Revista do Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul Campo Grande - MS Ministério Público do Trabalho Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região COMISSÃO EDITORIAL Presidente: Odracir Juares Hecht Procurador do Trabalho Membros: Celso Henrique Rodrigues Fortes Procurador do Trabalho Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade Procurador do Trabalho Mateus de Oliveira Biondi Procurador do Trabalho Anete de Oliveira Freitas Analista de Documentação/Biblioteconomista Revista do Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul Campo Grande – MS n. 8 - 2014 Keyla Borges Tormena Gusmão Assessora de Comunicação ISSN 1981-3457 R. do Min. Púb. Trab. do MS Campo Grande-MS n.8 p.1-350 2014 Revista do Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul. -- V. 1, n.1 (abr. 2007)-. -- Campo Grande: PRT 24ª, 2007V. Anual ISSN 1981-3457 1. Direito do Trabalho. 2. Direito Previdenciário. 3. Direito Constitucional. 4. Direito Processual. CDD 341.6 CDU 349.2 Os artigos publicados são de responsabilidade dos seus autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região www.prt24.mpt.mp.br Sede Campo Grande/MS Rua Pimenta Bueno, 139 Bairro Amambaí CEP 79005-020 Fone/Fax: (67) 3358-3000 Procuradoria do Trabalho no Município de Corumbá/MS Rua Ladário, 788, Centro CEP 79303-030 Fone/Fax: (67) 3232-3020 Procuradoria do Trabalho no Município de Dourados/MS Rua Ponta Porã, 2045 Vila Progresso CEP 79825-080 Fone/Fax: (67) 3410-4000 Procuradoria do Trabalho no Município de Três Lagoas/MS Rua Ranulpho Marques Leal, 378 Jd. Angélica CEP 79611-100 Fone/Fax: (67) 3509-2000 Capa: Foto de construção de prédio em Campo Grande, de autoria de Valéria Aparecida Barbosa França, Engenheira de Seg. do Trabalho/ Perita do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul. Tiragem: 1.500 exemplares Impressão: Gráfica F&F - Brasília/DF Ministério Público do Trabalho Procurador-Geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região Procurador-Chefe da 24ª Região Odracir Juares Hecht Procurador-Chefe Substituto Hiran Sebastião Meneghelli Filho Procuradores Campo Grande Celso Henrique Rodrigues Fortes Cícero Rufino Pereira Jonas Ratier Moreno Leontino Ferreira de Lima Júnior Paulo Douglas Almeida de Moraes Rosimara Delmoura Caldeira Simone Beatriz Assis de Rezende Dourados Cândice Gabriela Arosio Jeferson Pereira Três Lagoas Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade Mateus de Oliveira Biondi SUMÁRIO Apresentação do presidente da Comissão Editorial. Odracir Juares Hecht...................................................................................9 ARTIGOS Trabalho em pé e sentado. Flexibilidade postural. Alessandro Santos de Miranda...................................................................13 Auditoria fiscal do trabalho: compromisso com o trabalho digno. Benedito de Lima e Silva Filho e Luize Surkamp........................................33 A dimensão qualificada do meio ambiente de trabalho. Carlos Alberto Costa Peixoto e Aline Fonseca Franco da Silva....................41 O trabalho escravo na fronteira Brasil/Paraguai e o direito fundamental à saúde. Cícero Rufino Pereira e Kaciane Corrêa Mochizuke..................................65 O instituto do dano moral coletivo e as graves violações de direitos humanos no âmbito trabalhista. Leontino Ferreira de Lima Junior e Luciana Aparecida Furtado de Lima...............83 O Ministério Público do Trabalho e o acesso à justiça no Brasil. Luís Antônio Camargo de Melo...............................................................95 Amianto: a crônica de uma tragédia epidemiológica anunciada. Márcia Cristina Kamei López Aliaga......................................................111 “Fragilidade” da mulher: sociedade, trabalho e formas de discriminação e violência. Nathália Eberhardt Ziolkowski e Marina Belini Morilha.......................119 Reinventando a negociação coletiva no setor sucroalcooleiro: diagnósticos e proposições. Paulo Douglas Almeida de Moraes........................................................137 GUIA MINISTERIAL Encerramento dos lixões e a inclusão social e produtiva das catadoras e catadores de materiais recicláveis. Conselho Nacional do Ministério Público...................................................161 PEÇAS PROCESSUAIS Termo de cooperação técnica pela fiscalização das condições de trabalho nas obras de construção e reformas de pontes nas estradas do estado de Mato Grosso do Sul. Junho/2014. Ministério Público do Trabalho, Estado de Mato Grosso do Sul e Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho no Estado de Mato Grosso do Sul...............................................................223 Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela. Aprendizagem no município de Bataguassu: Senac - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - Departamento Regional do Mato Grosso do Sul e Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - Departamento Regional do Mato Grosso do Sul. Março/2014. Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade...........................................231 Ação Civil Pública com pedido cautelar liminar. Cláusulas ilegais sobre horas in itinere em acordos coletivos de trabalho: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Andradina/MS, Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias da Fabricação do Açúcar e Álcool de Nova Andradina - MS e Energética Santa Helena S/A. Abril/2014. Jeferson Pereira.......................................................................................271 Ação Civil Pública c/c Ação Trabalhista com pedido de antecipação dos efeitos da tutela definitiva. Trabalho infantil doméstico. Jardim/MS. Julho/2013. Leontino Ferreira de Lima Júnior..........................................................301 Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada. Ações de Combate ao Trabalho Infantil: Município de Três Lagoas. Maio/2014. Mateus de Oliveira Biondi........................................................................321 Recomendação. Uso do tacógrafo digital: Agência Nacional de Transportes Terrestres. Setembro/2014. Paulo Douglas Almeida de Moraes........................................................347 Apresentação A Revista Jurídica do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul, criada com a vocação de propagar conhecimento por meio da publicação de artigos doutrinários e peças processuais acerca da atuação institucional na defesa dos direitos trabalhistas, chega em 2014 ao seu oitavo número, com ampla variedade de temas. O primeiro artigo aborda a ergonomia laboral, apontando agravos à saúde relacionados às posturas rígidas no trabalho. O autor é o Procurador do Trabalho Alessandro Santos de Miranda, que recomenda a adaptação dos postos de trabalho entre outras ações preventivas e educativas para melhorias das condições de trabalho. A segunda contribuição, escrita pelos Auditores Benedito de Lima e Silva Filho e Luize Surkamp, aborda o papel da auditoria fiscal do trabalho no compromisso com o trabalho digno. O Procurador do Trabalho Carlos Alberto Costa Peixoto e a Advogada Aline Fonseca Franco da Silva descrevem e analisam as multidimensões do Meio Ambiente do Trabalho e a responsabilidade civil-trabalhista do empregador pela garantia da higidez e segurança do meio ambiente de laboral no terceiro artigo. Considerando as peculiaridades do estado de Mato Grosso do Sul, com sua extensa faixa de fronteira, outro destaque desta Revista Jurídica é o artigo do Procurador do Trabalho Cícero Rufino Pereira e da Fisioterapeuta Kaciane Corrêa Mochizuke, que, juntos, discorrem sobre o trabalho escravo na fronteira Brasil/ Paraguai e o direito fundamental à saúde. O sexto artigo trata do instituto do dano moral coletivo e as graves violações de direitos humanos no âmbito trabalhista e foi elaborado pelo Procurador do Trabalho Leontino Ferreira de Lima Junior e pela Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região Luciana Aparecida Furtado de Lima. O artigo intitulado “O Ministério Público do Trabalho e o acesso à justiça no Brasil”, de autoria do Procurador-Geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, destaca o papel das Coordenadorias Nacionais Temáticas como fundamental para garantir a ação efetiva, eficiente e coesa em todo o território nacional contra os principais desafios às relações laborais brasileiras. Na sequência, a Procuradora do Trabalho Márcia Cristina Kamei López Aliaga alerta sobre os riscos do amianto e o Fórum de Trabalho Decente Mulher contribui com artigo sobre o trabalho, discriminação e violência contra a mulher na sociedade contemporânea, escrito pela Cientista Social Nathália Eberhardt Ziolkowski e pela Fisioterapeuta Marina Belini Morilha. O último artigo é do Procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, sobre a negociação coletiva no setor sucroalcooleiro. A revista também contém o Guia Ministerial “Encerramento dos lixões e a inclusão social e produtiva das catadoras e catadores de materiais recicláveis”, lançado pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Complementando os artigos doutrinários, a Revista traz peças processuais de autoria dos Procuradores do Trabalho que atuam no Estado. Entre os temas, destacam-se a exigência de oferecimento de cursos para cumprimento da cota legal de aprendizagem profissional, de autoria do Procurador do Trabalho Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade; jornada e horas in itinere de autoria de Jeferson Pereira, Procurador do MPT em Dourados; a Ação Civil Pública sobre trabalho infantil doméstico do Procurador Leontino Ferreira Lima Júnior e a exigência de implementação de ações de combate ao trabalho infantil, ação movida pelo Procurador Mateus de Oliveira Biondi. Também integram a revista, pela importância, a recomendação quanto ao uso de tacógrafo digital, feita à Agência Nacional de Transportes Terrestres pelo Procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, como forma de dar mais efetividade à Lei do Descanso, e o Termo de Cooperação Técnica pela fiscalização das condições de trabalho nas obras de construção e reformas de pontes nas estradas em Mato Grosso do Sul. Conforme descrito nas linhas acima, este número apresenta, de diversos ângulos, aspectos relevantes da atuação institucional, seja na defesa do meio ambiente laboral saudável, seja no respeito a direitos e à dignidade de imigrantes, indígenas, crianças e adolescentes, mulheres e todos os demais trabalhadores brasileiros, desafios que se constituem na missão e bandeira do MPT. Odracir Juares Hecht Presidente da Comissão Editorial Doutrina TRABALHO EM PÉ E SENTADO. FLEXIBILIDADE POSTURAL Alessandro Santos de Miranda1 POSTURAS GERAIS Muitas situações de trabalho requerem posturas que devem ser mantidas por um longo período de tempo. Entre elas está a postura em pé, que é comum em muitas ocupações, tais como vendedores de lojas, trabalhadores que prestam serviços na área de alimentação, no trabalho de linha de montagem, operadores de caixas, assim como em diversas outras atividades na indústria e no comércio. A questão da postura no trabalho é tratada, na maioria das vezes, como um problema de caráter individual, responsabilizando o trabalhador pela adoção de posições incorretas. Esta percepção é inverídica levando-se em conta que a proteção ao meio ambiente laboral é um direito social com interesse coletivo. Assim, constitui obrigação dos empregadores adotar as medidas necessárias com o fim de reduzir e eliminar os riscos inerentes ao trabalho pela aplicação das normas de saúde, higiene e segurança. Neste contexto, a exigência de posturas fixas na execução das tarefas aponta para a associação de vários agravos à saúde ocupacional, tais como LER/ DORT, distúrbios vasculares, entre outros, devendo, pois, ser evitada. A postura é o arranjo relativo das partes do corpo dispostas no espaço. É o principal elemento da atividade humana, 1 Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – DF e TO. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilha, Espanha. Coordenador Nacional da Defesa do Meio Ambiente de Trabalho do Ministério Público do Trabalho entre dezembro/2005 e outubro/2010. Email: [email protected]. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 13 ou seja, não se trata apenas de manter-se em pé ou sentado, mas de interagir no ambiente. Deste modo, uma das funções da postura é proteger as estruturas de suporte do corpo contra lesões progressivas, independentemente da atitude (ereta, deitada, agachada, encurvada) nas quais essas estruturas estão trabalhando ou repousando2. A postura natural ou saudável é aquela em que as articulações ocupam uma posição neutra de equilíbrio muscular e esquelético, sem movimentos (de extensão, flexão ou inclinação) ou com o mínimo de esforço energético, não exigindo grande esforço para mantê-la e, assim, não prejudicando o organismo com sobrecargas funcionais ou condições que a médio ou longo prazo possam originar processos patológicos3 4. Assim, uma boa postura mantém o esforço total em seu mínimo, distribuindo-o para as estruturas mais aptas a suportá-lo5. Em contrapartida, a má postura tem efeito contrário, aumentando o estresse total e distribuindo-o para estruturas menos capazes de suportá-lo, ocasionando o adoecimento. A postura e o equilíbrio dos segmentos corporais dependem da harmonia entre os membros inferiores, cintura pélvica, coluna vertebral, membros superiores e cintura escapular. Problemas relacionados à manutenção dessa harmonia podem ocasionar alterações de ordem postural, prejudicando a boa postura do indivíduo6. Com efeito, as posturas gerais básicas são as posições em pé (parado e andando), sentado, de cócoras e deitado. Além destas, há posturas relacionadas a segmentos particulares, tendo como base as posturas gerais7. Neste estudo serão abordadas as posturas sentada, em pé e alternada, por serem as mais adotadas nas relações de trabalho, bem como os parâmetros mínimos que permitem a adaptação das condições laborais às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança, saúde e desempenho eficiente. Entretanto, ressalte-se que as orientações contidas neste texto não excluem a necessidade de uma análise ergonômica do trabalho para ampliar o ângulo da abordagem, principalmente quanto à investigação dos aspectos relacionados às doenças ocupacionais, de forma a evitar a implantação inócua de medidas que poderiam ser contraditórias com a realização das atividades desempenhadas pelos trabalhadores. A postura sentada, associada à pouca movimentação, exige atividade muscular do dorso e do ventre e tem como consequência imediata a carga estática sobre certos segmentos corporais que, embora possa não ser intensa, se prolongada e associada à inércia, produz a fadiga. Assim, a postura sentada, de todas as posturas, é a mais dolorosa, principalmente quando o assento é inadequado, pois há menor nível de atividade muscular na posição sentado em comparação com a posição em pé8. Neste sentido, deve-se ter em conta que o homem é um ser em movimento constante, e que qualquer tarefa que o obrigue a posições estáticas leva-o ao desconforto. Neste particular, a posição ligeiramente inclinada para frente é mais natural e menos fatigante que aquela ereta, pois mantém o corpo em equilíbrio9. Já a postura parada em pé (postura ortostática) é altamente fatigante porque exige demasiado trabalho estático da musculatura envolvida para manter essa posição, dispendendo muita energia. As pessoas que executam trabalhos dinâmicos em pé, em constante movimento, geralmente apresentam menos fadiga que aquelas que permanecem estáticas ou com pouca movimentação. Não é possível a manutenção da postura em pé por longos períodos, sendo comum o uso assimétrico dos membros inferiores, usando alternadamente as pernas direita e esquerda como principal apoio para facilitar a circulação sanguínea ou reduzir as compressões sobre as articulações 2ASSUNÇÃO, 2004, p. 41-54. 3SÃO PAULO. Norma Técnica para o Trabalho em Pé e Sentado. 4ASSUNÇÃO, 2004, p. 45. 5 JORGE, 2003, p. 27. 6 JORGE, 2003, p. 41. 7 SÃO PAULO, op. cit. 8 JORGE, 2003, p. 72. 9 SÃO PAULO, op. cit. 14 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 15 que estavam contraídas10. O ideal é que haja flexibilidade postural (posturas alternadas), pois a variação de posições favorece as articulações e economiza energia, vez que não existe uma única postura que satisfaça às duas necessidades. Por intermédio da variação das posturas corporais permite-se ao indivíduo alternar os focos principais de exigências, ao mesmo tempo em que propicia mobilidade para o sistema musculoesquelético e a manutenção da saúde dos músculos, tendões, entre outros. Neste contexto, a postura de trabalho é adotada em função da atividade desenvolvida, das exigências da tarefa (visuais, emprego de forças, precisão dos movimentos, pressão temporal, volume de produção, ritmo das tarefas, variabilidade do processo e qualidade), dos espaços de trabalho (dimensões do mobiliário e equipamentos), da ligação do trabalhador com máquinas e equipamentos (como, por exemplo, o acionamento de comandos), entre outros. As amplitudes de movimentos dos segmentos corporais, assim como as exigências da tarefa em termos visuais, de peso ou esforços, influenciam na posição do tronco e no esforço postural, tanto no trabalho sentado como no trabalho em pé11. A postura mais adequada ao trabalhador é aquela que ele próprio escolhe livremente e que pode ser variada ao longo do tempo. Assim, a concepção dos postos de trabalho ou da tarefa deve favorecer a variação postural, principalmente a alternância entre a postura sentada e em pé. Em outros termos, para uma postura sadia é recomendável a variação frequente do repertório de posturas, pois uma posição conveniente torna-se ruim se prolongada demasiadamente. Assim, o conforto merece destaque especial. A regulamentação em segurança e saúde no trabalho quase sempre diz respeito a limites de tolerância que podem ser medidos objetivamente. O mesmo não ocorre neste caso. Para se avaliar o conforto, é imprescindível a manifestação dos trabalhadores. Só estes poderão 10 SÃO PAULO, op. cit. 11 BRASIL, 2001. 16 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 confirmar ou não a adequação das soluções técnicas propostas. Portanto, para investigar as inadequações ou para solucioná-las, a palavra daqueles deve ser a principal diretiva. AGRAVOS À SAÚDE RELACIONADOS POSTURAS RÍGIDAS NO TRABALHO ÀS Inicialmente, deve-se ter em conta que, de maneira geral, os postos de trabalho são concebidos levando-se em consideração as necessidades da produção, e não o conforto do empregado na escolha da postura a ser adotada, contrariando o disposto na Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, que predispõe que o ambiente laboral deve ser adaptado, na medida do possível, ao trabalhador, e não o contrário: Art. 16 – Deverá ser exigido dos empregadores que, à medida que for razoável e possível, garantam que os locais de trabalho, o maquinário, os equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum para a segurança e saúde dos trabalhadores. Sob o enfoque ergonômico, analisando a relação entre o homem e o trabalho, predomina a opinião de que a postura laboral, sobretudo a permanência prolongada em pé, pode desencadear e/ou agravar os sintomas de transtornos venosos nos membros inferiores, resultando em dores que se prolongam além do horário de labor. Assim, tem-se o paradoxo: muitos problemas de saúde ocupacional estão associados com a permanência da postura em pé, ao passo que inúmeras são as situações que requerem a manutenção desta postura por um longo período em certas categorias profissionais como, por exemplo, em diversos postos de trabalho da indústria e do comércio. A postura parada em pé exige o trabalho estático da musculatura envolvida para manutenção desta posição, provocando diversos problemas somáticos, tais como maior desgaste físico, tensão e fadiga musculares, dores lombares e desconfortos nos membros Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 17 inferiores (dores, edema, sensação de peso nas pernas e câimbras, que aumentam ao longo do dia, especialmente após a permanência prolongada da postura em pé), os quais, mesmo que não gerem uma incapacidade laboral, propiciam a diminuição da resistência dos trabalhadores, levando-os a adquirir doenças de origem ocupacional12 13 . Estar de pé significa que todo o peso do corpo é suportado pelos membros inferiores e que se trabalha contra a lei da gravidade, com a solicitação excessiva de vários músculos do dorso e das pernas para manter a postura ereta, como também do sistema cardiovascular, que faz o sangue retornar dos membros inferiores ao coração14. Para a manutenção da postura estática em pé são necessários níveis baixos, porém constantes, de tensão muscular, e esse estado prolongado de contração provoca uma compressão dos vasos sanguíneos, prejudicando a circulação sanguínea e linfática. Como consequência, a manutenção da postura em pé por 45% a 50% da carga horária de trabalho é suficiente para causar o aparecimento de alguns transtornos musculoesqueléticos e circulatórios nos membros inferiores (pernas e pés, além de joelhos e quadris), como varizes, edema e celulite que, além do comprometimento estético e funcional, desencadeiam dores, podendo evoluir para a perda parcial ou total da mobilidade de aludidos membros15. Com efeito, a doença venosa é um problema de saúde pública importante, pois acomete pessoas de diferentes faixas etárias e pode causar sérios problemas socioeconômicos como, por exemplo, a inaptidão laboral, pois apresenta uma repercussão direta sobre a qualidade de vida e da produção e, consequentemente, sobre a perda de eficiência operacional. Assim, são comuns os absenteísmos, hospitalizações e até mesmo aposentadorias precoces de indivíduos na fase produtiva da vida, acometidos por sequelas físicas e psicológicas, 12 13 14 15 18 GUIMARÃES, 2006. BRASIL, 2002. ASSUNÇÃO, 2004, p. 50. GRANDJEAN, 1998. além de limitações e impedimentos permanentes para a realização das atividades cotidianas e do trabalho16. Como pontuado anteriormente, muitas situações de trabalho requerem a manutenção da postura em pé por um longo período de tempo. Entretanto, a escolha desta postura só se justifica quando a tarefa: exige deslocamentos contínuos (no caso de rondas); pressupõe manipulação de cargas com peso igual ou superior a 4,5 kg; exige alcances amplos frequentes, para cima, para frente ou para baixo (deve-se reduzir a amplitude destes alcances para que se possa trabalhar sentado); determina mudanças constantes de postos de trabalho, fisicamente separados; exige a aplicação de forças para baixo (como o empacotamento)17 18. Deve ser levado em consideração, ainda, que em muitas atividades econômicas há um controle rígido da produtividade, o qual aumenta quando a demanda da produção ou dos serviços é maior, sendo os trabalhadores submetidos a extensas e desgastantes jornadas, permanecendo mais tempo no local de trabalho e aumentando ainda mais o tempo de exposição à carga estática, tornando-os mais suscetíveis a doenças. Com relação à postura sentada, tem-se que o esforço postural e as solicitações sobre as articulações são mais limitadas que na posição em pé. A postura sentada permite melhor controle dos movimentos, razão pela qual o esforço de equilíbrio é reduzido. Por este fato, é a melhor postura a ser adotada para os trabalhos que exijam precisão. De idêntica forma, em algumas atividades a tendência é permanecer sentado por longos períodos (escritórios, trabalhos com computadores e administrativos, entre outros). Nesta posição, a compressão dos discos intervertebrais é maior, não só pelas cargas que atuam sobre a coluna vertebral, mas principalmente pela manutenção da própria postura estática. Desta forma, a incidência de 16 FRANÇA, 2003, p. 319-328. 17 BRASIL, 2002. 18 BRASIL, 2001. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 19 dores lombares é menor quando adotada a flexibilidade postural19, sendo importante que o design do assento possibilite as mudanças de postura20. Assim, há vantagens e desvantagens na adoção da postura de trabalho sentado, se bem concebida (com apoios e inclinações adequados). Como vantagens, destacam-se: baixa solicitação dos membros inferiores (o que reduz a sensação de desconforto e cansaço); possibilidade de evitar posições forçadas do corpo; menor consumo de energia; facilidade da circulação sanguínea nos membros inferiores. As principais desvantagens são: sedentarismo; adoção de posturas desfavoráveis; redução da circulação sanguínea nos membros inferiores. Neste particular, o Poder Judiciário Trabalhista tem reconhecido o nexo causal entre a culpa patronal (má organização da atividade produtiva; insuficiência de aplicação dos princípios ergonômicos na concepção de métodos e dos postos de trabalho; falta de ajuste dos equipamentos às características dos trabalhadores) e os adoecimentos dos trabalhadores decorrentes da exposição ao risco postural, pois estes têm o direito de desenvolverem suas atividades profissionais em ambiente seguro que preserve sua vida, saúde e integridades física e moral. Não é outro o entendimento esposado nos seguintes acórdãos: RO nº 00952-2009-008-10-00-6 (3ª Turma do e. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região); RO nº 0002002-71.2011.5.03.0058 (7ª Turma do e. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região); RO nº 0001480-34.2010.5.03.0105 (6ª Turma do e. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região). ADOÇÃO DAS POSTURAS ALTERNADAS PARA O CONFORTO NO TRABALHO O conforto do trabalho sentado ou do trabalho em pé ocorre 19 BRASIL, 2001. 20 ASSUNÇÃO, 2004, p. 52. 20 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 em função21: a) do tempo de manutenção da postura; b) da adaptação às exigências visuais (a localização das fontes de informação influencia na postura corporal, podendo induzir o trabalhador a adotar posturas inadequadas prolongadas ou repetitivas); c) dos espaços para pernas e pés (a falta de espaço obriga o trabalhador a adotar posturas incorretas); d) da altura do plano de trabalho (importante elemento para o conforto postural22); e) das características da cadeira (o assento de trabalho ideal deve ser determinado em função da atividade desenvolvida, das condições ambientais de trabalho e da opinião dos trabalhadores). Como visto, qualquer postura prolongada é mal tolerada pelo corpo humano. Por esta razão, a alternância de posturas deve ser sempre privilegiada, pois permite que os músculos não sejam sobrecarregados e fiquem fatigados. O item 17.3.1 da Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego dispõe que “Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para essa posição.” A interpretação desse item normativo tem gerado malentendidos, vez que sua intenção é reduzir a posição de trabalho em pé, muito comum nos meios industrial e comercial. Com efeito, a alternância da postura deve sempre ficar à livre escolha do trabalhador. Ele é quem vai saber, diante da exigência momentânea da tarefa e de suas condições pessoais, se é melhor a posição sentada ou em pé. Assim, o tempo de manutenção de uma postura deve ser o mais breve possível, pois seus efeitos, eventualmente nocivos, dependem do tempo durante o qual ela será mantida. 21 BRASIL, 2001. 22“Esta observação é válida tanto para o trabalho sentado como para o trabalho em pé. O ponto de referência utilizado para determinar a altura confortável de trabalho é a altura dos cotovelos em relação ao piso, mas a altura da tarefa tem que ser levada em consideração. No planejamento / adaptação do posto de trabalho sentado deve-se sempre levar em consideração duas medidas principais: a altura da cadeira e a altura do plano de trabalho. Considerando que as dimensões corporais são muito diversas, (inter e intra-indivíduos), no mínimo uma destas alturas tem que ser regulável, para facilitar a adaptação do posto à maioria dos trabalhadores.” (BRASIL, 2001). Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 21 Conforme preceitua o item 17.3.5 da mesma Norma Regulamentadora, “Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais em que possam ser utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas.” Por corolário, exclui-se do atendimento à norma a disponibilização de assentos em locais inadequados, insalubres ou perigosos. Assim, os trabalhadores devem ter a oportunidade de se sentar durante as paradas no trabalho. Um assento do tipo pedestal ou uma estação de trabalho sentada/de pé pode ser fornecida ao operador para que ele possa variar a postura durante a atividade laboral. Neste tocante, se adotado o assento tipo pedestal (posição semi-sentada)23 como solução, deve-se observar que este somente pode ser utilizado para quem trabalha em pé, parado, possibilitando que o trabalhador desenvolva suas atividades sem a fadiga própria desta situação laboral. Mas não deve ser usado por longos períodos e só se adapta às atividades realizadas em pé nas quais não se exige muita força nos movimentos. Ainda, o chão deve oferecer atrito suficiente para evitar que o banco deslize. A SELEÇÃO DO MOBILIÁRIO: PARÂMETROS MÍNIMOS A importância do mobiliário se fundamenta no fato de este ser considerado um dos equipamentos de trabalho, necessitando ser compatível com a tarefa a ser desenvolvida e ser adaptado a seus usuários. Frise-se que a postura a ser adotada dependerá de múltiplos fatores: variação da produção, características do mobiliário e arranjo do espaço físico, entre outros. braços, entre outros). Deve permitir também alternância de posturas (sentado, em pé), pois não existe nenhuma postura fixa que seja confortável. Também deve ser adaptado à natureza do trabalho, ou seja, às exigências da tarefa. Entre a população trabalhadora há indivíduos de diversas alturas, sendo difícil conceber um mobiliário que satisfaça a todos. O recomendável é que o mobiliário permita uma regulagem que atenda a pelo menos 95% da população em geral. Segundo o item 17.3.2 da Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego, “Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas, mesas, escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições de boa postura, visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos mínimos: a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento; b) ter área de trabalho de fácil alcance [35 a 45 cm] e visualização pelo trabalhador; c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e movimentação adequados dos segmentos corporais”24. Percebe-se que a intenção da norma é permitir a concepção do mobiliário adaptado às características do trabalho e do trabalhador. Assim, para que se possibilite a realização das tarefas em condições de conforto, deve-se proporcionar flexibilidade de posturas e possibilidade de regulagem do mobiliário de forma a permitir a adaptação às características antropométricas do trabalhador. Assim, o mobiliário deve ser concebido com regulagens que permitam ao trabalhador adaptá-lo às suas características antropométricas (altura, peso, comprimento das pernas e dos 23 Um assento pedestal consiste em um banco de altura ajustável (65 a 85 cm) e inclinado entre 15 a 30 graus, o que permite a assunção de posturas semi-apoiadas, que aliviam o estresse sobre as pernas. 24 ABRAHAO; ASSUNÇÃO, 2002, p. 38-45. 22 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 23 Para a realização de trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, deve ser proporcionado mobiliário que atenda aos itens 17.3.2, 17.3.3, 17.3.4 e alíneas da Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego e que permita variações posturais, com ajustes de fácil acionamento, de modo a prover espaço suficiente para o conforto do usuário, atendendo, no mínimo, aos seguintes parâmetros: a) as dimensões antropométricas devem ser tomadas considerando, no mínimo, 95% da população brasileira; b) mesas com profundidade de, no mínimo, 90 cm, e largura de, no mínimo, 100 cm que proporcionem zonas de alcance manual do material e dos equipamentos de trabalho até, no máximo, 65 cm de raio, medidas centradas nos ombros do usuário em posição de trabalho; c) mesas reguláveis em altura de, no mínimo, 64 a 98 cm, medidas de sua face inferior, para colocação do terminal de vídeo, documentos e equipamentos, com bordas arredondadas, sem quinas e sem canaletas plásticas que ultrapassem a superfície da madeira para evitar desconforto e compressão de tecidos ao apoiar os antebraços; d) superfícies para teclado e mouse independentes do monitor, com regulagem de altura entre, no mínimo, 64 e 98 cm e espaço para apoio dos antebraços e movimentação do mouse; e) facilidade de disposição, acesso e organização dos diferentes equipamentos e documentos utilizados na execução do trabalho; para vídeo; f) superfície e mecanismo de regulagem independentes g) espaço sob a mesa de trabalho com profundidade mínima de 45 cm ao nível dos joelhos e de 70 cm ao nível dos pés; h) disponibilidade de apoio para os pés de altura regulável, adaptável ao comprimento das pernas do usuário, permitindo o apoio das plantas de ambos os pés, com largura de 30 a 40 cm, inclinação entre 10 e 20 graus com a horizontal e superfície revestida de material 24 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 antiderrapante; i) disponibilidade de suporte para documentos que fique à altura do monitor; j) telas de vídeo dotadas de mecanismos que permitam regulagens ao correto ajuste do monitor à iluminação do ambiente, de forma a assegurar, também, que a parte superior da tela esteja situada na altura dos olhos, formando um cone em torno de 30 graus posicionada a uma distância que varie entre 40 a 60 cm dos olhos, não ultrapassando o limite de 70 cm; l) assentos dotados de: l.1) apoio em 05 (cinco) pés, com rodízios cuja resistência evite deslocamentos involuntários e que não comprometam a estabilidade do assento; l.2) revestimento com material que permita a perspiração; l.3) estofamento da base com material de densidade mínima de 50 Kg/cm³; l.4) alturas ajustáveis em relação ao piso por mecanismo de fácil manuseio, a gás ou similar, com intervalo de 37 a 50 cm; l.5) profundidade útil de 38 a 44 cm; l.6) borda frontal arredondada; na base; l.7) características de pouca ou nenhuma conformação l.8) encosto com forma levemente adaptada ao corpo para proteção da região lombar, separado do assento, com regulagem de altura e inclinação ântero-posterior. Caso não haja mesa regulável e espaço para antebraços no próprio plano de trabalho, as cadeiras devem ser dotadas de apoio para antebraços de material macio, com regulagem de altura. Ainda, devem ser adotadas outras providências em relação ao mobiliário: Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 25 a) será necessário avaliar a adequação de um protótipo de todos os móveis, em seus diferentes modelos, antes da aquisição final, com participação da equipe de saúde, onde houver, e, principalmente, dos trabalhadores envolvidos, que deverão testá-los; avaliação de desempenho e organização do trabalho. b) em caso de pessoas com necessidades especiais e aquelas cujas medidas antropométricas não sejam atendidas pelas especificações supra, o mobiliário dos postos de trabalho deve ser adaptado para atender às suas necessidades, e devem ser disponibilizadas ajudas técnicas necessárias para que se permita facilitar sua integração ao trabalho, levando em consideração as repercussões sobre a saúde destes trabalhadores; c) os empregados devem ser orientados para a correta utilização dos mecanismos de ajuste do mobiliário; d) devem ser realizadas campanhas acerca da importância da ergonomia no trabalho; e) devem ser garantidas a manutenção e a reposição do mobiliário, com a participação dos trabalhadores no processo de decisão de compra do mesmo. Ainda com relação à altura do assento, deve ser definida de forma que: proporcione o conforto dos membros inferiores (os pés estejam bem apoiados sobre o solo, sem haver compressão das coxas25) e superiores, assim como o conforto visual (determinado pela distância entre o olho e o plano de trabalho, das características da atividade e da acuidade visual do trabalhador)26. Deve ser observado que toda introdução de novos métodos ou dispositivos tecnológicos que traga alterações sobre os modos operatórios dos trabalhadores deve ser alvo de análise ergonômica prévia das repercussões sobre as formas e carga de trabalho daqueles, prevendo-se períodos e procedimentos adequados de capacitação e adaptação, incluindo reformulação de métodos de 25 Para adaptar o posto de trabalho a todos, deve ser disponibilizado suporte para os pés para os que têm estatura menor, com inclinação de, no máximo, 20º, não devendo ser uma barra fixa. 26 BRASIL, 2001. 26 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 RECOMENDAÇÕES ERGONÔMICAS FLEXIBILIDADE POSTURAL PARA A integração das questões de saúde e segurança nos processos produtivos é um marco para a construção de ações preventivas e educativas visando à transformação das situações de trabalho. Com isso, todos os envolvidos são beneficiados: os trabalhadores têm a saúde preservada, melhoram a qualidade de vida e o bem-estar e obtêm satisfação no trabalho; os empregadores aumentam a produtividade e competitividade com a diminuição das interrupções no processo e a redução do absenteísmo, dos acidentes Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 27 e das doenças ocupacionais; o governo, por sua vez, gera empregos sustentáveis, em boas condições; e a sociedade se beneficia com a redução do ônus social. Desta forma, deve ser dado o mesmo nível de importância para as questões de qualidade, segurança, saúde ocupacional e meio ambiente do trabalho. Como visto, qualquer postura, desde que mantida prolongadamente, é mal tolerada pelo corpo humano. A alternância de postura deve ser sempre privilegiada, pois permite que os músculos não se fatiguem. E é o próprio trabalhador quem deve livremente escolher a postura a ser adotada, em constante alternância (em pé, sentado), diante da exigência momentânea da tarefa. Percebe-se que a permanência prolongada na postura em pé pode ter influência no desencadeamento e/ou no agravamento de sinais e sintomas referentes aos transtornos circulatórios (varizes, ocorrência de dor, sensação de peso ou cansaço, câimbras e edema, entre outros) nos membros inferiores. Importante destacar que a orientação de uma postura ou a prescrição de um assento, sem se considerar a situação em que a atividade se desenvolve, pode gerar conflitos, entre os quais a adoção de posturas estereotipadas e a não utilização do mobiliário prescrito. Ainda, em inúmeras situações de trabalho, apesar de disponível, o assento não é utilizado pelos trabalhadores, pois a falta de cultura em saúde e segurança laborais podem gerar resistência às mudanças. Daí a importância de se realizar um estudo ergonômico, avaliando as características de cada atividade, além de promover a conscientização dos trabalhadores para as boas práticas posturais. Outro ponto relevante diz respeito aos aspectos organizacionais que permitam o usufruto da melhoria das condições materiais de trabalho propostas, pois uma rigidez excessiva na organização laboral, com imposição de um ritmo artificial, neutraliza a vida mental durante o trabalho, tornando o obreiro mais suscetível de doenças. Muitas vezes a rigidez operativa do trabalho leva ao excesso da carga psicológica, principalmente em atividades profissionais onde são exigidas dos trabalhadores metas de produção27. Portanto, para prevenir as desordens musculoesqueléticas no local de trabalho, deve-se atentar às intervenções e soluções ergonômicas: a partir da identificação dos fatores do local do trabalho, dos aspectos individuais e tendo como base as pesquisas epidemiológicas, podem ser instituídas medidas preventivas, minimizando ou eliminando os fatores de risco. É de salutar importância que haja mais conscientização tanto por parte dos empregadores como dos trabalhadores com relação à existência dos distúrbios musculoesqueléticos e vasculares, bem como quanto às medidas conjuntas que devem ser adotadas para que esses males sejam prevenidos. Por todo o exposto, para minimizar a incidência dos sintomas de origem circulatória nos membros inferiores em atividades laborais que exijam a postura ortostática (em pé), o Ministério Público do Trabalho recomenda, além da realização de análise ergonômica primorosa nos postos de trabalho, a adoção das seguintes ações preventivas e educativas: posturas; a) adaptação dos postos de trabalho para alternância de b) para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados em pé, disponibilização de assentos para alternância de postura nos horários de intervalos, em número compatível ao de trabalhadores, em locais em que possam ser utilizados por estes durante as pausas (item 17.3.5 da Norma Regulamentadora 17); c) fornecimento de apoios para os pés; d) alternância de tarefas entre aquelas que devem ser desenvolvidas durante longos períodos na posição em pé e outras que possam se executadas sentado; e) redução das jornadas dos trabalhadores que trabalham em pé, sem que haja comprometimento com a redução salarial; 27 JORGE, 2003. 28 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 29 f) desenvolvimento de campanhas de conscientização dos trabalhadores sobre a importância da utilização dos assentos nos intervalos naturais e os riscos à saúde pela permanência em pé durante toda a jornada; BRASIL. Nota Técnica 60/2001. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego / Secretaria de Inspeção do Trabalho, 2001. g) fornecimento, como equipamento de proteção individual, de meias de compressão elásticas, após análise da viabilidade técnica deste EPI; FRANÇA, Luiz Henrique Gil; TAVARES, Viviane. Insuficiência Venosa Crônica: Uma Atualização. São Paulo: Jornal Vascular Brasileiro, v. 2, n. 4, p. 319-328, 2003. h) por fim, não permissão, não tolerância e não submissão dos trabalhadores, por meio de seus superiores hierárquicos, a situações de constrangimento ou proibição, ainda que velada, à utilização de assentos nas pausas permitidas ou nos momentos de não atendimento ao público (em caso de estabelecimentos comerciais). BIBLIOGRAFIA ABRAHAO, Júlia Issy.; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. A Concepção de Postos de Trabalho Informatizados Visando à Prevenção de Problemas Posturais. Revista de Saúde Coletiva da UEFS, Feira de Santana, v.1, n.1, p. 38-45, 2002. ASSUNÇÃO, Ada Ávila. A Cadeirologia e o Mito da Postura Correta. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 29, p. 4154, 2004. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/28738230/ACadeirologia-e-o-Mito-Da-Postura-Correta>. Acesso em: 20 jul. 2013. ASSUNÇÃO, Ada Ávila. SAMPAIO, Rosana Ferreira. NASCIMENTO, Licia M.B. Agir em Empresas de Pequena e Média Dimensão para Promover a Saúde dos Trabalhadores: O Caso do Setor de Alimentos e Bebidas. Revista Brasileira Fisioter, v. 14, p. 52-59, 2010. PEREIRA, Alexandre Demetrius. Tratado de Segurança e Saúde Ocupacional. Aspectos Técnicos e Jurídicos. São Paulo: LTr, v. IV, p. 111/115. GRANDJEAN, Etienne. Manual de Ergonomia: Adaptando o Trabalho ao Homem. Porto Alegre: Artes Médicas, 4ª ed., 1998. GRATAROLLI, Jacqueline et al. Implantar cadeiras garante a postura sentada? Curitiba: Anais do IV Congresso Brasileiro de Ergonomia ABERGO, 2006. GUIMARÃES, Lia Buarque de Macedo. “Avaliação do Trabalho Físico”. In: GUIMARÃES, Lia Buarque de Macedo. Ergonomia de Produto: Antropometria, Fisiologia e Biomecânica, 5. ed., Porto Alegre: FEENG, 2006, v. 1. JORGE, Maria do Carmo Teixeira Carvalho. A Postura de Trabalho em Pé: Um Estudo com Trabalhadores Lojistas. Universidade Federal de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado. 2003. Disponível em: <https:// repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/85414/229235. pdf ?sequence=1>. Acesso em: 20 jul. 2013. SÃO PAULO. Norma Técnica para o Trabalho em Pé e Sentado. Secretaria Municipal de Saúde. Subgerência da Vigilância em Saúde do Trabalhador. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br/.../7_ pagina_saude_do_trabalhador_1255004550>. Acesso em: 19 jul. 2013. BRASIL. Manual de Aplicação da Norma Regulamentadora nº 17. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego / Secretaria de Inspeção do Trabalho, 2. ed., 2002. 