MARIA DO CÉU PEREIRA, CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO, À
POLÍTICA E À IMPRENSA NORTE-RIO-GRANDENSE (DÉCADA DE
1930)
Isabel Cristine Machado de Carvalho – PPGED-UFRN.
[email protected]
Orientadora: Maria Arisnete Câmara de Morais - UFRN.
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Gênero; práticas culturais; educação.
Esta pesquisa faz parte do projeto Gênero e Práticas de Leitura/CNPq que, entre
seus objetivos evidencia a prática de mulheres, sejam professoras, literatas, jornalistas ou
participantes ativas que contribuíram para a formação da sociedade letrada norte-riograndense a partir do século XVIII. Tal projeto é realizado na Base de Pesquisa Gênero e
Práticas Culturais: abordagens históricas, educativas e literárias, coordenada pela professora
Maria Arisnete Câmara de Morais. Tem como objetivo analisar as práticas educativas,
jornalísticas e políticas empreendidas por Maria do Céu Pereira Fernandes, em Currais Novos,
Rio Grande do Norte, na década de 1930. Na educação, evidenciamos sua atuação no Grupo
Escolar Capitão Mor. Galvão; no jornalismo, através do periódico O Galvanópolis (19311932) e na política, onde se destacou, em 1935, como a primeira deputada estadual do Brasil,
no Rio Grande do Norte.
Para a realização desta pesquisa, buscamos subsídios teórico-metodológicos na
História Cultural, que desloca sua atenção também para a história dos homens comuns, das
mulheres comuns, preocupando-se com suas práticas culturais e suas experiências com o
mundo.
A idéia do objeto insignificante e menor não se refere de fato à extensão da figura
estudada, e sim pela maneira como o historiador e a sociedade destacariam esse determinado
objeto, uma vez que é comum priorizar apenas objetos considerados consagrados. Bourdieu
(1989, p. 20) afirma que “a riqueza de sentido desse objeto menor aparece quando conectado
a conexões maiores”, o que respalda esta pesquisa, pois a figura de Maria do Céu Pereira
Fernandes proporcionou contribuições à educação, à imprensa e ao cenário político norte-riograndense.
Essa concepção de fazer história abriu caminho para a construção deste objeto de
estudo, evidenciando o desejo de registrar, as práticas educativas, jornalísticas e políticas de
Maria do Céu Pereira Fernandes e sua vida cotidiana, revelando as configurações de uma
sociedade, em particular a de Currais Novos, na década de 1930.
Trazemos como uma das categorias de análise a temática gênero e as relações
sociais configuradas durante o período. O conceito de gênero procura explicar as relações
entre os sexos. Ele surgiu após anos da luta das feministas, pós década de 1970, e de
reformulação de várias tentativas de explicações sobre a opressão das mulheres:
Essa categoria foi introduzida no século passado, a partir dos anos 80,
especialmente pelas feministas da área anglo-saxã, como um avanço sobre as
discussões anteriores que se firmavam sobre a diferença entre os sexos e os
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princípios masculino/feminino, passando ao largo da questão de poder que
subjaz do foco masculino – androcentrismo- de quase todas as formulações
teóricas e das iniciativas práticas concernentes ao tema homem/mulher. Não
basta constatar as diferenças. É imprescindível considerar como elas foram
construídas social e culturalmente. (MURARO; BOFF, 2002, p.17).
A idéia de que existe uma construção social no ser mulher já estava presente há
várias décadas do século XX. Porém, permaneciam as dificuldades teóricas sobre o
surgimento da opressão das mulheres, sobre como aplicar a visão da opressão a elas no
conjunto das relações sociais, sobre a relação entre essa e outras opressões, como, por
exemplo, a relação entre opressão das mulheres e capitalismo.
Não existia uma explicação que articulasse os vários planos em que se dá a
opressão sobre as mulheres (trabalho, sexualidade, poder, identidade) e, principalmente, uma
explicação que apontasse com mais clareza os caminhos para a superação dessa opressão.
Nesse sentido, o conceito de gênero veio responder a vários desse impasses e permitir analisar
tanto as relações de gênero quanto a construção da identidade de gênero de cada pessoa.
