Boletim de Saúde Entrevista a Drª Denise Funchal – 30/11/07 BS- Qual a diferença entre Atenção Farmacêutica e Assistência Farmacêutica? Denise Funchal - Na realidade assistência farmacêutica não chega a ser diferente de atenção farmacêutica. São partes de um mesmo conceito. Sem levar em consideração a diferença que os termos atenção e assistência têm no campo da saúde pública, que merece reflexão mais aprofundada, e considerando os conceitos que constam na Política Nacional de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, pode-se dizer que a Assistência Farmacêutica tem sido concebida como um conjunto amplo de ações com características multiprofissionais, destinadas a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade, sendo, portanto, responsabilidade de todos e de cada um dos membros da equipe de profissionais envolvidos direta ou indiretamente com o uso de medicamentos na sociedade. A Assistência Farmacêutica é, portanto, uma atividade essencial que possibilita que os vários processos que envolvem o fármaco, desde sua pesquisa até sua utilização, ocorram de forma segura e racional beneficiando individual e coletivamente os usuários de medicamentos no país. Já o conceito de Atenção Farmacêutica direciona o exercício profissional do farmacêutico para o atendimento das necessidades farmacoterapêuticas do paciente e este passa a ser o seu foco principal de atenção. Desta forma, o farmacêutico assume a responsabilidade de buscar que o medicamento esteja produzindo no paciente o efeito desejado pelo médico que o prescreveu e, ao mesmo tempo, que, ao longo do tratamento, não apareçam ou apareçam os mínimos problemas indesejados possíveis e, em caso de manifestação destes problemas, que eles sejam solucionados. Portanto, a atividade de Atenção Farmacêutica faz também parte do conceito de Assistência Farmacêutica, enquanto atividade especializada, realizada pelo farmacêutico, que passa a compartilhar os resultados de seu exercício profissional clínico com os demais profissionais envolvidos no atendimento do paciente. BS- Quem se especializa em Atenção Farmacêutica pode atuar em que áreas? Denise Funchal - Pode atuar em todas os locais que prestam cuidado direto ao paciente, ou seja, farmácias comunitárias (aqui entendidas como farmácias com manipulação e drogarias), farmácias hospitalares, farmácias de Unidades Básicas de Saúde, atendimento domiciliar, consultórios multiprofissionais, ambulatórios, instituições de longa permanência, ou seja, em todo local onde haja usuários de medicamentos, pois os conhecimentos adquiridos no curso possibilitam ao farmacêutico o desenvolvimento de habilidades clínicas para a prevenção, detecção e proprosta de resolução de resultados negativos advindos do uso de medicamentos. O campo de atuação é vasto e tende a crescer nos próximos anos fruto dos resultados positivos que esta prática vem mostrando no Brasil e em vários outros países. BS- Qual o papel da Atenção Farmacêutica no SAC - Serviço de Atendimento ao Consumidor da Indústria Farmacêutica? Denise Funchal - O farmacêutico preparado para atuar clinicamente está apto para analisar as queixas feitas pelos pacientes através dos serviços de atendimento ao consumidor de forma mais aprofundada. Passam a entender que há vários condicionantes nos problemas de saúde, muitos fatores que interferem nos resultados da farmacoterapia e que há informações que poderiam ser coletadas nas entrevistas telefônicas e que passam desapercebidos pelos atendentes que não possuem visão clínica. Sendo assim, o especialista em atenção farmacêutica seria um profissional mais eficiente ao atender o paciente e coletaria dados mais precisos e de interesse para futuras investigações por grupos constituídos nas indústrias para analisar os problemas relatados a partir da queixa telefônica, além de poder participar também destes grupos fazendo contribuições importantes para a avaliação das situações levantadas a partir do SAC. BS- Qual a definição de Serviços Farmacêuticos? Denise Funchal - Serviços farmacêuticos podem ser entendidos como um conjunto de ações, exercídas pelo farmacêutico ou sob sua supervisão, prestadas no decorrer das diversas atividades integrantes do campo da assistência farmacêutica, que respondem às necessidades e demandas da população, sustentadas em critérios técnico-científicos e nas políticas de saúde. Estes serviços podem assumir diversas características dependendo dos objetivos a serem atingidos e do local onde a prática farmacêutica se desenvolve. Os Serviços farmacêuticos podem estar dirigidos ao medicamento (aquisição, armazenamento, distribuição, estocagem, manipulação, garantia de qualidade, entre