30 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 31 AUDITORIA FISCAL DO TRABALHO: COMPROMISSO COM O TRABALHO DIGNO Benedito de Lima e Silva Filho1 Luize Surkamp2 O conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil deixou, a bem pouco tempo, de se limitar à restrição da liberdade de ir e vir dos trabalhadores, para ter uma abrangência multifacetada, consoante com as diretrizes da Lei Maior. Com efeito, analisando os Direitos Fundamentais dos trabalhadores brasileiros, pretende-se demonstrar que o fenômeno do trabalho análogo ao de escravo e, portanto indigno, se materializa quando ocorrem sérias restrições às liberdades substantivas, ou seja, inicia-se quando as irregularidades trabalhistas deixam de constituir simples descumprimento de normas e passam a afrontar os Direitos Humanos, notadamente nos desdobramentos constituídos pelos Direitos Fundamentais dos trabalhadores. Este artigo pretende enfocar de forma mais destacada que a ocorrência do trabalho análogo ao de escravo no Brasil tem embutido na sua gênesis não apenas fatores provocados pelos empregadores, mas também restrições às liberdades substantivas que na sua maioria são de responsabilidade do Estado. Tal conceito vai de encontro à visão anterior, na qual o trabalho análogo ao de escravo exigia apenas a presença de condições tradicionais como a restrição 1 Auditor Fiscal do Trabalho 2 Auditora Fiscal do Trabalho 32 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 33 do direito de ir e vir, trabalho forçado, servidão por dívida e vigilância armada. Uma vez que as restrições das liberdades podem ser causadas tanto pela sociedade civil quanto pelo Estado, pretende-se demonstrar que o trabalho análogo ao de escravo estudado sob o aspecto destas restrições confere maior amplitude à análise e aumenta o leque de atores responsáveis pela existência deste fenômeno, e que é dever da auditoria fiscal do trabalho, além de exercer seu papel fiscalizador, identificar suas causas e atuar sobre as mesmas, com a participação de outras instituições e órgãos do Estado, se necessário, com o fito de fazer surgir o trabalho digno em seu lugar. A correlação de trabalho análogo ao de escravo com as restrições das liberdades suscita uma discussão mais aprofundada sobre as capacidades dos trabalhadores e como as suas necessidades são asseguradas, pois estas estão fortemente ligadas à qualidade de vida e às liberdades substantivas. Tomando como referência o pensamento de Sen (2007), a liberdade individual é essencialmente um produto social e exige uma relação de mão dupla entre as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e o seu uso, não só para melhorar a vida de cada um, mas também para tornar as disposições sociais mais eficientes e eficazes. Segundo o mesmo autor, ao se estudar um fenômeno sob o enfoque das restrições das liberdades, não se pode esquecer que as liberdades substantivas têm um viés tanto social quanto econômico. Dentro desta ótica, o Estado pode ser parte importante na existência do trabalho análogo ao de escravo, uma vez que no campo social, em última instância, é o responsável pela garantia da educação, da saúde, da moradia e da segurança e, no campo econômico, responde como indutor do crescimento, gerenciador do mercado de trabalho e moderador das relações deste com o capital. É mister enfatizar que no Brasil o Estado é na maioria das vezes o principal financiador de projetos onde ocorre trabalho indigno. Seguindo este raciocínio, pode-se vislumbrar uma forte 34 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 correlação entre a existência do trabalho análogo ao de escravo e a privação das liberdades substantivas, pois, o que as pessoas conseguem realizar está umbilicalmente ligado às oportunidades econômicas, às liberdades políticas, às atuações das organizações sociais e às condições habilitadoras, como melhores condições de saúde, uma boa educação e incentivo às iniciativas de aperfeiçoamento profissional e educacional. Este raciocínio, por sua vez, levaria à conclusão de que o Estado pode ser um dos indutores do fenômeno do trabalho análogo ao de escravo, ao não assegurar de forma generalizada os elementos básicos de afirmação da cidadania, de defesa contra a exploração dos trabalhadores e de capacitação dos trabalhadores para a sua própria defesa contra a exploração. Para Sen (2007) as oportunidades sociais estão inequivocamente relacionadas com as ações do Estado, uma vez que se referem às necessidades básicas dos indivíduos, e que influenciam claramente a qualidade da vida de cada um. As oportunidades sociais influenciam tanto a vida privada como a participação do cidadão na sua comunidade. Assim, um analfabeto terá grande dificuldade para participar do mercado de trabalho no qual se exija conhecimentos que não possui. Da mesma forma, será limitado seu poder para interferir politicamente na comunidade, especialmente pela dificuldade de acessar informações. Depreende-se desta abordagem das liberdades instrumentais que a criação de oportunidade e a capacitação dos cidadãos através, por exemplo, da oferta de educação pública, de serviços de saúde, de liberdades políticas e de imprensa podem contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida e, em consequência, para a redução do trabalho indigno. Resta, portanto, verificar se os elementos presentes na gênesis do trabalho análogo ao de escravo no Brasil têm origem nas restrições das liberdades substantivas e se estas são suficientes para caracterizar o fenômeno acima referido. Com esse intuito, escolheram-se variáveis que refletissem os direitos fundamentais dos trabalhadores e elaborou-se uma Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 35 plataforma de coleta de dados que foi aplicada em campo pelos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel de combate ao trabalho análogo ao de escravo – GEFM, do Ministério do Trabalho e Emprego. A seguir, utilizou-se um programa estatístico de domínio público bastante aplicado nas ciências médicas, chamado EPI info para tratar os dados. para pessoas que possuem de 4 a 7 anos de estudos é de 28,2%, e o percentual de pessoas sem instrução ou com menos de um ano de estudo é de 10,2%, ao passo que os índices alcançados pelos trabalhadores resgatados para trabalhadores analfabetos é de 25,7%. ANÁLISE DOS DADOS Pode-se constatar que a reta de regressão linear traçada entre trabalhadores escravos e nível de escolaridade apresenta um coeficiente angular negativo, o que significa que à medida que aumenta a escolaridade, diminui a incidência de trabalho análogo ao de escravo. Haja vista que, principalmente após a 5ª série de estudo, a incidência de trabalhadores resgatados é insignificante (15,7%) dentro do universo pesquisado. No Brasil, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, no ano de 2009, foram resgatados em condições análogas às de escravo 3.763 (três mil setecentos e sessenta e três) trabalhadores e em 2010, até agosto, mais 1.366 (um mil e trezentos e sessenta e seis) trabalhadores. A coleta de dados utilizados neste artigo iniciou-se a partir de maio de 2009 e encerrou-se em agosto de 2010. Deste universo foram entrevistados 379 (trezentos e setenta e nove) trabalhadores os quais trabalhavam em atividades como roço de juquira, corte de pinus, corte de erva-mate, corte de cana e outras. As entrevistas foram realizadas nas mais diversas regiões do Brasil. (Sul, Norte, Nordeste). Ao serem tratados os dados constante da planilha de coleta de dados constatou-se que 61,7 % dos trabalhadores começaram a trabalhar antes de completarem 14 anos; 23,5% iniciaram as suas atividades laborais entre 14 e 16 anos de idade; 12,7% começaram a trabalhar entre 16 e 18 anos; apenas 2,1% dos trabalhadores começaram a trabalhar na idade adulta, acima de 18 anos. Quanto ao nível de escolaridade dos trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravo verificou-se que 84,3% dos trabalhadores resgatados estudaram somente até a 5ª Série do primeiro grau. O percentual de 84,3% referente aos trabalhadores resgatados que estudaram somente até a quinta série é muito superior à média nacional, que segundo dados divulgados pela PESQUISA NACIONAL DE DOMICÍLIO - PNAD, do IBGE, em 20083, Ao se fazer a correlação entre as variáveis trabalho análogo ao de escravo e o nível de escolaridade, constatou-se que há uma dependência entre elas no percentual de 62,3%. Constatou-se também que devido ao baixo grau de escolaridade dos trabalhadores encontrados em condições análogas às de escravo, apenas 5,3% deles detém algum tipo de profissionalização. Ao se analisar as fichas de dados dos trabalhadores resgatados verificou-se, como era de se esperar, que os trabalhadores que fizeram cursos profissionalizantes são aqueles que estudaram além da 8ª série. Diante destes dados, pode-se inferir que o início precoce de atividade laboral leva a um baixo nível de escolaridade. A baixa escolaridade aliada à falta de capacitação profissional que os habilite a um trabalho que os remunerem melhor faz com que cerca de 38,2% dos trabalhadores resgatados tenham renda familiar abaixo de um salário mínimo. Os dados coletados relativos à moradia dos trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravo refletem a baixa renda dos trabalhadores, pois apenas 47,8% deles possuem casa própria. Verificou-se através da análise de dados que a baixa renda dos trabalhadores reflete-se no seu cotidiano, pois em 19,4% das moradias o piso é de chão “batido” e cerca de 67,6% das casas 3 <http://downloads.uol.com.br/windows/educativos/pnad2008sintese.jhtm>. Acesso em: 17 out. 2009. 36 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 37 possuem no máximo 4 (quatro) cômodos. todo o seu conteúdo. Constatou-se também que, apesar de existirem no Brasil alguns programas de proteção social como bolsa família, bolsa escola, vale gás e outros, 68,2% dos trabalhadores resgatados não estão sendo alcançados por estes programas. Diante dessas considerações, a conclusão a que se chega, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, é a de que o Estado deve garantir as condições mínimas para que as pessoas possam se desenvolver e tenham chances reais de assegurar por si próprias suas dignidades. Esta é a idéia corrente de igualdade de chances ou igualdade de oportunidades. As capacidades adquiridas através das ações do Estado deixam de ser, segundo este prisma, objetivos finais da sociedade para se apresentarem como meios de combate ao trabalho indigno, passando a figurarem como instrumentos pelos quais os cidadãos evitarão a superexploração do trabalho pelo capital. CONCLUSÃO A Auditoria Fiscal do Trabalho pretendeu através deste estudo analisar os fatores presentes na gênesis do trabalho análogo ao de escravo e mostrar que além de exercer o seu papel de fiscalizador, deve também procurar entender os fenômenos que fiscaliza e mostrar como solucioná-los para assegurar condições necessárias para que o trabalho seja exercido em condições dignas. Ao serem tratados os dados coletados, verificou-se que a rede de proteção social provida pelo Estado não está alcançando adequadamente os cidadãos de baixa renda e baixa escolaridade que vivem nas regiões mais distante dos centros urbanos, ou está sendo insuficiente para fortalecer seus mecanismos de defesa contra a superexploração patronal que visa maximizar lucros a qualquer custo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. 6. Ed. São Paulo: Companhia das letras, 2000 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988: Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Analisando o fenômeno do trabalho análogo ao de escravo pela ótica da privação das liberdades, conclui-se que o Estado tem um papel muito mais amplo e preponderante no combate do trabalho análogo ao de escravo do que se poderia supor; não apenas exercendo seu poder de polícia em relação aos empregadores no tocante ao cumprimento das leis trabalhistas, mas também (e talvez principalmente) assegurando de forma efetiva os direitos fundamentais dos cidadãos. Deste modo, a não realização dos atos compreendidos nesse mínimo constitui violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, podendo-se acionar judicialmente o Estado para efetivação dos direitos sociais violados, resguardando-se as liberdades. E, neste caso, não é possível ponderar um princípio, especialmente o da dignidade da pessoa humana, a ponto de esvaziar 38 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 39 A DIMENSÃO QUALIFICADA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Carlos Alberto Costa Peixoto1 Aline Fonseca Franco da Silva2 Resumo: O presente trabalho tem por objetivo ressaltar a dimensão superqualificada do Meio Ambiente do Trabalho, demonstrando sua natureza, seus princípios, a forma de sua tutela e proteção e regimes incidentes. Buscou-se definir o objeto do estudo e apresentar sua fundamentação legal e doutrinária, adentrando nos temas correlatos à compreensão do objeto principal, quais sejam, a caracterização dos direitos difusos e a força normativa dos princípios, com destaque para o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Palavras-chave: Dimensão qualificada. Meio ambiente do trabalho. Princípio da proteção. Dignidade da pessoa humana. Abstract: In this study was aimed to highlight the overqualified dimension of Labor Environment, evidencing its nature, its principles, the form of guardianship and protection, and incident regimes. It was sought to define the object of study and present its legal and doctrinal reasons, scrutinizing topics related to the understanding of the main subject, namely, the characterization of diffuse themes and normative force of legal principles, especially the principle of Human Dignity. Keywords: Qualified dimension. Labor Environment. Principle of protection. Human dignity. 1 Procurador do Trabalho da PRT 3ª Região. Mestre em Direito e Instituições Políticas pela Universidade FUMEC. 2 Advogada graduada pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. 40 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 41 INTRODUÇÃO O Meio Ambiente do Trabalho é um dos temas mais atuais do Direito, inserido no campo de abrangência do Direito Material Coletivo do Trabalho e, por se tratar de tema de caráter eminentemente transindividual, recebe especial atenção e proteção dos órgãos legitimados a tutelar os direitos difusos e coletivos (art. 5º da Lei 7.347/85), sobretudo do Ministério Público do Trabalho. Constitui-se, aliás, num dos pilares de atuação deste ramo do Ministério Público e numa de suas metas institucionais. O presente artigo tem o escopo de descrever e analisar as multidimensões do Meio Ambiente do Trabalho, delineando a sua natureza, os princípios que lhe são aplicáveis, o regime jurídico incidente, abordando, ainda, a questão da responsabilidade civiltrabalhista do empregador pela garantia da higidez e segurança do meio ambiente de laboral. Muito embora o Meio Ambiente seja um conceito unitário, a doutrina o fraciona em quatro “aspectos” distintos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho - este último, sendo o objeto central do presente artigo. Tal classificação tem por objetivo imediato identificar a atividade degradante e o bem imediatamente agredido. Neste sentido, o Meio Ambiente do Trabalho, ao se enquadrar no conceito de Meio Ambiente, se submete aos princípios norteadores da matéria, dentre eles, os princípios da prevenção e da precaução. O presente trabalho pretende demonstrar quão amplo e difuso configura-se o meio ambiente do trabalho - sua dimensão qualificada-, cujo traço tipificador por excelência é seu estado potencial de fazer irradiar sua tutela protetiva e seus efeitos para fora do espaço jurídico apenas da relação de emprego, bem como para fora do espaço físico do estabelecimento empresarial (do empregador). A ideia de meio ambiente do trabalho não se limita à 42 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 figura do empregado e ao local onde este desenvolve suas atividades de trabalho, mas pode abranger todas as pessoas que ali estão presentes, quaisquer que sejam as qualidades jurídicas e vínculos jurídicos que ostentem, sejam celetistas, aprendizes, estagiários, terceirizados ou autônomos, dentre outros, todos direta ou indiretamente tuteladas pelos princípios e normas que regem o Meio Ambiente do Trabalho. Qualquer cidadão que adentre o meio ambiente do trabalho é protegido pelas normas que o tutelam, ainda que por via reflexa. Ademais, o Meio Ambiente do Trabalho vai muito além dos limites físicos de um estabelecimento empresarial, assumindo uma projeção ampla e difusa (dimensão transcendente do espaço físico do estabelecimento - ex. 1 - acidente de trabalho que ocorre fora das edificações do estabelecimento empresarial; ex. 2 - teletrabalho). É possível compreender o meio ambiente do trabalho como “ambiência do trabalho”. Para ilustrar esse atributo do meio ambiente laboral, qual seja, o de transcender os limites físicos do estabelecimento do empregador, citamos recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que acaba de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para apreciar Ação Civil Pública que pretende proibir uma empresa de fabricar prensas mecânicas fora dos padrões de segurança (decisão proferida em sede conflito de competência no STJ, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão). Trata-se de uma supertutela inibitória: inibir a produção de um equipamento, ainda na linha de produção fabril, quando se comprova que o mesmo não atende às normas técnicas de proteção do trabalho humano e que poderia causar futuros danos quando instalados no estabelecimento empresarial (do empregador). Finalmente, é importante mencionar que as normas que protegem o meio ambiente do trabalho tutelam tanto os aspectos materiais desse tipo de meio ambiente, como por exemplo, o nível de ruído, iluminação, ventilação etc.; quanto os aspectos imateriais, como no caso dos direitos da personalidade dos trabalhadores, cuja violação mais comum na seara trabalhista ocorre através do fenômeno do assédio moral. Na questão da proteção do Meio Ambiente Laboral Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 43 é importante destacar, ainda, a espécie e grau de responsabilidade civil-trabalhista do empregador ou tomador de serviços quanto à preservação da saúde, higiene e segurança do ambiente de trabalho em sua mais difusa projeção, destacando o caráter qualificado do Meio Ambiente do Trabalho. PANORAMA HISTÓRICO Para se falar em meio ambiente do trabalho, devese, antes de tudo, voltar os olhos para os primórdios do cenário trabalhista, mais especificamente de meados do século XVIII ao início do século XIX. Neste período, vigorava o modelo do liberalismo político, que tinha como máxima a não intervenção do Estado nas relações individuais, coroando princípios como o do individualismo e do materialismo, além dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, que culminariam num inevitável desenvolvimento futuro do modelo capitalista. Esse cenário econômico regido pelo incipiente consumismo e pela intensa atividade industrial, em que tudo seria descartável e facilmente substituível, fez com que essa concepção aplicada à produção e ao comércio se estendesse também à pessoa do trabalhador e às condições de trabalho a que ele era submetido. Nessa época, a Inglaterra não tutelava a segurança do trabalho. Praticamente não existia literatura jurídica sobre temas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores – embora não podemos deixar de citar que o italiano Bernadino Ramazzini, em 1700, publicou, isoladamente, uma obra intitulada “As doenças dos trabalhadores”, relatando casos de pessoas que adoeciam por conta do trabalho. Na contramão dessa condição de mercadoria em que se encontrava o trabalhador, sujeito às condições mais adversas e penosas de trabalho, é que, no início do século XX, puderam ser verificadas algumas iniciativas em favor de sua proteção. O grande marco na defesa dos direitos dos obreiros surge com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, organismo internacional que desempenha papel relevante na defesa de melhores e mais dignas condições de trabalho. Da concepção embrionária das leis trabalhistas de caráter individual, no início, passando pela evolução do Direito Coletivo do Trabalho, que já era uma concepção muito avançada para o Direito à época em que foi elaborado, até chegar-se à percepção de que existiam direitos difusos, transindividuais, cujos sujeitos são indetermináveis, decorreram séculos de evolução jurídica, evolução essa que já foi sistematizada por autores como “ondas de renovação do Direito”. Seguindo essa linha, não é possível compreenderse o Meio Ambiente do Trabalho sem compreender a teoria dos direitos difusos, na medida em que o direito a um meio ambiente do trabalho hígido, íntegro e seguro constitui-se num direito difuso, por excelência. Nesse contexto de prosperidade do capitalismo, a classe trabalhadora encontrava-se em uma situação de extrema penúria, não possuindo quaisquer garantias ante os detentores dos meios de produção. Era o que se poderia chamar de “mercadorização” do trabalhador, na medida em que a sua força de trabalho era vista como simples mercadoria, facilmente amoldada às regras da oferta e da procura. A TEORIA DOS DIREITOS DIFUSOS A exemplo disso, em 1837, a Justiça inglesa julgou o famoso caso PRIESTLEY X FOWLER, envolvendo acidente trabalhista ocorrido em uma indústria. Na ocasião, Priestley teve seu braço amputado por causa de acidente de trabalho e processou seu empregado por negligência, não tendo obtido êxito na demanda. Importa, neste momento, fazer uma breve digressão acerca do conceito e das características dos direitos difusos para embasar a fundamentação da natureza qualificada do Meio Ambiente do Trabalho. O Código de Defesa do Consumidor definiu o interesse difuso, em seu art. 81, parágrafo único, I, nos seguintes termos: “I 44 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 45 - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato [...]”. Conforme a lição de Smanio, os interesses difusos podem ser conceituados como: [...] interesses metaindividuais, essencialmente indivisíveis, onde há uma comunhão de que participam todos os interessados, que se prendem a dados de fato, mutáveis e acidentais, de forma que a satisfação de um deles importa na satisfação de todos e a lesão do interesse importa na lesão a todos os interessados, indistintamente. (Apud SANTOS, 2003, p. 86) A seu turno, Prade conceitua como interesses difusos: [...] os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade. (Apud SANTOS, 2003, p. 86) Mancuso, por sua vez, citado por Smanio (2007, p.13), aponta as seguintes características básicas dos direitos difusos: “a) indeterminação dos sujeitos; b) indivisibilidade do objeto; c) intensa conflituosidade; d) duração efêmera, contingencial”. E, finalmente, Melo (2008, p. 30), considerado, no entender deste trabalho, como o grande estudioso de Meio Ambiente do Trabalho, expõe magistralmente: A afirmação do Direito Ambiental como ramo do Direito veio sedimentar a ideia de quebra da dicotomia direito privado e direito público, porquanto esse novo ramo não pertence nem a uma nem a outra espécie de direito, mas a uma nova categoria autônoma do Direito. Constitui, como diz Rui Carvalho Piva, “um ramo do direito coletivo em sentido amplo, na sua espécie direito difuso”. O bem ambiental, nessa visão, é o objeto do Direito Ambiental. Quer no aspecto material quer no imaterial, diz respeito ao valor maior do ser humano: a vida. Por isso, estabelece a Carta Maior (art. 225, caput) que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade 46 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 de vida do ser humano, impondo ao Poder Público e à sociedade organizada o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações. É o bem ambiental, portanto, um direito de todos e de cada um ao mesmo tempo e, uma vez violado, a agressão atinge toda a sociedade. No Direito do Trabalho, o bem ambiental envolve a vida do trabalhador como pessoa integrante da sociedade, devendo ser preservado por meio da implementação de adequadas condições de trabalho, higiene e medicina do trabalho. Cabe ao empregador, primeiramente, a obrigação de preservar a proteger o meio ambiente laboral e, ao Estado e à sociedade, fazer valer a incolumidade desse bem. Nesse sentido, estabelece a Constituição Federal de 1988 (art. 1º ao 170), como fundamentos do Estado Democrático de Direito e da ordem econômica os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana e o respeito ao meio ambiente. Desrespeitado esse bem, fixa a Carta Maior a obrigação de reparação em todos os seus aspectos administrativos, penais e civis, além dos de índole estritamente trabalhista, como previsto em outros dispositivos constitucionais e legais. (Grifos nossos) Arrematando sua digressão acerca do tema em questão, Melo (2008), em outra passagem de sua obra, demonstra a natureza difusa e qualificada do meio ambiente do trabalho: O meio ambiente do trabalho adequado é um direito fundamental do cidadão trabalhador (lato sensu). Não é um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada ao meio ambiente do trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e segurança do trabalhador no ambiente em que desenvolve as suas atividades. [...] De conformidade com as normas constitucionais atuais, a proteção do meio ambiente do trabalho está vinculada diretamente à saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos e coletivos. O Direito do Trabalho, por sua vez, regula as relações diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente. [...] Portanto, o Direito Ambiental do Trabalho constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art. 196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art. 225 da Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque as consequências decorrentes da sua degradação, como, por Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 47 exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atinge, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final. (MELO, 2008, p 28-29) (grifo nosso) Nessas poucas, mas muito bem colocadas palavras, o autor deixa entrever a dimensão qualificada do meio ambiente laboral, assunto que será tratado a seguir. O MEIO AMBIENTE E A DIMENSÃO QUALIFICADA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Nos termos do inciso I do artigo 3º, da Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, o conceito de Meio Ambiente é definido como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Esta definição trazida pela norma infraconstitucional está em consonância com o conceito trazido pela própria Constituição da República, no caput do artigo 225, o qual contempla todos os aspectos do Meio Ambiente (natural, artificial, cultural e do trabalho). Esse mesmo dispositivo constitucional afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, acrescentando que se impõe ao Poder Público e à coletividade o “dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Deste excerto extrai-se, de imediato, que todos os direitos relativos ao meio ambiente são direitos difusos por excelência, vez que o direito a um meio ambiente saudável e íntegro, em todas as suas formas, é direito não só dos sujeitos preexistentes, mas também daqueles que nem sequer nasceram. educação ambiental em todos os níveis de ensino. Em resposta a esse desígnio constitucional, foi promulgada a Lei 9795/99 – Política Nacional de Educação Ambiental – estabelecendo diretrizes para a compreensão do meio ambiente de uma forma integrada e estimulando a participação da sociedade na promoção de condições ambientais adequadas. Citam-se, a título de exemplo, os artigos 4º e 5º da referida Lei, em especial os incisos I de ambos, os quais explicitam o caráter abrangente do meio ambiente. O inciso I do art. 4º aduz que “o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo” é princípio básico da educação ambiental, ao passo que o art. 5º, I consagra “o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos” (BRASIL, 2009). Tal enfoque é tomado como um dos objetivos fundamentais da educação ambiental. Infere-se que as disposições contidas nesses artigos refletem uma necessidade de mudança na postura humana no que tange às relações com o meio ambiente, dentre eles o do trabalho, e chancelam a ideia da projeção difusa do meio ambiente. O meio ambiente do trabalho, aspecto dos mais relevantes no arcabouço genérico da moderna disciplina do Direito Ambiental, pode ser definido, segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo, como o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade fisicopsíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.) (FIORILLO, 2000). Ainda no que dispõe o art. 225 da CR, o parágrafo 1º do inciso VI atribui ao Poder Público o dever de promover a Como foi ressaltado anteriormente, é possível, ainda, conceituar o meio ambiente do trabalho como a “ambiência” na qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano. Essa ideia de 48 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 49 ambiência não se aplica somente aos empregados, mas atinge todo trabalhador que cede sua mão de obra e exerce sua atividade em um ambiente de trabalho, não importa a natureza da sua vinculação jurídica com o tomador – empregado direto, terceirizado, autônomo etc. Também não se limita ao espaço físico do estabelecimento empresarial, transcendendo-se para qualquer espaço físico correlacionado ao trabalho em que o empregado esteja sob o controle, direto ou indireto, do empregador, podendo estender-se, inclusive, à própria moradia do trabalhador. Neste contexto, nota-se que muitos trabalhadores prestam seus serviços em locais distintos do prédio da empresa, como nos casos de motoristas de transportes coletivos urbanos, pilotos de aeronaves, carteiros, pessoas que trabalham no próprio domicílio, eletricitários, etc. Todos esses são protegidos pelas normas de proteção à saúde, segurança e higiene, naquilo que lhe forem aplicáveis. Importa também ressaltar que não só o meio ambiente físico (controle dos níveis de iluminação, ventilação, ruído etc.), mas todo o complexo de relações humanas da empresa, a forma de gestão (vedação à “administração por stress”) e organização do trabalho (vedação ao assédio moral organizacional), a duração da jornada, os turnos, o ritmo e a intensidade da carga trabalho, as pausas (ginástica laborativa), a satisfação dos trabalhadores, etc., se consubstanciam em elementos do meio ambiente laboral, na medida em que tais fatores representam o que se pode chamar de faceta imaterial do meio ambiente do trabalho. Neste sentido, a Convenção nº 155 da OIT, que trata do meio ambiente do trabalho e de questões relativas à saúde e segurança dos trabalhadores, dispõe em seu art. 3º que “a saúde não se restringe apenas à ideia da ausência de doenças, mas alberga, sobretudo, os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e que estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho” (grifo nosso). Ademais, há de se salientar que o meio ambiente do 50 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 trabalho adequado, seguro e hígido é, acima de tudo, um direito fundamental do trabalhador e, como tal, vem previsto no texto constitucional. A exemplo disso cita-se o art.1º, inciso III da Constituição da República, que prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, e o caput do art. 5º da CR, que garante o direito à vida, à igualdade e à segurança. Insere-se o Direito Ambiental do Trabalho no que dispõem tais artigos, na medida em que este ramo do Direito tem por objeto primordial a proteção à vida do cidadão trabalhador, ou de qualquer outro cidadão que esteja inserido no meio ambiente de trabalho (princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade), e a garantia de condições seguras de trabalho (princípio da segurança). A esse respeito, aduz Paulo Affonso Leme Machado: O meio ambiente de trabalho como “macrobem” que protege a vida em todas as suas formas assegura a toda coletividade o direito a viver em ambiente que não ofereça risco à saúde e à vida, o que destaca um direito fundamental. Este significa, portanto, o direito a prestações positivas do Estado à proteção ao meio ambiente do trabalho. As conexões permitidas expressamente ou de forma implícita no texto constitucional têm sua fundamentação na concreção do princípio da dignidade da pessoa humana. (Apud BESSA, 2010, p. 562) A ordem jurídica ambiental trabalhista possui mecanismos de proteção contra o prejuízo pessoal do trabalhador, contra o drama familiar e contra o peso sobre a sociedade, todos causados pelo oneroso custo social e previdenciário resultante dos inúmeros infortúnios laborais que acometem os trabalhadores. Não sofrendo de doença ou acidente em virtude do exercício de suas funções, o trabalhador tem garantida a sua qualidade de vida e dá à sociedade menores encargos – gastos com previdência e saúde. Nota-se, portanto, que a questão do meio ambiente do trabalho é, sob qualquer perspectiva analisada, qualificada, difusa, coletiva e de ordem pública. Neste mesmo cenário, destaca-se, sobretudo, o que dispõe o art. 7º quanto aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 51 especialmente na dicção do inciso XXII, o qual prevê a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Este inciso traduz a responsabilidade pela proteção do ambiente laboral como uma norma de ordem pública, preventiva, que extrapola os limites do contrato de trabalho, manifestando-se como um direito humano fundamental e, como tal, merecedor da proteção dos Poderes Públicos e da sociedade. O conceito de meio ambiente do trabalho reveste-se, ainda, do atributo social, na medida em que a garantia de um ambiente de trabalho seguro e sadio, constitui-se, mais que uma obrigação decorrente da relação empregador-empregado, mas, sobretudo, um dever de interesse social, uma norma de ordem cogente. Neste contexto, dada a projeção social desse conceito, a relação de trabalho passa a ter um enfoque constitucional, devendo ser analisada e regida segundo os princípios da boa-fé objetiva, da função social da empresa e da propriedade, da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Ademais, tamanha a sua projeção e importância, ao abranger, em sua essência, direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos, o meio ambiente do trabalho deve, seguindo a esteira da constitucionalização dos direitos trabalhistas, ser visto sob uma óptica eminentemente constitucionalista. Sob a perspectiva constitucional, o princípio da proteção ganha destaque, mormente no que diz respeito à efetiva garantia de um meio ambiente saudável e equilibrado no local de trabalho. O interesse precípuo do Estado é, mais que assegurar o pagamento ao trabalhador de adicionais pela precarização das condições de trabalho (monetização dos riscos), promover meios de salvaguardar um “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e uma “sadia qualidade de vida” no ambiente laboral, conforme disposto no art. 225 da Constituição. pois, que tal artigo reconhece expressamente a existência do Meio Ambiente do Trabalho como um bem jurídico autônomo, digno de guarda e tutela. Quando se fala em meio ambiente de trabalho, devem ser considerados, ainda, os princípios da prevenção e da precaução. Tais princípios têm papel crucial na formação do direito ambiental, na medida em que esse direito deve ser protegido de forma inibitória, ou seja, o meio ambiente, em especial o do trabalho, deve ser resguardado por meio de medidas antecipadas que sejam capazes de evitar a ocorrência de danos ao trabalhador, sejam eles de caráter físico ou moral, reduzindo riscos concretos e obstando possíveis ameaças à integridade do obreiro. Conforme já mencionado anteriormente, o STJ, em decisão recente no Conflito de Competência nº 118.763 - PR (2011⁄0205584-1), compreendeu que é possível ajuizar ação civil pública perante a Justiça do Trabalho para proibir a venda ou fabricação de equipamentos e máquinas de trabalho que não estejam em consonância com as normas de proteção ao trabalho. Ainda com relação ao arcabouço normativo de proteção que se concede ao meio ambiente, a legislação infraconstitucional possui número vultoso de normas tutelando e resguardando o meio ambiente, incluindo o do trabalho. A Lei nº 6.938/91 – Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – é de suma importância para a questão da imputação de responsabilidade civil por danos ambientais e à saúde do trabalhador. O §1º do art. 14 da Lei retromencionada preconiza que “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Seguindo essa linha protetiva, a Constituição, em seu art. 200, dispõe que “ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. Observa-se, Neste mesmo contexto, pode-se citar o disposto no art. 19 da Lei da Previdência Social, que trata em seus parágrafos acerca da responsabilidade do empregador pela adoção e uso de medidas de proteção e segurança da saúde do trabalhador, além da prestação de informações pormenorizadas sobre os riscos da 52 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 53 atividade e dos produtos manipulados pelo trabalhador. Ademais, impende destacar que este mesmo artigo previu, inclusive, a hipótese de caracterização de contravenção penal, passível de punição com multa, pela não observância das normas de segurança e higiene do trabalho pela empresa. Tais normas materializam, portanto, os princípios ambientais da proteção, da precaução e da prevenção, preconizados no caput do já citado art. 225 da Constituição da República, traduzindo, inclusive a responsabilidade objetiva do empregador pelo meio ambiente do trabalho, a qual será adiante delineada em tópico próprio. A rigor, a proteção do meio ambiente do trabalho está indissociavelmente ligada à ideia da proteção à vida, à saúde e à segurança do trabalhador. A garantia de um ambiente seguro e hígido é, inclusive, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que o trabalhador, ao ter condições de trabalho adequadas, tem resguardado seu bem mais precioso: a manutenção da sua força de trabalho, de onde tira seu sustento e seu meio de sobrevivência. Ante a projeção do assunto, entende-se por dimensão qualificada do Meio Ambiente do Trabalho a concepção de que, por ser este uno e indivisível – características essenciais dos direitos difusos –, sua tutela não segue as regras gerais de competência e atribuição em razão da pessoa ou de uma matéria específica, vez que, no caso do Meio Ambiente do Trabalho, o que se tutela não são apenas direitos subjetivos, mas, sobretudo, valores, em especial os valores vida, saúde e segurança do ser humano trabalhador, ou de qualquer outro ser humano que esteja inserido naquele ambiente, cujas eventuais agressões possam lhe causar danos. A tutela do meio ambiente do trabalho não se faz apenas em face de regras jurídicas, mas sim em face de princípios jurídicos, especialmente do da Dignidade da Pessoa Humana, o qual incide diretamente sobre o direito ambiental. Em termos de meio ambiente do trabalho, deve-se utilizar 54 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 a expressão “trabalho sem adjetivos” e, em matéria ambiental, a proteção deve ser estendida a todos os trabalhadores, indistintamente. Há, da mesma forma, de ser superada a visão monetarista do Direito Ambiental do Trabalho, através da qual se prega o pagamento de adicionais (de insalubridade, de periculosidade, de penosidade, etc.) e rumar em busca de uma concepção mais preventiva e valorativa, abrangente e difusa, que corresponda à grandeza dos direitos em análise. Cita-se, para ilustrar a dimensão qualificada do meio ambiente laboral, um caso prático. CASO PARADIGMÁTICO Determinada empresa multinacional X, grande embarcadora de grãos no país, recebe diariamente em seu pátio enorme quantidade de veículos (carretas), vindos de todas as partes do estado, conduzidos por motoristas empregados de empresas transportadoras (prestadoras de serviço) ou por motoristas autônomos, que procedem à descarga dos produtos no porto seco da embarcadora (empresa X), a qual, posteriormente, os remete por transporte ferroviário aos portos nacionais (Porto de Santos, por exemplo). Tal empresa, ilustrativamente, dispõe de apenas um empregado na guarita de entrada das suas instalações, para receber centenas de carretas que em seu pátio aportam diariamente para realizar a entrega das mercadorias (grãos de soja, milho etc.). As filas de carretas que se formavam diariamente defronte à entrada da empresa eram tão grandes que se iniciavam no seu pátio interno (estacionamento) e se estendiam pela estrada vicinal, até chegarem às rodovias estaduais. Em momentos de pico, as carretas paralisavam o trânsito da rodovia (estadual/federal), tamanho o congestionamento gerado, ficando os veículos particulares e outros veículos comerciais que por ali trafegavam parados por horas, aguardando, até que as carretas fossem atendidas na guarita da empresa e a fila se desfizesse. Essa situação gerava inúmeros conflitos na estrada entre os transeuntes e, não raro, a polícia rodoviária federal multava os veículos ali parados. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 55 A demora no atendimento era tão grande que os caminhoneiros tinham que passar a noite inteira dormindo dentro de seus veículos, aguardando o prosseguimento da fila, a passos de tartaruga, sendo sempre alertados para o próximo atendimento através de alto-falantes instalados no pátio pela empresa, que durante toda a noite anunciava “o próximo a ser atendido”, perturbando-lhes o sono. Não bastasse isso, o pátio (onde os veículos ficavam aguardando ser chamados) era um lugar caótico, coberto de poeira (não pavimentado) em constante suspensão no ar, devido ao contínuo movimento de caminhões, criando uma atmosfera altamente insalubre, dificultando a respiração de todos que ali se encontravam. A supervisora, que fazia o atendimento, conversava tapando a boca e o nariz com um lenço, tossindo constantemente. Adentrando nas dependências da empresa, havia tamanha poeira espalhada pelas instalações que a única atividade das faxineiras era incessantemente limpar o chão, encardido e coberto com uma espécie de lama. Era um trabalho interminável, em vista de tamanha sujeira que, ininterruptamente, se formava. a ocorrência de lesões disseminadas em massa e a desigualdade entre os polos titulares dos interesses postos em conflito. Os indivíduos lesados pela atitude violadora da citada empresa X são indetermináveis, incluindo todos os motoristas empregados das empresas transportadoras de grãos, prestadoras de serviços, os autônomos que ali compareciam e os próprios empregados da empresa, os motoristas anônimos da rodovia interditada, não tendo sido possível precisar a quantidade ou a origem dos mesmos. A indivisibilidade do objeto é justamente a saúde, segurança e higiene de todos os trabalhadores, e de todas as pessoas, que naquele ambiente se encontravam, prestando serviços ou apenas de passagem, tanto os empregados da própria empresa multinacional como os demais trabalhadores não empregados (sem vínculo jurídico), os terceirizados, este próprio Procurador do Trabalho que eventualmente inspeciona, in loco, o ambiente, ou seja, todas as pessoas que, contínua ou temporariamente, permaneciam naquele ambiente, independentemente do regime jurídico que ostentassem. Não há vínculo jurídico entre as pessoas lesadas, mas vínculo fático entre os titulares. Durante a inspeção local, foi possível constatar, ainda, a inexistência de sanitários e refeitórios em condições próprias no local, que pudessem ser apropriadamente utilizados pelas dezenas de caminhoneiros e motoristas ali estacionados, durante as longas horas de espera nas filas. Sequer existia cantina apropriada também. Por outro lado, a intensa conflituosidade gerada pela violação fica clara quando se percebe que as lesões perpetradas atingiam não só os trabalhadores lato e strictu sensu que ali executavam suas atividades, como também a própria comunidade, os motoristas que trafegavam pelas rodovias, os passageiros de ônibus em viagem, etc., todos eles prejudicados pela constante paralisação do tráfego. Destarte, o que pode ser extraído deste caso prático é uma verdadeira aula de direitos difusos, da força normativa dos princípios e da explicitação da dimensão qualificada do meio ambiente do trabalho. O caos causado pela empresa infratora teve como consequência a atuação da Polícia Rodoviária Federal, que autuou e multou muitos caminhoneiros e veículos parados na rodovia, o que demonstra também a ocorrência de lesões disseminadas em massa. Encontravam-se ali presentes todos os elementos que caracterizam os direitos difusos, quais sejam, a indeterminabilidade dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a existência de vínculo apenas fático entre os titulares (motoristas autônomos, faxineira, transeuntes da rodovia, etc.), potencial e abrangente conflituosidade, Finalmente, a desigualdade entre os polos titulares dos interesses postos em conflito ressalta à vista, quando se observa o porte e o gigantismo da empresa com a hipossuficiência dos trabalhadores ali em atividade. 56 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 57 Percebe-se, do estudo do caso em comento, que à primeira vista não haveria, do ponto de vista da lei estrita a obrigação de a empresa multinacional prover condições seguras e higiênicas naquele ambiente para motoristas que não fossem seus próprios empregados, porque a formação jurídica corrente induz ao hábito de se pensar e se diferenciar os trabalhadores por regime jurídico. Mas há algo em comum a qualquer regime: o meio ambiente adequado à saúde e integridade. Aplica-se, ao caso estudado, a força normativa dos princípios e a teoria da eficácia dos Direitos Humanos nas relações interprivatos. Delgado (2004, p. 19) ensina que os Princípios de Direito possuem força normativa própria e não mais apenas força normativa supletória: [...] Enfatize-se esse ponto: os princípios preservariam sua função normativa supletória (função integrativa, de modesta importância evidentemente, já que cabível apenas em situações de defeitos – lacunas – nas fontes normativas tidas como principais do sistema). Mas além dela (e além da função interpretativa), os princípios teriam ainda uma função normativa específica, própria, resultante de sua dimensão fundamentadora de toda a ordem jurídica. A função fundamentadora dos princípios (ou função normativa própria) passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário da sua natureza de norma jurídica efetiva, e não simples enunciado programático não vinculante. Isso significa que o caráter normativo contido nas regras jurídicas integrantes dos clássicos diplomas jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos) estaria também presente nos princípios gerais de Direito. Ambos seriam, pois, norma jurídica, dotados da mesma natureza normativa. (grifos do autor) Vê-se, portanto, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade incidem diretamente no caso suprarrelatado. Também se aplica, ao caso relatado, a teoria da eficácia horizontal dos direitos humanos na relação interprivatos. Desse modo, considerando que nas sociedades atuais existe uma ampla desigualdade de fato entre os indivíduos, deve ser sustentada a teoria de plena vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, o que se aplica ao caso em comento. 58 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 O Direito do Trabalho e o Direito Ambiental, portanto, não só se interceptam, quando se trata de Meio Ambiente do Trabalho, como comportam, com relação a seu destinatário final - o homem - , objetivos símiles, quais sejam, protegê-los contra agressões. Além disso, buscam ambos a melhoria das condições de vida do homem-trabalhador e a sustentabilidade do processo produtivo. Qual é a função primordial do Direito do Trabalho? É a de buscar pela melhoria de condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. A tutela legal do meio ambiente destina-se a proteger o homem (visão antropocentrista – quando o homem passa a ser prioridade na questão ambiental tem-se a aplicação do antropocentrismo, que é o caso do Meio Ambiente do Trabalho), inspirado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana. DA RESPONSABILIDADE AMBIENTE DO TRABALHO PELO MEIO Outro aspecto a ser analisado é a questão da responsabilidade civil trabalhista. A responsabilidade pelo meio ambiente é objetiva e solidária de todos aqueles que, por meio de sua atividade causam danos ao meio ambiente ou potencializam a criação de risco para o mesmo. No caso do meio ambiente do trabalho, o empregador é o responsável por adotar condutas preventivas e protetivas que garantam um ambiente laboral seguro ao desempenho das atividades pelo trabalhador. A questão da responsabilidade objetiva e solidária de todos aqueles que, por meio de sua atividade, causem danos ao meio ambiente ou potencializem a criação de risco para este, como dito acima, aplica-se como luva também para os casos de terceirização e de grupos econômicos. Todos aqueles que compõem a rede produtiva responderão solidariamente pelos prejuízos perpetrados ao meio ambiente do trabalho e à saúde e higiene dos trabalhadores, conforme preceitua o art. 932, III e o art. 942, parágrafo único do Código Civil. