos, a penhora de um aparelho de televisão, a contagem dos pesos, o roubo de um cliente no mercado. O maço de notas enroladas e apertadas com um elástico é cuidadosamente envolvido num lenço, como se fosse um talismã. O derradeiro símbolo do filme é um objecto precioso pelo qual se mata nas Filipinas: o telefone portátil. É o país onde mais mensagens são enviadas. O telemóvel é um totem, um símbolo de conquista social, o emblema de um estatuto muito procurado entre os adolescentes. As lolas não fazem disso caso, esforçando-se pelo bem-estar dos seus descendentes. Longe da violência de que foi acusado em “Serbis” e “Kinatay”, e filmando, como sempre, com câmara à mão, impregnado da febre da rua, e com uma inegável destreza, Brillante Mendoza assina aqui uma crónica de uma impressionante humanidade. Jean-Luc Douin, LE MONDE LOLA forma um programa duplo com “Kinatay”, o áspero snuffmovie experimental que dividiu Cannes no ano passado [2008]. Em “Kinatay”, o crime; em Lola, o julgamento; e nos dois, a falência das instituições. Opõem-se aqui duas avós (“lola” em filipino): o neto de uma roubou e matou o neto da outra. Quem vai pagar (em sentido pecuniário e judicial)? 7 Como sempre em Mendoza, existe a questão do dinheiro, da mercadorização dos corpos e da efervescência urbana (cf. a sequência do roubo do telemóvel). Mendoza varia escalas e lugares (o cinema pornográfico de “Serbis”, o quarto de “Kinatay”) para melhor atapetar os seus temas, e precisar o seu quadro work in progress das Filipinas, mais drippping que natureza morta. LOLA incarna na agência funerária onde caixões, de todos os tamanhos e qualidade, são expostos e comprados como no Ikea. E, sobretudo, num bairro de lata à beira de um rio, um “Waterworld” em melhor, que acolhe belíssimas cenas, como a de uma lânguida procissão fúnebre fluvial, onde o Styx seria estelar. Em Mendoza, o tempo documental dos seus filmes (tempo real, plano-sequência) pode ter um dispositivo demasiado estudado. Ele está no seu melhor quando as personagens ditam o seu ritmo ao cineasta (como a criança e a sua ama-de-leite em “John John”). As duas avós coragem de LOLA impõem um tempo de movimentos frágeis, lentos, resignados mas determinados. O melodrama e a emoção refugiam-se menos da crónica judicial que nos seus corpos, oscilando entre o sublime (enfrentar o vento e a chuva para acender uma vela) e a trivialidade (procurar, e não encontrar, a casa-de-banho durante um julgamento). Se as nossas duas lola são, à primeira vista, descritas de formas simplista (uma honesta, a outra matreira), ei-las aqui ligadas por um mesmo amor de avó, um combate grandioso mas absurdo através das pequenas imperfeições da sociedade filipina. O julgamento transforma-se numa transacção; a indemnização deverá pagar um enterro decente. Um bom melodrama é uma miragem e maior que a vida. Em LOLA, tudo é uma questão de sobrevivência, como o ilustra o último encontro entre as duas avós. Para o diabo com as mortes, a vingança, a retribuição ou o consolo, culpa-se antes a artrite e os maridos defuntos (os homens são fantasmas, inúteis ou estão na prisão). Poderia cantar-se “Vivre ou survivre” de Balavoine. Toda a beleza de LOLA, à semelhança da sequência com a vela, consiste em iluminar com uma simples chama, minúscula e vacilante. Erigir o irrisório como gesto elegíaco. Léo Soesanto, LES INROCKUPTIBLES 8 LOLA, então: é uma das emoções cinematográficas da década que termina. Apenas quatro meses após a gélida recepção a “Kinatay” em Cannes, Mendoza apresentava novo filme no Festival de Veneza. Foi, para alguns, uma iluminação: afinal, o homem com a reputação de “Kinatay”... E foi, para alguns, “o melhor” desse festival. Essa diluição do ficcional no documentário, essa verdade das coisas que se quer confirmar na verdade do cinema, constrói momentos de paroxismo lírico: a odisseia por uma Manila transformada em Veneza da Ásia pelas chuvas, as sequências iniciais em que uma avó se debate com o vento, a chuva, o guarda-chuva e a chama de uma vela (delírio nosso, pode ser, mas o fantasma de Lilian Gish e de “O Vento”, de Victor Sjöström, de 1928, paira por aqui). Chuva de cinema, de ficção, ou chuva real, de documentário? “As duas”, diz-nos Mendoza, e suspeitávamos disso. “Filmámos numa parte de Manila, as cenas iniciais, na igreja, que era bastante sombria, porque estávamos na época das chuvas. Para outras cenas tivemos que fabricar nós a chuva”. E há essa avó, uma veterana actriz que Mendoza transforma em figura que o cinema apanhou por ali. “Faço sempre uma mistura [entre actores profissionais e não profissionais] e tento dirigi-los de forma diferente. Não tenho um argumento. Falo com eles sobre as personagens, dou a cada um apenas a sinopse. Nunca a história toda. Tudo se torna assim mais espontâneo. Eu não ensino arte dramática. Nem sei se isso é coisa que se possa ensinar. Digo aos meus actores que têm de ir do ponto A ao ponto B. Não ensaio. Nem lhes digo onde está a câmara. Dou-lhes liberdade. Se algo cai no chão enquanto eles se dirigem de um ponto a outro, eles têm de apanhar; não digo ‘corta’. Às vezes surpreendo-os: eles não sabem coisas que vão acontecer na cena”. Vasco Câmara, PÚBLICO 9 BRILLANTE MENDOZA (Realizador) LOLA é o segundo filme do realizador BRILLANTE MENDOZA produzido em 2009. KINATAY foi apresentado no Festival de Cannes, tendo dado a Mendoza o prestigiado prémio de Melhor Realizador. LOLA foi o primeiro filme filipino apresentado no Festival de Veneza desde 1985. Mendoza já tinha feito história antes quando SERBIS se tornou no primeiro filme do seu país a integrar a competição oficial do Festival de Cannes desde 1984. Brillante Mendoza nasceu em San Fernando, nas Filipinas. Estudou Belas Artes e Publicidade na Universidade de Santo Tomas, em Manila. Antes de se dedicar à realização, trabalhou como director de produção no cinema, na publicidade e no teatro. FILMOGRAFIA 2009 LOLA 2009 KINATAY 2008 SERBIS (SERVICE) 2007 TIRADOR (SLINGSHOT) 2007 FOSTER CHILD 2006 MANORO (THE TEACHER) 2006 KALELDO (SUMMER HEAT) 2005 MASAHISTA (THE MASSEUR) 10 FICHA ARTÍSTICA ANITA LINDA Lola Sepa RUSTICA CARPIO Lola Puring (Avó de Mateo) TANYA GOMEZ Ditas JHONG HILARIO Bebong (Irmão de Mateo) KETCHUP EUSEBIO Mateo (Suspeito Homicida) 11 FICHA TÉCNICA Realizador BRILLANTE MENDOZA Produtor Executivo DIDIER COSTET Produtor FERDINAND LAPUZ Argumento LINDA CASIMIRO Director de Fotografia ODYSSEY FLORES Director de Produção DANTE MENDOZA Montagem KATS SERRAON Música TERESA BARROZO Som ALBERT MICHAEL IDIOMA, ADDISS TABONG 110’ | 35 mm | Cor | 1.77 | Stereo | falado em tagalog | 2009 | França / Filipinas Distribuído por Alambique 12