outros) e ao paciente (dispensação, aconselhamento farmacêutico, acompanhamento farmacoterapêutico, detecção e notificação de reações adversas a medicamentos e a educação em saúde). A demanda por cada um desses serviços depende do local onde serão aplicados, mas todos devem ser realizados de forma articulada com os demais profissionais que atuam na atenção direta do paciente. Atualmente tem sido discutida a necessidade de estruturação dos serviços prestados pelo farmacêutico para que eles não se reduzam a logística do medicamento, mas evoluam no sentido de contemplar os aspectos clínicos e humanísticos que envolvem a farmacoterapia. Estes aspectos são profundamente discutidos durante todo o curso de especialização em atenção farmacêutica, o que prepara o profissional para atuar neste novo cenário. BS- Qual a relação entre Atenção Farmacêutica e Serviços Farmacêuticos? Denise Funchal - Na atualidade, muitos conceitos de atenção farmacêutica em vários países, inclusive no Brasil, vêm apresentando uma característica ampliada, inserindo, além do acompanhamento farmacoterapêutico, que é o serviço mais complexo, outros serviços farmacêuticos orientados ao paciente, desde que eles sejam prestados de forma qualificada. Assim, serviços como dispensação, indicação farmacêutica, detecção e notificação de reações adversas a medicamentos e educação em saúde, passam a ser considerados também como componentes da prática da atenção farmacêutica. Contudo, para que se justifique esta ampliação conceitual todos estes serviços devem ser realizados de forma a contribuir para a prevenção e detecção de resultados negativos da farmacoterapia, que fazem parte dos objetivos da prática da atenção farmacêutica. Já a resolução dos problemas detectados a partir de intervenções ou propostas de intervenções farmacêuticas são alcançados através da prática do acompanhamento farmacoterapêutico. BS- O que é o acompanhamento farmacoterapêutico? Denise Funchal - O acompanhamento é um processo no qual o farmacêutico se responsabiliza pelas necessidades do usuário relacionadas ao medicamento, por meio da detecção, prevenção e resolução de problemas relacionados a medicamentos (PRM), de forma sistemática, contínua e documentada, com o objetivo de alcançar resultados definidos, buscando, em última instância, a melhora da qualidade de vida do usuário. Este é o serviço clínico mais complexo que o farmacêutico pode prestar e está diretamente relacionado com o conceito de atenção farmacêutica proposto por Hepler e Strand em 1990 sob a denominação de Pharmaceutical care. Exige uma habilidade clínico-humanística grande, além de conhecimentos sólidos em farmacologia, para alcançar os objetivos propostos. O curso de especialização em atenção farmacêutica tem seu foco maior no preparo do farmacêutico para a realização deste serviço, pois entende-se que o farmacêutico que saiba executa-lo de forma segura e completa estará preparado para exercer a dispensação, a indicação farmacêutica e a farmacovigilância com mais eficiência. Assim, mesmo que o farmacêutico em seu local de trabalho não venha a exercer num primeiro momento o acompanhamento farmacoterapêutico, ao estar preparado para executá-lo, exercerá as demais atividades junto ao paciente com maior competência. BS- Que tipo de suporte técnico que o especialista em Atenção Farmacêutica pode oferecer a médicos e demais profissionais da saúde? Denise Funchal - As atividades profissionais somente são recompensadas quando satisfazem uma necessidade social específica mediante a aplicação de conhecimentos e habilidades para prestar um serviço que permita abordar os problemas dos indivíduos. No caso da atenção farmacêutica o farmacêutico se encarrega de reduzir ao mínimo possível a morbidade e mortalidade resultante do uso de medicamentos, através da aplicação dos conhecimentos aprofundados que detém sobre medicamentos. A aplicação deste conhecimento técnico para contribuir com a resolução dos problemas relacionados a medicamentos passa obrigatoriamente por um processo de preparo tanto no campo da farmacoterapia quanto no das ciências humanas e sociais, área que o farmacêutico, em geral, tem pouco conhecimento. Contudo, este conhecimento pode ser adquirido e melhora muito o processo de cuidado do paciente. Sendo assim, penso que a atuação do farmacêutico deve ser encarada não como um oferecimento de suporte técnico, trata-se na realidade da inserção do farmacêutico na linha de cuidado do paciente, ou seja, um profissional indispensável, que tem um conhecimento técnico estratégico para resolver problemas de saúde relacionados a medicamentos e que está preparado para aplicalo através