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 59 O empregador, em princípio, é o responsável pelo meio ambiente onde seus trabalhadores exercem suas atividades. Mas no caso dos terceirizados, ilustrativamente, o empregador prestador de serviços não pode colocar sinalizações ao meio ambiente que ele não tem acesso. A Primazia da Realidade aplica-se aqui. As atividades são cumpridas no ambiente do tomador e este deve dar a mesma proteção aos seus empregados e aos terceirizados. A CLT, em seu art. 157, atribui às empresas o dever de “cumprir e fazer cumprir” (BRASIL, 2007) as normas de segurança e cita, ainda, a obrigação de “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho e doenças ocupacionais”. Nota-se, pela dicção deste artigo, a expressa previsão legal do princípio constitucional da precaução, revelando a intenção do legislador de imputar ao empregador a responsabilidade pela redução e eliminação dos riscos no local de trabalho. O empregador-prestador faz os exames médicos; praticamente é o que ele pode fazer. Mas um programa de prevenção de riscos ambientais só o tomador pode fazer. Há dois empregadores, mas há uma unidade ambiental do trabalho. Toma-se como exemplo a plataforma de empresa Petrolífera – o plano de evacuação em caso de emergência deve levar em conta todos os empregados, ao que se pode concluir que o tomador é responsável pelo meio ambiente, mesmo no caso de uma terceirização ilícita (dimensão qualificada). Para elucidar a questão, outro exemplo de como a preocupação com meio ambiente do trabalho e a responsabilidade por ele pode extrapolar os limites físicos de uma empresa – patenteando a ideia da dimensão qualificada do meio ambiente laboral –, é a preocupação que o legislador teve em prever no texto legal a hipótese de acidente do trabalho equiparado através do art. 21, IV e suas alíneas da Lei 8.213/91. Para os efeitos da referida Lei, “o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho”, se equipara ao acidente do trabalho, estando aí evidenciado que o meio ambiente laboral não se circunscreve às dependências físicas da empresa; sua dimensão expande-se para dar cobertura e proteção 60 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 aos trabalhadores quando em execução de atividades correlacionadas com a empresa ou, até mesmo, “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”. Não obstante a obrigação do empregador pela higidez do meio ambiente de trabalho, o art. 158 da CLT também atribui ao empregado o dever de zelar pelo meio ambiente laboral ao estabelecer que este deve “observar as normas de segurança e medicina do trabalho” e prever, inclusive, o caráter de ato faltoso à não observância das instruções expedidas pelo empregador e à não utilização de EPIs. Em suma, a noção de responsabilidade pela preservação do meio ambiente laboral reside na necessidade de compatibilização entre progresso econômico e valorização do trabalho, na viabilização do desenvolvimento industrial, sem o aniquilamento dos direitos sociais dos trabalhadores, vez que a manutenção de um ambiente de trabalho hígido e seguro é condição sine qua non para a efetivação dos princípios constitucionais, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, e para a própria sobrevivência do homem. CONCLUSÃO O presente trabalho teve o escopo de demonstrar a riqueza de aspectos e a importância ímpar do estudo do meio ambiente do trabalho. O meio ambiente do trabalho é o habitat onde milhares de trabalhadores executam suas atividades diuturnamente e onde passam grande parte de suas vidas. Sabe-se que é através do trabalho que se constrói a narrativa da própria existência. Por tudo isso, o meio ambiente do trabalho deve ser um lugar seguro, saudável, higiênico e agradável (sim, agradável). Não basta ao homem trabalhador estar em um ambiente laboral apenas seguro e saudável, estas são garantias mínimas inderrogáveis que todo ordenamento jurídico deve conceder aos trabalhadores. Da mesma forma, o meio ambiente do trabalho deve Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 61 ser um lugar onde haja respeito ao próximo, tolerância quanto às diferenças, proteção da intimidade, direito à desconexão do trabalho nos intervalos intrajornadas, relacionamento saudável entre a chefia e subordinados, paz para se executar um bom trabalho, possibilidades de progresso, promoção e satisfação dos trabalhadores. Daí conclui-se que o meio ambiente do trabalho é um espaço de características multifacetadas, porque ali se encontram pessoas, cidadãos trabalhadores de todas as naturezas, homens, mulheres, jovens, aprendizes, terceirizados, estagiários, todos envolvidos na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, vez que é neste espaço que se encontra a tensão entre o capital e o trabalho, onde devem conviver em equilíbrio as forças que promovem o desenvolvimento do país. Sobre o meio ambiente laboral incidem todos os princípios gerais do direito, especialmente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que exige o respeito ao ser humano e a garantia de um mínimo invulnerável de condições de vida, aquilo que Delgado denomina de “patamar civilizatório mínimo”. Pois bem, procurou-se demonstrar a dimensão qualificada do meio ambiente laboral, cujas tutelas e proteção irradiam-se em todas as direções, vertical, horizontalmente. O meio ambiente do trabalho é uma ambiência, não se limitando ao espaço físico apenas, mas ao aspecto também imaterial (proteção ao direito da personalidade dos trabalhadores, sua honra, imagem, integridade psíquica, etc.). No meio ambiente do trabalho estão alocadas vidas humanas, valor supremo de todos os ordenamentos jurídicos do mundo civilizado. Ainda que nenhuma norma legal existisse, o meio ambiente seria tutelado naturalmente, posto sua condição de objeto de proteção do Direito Natural. Em suma, estamos diante do estudo de um objeto que se constitui num direito difuso por excelência, resguardado pela força normativa dos Princípios, norma de ordem pública inderrogável, interesse público primário e cuja tutela está primordialmente a cargo, 62 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 entre outros importantes órgãos de atuação, do Parquet Laboral. Eis o fenômeno denominado Meio Ambiente do Trabalho, em todas as suas dimensões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BESSA, Leonardo Rodrigues I. Meio ambiente do trabalho enquanto direito difuso fundamental, sua eficácia e meios de exigibilidade judicial. Revista LTr. São Paulo, ano 74, p. 560 – 565, maio, 2010. BRASIL. Política Nacional de Educação Ambiental. Lei 9.795/99. Brasília: MMA, 2009. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CASTELO, Jorge Pinheiro. O direito material e processual do trabalho e a pós-modernidade: A CLT, o CDC e as repercussões do novo código civil. 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Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio et al. Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo: LTr, 2006. O TRABALHO ESCRAVO NA FRONTEIRA BRASIL/PARAGUAI E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: Acesso à justiça, jurisdição coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. São Paulo: LTr, 2003. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. SIMM, Zeno. Acesso psíquico no meio ambiente de trabalho: Manifestações, efeitos, prevenção e reparação. São Paulo: LTr, 2008. SMANIO, Giampaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Cícero Rufino Pereira1 Kaciane Corrêa Mochizuke2 Resumo: O direito fundamental pode ser definido como direitos do ser humano que constem da legislação constitucional de um país, é o que o diferencia dos assim chamados direitos humanos, pois estes existem independentemente de estarem positivados em uma constituição (Lei Maior de um Estado/País). O direito fundamental à saúde é, sem dúvidas, o direito mais importante e essencial ao ser humano, pois reflete diretamente naquilo que lhe é mais caro: a sua própria vida. O trabalho escravo, uma das modalidades do fenômeno social, econômico e jurídico, que é o tráfico de pessoas (inclusive na espécie internacional) tem sido encontrado em diversas regiões do mundo, principalmente como reflexo das migrações, nas regiões de fronteira. Este estudo busca identificar quais os reflexos do trabalho escravo, no direito fundamental à saúde, na região fronteiriça brasileira. Palavras-chave: Tráfico de pessoas. Fronteira. Migração. Sistema Único de Saúde (SUS). Resumen: El derecho fundamental se puede definir como los derechos humanos que figuran en la ley constitucional de un país, es lo que diferencia a los llamados derechos humanos, debido a que existen independientemente 1 Procurador do Ministério Público do Trabalho. Mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato grosso do Sul (UFMS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Coordenador do Fórum de Trabalho Decente e Estudos sobre tráfico de Pessoas (FTD-ETP). forumdetrabalhodecente@ hotmail.com 2 Fisioterapeuta. Especialista em Atenção Básica em Saúde da Família pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Especialista em Gestão em Saúde pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). 64 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 65 de ser positivizado en una constitución (Ley grande de un Estado o País .) El derecho fundamental a la salud es, sin duda, el derecho más importante y esencial para los seres humanos, ya que refleja directamente lo que es más querido: su propia vida. El trabajo esclavo, una de las modalidades de los fenómenos sociales, económicos y jurídicos, es la trata de personas (incluyendo la clase internacional) se han encontrado en diversas regiones del mundo, principalmente como resultado de la migración, las regiones fronterizas. En este estudio se pretende identificar las consecuencias del trabajo esclavo, el derecho fundamental a la salud, la región fronteriza de Brasil. Palabras clave: La Trata de Personas. Fronteras. La Migración y el Sistema Único de Salud (SUS). INTRODUÇÃO O bem mais precioso de todo e qualquer ser vivente, incluindo-se o ser humano, é a própria vida, qual seja, uma existência plena, com saúde e satisfação pessoal em suas atividades diárias, principalmente a atividade do trabalho humano. Portanto, desponta no cotidiano o direito fundamental à saúde, em suas mais diversas dimensões. Por sua feita, segundo Martine (2005), atualmente a globalização é o principal fator que influencia as migrações internacionais e também é a referida globalização que deixa claro e de maneira expressiva as desigualdades sociais. Na opinião de Dal Prá (2007), o migrante parte para o Brasil em busca de melhores condições de vida, e mesmo que o principal fator motivacional para os fluxos migratórios seja econômico, a garantia à saúde, assegurada pelo SUS, torna-se um importante fator motivacional, principalmente entre os países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O trabalho humano tem sido, no decorrer do tempo, fator de geração de riqueza, desenvolvimento econômico e social; tendo sido reconceituado, no sentido de representar fator de explicitação da dignidade da pessoa humana do trabalhador. Assim sendo, o trabalho escravo, existente em diversas formas, desde os primórdios da humanidade, é considerado uma das ofensas mais aviltantes à dignidade do ser humano. Na qualidade de uma das 66 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 espécies do tráfico de pessoas, inclusive na modalidade internacional deste, o trabalho em condições análogas a de escravo tem, cada vez mais, apresentado-se como um fenômeno socioeconômico e jurídico que campeia na sociedade contemporânea, inclusive nas regiões de fronteira. O presente artigo tem como objetivo identificar quais os reflexos do trabalho escravo, no direito fundamental à saúde, na região fronteiriça brasileira. Metodologicamente, foram utilizados os seguintes procedimentos: pesquisa e revisão bibliográfica em torno das categorias conceituais tráfico de pessoas, trabalho escravo, fronteira, saúde e direito fundamental à saúde. 1 TRÁFICO DE PESSOAS OU DE SERES HUMANOS Fenômeno existente há décadas e cuja definição encontra dissenso entre os estudiosos do tema, o tráfico de pessoas (ou tráfico de seres humanos, como também é conhecido) é o recrutamento e transporte de pessoas para fins de exploração na forma de serviços ou abuso sexual, ou ainda trabalho servil ou escravo e para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo humano (definição adaptada do “Relatório de Sistematização dos Dados e Fontes de Dados de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas” – Produto 01, publicado pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, em 2012, com redação de Alline Pedra Jorge Birol, p.7). Por sua vez, o Protocolo de Palermo (Decreto 5017/2004), em seu artigo 3º, “a”, define Tráfico de Pessoas, in verbis: A expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 67 formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. Então, resta evidente que uma das espécies do gênero tráfico de pessoas é o “trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares a escravatura, bem como a servidão”. Caso o tráfico de pessoas, em qualquer uma de suas espécies, ocorra entre Estados (ou seja, entre países) distintos, será cognominado de tráfico internacional de pessoas. Por outro lado, o “tráfico interno de pessoas” é aquele realizado dentro de um mesmo estado-membro da federação, ou de um Estado-membro para outro, dentro do território nacional (artigo 2º, par. 5º da “Política” Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Decreto 5948/2006). Tanto o Protocolo de Palermo quanto a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas determinam que o consentimento dado pela vítima é irrelevante para configuração do tráfico de pessoas. Este entendimento é válido para qualquer uma das espécies do gênero tráfico de pessoas, portanto também vale para a espécie trabalho escravo, inclusive na modalidade tráfico internacional de pessoas para fins de trabalho escravo. Tal se dá com o aliciamento ou recrutamento de trabalhadores em outro país, principalmente nas regiões de fronteira, para trabalhar no Brasil. Certo é que, conforme destacam Ziolkowski, Scandola e Sardinha (2008)3 a cooperação para o enfrentamento ao tráfico de pessoas não deveria existir somente no que diz respeito à repressão dos autores da referida conduta, mas também nos aspectos da prevenção do crime de tráfico de pessoas e da assistência às pessoas traficadas. Dentre as vítimas do tráfico internacional de pessoas que demandam atendimento, estão homens, mulheres, crianças, adolescentes e também parte da população ou comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, estes são, os/as travestis e transsexuais), especialmente quem tenha nascido com o sexo biológico masculino. 3 Scandola, Estela Márcia; Ziolkowski, Nathália Eberhardt e Sardinha, Antônio Carlos (2008). A realidade institucional do enfrentamento ao tráfico de mulheres no Mato Grosso do Sul - Diálogos com a rede de garantia dos direitos da mulher. Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Trabalho apresentado em Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. 68 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 2 TRABALHO ESCRAVO A palavra trabalho tem sua origem na palavra tripaliare, ou martirizar com o tripalium, instrumento com três estacas utilizado para tortura, daí não se estranhou, durante séculos, a utilização da mão de obra escrava sem qualquer compromisso com a dignidade humana (MARTINS, 2009). Baseado nos ensinamentos de Marx e Engels, Oliveira Neto (2009, p. 46), entende que: Todo esse processo, no qual o homem produz os bens que possibilitem a sua existência material, é realizado por intermédio do trabalho, tendo como base um determinado território. Assim, o trabalho e o território se apresentam como a base de todo o mundo humano sensível. Pode-se afirmar, por consequência desse pensamento que, é no processo contínuo do uso do território e da realização do trabalho que o ser social, homem, transforma os elementos da natureza nos bens materiais que satisfaçam as suas necessidades. É através do trabalho que o homem alcançará sua qualificação e efetivará, na prática, sua existência. O exercício de uma atividade de labor é, ao mesmo tempo, uma necessidade e um prazer; pois, aperfeiçoa a inteligência, cria vínculos pessoais e institucionais, gera riquezas, traz alimento, segurança, bem-estar e desenvolvimento econômico e social. Trabalhadores migrantes estrangeiros, sobretudo em uma região de fronteira. Ali (e através da mesma) a concorrência por mão de obra barata e por discussões acerca da legalidade ou ilegalidade da migração é pano de fundo para se perpetrar ataques aos direitos humanos, em prol de aumento de lucros, através da chamada globalização da economia, ou pela simples busca do “lucro fácil”. O trabalho em condições análogas à de escravo é uma forma de superexploração do trabalho, onde este não reúne as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do homem, ou seja, o que não é prestado em condições que se denomina trabalho decente e sim da forma mais indigna possível (BRITO FILHO, p.70), trata-se do chamado trabalho indigno. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 69 Apesar da denominação adequada para o fenômeno ora estudado ser “trabalho em condição análoga à de escravo”, podese denominar o fenômeno ora em estudo de forma mais reduzida, ou seja, trabalho escravo. Estar-se-á utilizando de uma redução da expressão mais ampla utilizada pela lei (BRITO FILHO, 2004, p. 73), tendo-se sempre em mente que ao se usar a expressão trabalho escravo, estaremos nos referindo ao “trabalho em condições análogas à de escravo”. O Código Penal Brasileiro (DL 2.848/40), no seu artigo 149, com a redação dada pela Lei 10.803/03, traz a definição legal do crime de redução à condição análoga à de escravo: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. [grifo nosso] princípio este do qual devem derivar todos os outros, eis que, não se pode dar ao ser humano trabalhador tratamento análogo ao de coisa (o escravo); sem falar no princípio da não-discriminação destes trabalhadores, em relação aos que recebem adequadamente seus haveres trabalhistas. Caracteriza-se também como trabalho escravo o aliciamento do trabalhador, no seu local de origem, enganando e fraudando a sua boa-fé, com promessas de condições dignas de trabalho e garantia de retorno ao seu local de origem. Situações de tráfico de pessoas, na forma de trabalho escravo (trabalho prestado em condições análogas à de escravo), podem ocorrer no território interno de um país, na região de fronteira entre dois países, ou ainda através do limite internacional (o trabalhador é “recrutado” em um país para trabalhar em outro). 3 FRONTEIRA A extensão espacial delimitada, onde um Estado exerce sua soberania (poder de fazer e exercer direitos coercitivamente) caracteriza um território, o qual é “delimitado” (para a doutrina tradicional) por fronteiras. O termo fronteira é abrangente e se refere a uma região ou faixa. Nos dias de hoje, apesar das fronteiras não terem perdido funções políticas, de defesa da soberania, delimitadoras de espaços geográficos, de zona ou de linhas divisórias, passaram a ter atributos de integração, de interação e de coabitação pacífica e desconectada do limite político-administrativo. Não é somente a falta de liberdade de ir e vir que caracteriza o trabalho em condições análogas à de escravo. Neste crime não haverá apenas o ferimento do princípio da liberdade, mas também do princípio da legalidade, pois tal crime ocorre em condições contrárias ao ordenamento jurídico posto, quer nacional, quer internacional. O primeiro princípio de direito humano fundamental atingido é o da dignidade da pessoa humana (tanto no plano material, quanto moral), Tratando da questão fronteiriça, Oliveira (S.d., p.2) constata, de forma a retratar a realidade daquela região: 70 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 A representação que se faz da fronteira, nos dias que correm, por parte dos meios de comunicações, em geral, é tão pobre quanto angustiante e contraditória: ladeia-se a destruição das fronteiras, tanto no sentido histórico quanto geográfico, pelo mercado sem pátria; ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, reforçam o seu sentido, quando se busca identificar aquele espaço como o “lugar” do contrabando, 71 do narcotráfico, do banditismo, do tráfico de seres humanos, etc. É consenso, entre os estudiosos do tema, que a zona de fronteira é diferenciada quanto ao modo de ser e de viver de sua população, de suas cidades, dos organismos econômicos e políticos, possuindo “identidades” próprias que a distanciam do restante dos Estados-Nação a que pertençam político-administrativo e juridicamente. Tanto no caso da zona de fronteira e, portanto, dos cidadãos fronteiriços (incluindo-se os trabalhadores, até mesmo os vitimados pelo trabalho escravo), quanto no caso de zonas nãofronteiriças, o tratado internacional, assim chamado de “Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, Bolívia e Chile” (ACORDO DE RESIDÊNCIA DO MERCOSUL), promulgado pelo Decreto Nº 6.975/2009, pode ser uma solução política e jurídica para as questões de atendimento e prestações decorrentes dos direitos sociais, nestes incluindo-se o direito fundamental à saúde, bem como temas afetos à migração e ao trabalho. 4 SAÚDE A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1946, definiu saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”; contudo, atualmente, essa definição é considerada ultrapassada, por manter uma visão minimalista e de difícil prática, pois “completo bem-estar” é algo passível a diferentes interpretações, que remete a uma sensação de perfeição, haja vista que perfeição não é algo definível. (SEGRE & FERRAZ, 1997). A atual situação da saúde é um reflexo da evolução das suas políticas, e é completamente impossível não associar as transformações das políticas de saúde com a evolução políticosocial e econômica do Brasil, ambas estão diretamente relacionadas. A destinação dos recursos financeiros para a saúde, assim como a 72 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 solução de problemas que afetam a qualidade de vida da população nunca foram assuntos que ocuparam o centro das atenções políticas brasileiras (POLIGNANO,s/d). As políticas públicas são desenvolvidas e implementadas pelo Estado com a finalidade de enfrentar os problemas sociais, dentre esses, os que estão relacionados à saúde (ACÚRCIO, s/d). A Conferência Nacional de Saúde realizada de 17 a 21 de março de 1986 que contou com a participação da sociedade balizou as mudanças do sistema de saúde brasileiro. O SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde intensificou as iniciativas de descentralização e Universalização iniciando o preparo para a implantação do SUS, o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2002). CUNHA & CUNHA (1998) diz: O processo de construção do Sistema Único de Saúde é resultante de um conjunto de embates políticos e ideológicos, travados por diferentes atores sociais ao longo dos anos. Decorrente de concepções diferenciadas, as políticas de saúde e as formas como se organizam os serviços não são fruto apenas do momento atual, ao contrário, têm uma longa trajetória de formulações e de lutas. A busca de referências históricas do processo de formulação das políticas de saúde, e da vinculação da saúde com o contexto político mais geral do país, pode contribuir para um melhor entendimento do momento atual e do próprio significado do SUS. Por sua feita, com relação à preservação e reabilitação da saúde do ser humano trabalhador, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) editou a Convenção (tipo de tratado internacional) Nº 155, a qual foi promulgada em 29 de setembro de 1994, através do Decreto nº 1254, valendo como lei federal em todo o território nacional. A referida Convenção traz um conceito de saúde mais objetivo, abandonando o “completo bem estar”, adotado pela OMS; no sentido de que “a saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e ambientais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene do trabalho” – artigo 3º, alínea “e” - (OLIVEIRA, 2011, 91p.). Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 73 Bem se vê que para a OIT, a saúde do trabalhador também considera elementos físicos e mentais relacionados com a segurança e a higiene do trabalho, as quais exigem a obediência a diversas normas regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sendo as mesmas legislação sobre saúde, segurança e higiene no trabalho. Isto quer dizer que atividades laborais que existam sem a observância das referidas normas regulamentadoras são indutoras e causas de moléstias ou afecções à saúde. 4.1 Direito Fundamental à Saúde e a Lei Orgânica da Saúde (LOS) Comumente usado de forma errônea como sinônimo dos Direitos Humanos, os Direitos Fundamentais possuem suas origens arraigadas no movimento constitucional (FILHO, s/d). Por sua vez, PEREIRA (2007), citando Ingo Wolfgang Sarlet, explica que o termo direitos fundamentais aplica-se aos direitos do ser humano, reconhecidos através da constituição de um determinado Estado (País); enquanto que a expressão direitos humanos guarda relações com o direito internacional, tendo validade universal, para todos os povos e tempos. Sendo assim, os direitos fundamentais são os referidos às normas do ser humano já positivadas na esfera do ordenamento jurídico pátrio, enquanto os direitos humanos guardam relações com normas do ser humano, com reconhecimento em âmbito internacional, e independente de sua positivação (constante em legislação). Diversos tratados internacionais, principalmente as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente as ratificadas pelo Brasil (convenção número 148, 155 e 161) refletem a importância da saúde dos trabalhadores como direito fundamental dos mesmos. No ordenamento jurídico interno, a Constituição Federal brasileira, em seu artigo 6º, define dentre os direitos sociais, o direito à saúde; estando, o referido artigo 6º, no título II – “DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS”. Portanto, é o direito à saúde um direito social e fundamental, eis que está inserido na lei maior do Brasil (a Constituição Federal de 1988 – CF/88). 74 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 No mesmo sentido, a citada CF/88, em seu artigo 196, define a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. Garantindo-se ainda o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua (saúde) promoção, proteção e recuperação. Portanto, por ser um direito “universal” e “igualitário”, o direito fundamental à saúde deve alcançar também os trabalhadores estrangeiros, ainda que indocumentados, os chamados trabalhadores “ilegais”, sujeitos à “deportação”, pela Polícia Federal brasileira. Esta é mais uma face perversa da globalização, e de sua “irmã siamesa”, a migração. Em 1990, foi estabelecida a Lei 8080 (Lei Orgânica da Saúde – LOS) que dispõe sobre condições para a proteção, promoção e recuperação da saúde, além de estabelecer métodos de organização e funcionamento de tais serviços. Em seu Art. 2º, garante a saúde como um direito fundamental do ser humano, e delega ao Estado o dever de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Além de assegurar que seu acesso às ações e serviços seja universal e igualitário. Os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) estão assegurados pela Constituição Federal (sem falar da Lei Orgânica da Saúde – LOS) e também através de toda a legislação que regulamenta o sistema (BRASIL, 2003). Inclusive, nas Normas Operacionais Básicas (NOBs), as quais são entendidas, pela legislação, como instrumentos normativos de operacionalização dos preceitos da legislação que regulamentam o SUS. A implementação e a gestão do SUS são processos dinâmicos, baseados em doutrinas e princípios organizacionais. Segundo Espínola (2010), a Constituição Federal de 1988 contém seções sobre a saúde com três aspectos importantes: I. Uma política governamental ampla: que considera os Determinantes Sociais em Saúde (DSS) como fatores biológicos como meio de acesso aos serviços que visem à promoção, proteção Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 75 e recuperação da saúde; II. Direito de acesso aos serviços de saúde para quem necessitar deles: legitimado pela Constituição Federal, o direito de todos, sem qualquer tipo de discriminação, as ações de saúde, em todos os níveis, depositando ainda o dever de pleno gozo deste direito sobre o poder público; III. Rede de saúde regionalizada, descentralizada e hierarquizada com direção única, em cada esfera de governo e sob o controle dos seus usuários. Baseada nestes preceitos constitucionais, a implementação do SUS norteia-se por princípios doutrinários, a seguir explicitados. A Universalidade, que garante a atenção de saúde pelo sistema a qualquer cidadão. A Equidade, que garante ações e serviços de saúde em todos os níveis de acordo com a complexidade requerida por cada caso, ou seja, todo cidadão é igual perante o SUS, e será atendido conforme suas necessidades. A Integralidade, que considera qualquer indivíduo como um todo indivisível e integrante de uma comunidade, onde a unidade prestadora de serviço deve ser capaz de prestar atendimento integral, respeitando uma visão holística (CARVALHO & BARBOSA, 2010). Portanto, é entendimento, tanto da legislação que trata dos princípios e diretrizes do SUS, quanto dos estudiosos do tema (fundamentação teórica), que a Universalidade, a Equidade e a Integralidade são pressupostos que determinam e atestam a necessidade e a obrigação do estrangeiro em geral, bem como do trabalhador imigrante de outros países (seja ele fronteiriço ou não) de serem atendidos pelo SUS, mesmo que estejam em situação jurídica “de ilegalidade” ou vítimas de trabalho escravo. Reforçando tal argumentação, o Estatuto do Estrangeiro, estabelecido através da Lei Nº 6.815/80, ao regulamentar a situação jurídica dos estrangeiros em solo brasileiro, determina, em seu 95º artigo, que o estrangeiro residente no Brasil goze de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis (NETO, 2009). 76 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Especificamente, no caso dos municípios fronteiriços (aqueles que estão localizados territorialmente ao longo da faixa de fronteira com outros países), o atendimento de estrangeiros, pelo SUS, repercute diretamente na organização dos sistemas de saúde dos citados municípios; levando a uma sobrecarga das redes de atendimento, pois a política de saúde é planejada para população residente, de maneira excludente aos não nacionais (AMARAL & CARVALHO, 2013). Ferreira (2004), alerta para o fato de que a oferta de serviços em saúde seja uma complexa tarefa, existindo limitações evidentes na capacidade de produzir tais serviços de acordo com a demanda, pelos mais diferentes fatores, sejam pela finitude de recursos ou pelas barreiras organizacionais e burocráticas; fatores que refletem uma baixa capacidade gerencial. Partindo deste princípio, o SIS Fronteira (Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras: Portaria GM 1120/05) preconiza o desenvolvimento de ações que venham a solucionar também o acesso à saúde de trabalhadores, que movidos pelo desenvolvimento do mercado econômico, passam a residir em solo brasileiro (ALMEIDA PRADO, AMARAL, 2013). Neste mesmo sentido, conforme supra indicado, e trazendo uma informação da qual se pode inferir que o SUS, na região fronteiriça, atende (ou pelo menos deveria atender) aos estrangeiros (portanto inclusive aos trabalhadores fronteiriços), Preuss, apud Almeida Prado & Amaral (2013, p. 101) relata que os segmentos populacionais vulneráveis estrangeiros são usuários do sistema de saúde brasileiro e que tal fato gera uma sobrecarga nas redes de atendimento, pois a política de saúde do Brasil é planejada para uma população residente, não incluindo no planejamento a população de referencia, no caso, os não-nacionais. Sendo este o quadro observado, qual a solução para a questão do atendimento de saúde dos trabalhadores vítimas de tráfico de pessoas (inclusive na modalidade internacional), na espécie trabalho escravo, na fronteira brasileira? Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 77 5 RESULTADOS Depois de revisão bibliográfica e estudos relacionados às categorias conceituais pertinentes, bem como após discussões acerca do objetivo da presente pesquisa, utilizando-se da revisão bibliográfica, chegou-se aos seguintes resultados: a) O tráfico de pessoas, na espécie trabalho escravo, na fronteira brasileira (ensejando a ocorrência de tráfico internacional de pessoas, quando o trabalhador estrangeiro é aliciado em seu país de origem) é fenômeno que pode originar grande afluxo de usuários ao Sistema único de Saúde (SUS). Tal se dá porque o referido trabalhador, não tendo seus direitos trabalhistas respeitados, no momento em que as normas regulamentadoras sobre saúde, segurança e higiene do trabalho são violadas, acaba por buscar atendimento no SUS. b) Não tendo o SUS (Sistema Único de Saúde) condições gerenciais e econômicas ante as especificidades de sua gestão (a política de saúde é pensada considerando apenas a população residente e não os trabalhadores que se dirigem à região fronteiriça), prestar serviços a todos que dele necessitam, há reflexos negativos ao direito fundamental à saúde de todos os usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) e, principalmente, dos trabalhadores vítimas de trabalho escravo da região de fronteira, eis que (ante a ilegalidade trabalhista perpetrada por seus empregadores), não existe contribuição dos mesmos ou de seus patrões para a seguridade social (saúde, previdência social e assistência social); juntando-se às questões gerenciais supra referidas. c) A par de toda a problemática indicada neste resultado, restou evidenciado que o SUS (Sistema Único de Saúde), através do SIS Fronteira (Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras) deve atender aos trabalhadores imigrantes, inclusive os fronteiriços (os que moram em cidades vizinhas e em lados opostos da linha de fronteira); mesmo que tais trabalhadores sejam indicados como “indocumentados” ou “ilegais” (inclusive os vitimados pelo trabalho escravo). d) O atendimento referido na letra c anterior deve acontecer ante aos princípios constitucionais, a Lei Orgânica da 78 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Saúde e legislação correlata, os quais determinam que o atendimento deva observar os preceitos constitucionais e legais da Universalidade (atenção de saúde a qualquer cidadão), Equidade (todo cidadão é igual perante o SUS) e Integralidade (considera qualquer indivíduo como indivisível e integrante de uma comunidade). Não podendo prevalecer qualquer argumento que impeça o atendimento integral, equânime e universal a todo e qualquer ser humano (incluindo, por óbvio, o trabalhador vítima de trabalho escravo) do sistema de saúde brasileiro, como consequência do direito fundamental à saúde que todo ser humano possui. e) Como solução para as questões aqui trazidas, sugere-se a confecção e divulgação de uma cartilha ou folder, que esclareça, em língua portuguesa e espanhola, os princípios e legislação norteadores do direito fundamental à saúde; para que os trabalhadores vítimas de trabalho escravo, na região de fronteira internacional do Brasil, possam buscar a fruição de seu direito humano e fundamental à saúde. f) Entende-se que uma maneira adequada e subsidiada em lei ordinária federal (é como um tratado internacional, não sendo ele de direitos humanos, em regra entra no ordenamento jurídico interno brasileiro), para encaminhar uma solução à questão discutida no presente estudo, é fazer constar, das publicações referidas na alínea “e” anterior, o inteiro teor do Acordo de Residência do MERCOSUL (Decreto nº 6975/2009), onde os direitos dos estrangeiros (incluindo os trabalhadores em geral e os vítimas de trabalho escravo) estão plenamente explicitados, gerando a obrigação dos países que assinaram o referido acordo internacional, entre eles incluindo-se o Brasil, de respeitar as prerrogativas dos imigrantes, ali referidas. REFERÊNCIAS ACÚRCIO, F.A. Evolução Histórica das Políticas de Saúde no Brasil. s.d. Disponível em: <http://www.farmacia.ufmg.br/cespmed/text1. htm> Acesso em: 23 abr. 2013. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 79 ALMEIDA PRADO, C. M.; AMARAL, A. P. M. Direito Fundamental à Saúde dos Trabalhadores Transfronteiriços nos Acordos Internacionais. In: Direito do Estrangeiro ao Sistema Único de Saúde: um olhar para as fronteiras do Mato Grosso do Sul. Ed. UFMS, 2013. 2008, p. 63. AMARAL, A. N. M.; CARVALHO, L. C. Direito do estrangeiro ao Sistema Único de Saúde: um olhar para as fronteiras do MS. Campo Grande, MS; Ed. UFMS, 2013. 168 p. MARTINS, S. P. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional de promoção da saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 60 p. BRITO FILHO, J. C. 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Rio de Janeiro: Editora Lumen Yuris, 80 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 81 O INSTITUTO DO DANO MORAL COLETIVO E AS GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO TRABALHISTA Leontino Ferreira de Lima Junior1 Luciana Aparecida Furtado de Lima2 O estudo do dano moral pressupõe a análise de alguns aspectos importantes da responsabilidade civil, complexo instituto do qual o dano integra. Para possibilitar o regramento da vivência em sociedade, os ordenamentos jurídicos estabeleceram normas e princípios para reger a responsabilidade civil. Surgiu nas sociedades civilizadas, em consequência à responsabilidade civil, o dever de indenizar. A evolução da responsabilidade civil remete ao Direito Romano. Naquele momento histórico, o dano não gerava o dever de indenizar, mas permitia a prática de novo dano ao primeiro agressor, conforme codificado na Lei das XII Tábuas, que trazia o princípio “olho por olho, dente por dente.” Ante a inviabilidade desse princípio, o Direito Romano evoluiu e trouxe os primeiros traços do dever de indenizar, adotando inicialmente a indenização tarifada. Conforme a doutrina, foi com o advento da Lex Aquilia, ainda no Direito Romano, que se deu a maior evolução da responsabilidade civil, vez que se verificou que a indenização tarifada resultava em valores nem sempre razoáveis. Segundo a Lex Aquilia, a 1 Procurador do Trabalho 2 Assistente de Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região 82 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 83 pena não seria mais tarifada, mas sim proporcional ao dano causado. Após, e de suma importância para a evolução do instituto, o Código Civil de Napoleão inseriu o elemento subjetivo como pressuposto da responsabilidade civil, influenciando diversas legislações, inclusive o Código Civil Brasileiro de 1916 e, por conseguinte, o Código Civil de 2002. O Código Civil de 2002 trata do instituto da responsabilidade civil nos artigos 186, 187 e 927. Depreendemse da legislação pátria os elementos que, em regra, configuram a responsabilidade civil: ato ilícito, dano, nexo causal e culpa. Porém, não se pode perder de vista que tais elementos configuradores comportam exceções, senão vejamos: 1) A culpa poderá ser mitigada, a depender da teoria da responsabilidade adotada ao caso concreto (v.g., teoria objetiva); 2) O ato lícito poderá gerar dever de indenizar (artigo 188 CC/2002); 3) O nexo causal poderá ser dispensado se for aplicada a teoria do risco integral. Logo, nota-se que o único elemento que deve estar sempre presente para caracterizar o dever de indenizar é o dano, por conseguinte, é requisito essencial na responsabilidade civil e, uma vez verificado, restará ao ordenamento jurídico apresentar instrumentos adequados para combatê-lo e repará-lo, seja o dano na sua dimensão individual ou na sua dimensão coletiva. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS MORAL COLETIVO TRABALHISTA E DANO Após, outra celeuma jurídica surgiu, já que o dano moral era reconhecido como dano de apenas um indivíduo. Com o surgimento da sociedade de massas, especialmente com o advento da Revolução Industrial e transição do sistema feudal para o capitalismo nos séculos XVIII e XIX, direitos que antes não eram reconhecidos passaram a ter relevância política, social e jurídica, solidificando os direitos fundamentais do ser humano. Na sociedade industrial, conflitos que existiam somente entre indivíduos passaram a ter maiores proporções, atingindo grupo de pessoas e até mesmo toda uma comunidade. Manifestações de operários por melhores condições de trabalho acabaram por produzir conflitos em massa, difusos, transindividuais, em outras palavras, conflitos que transcendiam a esfera individual, atingindo a coletividade. Portanto, era imperioso uma forma de reparação para os danos causados à coletividade, que transcendiam a esfera individual. Com a criação da Organização Internacional do Trabalho (1919) e da Organização das Nações Unidas (1945) surgiu a proteção internacional dos direitos humanos, pensando o ser humano como gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade determinada. Reconheceu-se, então, os direitos classificados como de terceira dimensão, direitos de solidariedade e fraternidade, atualmente denominados de direitos transindividuais, gênero que possui como subespécies direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. A indenização por dano moral sofreu resistência em seu reconhecimento, ao argumento de que não se podia compensar a dor, sofrimento, angústia e outros sentimentos da alma com recompensa financeira. Após longos debates prevaleceu a ideia que a compensação é devida, pois, dentre suas funções, há não somente o caráter reparatório, mas também sua função preventiva e sancionatória. No ordenamento jurídico pátrio, o Código de Processo Civil, de cunho eminentemente individualista, não trazia meios adequados para a tutela dos direitos transindividuais, forçando o ordenamento jurídico a adequar-se a essa nova realidade. A primeira legislação relevante que tratou do assunto foi Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65), seguida da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), essa com maior envergadura processual, e posteriormente o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). 84 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 85 Os direitos metaindividuais possuem amparo constitucional e estão previstos na CRFB/88 no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I - Dos Direitos Individuais e Coletivos. Hodiernamente, para a tutela dos direitos transindividuais trabalhistas, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de um microssistema processual coletivo formado pelo Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Civil Pública, e apenas subsidiariamente a Consolidação das Leis do Trabalho. Com a regulamentação da defesa dos direitos transindividuais, vantagens ao Judiciário e jurisdicionado puderam ser observadas. Maior celeridade processual, pois processos que antes eram pulverizados passaram a ter unidade, concentrando-se em um único processo, com redução dos custos e evitando decisões contraditórias. Garantiu-se também maior segurança jurídica na consecução dos fins constitucionais e efetividade na prestação jurisdicional. Sendo assim, o dano moral no direito do trabalho passou por uma releitura, possibilitando o seu enquadramento também sob o aspecto coletivo. Com a ampliação do conceito do dano moral, podese defini-lo da seguinte forma: a ofensa extrapatrimonial que atinge tanto direitos inerentes à personalidade de um trabalhador (dano moral individual), como a ofensa que atinge toda uma comunidade de trabalhadores, de forma difusa, grupo de trabalhadores ou de origem comum a trabalhadores determinados (dano moral coletivo). Os direitos coletivos (lato sensu) foram conceituados expressamente pelo legislador no artigo 81 do CDC. Portanto, o dano moral coletivo será defendido através da subsunção do fato que ocasionou o dano e verificação da extensão desse dano, seja atingindo direitos difusos, coletivo (stricto sensu) ou individuais homogêneos. DANO MORAL INDIVIDUAL E DANO MORAL COLETIVO DO TRABALHO O dano moral individual e o coletivo diferem entre si em 86 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 diversos aspectos. O primeiro é regulamentado pelo Direito Individual do Trabalho e o segundo pelo Direito Coletivo do Trabalho, cada um com peculiaridades próprias. No dano moral individual, a legitimidade para propor ação será em regra ordinária, por qualquer indivíduo que se sentir lesado, seguindo as normas da CLT e Código Civil de 2002. No dano moral coletivo somente as pessoas taxativamente previstas na legislação, atuando como legitimados extraordinários na defesa dos interesses transindividuais/coletivos, poderão tutelar direitos coletivos, como as associações, os sindicatos, o Ministério Público do Trabalho e as demais entidades estabelecidas no art. 5 º da Lei nº 7.347/85 e no art. 82 da Lei nº 8.078/90. No que se refere à materialização, no dano moral individual o dano deverá ser comprovado, devendo restar demonstrado, em regra, que a ofensa aos direitos de personalidade do trabalhador, tais como intimidade, honra, imagem causaram-lhe grande sofrimento psicológico, angústia, dor, humilhação. Por sua vez, o dano moral coletivo possui natureza objetiva, em que o dano é in re ipsa, presumido em face da análise das circunstâncias que o ensejaram, bem como por possuir dimensão e amplitude capazes de refletir em bens fundamentais da sociedade (dimensão difusa do dano moral). Outra diferença entre o dano moral individual e o coletivo diz respeito ao destino dos recursos/obrigações do empregador que atuou ilicitamente. Assim, na esfera individual, geralmente a condenação consiste em dever de pagar, sendo que os valores pagos pelo empregador ofensor reverterão ao empregado que teve seus direitos violados, considerado individualmente. De outro lado, a compensação do dano moral coletivo, como não poderia deixar de ser, volta-se em benefício da sociedade, pois esta é a titular do bem jurídico defendido. As obrigações, que poderão ser de fazer e não-fazer cumulada com indenização, com elevado cunho social, destinam-se a comunidades específicas (portadores de deficiência, crianças, idosos), ao Fundo de Amparo ao Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 87 Trabalhador – FAT (Lei 7.998/98) ou a entidades filantrópicas, sem fins lucrativos. DUMPING SOCIAL: SONEGAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS E VIOLAÇÃO À LIVRE CONCORRÊNCIA Cabe mencionar o vasto campo em que será possível a atuação do Ministério Público do Trabalho para a defesa dos direitos coletivos e consequente impedimento/compensação do dano moral coletivo. De forma exemplificativa, são hipóteses que geram dano moral coletivo no âmbito trabalhista: exploração de crianças e adolescentes no trabalho, submissão de grupos de trabalhadores a condições degradantes, descumprimento de normas trabalhistas básicas de segurança e saúde, práticas de discriminação na contratação com criação de listas sujas, contratos de trabalho da administração pública sem o requisito constitucional do concurso público, dispensa de trabalhadores em massa sem negociação coletiva e dumping social. Será analisado de forma especial o dumping social, a fim de difundir o conhecimento desse ato ilícito que causa projeções, para além, inclusive, do território brasileiro. A primeira noção de dumping foi utilizada pelo Direito Internacional Comercial para designar a prática desleal utilizada por empresas que pretendem adentrar no mercado externo. Para tanto, essas empresas colocam no mercado produtos abaixo do custo, eliminando a concorrência. Na noção de dumping, desdobra-se o dumping social. Nesse ínterim, o dumping passou a ser combatido não só pelo Direito internacional Comercial, mas também pelo Direito do Trabalho, já que o dumping social refere-se ao trabalho precário para atingir maiores lucros e competitividade. Nota-se que é fenômeno relativamente recente no plano jurídico, sendo assim, não previsto na CLT e leis esparsas trabalhistas vigentes, pois estas não sofreram as mudanças necessárias para a adequação dos fenômenos advindos com a globalização. Por não 88 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 haver legislação específica a respeito do dumping social, existem grandes dificuldades acerca da adoção de medidas eficientes para a sua eliminação. Uma das fontes subsidiárias para condenação nessa modalidade de ilícito são os artigos 20 e 21 da Lei 8.884/94, que prevê as infrações contra a ordem econômica. O que não se pode fazer é ignorar sua existência, ilícito que atinge um complexo de direitos, quando não “todos”. Veja-se que não se trata de pronome exagerado, pois fere de morte os direitos trabalhistas expressos na Constituição e Leis Infraconstitucionais que garantem o mínimo existencial e a dignidade do trabalhador. Somente a título ilustrativo, veja-se os recentes casos investigados e veiculados na imprensa nacional em que conceituadas empresas internacionais do ramo da moda estão utilizando trabalhadores em sistema de escravidão contemporânea, evidenciando a concorrência desleal no mercado de trabalho. Ou seja, grandes marcas e conglomerados econômicos, no afã de reduzirem custos, sonegam propositadamente direitos sociais mínimos dos trabalhadores, para assim terem um preço mais competitivo no mercado do trabalho. Portanto, vê-se que o dumping social aniquila tanto os direitos trabalhistas constitucionalmente assegurados como a livre concorrência. Decisão emblemática tratando da questão foi a sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 006850045.2008.5.08.0114 movida pelo Ministério Público do Trabalho em que o Juízo da Vara do Trabalho de Parauapebas/PA condenou a Vale S.A. ao pagamento, a título de dano moral coletivo por dumping social, o importe de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais). Ademais, o tema é tratado no enunciado n. 04 aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada pela Associação Nacional de Magistrados do Trabalho – ANAMATRA e pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, em novembro de 2007: “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 89 reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT. ATUAÇÃO DA COMISSÃO PERMANENTE DE INVESTIGAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM MATO GROSSO DO SUL EM CASOS QUE CULMINARAM COM A FIXAÇÃO DE DANO MORAL COLETIVO. A Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul é importante instrumento de repressão das condições degradantes de trabalho encontradas no Estado de MS, tendo forte atuação no setor rural, desde carvoarias a usinas do setor agroenergético, passando pelas fazendas dedicadas à agropecuária. Importante ressaltar que, por vezes, a Comissão Permanente ao lado do Ministério Público do Trabalho, são os responsáveis diretos pelo resgate da cidadania de trabalhadores encontrados em situação de vulnerabilidade no campo. Outras vezes, a Comissão desempenha esse relevante papel social junto aos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego. Dentre inúmeras operações deflagradas com a participação da Comissão, pode-se citar algumas que culminaram com pagamento de indenização a título de dano moral, tanto individual como coletivo. 