O conceito de gênero foi trabalhado, segundo Faria e Nobre (1997), inicialmente
pela antropologia e pela psicanálise, situando a construção das relações de gênero na
definição das identidades feminina e masculina, como base para a existência de papéis sociais
distintos e hierárquicos. Tal conceito coloca claramente, segundo as autoras, que o ser mulher
e ser homem são como uma construção social e relacional, a partir do que é estabelecido
como feminino e masculino do sexo biológico.
De acordo com Duby e Perrot (1991), a partir da categoria gênero, busca-se
construir uma história relacional que se interroga toda a sociedade e que é, na mesma medida,
história dos homens. Permite trabalhar generalizações e particularidades, porque podemos
perceber o significado de gênero na sociedade como um todo, assim como na experiência
individual ou de um grupo.
Desse modo, o que se pretende analisar são práticas enquanto representações e
nelas as questões de gênero, com as diferenças e semelhanças, como também a compreensão
histórica do papel da mulher na sociedade, para entender melhor a interação homem e mulher,
segundo valores e interdependências historicamente constituídos.
Nesse enfoque, as pesquisas sobre história de mulheres que contribuíram para a
formação da sociedade letrada norte-rio-grandense, no século XIX e meados do século XX,
são objetos de pesquisa que gradativamente se consolidam. Qual a contibuição que Maria do
Céu Pereira Fernandes deixou para a educação, para o jornalismo e para a política norte-riograndense?
Partindo de Maria do Céu Pereira Fernandes e da sua movimentação naquele
espaço social, é possível evidenciar as diferentes formas como se dão as relações de
interdependências entre os grupos.
Em cada formação, as interdependências existentes entre os sujeitos ou os
grupos se distribuem em séries de antagonismos, instáveis, móveis,
equilibrados, que são a própria condição de sua possível reprodução. No
centro das figurações móveis, ou seja, no centro do processo de figuração, se
estabelece um equilíbrio flutuante das tensões, um movimento pendular de
equilíbrio das forças, que oscila ora para um lado, ora para o outro. Esses
equilíbrios de forças flutuantes incluem-se entre as particularidades
estruturais de qualquer figuração. (ELIAS, 2001, p. 14).
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Vinculamos, então, o nome dessa mulher à estrutura das relações que permeiam o
seu contexto social, levando em consideração as mudanças que passava a sociedade
seridoense naquele período histórico.
Como então proceder nesta investigação histórica? Entendendo que o fazer
historiográfico é um processo de acontecimentos situados e datados, buscamos analisá-lo a
partir da percepção dessa realidade. Escolhemos uma direção e caminhamos para ela.
Recolhendo informações através de permanentes questionamentos às fontes encontradas no
caminho, construímos o texto. No decorrer do estudo, efetuamos o cruzamento das
informações encontradas procurando respostas para as interrogações realizadas sobre o objeto
estudado.
A partir deste enfoque desenvolvemos uma pesquisa documental, utilizando como
fonte de pesquisa os registros históricos encontrados nos livros e jornais da época, dentre os
quais, destaco a coleção completa do jornal O Galvanópolis (1931-1932).
De acordo com Capelato (1994, p.3), os jornais são fontes históricas, como
também “manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, pois possibilita ao
historiador acompanhar o percurso dos homens através do tempo”. A pesquisadora assinala,
por sua vez, que os jornais oferecem vasto material para o estudo da vida cotidiana, tornandose material útil nas análises culturais, dentre eles, nos estudos sobre as condições de vida,
relações e lutas sociais numa determinada sociedade.
Utilizamos também fotografias e entrevistas, uma vez que a Nova História
alargou, o tipo e o uso das fontes. Segundo Galvão (1996, p. 102), o crescente interesse pela
investigação da vida cotidiana leva, necessariamente, “à busca de novos tipos de fontes,
pouco explorados nos documentos oficiais escritos. Dessa forma, a fotografia, a pintura, a
literatura, os depoimentos orais, entre outros, podem ser utilizados como fonte pelo
historiador”.
As fontes se revelam quase infinitas e os exemplos são muitos, pois são marcas do
que foi, são traços, reminiscências, fragmentos, registros, vestígios do passado que chegam
até nós, revelados como documentos pelas indagações trazidas pela História. Nessa medida,
segundo Pesavento (2004), elas são frutos de uma renovada descoberta, pois só se tornam
fontes quando contêm pistas de sentido para a solução de um enigma proposto. Elas são,
portanto, uma construção do pesquisador e é por elas que se acessa o passado.