do uso de técnicas de escuta e intervenção com forte componente humanístico. A competência no exercício desta prática é que vai consolidar a posição do farmacêutico como um especialista em medicamentos. BS-Existem leis que regulamentam a prática da Atenção Farmacêutica? Denise Funchal - Sim. Em vários países existem leis que regulamentam esta prática. No Brasil, contudo, não temos leis neste sentido. O que temos são resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Conselho Federal de Farmácia (CFF) que contemplam aspectos desta prática. Além disso, nas Políticas de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, temos esta atividade conceituada e contemplada. No momento há uma resolução da ANVISA que está em consulta pública (CP 69) com objetivo de aprovar o regulamento técnico de Boas Práticas Farmacêuticas em Farmácias e Drogarias, bem como a prestação de serviços farmacêuticos nesses estabelecimentos e aí se inserem os serviços contemplados na prática da atenção farmacêutica. Certamente precisamos evoluir para uma lei que regulamente esta prática, como há em países como Portugal e Espanha. Contudo, penso que as leis são reflexos de necessidades sociais e ainda precisamos que estas necessidades sejam reconhecidas a partir da vivência desses serviços e conhecimento dos benefícios dos mesmos pelos usuários e pelos demais profissionais da saúde. Tenho convicção que o caminho natural será, em um futuro próximo, termos uma lei regulamentando a prática da atenção farmacêutica no Brasil. BS- Qual o diferencial de uma farmácia ou drogaria que possui um profissional especialista em Atenção Farmacêutica? Denise Funchal - Os proprietários de farmácia desconhecem o potencial da atuação do profissional farmacêutico em seu estabelecimento e costumam sub-utilizar este profissional na execução de tarefas que poderiam ser executadas por profissionais que não possuem o conhecimento técnico sobre medicamentos que o farmacêutico possui. O próprio farmacêutico muitas vezes desconhece seu potencial em função de não ter sido preparado na graduação para utiliza-lo no ambiente da farmácia. No meu entender um profissional, dotado de conhecimento científico importante sobre o medicamento e com possibilidades concretas de aplica-los em benefício dos indivíduos e do sistema de saúde, não deve ser infrautilizado na área assistencial. Penso que tudo isso está de certa forma mudando. As Universidades estão percebendo a importância de apresentar aos alunos a prática da atenção farmacêutica e os farmacêuticos recémformados começam a perceber a importância da especialização para poder aplicar os conhecimentos adquiridos na graduação. Temos ainda um grande contingente de profissionais formados nos modelos anteriores que ainda não foram sensibilizados para esta nova realidade que se apresenta, mas a meu ver isso é questão de tempo. Penso que tanto profissionais quanto empresários vão perceber que este é o melhor caminho. As farmácias que investirem na contratação de especialistas ou no preparo de seus farmacêuticos nesse campo estarão dando um salto de qualidade em seu atendimento, contribuindo para que o comércio de medicamentos seja mais qualificado. Vão construir uma imagem sólida de responsabilidade social e certamente serão os estabelecimentos escolhidos pelos usuários de medicamentos, uma vez que estes se sentirão, além de melhor acolhidos, mais seguros em relação aos tratamentos que fazem uso. Esta atitude poderá contribuir para gerar um consumo regular de medicamentos que beneficiará tanto o estabelecimento que os comercializa quanto o sistema de sáude e o próprio paciente, que se beneficiará do uso deste recurso terapêutico para obter melhores resultados em saúde. BS- Qual a aplicabilidade prática do curso de Atenção Farmacêutica? Denise Funchal - O curso de especialização traz aplicabilidade prática dos conhecimentos teóricos que o farmacêutico adquiriu na graduação. O curso está todo voltado para este objetivo, ou seja, entender o medicamento e sua ação no indivíduo, que fatores clínicos e humanísticos estão associados às falhas no tratamento e falta de adesão, quais são as possibilidades de intervenção diante dos problemas que podem surgir, como qualificar os processos de prestação de serviços para obtenção de melhores resultados com o uso de medicamentos. Estas discussões todas se fazem no sentido de aplicação dos conhecimentos na prática farmacêutica em vários ambientes e não somente na farmácia, embora esses estabelecimentos constituam um local previlegiado para aplicação dos conhecimentos que são adquiridos no curso. BS- Os farmacêuticos podem melhorar a classificação em concursos públicos