90 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 No ano de 2009 a Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul e o Ministério Público do Trabalho, com o fito de observar o cumprimento de obrigações estabelecidas em Termo de Ajuste de Conduta (TAC), percorreram carvoarias da região de Aquidauana para verificação das condições de trabalho. Foi uma Siderúrgica que firmou o TAC e tinha por objetivo um arranjo produtivo que assegurasse que toda a cadeia produtiva respeitasse o ordenamento jurídico. Referido TAC previa, dentre outros, o custeio de despesas com a contratação de equipe técnica para visitar e orientar as carvoarias sobre as condições de trabalho, com o objetivo de evitar preventivamente a ocorrência de trabalho escravo e degradante em suas fornecedoras. Ainda, é importante destacar que houve imposição de dano moral coletivo convertido na confecção de cartilhas para distribuição entre trabalhadores do setor de carvoejamento – o “Manual Carvoaria Saudável” e a “Cartilha Trabalho Legal”. Neste caso particular percebe-se a função socialpedagógica do dano moral coletivo, pois possibilitou a difusão entre os trabalhadores de seus direitos sociais, evitando-se, assim, inúmeros conflitos trabalhistas e a sujeição dos trabalhadores às condições caracterizadores do trabalho escravo contemporâneo. Após a fiscalização do cumprimento dos obrigações do TAC pelo Ministério Público do Trabalho e Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul houve o ajuizamento de ação de execução em face da empresa MMX Metálicos no valor de 3.800.000,00 (três milhões e oitocentos mil reais) referentes ao descumprimento das cláusulas obrigacionais, somados à indenização por dano moral coletivo. Outro caso em que a Comissão Permanente desempenhou relevante função social foi no resgate de trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravo na região de Camapuã/MS. Foram flagrados 16 trabalhadores laborando em condições subumanas em fazenda. Os trabalhadores eram nordestinos e dentre eles havia Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 91 um adolescente. Eles dormiam em barracos de lona, em camas improvisadas e não tinham acesso a banheiros e eletricidade. Também constatou-se que a água para consumo e banho provinha de uma bica d’água também utilizada pelo gado. O Ministério Público do Trabalho e a Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul ainda verificaram a aplicação sem proteção de agrotóxicos e regime de truck system em que o empregador vendia produtos de consumo pessoal pelo dobro do preço do mercado (forçando um dívida que era paga com o trabalho). Como desfecho da operação firmou-se um Termo de Ajuste de Conduta com o empregador que se comprometeu a arcar com todas verbas trabalhistas, dano moral individual, dano moral coletivo, passagem de retorno para a origem dos trabalhadores e alimentação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 11. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 116. MEDEIROS, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo, São Paulo, LTR, 2004, pág. 155. www.douradosnews.com.br. Acesso em: 15 fev. 2014. www.campograndenews.com.br. Acesso em: 15 fev. 2014. CONCLUSÃO Conclui-se que o dano moral atualmente é reconhecido em casos em que se viola a dignidade da pessoa humana e também quando tal dano atinge a sociedade – fazendo com que as pessoas passem a desacreditar do Estado, sintam desapreço pela conduta empresarial, envergonhem-se de serem pertencentes a uma comunidade. Nestes últimos casos, impõe-se o dano moral coletivo. Por fim, nota-se que a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, baseado na teoria do desestímulo, tem se mostrado importante fator de prevenção de graves violações de direitos humanos. 92 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 93 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E O ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL Luís Antônio Camargo de Melo1 ACESSO À JUSTIÇA E RELAÇÕES DE TRABALHO A questão do acesso à justiça toma novas proporções quando se relaciona com a temática laboral. O acesso à justiça não pode ser entendido senão por meio de seu enquadramento como direito humano básico, assim como o são os direitos laborais. A íntima relação entre esses dois conceitos não se limita ao enquadramento comum como direitos fundamentais, mas se estende uma interdependência estrita. Pode-se mesmo falar em uma simbiose. Não há acesso à justiça se não houver respeito aos direitos trabalhistas, da mesma forma que não subsistem garantias laborais se os trabalhadores não puderem recorrer a órgãos estatais que equiparem as desiguais relações entre patrões e empregados. Pode-se afirmar que a ideia clássica de que o acesso à justiça se limitaria à possibilidade de acionamento dos meios jurisdicionais do Estado já está devidamente superada. O conceito de acesso à justiça não é somente isso. O acesso à justiça abarca não somente o direito de postular-se a tutela jurisdicional do Estado, mas também a garantia de uma ordem jurídica e social justa. Embora não seja tarefa simples definir o que seria essa ordem justa, é possível identificar pelo menos uma de suas bases epistemológicas: uma ordem justa é aquela que possibilita a concretização do ideal de justiça social. 1 Procurador-Geral do Trabalho. Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário IESB 94 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 95 Indubitavelmente, para que se possa sequer vislumbrar uma ordem jurídica e social justa, que se fundamente na justiça social, a defesa das relações de trabalho é basilar. O trabalho permeia praticamente todas as interações dos indivíduos com a sociedade, e por isso a defesa das relações trabalhistas torna-se um dos principais frontes da garantia dos direitos humanos. O Ministério Público do Trabalho, portanto, tem especial função na busca de uma sociedade justa, por meio da proteção integral dos trabalhadores brasileiros. Nesse contexto, a atuação do Ministério Público do Trabalho não se resume ao acionamento do Poder Judiciário brasileiro, mas engloba também uma ampla gama de ações extrajudiciais com vista a garantir o direito integral de acesso à justiça a todos os trabalhadores do país. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO O Ministério Público do Trabalho, assim como os demais ramos do Ministério Público da União, é órgão independente e imparcial, desvinculado dos interesses particulares e estatais, que busca garantir a defesa dos direitos consagrados no ordenamento jurídico brasileiro. A essencialidade do Ministério Público em um Estado democrático de direito resta consagrado no art. 127 da Constituição brasileira, ao afirmar que: “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Ao se analisar a Lei Complementar n° 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU), conclui-se que o Ministério Público do Trabalho é órgão especializado do MPU que atua no âmbito das relações laborais e perante a Justiça do Trabalho. Se por um lado a atuação judicial do Parquet laboral está ligada à Justiça do Trabalho, por outro, a ação extrajudicial dos Procuradores do Trabalho abarca a proteção das relações de trabalho como um 96 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 todo. Tanto os artigos 127 e 129 da Constituição de 1988 quanto os artigos 83 e 84 da Lei Complementar n° 75/93 expressam exemplos gerais das possibilidades de atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público do Trabalho. Para os Procuradores do Trabalho, a ideia de acesso à justiça não se deve limitar ao acionamento da Justiça do Trabalho, mas, sim, abranger toda uma gama de possibilidades com vistas à devida implementação da legislação laboral brasileira e à proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Quando no âmbito judicial, o Ministério Público do Trabalho pode ser parte ou custos legis no processo. As possibilidades de atuação judicial do MPT restam basicamente consagradas no art. 83 da Lei Complementar n° 75/932. Dentre as principais ações usadas pelo Parquet laboral como órgão agente, deve-se destacar a Ação Civil Pública (ACP). A defesa dos denominados direitos metaindividuais, cujo destinatário é a sociedade como um todo, cabe principalmente (não exclusivamente) ao Ministério Público. Nesse sentido, a manipulação da Ação Civil Pública para a garantia de direitos trabalhistas difusos, coletivos ou individuais homogêneos é instrumento essencial aos Procuradores do Trabalho para garantir o pleno acesso à justiça no Brasil, especialmente aos indivíduos mais vulneráveis às relações desiguais entre capital e trabalho, como os miseráveis que são reduzidos à situação análoga à de escravos. Como órgão interveniente no processo trabalhista, o Ministério Público do Trabalho atua como fiscal da lei, na medida em que o texto constitucional define o Ministério Público como defensor da ordem jurídica. Assim, os Procuradores do Trabalho podem manifestar-se verbalmente sempre que entenderem necessário ao bom andamento do processo judicial, assim como podem pedir vista dos processos em julgamento para melhor análise. Mesmo nos casos em que atua como fiscal da lei, o Ministério Público do Trabalho 2 Deve-se ressaltar que o art. 83 da Lei Complementar n° 75/93 derrogou, por incompatibilidade, os arts. 736 a 754 da Consolidação das Leis do Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 97 pode recorrer de decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário. Após essa brevíssima análise da ação judicial dos Procuradores do Trabalho, deve-se observar que é realmente no âmbito extrajudicial que a atuação do Ministério Público do Trabalho destaca-se como órgão fundamental para a consagração do direito de acesso à justiça no Brasil. Diferentemente do Poder Judiciário, caracterizado pelo princípio da inércia, o Ministério Público tem como dever a busca efetiva de situações nas quais a ordem jurídica, o regime democrático ou os interesses sociais e individuais indisponíveis estejam sendo violados. O labor dos Procuradores do Trabalho não se limita ao trabalho intelectual em seus escritórios nem à atuação nas salas de audiência e nos plenários dos tribunais trabalhistas. Os membros do Ministério Público devem efetivamente buscar ilícitos que deprimem o processo de formação de uma ordem jurídica e social justa e que, portanto, impedem a concretização do efetivo acesso à justiça no Brasil. Nesse contexto, o art. 84 da Lei Complementar n° 75/93 consagrou ao Ministério Público do Trabalho um dos mais importantes instrumentos extrajudiciais de que dispõem os Procuradores do Trabalho: o inquérito civil. Este consubstancia-se em investigação para colher elementos de convicção acerca de fatos que possam ser lesões a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Nesse contexto, o Procurador do Trabalho, de ofício ou após denúncia, busca investigar suspeitas de desrespeito aos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos no âmbito das relações laborais, podendo inclusive requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias. constitucional do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual os órgãos legitimados para a ação civil pública, como o MPT, podem firmar com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos compromisso de reparação do dano, de indenização pelos danos que não possam ser reparados e de ajustamento de sua conduta às exigências legais. PRINCIPAIS METAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO Sem sombra de dúvidas, o principal objetivo do Ministério Público do Trabalho é a consagração ampla do direito de acesso à justiça no Brasil. Para isso, busca a consolidação de uma ordem jurídica e social justa, que se fundamente na justiça social, por meio da constante defesa das relações de trabalho. Definido o seu fim precípuo e os meios judiciais e extrajudiciais pelos quais pode cumprir sua finalidade, a ação do Ministério Público do Trabalho é multifocada e multivetorial, porquanto se busca a implementação dos direitos laborais em suas mais diferentes frentes. A análise das Coordenadorias Nacionais criadas no âmbito do MPT indicam bem os principais vetores da atuação do Parquet laboral. Note-se que, ao final do processo investigatório e comprovada a violação de direitos trabalhistas que afetam a sociedade como um todo, o Ministério Público do Trabalho não precisa necessariamente acionar o Poder Judiciário e pode tentar solucionar extrajudicialmente a situação. Nesse sentido, destaca-se o instituto Para fazer frente às crescentes demandas e responsabilidades delegadas aos Procuradores do Trabalho, foram criadas coordenadorias nacionais temáticas, calcadas em oito matérias eleitas como prioritárias pelo Colégio de Procuradores: erradicação do trabalho escravo e degradante; erradicação do trabalho infantil e a proteção do adolescente; combate à discriminação nas relações de trabalho; defesa da saúde do trabalhador e de um meio ambiente de trabalho sadio; combate às fraudes nas relações de trabalho; combate às irregularidades trabalhistas na Administração Pública; promoção da implementação integral da legislação trabalhista relativamente ao trabalho portuário e aquaviário; e promoção da liberdade sindical. As Coordenadorias têm como objetivo principal viabilizar o exercício 98 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 99 das atribuições institucionais dos membros do MPT, de forma harmônica e articulada, na busca da solução equânime de problemas comuns enfrentados em todas as Procuradorias Regionais. A Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente visa garantir, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, prevenindo e combatendo o trabalho infantil e regularizando o trabalho adolescente. Criada pela Portaria PGT n. 299, de 10 de novembro de 2000, a COORDINFÂNCIA foi a primeira coordenadoria instituída no âmbito do MPT para atender às necessidades da ação articulada e resultou do compromisso assumido pelos Procuradores do Trabalho expresso na Carta de Fortaleza – Pelo Resgate da Cidadania das Crianças e dos Adolescentes que Trabalham. O combate ao trabalho infanto-juvenil é de complexidade crescente e exige do Ministério Público comprometimento máximo, atuação articulada e trabalho em parceria3 com o governo e com a sociedade civil, a fim de garantir, com absoluta prioridade, à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme expressa previsão no art. 227 da Constituição da República de 1988 (Princípio da Proteção Integral). Por intermédio da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, o Parquet lança projetos para o combate das piores formas existentes de exploração da mão de obra infantil, sempre enfatizando as parcerias com entidades públicas e privadas comprometidas com a erradicação dessa chaga social (item 6.2.1.2 do Planejamento Estratégico do MPT). Entre as estratégias desenvolvidas, busca-se conscientizar a sociedade, combatendo mitos relacionados ao problema social e derrubando barreiras culturais que dificultam a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. (item 6.2.1.3 do Planejamento Estratégico do MPT). Resultado de Comissões Temáticas e estudos realizados na Procuradoria Geral do Trabalho e nas Procuradorias Regionais, destinados a indicar políticas de atuação do Ministério Público no combate ao trabalho escravo e regularização do trabalho indígena, foi instituída, em 12 de setembro de 2002, por meio da Portaria nº 231, a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.4 Tendo em vista a observância do princípio da dignidade da pessoa humana e a plena realização da cidadania, o planejamento estratégico do Ministério Público do Trabalho define como metas principais da CONAETE o combate ao trabalho escravo e degradante; o combate ao tráfico de seres humanos; e a proteção ao trabalho indígena. A condição degradante de trabalho configura, ao lado do trabalho forçado, uma das mais graves formas de violação da dignidade da pessoa humana. O homem, principalmente o trabalhador simples, ao ser coisificado, negociado como mercadoria barata e desqualificada, tem, pouco a pouco, destruída sua autoestima e seriamente comprometida a sua saúde física e mental. 3 Parcerias estratégicas formadas com a Organização Internacional do Trabalho, Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social do Combate à Fome, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Fórum Nacional de Aprendizagem, Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência, Agência Nacional dos Direitos da Infância, Frente Parlamentar dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, Banco Nacional de Desenvolvimento Social, Associação Nacional de Magistrados, Promotores e Defensores da Infância e da Juventude, Ministério das Relações Exteriores, Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, Comitê Intersetorial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Criança e Adolescente, Ministério dos Esportes, Fórum Nacional dos Centros de Apoio Operacional da Infância e da Juventude dos Ministérios Públicos dos Estados, Ministério do Turismo, Escola Superior do Ministério Público da União. São notórias as ações de resgate conjuntas entre Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Federal, entre outros órgãos, levadas a cabo pelo Grupo Especial Interinstitucional de Fiscalização Móvel5. Essas ações são expressão plena da atuação proativa dos Procuradores do Trabalho, que efeti- 100 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 4 Inicialmente denominada CNCTE – Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. 5 Instituída pela Portaria MTE 265/2002. 101 vamente buscam violações aos direitos laborais difusos, coletivos e individuais homogêneos, em prol da formação de uma ordem jurídica e social justa e, portanto, da concretização do efetivo acesso à justiça no Brasil. A Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho visa ao combate à discriminação nas relações trabalhistas, seja na admissão para o emprego, no curso do contrato ou na demissão, além da promoção de igualdade de oportunidades, a fim de resguardar o pleno exercício da cidadania. São definidas como estratégia de atuação a garantia de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o combate à discriminação e a promoção do direito à intimidade dos trabalhadores. A promoção da igualdade e do bem de todos, conforme consagrado na Magna Carta de 1988, consagra-se como um dos principais vetores de atuação do Ministério Público do Trabalho, na medida em que o acesso à justiça não se consolida sem a garantia de uma isonomia entre todos os cidadãos, sem discriminação por raça, cor, religião, entre outras. A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, instituída pela Portaria PGT nº 386/2003, de 30 de setembro de 2003, surgiu pela necessidade de combater e inibir as fraudes que objetivam afastar as relações de emprego e desvirtuar a aplicação dos direitos trabalhistas previstos na Constituição, na CLT e nas demais normas de proteção ao trabalhador.6 O Ministério Público do Trabalho também executa ações de combate a fraudes nas contratações trabalhistas como coação e lide simulada; utilização indevida do trabalho voluntário e temporário. Em uma sociedade progressivamente mais complexa como a brasileira, as fraudes nas relações de trabalho são encontradas nos setores urbanos e rurais, públicos e privados, destacando-se como mais intensas nas cooperativas de mão de obra, nas terceiriza6 Souza, Geraldo Emediato. Ministério Público do Trabalho. Coordenadorias Temáticas. Ricardo José Macedo de Britto Pereira, organizador; Brasília: ESMPU, 2006. p. 79. 102 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 ções ilegais, nas “sociedades” de empregados, ou em outras fórmulas criativas que prejudicam o trabalhador, reduzindo ou eliminando seus direitos constitucionalmente garantidos. Incorporado definitivamente ao cotidiano das empresas brasileiras a partir principalmente do final da década de 1970, o instituto da terceirização, com raras exceções, tem conduzido os assalariados a uma perda gradual dos direitos sociais e trabalhistas sedimentados nas Cartas Constitucionais e Texto Celestista. A esperada e propagada inovação das relações de trabalho e as vantagens resultantes da subcontratação da mão de obra não geraram para os trabalhadores os mesmos benefícios alçados pelos setores empresariais. O discurso neoliberal apenas aumentou a competição, o individualismo e a exclusão social. De acordo com o Planejamento Estratégico do Ministério Público do Trabalho, o objetivo da CONAFRET é o combate às fraudes utilizadas para a descaracterização do vínculo empregatício e àquelas perpetradas nas relações de trabalho (6.5. p. 46), com o desenvolvimento de duas estratégias básicas: 1. Combater as fraudes utilizadas para descaracterizar o vínculo de emprego (promoção de atividades extrajudiciais ou judiciais para combater a utilização indevida da terceirização, estágio, cooperativas, pessoa jurídica, trabalho voluntário, temporário, dentre outras – Item 6.5.1.1); 2. Combater as fraudes perpetradas nas relações de trabalho (promoção de atividades judiciais ou extrajudicial para combater práticas fraudulentas nas relações de trabalho, tais como coação, colusão e a lide simulada – Item 6.5.2.1). Instituída pela Portaria PGT nº 409, de 14 de outubro de 2003, a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública tem o objetivo de coibir atos de desrespeito à legislação constitucional e trabalhista pela Administração Pública, notadamente a inobservância do princípio do concurso público e a prática de atos de improbidade administrativa. O desrespeito às normas que tratam das relações de trabalho pelo setor público traz consequências negativas não Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 103 somente para a relação de trabalho estabelecida entre o Estado e o servidor, sonegando a esse trabalhador direitos inalienáveis, mas também a toda a sociedade, que se vê privada de servidores públicos motivados e capacitados. Quando o próprio Estado é relapso quanto aos direitos de seus cidadãos, especialmente daqueles que trabalham para o próprio Estado, não se pode sequer vislumbrar uma ordem jurídica e social justa, baseada na justiça social e consubstanciada no acesso à justiça. Nesse tocante, são estratégias basilares dos Procuradores do Trabalho, coordenados pela CONAP, o combate à terceirização ilícita na administração pública, a promoção da observância do princípio constitucional do concurso público, a extinção da utilização irregular do trabalho temporário na administração pública e a repressão dos atos de improbidade administrativa, por exemplo. Segundo a Constituição Federal do Brasil/1988 “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, além de competir ao sistema único de saúde “colaborar na proteção ao meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (artigos 200, VIII7 e 225). Além disso, a Carta Magna estabelece expressamente como direito social dos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (artigo 7º, XXII). Tais dispositivos, inclusive os adicionais de insalubridade e periculosidade, expressamente previstos no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 (inciso XXIII), fundamentam, na lição de Gustavo Felipe Barbosa Garcia8, o sistema jurídico de tutela do meio ambiente de trabalho, reconhecido pela Carta da República, em seu artigo 200, VIII, já mencionado. Todos incluídos no importante rol de Direitos Humanos Fundamentais (art. 5º, § 2º, da CF/1988), aspecto também reconhecido no âmbito internacional. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, integra o conjunto de órgãos incumbidos pelo Estado para defesa de um meio ambiente laboral equilibrado, seguro, saudável e hígido (art.129, III, CF; art.6º, VII, “c” e “d”, art.83, III e art. 84, II, todos da Lei Complementar nº 75/93). Em sua atuação, baseia-se o Parquet no conceito de saúde e segurança elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), nas normas da Organização Internacional do Trabalho, na Constituição Federal, na CLT, bem como nas portarias e normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. Justamente para fazer frente à difícil tarefa de tornar o meio ambiente do trabalho equilibrado, garantindo uma qualidade de vida saudável aos obreiros, o Ministério Público do Trabalho aprimorou seus instrumentos de intervenção. Assim foi criada a Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, instituída pela Portaria PGT nº 410, de 14 de outubro de 2003, em harmonia com a nova estrutura da Instituição, substituindo a Comissão Temática Sobre Saúde e Segurança no Trabalho, cuja meta primordial era desenvolver estudos e propor estratégias de atuação na área. A Coordenadoria tem como objetivo primordial a conjugação de esforços para harmonizar as ações desenvolvidas pelo Ministério Público do Trabalho na defesa do meio ambiente laboral, inclusive no que se refere ao relacionamento com outros órgãos e entidades, fornecer apoio técnico-científico, observadas as disponibilidades materiais e de pessoal, e integrar as Unidades de Lotação, visando ao tratamento uniforme e coordenado quanto à temática, com a escolha das estratégias de atuação institucional e das providências para implementar a legislação vigente, conforme disposto no artigo 1º do seu Regimento Interno. 7 Art. 200 CF/88. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (…) VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. 8 Meio Ambiente de Trabalho. Direito, Segurança e Medicina do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Método, 2009. p. 20/19. A Coordenadoria Nacional de Trabalho Portuário e Aquaviário tem como objetivo definir estratégias coordenadas e integradas de política de atuação institucional, em consonância com o princípio da unidade, respeitada a independência funcional, visando à implementação integral da legislação trabalhista relativamente ao trabalho portuário e aquaviário. A preocupação do Ministério Público 104 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 105 do Trabalho reside no trabalho marítimo decente, localizando-se no trabalho em embarcações (shipping), fluviário (inland waterways) e da pesca. São 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) os trabalhadores marítimos, sendo essa uma estimativa baseada em dados fornecidos pela SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho), dividindo-se em: 2 milhões de trabalhadores na pesca (pesca oceânica/industrial e comercial/costeira), 400 mil na construção naval e 100 mil na Marinha Mercante. Esse número pode ser bem maior se observarmos dados não oficiais. É irrefutável que esses trabalhadores estão sujeitos a escalas de trabalho atípicas, com deslocamentos permanentes, privados do convívio familiar. Além disso, não têm acesso à justiça, porquanto em muitos casos as relações laborais não são formalizadas, via assinatura e registro da CTPS, inexistem patamares mínimos de segurança e saúde exigidos pela OIT - Organização Internacional de Trabalho, e a atuação dos Procuradores do Trabalho é bastante limitada, haja vista o caráter itinerante desses trabalhadores. Esses desafios são encarados como incentivos à maior atuação do Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, um dos objetivos estratégicos do Parquet laboral é formar forças-tarefas em determinadas localidades, inclusive com o deslocamento de membros, peritos e servidores para diferentes unidades da Federação, a fim de realizar inspeções sobre as condições dos trabalhadores de atividades aquaviárias. informado sobre ameaças e violações a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. O acesso à justiça, por assim dizer, começa nos sindicatos. A defesa da liberdade sindical, portanto, é encarada pelo Ministério Público do Trabalho como uma fundamental base para o acesso à justiça no Brasil. Nesse âmbito, destaca-se o Projeto 200, que visa estabelecer estratégias de atuação do MPT na promoção de representação dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados, incrementando o entendimento entre empregados e empregadores e constituindo importante mecanismo para a composição e a pacificação dos conflitos trabalhistas, com contribuições essenciais para a melhoria das condições sociais dos trabalhadores de diversos setores da economia. CONCLUSÃO À guisa de conclusão, deve-se reiterar que uma ordem jurídica e social justa, fundamentada na justiça social, baseia-se na defesa das relações de trabalho. As relações de trabalho permeiam praticamente todas as interações dos indivíduos com a sociedade, e nesse contexto devem ser protegidas para se garantir acesso amplo e irrestrito à justiça. A Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical, instituída pela Portaria PGT nº 211, de 28 de maio de 2009, tem o objetivo de garantir a liberdade e a democracia sindical, combater os atos antissindicais, assegurar o direito de greve e buscar a pacificação dos conflitos coletivos trabalhistas. O Ministério Público do Trabalho tem função essencial para o acesso amplo à justiça por parte de toda a sociedade brasileira. A temática laboral e o acesso à justiça são direitos humanos básicos, que devem ser defendidos e ampliados continuamente. A interdependência estrita entre ambos os conceitos, que podem mesmo ser considerados simbióticos, demanda a evolução conjunta de ambos. Reconhece-se que os sindicatos, em muitos casos, são a porta de entrada dos trabalhadores na luta por seus direitos. É nos sindicatos que muitos trabalhadores são informados sobre seus direitos e são amparados por advogados constituídos. É por meio dos sindicatos que, em muitos casos, o Ministério Público do Trabalho é Nota-se que o Ministério Público do Trabalho tem uma postura proativa na busca pela ampliação do acesso à justiça, tanto como órgão interveniente quanto agente. A atuação dos Procuradores do Trabalho não se resume ao acionamento do Poder Judiciário brasileiro, mas engloba também uma ampla gama de ações 106 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 107 extrajudiciais com vista a garantir o direito integral de acesso à justiça a todos os trabalhadores do país. Diferentemente do Judiciário, caracterizado pelo princípio da inércia, o Ministério Público tem como dever a busca efetiva de situações nas quais a ordem jurídica, o regime democrático ou os interesses sociais e individuais indisponíveis estejam sendo violados. O labor dos Procuradores do Trabalho não se resume às quatro paredes dos seus escritórios nem das salas de audiência nem dos plenários dos tribunais trabalhistas. Os membros do Ministério Público devem efetivamente buscar ilícitos que deprimem o processo de formação de uma ordem jurídica e social justa. Para fazer frente ao trabalho hercúleo da defesa dos direitos trabalhistas em uma sociedade forjada historicamente sobre a exploração dos trabalhadores, a ação do Ministério Público do Trabalho deve ser multifocada e multivetorial. Em face das crescentes demandas e responsabilidades, as Coordenadorias Nacionais Temáticas são fundamentais para garantir a ação efetiva, eficiente e coesa dos Procuradores do Trabalho em todo o território nacional contra os principais desafios às relações laborais brasileiras (erradicação do trabalho escravo e degradante; erradicação do trabalho infantil e a proteção do adolescente; combate à discriminação nas relações de trabalho; defesa da saúde do trabalhador e de um meio ambiente de trabalho sadio; combate às fraudes nas relações de trabalho; combate às irregularidades trabalhistas na Administração Pública; promoção da implementação integral da legislação trabalhista relativamente ao trabalho portuário e aquaviário; e promoção da liberdade sindical). REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2010. BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. 2. ed. Ilhéus: Editus, 2007. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e o princípio da igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006. BRITTO PEREIRA, Ricardo José Macedo de (Org.). Ministério Público do Trabalho. Coordenadorias Temáticas. Brasília: ESMPU, 2006. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio Ambiente de Trabalho – Direito, Segurança e Medicina do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Método, 2009. Em suma, a ação do Ministério Público do Trabalho visa a garantir o pleno acesso à justiça no Brasil, especialmente aos indivíduos mais vulneráveis às relações desiguais entre capital e trabalho. Nesse contexto, a defesa dos denominados direitos metaindividuais pelo Ministério Público do Trabalho está fortemente assentada nas ações judiciais e extrajudiciais para a garantia de direitos trabalhistas difusos, coletivos ou individuais homogêneos. 108 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 109 AMIANTO: A CRÔNICA DE UMA TRAGÉDIA EPIDEMIOLÓGICA ANUNCIADA Márcia Cristina Kamei López Aliaga1 INTRODUÇÃO O amianto ou asbesto é o nome que foi comercialmente atribuído ao conjunto de minerais que tem em sua composição o silicato de magnésio. A parte fibrosa desses minerais é conhecida e utilizada desde os primórdios da civilização, quando o homem primitivo o adicionava à argila para confeccionar os primeiros artefatos refratários (resistentes à chama e ao calor) que se tem conhecimento em toda a história da humanidade (GIANNASI, 2005). Suas surpreendentes propriedades físico-químicas de grande resistência mecânica, incombustibilidade, resistência a ataques ácidos, alcalinos e de bactérias, flexibilidade, aliadas ao baixo custo decorrente de sua abundância na natureza, rendeu-lhe a alcunha de “mineral mágico”. A utilização em escala comercial remonta ao início da Revolução Industrial, quando já demonstrava ser o material perfeito para isolar as máquinas a vapor. No Século XX já era possível listar mais de 3.000 produtos que utilizavam o amianto (MENDES, 2001). Atualmente ainda é possível identificar o uso do amianto em diversos produtos: pisos vinílicos, telhas, caixas d´água, divisórias, forros falsos, tubulações, vasos de decoração e para plantio, isolamento 1 Procuradora do Trabalho. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Membro da Comissão Nacional de Gestão Ambiental do Ministério Público do Trabalho. Vice-Gerente do Projeto Nacional de Banimento do Amianto do Ministério Público do Trabalho. 110 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 111 acústico e térmico e outros artefatos de cimento amianto, utilizados especialmente pela indústria da construção civil. Também pode ser empregado na fabricação de lonas e pastilhas de freios, juntas, gaxetas e outros materiais de isolamento e vedação, revestimentos de discos de embreagem, tecidos para vestimentas e acessórios antichama ou calor, tintas, instrumentos de laboratório, além da indústria bélica, aeroespacial, petrolífera, têxtil, de papel e papelão, naval, de fundição, de produção de cloro-soda, entre muitas aplicações industriais. Infelizmente, a larga utilização do amianto veio acompanhada de um histórico de doenças, mortes, tragédias familiares e de um nefasto legado de danos à saúde coletiva, no que vem sendo considerada a maior tragédia sanitária do século XX. Centenas de milhares de pessoas já sucumbiram ou sofrem danos irreparáveis à saúde, em razão de doenças relacionadas à exposição dessa fibra. Cidades inteiras, como Casale Monferrato, na Itália, Córsega na França, Widnes no Reino Unido, enfrentam os efeitos da exposição de sua população a esse mineral, que agora é chamado de “mineral maldito”. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 125 milhões de trabalhadores no mundo estão expostos à fibra. Acreditase que cerca de 107 mil trabalhadores morrem por ano por doenças relacionadas ao amianto: câncer de pulmão, mesotelioma (tumor maligno atribuído à exposição ao amianto, que leva rapidamente a óbito as vítimas diagnosticadas), asbestose (enrijecimento do tecido pulmonar, que leva à falta de ar, podendo matar por asfixia). Estima-se que uma em cada três mortes por câncer ocupacional está associada ao amianto (GIANNASI, 2012). A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde (OMS), considera que não pairam mais dúvidas científicas sobre a carcinogenicidade do amianto/asbesto. EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Desde a Antiguidade eram conhecidos os efeitos maléficos do amianto sobre a saúde humana. Porém, as evidências clinicas e epidemiológicos são catalogadas a partir do início do século XX. Montagne Murray foi o autor do primeiro caso de pneumoconiose por amianto ou asbestose (fibrose pulmonar progressiva e irreversível) bem documentado, envolvendo um trabalhador da indústria têxtil, único sobrevivente de um grupo de 11 colegas, no ano de 1906 (Giannasi, 2005). Em 1935 o patologista britânico Gloyne, alerta para o potencial carcinogênico do amianto. Publicações norte-americanas de Lynch & Smith, nesse mesmo ano, confirmam achados de câncer de pulmão relacionados à exposição ao asbesto (Mendes, 2001). No ano de 1955, o epidemiologista britânico Richard Doll, publicou estudo que estabeleceu definitivamente a associação causal entre exposição ocupacional ao asbesto e câncer de pulmão, demonstrando que a frequência dessa doença em trabalhadores da indústria têxtil que utilizava amianto, por vinte anos ou mais, era dez vezes a esperada para a população geral (Mendes, 2001). Estudos que se desenvolviam a partir da década de 30, sugerindo a relação causal entre exposição ao amianto e o desenvolvimento de tumores de pleura e/ou peritônio extremamente malignos, os mesoteliomas, foram confirmados por Wagner et al. (1960). Em publicação reportando estudo envolvendo 33 casos de mesotelioma, concluiu-se que 32 eram de trabalhadores que haviam laborado em minas de amianto na África do Sul e/ou residido nas proximidades. Desse estudo, veio a importante observação de que o mesotelioma maligno pode se desenvolver mesmo após curtas exposições ou de exposição em baixas doses. Porém, via de regra, surge após longo tempo de latência (Mendes, 2001). Atualmente já há certeza científica de que o período de latência para o desenvolvimento de mesotelioma maligno de pleura e/ 112 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 113 ou peritônio é extremamente longo, de 30 a 35 anos, ou mais. Também existem evidências da aparente não dependência de dose-resposta a estabelecer relação de causalidade entre o amianto e os mesoteliomas (Mendes, 2001). A Occupational Safety & Health Administration – OSHA, órgão estatal norte americano encarregado da saúde e segurança no trabalho considera que, mesmo o Limite Permitido de Exposição (PEL) de 0,1 fibra/cm3 não garante a segurança do trabalhador. Em suma, não há limite seguro de exposição e a doença pode desenvolver-se muito tempo após a exposição à fibra. A “HIPÓTESE DOS ANFIBÓLIOS” Antes de adentrarmos na questão proposta nesse item, necessário esclarecer que fibras de amianto são classificadas em dois grupos: dos afibólios (amosita, crocidolita, antofilita, actinolita e tremolita) e das serpentinas (crisotila). A crisotila, também conhecida como “amianto branco” é a que possui maior interesse comercial, respondendo por mais de 95% da produção mundial (Giannasi, 2005). À medida que os estudos relacionando a exposição ao amianto ao aparecimento de doenças graves avançava, surgiram teses defendendo que estas estariam relacionadas ao tipo de fibra utilizada, ou seja, a periculosidade do amianto estaria circunscrita ao grupo dos anfibólios. Tais estudos possuíam caráter claramente tendencioso, no sentido de isentar o amianto branco (crisotila) dessa relação de causalidade. A hipótese dos anfibólios não se sustentou, havendo clara direção no sentido de tratar da nocividade de todas as fibras de amianto, indistintamente. O CASO BRASILEIRO: PERPETUAÇÃO DO MODELO “DOUBLE STANDARD” A produção do amianto no Brasil foi intensificada na década de 1970, quando o país estava sob o manto do governo militar. Nessa época, já havia conhecimento científico suficiente para concluir-se sobre a nocividade do amianto à saúde da população. Na Europa e nos Estados Unidos, iniciavam-se movimentos pregando o banimento da fibra e as fábricas se preparavam para sua substituição. A solução encontrada por algumas empresas foi abrir novos mercados, em clara transferência de riscos para os países em desenvolvimento ou do denominado, à época, Terceiro Mundo (Castro, et al., 2003). Esse mesmo caminho já havia sido desbravado por outras substâncias, como o DDT, Drins e outros que, proibidos no Hemisfério Norte, encontraram no Brasil campo fértil para estender o período de lucratividade de algumas empresas. Infelizmente, ainda somos o destino de diversas substâncias banidas no mercado internacional, como ocorre em números tipos de agrotóxicos. Tratase da perpetuação do modelo “double standard”: produção limpa nos países desenvolvidos e produção suja nos países em desenvolvimento; transferência de lucros para os países de origem e transferência de riscos para os terceiro mundistas. A teoria que defendia a inocuidade do crisotila, partia da observação de que, em pulmões necropsiados, foi verificada a retenção predominante das fibras de anfibólios. Considerava-se, nesses estudos, que a carcinogenicidade estaria relacionadas ao grau de retenção das fibras nos pulmões (Mendes, 2001). A tese, porém, não resistiu às revisões epidemiológicas empreendidas nos anos que a sucederam. Mesmo em estudos envolvendo exposição ao amianto crisotila apenas, foram detectados casos de mesotelioma maligno de pleura. O Brasil está entre os cinco maiores produtores de amianto no mundo. O ranking é liderado pelo Canadá. Este, curiosamente, não consome a sua larga produção de amianto, exportando cerca de 98% de toda a sua produção. Seria este país motivado a adotar essa conduta, pelo seu conhecido sistema público de saúde? O Brasil, ao contrário, consome cerca de 70% de sua produção (Castro et al., 2003). 114 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Nosso país adotou, na contramão das evidências 115 científicas e da história, legislação restritiva, porém permissiva, do uso controlado do amianto crisotila. Outros tipos de amianto não podem mais ser utilizados. Porém, ignorando todo o alerta da comunidade internacional, dos movimentos sociais, ainda vigora em nosso país a tese do uso controlado do amianto. Estamos atrás dos nosso vizinhos Chile e Argentina, que já baniram o amianto dentro de suas fronteiras, assim como de outros mais de 60 países. A Lei 9055/95, quando aprovada, contava com grande defasagem em relação ao que vinha sendo preconizado nos países desenvolvidos. O uso controlado do amianto, ainda que do tipo crisotila, havia sido tentado, mas fracassou diante da impossibilidade de se prevenir a exposição daqueles que se expunham a ela. Os efeitos maléficos do amianto à saúde em países como França, Itália, Reino Unido, Espanha, entre outros, já ultrapassava os muros das fábricas, atingindo moradores do entorno, mulheres e crianças que tinham contato direto ou indireto com as roupas dos trabalhadores que laboravam em fábricas, trabalhadores da indústria da construção civil, têxteis e de isolantes. Na França, onde o lobby do amianto atuou fortemente, a prorrogação do modelo do uso controlado teve que ceder à pressão popular, que surgiu a partir da notícia de que professores e trabalhadores de uma universidade estavam com asbestose e câncer de pulmão, pois o isolamento da edificação em que trabalhavam era de amianto. Recentemente, o Tribunal de Turim, na Itália, em decisão histórica condenou penalmente o diretor de uma grande multinacional de fibrocimento, pelos danos causados à população de Casale Monferrato. expostos ao amianto ao SUS. Também é ignorado o cumprimento do quanto previsto no Anexo 12, da NR-15, que prevê a necessidade de acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto, mesmo após a demissão, por 30 anos ou mais. O descumprimento dessas obrigações contribui para que as doenças relacionadas ao amianto não sejam identificadas, acompanhadas e registradas pelos serviços de saúde. E também para que as empresas não venham a ser devidamente responsabilizadas. CONCLUSÃO É necessária a urgente revisão da legislação brasileira, que ainda permite a utilização, em tese controlada, do amianto. Considerando que o pico de produção no país ocorreu na década de 1970 e que o período de latência de doenças relacionadas ao amianto é longo, pesquisadores estimam que o pico de adoecimento no país pode estar ocorrendo agora, entre os anos de 2005-2015 (Castro et al, 2003). Atualmente diversos casos de mesotelioma, envolvendo não apenas trabalhadores de fábrica, mas moradores do entorno delas e das minas, já estão sendo identificados (Capitani et al., 1997). O colombiano Gabriel Garcia Márquez em sua obra “Crônica de uma morte anunciada” narra a trajetória da morte do personagem Santiago Nasar, que morre pelas facadas desferidas pelos irmãos Vicário, diante de uma plateia que, mesmo ciente da iminente tragédia, acompanha a trama silenciosa e inerte. Superar essa defasagem temporal, evitar a tragédia que assolou outros países, romper a barreira do silêncio epidemiológico, é medida de cidadania. A Lei 9055/95, sobre a qual paira diversas ações de inconstitucionalidade, além de padecer do vício do atraso desde a sua origem, prevê uma série de obrigações às empresas que utilizam o amianto e ao sistema de saúde que são simplesmente ignorados ou descumpridos, sob o manto de liminares judiciais. É o caso da necessidade de encaminhamento da listagem dos trabalhadores REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 116 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 MENDES, René. Asbesto (amianto) e doença: revisão do conhecimento científico e fundamentação para uma urgente mudança da atual política brasileira sobre a questão. Cadernos de Saúde Pública. 