Portanto, a pesquisa arquivística é de fundamental importância. Sem ela, essa
história não poderia ter corpo nem forma. Para Nunes e Carvalho (1993), os acervos contêm
informações inestimáveis e, muitas vezes, inéditas e necessárias ao cotejo e crítica de
informações provenientes de outras fontes e da própria historiografia já produzida.
A utilização de depoimentos orais possibilita dar continuidade ao passado no
presente, oferecendo contato direto com os atores sociais, trazendo através da reconstrução
dessas vozes o registro de visões distintas.
Ao utilizarmos a oralidade como práticas metodológicas, temos
preocupações que se articulam com historiadores e sociólogos, no que diz
respeito ao confronto dos depoimentos com outras fontes, a complementação
da documentação já existente, e também, tomando o relato como versão de
um indivíduo integrante de uma coletividade. Nesta perspectiva, buscamos
versões dos fatos, pressupondo a existência de lacunas espaciais e temporais,
aceitando a subjetividade implícita no relato, tanto por parte do narrador,
quanto do pesquisador. (CARVALHO, 2000, p. 50).
Buscamos construir a trajetória percorrida por Maria do Céu Pereira Fernandes,
traçando o seu perfil biográfico, estabelecendo relações com a configuração social em que
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estava inserida. Segundo Bourdieu (1998, p. 190), “não podemos compreender uma trajetória
sem que tenhamos previamente construídos os estados sucessivos do campo no qual ela se
desenrolou, ou seja, não podemos entender uma vida por si só, desvinculada dos
acontecimentos sociais”.
Estabelecendo essas relações, percebemos que uma trajetória de vida não deve ser
entendida como um percurso linear e estático. Portanto, vinculamos o nome de Maria do Céu
Pereira Fernandes às situações que permeiam o seu contexto social, considerando as
constantes mudanças ocorridas naquele momento histórico.
Justificamos a escolha da década de 1930 porque é nesse período que
encontramos vestígios das práticas realizadas por Maria do Céu. O fato de ter dirigido e
produzido artigos nos jornais O Galvanópolis e A República; ter criado o primeiro colégio de
sua cidade, o Ginásio Coronel José Bezerra, no qual lecionava francês e ter sido a primeira
deputada estadual do Rio Grande do Norte são evidências consistentes que nos levaram a
escolha deste objeto. Buscamos, portanto, através de suas práticas, mostrar à
contemporaneidade as marcas de uma época de significativas transformações.
O recorte histórico do presente trabalho é marcado por mudanças que passavam o
país, a exemplo, das reivindicações que contemplavam melhores condições de vida,
principalmente para as mulheres, por meio da regulamentação para o trabalho e o direito ao
voto, a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, bem como a resistência das
oligarquias locais a essas transformações que emergiam.
Qual a contribuição de Maria do Céu Pereira Fernandes nesse contexto? Qual a
sua atuação na educação, no jornalismo e na política norte-rio-grandense?
Instigada na tentativa de responder tais indagações, é que nos propomos a
desenvolver este estudo, que oferece sua parcela de contribuição à História das Mulheres no
Brasil, especialmente no Rio Grande do Norte, ao reconstituir e tornar públicas as práticas
culturais de Maria do Céu Pereira Fernandes, evidenciando sua participação nos movimentos
culturais e educacionais participando efetivamente da vida social e política.
Maria do Céu Pereira Fernandes nasceu no dia 06 de novembro de 1910, em
Currais Novos, Rio Grande do Norte. Era filha de Olindina Cortez Pereira de Araújo e do
comerciante Vivaldo Pereira de Araújo. Segundo Barreto (2003, p. 230),
Sua mãe tinha características de liderança muito acentuada, sendo
conselheira dos parentes e vizinhos. Tanto a mãe quanto o pai eram
perspicazes e inteligentes, bondosos e prudentes. Tinham formação religiosa,
sem ser piegas, mas com convicção e fé, além de caráter muito bem
formado. Seu pai venceu na vida, adquiriu relativa fortuna, foi prefeito de
Currais Novos, deputado estadual no Governo de Juvenal Lamartine.
Fez o primário em Currais Novos, estudou com professores particulares,
promotores, juízes, médicos. Lia tudo: o que era e o que não era permitido. O prazer pelo
estudo e pela leitura sempre foram uma constante no seio familiar. Maria do Céu lembra que
seu pai foi o grande exemplo e incentivador para os estudos.