através da especialização na área de atenção farmacêutica? Denise Funchal - Sim. Todo concurso público contempla uma análise curricular e a especialização confere ao candidato um diferencial frente aos concorrentes que não a possuem. BS- O curso traz conteúdos de farmacologia e semiologia? Denise Funchal - Em relação a famacologia parte-se do pressuposto que esta disciplina tenha sido desenvolvida a contento na graduação e procuramos avançar em aspectos clínicos e farmacoterapêuticos. A farmacologia básica é pré-requisito para acompanhar o curso e o farmacêutico que está se especializando poderá recorrer a estudo próprio para acompanhar os conteúdos e certamente poderá contar com ajuda docente para obter os esclarecimentos que se fizerem necessários. No que diz respeito a semiologia o curso contempla este conteúdo em disciplina própria tratando dos aspectos necessários para o farmacêutico aplicar os conhecimentos no sentido de realizar tanto o acompanhamento farmacoterapêutico quanto para, a partir dos problemas que os pacientes costumam relatar, analisar sua possível relação com os medicamentos em uso e estabelecer critérios de encaminhamento ao profissional de saúde mais adequado para resolve-los conforme o caso. É importante esclarecer que não há intenção de formar farmacêuticos para diagnosticar enfermidades, esta é função exclusiva dos médicos. A formação em atenção farmacêutica está voltada a preparar o profissional para identificar situações que possam ter forte associação com os fármacos utilizados pelo paciente e na proposição de alternativas para solução dos problemas suspeitos aos profissionais médicos ou mesmo junto aos pacientes, dependendo da proposta de intervenção girar em torno da necessidade ou não de alteração da farmacoterapia para resolução do problema em questão. BS- Qual o preparo que se pode esperar de um farmacêutico que se especializa em atenção farmacêutica? Denise Funchal - Pretende-se que ao final do curso o farmacêutico esteja apto a: entender a prestação da atenção farmacêutica como uma responsabilidade profissional para com o usuário de medicamentos na sociedade; desenvolver o raciocínio clínico, avaliando de forma estruturada as queixas dos pacientes e suas possíveis relações com os medicamentos em uso; estabelecer condutas de encaminhamento para outros profissionais ao estar diante de problemas de saúde que necessitem de investigação especializada; estabelecer relação terapêutica com o paciente que possibilite a tomada de decisões racionais e ajustadas ao contexto bio-psico-social do indivíduo; estabelecer relação positiva com os demais membros da equipe de saúde, compartilhando dados e decisões diante dos problemas relacionados a medicamentos suspeitos; aplicar os conhecimentos clínicos, humanísticos e farmacoterapêuticos para reconhecer as necessidades dos usuários de medicamentos e contribuir para a otimização dos resultados da farmacoterapia, aderência ao tratamento, detecção e notificação de reações adversas a medicamentos; realizar investigação em serviço de forma a contribuir para a divulgação do conhecimento acumulado com a prática da atenção farmacêutica. Portanto, observa-se uma intenção de formação ampla (técnica, social e pessoal) que somente será atingida com o envolvimento docente com esta proposta e, especialmente, com o esforço e vontade do próprio aluno. O curso tem sido construído neste sentido e atualmente está voltado a estes objetivos acima descritos. O que se tem observado é que os alunos ao completar o curso, em geral, sentem-se melhor preparados para atuar junto ao paciente e contribuir para a resolução dos problemas relacionados a medicamentos que aparecem na prática diária. Se precisarem investigar um problema sabem por onde começar, o que perguntar e como organizar o pensamento para formular propostas de intervenção para soluciona-lo. Também percebem que apesar das dificuldades que poderão encontrar para realizar a prática serão melhores farmacêuticos em seus locais de trabalho. BS- Há reconhecimento do papel do farmacêutico na sociedade que justifique o investimento nesta especialização? Denise Funchal - A valorização do papel do farmacêutico na equipe de atenção ao paciente e sua identificação como agente de saúde pela sociedade passa obrigatoriamente por uma análise crítica dos serviços que a profissão pode oferecer e os que têm sido atualmente oferecidos. Os farmacêuticos precisam estar dispostos a se preparar para aplicar seus conhecimentos de forma integral para atender às demandas sociais e contribuir para a melhora dos resultados farmacoterapêuticos. Somente com esta atitude seu papel será reconhecido na sociedade.