2001; 17 (1): 7-29. 117 CASTRO, H.; GIANNASI, F.; NOVELLO, C. A luta pelo Banimento do amianto nas Américas: uma questão de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva. 2003; 8 (4): 903-911. DE CAPITANI, E.M.; METZE, K.; PRAZATO Jr., C.; ALTEMANI, A. M.A.; ZAMBOM, L.; TORO, I.F.C& BAGATIN, E. Mesotelioma maligno de pleura com associação etiológica ao asbesto: A propósito de três casos clínicos. Revista da Associação Médica Brasileira. 1997, 43: 265-272. “FRAGILIDADE” DA MULHER: SOCIEDADE, TRABALHO E FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA Nathália Eberhardt Ziolkowski1 Marina Belini Morilha2 Quando as mulheres lutaram para sair de seus postos domésticos, ocupados por pré-destinação sócio-cultural, não era pensando em encontrar um cenário de decadentes relações de poder que lhes violassem ainda mais os direitos e que, dia-a-dia, lhes empurrasse ao lugar de subordinação conclamado em um vigente sistema opressor ainda sustentado pelo imaginário social de fragilidade e incompetência das mulheres. Pela perspectiva da equidade, a qual se define no âmbito dos estudos de gênero e defesa dos direitos humanos das mulheres, ocupar os espaços públicos, simbolicamente, faz emergir a idéia de transformação deste espaço, bem como da vida privada. É pensando nessa transformação em ocorrência que o conceito gênero se torna evidente nos estudos que priorizam o olhar para a mulher na sociedade brasileira. Por muito tempo (diríamos até os dias de hoje), ao 1 Socióloga. Mestre em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Especialista em Filosofia e Ensino de Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano - Pólo Campo Grande. Coordenadora do Fórum de Trabalho Decente Mulher (FTD-Mulher). 2 Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia do Trabalho pelo Centro Brasileiro de Estudos Sistêmicos – Curitiba-PR (CBES). Vice-coordenadora do Fórum de Trabalho Decente Mulher (FTD-Mulher). 118 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 119 pensarmos as relações sob a ótica de gênero, observamos o quanto nossa sociedade estrutura-se para edificar as funções sociais do feminino e do masculino. As mulheres sempre são associadas às brincadeiras dentro de casa. Depois de adultas estão associadas às atividades domésticas, o imaginário social sobre as mulheres dá conta de sustentar por muito tempo sua condição social de frágil, de incapaz, de insegura fora do espaço interno, da casa, e isso, por outro lado, contribui para que as mulheres tenham seu caminho traçado pelas instituições sociais, como a família, a escola, as redes sociais etc., dentro de um perfil que materializa o tipo ideal esperado para o ser mulher. Assim estamos sempre aptas a assumir exatamente esses papéis em nossa sociedade, alimentando ainda mais o imaginário que associa tais fatores culturais ao determinismo biológico quando se trata dos papéis masculinos e femininos. 1 A LUTA DAS MULHERES POR AUTONOMIA X RELAÇÕES DE TRABALHO Ainda que as mulheres ocupem tantos espaços e independências nos dias de hoje, essa perspectiva encontra-se arraigada nos pequenos detalhes das relações sociais, a exemplo citase a sobreposição de tarefas. Pouco se questiona ainda sobre o papel dos homens nas atividades domésticas, que permanecem relegando às mulheres como em toda a história, mesmo que elas estejam ocupando postos de trabalho fora do âmbito familiar. Ademais, dar conta do cuidado com o espaço da vida privada aparece muitas vezes, como uma punição ao desejo da mulher em conquistar um emprego e sua independência financeira. As mulheres não podem reclamar de tal sobrecarga de trabalho, pois a sociedade lhes diz constantemente que foram elas que buscaram isso, de modo que, além de buscar fortalecer sua identidade fora de casa, é preciso corresponder ao que se espera de uma mulher para o espaço todo seu, o lar. Teóricas da condição da mulher na sociedade afirmam que, foi a partir da década de 1960 e 1970, que o conceito de gênero, hoje utilizado para problematizar tais relações, ganhava forma diante das transformações sociais. Tendo sido feita uma revisão dos olhares culturais para o papel da mulher na vida pública, por outro lado, dentro de casa, o mesmo não ocorreu em relação aos homens. A problemática que envolve a mulher e o trabalho é apresentada no presente estudo. 120 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Os corpos das mulheres apresentam-se, ao longo da história, em dinâmicas próprias de sociedades em seus contextos peculiares, entretanto, nos revela objeto de dominação e de inscrição das formas hierárquicas que o poder entre os gêneros constitui. No ocidente, as mulheres não tinham história, não eram pensadas do ponto de vista do ser político, tampouco consideradas sujeitos pensantes. Por toda a história, essa realidade se assumia concreta, impedindo as mulheres de evidenciarem-se publicamente no que já desenvolviam, muitas vezes tendo estas que assumirem pseudônimos masculinos para terem reconhecimento social; assim foi com escritoras, escultoras, poetisas, entre outras. Até a década de 1970, segundo Joan Scott (1998), a história das mulheres não era discutida sob a ótica das relações entre homens e mulheres. Posterior a isso, as historiadoras passaram a se questionar sobre o porquê e como as mulheres se tornaram invisíveis na história. Passaram então a repensar a teoria das relações de gênero englobando o sujeito mulher e o sujeito homem. Para Scott são esses questionamentos que dão origem ao conceito de gênero enquanto categoria de análise. Lauretis (1994) aponta que naqueles limiares dos anos 1970 e 1980 as teorizações feministas sobre os gêneros passaram a conceber o sujeito social e as relações de subjetividade sob a forma do sujeito constituído no gênero, não somente pelas diferenças sexuais, mas por outras determinantes como as representações, os discursos, os códigos linguísticos. (LAURETIS; SCOTT apud ZIOLKOWSKI, 2011, págs. 297-298). O homem sempre teve o provimento do lar como tarefa e objetivo de suas vivências. Há quem diga que as mulheres vão para o trabalho fora de casa porque os homens foram convocados para a guerra. Primeira e Segunda Guerras Mundiais aparecem assim, como Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 121 as justificativas para a responsabilidade feminina de ocupar espaços públicos e desempenhar funções nunca antes desempenhadas. Figura emblemática e histórica desse momento é a imagem da norte-americana Geraldine Hoff Doyle que, no período da Segunda Guerra Mundial, modelou para um cartaz que convocava as mulheres ao trabalho que, de origem, era dos soldados em combate. A classe operária, formada por homens, estava na guerra, restava às mulheres assumirem seus postos e a economia do país. O slogan do cartaz dizia “We can do it!”, frase que depois foi apropriada por grupos mulheres organizadas e feministas para reforçar sua capacidade vital de exercer funções relegadas aos homens. Entretanto, acreditar que as mulheres foram empurradas pelo sistema político-econômico para o mercado de trabalho, seria negligenciar uma história de lutas, com derrotas e conquistas, de mulheres que acreditavam ser o trabalho emancipatório, e lutavam para ocupar postos de trabalho em suas cidades. Não foi acidentalmente ou obrigatoriamente que as mulheres se tornaram operárias, empregadas, trabalhadoras, autônomas, tampouco é possível acreditar que, mais uma vez, a história de grandes fatos sociais contadas por grandes homens, pudesse mais uma vez definir a trajetória feminina. Mais tarde, após a Segunda Guerra, feministas como Simone de Beauvoir e Betty Friedan escrevem sobre a mulher e as relações de trabalho que aparecem como condição da emancipação feminina, resultado de reflexões e lutas já travadas por mulheres nesse âmbito. Friedan (1971) revela que um dos problemas da inserção da mulher no mercado de trabalho foi que, mesmo assumindo o espaço público, as características essencializadoras do ser mulher, estavam de tal modo arraigadas na cultura, que faziam parte do cenário que se edificava da mulher x mercado de trabalho. Na década de 1950, conta: 122 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Os decoradores planejavam cozinhas com murais de mosaico e quadros originais, pois a cozinha transformarase no centro da vida feminina. Costurar em casa tornou-se uma indústria milionária. A maioria das mulheres só saía para fazer compras, levar as crianças de um local para outro, ou comparecer a compromissos sociais com o marido. Moças principiavam a educar-se sem jamais ter tido um emprego fora de casa. Em fins da década observou-se um fenômeno sociológico: um terço das mulheres americanas trabalhava, mas a maioria não era jovem e poucas estavam seguindo carreira. Eram geralmente casadas, secretárias ou vendedoras, com empregos de meio expediente, ajudando a pagar os estudos do marido ou dos filhos, ou colaborando na liquidação de uma hipoteca. Um número cada vez menor dedicava-se a trabalho verdadeiramente profissional. A falta de enfermeiras, assistentes sociais e professoras provocou crises em quase todas as cidades americanas. Preocupados com a dianteira da União Soviética na corrida espacial, os cientistas observaram que o maior contingente intelectual em disponibilidade eram as mulheres. Mas estas não estudavam físicas: não era feminino. Uma jovem recusou uma vaga de ciência no John Hopkins para trabalhar no escritório de uma imobiliária. Sua ambição era a de toda jovem americana — casar, ter quatro filhos e viver numa bonita casa, num bairro agradável. (FRIEDAN, 1971, pág 17). Feministas como elas defendiam a independência da mulher através do trabalho, porém, um trabalho desarraigado de valores patriarcais e sexistas. Friedan nas décadas de 1960 e 1970 falava sobre o papel da mulher na indústria, sobre sua função de dona de casa e o que tudo isso implicava para a manutenção do capitalismo e o que este sistema gerava nas mulheres, desespero e depressão. Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (1970) também analisava a concepção de pensadores socialistas sobre as relações de trabalho e os criticava quando acreditavam que a desigualdade entre os gêneros surgia do capitalismo e findaria com a derrocada do sistema. De igual modo é impossível deduzir a opressão da mulher da propriedade privada. Ainda aqui a insuficiência do ponto de vista de Engels é manifesta. Êle compreendeu muito bem que a fraqueza muscular da mulher só se tornou uma inferioridade concreta na sua relação com a ferramenta de bronze e de ferro, mas não viu que os limites de sua capacidade de trabalho não constituíam em si mesmos uma desvantagem concreta Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 123 senão dentro de dada perspectiva. É porque o homem é transcendência e ambição que projeta novas exigências através de toda nova ferramenta. Quando inventou os instrumentos de bronze não se contentou mais com explorar os jardins; quis arrotear e cultivar vastos campos; não foi do bronze em si que jorrou essa vontade. A incapacidade da mulher acarretou-lhe a ruína porque o homem apreendeu-a através de um projeto de enriquecimento e expansão. E esse projeto não basta ainda para explicar por que ela foi oprimida: a divisão do trabalho por sexo poderia ter sido uma associação amigável. Se a relação original do homem com seus semelhantes fosse exclusivamente uma relação de amizade, não se explicaria nenhum tipo de escravização: esse fenômeno é consequência do imperialismo da consciência humana que procura realizar objetivamente sua soberania. Se não houvesse nela a categoria original do Outro, e uma pretensão original ao domínio sobre o Outro, a descoberta da ferramenta de bronze não poderia ter acarretado a opressão da mulher. Engels não explica tampouco o caráter singular dessa opressão. Tentou reduzir a oposição dos sexos a um conflito de classes: fê-lo, aliás, sem grande convicção; a tese não é sustentável. É verdade que a divisão do trabalho por sexo e a opressão que dela resulta evocam, em certos pontos, a divisão por classes, mas não seria possível confundi-las. (BEAUVOIR, 170, págs. 77 e 78) Não importando o sistema sócio-político e econômico vigente, essas autoras demonstram que a opressão feminina, seja no espaço doméstico ou no público, evidencia-se por relações de poder mais profundas. A dominação de um gênero sobre o outro, no caso de nossa história a dominação masculina, se estabelece por desigualdades mais profundas que as geradas pela exploração econômica, ainda que esta traga muitos elementos opressores e de controle dos corpos femininos. A condição mulher no mercado de trabalho vem mostrar isso. Como demonstra a história do Dia Internacional da Mulher - 8 de Março - muito antes da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, as mulheres já lançavam mão de suas pré-destinações sociais para desempenhar atividades laborais. Caracteristicamente capitalista, as produções em massa, as grandes indústrias e as exaustivas jornadas de trabalho eram parte fundamentais de suas revoltas. A data marca a luta de mulheres por melhores condições de trabalho, pela redução da 124 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 jornada de trabalho e pelo fim dos incidentes gerados pelas péssimas condições das indústrias em que mulheres trabalhavam nos Estados Unidos e Europa no final do século XIX e início do século XX. Hoje, inseridas no mercado de trabalho, qualificadas, ocupando altos cargos e posições políticas, as mulheres ainda possuem muitas reivindicações para que sua escolha de desempenhar funções públicas e ocupar postos de emprego seja realmente aceita pela sociedade e garantida pelo Estado. Dentre essas lutas estão a criação de creches e que essas funcionem em períodos integrais, bem como as escolas, o enfrentamento ao tráfico de mulheres e outras formas de exploração do trabalho e violação de seus direitos humanos. 2 TRABALHO E SAÚDE Historicamente a mulher sempre foi colocada em papel secundário na vida política, econômica e social. O aumento da participação da mulher no mercado de trabalho é uma conquista fundamental da luta pela emancipação feminina na sociedade e resultado da alteração de inúmeros fatores econômicos, sociais e culturais, conforme apontamos anteriormente. Esse espaço conquistado por elas ainda precisa ser ampliado e revisto, principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho. Vemos que na sociedade atual inúmeros problemas ligados ao ambiente de trabalho são a causa de sérios danos à saúde das mulheres trabalhadoras. Exemplos disso são: a longa jornada de trabalho; a tensão e a exposição a certos produtos químicos que provocam irregularidades no ciclo menstrual, cólicas mais fortes e até abortamento involuntários; interrupção da amamentação e falta de berçários, creches ou outros locais seguros onde seus filhos possam ficar enquanto labutam; estresse/cobrança; discriminação; manuseio de cargas além do permitido em lei; o assédio sexual e moral, e outros vários, que podem levá-las ao adoecimento, e em casos mais graves, ao afastamento. Falávamos sobre os problemas enfrentados no trabalho Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 125 e o fato de as mulheres se depararem com as responsabilidades de casa. A dupla jornada contribui para a sobrecarga de trabalho e para o agravamento de algumas doenças. Lia Mello de Almeida, Diretora de Mulher da Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar, relata em um artigo sobre “Saúde da Mulher Trabalhadora que mulheres não têm tempo de descanso adequado, dividem-se entre o trabalho, o cuidado com a casa, com os filhos (e ainda precisa ser esposa, dentro dos padrões heteronormativos), ficando mais sujeitas a dores, doenças e vários tipos de sofrimento físico e mental. Estão mais suscetíveis ao estresse, nervosismo, angústia, insônia, problemas na coluna, LER/ DORT (Lesões por esforços repetitivos/doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho), aumento de problemas relacionados à sua saúde sexual e reprodutiva, problemas no relacionamento com a família, e até mesmo com os/as amigos/as. Algumas ainda sofrem a triste realidade da violência doméstica. Segundo estudo realizado pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de 2001 a 2011, conforme gráfico apresentado às folhas 37 da Metal Revista, Revista da força sindical do Paraná3, a Lei Maria da Penha não teve impacto no número de mortes por violência de mulheres, o que nos deixa a dúvida sobre a aplicabilidade da Lei e o preparo de profissionais para lidarem com a violência de gênero. Apesar de terem conquistado seu espaço de trabalho, as mulheres segundo Straub (2005), ainda sofrem distinção de gênero no que diz respeito à remuneração, o que reflete, diretamente, no reconhecimento do seu trabalho, fazendo com que elas tentem se sobressair no espaço de trabalho, e isso muitas vezes acarreta em negligências pessoais, pois, normalmente, pessoas que trabalham muito e em diversos trabalhos têm maior probabilidade de desenvolver problemas de saúde, sentem-se mais estressadas e sem qualidade de vida. Em outro estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), por meio do cruzamento de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) 2009, divulgados em 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2001 a 2009 a proporção de famílias chefiadas por mulheres no Brasil subiu de aproximadamente 27% para 35% do total. São 21.933.180 o número de famílias que identificaram como principal responsável uma mulher no ano de 20094. Uma pesquisa realizada com professores de uma Instituição de Ensino Superior no município de Campina Grande (interior da Paraíba), com o objetivo de avaliar a qualidade de vida desses docentes, foram colhidos os seguintes relatos: [...] a vida profissional ta tomando muito meu espaço, ta ocupando muito, um grande percentual da minha vida, porque assim, foram muitas atividades que foram surgindo e acabou, a, eu acabei querendo abraçar e isso acabou tomando muito meu espaço na vida. [...] eu acho que posso colocar que cinquenta por cento do meu tempo é no trabalho, dividido em vários trabalhos, várias, várias funções que eu exerço [...] [...] que eu gostaria de fazer muitas vezes não dá tempo, tipo, às vezes eu gostaria de sair final da tarde pra fazer uma caminhada, mas eu chego em casa no final da tarde, chego a noite ainda tenho que trabalhar. [...] quando a gente é cheia de obrigação você não tem isso, você já divide hoje é dia de ir pra médico, tem que ir, amanhã é dia de fazer feira, tem que fazer, amanhã é dia que você vai pra sua profissão você tem que ir, então você tem que separar isso muito bem e coordenar muito bem [...] [...] pense num negócio difícil é você ser profissional, mulher, mãe e esposa, agente relacionar tudo isso, precisa ter um jogo de cintura muito grande [...] [...] você conseguir juntar a todas essas quatro atividades da mulher requer uma habilidade de coordenação muito importante [...] Carmen Foro, representante da Marcha das Margaridas, movimento que reúne trabalhadoras rurais no Brasil, disse em entrevista ao Repórter da Agência Brasil, Luciano Nascimento, em 3 METAL REVISTA. Força Sindical do Paraná amplia combate à violência contra a mulher no Estado. Edição Agência Confraria: Julho de 2014. p. 37. 4 D’AGOSTINO, Rosanne. Mulher chefe de família é a que trabalha mais, em casa e no emprego, diz Ipea. Nov. 2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2010/11/11/mulher-chefe-de-familia-e-a-que-trabalha-mais-em-casa-e-noemprego-diz-ipea.htm>. Acesso em: 3 set. 2014. 126 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 127 março de 2013, que “A jornada de trabalho das mulheres do campo costuma começar por volta das 5 horas da manhã e termina em torno da meia-noite. Além do trabalho com os maridos, elas ainda são responsáveis por cuidar das crianças e das atividades domésticas,”. (NASCIMENTO, 2013) Como já abordado anteriormente sabemos que a mulher chegou ao século XXI com diversas conquistas e atrelada a elas várias funções, como a de ser mãe, ser esposa, ser profissional sem deixar de lado o ser mulher. O desenvolver dessas funções exige destas uma capacidade de organização maior do seu tempo para destinar melhor o seu tempo e traçar as suas prioridades (Santos & Soares 2010). A literatura aponta aumento da morbidade psíquica entre as mais diversas populações e, entre as doenças mentais, os Transtornos Mentais Comuns (TMC) vêm se destacando, principalmente entre as mulheres. Os Transtornos Mentais Comuns são caracterizados por sintomas como fadiga, esquecimento, insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração, dores de cabeça e queixas psicossomáticas (Goldberg, 1992). Esses transtornos alteram o funcionamento normal dos indivíduos, prejudicando seu desempenho na vida familiar, social, pessoal e no trabalho. As mulheres têm apresentado consideravelmente mais sintomas de angústia psicológica e desordens depressivas do que os homens (Pinho e Araujo 2012). Os transtornos mais frequentes entre as mulheres são aqueles relacionados aos sintomas de ansiedade, humor depressivo, insônia, anorexia nervosa e sintomas psicofisiológicos; enquanto os homens apresentam maiores taxas de distúrbios de conduta, tais como comportamento antissocial, uso de drogas e abuso de álcool. 3 A ATENÇÃO À TRABALHADORA SAÚDE DA MULHER As práticas institucionais vão engendrando o sofrimento e cronificando patologias nas quais o quesito informação tem um 128 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 importante papel, assim como os tratamentos inadequados que começam quando a doença já está instalada, não só comprometendo a recuperação da saúde, mas agravando o sofrimento psíquico. O processo de adoecimento das mulheres e sua relação com o trabalho (produtivo/reprodutivo) que já era ocultado e tratado como doença de mulheres sem nexo com a organização do trabalho, estarão duplamente agravados pela conjunção da precariedade do emprego com as formas recentes de intensificação do trabalho impostas pelas novas tecnologias e processos produtivos (Hirata, 1997). As queixas de dores e os sintomas de doenças relacionados ao trabalho têm crescido muito nos últimos anos. Os processos de adoecimento têm se tornado mais graves devido a sobrecarga de trabalho que atingem principalmente as mulheres e que, como foi visto, caracterizam-se, principalmente, pela dupla ou tripla jornada de trabalho ou aumento do chamado trabalho informal e em domicílio, pela presença dos serviços terceirizados de asseio e limpeza e pela subcontratação ou contrato por tarefas, sem carteira assinada e sem direitos trabalhistas (como as empregadas domésticas ou diaristas, que fazem “bicos” nos dias de folga ou nos finais de semana; as trabalhadoras domiciliares autônomas ou subcontratadas por indústrias do vestuário, que costuram em casa – as chamadas facção; outras que produzem alimentos, como salgados, bolos e doces; e de inúmeras outras atividades informais que contribuem para a renda e o sustento da família). Quando se desloca a questão das mulheres para pensar os trabalhos não reconhecidos pela sociedade, a questão se torna mais grave quanto à violação de diretos e, consequentemente, agravos na saúde da mulher trabalhadora. O trabalho doméstico por muito tempo esteve relegado ao papel feminino que nunca se desvincula do espaço privado e hoje não houve mudanças sobre isso, mas os direitos trabalhistas dessas profissionais foi relevantemente revisto e vem sendo pautado pela dificuldade de parcelas da sociedade reconhecerem tais direitos e contribuírem para garanti-los. Em se tratando da prostituição, o debate se mostra mais sensível, contando Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 129 com os apelos moralistas que circundam esse trabalho e seu não reconhecimento, implicado na não garantia de qualquer direito. No caso das trabalhadoras do setor formal, as atividades exigem passar muitas horas em posturas imóveis, com movimentos rápidos, precisos e repetitivos, o que produz um grande desgaste do sistema músculo-esquelético. Estão também em ocupações que as deixam mais expostas a compostos químicos, que provocam reações tóxicas, como problemas respiratórios e alergias. Somamse a isso o trabalho em alta velocidade em máquinas, o controle computadorizado, as pressões da chefia e o ritmo intenso. O resultado é que cada vez mais nos deparamos com quadros de sintomas e doenças de Lesão por Esforços Repetitivos, fadiga, depressão, transtornos mentais, problemas gástricos, de surdez, de vista, problemas respiratórios e alergias, além das intoxicações por uso de produtos químicos. Trabalhadoras mais velhas apresentam, em particular, problemas de saúde como artrite e varizes, dores na coluna que podem ser consequência do trabalho que realizaram durante anos. Como observado por profissionais de um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, do ponto de vista da cronicidade das doenças, são as mulheres que trazem os casos mais graves, já que elas demoram mais a procurar o serviço de saúde e para reclamar das condições de trabalho. O resultado disso é a naturalização das causas do adoecimento ou como em muitos casos, sua subestimação e seu desprezo. As mulheres costumam escutar coisas do tipo “isto não é nada”, “logo passa”, “imagine, isso é falta de lavar roupa” ou até, vergonhosamente, “isso é falta de sexo”. Muitas vezes, é mais interessante considerar as mulheres mais fracas e mais “FRÁGEIS”, e qualificá-las como donas de casa como se tal tarefa não fosse o próprio desempenho de um trabalho, excluindo-se, assim, a responsabilidade sobre doenças ocupacionais: A trabalhadora adoece no trabalho, continua trabalhando até o limite por medo de perder o emprego, principalmente quando é chefe de família, nas famílias mais pobres. 130 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Geralmente quando procura o médico na empresa ou no convênio, não há o reconhecimento do nexo da doença com o trabalho. Muitas são demitidas quando voltam de férias, tiradas para tratamento. Aí já está muito doente como foi visto nos casos das portadoras de LER e não encontrando nova ocupação, começam a “fazer bicos” como faxineiras, mas a dor as impede de trabalhar. Na situação de desemprego, sem recolher o INSS, não têm direitos a benefícios. Procuram novamente uma instituição para tratamento ou para ver se conseguem receber algum benefício (CARLOTO, s.d.). Para que uma doença seja reconhecida, para que se resigne a consultar um médico, para que se aceite ir ao hospital, é preciso que a doença tenha atingido uma gravidade tal que ela impeça a continuidade seja da atividade profissional, no caso dos homens, seja nas atividades domésticas e familiares, no caso das mulheres (Dejours, 1987:30). A trabalhadora adoece no trabalho, continua trabalhando até o limite por medo de perder o emprego, principalmente quando é chefe de família, nas famílias mais pobres. Geralmente quando procura o médico na empresa ou no convênio, não há o reconhecimento do nexo da doença com o trabalho. Muitas são demitidas quando voltam de férias, tiradas para tratamento. Aí já está muito doente como foi visto nos casos das portadoras de LER e não encontrando nova ocupação, começam a “fazer bicos” como faxineiras, mas a dor as impede de trabalhar. Na situação de desemprego, sem recolher o INSS, não têm direitos a benefícios. Procuram novamente uma instituição para tratamento ou para ver se conseguem receber algum benefício. Para que uma doença seja reconhecida, para que se resigne a consultar um médico, para que se aceite ir ao hospital, é preciso que a doença tenha atingido uma gravidade tal que ela impeça a continuidade seja da atividade profissional, no caso dos homens, seja nas atividades domésticas e familiares, no caso das mulheres (Dejours, 1987:30). Essas condições agravam ou desencadeiam o sofrimento psíquico. Aparecem a angústia e a ansiedade, o sentimento de impotência e humilhação diante da impossibilidade de trabalhar, pela incapacidade adquirida através do adoecimento. Sentimentos Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 131 gerados não só por não poder sustentar os filhos, mas também pela interrupção de um projeto de vida, no qual o trabalho é elemento fundamental para autonomia. O sofrimento também é potencializado pela ineficácia dos tratamentos, pela falta de conhecimento sobre a doença, já que quase nada é explicado a ela; pelas idas e vindas a consultas, exames, perícias; pela violência e descaso com que são tratadas; por um futuro marcado pela exclusão. É o sofrimento éticopolítico apontado por Sawaia (1999) que resulta de uma violência institucional do Estado para com essas trabalhadoras. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma das principais críticas da teoria de gênero hoje é sobre o determinismo biológico que essencializa característica nos homens e mulheres que, acredita-se serem na verdade construções sociais próprias de uma cultura que define bem os papéis do ser homem e ser mulher. Essas construções sociais são justificadas nos discursos médicos, do corpo biológicos, entre outros. Por exemplo, a delicadeza impregnada no corpo feminino não é uma característica única e de toda mulher, mas dos seres humanos e que muitos homens a assumem também. Por outro lado, justamente por vincular tal característica ao corpo da mulher, homens que legitimam o sistema heteronormativo, independente de sua orientação sexual, tendem a negar delicadezas, sensibilidades e cuidado, na afirmação de sua identidade (dos homens) também repreendida pelas regras que lhes exigem posturas muitas vezes duras de serem cumpridas. O mesmo vale, por exemplo, para a característica da força masculina, ou da virilidade, entre outras, que os colocam sempre como o que se espera deles, “brutos”. Algumas ciências médicas tentam comprovar isso, entretanto, as ciências humanas e as discussões de gênero, trazem elementos que pretendem romper com esse sexismo cultural, dizendo que sim, as mulheres têm essas características, mas não porque elas, as características, são inatas às mulheres, mas parte da existência humana em suas dimensões multiculturais e, na verdade, 132 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 tais características são ensinadas e, por isso, inscritas em corpos femininos com muita mais força que em qualquer outro. Na perspectiva das relações sociais de gênero isso é visto como algumas das construções sobre o corpo feminino e masculino, criadas a partir de relações de poder, pois nem as mulheres são isso, ou somente isso, e nem os homens tem que deixar de serem isso, embora deixem, pois os estigmas questionadores da sexualidade, por exemplo, rondam os meninos que choram desde a vida infantil até a adulta. As mulheres no mercado de trabalho desconstroem essas teorias, pois comprovam que o corpo feminino não é “fragil”, nem destituído de força e coragem, como por muito tempo se pensava que era. Ao contrário disso, vemos que as mulheres que ocupam hoje o mercado de trabalho, são mulheres guerreiras, vencedoras, de personalidade forte, e que assumem muito mais que uma simples responsabilidade de trabalhar. Elas são capazes de superar expectativas e quebrar paradigmas. É claro que, como o sexo masculino, o corpo feminino tem os seus limites, e pode chegar ao adoecimento caso estes não sejam respeitados (por isso a Lei as ampara também como aos demais). Mas é preciso que fique lúcido que a denominada “fragilidade” atribuída ao gênero feminino é completamente descartável diante de tudo que as mulheres são capazes de sonhar, buscar, e realizar. Garantir um ambiente saudável de interação social, a não violação de direitos, repensar outros direitos postos e que não estão inseridos no princípio de equidade, são pontos fundamentais para as mudanças necessárias na vida das mulheres. Colocá-las como protagonistas quando a elas se legisla, quando para suas necessidades se pensam políticas públicas, é projetar ações eficazes e não discriminatórias. Mulheres não precisam de destinos traçados, mas de uma cultura que, assumindo sua dinamicidade, reconheça suas necessidades, vontades e realidades. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 133 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: fatos e mitos. 4. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. CARLOTO, Cassia Maria. Adoecimento no trabalho, as mulheres na categoria de asseio e limpeza. Disponivel em: <http://www.uel.br/revistas/ ssrevista/c_v6n1_cassia.htm>. Acesso em: 5 set. 2014. D’AGOSTINO, Rosanne. 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A evolução dos principais bens jurídicos a serem protegidos no setor sucroalcooleiro - 6. A atuação institucional dos sindicatos e do estado no setor sucroalcooleiro - 6.1. A atuação dos sindicatos - 6.2. A atuação da fiscalização do trabalho e da presidência da república - 6.3. A atuação do ministério público do trabalho - 7. Conclusão. Resumo: Compreender o papel ideal da negociação coletiva e a realidade vivenciada nessas negociações, em especial no setor sucroalcooleiro, reclama um exame da questão sob diversas perspectivas: social, econômica, tecnológica, histórica, política e jurídica. A inexorável conclusão que se extrai é a de que as inconsistências do sistema sindical brasileiro inviabilizam a produção de instrumentos coletivos de trabalho segundo o primado da elevação do patamar de proteção laboral, razão pela qual a discussão em torno da efetiva adoção da liberdade sindical, por meio de uma reforma constitucional que permita a ratificação da Convenção Internacional n. 87 da OIT é condição necessária para o resgate da legitimidade das entidades sindicais e, com isso, viabilizar a produção de negociações coletivas que possam, por um lado, conferir a necessária plasticidade às relações de trabalho e, por outro, 1 Artigo baseado em palestra proferida no 4º Congresso Internacional de Direito do Trabalho promovida pela Academia Brasileira de Direito do Trabalho, denominado “Crise Econômica e Desajustes Sociais: Reinvenção do Direito do Trabalho” em 16/10/2014, sob o título “Reinventando a Negociação Coletiva: Diagnósticos e Proposições”. 2 Procurador do Trabalho da 24ª Região, ex-Juiz do Trabalho da 15ª Região, ex-Auditor Fiscal do Trabalho, Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Aplicados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA, Vice-Coordenador do Núcleo de Usinas da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região, bacharel em Direito e Administração de Empresas, pós-graduado em Administração de Sistemas e de Informações Gerenciais. 136 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 137 efetivamente agregar valor à teia de proteção jurídica e social dos trabalhadores. 1 INTRODUÇÃO Palavras-chave: Negociação coletiva. Sucroalcooleiro. Mecanização. Cana de açúcar. Sistema sindical. Convenção Internacional 87 da OIT. Jornada “in itinere”. Exaustão. Educação. Lazer. Convívio familiar. Ministério Público do Trabalho. Compromisso nacional. Presidência da República. Nito, um importante líder espiritual da nação Guarani sul-mato-grossense, com seu singelo depoimento demonstra que os trabalhadores do corte da cana, em especial os indígenas, nada mais queriam, senão dignidade. Mal sabia Nito que, agora que o trabalho na cana passou a ser digno, eles não seriam mais necessários, não seriam mais úteis. Foram abandonados pelas usinas, pelos sindicatos, por todos. Naquele tempo, ninguém denunciava ninguém. Não é que tinha medo, não tinha conhecimento, [...] Eu acho.. se não me engano... não me lembro que ano que foi... foi várias entidades lá na Debrasa [usina hoje desativada de Brasilândia/MS], onde eu tava trabalhando... Não me lembro mais que ano que foi. Eu sei que foi lá para 92, 93, por aí... E tava exigindo já também a proteção, aquele equipamento de proteção do trabalhador, que não existia também... luva, caneleira, e mais aquele óculos, que não tinha não. No meu tempo, tem pessoal que trabalhava até descalço, trabalhava sem camisa. Aquilo lá, no corte de cana, esse tipo de pano aqui [falou apontando para uma calça brim], não dura nem um dia. Aquele ali [apontando uma calça jeans], se não cuidar dele, em dois dias rasga. E o coturno, aquele que tem ferro na ponta, é uma proteção. Mas antigamente não tinha. Tem semana que o ambulatório lá da empresa não cabia de paciente. Corte de facão... Tem gente que na roça suja de cipó, às vezes enrosca no cipó [o facão], e escapa da mão – lisa quando tá suada... escapa vai lá em cima e cai nas costas ou na cabeça, ou assim mesmo desvia e corta a orelha. E o corte não era fácil, não. Tem gente que perdeu até perna (NITO NELSON, líder da etnia Guarani)3. Nito não sabe, mas como trabalhador, ele e seu povo tinham o direito de ter contado com a defesa sindical e também do Ministério Público, deveriam ter sido lembrados não apenas em ações civis públicas, mas também nas negociações coletivas que os protegessem dos efeitos deletérios da mecanização do corte da cana. Mas porque isso não aconteceu a contento? Tratar de negociações coletivas no setor sucroalcooleiro é tarefa que requer uma compreensão mais ampla, passando pela consideração das implicações históricas, econômicas e tecnológicas inerentes à cultura da cana, bem como reclama uma percepção das características globais do sistema sindical brasileiro. De um modo geral a compreensão da dinâmica do sistema de relações de trabalho implica em investigar e conhecer a interação entre os elementos que compõem a teoria formulada por John Dunlop4: atores, contextos, ideologia e normas. Segundo Dunlop, os atores de um sistema de relações de trabalho compreendem três tipos de hierarquias ou organizações: trabalhadores, administradores e agências governamentais ou privadas. A interação destes atores seria influenciada por três contextos importantes: a tecnologia, os mercados e a distribuição de poder dos atores na sociedade em geral. Nessa linha investigativa, o presente estudo, buscando alcançar uma compreensão focada na questão sucroalcooleira, agrega 3 Memorial da Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul / Maucir Pauletti, organizador. – Campo Grande: Majurá, 2014, pg. 96. Depoimento prestado pelo líder da etnia Guarani, NITO NELSON, no qual descreve as condições de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores indígenas. 4 DUNLOP, John T. Industrial relations systems. Ed. revisada. Boston: HBS Press, [1958] 1993 138 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 139 à teoria de Dunlop outras três dimensões fundamentais: a histórica, a jurídica e a política. O escopo deste texto é, portanto, examinar, sem pretensão de exaurimento, as variáveis pertinentes à dinâmica econômica e social do setor sucroalcooleiro, de modo a permitir que, ante a compreensão do quadro multifatorial ligado ao assunto, sejam abordadas a estratégia e as ações do Ministério Público do Trabalho voltadas à proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores do setor. Após as considerações de natureza analítica, ao final, mais uma vez sem qualquer pretensão de apresentar de soluções absolutas e herméticas, sugere-se uma proposta que se reputa central para garantir que as negociações coletivas passem a cumprir o seu papel. 2 O SETOR SUCROALCOOLEIRO E A HISTÓRIA DO BRASIL A cana de açúcar possui íntima relação com a história do Brasil. Na fase colonial, entre os séculos XVI e XVII, o ciclo da cana de açúcar teve um grande impacto na economia brasileira, pois além de produzir vultosos lucros à Coroa, ajudava a viabilizar a colonização portuguesa no Brasil. Com o intuito de explorar a sua colônia e obter riquezas, os portugueses instalaram engenhos para produzir açúcar no litoral do Brasil e a mão de obra era composta por indígenas e escravos africanos. Tanto na fase colonial, como na fase pós-colonial, porém anterior à regulamentação da prestação de serviços assalariados, não havia, por evidente, qualquer espaço para a negociação coletiva neste setor ou em qualquer outro. 140 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 3 EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E SEU IMPACTO NO AMBIENTE DE TRABALHO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO O setor sucroalcooleiro sofreu grande influência da evolução tecnológica, porém, ainda hoje, embora em escala muito menor, adota-se a queima da cana como ato preparatório para o corte manual. No entanto, principalmente devido a imposições ambientais e mercadológicas, essa prática vem sendo paulatinamente abandonada. Seguindo o exemplo de outras unidades federadas, o estado de São Paulo editou a Lei 11.241/2002 que estabeleceu inicialmente o fim da queima para o ano de 2031, prazo este posteriormente reduzido para o ano de 2017 em razão das condições de natureza social e ambiental impostas pelo mercado externo. O fim da queima da cana implica no fim do corte manual, seja pela baixa produtividade do corte manual da cana verde ou pela maior exposição dos trabalhadores ao ataque de animais peçonhentos, tornando inexorável a mecanização do corte. A mecanização do corte modificou drasticamente a forma de produção no setor, bem como as relações de trabalho nele observadas, com impacto direto sobre o escopo das negociações coletivas. As características do trabalho antes e após a mecanização são extremamente diversas. Enquanto o corte manual exigia um enorme contingente de mão de obra, a mecanização implicou numa aguda redução de pessoal, provocando o chamado desemprego estrutural no segmento. Observa-se que o impacto não foi somente de caráter quantitativo, mas também qualitativo, uma vez que, diversamente da mão de obra braçal de baixíssima qualificação exigida para o corte manual, a operação das máquinas empregadas no corte mecanizado reclama o emprego de mão de obra qualificada e com grau mínimo de escolarização. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 141 Esses fatores produziram efeitos sociais e econômicos difusos, alguns positivos e outros deletérios, pois se de um lado a mecanização elevou a qualidade do emprego, seja sob o aspecto salarial, seja sob o ambiental, por outro lado, deixou uma legião de trabalhadores braçais sem perspectiva de trabalho. Nesse processo, foram especialmente atingidos os trabalhadores analfabetos e os indígenas, pois, a despeito da Lei n. 4.870/65, que instituiu o PAS – Programa de Assistência Social, as usinas, com honrosas exceções, não investiram seriamente na requalificação dos seus empregados, restringindo esse investimento àqueles grupos com escolaridade mínima compatível com a absorção do aprendizado para o manuseio das novas máquinas. Numa perspectiva histórica as mudanças ocorreram numa velocidade frenética, exigindo do movimento sindical um reposicionamento ágil, porém incompatível com a sua capacidade de resposta. Até 2007 um gigantesco contingente de trabalhadores braçais se dedicava a uma atividade degradante capaz de levar muitos trabalhadores à morte por exaustão, fato que deveria mobilizar os sindicatos a voltarem suas atenções para a adoção de cautelas ambientais rígidas e, sobretudo, à restrição ao pagamento por produção. 4 OS ASPECTOS ECONÔMICOS IMPACTANTES NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SETOR Passados quinhentos anos, em certa medida, o Brasil continua fazendo a escolha por uma matriz econômica baseada na monocultura, com a produção de commodities derivadas da cana de açúcar – o açúcar e o álcool. Esta opção macroeconômica expõe o país à sazonalidade dos preços internacionais das commodities, fragilizando as políticas internas de gestão econômica, bem como restringindo a elasticidade negocial na esfera laboral coletiva devido ao receio de estabelecer condições sócio-laborais incompatíveis com momentos de inflexão de preços no mercado internacional. Outra característica marcante do histórico envolvendo a cultura da cana de açúcar no Brasil foi a opção por produção de álcool para fins de abastecimento de veículos – o pró-alcool, o qual se apresenta hoje sob outra roupagem. Tal fato possui aspectos positivos, mas também negativos. A transição do corte manual para o mecanizado, por seu turno, demandou uma interveniência sindical protetiva para àqueles que seriam atingidos pelo desemprego estrutural. A vertente amplamente positiva do uso do álcool como combustível veicular é, evidentemente, a questão ambiental, dado o menor nível de poluição do combustível. Todavia, são os reflexos mercadológicos desta decisão que impactam indiretamente o ambiente negocial trabalhista no segmento, visto que, contribui positivamente a garantia de um mercado consumidor doméstico decorrente da mistura do álcool à gasolina, mitigando as variações na demanda internacional. O estágio atual, que contempla contingente menor de trabalhadores, porém com maior qualificação profissional e patamar de renda, permite aos sindicatos um olhar sobre bens jurídicos até então secundarizados – a educação e o convívio familiar. Por outro lado, considerando o monopólio do refino de petróleo pela Petrobrás, uma empresa estatal, mais uma vez o setor fica com reduzida governabilidade sobre o preço de venda do seu produto. Diante disso, vale questionar: qual foi a efetiva atuação sindical em cada uma dessas fases? Sob outro vértice, a notável evolução tecnológica no setor também produziu importantes repercussões econômicas e sociais. As usinas passaram a ser, por exemplo, importantes fontes de produção de energia elétrica, levando o setor a receber o batismo 142 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 143 de segmento “sucroenergético”. Tal diversificação no portfolio de produtos acaba por minimizar a influência da sazonalidade de preços do açúcar e do álcool. Nesse cenário multifatorial que envolve a atividade sucroalcooleira deve ser considerado, ainda, o elemento climático, uma vez que a cultura da cana de açúcar é fortemente impactada pelas chuvas e estiagens, as quais determinam o início e o final da safra. Num contexto de tal complexidade é fácil compreender o quão intrincada é a tarefa de elaborar um instrumento coletivo de trabalho capaz de contemplar a proteção jurídica, econômica e social do empregado e, ao mesmo tempo, garantir a viabilidade operacional das empresas do segmento. 