Eu lia muito com papai lá em casa, depois dos nossos jantares à mesa.
Quando solteira, li as obras de Freud. Foi papai quem comprou para mim. Li
porque meu desejo era a psiquiatria. Era o que eu pensava e o que eu queria,
mas não deu certo (FERNANDES, 1997).
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Do curso primário realizado no Grupo Escolar Capitão Mor Galvão, teve aulas
com o professor e juiz Gilberto Pinheiro. Na ocasião, aprendeu português, história, geografia.
Sempre disposta a aprender, Maria do Céu relembra seus primeiros momentos de aprendizado
e leitura: “Lá (Currais Novos) não tinha mais o que aprender, mas fiquei estudando sempre.
Eu sempre gostei muito de estudar e ler com papai. Passei a ter aulas também com quem
chegava em Currais Novos e que sabia mais do que o ABC” (FERNANDES, 1997).
Motivada pelo pai, um participante ativo na política local e nos movimentos
religioso e literários da cidade, Maria do Céu, em 1924, aos 14 anos, vai para Natal cursar o
secundário no Colégio da Imaculada Conceição. No educandário, dirigido pelas irmãs
Dorotéias, aprendeu além do inglês, o italiano e o francês. Com a madre Cecília Barreto, fora
dos horários da sala de aula, aprendeu italiano. Nunca estava satisfeita. Sempre buscava mais
conhecimento. “Muita coisa eu aprendi muito particularmente, depois das aulas. Eu não me
satisfazia só com as aulas, não! Eu gostava muito de estudar” (FERNANDES, 1997).
Após concluir, em 1928, o Curso Técnico do Comércio (diploma de Perito
Contadora), — embora desejasse cursar faculdade de Medicina — Maria do Céu, agora com
18 anos, retorna a Currais Novos e vai lecionar tanto no Ginásio particular Coronel José
Bezerra quanto no Grupo Escolar Capitão Mor Galvão.
Uma das entrevistadas, Maria Aliete Galvão Meira e Sá, presente na dissertação
Um olhar sobre o ensino primário: o Grupo Escolar Capitão Mor. Galvão (1911-1927
Currais Novos/RN), apresenta Maria do Céu como sua professora de francês no Ginásio
Coronel José Bezerra:
Estudei no Ginásio Cel. José Bezerra nos anos de 1933 e1934. O Dr. Mário
Moacir Porto era diretor e professor de Geografia. Ensinavam os professores
Padre Benedito: História; Iracema Bezerra, Artes, Trabalhos Manuais e
Português; Maria do Céu, Francês. O Ginásio funcionava à tarde. Era um
ensino de boa qualidade, com excelentes professores. Depois fui estudar em
Natal, na Escola Doméstica, em 1935 (MORAIS, 2006, p. 84).
Suas práticas no campo da educação foram ainda confirmadas pelo seu filho,
Paulo de Tarso, ex-deputado estadual, residente no Rio de Janeiro. Em seu depoimento
realizado no dia 10 de setembro de 2007, o mesmo lembrou que sua mãe havia lecionado em
Currais Novos, quando solteira.
Segundo Morais (2006, p.144),
a presença da mulher no exercício do magistério de Currais Novos
intensifica-se a partir da criação do Grupo Escolar Capitão Mor Galvão, no
ano de 1911 e, posteriormente, com sua instalação em prédio próprio no ano
de 1927. Podemos mencionar que mais tarde, nas décadas de 1920-40, a coeducação da docência esteve a cargo de professoras, como também poetisa,
Estephania Mangabeira, citada na obra de Wanderley (1922, p. 256). Rosa
Cunha, Auta Gurjão, Ezilda Nascimento, Nenen Herôncio, Maria do Céu
Pereira, Maria Isaura de Carvalho, Maria Isaura Pinheiro, Maria Antônia
Pinheiro e Maria Laura Fontoura da Silva.
Paralelamente à sua prática educativa, Maria do Céu Pereira dirigia O
Galvanópolis, periódico que circulou em Currais Novos entre 1931 e 1932. Sobre sua prática
jornalística, Maria do Céu relembra:
Eu escrevia... até fundamos um jornalzinho em Currais Novos, O
Galvanópolis. Fundei com papai e um outro amigo de papai. O primeiro
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nome era Currais Novos, mas papai tinha muita vontade de mudar o nome de
Currais Novos para Galvanópolis, porque foi fundado por um Galvão, que se
instalou lá, abriu e fez os currais novos (FERNANDES, 1997).