5 E OS SINDICATOS? É evidente que não há que se falar em negociação coletiva sem falar em sindicatos, não apenas pela imposição constitucional do art. 8º, VI, mas principalmente porque são os sindicatos os atores sociais vocacionados à defesa dos interesses corporativos das classes. Mas nem sempre foi assim. Em termos históricos, não faz muito tempo em que a atuação sindical além de não reconhecida, era tenazmente reprimida pelo Estado, em especial no período da ditadura militar. O reconhecimento dos sindicatos é, portanto, uma conquista relativamente recente no Brasil e ainda se coloca como um objetivo a ser perseguido em países totalitários como a China e o Egito, onde os líderes sindicais continuam sendo perseguidos e exilados nos dias de hoje. 5.1 Inconsistências do sistema sindical brasileiro Como é comum ao movimento sindical em todo o mundo, os governos, de um modo ou de outro, buscam controlar as entidades sindicais de modo a conformar seu inato espírito combativo 144 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 aos limites do razoável segundo os parâmetros dos detentores do poder. Não foi diferente no Brasil. Inicialmente a repressão foi explícita, mas atualmente o controle sobre o sindicato é insidioso, pouco perceptível, mas incrivelmente eficaz. A peculiaridade brasileira foi o fato de que a docilidade do movimento sindical hodierno resultou da articulação, aparentemente vitoriosa, do próprio movimento no bojo da assembleia nacional constituinte de 1988. A Constituição Federal de 1988 consolidou inegáveis conquistas na seara sindical, notadamente no que diz respeito à explícita, porém apenas formal, consagração do princípio da liberdade sindical, mas, por outro lado, por força do lobby do movimento sindical, foram mantidas as estruturas de nítida feição fascista que interessavam ao movimento, notadamente a unicidade sindical, o poder normativo da Justiça do Trabalho, a representação judicial classista e a contribuição sindical obrigatória. O movimento sindical até então acostumado a frequentar os corredores do Ministério do Trabalho, se viu ameaçado com a ideia inicialmente trilhada pelo Constituinte de 1988 voltada para a instituição da plena liberdade sindical, compatível com as diretrizes da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho - OIT. O receio da perda da tutela estatal foi uma das mais fortes razões que levou as lideranças sindicais a pleitearem a manutenção das salvaguardas do modelo pré-constituição de 1988. Mas o preço para a sociedade é muito alto, conforme bem sintetiza o ministro do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, Mauricio Godinho Filho: Todos esses cinco mecanismos autoritários preservados pela Carta de 1988 atuam frontalmente sobre a estrutura e dinâmica sindicais, inviabilizando, de modo ostensivo e rígido, a construção de um padrão democrático de gestão social e trabalhista no Brasil. São aspectos que comprometem a melhor estruturação e funcionamento do Direito Coletivo Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 145 do Trabalho no país5. A unicidade sindical contaminou a ideia de liberdade sindical, reduzindo esse instituto à mera proibição de intervenção estatal, pois acaba por reprimir o direito à livre associação, na medida em que ao trabalhador não é dado o direito de se filiar a outro sindicato senão aquele único que representa a categoria profissional em certo município. Temos, portanto, uma liberdade sindical voltada para os sindicatos e não para os representados. Ocorre que os sindicatos, por mais importante que sejam não constituem um fim em si mesmo. O movimento sindical é, em verdade, um importantíssimo instrumento. Instrumento para a defesa dos interesses dos representados e até mesmo para a construção de um autêntico estado democrático de direito. A combinação de liberdade sindical e unicidade sindical produziu um sistema sindical que progressivamente se afastou da base dos trabalhadores, degradando de modo insanável a legitimidade das entidades sindicais ao ponto de lhes subtrair o único instrumento que confere força às representações classistas laborais – o poder de mobilização. Com raras e honrosas exceções, temos atualmente sindicados totalmente incapazes de mobilizar seus representados por absoluta falta de legitimidade. Essa insólita realidade explica o baixíssimo índice de filiação sindical brasileiro, pois buscando evitar a alternância no poder do sindicato único, as lideranças sindicais reduzem ao máximo o número de filiados a fim de limitar o universo de trabalhadores votantes. Entretanto, essa estratégia se mostra eficaz para a perpetuação no poder, mas nefasta para a saúde do sistema sindical. O legislador constituinte derivado buscou, com a Emenda Constitucional n. 45/2004, corrigir as contradições da carta magna ao acabar com a representação classista na Justiça do Trabalho 5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 126. 146 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 e ao mitigar o poder normativo desse ramo do Poder Judiciário. Entretanto, ao não abolir a unicidade sindical e a compulsoriedade da contribuição sindical, a situação ficou ainda mais grave, uma vez que, ao instituir a condição especial da ação correspondente ao “comum acordo” (art. 114, § 2º da CF/88) para a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica, o constituinte derivado não deixou outra opção aos sindicatos senão o exercício do direito de greve no caso de intransigência patronal em levar avante a negociação coletiva. Mas como fazer isso com sindicatos fracos, sem qualquer poder de mobilização? É esse, pois, o sistema sindical que temos. 5.2 Peculiaridades do setor sucroalcooleiro Associado às graves inconsistências do modelo sindical brasileiro há peculiaridades do setor sucroalcooleiro que dificultam ainda mais a eficácia e eficiência da negociação coletiva de trabalho. Fugindo do padrão celetista de representatividade sindical dada pela atividade preponderante, o setor sucroalcooleiro possui uma intrincada divisão da sua base, contemplando o sindicato de trabalhadores rurais, o de trabalhadores na indústria, o de motoristas e, em algumas situações, o sindicato dos movimentadores de mercadorias. Essa multiplicidade sindical denota não apenas a complexidade para entabular negociações coletivas no segmento, mas leva, também, à fragilização das representações sindicais decorrentes da fragmentação da base. Mas não é somente isso. Há, ainda, contradições intrínsecas nos sindicatos de trabalhadores rurais e no sindicato de movimentadores de mercadoria. O sindicato dos movimentadores de mercadoria, cuja atividade vem regulada pela Lei n. 12.023/2009, atua fundamentalmente Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 147 na intermediação de mão de obra daqueles que constitucionalmente deveria representar, fato que coloca no primeiro plano os aspectos comerciais dessa intermediação, ficando secundarizado o interesse em garantir melhores condições de trabalho aos movimentadores de mercadoria, o que prejudica sensivelmente a negociação coletiva com essa categoria de trabalhadores. O sindicato de trabalhadores rurais, por sua vez, sofre uma séria crise, na medida em que, na maioria das vezes, representa trabalhadores rurais assalariados e trabalhadores assentados em pequenos lotes distribuídos na política fundiária de reforma agrária. Ocorre que esses trabalhadores assentados, que geralmente ocupam a diretoria dos sindicatos, são na verdade pequenos empregadores rurais que, além de empregar trabalhadores rurais assalariados, eventualmente fornecem cana às usinas. O caráter eclético dos sindicatos de trabalhadores rurais, que tenta encontrar sua verdadeira identidade ante a contradição dos interesses das categorias que representa, constitui um fator que inviabiliza a elaboração de negociação coletiva tendente a garantir melhores condições de trabalho aos trabalhadores rurais assalariados. Nesse sentido a redação dada pelo Tribunal Superior do Trabalho à Orientação Jurisprudencial n. 419 da Sessão de Dissídios Individuais n. 1, acabou por adicionar mais um ingrediente que dificulta a produção de negociações coletivas atentas à finalidade de elevação do patamar de proteção dos trabalhadores. O referido verbete, ao estabelecer a representação do sindicato dos trabalhadores rurais para os empregados que exercem suas atividades em empresa agroindustrial, aí incluídas as usinas de açúcar e álcool, atribuiu a representação para um segmento sindical perplexo com a tentativa de defesa de interesses inconciliáveis. Além disso, o entendimento do C. TST acabou ignorando a evidência de que o segmento, a despeito de ser composto por empresa agroindustrial, possui um viés industrial cada vez mais marcante em razão do processo de mecanização no corte de cana. 148 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 5.3 A evolução dos principais bens jurídicos a serem protegidos no setor sucroalcooleiro A despeito deste cenário adverso no sistema sindical, o desafio de garantir condições dignas de trabalho persiste. Conforme já referido, o setor sucroalcooleiro, que tem sua gênese ligada à exploração do trabalho escravo, evoluiu ao ponto de hoje contar com o emprego de tecnologia de ponta desde o corte, até o processamento final da cana e a produção do açúcar, do álcool e da energia elétrica. Essa impressionante evolução tecnológica produziu, evidentemente forte repercussão no modo de produção e no perfil da mão de obra do segmento. Antes a esmagadora maioria dos trabalhadores se ativava no campo cortando manualmente a cana de açúcar, hoje a maior parte opera máquinas, seja no campo, seja na indústria. Portanto, se antes a mão de obra era composta por trabalhadores de baixa escolaridade e com capacidade física necessária para dar cabo do corte de toneladas de cana ao dia, hoje eles são qualificados e com nível educacional mais elevado. Com essa mudança de contexto, mudou o alvo da proteção laboral. Até a tecnologia dominar o cenário, o bem jurídico que deveria ser protegido era a própria vida dos trabalhadores, em especial dos cortadores de cana. Isso porque a combinação de extenuante trabalho braçal com pagamento por produção levava os trabalhadores à exaustão, expondo-os ao risco de morte. A transição foi seletiva, abrindo a oportunidade de emprego de melhor qualidade para aqueles mais jovens e com melhor capacidade de assimilar o conhecimento necessário para o domínio das máquinas que chegavam, mas submetendo ao desemprego puro e simples justamente o contingente mais vulnerável – os mais velhos e sem qualquer escolaridade. Estabilizada a transição para o corte mecanizado, o novo Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 149 perfil de mão de obra no setor trouxe uma natural elevação no nível salarial, bem como um aumento no grau de exigência de qualidade de vida. Os trabalhadores, agora com nível de escolarização mais elevado, passaram a pleitear planos de saúde, participação nos resultados e outros benefícios voltados à proteção de outros bens jurídicos, tais como acesso à educação e garantia do convívio familiar. Tais reinvindicações se mostravam incompatíveis com a realidade vivenciada pelos cortadores de cana, os quais, geralmente migrantes de outras regiões do país, dispensavam pouca importância à educação e sequer possuíam familiares no local de prestação de serviços, razão pela qual não reclamavam por mais tempo em casa. 6 A ATUAÇÃO INSTITUCIONAL DOS SINDICATOS E DO ESTADO NO SETOR SUCROALCOOLEIRO Dada a relevância econômica e social do setor sucroalcooleiro, além da atuação sindical e de organizações da sociedade civil, este setor sempre foi e continua a ser objeto de atenção de diversas instituições públicas, com destaque para o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e até mesmo da Presidência da República. 6.1 A atuação dos sindicatos A atuação dos sindicatos no setor, fortemente afetada pela debilidade do sistema sindical em geral e também pelas vicissitudes próprias do segmento, mostrou-se muito menos incisiva do que poderia e deveria ser. A histórica greve dos trabalhadores rurais realizada em Guariba-SP no ano de 1984, bem retrata a falta de proatividade do sistema sindical. 150 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Paulo Mancini, em recente publicação6, relata com notável percepção social esse marco na história pela luta por melhores condições de trabalho no setor sucroalcooleiro brasileiro: A Greve de Guariba: No segunda metade da década de 70 do século passado, membros da Igreja Católica da CPT – Comissão Pastoral da Terra – do Estado de São Paulo, sensíveis à situação dos trabalhadores do corte da cana, começaram a procurar estes migrantes em seus alojamentos e na sua caminhada para o trabalho, para com eles celebrar o evangelho e neles reconhecer a dignidade humana que era negada no seu trabalho. [...] Alguns chamam de “Levante de Guariba”, outros preferem mesmo “Greve de Guariba”, mas há mesmo aqueles – como o Deputado Federal Newton Lima – que a tratam como o “Massacre em Guariba”. Todas denominações tem sua pertinência. [...] Já sufocados pelas péssimas condições de trabalho acima referidas, as primeiras a se rebelarem e resolverem paralisar o corte da cana e saírem em protesto foram as mulheres, que além do trabalho estafante no campo, tinham que cuidar da casa e dos filhos. Quando a greve estourou não havia sindicatos, políticos ou outras lideranças na sua organização. Por isso, na época, foi por muitos chamada de espontânea. [...] Trabalhadores rurais foram perseguidos apanhados e surrados dentro de suas próprias casas, no interior de estabelecimentos comerciais. Vários foram atingidos por tiros. [...] Mas a paralisação, a revolta e o massacre, não foram em vão. Apenas dois dias após a repressão policial, foi firmado no 6 MANCINI, Paulo. Guariba – 30 anos da greve que mudou a vida dos ‘bóais-fria’ no Brasil. EcoDebate Cidadania & Meio Ambiente. Publicado em 21/08/2014. Disponível em: <http:// www.ecodebate.com.br/2014/08/21/guariba-30-anos-da-greve-que-mudou-a-vida-dos-boias-fria-no-brasil-por-paulo-mancini/>. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 151 Sindicato Rural de Jaboticabal o famoso Acordo de Guariba usinas. Para onde eles foram? [...] Recentes denúncias recebidas pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, já apuradas e confirmadas pelas polícias brasileira e paraguaia, revelam que esses índios, chamados “órfãos da cana”, quando devolvidos às superlotadas aldeias, passaram a ser traficados para o Paraguai, onde trabalham na cultura da maconha em regime análogo à escravidão. Trata-se de uma silenciosa tragédia humanitária. Em breve em todos os rincões brasileiros nossos trabalhadores rurais citavam o Acordo de Guariba reivindicavam para si aqueles direitos... A emblemática greve de Guariba, ao mesmo tempo em que expõe a alienação sindical, demonstra também a força da mobilização popular, denotando a crucial importância de se resgatar o sistema sindical. Nesse vácuo deixado pelos sindicatos, a greve que fixou o divisor de águas no segmento teve como elemento essencial o esclarecimento oportunizado por organizações religiosas, quando se esperaria que fosse fruto de debates no seio do sindicato. Ao longo da grande fase na qual o segmento adotou o corte manual, as convenções e acordos coletivos de trabalho, com raras exceções, centrava-se na negociação do preço da cana, mantendo, portanto, o pagamento por produção. Hoje, com a mecanização, a postura sindical não mudou, continuam, lamentavelmente, colocando-se como instrumento patronal para a negação dos direitos dos trabalhadores. Embora constem de negociações coletivas cláusulas versando, por exemplo, sobre planos de saúde e participação nos resultados, cabe observar que este avanço não deriva da desejável proatividade sindical, mas resulta da necessidade patronal de atrair mão de obra especializada para trabalhar em locais ermos, num cenário que se aproxima do pleno emprego. Contudo, manter o pagamento por produção significava não enfrentar o grande problema da época – o risco de morte por exaustão. Como referido, o atual perfil dos trabalhadores reclama proteção a outros bens jurídicos, tais como acesso à educação, ao lazer e ao convívio familiar. Todos eles de difícil conciliação com o fato de que os locais de trabalho distam quilômetros das suas residências. Os sindicatos, ao invés de buscarem a fixação de outras formas de pagamento, acabaram por reproduzir a lógica do lucro baseada na maximização da exploração física do trabalhador. No presente a maior parte dos trabalhadores não é mais migrante, eles moram nos centros urbanos e trabalham no campo, seja na indústria ou na lavoura. Na transição do corte manual para o mecanizado, a ausência sindical foi ainda mais sentida. Neste momento, no qual uma legião de trabalhadores perdia seu emprego para as máquinas, cabia aos sindicatos exigir que as usinas implementassem medidas compensatórias e de reinserção desses trabalhadores no mercado de trabalho, mas o enfrentamento sindical nunca veio. Essa realidade traz para a linha de frente do debate o tempo gasto no transporte de casa para o trabalho e do trabalho para casa, a chamada jornada “in itinere”. Quanto maior a jornada “in itinere”, menor o tempo para estudar, para descansar e para estar com a família. A situação dos indígenas sul-mato-grossenses bem retrata essa triste situação. Até a mecanização, cerca de trinta mil índios trabalhavam no corte de cana, hoje não se vê mais índios nas O instituto da jornada “in itinere” foi positivado pela Lei n. 10.243/2001, a qual introduziu o § 2º no art. 58 da CLT. Posteriormente, no bojo da Lei Complementar n. 123, que instituiu o estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte, 152 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 153 adveio a possibilidade de transação coletiva do direito à jornada “in itinere” para micro e pequenas empresas, conforme passou a gizar o § 3º do referido art. 58 da CLT, verbis: Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. [...] § 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. § 3o Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração. Ocorre que, a despeito das usinas de açúcar e álcool constituírem megaempresas, muitas delas transnacionais, o Poder Judiciário trabalhista acabou, numa interpretação flagrantemente “contra legem”, admitindo que também empresas de grande porte pudessem transacionar coletivamente o direito da jornada “in itinere”. Dado o nível de alienação do sistema sindical, o resultado não poderia ser outro. Os sindicatos passaram a subscrever convenções e acordos que simplesmente renunciavam o direito ao computo da jornada de percurso. Este fato levou o Tribunal Superior do Trabalho a rever sua posição inicial, para estabelecer que a renúncia ou a transação flagrantemente desproporcional não seriam válidas. A realidade, porém, é que os direitos fundamentais à educação, ao lazer e ao convívio familiar, vêm sendo sacrificados ou restringidos com base em negociações coletivas que transacionam o direito legislado que, se observado, levaria as usinas a racionalizar o transporte dos seus trabalhadores. que nas lides trabalhistas, nas quais os trabalhadores pleiteiam o pagamento tardio das horas “in itinere”, invariavelmente as usinas acostam instrumentos coletivos para, com base neles, buscar o julgamento de improcedência do pedido. Quando o empregador passa a utilizar os instrumentos coletivos na sua defesa, resta claro que algo está errado, muito errado. 6.2 A atuação da fiscalização do trabalho e da Presidência da República A importância do setor sucroalcooleiro levou a Presidência da República do Brasil, por sua Secretaria-Geral, a buscar meios de garantir condições dignas de trabalho no segmento. Conforme publicado no sítio da presidência da república, o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar foi firmado pelo governo federal e entidades de trabalhadores e de empresários do setor sucroenergético em 25 de junho de 2009. O Compromisso é resultado de uma experiência inédita, no Brasil, de diálogo e negociação nacional tripartite para enfrentar o desafio de melhorar as condições de vida e trabalho no cultivo manual da cana-de-açúcar. A elogiável, porém atípica, atuação da presidência da república, que ora vem sendo repetida no setor da construção civil, demonstra de forma inequívoca a letargia que abateu o sistema sindical brasileiro. A Fiscalização do Trabalho, por sua vez, traduz instituição fundamental para a defesa dos direitos dos trabalhadores e, especificamente no setor sucroalcooleiro, sempre desempenhou papel determinante para corrigir ou atenuar as agressões aos direitos humanos dos trabalhadores em momentos patológicos da relação capital-trabalho. Todavia, por ser estranha à atuação da polícia administrativa, a Fiscalização não possui instrumentos para corrigir a causa eficiente do problema – a falta de atuação sindical. Um claro sintoma dessa insólita situação é o fato de 154 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 155 6.3 A atuação do Ministério Público do Trabalho PAS – Programa de Assistência Social. A Constituição de 1988 reservou ao Ministério Público não apenas a missão de fiscalizar a ordem jurídica, mas também confiou ao Parquet a defesa dos direitos fundamentais da sociedade e, para tanto, aflora a chamada função promocional do Ministério Público, segundo a qual ele deve, na condição de articulador social em prol da cidadania, tomar as medidas necessárias para levar os atores sociais e governamentais a concretizarem os valores e os objetivos traçados pelo Constituinte. No entanto, numa demonstração de absoluto descompromisso com o ser humano, as usinas pressionaram o governo federal e conseguiram, por meio do art. 38 da Lei n. 12.865/2013, a revogação do PAS. Pois bem, ciente da complexa realidade do setor sucroalcooleiro, bem como da interação das variáveis sociais, políticas e econômicas do segmento, buscando garantir a efetiva proteção aos direitos fundamentais trabalhistas, o Ministério Público do Trabalho trilhou duas estratégias paralelas: a primeira e mais importante, voltada para a articulação social e outra, subsidiária, de enfrentamento judicial direto das questões fundamentais e inadiáveis à defesa dos trabalhadores. Na fase na qual o corte manual era a regra do setor, o Ministério Público do Trabalho, sem prejuízo de buscar garantir a satisfação das condições ambientais laborais dignas, atuou fundamentalmente na defesa da vida dos trabalhadores por meio de ações civis públicas veiculando o pedido para a vedação do pagamento por produção. Durante a transição do corte manual para o mecanizado, o Ministério Público do Trabalho e também o Ministério Público Federal, ajuizaram dezenas de ações civis públicas exigindo que as usinas implementassem programas de educação básica e de requalificação profissional para garantir a recolocação dos cortadores de cana que perderiam seus empregos em razão da reestruturação tecnológica no setor. Essa verdadeira violência legislativa que contou, infelizmente, com o silêncio eloquente do movimento sindical, inviabilizou as demandas ministeriais e condenou milhares de exempregados braçais das usinas à indigência. Superada a fase do corte manual, mais uma vez referindo à experiência sul-mato-grossense, a atuação articulada com o movimento sindical passou a ser a prioridade ministerial. Buscou-se, com relativo sucesso, estimular os sindicatos do setor a formularem negociações coletivas que visassem a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores, com ênfase na defesa aos direitos fundamentais de acesso à educação, ao lazer e ao convívio familiar, bastando para tanto que não mais transacionassem coletivamente o direito à jornada “in itinere”. O exemplo do Mato Grosso do Sul, serviu, por um lado, para demonstrar o quão eficaz e produtiva é a atuação institucional conjunta do movimento sindical e do Ministério Público, mas, por outro, para comprovar que enquanto as inconsistências estruturais do sistema sindical não forem resolvidas, tais atuações serão sempre efêmeras. Paralelamente, quando frustrada ou insuficiente a tentativa de articulação com os sindicatos de trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho vem manejando ações coletivas visando a garantia, em juízo, de tais direitos. Trata-se de um debate ainda em aberto. Esse enfrentamento se deu com base no disposto no art. 7º, XXVII da Constituição, que anuncia a proteção legal do trabalho em face da automação e, também na Lei n. 4.870/65, que instituiu o 156 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 157 7 CONCLUSÃO É inegável a relevância da negociação coletiva para o sistema jurídico-laboral brasileiro, pois é por meio dela que se torna possível conferir a necessária plasticidade às relações de trabalho. Igualmente irrefutável é a conclusão de que os sindicatos, em especial os laborais, são essenciais para viabilizar negociações coletivas que, em regra, promovam a elevação do patamar de proteção dos trabalhadores. Forçoso reconhecer, também, que o aparelho protetivo do Estado envolvido nas relações de trabalho é insuficiente para, com eficiência, garantir a concretização da defesa dos direitos fundamentais trabalhistas. Neste contexto desponta a fundamentalidade do sistema sindical para a construção de um estado democrático de direito que possa, efetivamente, produzir a redução das desigualdades sociais e contribuir definitivamente para a construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária. É inadiável, pois, a retomada da discussão em torno da reforma do sistema sindical brasileiro, debate este que passa por uma necessária reforma constitucional que corrija as distorções e contradições que inviabilizam a ratificação, pelo Brasil, da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho. A implementação não apenas formal, mas principalmente material, do princípio da liberdade sindical é condição necessária para que possa haver negociações coletivas que cumpram efetivamente sua missão de melhoria das condições de trabalho. Enquanto o amadurecimento das instâncias políticas brasileiras não chega ao ponto de pautar essa importantíssima matéria, cabe ao Ministério Público do Trabalho, com vistas à preservação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, lançar mão das ferramentas a ele conferidas pela Constituição para mitigar os efeitos das distorções do sistema sindical brasileiro. 158 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Guia de atuação GUIA DE ATUAÇÃO MINISTERIAL ENCERRAMENTO DOS LIXÕES E A INCLUSÃO SOCIAL E PRODUTIVA DAS CATADORAS E CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS Conselho Nacional do Ministério Público Rodrigo Janot Monteiro de Barros - Presidente Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais GT 5 – Pessoas em Situação de Rua, Catadores de Materiais Recicláveis, Pessoas Desaparecidas e Submetidas ao Tráfico Conselho Nacional do Ministério Público Guia de Atuação Ministerial: Encerramento dos lixões e inclusão social e produtiva de catadoras e catadores de materiais recicláveis / Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília : CNMP, 2014. Coleção: Guia de Atuação Ministerial e Ação Nacional em defesa dos Direitos Fundamentais. 1. Ação Nacional e Defesa dos Direitos Fundamentais. 2. Lei 12.305/2010. 3. Política Nacional de Resíduos Sólidos. 4. Carvalho, Margaret Matos de. 5. Rezende, Simone Beatriz de Assis. 6. Costa, Alzira Melo. 7. Dória, Marcela Monteiro. 8. Santos, Saint-Clair Honorato. 9. Comissão de Direitos Fundamentais – CNMP. I. Brasil. Conselho Nacional do Ministério Público. 1 INTRODUÇÃO Diversas têm sido as discussões em torno do prazo previsto na lei 12.305/2010 de encerramento dos lixões, em vias de se esgotar (3/8/2014) e com intensa mobilização dos prefeitos com o objetivo de postergar o cumprimento da lei. O presente GUIA enfrenta o desafio de apresentar Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 161 subsídios de atuação aos membros do Ministério Público Brasileiro para enfrentamento do problema, além de fundamentar a constitucionalidade e a legalidade da gestão compartilhada de resíduos sólidos recicláveis entre Municípios e associações e cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis, com dispensa do processo licitatório e, mais, como obrigação do poder público de contratar e remunerar os serviços prestados, responsável que é pela fiel observância dos preceitos legais. Os serviços de limpeza pública, dentre os quais se destacam os serviços de coleta do lixo, são extremamente dispendiosos aos cofres públicos, em especial quando tais serviços são terceirizados. Poucas são as empresas prestadoras de serviços de coleta que hoje atuam no mercado, de sorte que se pode falar em um “quase monopólio” da atividade. As grandes empresas quase sempre são vencedoras dos processos de licitação e as de pequeno porte nem sonham em vencer a concorrência quando se trata da coleta do lixo em grandes capitais, municípios de grande e médio porte ou regiões metropolitanas. Em razão do prazo previsto na Lei 12.305/2010 que prevê o encerramento dos lixões até 03/08/2014 e dos dados estatísticos disponibilizados pelo Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que indica que o Brasil conta ainda com mais de 2.906 lixões espalhados em mais de 2.810 Municípios, encontramonos em uma situação de emergência. Segundo o documento do Ipea, a região Nordeste abriga o maior número de municípios com lixões: é 1.598, o equivalente a 89% do total de cidades da região. Sobre a coleta seletiva de materiais reciclados, o Ipea afirma que em 2008 o número de cidades com programas de coleta seletiva passou a ser 994 - ou seja, apenas 18% dos municípios brasileiros. A maioria está localizada no Sul e Sudeste do país. Tal situação exige pronta resposta do Ministério Público Brasileiro, guardião da lei e defensor da sociedade, pois, como fiscal da lei, deverá exigir dos Municípios, não apenas o encerramento dos lixões - incluindo aterros controlados, pois tecnicamente devem ser considerados “lixões” - mas também deverá garantir que o 162 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 encerramento dos lixões se dê concomitantemente com a inclusão social e produtiva dos catadores e catadoras de materiais recicláveis, segundo estabelece o artigo 15, inciso V e artigo 17, inciso V da referida Lei 12.305/2010. Cabe registrar que a atuação ministerial deve ser sempre no sentido de preservar e dignificar a atividade do catador de material reciclável, garantindo que possam permanecer realizando a mesma atividade, porém, organizados coletivamente e com segurança e dignidade. Nesse intuito está o presente Guia, que se propõe a servir como arcabouço, teórico e prático, para atuação dos membros do Ministério Público nessa seara. 2 ARCABOUÇO LEGAL 2.1 Política Nacional de Resíduos Sólidos A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) é definida pelo conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações adotadas pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Segundo disposto no artigo 3º, inciso XI, da Lei 12.305/10, a gestão integrada é um “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”. Importante consignar que o artigo 9º, caput, da Lei 12.305/2010 estabelece uma regra da ordem de prioridade na gestão, segundo a qual se deve primar, em primeiro lugar, pela não geração de resíduos, seguida da redução, reutilização e reciclagem, depois para o tratamento dos resíduos sólidos e, por fim, a disposição final Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 163 adequada dos rejeitos. Além dos princípios da precaução e da prevenção estabelecidos pela Lei supracitada, interessa-nos seja dada muita atenção aos seguintes: Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VII - a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; XI - a razoabilidade e a proporcionalidade. (Grifo nosso) Nesse sentido, indiscutível, pois, que a Política Nacional dos Resíduos Sólidos tenha alcance para além do âmbito ambiental, abrangendo também o social, o cultural, o econômico, o tecnológico e o de saúde pública. O resíduo deve ser visto como um bem capaz de gerar trabalho e renda e de promover a cidadania, segundo o princípio da visão sistêmica, o qual impõe às pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas geradoras de resíduo sólido o respeito e a observância dos valores sociais e da dignidade da pessoa humana. Tratando-se da gestão integrada e compartilhada para o gerenciamento dos resíduos sólidos, conforme prevê a legislação, é de se concluir que os Municípios estão obrigados a promover a contratação das associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, em todas as etapas da gestão. Segundo o art. 7º da Lei n.º 12.305/2010, são também objetivos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos: Art. 7º São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: VII - gestão integrada de resíduos sólidos; 164 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos; XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; Para que sejam cumpridos esses objetivos, o Município deve promover não apenas ações assistencialistas e pontuais de apoio às associações e cooperativas de catadores, mas essencialmente integrá-las, efetivamente, na gestão compartilhada, o que somente será alcançado quando as organizações de catadores estiverem dotadas de todos os recursos materiais e humanos necessários, os quais são de responsabilidade do Município garantir. A integração a que se refere o inciso XII do artigo 7º da Lei 12.305/10 compreende, também, a contratação e remuneração do trabalho, conforme permissivo expresso - com dispensa de licitação do inciso XXVII do artigo 24 da Lei 8.666/93. É garantir a participação das associações e cooperativas em todo o processo e etapas da gestão. Não apenas na coleta, ou em galpões de triagem. Mas integrandoos e repartindo a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos (artigo 6º, inciso III, da Lei 12.305/2010). Ou seja, também devem ser inseridas as cooperativas e associações de catadoras e catadores de materiais recicláveis no tratamento final, quando, então, será possível agregar valor ao resíduo coletado, seja mediante a transformação primária ou secundária dos materiais resultantes da coleta e triagem. É, por assim, dizer, o fechamento do ciclo, com a certeza de, não apenas se garantir a viabilidade econômica das associações e cooperativas, como ao próprio sistema de gestão integrada e compartilhada dos resíduos sólidos. As vantagens são inúmeras: elevação da renda dos catadores e, por decorrência lógica, incremento do comércio local, onde os catadores passam a consumir mais e melhor; erradicação do trabalho infantil diante da elevação da condição socioeconômica das famílias; melhora nos índices da coleta seletiva, da reciclagem e da reutilização bem ainda da compostagem; valorização da educação ambiental como instrumento de efetivação da PNRS, preservação Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 165 ambiental, preservação dos mananciais e lençóis freáticos, redução de gastos de recursos públicos, dentre outros a serem considerados. O financiamento de cooperativas de catadores é objetivo expresso no inciso VIII do artigo 7º, reafirmado no inciso III do artigo 42, da Lei 12.305/2010. Assim, não há o menor respaldo legal ao município que se esquiva de garantir às cooperativas e associações de catadores não apenas a remuneração pelo trabalho, mas também toda a infraestrutura necessária, dotada de equipamentos, e que sejam de qualidade. Note-se, aliás, que o artigo 8º, inciso IV, prevê como instrumento de efetivação da Lei 12.305/2010 “o incentivo ao cooperativismo popular”. As associações e cooperativas de catadores são, de fato, cooperativas populares. A Lei 12.305/10, no seu artigo 36, prevê a coleta seletiva como um DEVER a ser observado pelos Municípios. Portanto, além da erradicação dos lixões, todos os Municípios estão obrigados a implementar a coleta seletiva, em todo o seu território, com a prioritária integração dos catadores, inclusive como medida necessária para o encerramento dos lixões e observância ao § 1º do referido artigo. Observe-se o inteiro teor do artigo 36, com especial enfoque ao § 1º, a seguir, que relaciona as responsabilidades cometidas aos titulares de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: Artigo 36 I - adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. II - estabelecer sistema de coleta seletiva; III - articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; IV - realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso na forma do § 7º do art. 33, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial; § 1º Para o cumprimento do disposto nos incisos I a IV do 166 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 caput, o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos priorizará a organização e o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação. § 2º A contratação prevista no § 1º é dispensável de licitação, nos termos do inciso XXVII do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. Portanto, a Lei 12.305/2010 impõe a contratação obrigatória – PRIORITÁRIA – das associações e cooperativas de catadores quando existentes. Além de resultar da luta por direitos do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, a Lei 12.305/2010 integra e articula questões voltadas não apenas à preservação ambiental, mas também à redução das desigualdades sociais (erradicação do trabalho infantil na coleta do lixo e emancipação socioeconômica das famílias que sobrevivem da coleta e comercialização de materiais recicláveis), consagrando, assim, os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro previstos no artigo 3º da Carta Constitucional. Fortalece, ainda, a possibilidade de atingimento dos objetivos do milênio e o compromisso brasileiro com a implementação da Agenda 21 e promoção do trabalho decente. Correto afirmar, portanto, que é obrigação do Município organizar o serviço de coleta seletiva, transferindo a sua gestão para as organizações formais de catadores de materiais recicláveis, pois qualquer política de responsabilidade social e ambiental e de geração de trabalho e renda deve estar orientada pelos princípios, objetivos e ações relativas ao desenvolvimento humano e ambiental, de modo a se presumir em absoluto a conveniência e oportunidade de sua concretização, em face da gravidade dos mecanismos de exclusão social, em especial o desemprego que empurra milhares de famílias para a coleta informal, o desperdício nas práticas de consumo, e a irrazoabilidade econômica e ambiental do descarte de produtos reaproveitáveis. Todos estes fatos revelam que a administração pública municipal tem o dever-poder de realizar ações tendentes a Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 167 alcançar todos os objetivos propostos na lei. Digno de nota o fato de que a insuficiência de vagas em creches públicas (centros de educação infantil) é a realidade de praticamente todos os municípios brasileiros, representando um percentual absurdo de mais de 50% das crianças brasileiras sem acesso à educação infantil, direito fundamental reconhecido na nossa Constituição. Portanto, a presença de uma criança coletando o lixo reciclável nas ruas ou nos lixões, ao contrário do que muitos pensam e afirmam, não é por negligência familiar, mas sim uma gravíssima omissão do Estado. Diante de tão grave quadro social e considerando a responsabilidade do poder público municipal no que se refere ao enfrentamento da questão, vários são os fundamentos jurídicos que alicerçam a inclusão social dos catadores através da participação efetiva destes na gestão dos resíduos sólidos recicláveis para além da Política Nacional de Resíduos Sólidos, não apenas como mera possibilidade, mas sim como uma obrigação que deve ser imposta a todos os municípios brasileiros, sem contar a obrigação que também deve ser observada pela administração pública quando do descarte ou comercialização do resíduo reciclável produzido em suas dependências. 2.2 Fundamentos Jurídicos Internacionais Como primeiro instrumento jurídico internacional importante – e nem poderia deixar de sê-lo, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. 168 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Artigo XXIII - Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. O Direito dos Direitos Humanos, assim como o Direito do Trabalho, não rege relações entre iguais, operando na proteção do homem, infinitamente mais fraco na relação capital e trabalho. Portanto, o Direito dos Direitos Humanos é o direito de proteção dos mais fracos e vulneráveis e a concretização da proteção almejada e exigida por normativas internacionais e nacionais requer atuação uniforme dos órgãos que atuam nas diferentes esferas, em especial do Ministério Público e Poder Judiciário. Segundo entendimento de Eibe Riedel “o grande objetivo dos tratados internacionais de direitos humanos se atém à interação entre as garantias nacionais e internacionais de direitos humanos, adicionando assim uma maior proteção aos indivíduos”. Os instrumentos internacionais sobre o Meio Ambiente, a seu turno, em especial a partir da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), que ficou conhecida como ECO92 ou Rio92, tornaram o conceito de desenvolvimento sustentável amplamente difundido, exigindo dos Estados a implementação da Agenda 21, a qual deverá propor meios operacionais para a aplicação da política de desenvolvimento sustentável, referenciando a construção de Planos de Ação a serem implementados a nível global, nacional e local, pelas organizações do Sistema das Nações Unidas, Governos e Autoridades Locais, bem como pelos cidadãos, em todas as áreas onde a atividade humana provoca impactos ambientais. Desde a ECO92, diversos países passaram a considerar o desenvolvimento sustentável como componente da sua estratégia política conjugando ambiente, economia e aspectos sociais. Em Setembro de 2002, em Johanesburgo, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável reafirmou, claramente, a necessidade da plena implementação da Agenda 21, do Programa para Implementações Futuras e do Compromisso com os Princípios do Rio. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 169 Atualmente, as Nações Unidas declararam a década 2005-2014 como “A Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável”. O “Fórum do Milênio”, ocorrido entre os dias 22 e 26 de maio de 2000, na sede da ONU em Nova Iorque, ao reunir 1350 representantes de ONGs e sociedades civis de 140 países, deu origem a uma declaração consensual, avaliada por 188 líderes do mundo inteiro em setembro do mesmo ano. O documento proposto apontou um novo estado de consciência, ou seja, a visão da inclusão global da espécie humana, assim como da complexa interdependência da raça humana com o planeta e seus recursos naturais limitados. Por outro lado, incluiu-se na declaração o consenso em relação à necessidade de um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de prever as necessidades de gerações futuras e ao mesmo tempo de erradicar a pobreza. O Brasil se fez presente a todas as discussões e ratificou todos os instrumentos internacionais mencionados. Como resultado das discussões, a AGENDA 21 GLOBAL contempla em seu Capítulo 03, dedicado ao combate à pobreza, a “capacitação dos pobres para a obtenção de meios de subsistência sustentáveis”. No seu Capítulo 06, dentre outras ações, prevê a “proteção e promoção das condições da saúde humana”, a “proteção dos grupos vulneráveis” e a “redução dos riscos para a saúde decorrentes da poluição e dos perigos ambientais”. “E, ainda, no Capítulo 07 propõe: “a promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos”, o oferecimento a todos de habitação adequada”, “promover o planejamento e o manejo sustentáveis do uso da terra”, “promover a existência integrada de infraestrutura ambiental, água, saneamento, drenagem e manejo de resíduos sólidos” e “promover o desenvolvimento dos recursos humanos”. 2.3 Fundamentos Constitucionais Na Constituição Cidadã, os quatro primeiros artigos tratam dos “princípios fundamentais”, sendo estes, ao lado do preâmbulo, o embasamento de toda a ordem jurídica brasileira. 170 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Destaca-se, ainda, o art. 3º, que é a diretriz política adotada pelo Estado brasileiro: Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É importante salientar que os princípios, enquanto fundamentos vinculantes de conduta, pautam não somente a ação do legislador constituído, mas também as ações do administrador, do juiz e de todas as pessoas (físicas e jurídicas, públicas e privadas) que compõem a sociedade política. Em razão do estabelecido no artigo 225 da Constituição Federal é correto afirmar que a administração pública municipal, enquanto incumbida da destinação adequada dos resíduos sólidos, deve implementar programa de educação ambiental visando à separação seletiva dos resíduos, reduzindo a quantidade que de outra forma seria depositada em aterros ou lixões. A medida possibilita maior vida útil aos aterros, o que por certo reduz o consumo de dinheiro público com a sua operacionalização e construção; reduz a contaminação da água (lençóis freáticos, nascentes, etc.) bem como reduz o impacto ambiental em razão da economia na utilização de recursos naturais que ocorre quando há o reaproveitamento, reutilização ou reciclagem dos resíduos, além do flagrante benefício à saúde pública. Indiscutível, como se vê, o impacto positivo no meio ambiente, em especial quando incluídos os catadores, atualmente grandes responsáveis pelo pouco que se tem obtido com a coleta seletiva. Fomentar a coleta seletiva através do fortalecimento das organizações de catadores é condicionante de sucesso a qualquer ação que tenha como objetivo o desenvolvimento local sustentável. O artigo 226, também da Constituição Federal, dispõe “A Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 171 família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Ora, se ao Estado é cometida a nobre tarefa de dar especial proteção à família, obviamente que poderá (e deverá) fazê-lo através de medidas emancipatórias, não meramente assistencialistas, dentre as quais se destaca a inclusão social pela gestão compartilhada dos resíduos sólidos. O árduo trabalho realizado pelos catadores, ainda não de todo reconhecido devidamente, produz riquezas ao país. Porém, o melhor resultado desta relevante atividade acaba em poucas mãos, seja de pequenos depósitos, grandes atravessadores ou indústrias de reciclagem. Para a permanência de grupos organizados de catadores no mercado da reciclagem é indispensável à proteção do Estado, dando-lhes as condições e infraestrutura adequadas para fazer frente à selvagem competitividade existente. Que o lixo reciclável é rentável ninguém duvida e o sucesso de empresas ligadas ao setor do comércio e industrialização de resíduos recicláveis está aí para comprovar. O desafio posto é, através do lixo reciclável (descartado pelos geradores), proporcionar a milhões de indivíduos condições mínimas e indispensáveis de sobrevivência digna, consoante os preceitos constitucionais mencionados. Público e notório o envolvimento de milhares e milhares de crianças e adolescentes na atividade de coleta do lixo, auxiliando os pais e contribuindo para a complementação da renda familiar. Porém, conforme se extrai do artigo 227 da Constituição Federal bem como da regulamentação dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não só à família, como também ao Estado, compete a garantia e promoção dos direitos da criança e do adolescente. Ora, se para a promoção e garantia de tais direitos são necessárias medidas que impliquem na melhoria das atuais condições da família (que, repitase, é bem constitucionalmente tutelado) e, ainda, se é possível fazê-lo através de efetiva inclusão social e combate à miséria (emancipação social), uma vez mais se justifica a inserção dos catadores nos planos de gestão de resíduos sólidos como forma de incrementar as condições de renda, trabalho e vida, com o que as crianças e adolescentes poderiam ser afastados do trabalho degradante, insalubre e perigoso, permanecendo na escola e se preparando para o futuro. Assim, a inclusão social dos catadores, mediante a forma sugerida, conduz a esse objetivo importante e do qual ninguém pode se apartar, que é a preservação dos direitos da criança e do adolescente. 2.4 Erradicação do Trabalho Infantil A Constituição Federal, art. 7º, XXXIII, prevê a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Na mesma lógica de preservação de Direitos Humanos podemos mencionar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que inspirou a redação do artigo 227 da Constituição Federal, o qual, posteriormente, foi regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, dando ESPECIAL proteção aos seus direitos e garantias, o que fundamenta a erradicação do trabalho infantil nos lixões e nas ruas. O artigo 227 prevê que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 172 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 No plano internacional, além da Convenção 138 da OIT, que estabelece a idade mínima para o trabalho, a Convenção 182 dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil e medidas urgentes da comunidade internacional para erradicá-las, sendo o Brasil signatário de ambas. A Convenção 182 prevê que a legislação dos países signatários elencará piores formas de trabalho infantil, de acordo com a realidade local, entre atividades que, por sua natureza ou circunstâncias em que são realizadas, possam causar prejuízos físicos e morais às crianças e aos adolescentes. Tais atividades serão proibidas para menores de 18 anos. No Brasil essa regulamentação foi criada através do Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que Regulamenta os artigos Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 173 30, alínea “d”, e 40 da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e aprova a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). Está incluído nessa lista (item 70) todo trabalho realizado na coleta, seleção e beneficiamento do lixo, pelos danos que podem ser causados à saúde do trabalhador, elencados no mesmo decreto, o que demanda a atuação imediata do Ministério Público na proteção das crianças e adolescentes expostos a essa situação. 2.5 Fundamentos para contratação direta das cooperativas A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, hierarquicamente superior à Lei de Licitações e no mesmo plano de igualdade da Lei de Responsabilidade Fiscal, regulamenta o artigo 226 da Constituição Federal, traçando as medidas e ações necessárias para possibilitar o cumprimento dos seus princípios e objetivos fundamentais, da mesma forma que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) torna exequível o princípio da prioridade absoluta insculpido no artigo 227 da Constituição Federal. Ambas devem ser igualmente respeitadas e executadas pelo Poder Público, prevalecendo sobre quaisquer outras questões em razão dos dispositivos constitucionais já citados. Demais disso, a Lei 11.445/2007 que institui a Política Nacional de Saneamento Básico, inseriu um inciso na Lei 8666/93 Lei de Licitações, dispondo que a licitação é dispensável quando da contratação de associações e cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis (artigo 24, inciso XXVII, da Lei 8666/93). 2.6 Decreto 5940/2006 – órgãos federais – obrigações da administração pública O Decreto Presidencial 5940/2006 “institui a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis”. Cada órgão público federal deve instalar uma Comissão 174 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 de Coleta Seletiva Solidária, que terá como principais atribuições desenvolver programa interno de separação dos resíduos, capacitar os servidores e terceirizados sobre a temática bem como firmar com associações e cooperativas convênios de entrega de todo o resíduo reciclável gerado naquela unidade. Antes da publicação do Decreto 5940/2006 os órgãos públicos federais davam destinações diversas aos seus resíduos, inclusive irresponsavelmente, a exemplo de resíduos perigosos, descartados sem nenhum cuidado. A partir do referido Decreto tornou-se obrigatória a separação seletiva e a “doação” dos resíduos recicláveis às associações e cooperativas de catadores. Em decorrência, os órgãos públicos passaram a elaborar os seus Planos de Gerenciamento de Resíduos (PGRS), o que acabou por envolver também a destinação adequada de resíduos perigosos. A quantidade e a qualidade dos recicláveis provenientes dos órgãos federais têm sido fator fundamental de incremento da renda dos catadores e, por consequência, da viabilidade econômica das associações e cooperativas. Cabe acrescentar que a análise dos planos de gerenciamento destes órgãos é de extrema importância, pois nem sempre consta do PGRS a totalidade dos resíduos gerados, em especial aqueles de maior valor agregado, como metais e sucatas. O desafio atual é garantir que também os órgãos públicos estaduais e municipais passem a realizar as mesmas ações, iniciando pela aprovação de decretos estaduais e municipais com conteúdo similar ao do Decreto 5940/2006 (modelo em anexo). 2.7 Deliberações da Conferência Nacional do Meio Ambiente 2013 A Conferência Nacional de Resíduos Sólidos, realizada no ano de 2013, e que pela primeira vez optou pelo tema “resíduos sólidos” e contou com a ampla participação dos catadores de materiais recicláveis, além de outros segmentos da sociedade, aprovou Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 175 em Plenária, propostas a serem observadas em todos os níveis de governo. Cumpre destacar que as deliberações da Conferência Nacional possuem força de lei e, portanto, devem ser observadas pelo gestor público. O link para consulta à consolidação das propostas aprovadas é o que segue: http://www.conferenciameioambiente. gov.br/wp-content/uploads/2013/02/RESULTADO-FINAL4CNMA.pdf Por tudo quanto relatado, claro está que, apenas mediante a gestão compartilhada dos resíduos sólidos com a organização dos catadores de materiais recicláveis, está garantido o desenvolvimento local sustentável, o que por si só torna o trabalho dos catadores ESSENCIAL e INDISCUTIVELMENTE mais adequado do que qualquer alternativa. Ignorar essa verdade absoluta põe em dúvida a seriedade e a legitimidade do administrador público. Como visto, qualquer argumentação de impossibilidade legal da emancipação das famílias que sobrevivem da coleta do material reciclável através da contratação direta de suas organizações pelo Poder Público para a gestão dos resíduos sólidos recicláveis, com total apoio técnico e financeiro, falece diante dos inúmeros argumentos aqui retratados e que reafirmam o compromisso do planeta com os valores humanos, o combate à desigualdade social, a erradicação da pobreza, o desenvolvimento local sustentável e a preservação do meio ambiente. Essas são as razões pelas quais se propõe o presente Guia de Atuação ao Ministério Público Brasileiro, a fim de alcançar uniformidade de sua atuação em âmbito nacional e garantir que, até o término do prazo fixado pela Lei 12.305/2010 para encerramento dos lixões (02/08/2014), os Municípios tenham sido instados a celebrar termos de compromisso de ajustamento de conduta para a garantia de atendimento de todo o conjunto legal citado. 176 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 3 PROJETO DE INCLUSÃO O Projeto “Inclusão Social e Produtiva das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis” destina-se a promover ações voltadas à tutela dos direitos destes trabalhadores, incluindo crianças e adolescentes, no contexto da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da legislação vigente. Para tanto, é necessário tornar efetivas, concretas e incisivas as ações do Ministério Público Brasileiro. Tais ações destinar-se-ão a, em caso de irregularidades: a) promover o resgate e a regularização da situação jurídica de catadoras e catadores adultos, idosos, crianças e adolescentes explorados na atividade de catação; e b) promover a responsabilização jurídica dos Municípios. objetivos: Foram estabelecidos, no âmbito do Projeto os seguintes A. Realizar inspeções e instaurar procedimentos investigatórios, de ofício, em face dos Municípios que ainda não promoveram o encerramento dos seus lixões. B. Investigar e reprimir situações de trabalho degradantes nos lixões e nas ruas. C. Expedir notificações recomendatórias, celebrar Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta e ajuizar Ações Civis Públicas. O presente Guia busca, então, municiar a atuação do membro do Ministério Público, de maneira direta e sistemática, considerando a complexidade da matéria e seu caráter interdisciplinar. Deseja-se que este Guia atinja os objetivos a que se propõe, reforçando a unidade e independência dos Membros do Ministério Público e, no mérito, servindo de instrumento útil à sua atuação cotidiana. 3.1 Principais aspectos das relações de trabalho nas Associações e Cooperativas de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 177 Os catadores de materiais recicláveis estão espalhados pelo país e ainda é bastante comum o preconceito e a falta de informação no que se refere à importância do trabalho realizado por estes que, merecidamente, devem ser considerados verdadeiros agentes ambientais, pois suas ações estão coroadas, senão de êxito econômico, de reconhecido êxito ambiental, pois têm evitado o corte de milhares de árvores diariamente como também reduzido o volume de lixo depositado nos lixões e aterros. É de conhecimento notório que os catadores realizam a coleta de material reciclável de maneira absolutamente informal, nas ruas e nos lixões, sendo raros os casos em que a Administração Pública lhes dá o merecido reconhecimento, integrando-os através da participação efetiva nos serviços de coleta seletiva. Normalmente, aos catadores são direcionadas apenas ações de cunho assistencialista, como fornecimento de cestas-básicas, que apenas amenizam a situação de miséria, sem modificação da vulnerabilidade social e econômica. Assim, por realizarem suas atividades informal e desorganizadamente, muitas vezes concorrendo com os caminhões de coleta do lixo, muito pouco recebem pelo seu trabalho e precárias são as condições a que estão submetidos. Residem quase sempre na periferia, grande parte em áreas não regularizadas e de preservação ambiental, o que lhes impõe precaríssimas moradias. A situação dos filhos não é melhor, pois desde cedo são instados a colaborar com a tarefa a fim de assegurar a sobrevivência da família. O retrato social citado não é novidade, mas a nova visão que emerge da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que é uma medida afirmativa de política pública destinada, também, a enfrentar a discriminação estrutural que sofre o grupo social vulnerável de catadores de materiais recicláveis. Basta simples leitura da exposição de motivos da Lei 12.305/10, itens 18, 19 e 23 para tal conclusão. As cooperativas populares, nas quais estão inseridas as cooperativas de catadores de materiais recicláveis, surgiram com a finalidade de combater a pobreza, o desemprego e alcançar a apropriação coletiva dos meios de produção. Também surgiu como 178 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 reação ao trabalho informal e não valorizado. As cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis se estruturam sobre princípios e valores morais bastante nobres, como os da igualdade, dignidade humana, ajuda mútua, solidariedade e autogestão participativa. Esses empreendimentos integram a “Economia Solidária”, dentro da qual se insere o cooperativismo e, especificamente, as cooperativas populares. Reunindo-se coletivamente, os cooperados promovem seu próprio trabalho de forma organizada e democrática. A saída coletiva representa uma ferramenta de desenvolvimento onde se aglutinam as diversas forças para um objetivo comum, o que significa uma grande vantagem em relação a empreendimentos individuais, desde que a elas não sejam cometidas obrigações além de sua capacidade - humana e econômica. Desde a origem as cooperativas populares já nascem sem a infraestrutura adequada, formadas por trabalhadores sem disponibilidade de recursos para investir no negócio coletivo. Em geral as cooperativas populares desenvolvem seus negócios em instalações precárias, sem dispor dos meios de produção necessários para a operacionalização e execução de suas atividades. As catadoras e catadores que vivem e trabalham nos lixões enfrentam condições ainda mais graves. Considerando que a Lei 12.305/10 comete ao Poder Público a obrigação de garantir às associações e cooperativas a infraestrutura necessária às suas atividades, além da remuneração pelos serviços prestados, emerge como obrigação prioritária a disponibilização de galpão de trabalho, equipado minimamente com mesas de triagem, prensa e balança, em condições adequadas e que permitam o início imediato das atividades das associações e cooperativas. Suas necessidades são diversas variando das mais complexas às mais simples, tais como reforma de edificações, compra de máquinas, equipamentos, mobiliário, capital de giro, etc. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 179 É necessária a capacitação dos cooperados, com assessorias técnica e financeira, além de assessoria para ajudar nas atividades que possam gerar renda e, ao mesmo tempo, colaborar para o desenvolvimento local, neste sentido resulta absolutamente imprescindível que o Município mantenha assessoria permanente com tal finalidade. São muito comuns casos de cooperativas, ainda que criadas com o apoio técnico do Município, serem geridas ou apropriadas por pessoas que nem mesmo são catadores, como técnicos indicados pelo Município, “apoiadores” e mesmo um cooperado que se torna “dono da cooperativa” explorando os demais e se favorecendo da vulnerabilidade destes. A importância de identificação de tais situações é evitar a atuação em prol de cooperativas ilegítimas ou pessoas que ilegitimamente tomaram a sua gestão, encaminhando providências no sentido de auxiliar na recomposição da Diretoria e afastamento dos “aproveitadores”. O fortalecimento do grupo é imprescindível para evitar que tal situação venha a se repetir. Importante identificar a existência de “atravessadores, donos de depósitos, ferro-velho, sucateiros” que, na esmagadora maioria dos Municípios, detém o monopólio da compra do material coletado pelos catadores, organizados ou não. Tais “atravessadores” impõem o preço e muitas vezes mantêm nos seus espaços de armazenamento trabalhadores em condições análogas à de escravo, informais, sem remuneração e sem condições mínimas de higiene e segurança. Crianças e adolescentes frequentemente são explorados por tais “atravessadores”, seja coletando materiais nas ruas e nos lixões, seja trabalhando na triagem nas dependências do “barracão” do atravessador. O atravessador é o primeiro na cadeia produtiva a adquirir material dos catadores e que, após, comercializa com atravessadores mais qualificados, que adquirem material e maior quantidade e conhecidos como “aparistas”. Neste momento é que o material informalmente coletado tem nota fiscal emitida para que o material possa chegar até a indústria da reciclagem. Ou seja, a cadeia produtiva da reciclagem, incluídas e especialmente as grandes indústrias – que têm conhecimento claro do que acontece, é 180 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 responsável pela exploração dos catadores, de crianças a idosos. 3.2 Atividade dos membros do Ministério Público inquéritos a) Instauração de procedimentos investigatórios/ Como medida inicial sugere-se a instauração de procedimentos em face dos Municípios que ainda mantenham lixões ou que destinam os resíduos sólidos a locais inadequados com a presença de catadoras e catadores. Portanto, um diagnóstico prévio da situação atual é recomendável, assim como inspeção “in loco” nos lixões, entrevistando os catadores ali presentes. Sugestão de check list: • Verificar a presença de crianças e adolescentes no lixão, por inspeção ou informações de outros órgãos, como Secretaria do Meio Ambiente, Conselho Tutelar, Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, órgãos ambientais, dentre outros; • Identificar o número de catadores e catadoras que trabalham no lixão, com o auxílio de equipes do Município; • Verificar a existência de moradias permanentes de catadores na área do lixão. O Município deverá garantir a essas famílias o acesso prioritário às moradias, construídas ou a serem construídas. Enquanto não houver a entrega definitiva de moradia, as famílias que forem retiradas do lixão deverão receber, de imediato, transferência de renda (bolsa aluguel, cheque moradia, dentre outros) para que os catadores tenham condições de alugar imóvel até a entrega de suas moradias. • Verificar a presença de “atravessador” ou “gato” - pessoas que exploram o trabalho dos catadores e que adquirem o material coletado no lixão a preço vil. Em caso positivo, exigir do Município a fiscalização dos locais em que os atravessadores armazenam seus materiais, verificando a legalidade da atividade e, se for caso, promovendo a interdição do local. • Verificar se os catadores encontrados no lixão se Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 181 encontram cadastrados no Cadastro Único (CadÚnico). Em caso negativo determinar que a Secretaria de Assistência Social providencie tal cadastramento. Importante informar que existe campo próprio no Cadastro Único para identificação dos catadores, os quais são priorizados e podem receber, de forma concomitante, vários benefícios assistenciais do Governo Federal, independente da renda. • Verificar a existência do plano municipal de gerenciamento de resíduos sólidos ou a existência de plano defasado em razão da Lei 12.305/2010 que trouxe novas diretrizes ao tratamento de resíduos. O Município deve elaborar o plano municipal ou adaptar o existente confirme exige a Lei 12.305/2014 como providência urgente e imediata. • Verificar se os planos municipais contemplam ações obrigatórias como: diagnóstico dos resíduos, contratação das associações e cooperativas de catadores, coleta seletiva, compostagem, destinação dos resíduos inertes; educação ambiental, encerramento do lixão, recuperação da área degradada, etc. Importante, ainda, a aferição de que o plano foi devidamente publicizado e realizadas as audiências públicas necessárias para a garantia do controle social. • Verificar a existência de diagnóstico sobre a situação social dos catadores e catadoras, bem assim de suas famílias, e se estão sem documentação pessoal, situação que impede o acesso a programas sociais, por exemplo. Se não houver diagnóstico, determinar a sua realização bem como que sejam providenciados todos os documentos pessoais necessários. • Verificar se há organização dos catadores, em associações ou cooperativas, e se a documentação se encontra regular (atas, estatuto, controle fiscal e financeiro etc.). Se os catadores estiverem em situação de informalidade, inorganizados, determinar ao Município que dê assessoria técnica e social para ajuda-los no processo de organização. • Verificar se há ou não contratação e remuneração às associações e cooperativas pelos serviços prestados ao Município, conforme disciplina o artigo 24, inciso XVII, da Lei 8.666/93, já que a 182 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 simples entrega do resíduo reciclável não pode ser considerado como pagamento dos serviços prestados. A contratação é por dispensa de licitação e deve ser feita pelo prazo de cinco anos. • Verificar a existência de campanhas permanentes de educação ambiental, formal e não formal, bem como se a campanha é avaliada quanto à sua qualidade e alcance. Deverão ser estabelecidas metas para os resíduos recicláveis e para os resíduos orgânicos, gradativas, até o atingimento de 100% do total destes resíduos. • Verificar a existência de análise gravimétrica e volumétrica (composição e volume) prévias e periódicas dos resíduos para avaliação da qualidade da separação dos resíduos, bem como a eficiência da campanha de educação ambiental. • Verificar a existência de local apropriado para os catadores realizarem suas atividades. Se não houver, exigir do Município que adote medidas imediatas para que os catadores, já organizados, detenham espaços próprios de armazenamento do material e todos os equipamentos para realização da atividade, desde a coleta até a comercialização. • Verificar a existência de local apropriado para que seja realizada a compostagem. Se não houver determinar ao Município que providencie local adequado para que todos os resíduos orgânicos sejam submetidos ao processo de compostagem. • Verificar a existência de veículos apropriados (como caminhões) para a realização da coleta seletiva. Se não houver, o Município deverá providenciar aos catadores, tantos quantos caminhões sejam necessários para a coleta dos recicláveis e dos orgânicos. • Verificar o índice de analfabetos ou analfabetos funcionais dentre os catadores bem como deficiência na formação profissional. Determinar ao Município a inclusão dos catadores em programas de alfabetização, elevação de escolaridade e qualificação profissional na área de atividade (reciclagem). • Verificar a existência de separação dos resíduos no Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 183 âmbito interno das entidades públicas municipais e se os resíduos recicláveis são entregues às associações e cooperativas. Se não houver, determinar ao Município que institua a separação seletiva e que o resíduo reciclável seja entregue aos catadores. • Verificar a existência de acompanhamento da saúde das famílias que sobrevivem da coleta de lixo. Determinar ao Município que realize avaliação integral da saúde dos catadores e de suas famílias. • Verificar a existência de atividades para as crianças e adolescentes no período de recesso escolar, ocasião em que há elevado aumento da exploração do trabalho de crianças e adolescentes. Em não havendo, determinar ao Município que promova atividades para este período, incluindo atendimento em centros de educação infantil. • Verificar a existência de vagas suficientes para atendimento dos filhos dos catadores nos centros de educação infantil, nas escolas, em programas de contra turnos e no período de recesso escolar ou programas de profissionalização aos adolescentes. Se não houver, determinar ao Município que providencie as vagas necessárias. • Verificar a existência de separação dos resíduos nos empreendimentos comerciais, industriais e outros instalados no Município. Se não houver, determinar ao Município que institua a exigência mediante vinculação à manutenção e renovação do Alvará de Localização e Funcionamento. • Verificar a existência de coleta de óleo de cozinha usado. Se não houver, determinar ao Município que inicie programa de coleta de óleo de cozinha usado, a ser executado pelas associações e cooperativas que poderão se beneficiar de sua comercialização ou utilização como biodiesel. • Verificar a existência de fiscalização dos depósitos que comercializam recicláveis e exploram catadores e crianças, mantendo-os em condições indignas de trabalho. Tais depósitos devem ser rigorosamente fiscalizados pelo Município e, não havendo regularização de suas atividades, devem ser interditados. 184 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 • Verificar se os órgãos públicos federais cumprem o estabelecido no Decreto Presidencial 5.940/2006 e, em não o fazendo, instaurar procedimentos para que passem a cumpri-lo. É possível a instauração de procedimentos em face dos órgãos federais (Procedimentos Promocionais), caso não estejam cumprindo o Decreto 5.940/06, ou em face também das empresas e outros empreendimentos que não cumprem a sua cota de responsabilidade na gestão dos resíduos, em atuações específicas. b) Articulação Social Diante da complexidade do problema, e do novo papel assumido cada vez mais pelo Ministério Público de grande articulador social, demanda-se amplo diálogo com os atores sociais envolvidos e busca de parcerias com entes públicos, privados e sociedade civil, tais como: • Ministério Público Estadual, para atuação conjunta, através dos Centros de Apoio da Criança, Centro de Apoio do Meio Ambiente e outros identificados com a temática; • Ministério Público Federal, para atuação conjunta, através da Procuradoria de Defesa do Cidadão e outros identificados com a temática; • Ministério Público de Contas, para atuação conjunta, em especial para garantir a regularidade nos contratos de prestação de serviços que serão firmados com as associações e cooperativas de catadores. • Tribunal de Contas do Estado (ou Município, onde houver): colabora com os encaminhamentos relativos ao orçamento público, quanto ao investimento, execução e prestação de contas da utilização dos recursos públicos, orienta na contratação com dispensa de licitação de associações e cooperativas, orienta os Municípios quanto a tais aspectos, delibera normativa que pode facilitar a execução do plano municipal de gestão compartilhada dos resíduos sólidos; • Órgãos Públicos Federais: colaboram e indicam Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 185 atividades a serem realizadas; apresentam resultados da Comissão de Coleta Seletiva Solidária prevista no Decreto 5940/2006; realizam seminários sobre o tema, etc.; sistematização das informações em banco de dados e de apoio técnico, financeiro e político, além de incentivar a instalação de Fóruns Estaduais, Regionais e Municipais. • Órgãos Públicos Estaduais e Municipais, que podem aderir ao programa de coleta seletiva solidária, nos mesmos termos dos órgãos públicos federais; O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) é um movimento social que há cerca de 12 anos vem organizando os catadores e catadoras de materiais recicláveis pelo Brasil afora. • Sociedade Civil Organizada, através de organizações não governamentais ambientais, sociais, educacionais, etc.; • Representantes das associações e das cooperativas de catadores; • Representantes locais do Movimento Nacional das Catadoras e dos Catadores de Materiais Recicláveis. A articulação de um espaço permanente de debate público pode ocorrer no âmbito do Fórum Lixo e Cidadania, já instalado ou a se instalar, como também nos Comitês Estaduais do Programa Pró-Catador, caso existente. Quanto à origem do Fórum Lixo e Cidadania, em 1998, uma pesquisa feita pelo UNICEF revelou a existência de 50.000 crianças e adolescentes vivendo no, e do, lixo no Brasil. Para enfrentar essa realidade, um conjunto de instituições – órgãos públicos federais, organizações não governamentais, o Ministério Público, igrejas e prefeituras com experiências em andamento –, realizaram um workshop e criaram o Fórum Nacional Lixo e Cidadania. A reflexão sobre essas experiências consolidou uma nova forma de se tratar a gestão do lixo nas cidades, batizada de Gestão Compartilhada do Lixo Urbano, e inspirou o Programa Nacional Lixo e Cidadania. Em 1999, um ano após ter sido criado, o Fórum Nacional lançou a campanha Criança no Lixo Nunca Mais, para sensibilizar os governantes e a sociedade com o propósito de que todas as crianças e seus familiares tenham seus direitos sociais efetivados e uma vida digna, e mais humana. Para a implementação desse Programa foram desenvolvidas ações de mobilização social, de organização e 186 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Busca a valorização da categoria e tem por objetivo a garantia do protagonismo popular. Tem por missão contribuir para a construção de sociedades justas e sustentáveis a partir da organização social e produtiva dos catadores de materiais recicláveis e suas famílias, orientados pelos princípios que norteiam sua luta (autogestão, ação direta, independência de classe, solidariedade de classe, democracia direta e apoio mútuo), estejam eles em lixões a céu aberto, nas ruas ou em processo de organização. Busca a organização da categoria na solidariedade de classe, que reúne forças para lutarem contra a exploração buscando liberdade. Esse princípio é diferente da competição e do individualismo, pois busca o apoio mútuo entre os catadores e outros trabalhadores. Luta pela autogestão do trabalho e o controle da cadeia produtiva de reciclagem, garantindo que o serviço realizado não seja utilizado em beneficio de alguns poucos (os exploradores), mas que sirva a todos. c) Adequação espontânea da conduta: • Sugestão de encaminhamento de notificação recomendatória aos Municípios, aos órgãos públicos federais e empresas (minutas em anexo); • Realização de reuniões, audiências públicas, audiências administrativas com os gestores públicos, oitiva dos catadores para verificação das necessidades, etc.; Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 187 • Propositura e assinatura de termo de compromisso de ajustamento de conduta (sugestão de modelo em anexo para Municípios, órgãos públicos federais e empresas). d) Judicialização: • Ação Civil Pública (sugestão de modelo em anexo contra Municípios, órgãos públicos federais e empresas, com sentenças e acórdãos sobre o tema); anexo); • Ação de Execução de TAC (sugestão de modelos em •Ação de Improbidade Administrativa. 4 ANEXOS anexos: Neste quarto capítulo, você encontrará os seguintes 1. Modelo Contrato de Prestação de Serviços. 2. Modelo de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta para a Inserção Social e Econômica dos Catadores de Materiais Recicláveis. 3. Modelo de Lei Municipal criando o Programa PróCatador - Projeto de Lei do Programa Pró-Catador e Proibição de Incineração. 4. Modelo Diagnóstico dos Municípios. MODELO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COLETA, TRANSPORTE, TRIAGEM, PROCESSAMENTO, BENEFICIAMENTO, COMPOSTAGEM E DESTINAÇÃO FINAL ADEQUADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS RECICLÁVEIS, REUTILIZÁVEIS E ORGÂNICOS, A SEREM EFETUADOS POR ASSOCIAÇÕES E OU COOPERATIVAS AUTOGESTIONÁRIAS DE CATADORES E CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS, QUE ENTRE SI FAZEM O MUNICÍPIO DE (XXXXX) E A SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, NOS TERMOS DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL nº (XXXX) E ASSOCIAÇÕES/ COOPERATIVA (XXXXXX). Pelo presente instrumento de contrato de um lado, como CONTRATANTE, o Município de nome do Município, CNPJ, endereço completo, CEP, por meio da SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, nos termos da Lei Orgânica Municipal nº XXXX, entidade integrante da administração pública direta do Município, inscrita no CNPJ/MF sob o n.º XXXXXXXXXXXXX, com sede na cidade de XXXXXXX(nome do Estado), na Rua XXXXXXXXXXXXX, CEP..., neste ato representada por seu Secretário, Sr. (nome completo, RG, CPF) e, de outro lado, COOPERATIVA ou ASSOCIAÇÃO (nome da associação ou cooperativa), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o n.º XXXXXXXXXXXX, estabelecida da Rua XXXXXXX, CEP: XXXXXXX em XXXXXXX – nome do Estado, neste ato representada por seu Presidente, XXXXXXXXX, portador da RG n.º XXXXXXXX/PR e CPF n.º XXXXXXXXXX, doravante denominada simplesmente CONTRATADA, ajustam e celebram o presente Contrato, cujas despesas financeiras decorrentes da contratação serão providas da Dotação Orçamentária havida pela conta n.º XXXXXXXXXX, o fazendo mediante a Dispensa de Licitação n.º XXXXXXXXXX, constante do Processo Administrativo n.º XXXXXXXX, em consonância com o disposto na Lei n.º 8.666/93, com a redação dada pelo art. 57 da lei federal 11.445 de 5 de janeiro de 2007 e demais cláusulas e condições a seguir estipuladas: CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO Constitui objeto do presente Contrato a prestação de serviços de coleta, 188 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 189 CLAUSULA QUARTA – DO PREÇO Pela execução do serviço, objeto desde Contrato, a CONTRATANTE pagará, à CONTRATADA, o valor mensal estimado de R$ XXXXXXXX, perfazendo o valor global estimado em R$ xxxxxxxxxxxx. §1º - Os valores mensais a serem pagos à CONTRATADA serão compostos da seguinte forma: a) o mínimo de R$ 3,50 (três reais e cinquenta centavos) por visita em cada domicílio, limitada a quatro visitas mensais em cada domicílio, com pagamento mensal, para orientação aos munícipes sobre a segregação correta dos resíduos, atividade que integra a campanha de educação ambiental não formal do Município. O valor individual ao cooperado não poderá ser inferior ao salário mínimo legal ou piso salarial regional, acrescidos dos direitos constantes do artigo 7º, da Lei 12.690/2012. b) O valor mínimo de R$ 400,00 (quatrocentos reais) por tonelada de material coletado. c) O valor mínimo de R$ XXXXX (X mil reais – sugestão de valor mínimo de R$ 50.000,00) que seja suficiente para custeio das demandas administrativas da Associação ou Cooperativa, (água, luz, telefonia, condomínio, aluguel, FGTS e INSS de empregados contratados segundo as normas da CLT, Equipamentos de Proteção Individual, Equipamentos de Proteção Coletiva, contratação de profissionais especializados (sugestão de profissionais especializados: assistente social, assessor contábil, assessor jurídico, engenheiro e técnicos em medicina e segurança do trabalho, técnico em logística, técnico em informática, motoristas e outros); para a manutenção dos serviços de coleta de forma a não comprometer a continuidade do serviço público e para a redução dos custos inerentes à construção e operação de aterro sanitário e diminuição do impacto ambiental. Obriga-se ainda a CONTRATADA a apresentar, trimestralmente, comprovantes de todos os pagamentos efetuados. O valor mínimo aqui previsto poderá ser majorado quando insuficientes para fazer frente ao pagamento de todas as despesas aqui elencadas. d) Para pagamento do serviço de processamento de resíduos, medido por tonelada comercializada, será pago o percentual mínimo de 10% (dez por cento) sobre o valor do total das notas fiscais emitidas, não podendo ser inferior ao equivalente a um salário mínimo regional ou piso salarial regional por associado ou cooperado. e) R$ 107,00 referentes ao recolhimento do INSS, que será pago por cooperado que recebe até R$ 972,73/mês e 11% em relação aos associados ou cooperados que produzem acima deste valor. O documento de filiação à associação ou cooperativa deve ser apresentado nos mês de referência da prestação dos serviços. Serão repassados recursos financeiros para pagamento do adicional de insalubridade, correspondente a 9% do valor recebido por cooperado para fins de aposentadoria especial. f) R$ XXXXXXXXXX, referentes ao aluguel de todos os galpões, em quantidade e adequados às necessidades, onde serão executados 190 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 transporte, triagem, processamento, beneficiamento, compostagem e destinação final adequada dos resíduos sólidos recicláveis, reutilizáveis, orgânicos e rejeitos, a serem efetuados por associações e cooperativas autogestionárias de catadores e catadoras de matérias recicláveis. CLAUSULA SEGUNDA – DOS ANEXOS CONTRATUAIS O presente Contrato integra o Processo Administrativo n.º XXXXXXX, e tem como seus anexos documentos daquele processo, em especial a Dispensa de Licitação n.º XXXXX, que as partes declaram ter pleno conhecimento a aceitam como suficiente para, em conjunto com este contrato, definir o objeto contratual e permitir o seu integral cumprimento. Parágrafo Único. Ao presente contrato estarão vinculados todos os termos e aditivos que vierem a ser firmados e que importem em alterações de qualquer condição contratual desde que devidamente assinados pelos representantes legais das partes. CLAUSULA TERCEIRA – DA FORMA DE EXECUÇÃO A coleta inicia-se imediatamente na data da assinatura do presente Contrato. A CONTRATADA deverá coletar todos os resíduos sólidos recicláveis, reutilizáveis e orgânicos, de acordo com locais e frequências descritos no Termo de Referência, que poderão ser alterados a critério das partes, abrangendo os domicílios do Município de XXXXXXX, bem como os prédios públicos. Caberá à CONTRATADA apresentar, nos locais e no horário de trabalho, os seus cooperados e empregados devidamente uniformizados, utilizando veículos e equipamentos suficientes para a realização dos serviços, cujos custos de aquisição e manutenção deverão integrar o preço. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 191 os serviços de triagem, beneficiamento, prensagem, compostagem e o armazenamento dos materiais coletados. CLAUSULA QUINTA – DA FORMA DE PAGAMENTO Os pagamentos ocorrerão, impreterivelmente e sob pena de multa, até o 1º dia útil de cada mês, através de transferência eletrônica às associações e cooperativas prestadoras de serviços do objeto contratado. A nota fiscal/fatura deverá conter o número do Processo Administrativo e a modalidade de contratação. O pagamento do primeiro mês da execução do presente Contrato será realizado antecipadamente, no prazo de cinco dias após a assinatura deste, readequando-se nos meses posteriores eventuais diferenças dos valores estimados. A CONTRATANTE está sujeita à multa diária correspondente a 1% do valor global em caso de atraso no cumprimento de suas obrigações, em especial atraso no repasse dos recursos financeiros. Parágrafo único. Os preços poderão sofrer alterações para manter o equilíbrio financeiro do contrato. CLAUSULA SEXTA – DA VIGÊNCIA O presente contrato terá vigência de 05 (cinco) anos, a partir de sua assinatura, que será renovado automaticamente pelo prazo que vier a ser acordado pelas partes, não inferior a cinco anos. O contrato poderá ser renovado na modalidade de concessão pública, com prazo de vigência de 25 (vinte e cinco) anos. §1º O prazo de execução terá início em XXXXXXXX e encerrando-se em XXXXXXXX. CLAUSULA SÉTIMA – DAS OBRIGAÇÕES DA CONTRATADA Além das obrigações normais, decorrentes do presente contrato e as também descritas no Termo de Referência, que é parte integrante do presente instrumento, constituem obrigações específicas da CONTRATADA: a) Realizar a coleta e o transporte diariamente, de segunda a sábado, na forma descrita do Termo de Referência; b) A CONTRATADA deverá fornecer veículos com capacidade de 192 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 carga condizente com a necessidade, desde que repassados recursos para tanto; c) Cada veículo deverá ter 01 (uma) equipe com 01 (um) motorista habilitado de acordo com a categoria exigida para o tipo de veículo e 02 (dois) catadores coletores; d) Cumprir todo o itinerário de coleta de forma que não haja abandono ou esquecimento de materiais sem serem coletados; e) Operar com organização e independência e sem vínculo com a CONTRATANTE, executando o serviço com pessoal próprio (cooperados ou contratados), em número suficiente, devidamente habilitado para a execução de suas tarefas. Em caso de contratação de empregados, deve obedecer a legislação civil, trabalhista e previdenciária, com as devidas anotações e recolhimentos; f) Providenciar equipe para atendimento de emergência de casos eventuais quando solicitados pela CONTRATANTE, sem prejuízo da coleta diária; g) Apresentar o quantitativo no Termo de Referência (nº de cooperados por área de cobertura de cada COOPERATIVA), bem como planilha contendo nome, função e remuneração, atualizado mensalmente; h) Designar os responsáveis pela fiscalização dos serviços de coleta e um coordenador de cada COOPERATIVA indicando nome/cooperativa/ telefone. No caso de substituição ou exclusão dos responsáveis indicados, comunicar em até 48 horas a CONTRATANTE; i) Fornecer aos cooperados e empregados: uniforme completo e adequado ao tipo de serviço. Estes uniformes deverão ter identificação da CONTRATADA; j) Fornecer Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e outros equipamentos adequados e obrigatórios, necessários à execução dos serviços do objeto contratado, exigindo a utilização destes. O EPI deverá ser entregue antes do início do exercício da função do cooperado ou contratado; l) Na ocorrência de feriados, qualquer alteração da realização do serviço deverá ser comunicada com antecedência de 15 (quinze) dias, para apreciação e deliberação da CONTRATANTE. Em caso de anuência, a comunicação prévia aos munícipes de qualquer alteração será feita pela CONTRATANTE; m) Comunicar à CONTRATANTE quando forem encontrados resíduos perigosos ou contaminados juntos aos materiais coletados, para adoção de providências cabíveis junto ao gerador e órgãos competentes; Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 193 n) Permitir livre acesso aos cooperados e contratados a todos os documentos pertinentes à execução do presente contrato; o) Prestar contas à CONTRATANTE do material comercializado, com a apresentação de todas as notas fiscais de comercialização emitidas; p) Apresentar os comprovantes de pagamentos dos alugueis; q) Não permitir o trabalho ou a permanência de menores de idade 18 (dezoito) anos de idade nas dependências das associações e cooperativas, atendendo a Lei nº 8.069/1990; r) Apresentar relatório trimestral de produção e renda dos catadores para acompanhamento e monitoramento do sistema de coleta seletiva por parte da CONTRATANTE. CLAUSULA OITAVA – DAS OBRIGAÇÕES DA CONTRATANTE Além das naturalmente decorrentes do presente instrumento, constituem obrigações da CONTRATANTE: a) Efetuar o pagamento, à CONTRATADA, dentro das condições e prazo estabelecidos no presente contrato; b) Notificar a CONTRATADA, por escrito, caso sejam constatadas eventuais irregularidades ou defeitos na execução do objeto contratado, fixando-lhe prazo para as devidas correções; c) Manter contatos com a CONTRATADA, sempre por escrito; d) Elaborar em conjunto com a CONTRATADA, sempre que houver necessidade de adequações, novo plano de coleta e descarga do produto da coleta bem como dos rejeitos desta; e) Efetuar o pagamento de 15%(quinze por cento) devido à Previdência, sobre o valor bruto da nota fiscal de serviços emitidas pela cooperativa, relativamente aos serviços prestados pelos cooperados. CLAUSULA NONA – DAS PENALIDADES Serão aplicadas as sanções previstas na Lei n º 8.666/1993 e as indicadas na cláusula décima, inclusive a responsabilização da CONTRATADA por eventuais perdas e danos causados ao Município. MODELO DE TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARA A INSERÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS Autos do processo de investigação nº Às xxxxx horas do dia xxxxxxxxxxxx, na sede da xxxxxxxxxxxx, com a presença do Exmo. Promotor de Justiça, Dr. xxxxxxxxxxxxxxxx, compareceu o Município de xxxxxxxxxxx representado pelo Exmo. Sr. Prefeito Municipal, xxxxxxxxxxxxxxxx, CPF nº...; RG nº,, com endereço XXXXXX para, na forma do artigo 5º., parágrafo 6º., da Lei nº 7.347/85, com a redação que lhe deu o artigo 113 da Lei n. 8.078/90, firmar o presente Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, nos seguintes termos: CONSIDERANDO a Declaração Universal dos Direitos do Homem que diz que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. E, ainda, que toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade e, ainda, que toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego...”. CONSIDERANDO a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que inspirou o artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, dando ESPECIAL proteção aos seus direitos e garantias. CLAUSULA DÉCIMA – DA RESCISÃO A rescisão contratual poderá ser dar por mútuo consenso ou nas hipóteses legais. CONSIDERANDO a AGENDA 21 GLOBAL que contempla em seu Capítulo 03, dedicado ao combate à pobreza, a “capacitação dos pobres para a obtenção de meios de subsistência 194 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 195 sustentáveis”. No seu Capítulo 06, dentre outras ações, prevê a “proteção e promoção das condições da saúde humana”, a “ proteção dos grupos vulneráveis” e a “redução dos riscos para a saúde decorrentes da poluição e dos perigos ambientais”. E, ainda, no Capítulo 07 propõe: “a promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos”, o oferecimento a todos de habitação adequada”, “promover o planejamento e o manejo sustentáveis do uso da terra”, “promover a existência integrada de infraestrutura ambiental, água, saneamento, drenagem e manejo de resíduos sólidos” e “promover o desenvolvimento dos recursos humanos”. CONSIDERANDO a nossa Constituição Federal, que em seu artigo 1°, traça como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a CIDADANIA (inciso II), a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (inciso III) e OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO e da livre iniciativa (inciso IV). CONSIDERANDO, ainda, o art. 3º, que é a diretriz política adotada pelo Estado brasileiro, estabelecendo: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. CONSIDERANDO o disposto em seu artigo 225 da Constituição Federal que prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: Inciso VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. 196 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 CONSIDERANDO o artigo 226, também da Constituição Federal, que dispõe “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Ora, se ao Estado é cometida a nobre tarefa de dar especial proteção à família, obviamente que poderá (e deverá) fazê-lo através de medidas emancipatórias, não meramente assistencialistas, dentre as quais se destaca a inclusão social pela gestão compartilhada dos resíduos sólidos. O árduo trabalho realizado pelas catadoras e catadores, ainda não de todo reconhecido devidamente, produz riquezas ao país. Porém, o melhor resultado desta relevante atividade acaba em poucas mãos, seja de pequenos depósitos, grandes atravessadores ou indústrias de reciclagem. Para a permanência de grupos organizados de catadoras e catadores no mercado da reciclagem é indispensável a proteção do Estado, dando-lhes as condições e infraestrutura adequadas para fazer frente à selvagem competitividade existente. Que o lixo reciclável é rentável ninguém duvida e o sucesso de empresas ligadas ao setor do comércio e industrialização de resíduos recicláveis está aí para comprovar. O desafio posto é, através do lixo reciclável (descartado pelos geradores), proporcionar a milhões de indivíduos condições mínimas e indispensáveis de sobrevivência digna, consoante os preceitos constitucionais mencionados. CONSIDERANDO dispositivos da Lei 8.666/93 que tornam lícita a contratação de organizações formais de catadoras e catadores de materiais recicláveis pelo Poder Público, consoante a seguir: “Artigo 24 – É dispensável a licitação: XXVII - na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadoras e catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública. (NR) (Redação dada ao inciso pela Lei nº 11.445, de 05.01.2007, DOU 08.01.2007)”. CONSIDERANDO a Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010) que no artigo 3º, inciso VII, prevê Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 197 destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos; CONSIDERANDO o mesmo art. 3º, inciso, X, que estabelece o gerenciamento de resíduos sólidos como um conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei; CONSIDERANDO, também, a Lei 12.305, que em seu art. 3º, inciso XI, prevê que a gestão integrada de resíduos sólidos é um conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável; CONSIDERANDO o art. 6º da Lei 12.305/2010, que estabelece os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos, dentre os quais destacamos: IV - o desenvolvimento sustentável; V a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; CONSIDERANDO o art. 7º da Política Nacional de 198 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), que dispõe sobre os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, dentre o que se destaca: VII gestão integrada de resíduos sólidos; XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; XII - integração dos catadoras e catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; CONSIDERANDO que a experiência demonstra que as propostas e os valores para o serviço de coleta do lixo praticados pelas empresas terceirizadas, ou mesmo diretamente pelo poder público municipal, sempre serão propostas e valores superiores aos custos que a Administração Pública teria com a contratação direta da organização de catadoras e catadores, pois na presente hipótese devem ser incluídos resultados não apenas econômicos, mas em especial ambientais e sociais, os últimos inalcançáveis de outro modo. CONSIDERANDO o disposto na Convenção n.