Embora fosse um órgão oficial do Currais Novos Futebol Clube (C.N.F.C.), o
jornal acabou configurando-se como um dispositivo discursivo permeado de representações
que adornaram o quadro cultural, político, econômico e social da cidade:
Realçando os valores da nossa terra, cultuando as suas tradições gloriosas,
seremos uma sentinela vigilante a pugnar com o maior denodo e altivez
pelos seus interesses vitais. É o que prometemos e esperamos realizar (O
GALVANÓPOLIS, 30/03/1931, p. 1).
De acordo com Melo (1987), o jornal era dedicado à literatura, desportos e
notícias. Era quinzenal e cobrava por assinatura anual seis mil-réis (6$000), semestral quatro
mil-réis (4$000) e número avulso setessentos réis ($700). Circulou de 30 de março de 1931 a
15 de novembro de 1932, publicando ao todo 43 números.
Os escritos de Maria do Céu Pereira registrados no jornal permitem ver as marcas
de um determinado tempo condicionado às transformações que a sociedade brasileira vivia
naquele momento histórico. Nos seus textos, registrados quase sempre na primeira página do
jornal, identificamos sua preocupação em discutir o progresso da nação, a religiosidade, a
condição feminina e a educação. Destacamos, respectivamente, os artigos relacionados às
temáticas mencionadas: Comunismo, publicado no dia 7 de fevereiro de 1932; O atestado da
religiosidade brasileira, registrado na edição de 11 de outubro de 1931 e Onde nosso campo
de atividade, de 22 de novembro de 1931 e Livros, veiculado em 30 de agosto de 1931.
Nesse último artigo, Maria do Céu assume, portanto, uma postura em defesa de
uma cultura letrada. Comprometida em orientar a juventude de sua cidade, mostra-se
preocupada com a relação desses jovens com os livros. Busca orientar e aconselhar seus
leitores sobre a importância da prática de leitura dos bons livros, indispensáveis para a
formação intelectual e moral. Dessa forma, Maria do Céu deixa no jornal vestígios de como se
desenrolava a educação dos jovens.
Com a direção de O Galvanópolis nas mãos de Maria do Céu, segundo Barros e
Santos (2004), “assiste-se ao triunfo da vanguarda feminina transformadora, do seu papel
marcante na vida social, política e cultural da sociedade curraisnovense”.
Em seu texto, intitulado Porque não recusei, publicado no 1º número do jornal,
em 30 de março de 1931, na primeira página, Maria do Céu apresenta aos seus leitores os
motivos pelos quais resolve aceitar a direção do jornal:
A bondade do povo de minha terra deu-me idoneidade para o honroso
encargo que me quis confiar; viu-me asseosa para desempenhá-lo; criou em
mim uma personalidade que está muito além do meu valor intrínseco, sob o
nome de dever, combateu com a minha imperícia e venceu. Que me resta
fazer? Aceitar a incumbência? Fi-lo. Ao povo do Galvanópolis, sobretudo
aos que constituem o C. N. F. C., agradeço, do íntimo da alma o modo
fidalgo com que me distinguiu, a bondade que será incentivo para a
realização deste grande empreendimento.
A confiança depositada pela população local, principalmente dos que fizeram
parte do Currais Novos Futebol Clube, nos revela uma Maria do Céu como figura de destaque
na sociedade.
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Na minha infância, recordo de Maria do Céu como uma figura que se
destacava em Currais Novos, possivelmente por influência do pai, grande
liderança na comunidade. Uma jovem que, começando como estudante em
Natal, acredito eu, vinha passar as férias em Currais Novos e participava dos
movimentos sociais e dramatizações (BARROS, 2007).
Puxando pelos fios da reminiscência de Genibaldo Barros, médico e ex-reitor da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a exemplo dos que foram acima transcritos,
ele nos apresenta uma Maria do Céu de espírito libertário e bastante independente.
A mesma percepção tem o advogado e jornalista Alvamar Furtado. No programa
Memória Viva, da Televisão Universitária de Natal, gravado em 1983, ocasião em que a
entrevistada foi Maria do Céu Pereira, Alvamar recorda a primeira vez em que a viu:
Ainda estudante do ginásio do colégio Ateneu, fiz uma excursão à cidade de
Caicó que terminou em Currais Novos. Na ocasião, fui destacado para
realizar um discurso na praça da cidade. Era uma festividade, teve inclusive
apresentação teatral. Após a minha fala, aparece-me uma jovem elegante que
agradeceu em nome de Currais Novos. Fez um discurso belíssimo. Saí
glorificado. Era dotada de grande inteligência e intelectualidade. Pude
perceber, naquele momento, seu espírito de liderança.
Espírito este confirmado pela própria Maria do Céu, no Memória Viva:
Sempre fui ativa. Soube tirar proveito da província (Currais Novos). Quando
jovem fiz teatro na cidade. Fazia teatro, viu! Cheguei a formar um corpo de
baile. Criava para as meninas que me cercavam. Desenhava as roupas. Fiz
roupas esvoaçantes, fazia as posições, a luz, a cor. Usava papel de seda
colorido. Fazia um jornal e trabalhava com papai.
Tal participação na comunidade, articulada com seu espírito de liderança, parecem
ter sido decisivos e relevantes para seu ingresso na vida política. O convite foi efetuado por
José Augusto de Medeiros, Juvenal Lamartine e por outros políticos do Seridó, entre eles João
Medeiros, de Jardim do Seridó:
Todos eles tinha a indicação do meu nome. Até Dinarte Mariz opinou. Ele
era também do Partido Popular. Fui perguntar ao papai o que ele achava. Ele
disse: eu acho que você deve aceitar. Aí eu aceitei. Meu namorado, na
época, Aristófanes Fernandes, ainda não era casada com ele, também aceitou
muito bem. Ele já era político e se entusiasmou. Já morava em Natal e estava
começando seu comércio (FERNANDES, 1983).
Quando casou, em 22 de junho de 1935, tinha sido eleita e diplomada. O
casamento aconteceu em uma fazenda de Santana do Matos, município do Rio Grande do
Norte. Aristófanes Fernandes, que pertencia ao mesmo partido, foi prefeito de Santana do
Matos, deputado estadual e federal.
Maria do Céu abraçou a causa defendida pelo Partido Popular, tendo que
enfrentar, com isso, duras repressões que fizeram história aquela campanha eleitoral:
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Organizados os partidos, foi iniciada a campanha eleitoral. Caravanas de
ambos os partidos se deslocaram para o interior de estado, onde realizam
comícios. Já no início da campanha, os jornais A Razão e O Jornal, ligados
respectivamente ao Partido Popular e ao Partido Social Nacionalista, passam
a ocupar suas páginas denunciando violências cometidas pelos adversários, o
que será o prenúncio de um agitadíssimo clima que vai caracterizar toda a
campanha eleitoral (COSTA, 1995, p. 34).
Nesse período, Maria do Céu Pereira Fernandes, juntamente com outros nomes
do Partido Popular a exemplo de Aldo Fernandes Raposo de Melo, Dioclécio Dantas Duarte,
João Severiano da Câmara e José Augusto Varela, presenciou uma época de violência e
assassinatos políticos, mas onde prevaleceu um forte ideal político:
Era um ideal. Um ideal. Significava a entrada do regime democrático. Na
época, sucediam-se os interventores. Queríamos ter vida própria.
Escolhemos nosso governo. Era a independência. Poder respirar livremente
(FERNANDES, 1983).
Esta era a visão idealista de Maria do Céu a respeito do seu partido. Contudo,
Costa (1995, p. 33) afirma que o Partido Popular nada mais era que a estrutura do velho
Partido Republicano que havia dominado o Estado durante toda a chamada Primeira
República.
As oligarquias que haviam sido derrotadas em 1930 e que reagiram às
interventorias tenentistas logo organizaram um partido a fim de disputar as
quatro vagas a que o estado tinha direito. Esse partido recebe o nome de
Partido Popular.
O resultado final das eleições no Estado é anunciado no dia 16 de outubro de
1935. O Tribunal Superior Eleitoral divulga a vitória do Partido Popular, que elege 14
deputados estaduais contra 11 da Aliança Social. São eleitos três deputados federais do
Partido Popular e dois da Aliança Social. Ainda neste mesmo dia, fica decidida a convocação
para a instalação da Assembléia Constituinte para o dia 19 de outubro e o pleito do primeiro
governador constitucional do Estado para o dia 29 de outubro de 1935. Vence Rafael
Fernandes, pelo Partido Popular.
Maria do Céu obteve 12.058 (doze mil e cinquenta e oito) votos. Torna-se, então,
a primeira deputada estadual do Brasil, no Rio Grande do Norte. Pertenceu à Primeira
Assembléia Constituinte. Em 1937, foi cassada pelo Estado Novo.
Embora o período de imensa sublevação tenha ocorrido, principalmente, nas
campanhas eleitorais, de acordo com Barreto (2003), Maria do Céu, durante seu mandato
legislativo, foi várias vezes ameaçada de seqüestro, e tinha soldados guardando sua casa.
Era respeitada até pelos colegas de outros partidos. Entre eles, Gil Soares,
Raimundo Macedo e José Tavares. Seu primeiro pronunciamento foi a inclusão do nome de
Deus na Constituição. Foi seu projeto a elevação de São Miguel à categoria de cidade. Com
uma atuação política intensa, Maria do Céu contou inclusive com o apoio dos opositores na
elaboração de seus projetos de Lei:
Ah! meus projetinhos, eu já nem sei quando... contava até com os opositores,
os do Partido Social (de Café Filho). Tinha muita coisa relativa assim aos
mais necessitados, aos mais carentes e a religião também. O governo era
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nosso, sancionava todos os projetos. É que éramos maioria. Éramos quatorze
contra onze (FERNANDES, 1997).
Encerrou seu mandato, após sua cassação, em 1937, com o golpe do Estado Novo.
Deixa, então, a vida pública para de dedicar à família. Em 1960, passa a residir no Rio de
Janeiro, somente voltando para Natal após a morte de seu marido Aristófanes Fernandes.
Maria do Céu Pereira Fernandes faleceu, em 2001, no Rio de Janeiro, aos 90 anos.
Verificamos diversas homenagens póstumas à sua figura. Por ocasião do seu falecimento, o
então governador do Estado, Garibaldi Alves, decreta luto oficial de três dias.
O texto do Decreto nº 15.440, de 10 de maio de 2001, evidencia sua contribuição
enquanto precursora da participação da mulher na vida pública nacional e rearfirma sua
presença marcante e de elevada significação humana e intelectual no contexto político e social
do Estado.
Em 2002, o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Norte, deputado Álvaro Dias, através da Resolução nº 0037, denomina de Maria do Céu
Fernandes o Espaço Cultural da Assembléia Legislativa.
Dois anos depois, o deputado Robinson Faria, na condição de Presidente da
Assembléia Legislativa do Estado, dispõe, através da Resolução nº 0029/2004, sobre a criação
da Medalha do Mérito Social Maria do Céu Fernandes.
Diante da atuação de Maria do Céu Pereira Fernandes, e partindo da sua
movimentação nessa configuração, buscamos produzir a escrita desta história. Acreditamos
que, ao apresentar a contribuição de Maria do Céu Pereira Fernandes na construção da
sociedade letrada norte-rio-grandense, estaremos colaborando para a história da educação no
Brasil, especialmente no Rio Grande do Norte, revelando as tensões e relações de
interdependência próprios da sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
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BARROS, Genibaldo. Sobre Maria do Céu Pereira Fernandes. Entrevista concedida à Isabel
Cristine Machado de Carvalho. Natal, 08 set 2007.
BARROS, Eva C. Arruda; SANTOS, Maria C. M. de. A intelectual e progressista Maria do
Céu Pereira: vanguarda feminina no seridó norte-rio-grandense (1931-1932). In: Seminário
de Pesquisa do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (Anais). Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, 2004. Publicação em CD-rom.
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Bertrand Russel, 1989.
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(Coord.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio
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CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. 2. ed. São Paulo:
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CARVALHO, Maria Elizete G. Memórias da campanha de pé no chão: 1961-1964
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10
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DVD (61 05”), Son., color.
_____. Entrevista concedida à professora Marta Maria de Araújo. Natal, 01 fev 1997. (Os
direitos de utilizar trechos da entrevista foram cedidos pela referida professora).
_____. Comunismo. O Galvanópolis. Currais Novos, p. 1, 07 fev. 1932.
_____. O atestado da religiosidade brasileira. O Galvanópolis. Currais Novos, p.1, 11 out.
1931.
_____. Onde nosso campo de atividade. O Galvanópolis. Currais Novos, p. 1, 22 nov. 1931.
_____. Livros. O Galvanópolis. Currais Novos, p. 1, 30 ago. 1931.
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