º 182, da Organização Internacional do Trabalho, devidamente ratificada pelo Brasil, que trata das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para a sua eliminação, estabelecendo em seu artigo 3º que, para os efeitos da Convenção a expressão “as piores formas compreende, dentre outras, o trabalho de crianças e adolescentes na coleta de material reciclável, nos “lixões” e aterros e também nas vias urbanas e logradouros públicos; CONSIDERANDO o disposto no artigo 227 da Constituição Federal, que diz “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”; CONSIDERANDO o disposto no artigo 5º, da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 199 que diz “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais”; CONSIDERANDO o disposto no artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, que proíbe o trabalho em local perigoso, insalubre e o trabalho noturno a adolescentes com idade inferior a 18 anos; CONSIDERANDO o disposto no artigo 83, inciso III e V, da Lei Complementar 75/93, que estabelece “compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: (...) III – promover ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; (...) V – propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho”. vêm o Município acima referido, através do seu representante legal, firmar Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, comprometendo-se a: Cláusula 1ª) Apresentar no prazo de 30 (trinta) dias, Plano Municipal Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos, observando as diretrizes estabelecidas na Lei 12.305/2010; Cláusula 2ª) O Plano Municipal Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos deverá prever as seguintes obrigações que deverão ser cumpridas pela Municipalidade: 2.a) Cadastrar todas as catadoras e catadores de materiais recicláveis e seus familiares, inserindo-os no cadastro único (CadÚnico) do Governo Federal no campo próprio (catador) e como público prioritário. Insere-se na presente obrigação sejam providenciados os documentos de identificação pessoal dos cadastrados exigidos por lei (catadoras e catadores e familiares) a cargo do Município, como certidão de nascimento, RG, CPF, incluindo segundas vias de documentos extraviados. 200 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 2.b) Garantir a formalização das associações ou cooperativas das catadoras e catadores de materiais recicláveis, oportunizando a participação de todos, inclusive aqueles que desenvolvem atividades de maneira individual nas ruas e nos lixões, em prazo não superior a 60 (sessenta) dias, devendo ser apresentadas nos autos cópias dos seguintes documentos: atas das reuniões prévias realizadas, ata da assembleia de constituição, lista de presença e estatutos devidamente registrados em Cartório. 2.c) Garantir que a coleta seletiva (todo resíduo sólido reciclável e reutilizável produzido no Município) será realizada pelas associações ou cooperativas de catadoras e catadores, exclusiva e diretamente, mediante o apoio operacional da administração pública municipal, com a previsão expressa de que as associações e cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis serão responsáveis pela coleta, tratamento e processamento de todo resíduo sólido reciclável e reutilizável, inclusive resíduos orgânicos, gerados no Município, remunerando justa e adequadamente tais serviços, com a previsão orçamentária e de repasses financeiros para viabilização do trabalho, de acordo com os preços de mercado, podendo ser utilizado como parâmetro os valores atualmente pagos à empresa que presta tais serviços ao Município, incluindo o custo da mão de obra individual, que não pode ser inferior ao previsto da Lei 12.690, de 19.07.2012. Cláusula 3ª) Promover e comprovar, em 90 (noventa) dias, a contratação das associações ou cooperativas, conforme estabelece o artigo 24, inciso XXVII da Lei 8.666/93. Cláusula 4ª) Implementar campanha permanente de Educação Ambiental (formal e não formal) para toda a população, para que haja a segregação correta do resíduo reciclável e do resíduo orgânico na fonte geradora (domicílios, empreendimentos comerciais e industriais) bem como para que o trabalho realizado pelas catadoras e catadores de materiais recicláveis tenha a sua importância devidamente reconhecida por toda a população, com periodicidade mínima semestral e mediante comprovação documental, nos meios televisivos, rádios e jornais. Cláusula 5ª) Realizar análise gravimétrica e volumétrica iniciais, Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 201 prévias à contratação dos catadores, que será anexada ao contrato da associação ou cooperativa, com posteriores análises, com periodicidade semestral dos resíduos urbanos, para verificação da qualidade da separação e da eficiência da campanha de educação ambiental, com apresentação dos laudos técnicos nos autos; Cláusula 10ª) Fornecer gratuitamente, e para uso definitivo, às associações e cooperativas de catadoras e catadores, no prazo de 90 dias, todos os meios necessários para a realização da coleta, tanto a seletiva, quanto a de orgânicos, bem como para o tratamento e processamento dos resíduos, tais como: Cláusula 6ª) Garantir o atingimento das seguintes metas quanto à coleta seletiva e a partir da assinatura do presente compromisso: 1º ano 5% do total de resíduos recicláveis; 2º ano 10% do total de resíduos recicláveis; 3º ano 15% do total de resíduos recicláveis; 4º ano 20% do total de resíduos recicláveis; 5º ano 25% do total de resíduos recicláveis; 6º ano 30% do total de resíduos recicláveis; 7º ano 35% do total de resíduos recicláveis; 8º ano 40% do total de resíduos recicláveis; 9º ano 45% do total de resíduos recicláveis; 10% ano 50% do total de resíduos recicláveis e assim sucessivamente até atingir 100% do total de resíduos recicláveis. 10.1) áreas (espaços físicos) e galpões próprios de armazenagem e beneficiamento do material coletado (resíduos recicláveis e resíduos orgânicos – Central de Triagem e Compostagem), em quantidade e tamanho compatíveis com a necessidade e em condições de uso imediato, equipados com prensa, balança, baias de separação e sanitários de uso masculino e feminino, transpallet, empilhadeiras, mesas de triagem, esteiras, água potável, material de higiene coletivo (papel higiênico, sabão, sabonete, toalhas de papel, etc), refeitório de acordo com as especificações legais, além do atendimento das demais normas de segurança, que deverão ser adotadas a partir do início das atividades em cada local de trabalho, em especial: Cláusula 7ª) Garantir que a coleta de resíduos orgânicos alcance as seguintes metas a contar da data da assinatura do presente compromisso: 1º ano 30% do total de resíduos orgânicos; 2º ano 50% do total de resíduos orgânicos; 3º ano 70% do total de resíduos orgânicos; 4º ano 90% do total de resíduos orgânicos; 5% ano 100% do total de resíduos orgânicos. Cláusula 8ª) Garantir que o encerramento dos lixões ou da área de destinação final inadequada aconteça simultaneamente com o cumprimento das obrigações pactuadas no presente instrumento. Cláusula 9ª) Garantir às catadoras e catadores, com prioridade aos que residam nos lixões e ou em áreas de risco e que se encontram em situação de rua, ações relacionadas à Saúde (Atenção Básica; Consultórios de Rua; Equipe de Saúde da Família; Vigilância em Saúde; Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador); à Assistência Social e Cadastro Único (Erradicação do Trabalho Infantil; CRAS; Centros Pop e BPC); acesso com prioridade à moradia (Minha Casa Minha Vida; PAC) e atendimento jurídico (Defensoria Pública). Prazo de 30 dias, com possibilidade de prorrogação mediante justificativa e devidamente documentada. 202 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 a) elaborar e implementar o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, na forma da NR-09; b) elaborar e implementar o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, na forma da NR-07; c) elaborar os laudos de insalubridade e periculosidade, na forma da NR-15; d) realizar a análise ergonômica do trabalho, na forma da NR-17; e) fornecer gratuitamente 02 conjuntos de uniformes de cor berrante (sinalização) protegidos por Scothgard (impermeabilizador) para catadoras e catadores, procedendo a sua reposição planejada e com periodicidade eficaz, em prazo nunca superior a seis meses; f) fornecer gratuitamente a catadoras e catadores de materiais recicláveis os equipamentos de proteção individual adequados às atividades, aos riscos e em perfeito estado de conservação e funcionamento, na forma da NR-06, em especial do tipo: a) Botina Fujiwara CA 8864; b) Luvas de Kevlar com revestimento externo Nitrílico comprimento ¾; c) Creme Protetor para pele classe águaóleo resistentes CA 9611 ou CA 11281, para as mãos e antebraços; d) Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 203 sinalizador tipo colete refletivo ou colete luminoso para os coletores do turno noturno; e ) protetor facial acoplado a boné, para proteção da face; g) providenciar o treinamento dos catadoras e catadores, na forma da NR - 1, sobre os seguintes temas: uso dos equipamentos de proteção, segurança para movimentação no trânsito, físico para as atividades de esforço físico (aquecimento e alongamento), levantamento seguro de pesos e cinta abdominal em levantamento de grandes pesos; 10.2) Adquirir e transferir veículos automotivos em quantidade e qualidade que possibilitem o recolhimento de todo o resíduo gerado no Município; 10.3) Prestar assessoria técnica, social e operacional, contínuas e permanentes, as quais deverão se pautar na não interferência da gestão das associações e cooperativas bem como na garantia da autonomia e viabilidade econômica e social dos empreendimentos; 10.4) Além dos veículos automotivos (caminhões e similares), caso necessário, fornecer carrinhos elétricos de coleta, padronizados e equipados com faixas sinalizadoras de segurança e que atendam às condições ergonômicas; 10.5) Realização de cursos de alfabetização, elevação da escolaridade (EJA), capacitação e formação continuados para catadoras e catadores, incluindo os integrantes da família, com periodicidade mínima anual, cujo conteúdo mínimo deverá contemplar os temas: autogestão; gestão contábil e financeira; gestão de cooperativas populares; cooperativismo popular; Economia Solidária; medicina e segurança do trabalho; trabalho infantil; cuidados no trânsito; cadeia da reciclagem popular, os quais deverão ser validados e realizados em parceria com as representações locais e nacionais do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e utilizada a metodologia da Educação Popular. 10.6) Destinação à organização ou às organizações dos catadoras e catadores de todo o resíduo urbano reciclável gerado no Município, coletado ou não pelas catadoras e catadores, inclusive aqueles gerados nos órgãos públicos municipais da administração direta e indireta; 204 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 10.7) Realizar exames médicos ocupacionais periodicamente para todas as catadoras e catadores, de acordo com as indicações do PCMSO - Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional, às expensas do Município; 10.8) Realizar outras ações de acordo com as necessidades que vierem a ser apresentadas pelas próprias catadoras e catadores e definidas em comum acordo com o Município, com comprovação documental. Prazo imediato. Cláusula 10ª) Promover a inclusão social dos filhos e filhas dos catadoras e catadores de materiais recicláveis, na faixa etária de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos, em programas sociais existentes ou a serem criados, em especial em períodos de recesso escolar e em horários compatíveis com o horário de trabalho dos pais e mães, ou seja, além do horário comercial. Prazo: início ano letivo do próximo semestre. Cláusula 11ª) Garantir vagas nos centros de educação infantil para atendimento em período integral de todas as crianças das famílias de catadoras e catadores de materiais recicláveis, na faixa etária de 0 (zero) a 05 (cinco) anos, no início do segundo semestre deste ano e mediante comprovação documental. As vagas deverão ser disponibilizadas no centro de educação infantil mais próximo da residência do beneficiado. Prazo: 30 dias. Cláusula 12ª) Garantir o atendimento das crianças e adolescentes das famílias de catadoras e catadores de materiais recicláveis, com idade entre 06 (seis) e 14 (catorze) anos incompletos, em programas de contra-turno escolar, com realização de atividades sócio-educativas, cujo atendimento deverá iniciar juntamente com o início do segundo semestre do ano letivo deste ano. Cláusula 13ª) Garantir a todos os adolescentes das famílias de catadoras e catadores de materiais recicláveis na faixa etária de 14 (catorze) a 18 (dezoito) anos incompletos programa de formação profissional, nos termos da Lei 10.097/2000 (Lei da Aprendizagem). Prazo de 90 (noventa) dias. Cláusula 14ª) Exigir de todos os geradores de resíduos sólidos instalados em seu território o cumprimento das seguintes obrigações: Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 205 14.a) Apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias, plano de gerenciamento de resíduos sólidos, que deverá contemplar, dentre outros aspectos técnicos, também ações de caráter social, consistentes em : 14.b) Implantação de Programa Permanente de Separação Seletiva dos Resíduos Sólidos Recicláveis, mediante a realização de cursos, palestras, encontros, etc., com o objetivo de capacitar e formar todos os seus empregados/alunos/condôminos/parceiros/fornecedores para a correta segregação dos resíduos sólidos produzidos nas suas instalações. Prazo de 60 (sessenta) dias para comprovação documental devidamente protocolada no órgão ambiental municipal, com identificação do resultado dos primeiros trabalhos. A formação para a separação seletiva dos resíduos sólidos recicláveis deverá demonstrar a importância do trabalho realizado pelas catadoras e catadores de materiais recicláveis, valorizando tal atividade. Também deverão ser realizadas ações continuadas, comprovadas documentalmente a cada (06) seis meses, contemplando o conjunto de ações realizadas e resultados obtidos. 14.c) A celebração de convênio com as organizações de catadoras e catadores formalmente constituídas, com o objetivo de fornecimento de todo o resíduo sólido reciclável produzido em todas as suas unidades e departamentos, estabelecendo o necessário “protocolo” que deverá contemplar o volume e tipo do lixo reciclável produzido diariamente, a tabela dos dias e horários de quando deverá ocorrer a coleta pela organização de catadoras e catadores, facilitando a estes o acesso e o desenvolvimento do seu trabalho. Prazo de 30 (trinta) dias. Cláusula 15ª) Não emitir alvará de localização e funcionamento para empresas que solicitarem autorização para realização de atividades diversas daquelas detalhadas no seu objeto social ou para atividades que impliquem em armazenamento e comercialização de resíduos sólidos sem o prévio licenciamento ambiental e sanitário bem como para as que descumprirem a cláusula 14ª, item “b”. Cláusula 16ª) Encaminhar para aprovação pelo Legislativo Municipal projeto de lei instituindo a cobrança de taxa de coleta dos resíduos sólidos. 206 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Cláusula 17ª) Aprovar Decreto Municipal similar ao Decreto Federal 5.940/2006. Cláusula 18ª) Instituir coleta do óleo de cozinha usado, visando a sua reutilização/transformação em novo produto, o que deverá ser realizado pelas catadoras e catadores, agregando valor ao trabalho dos mesmos e garantindo a destinação final adequada deste resíduo. Cláusula 19ª) Instituir central de tratamento dos resíduos orgânicos, seja para compostagem ou geração de biogás, compartilhando a gestão com catadoras e catadores de materiais recicláveis, os quais poderão comercializar o composto, o gás e a eletricidade, garantindo a viabilidade econômica dos seus empreendimentos. Cláusula 20ª) Encerramento do lixão: O lixão deverá ser encerrado até o prazo fixado para que as associações e cooperativas detenham todos os meios necessários para a realização dos serviços a serem contratados, ou seja, em 90 dias a contar da assinatura do presente documento. a) Recuperação da área degradada: O Município deverá apresentar, em 30 dias, plano de recuperação da área do lixão, identificando as atividades que serão realizadas, as tecnologias que serão empregadas e o prazo de cumprimento de cada etapa. b) Captação do gás metano na área do lixão: O Município adotará todas as providências necessárias para a captação do gás metano que é gerado no lixão, em caso de sua viabilidade econômica, pelo período em que houver produção de gás metano, transferindo para as associações e cooperativas de catadores a gestão da atividade e a livre comercialização ou utilização do gás captado. Cláusula 21ª) Notificar todos os estabelecimentos não pertencentes a catadoras e catadores de materiais recicláveis e que tenham por objetivo a compra e comercialização de resíduos recicláveis para que apresentem, em 30 dias, o alvará de licenciamento e localização bem como o devido licenciamento ambiental, determinando o encerramento das atividades daqueles comprovadamente irregulares. Prazo de 30 dias. Cláusula 22ª) Apresentar, no prazo de 90 (noventa) dias, projeto de Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 207 lei perante a Câmara Municipal visando à implementação de programa social municipal para erradicar o trabalho infantil, o qual deverá ser apresentado nos autos no prazo de 120 (cento e vinte) dias; Cláusula 23ª) Apresentar, no prazo de 90 (noventa) dias, projeto de lei perante a Câmara Municipal visando à implementação de programa pró catador, o qual deverá ser apresentado nos autos no prazo de 120 (cento e vinte) dias; Cláusula 24ª) Condicionar a expedição e manutenção do Alvará de Licenciamento e Localização ao cumprimento da cláusula 14ª, “c” deste termo e à assinatura do anexo. Cláusula 25ª) Afixar no quadro de editais do prédio da Prefeitura, cópia do presente Termo. Cláusula 26ª) Pelo descumprimento do ora avençado, o Município sujeitar-se-á ao pagamento de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por obrigação descumprida, reversível ao Fundo “tal”, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal da autoridade pública, ficando a pessoa física do chefe do executivo municipal responsável solidariamente, inclusive respondendo com o seu patrimônio pessoal. Cláusula 27ª) O presente Termo de Compromisso terá acompanhamento do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Estadual, através das Promotorias Locais, da Superintendência Regional do Trabalho e do Conselho Tutelar. Cláusula 28ª) Esse ajuste tem vigência imediata, a partir de sua assinatura, e é firmado por prazo indeterminado, ficando assegurado o direito de revisão das cláusulas e condições, em qualquer tempo, por meio de requerimento ao Ministério Público. nome e assinatura membro do MP nome e assinatura representante legal Município 208 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 ANEXO. Modelo de Compromisso a ser firmado pelos estabelecimentos solicitantes de Alvará de Localização e Funcionamento, conforme previsão da Cláusula 17ª. COMPROMISSO (ato indispensável para a concessão e manutenção do Alvará) (Nome do solicitante do alvará, qualificação, endereço completo e telefone para contato) vem perante este Município de _______________________ declarar, para os devidos fins de direito, que possuo conhecimento acerca da legislação em vigor a respeito da proibição do trabalho infantil e dos dispositivos legais que protegem o adolescente trabalhador, em especial no que se refere às piores formas de exploração do trabalho infantil, destacando-se a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Declaro, ainda, o recebimento de material informativo sobre os direitos da criança e do adolescente, inclusive quanto trabalho infantil e suas piores formas e trabalho do adolescente. Fui amplamente informado das penalidades existentes no Direito Pátrio, comprometendo-me a seguir os ditames legais, sob pena de, em cometendo ato contrário à legislação que protege o direito da criança ou do adolescente, conforme a constatação da fiscalização municipal, Conselho Tutelar e demais autoridades competentes, desde já estou ciente da IMEDIATA CASSAÇÃO do Alvará de Localização e Funcionamento pela Municipalidade, sem prejuízo dos procedimentos cíveis e criminais cabíveis. Comprometo-me, ainda, a ser multiplicador da legislação que proíbe a exploração do trabalho infantil e da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes bem como da legislação que protege o adolescente trabalhador. Desde já autorizo a afixação de cartazes ou similares em meu estabelecimento, a fim de que proporcionem publicidade dos dispositivos legais mencionados ou de campanhas alusivas aos temas. Era o que tinha a declarar. (Município) (data) (assinatura) Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 209 MODELO DE DIAGNÓSTICO DOS MUNICÍPIOS Deverão ser apresentadas ainda as seguintes informações: a) Nº de menores de 14 anos atendidos pelo PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; Nome do Estado Nome do Município e população urbana b) Situação de moradia dos catadores; Renda média dos habitantes do município c) Condições de saúde e alimentação dos catadores; Quantidade de lixo coletada no município Forma de coleta e destinação final do lixo ( ) Lixão no município ( ) Coleta Comum ( ) Aterro Sanitário ( ) Coleta Seletiva ( ) Aterro Controlado d) Apoio da Prefeitura; e) Parcerias existentes; f) Potencial de articulação de novas parcerias. O município elaborou o plano de Sim gerenciamento integrado dos resíduos sólidos conforme Lei 12.305/10? Anexar cópia do plano se elaborado. Não Quantificação de catadores no Município Lixão MODELO DE LEI MUNICIPAL CRIANDO O PROGRAMA PRÓ-CATADOR PROJETO DE LEI DO PROGRAMA PRÓ-CATADOR E PROIBIÇÃO DE INCINERAÇÃO Lixão Dispõe sobre a criação do Programa de Coleta Seletiva com Inclusão Social e Produtiva das catadoras e catadores de Materiais Recicláveis - PRÓ-CATADOR - e o sistema de logística reversa e seu Conselho Gestor e dá outras providências. Ruas Lixão Tipos e quantidade de recicláveis que catam Ruas Lixão Artigo 1º. Fica criado o Programa de Coleta Seletiva com inclusão social das catadoras e catadores de materiais recicláveis - PRÓ-CATADOR, bem como a implementação de sistema de logística reversa, em conformidade com a Lei Federal 12.305, de 02 de agosto de 2010, regulamentada pelo Decreto nº 7.404 de 23 de dezembro de 2010. Ruas Famílias Solteiros Crianças Adolescentes Total Grau de escolaridade Ruas Homens Mulheres Crianças Adolescentes Período e horário de trabalho Adultos Crianças e adolescentes Adultos Crianças e adolescentes Renda mensal Ruas Lixão Ruas Lixão Adultos Crianças Organização social Associação Cooperativa Desorganizados 210 Artigo 2º. O Poder Executivo Municipal deverá aderir ao Programa Pró-Catador, instituído pelo Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010, em apoio e fomento à organização produtiva das catadoras e catadores de materiais recicláveis, à melhoria das condições de trabalho, à ampliação das oportunidades de inclusão social e econômica e à expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos, da reutilização e da reciclagem por meio da atuação desse segmento organizado em cooperativas ou associações autogestionárias. Artigo 3º. Fica instituído o Conselho Gestor do Programa Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 211 Pró-Catador tendo por objetivo a inserção social e econômica e de valor social e de geração de trabalho e renda e promotor das catadoras e catadores de resíduos sólidos recicláveis, organizados em cooperativas e associações autogestionárias. orgânicos, realizados pelas associações ou cooperativas de catadores serão remuneradas pelos serviços prestados pelo Município mediante a formalização de contratos administrativos e com dispensa de licitação, conforme prevê o artigo 24, inciso XVII, da Lei 8.666/93. § 1º. O Programa Pró-Catador e o seu Conselho Gestor passam a integrar o Sistema de Limpeza Urbana do Município. § 1º. O contrato mantido entre as partes deverá prever recursos para o pagamento pela prestação de serviços, acrescidos de valores necessários para fazer frente a despesas de aquisição e manutenção de equipamentos, galpões de armazenamento e veículos automotivos, equipamentos de proteção individual e coletivo, assistência técnica e social, contratação de equipe técnica, manutenção das atividades bem aqueles decorrentes da Lei 12.690/2012. § 2º. Entende-se por resíduos sólidos recicláveis os resíduos secos provenientes de domicílios ou de qualquer outra atividade que gere resíduos com características dos domiciliares ou a estes equiparados tais como papel, papelão, plástico, vidro, madeira, metais e outros materiais reaproveitáveis. § 3º. Para efeito desta Lei entende-se por cooperativas ou associações autogestionárias de catadores de resíduos sólidos recicláveis aquelas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda bem como as entidades de 2º ou 3º grau formadas a partir destas. Artigo 4º. As cooperativas e associações de catadores de resíduos sólidos, na qualidade de operadores do sistema de limpeza urbana do Município, prestarão serviços de coleta, triagem, tratamento, comercialização, transformação, recuperação e destinação final de resíduos sólidos recicláveis e resíduos orgânicos bem como de educação ambiental. Artigo 5º. Fica proibida a utilização de tecnologias de incineração no processo de destinação final dos resíduos sólidos urbanos oriundos ou não da coleta convencional, incluindo a pirólise, co-geração ou qualquer outra tecnologia que utilize resíduos sólidos como matéria-prima para a combustão. Parágrafo Único. A proibição prevista no “caput” veda, inclusive, a concessão pública ou a formação de parceria públicoprivada para empreendimento que promova o aproveitamento energético a partir da incineração de resíduos sólidos urbanos. Artigo 6º. Os serviços de coleta, triagem, beneficiamento, comercialização e tratamento dos resíduos sólidos recicláveis e 212 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 § 2º. Tendo em vista a realização dos serviços de coleta, triagem, beneficiamento e comercialização de resíduos sólidos, a Administração Municipal está autorizada a permitir a utilização de bens imóveis municipais pelas associações cooperativas de catadores conveniadas pelo Programa Pró-Catador, mediante concessão ou permissão de uso. § 3º. As cooperativas e associações participantes do Programa Pró-Catador poderão utilizar seus próprios meios para a coleta dos resíduos sólidos recicláveis, assim como para as demais atividades dos serviços. § 4º. Com vistas a incentivar o processo de inclusão social e econômica das catadoras e catadores, a Prefeitura Municipal deverá integrar o programa de coleta seletiva com inclusão social das catadoras e catadores às políticas dirigidas à garantia dos direitos sociais de saúde, educação e moradia. Artigo 7º. As cooperativas e associações participantes do Programa Pró-Catador também coletarão os materiais recicláveis provenientes dos órgãos públicos municipais e aqueles resultantes da atividade produtiva dos empreendimentos comerciais, industriais e outros, de acordo com o artigo 58 do Decreto 7.404/2010. Artigo 8º. As cooperativas e associações de catadores participantes do Programa Pró-Catador, em conjunto com o Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 213 § 2º. O Conselho Gestor terá a seguinte composição setor empresarial, irão desenvolver, com exclusividade, ações e procedimentos na operacionalização do sistema de logística reversa, com previsão de contratação e o pagamento pelos serviços. mínima: Artigo 9º. O Conselho Gestor do Programa Pró Catador, com a finalidade de apoiar a estruturação e implementação, para fins de ações do Programa Pró-Catador, poderá firmar convênios, contratos de repasse, acordos de cooperação, termos de parceria, ajustes ou outros instrumentos de colaboração. II. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes de cada cooperativa ou associação, eleitos entre os seus membros. § 1º. Compete ao Conselho Gestor do Programa Pró I. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (ou similar) III. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da Ação Social ; II. credenciar as cooperativas e associações que integram os serviços do Programa; IV. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da Secretaria Municipal de Educação; V. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da Secretaria Municipal de Saúde; VI. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da Companhia Municipal de Habitação (ou similar); III. definir a área geográfica de atuação de cada cooperativa ou associação; VII. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da Câmara de Vereadores. IV. apoiar a organização em redes de comercialização e cadeias produtivas integradas por associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis; VIII. 2 (dois) representantes e 2 (dois) suplentes, indicados pelos representantes do MNCR- Comissão Estadual. Catador: I. coordenar os serviços do Programa; V. fiscalizar a utilização dos recursos repassados pela municipalidade; VI. fiscalizar a execução da ações de logística reversa, definindo procedimentos de integração do setor empresarial. VII. fiscalizar a execução da coleta de materiais recicláveis provenientes de médios e grandes geradores, definindo procedimentos de integração do setor empresarial. VIII. fixar cronogramas das ações; IX. realizar programas e ações de capacitação técnica voltadas à implementação e continuidade do Programa Pró Catador; Programa. X. dirimir dúvidas e conflitos no âmbito dos serviços do XI. Aprovar seu Regimento Interno. 214 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 § 3º. Os membros do Conselho Gestor serão indicados pelas suas respectivas entidades. JUSTIFICATIVA Da Constitucionalidade O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, protegido pela própria Constituição Federal de 1988, cujo artigo 225 o considera bem de uso comum do povo e essencialmente à sadia qualidade de vida. O parágrafo 3.º do referido artigo trata da responsabilidade penal, administrativa e civil dos causadores de dano ao meio ambiente, independente da obrigação de reparar os danos causados. No que tange a competência para legislar em matéria Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 215 ambiental, diz o artigo 23, inciso VI, da Magna Carta, ser competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. É desta forma, pois seria prejudicial atribuir responsabilidades de assuntos de elevado interesse público e relevantes temas coletivos e nacionais, a qualquer ente de modo isolado. O Constituinte, portanto, tratou de elencar as competências comuns a todos os entes políticos, o que equivale dizer que não há supremacia de uns sobre os outros. Diferentemente da competência concorrente, prevista no artigo 24 da Magna Carta, onde existem determinadas regras de prevalência das normas da União sobre as normas estaduais, na competência comum, a tônica é a cooperação entre as variadas unidades políticas para, em conjunto, executarem diversas medidas visando, entre outros aspectos, a proteção de bens de uso comum, tais como o meio ambiente que interessem a todos, indistintamente. Assim, os entes federativos têm legitimidade para legislar sobre matéria relacionada à questão ambiental. Logo, o Projeto de Lei n. º 362/2012, que trata sobre a proibição de incineração no Estado do Paraná, não possui nenhum entrave constitucional, já que se encontra dentro dos ditames da competência comum ao tratar de questões ambientais, definindo a proibição de uma atividade que trará danos ao meio ambiente. Mesmo que se alegue afronta a legislação federal n. º 12.305/2010, haja vista, a existência em tal lei de possibilidade de reaproveitamento energético, sabe-se que a incineração é apenas uma das técnicas de reaproveitamento, existindo outros tipos de aproveitamento energético. Assim, o Projeto de Lei proibindo a incineração não ofende a legislação federal, uma porque trata sobre meio ambiente e a Constituição Federal disciplina a competência no tema como sendo comum, duas porque reaproveitamento energético possui diversas outras técnicas que podem ser implementadas e que não trazem 216 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 tantos danos ao meio ambiente como a incineração. A tecnologia da incineração empregada atualmente no país não faz uso do aproveitamento energético, sendo necessários alguns aprimoramentos tecnológicos para permitir esse aproveitamento de forma economicamente viável e ambientalmente correta. Por fim, não há ofensa a ordem econômica, isto porque o artigo 170 da Constituição Federal de 1988 estabelece limites à atividade econômica de modo a salvaguardar, dentre outros, os recursos ecológicos, para evitar um crescimento econômico insatisfatório. [...] quando o crescimento econômico apenas privilegia a adoção de métodos produtivos mais eficazes e o aumento da capacidade de acumulação de riqueza sem levar em consideração os correspondentes impactos ambientais.1 Desta forma, oportunamente averba Caliendo: a efetivação do princípio constitucional econômico segundo a diretriz de defesa dos recursos naturais implica, na mudança de todo o padrão de acumulação de capital, na mudança do padrão e do conceito do desenvolvimento econômico.2 Ademais, o fim da ordem econômica não é outro, senão, assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, passando necessariamente pela convergência da proteção dos recursos naturais e da preservação da qualidade ambiental. E a técnica da incineração traz mais prejuízos do que benefícios, vez que há a emissão de gases tóxicos e a tecnologia empregada ainda não é totalmente segura e extremamente dispendiosa. Dos Impactos Sociais, Econômicos e Ambientais O presente projeto tem por escopo a aprovação em Curitiba de Lei que promova a inclusão social e econômica das 1 LUPION, Ricardo. Proteção ao Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. In: Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora, ano 2, n.3, abr/jun. 2008. p. 153. 2 CALIENDO, Paulo. Direitos Fundamentais, Direito Tributário e Análise Econômica do Direito: Contribuições e Limites. In: Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora, ano 1, n. 7, abr/jun. 2009. p. 395. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 217 catadoras e catadores de materiais recicláveis e proíba a incineração de resíduos sólidos e recuperação energética de resíduos sólidos urbanos mediante a utilização de processo de pirólise, como medida de proteção da saúde de toda a população contra a emissão de agentes poluentes cancerígenos, também como medida de proteção ambiental e de proteção da renda da população que sobrevive da venda de resíduos sólidos recicláveis. O Brasil é signatário da Convenção de Estocolmo, o que fez mediante publicação do Decreto 5.472/2005, que visa combater a emissão de poluentes orgânicos persistentes, incluindo em tais categorias as dioxinas emitidas por incineradores de resíduos sólidos urbanos, seja para qual fim, inclusive recuperação energética. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) no artigo 3º, inciso VII, estabelece quais as diretrizes devem ser adotadas para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, determinando que devem ser observadas normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos. O artigo 9º da PNRS estabelece quais são essas DIRETRIZES, estabelecendo uma ordem de prioridade, no seguinte sentido: 1º - redução, 2º - reutilização, 3º - reciclagem, 4º - tratamento dos resíduos sólidos e, finalmente, disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Já o artigo 9º, § 1º, da Lei 12.305/10 prevê a utilização de tecnologias visando a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovados pelo órgão ambiental. Amparados na exceção prevista no §1º do artigo 9º, diversos Municípios do Paraná passaram a divulgar a adoção da tecnologia combatida pela Convenção de Estocolmo, que é a incineração de resíduos sólidos urbanos, porém utilizam o termo “recuperação energética de resíduos sólidos urbanos”, o que fazem em desatendimento da ordem de prioridades estabelecida no artigo 218 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 9º da Lei 12.305/2010. De se atentar que a Lei 12.305/2010 não poderia permitir a “recuperação energética de resíduos sólidos”, eis que contraria o disposto em Convenção Internacional ratificada pelo Brasil no ano de 2005 (Convenção de Estocolmo), de status hierárquico superior à Lei 12.305, como a tecnologia em si mesma não é permitida pela análise sistêmica da própria Política Nacional de Resíduos Sólidos. Vejamos. O art. 3º, inciso X, da PNRS, estabelece que o gerenciamento de resíduos sólidos deve ser um conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma da Lei. Não há como se compreender que a incineração seja considerada a destinação ou disposição final mais ambientalmente adequada que todas as demais tecnologias existentes, como, por exemplo, os processos de reciclagem e compostagem, este último inclusive propiciando a geração de energia limpa. O mesmo art. 3º, inciso XI, prevê que a gestão integrada de resíduos sólidos é um conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável, o que vez mais repele inexoravelmente a incineração sob qualquer ótica. A “recuperação energética” que envolva processo de pirólise, vale dizer, a incineração de resíduos sólidos, jamais poderá ser considerada a solução ambiental mais adequada, tendo em vista a Convenção de Estocolmo que exige dos países signatários a eliminação de tal tecnologia. Também não pode ser a solução social mais adequada, tendo em vista que retira do ciclo correto, que é o da reciclagem, por exemplo, o material que, no caso, será incinerado, quando deveria Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 219 compor a renda das catadoras e catadores de materiais recicláveis, que dependem deste trabalho para a própria sobrevivência. O material reciclável que será incinerado deveria ir para as cooperativas de catadores de materiais recicláveis, com o objetivo de emancipação social e econômica das famílias que hoje vivem em situação de extrema vulnerabilidade. Neste sentido a própria PNRS, no artigo 6º, inciso VIII, que diz “o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania” e no artigo 7º, inciso XII que prevê a “integração das catadoras e catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”. Não há, ainda, nenhum controle social, pois se de fato houvesse, nenhuma tecnologia que viesse a ameaçar a saúde de toda a população, como é a hipótese das incineradoras, seria aprovada! Por fim, não havendo as premissas do desenvolvimento sustentável, não se pode afirmar que a tecnologia que prevê a recuperação energética de resíduos sólidos seja, de fato, compatível com os princípios e objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos bem ainda com a Convenção de Estocolmo, analisados sistemicamente, de modo que a incineração se mostra totalmente incompatível na medida que esta modalidade necessariamente importa em emissão de poluentes cancerígenos (dioxinas e furanos) ou poluentes orgânicos persistentes (POPs). de lei. 220 São essas as razões que fundamentam o presente projeto Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Peças processuais TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA PELA FISCALIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS OBRAS DE CONSTRUÇÃO E REFORMAS DE PONTES NAS ESTRADAS DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pelos Procuradores do Trabalho signatários, com endereço na Rua Pimenta Bueno, 139 – Bairro Amambaí – Campo Grande/MS – CEP: 79.005-020 (doravante denominado “MPT”); O ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL – SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS E TRANSPORTE, por meio do seu Secretário, com endereço na Av. Desembargador José Nunes da Cunha, s./n, Parque dos Poderes, bloco 14, (doravante denominado “ESTADO DE MS”); A AGÊNCIA ESTADUAL DE GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS DE MATO GROSSO DO SUL – AGESUL, por meio da Diretora-Presidente subscrita, com endereço na Av. Desembargador José Nunes da Cunha, s./n, Parque dos Poderes, bloco 14 ,(doravante denominada “AGESUL”); e A Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho no Estado de Mato Grosso do Sul (CPIFCT/MS), por meio de seu Coordenador subscritor, com endereço na Rua 14 de Julho, 992, Campo Grande (doravante denominado “COMISSÃO PERMANENTE”); CONSIDERANDO 1. que o valor social do trabalho é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF); Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 223 2. que é direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7°, XII, da CF); 1. que a Constituição Federal aduz que Ordem Econômica é fundada na valorização do trabalho humano digno (art. 170, “caput”); 2. que os arts. 58, inciso III, e 67, caput e seu § 1º, da Lei de Licitações (8.666/93) impõem à Administração Pública contratante o poder-dever de fiscalizar o cabal e oportuno cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo contratado que foi o selecionado no procedimento licitatório - dentre elas, evidentemente, as que decorrem da observância das normas trabalhistas, em relação aos empregados que prestarem serviços, como terceirizados, ao ente público; 3. que o art. 77 desta Lei nº 8.666/93 prevê que a inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento; 4. que o art. 78 da citada lei prevê como motivo para a rescisão contratual o não cumprimento ou o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos, assim como o cometimento reiterado de faltas na sua execução e o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, aí incluído o inadimplemento de suas obrigações trabalhistas; 5. que A AGESUL possui um grande número de empresas contratadas para construírem e/ou reformarem pontes; 6. que a referida atividade – serviço em pontes – caracteriza-se como atividade de construção civil, atraindo a aplicação, mas não somente, da NR 12 do Ministério do Trabalho e Emprego; Resolvem celebrar o presente Termo de Cooperação Técnica pela Fiscalização das Condições de Trabalho nas Obras de Construção e Reforma de Pontes nas Estradas do Estado de Mato Grosso do Sul, que será regido pelas seguintes disposições: CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETIVO GERAL E DA 224 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 CRIAÇÃO DE COMITÊ PARA FISCALIZAR AS OBRAS EM PONTES DO ESTADO DE MS 1.1) O presente Termo de Cooperação Técnica pela Fiscalização das Condições de Trabalho nas Obras de Construção e Reforma de Pontes nas Estradas do Estado de Mato Grosso do Sul tem por objetivo criar parceria entre MPT, ESTADO DE MS, AGESUL E COMISSÃO PERMANENTE, no sentido de fixar normas de cooperação técnica na área de inspeção e fiscalização das condições de trabalho em obras contratadas pelo ESTADO DE MS, especificamente construção e reforma de pontes, visando a articulação e ações integradas entre os órgãos envolvidos sempre no intuito de resguardar a dignidade da pessoa humana daqueles que laboram para os prestadores de serviços. Parágrafo Único: Para atingir os fins propostos, os órgãos subscritores criam desde logo um COMITÊ de Fiscalização das Condições de Trabalho, notadamente cumprimento da NR 12 do MTE e das normas cogentes da CLT. CLÁUSULA SEGUNDA – DO FUNCIONAMENTO DO COMITÊ 2.1) O COMITÊ para fiscalizar as obras em pontes do ESTADO DE MS será composto por, ao menos, 01 (um) representante governamental – seja da Secretaria de Obras ou da AGESUL -, 01 (um) representante da Comissão Permanente e 01 (um) do MPT. 2.2) Os órgãos acima elencados informarão, no prazo de 10 (dez) dias da assinatura deste Termo de Cooperação Técnica, os nomes, cargos e lotações daqueles que comporão a COMITÊ ora tratado. 2.3) Deverá ser adotado, nas fiscalizações a serem efetivadas, o check list anexo a este Termo, sem prejuízo de demais ilicitudes/irregularidades verificadas. 2.4) O COMITÊ fiscalizará mensalmente, por meio de inspeção in loco, 01 (uma) obra de construção ou reforma de pontes Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 225 do ESTADO DE MS a partir de 60 (sessenta) dias da assinatura do presente Termo. Parágrafo primeiro. A escolha da obra a ser inspecionada se dará pelo voto da maioria dos órgãos que compõe o COMITÊ, sendo que em caso de empate prevalecerá o voto do representante do MPT. Parágrafo segundo. Dar-se-á preferência para inspecionar a obra que seja objeto de investigação em curso no MPT. Parágrafo terceiro. A inspeção in loco ocorrerá com a presença indispensável do(s) representante(s) do ESTADO DE MS, podendo ocorrer a participação de outros colaboradores convidados previamente pelos membros do COMITÊ. A participação do MPT fica condicionada à disponibilidade de seus representantes. 2.5) Deverá ser elaborado relatório no prazo de 15 (quinze) dias a partir da fiscalização, lavrados em 03 (três) vias e encaminhados à Diretora-Presidente da AGESUL, ao MPT e à COMISSÃO PERMANENTE para as providências cabíveis nas esfera de suas competências. Parágrafo único. Os relatórios encaminhados ao MPT deverão fazer referência ao PROMO n. 000343.2014.24.000/6 para fins estatísticos, ressaltando-se que seguirão a regra normal de distribuições dos feitos. CLÁUSULA TERCEIRA - DAS OBRIGAÇÕES DAS PARTES 3.1) Todos os signatários do presente Termo de Cooperação Técnica comprometem-se a disponibilizar, sempre que solicitados, todas as informações, dados, advertências, relatórios e/ ou avisos, entre outros, obtidos e/ou resultantes das operações fiscalizatórias em obras de pontes do Estado de Mato Grosso do Sul; 3.2) Participar de reuniões promovidas pelos demais órgãos subscritores do presente Termo; e 3.3) Sem prejuízo do aqui estabelecido, as partes poderão desenvolver e implementar outras ações complementares com o fim de atingir os resultados previstos na Cláusula Primeira, dando ampla 226 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 divulgação aos demais participantes. CLÁUSULA QUARTA – DAS OBRIGAÇÕES EXCLUSIVAS DO ESTADO DE MS E AGESUL 4.1) O ESTADO DE MS e a AGESUL serão responsáveis pelo fornecimento de veículos, inclusive com responsável pela condução, e outros custos para a realização da inspeção mensal que será realizada pelo COMITÊ instituído pelo presente Termo de Cooperação. Parágrafo único. O MPT, quando for o caso, participará com viatura própria e arcará com as despesas de seu representante. CLÁUSULA QUINTA – DA OBRIGAÇÃO EXCLUSIVA DO MPT 5.1) Nos termos do art. 8º, incisos II e III da Lei Complementar nº 75/1993, o MPT compromete-se, sempre que necessário, a provocar o ESTADO DE MS e a AGESUL para realizar fiscalizações em obras contratadas pelo Governo Estadual. CLÁUSULA SEXTA - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 6.1) Todas as comunicações entre as PARTES deverão ocorrer por escrito e enviadas aos endereços e pessoas constantes deste instrumento (ou indicadas por elas), por carta com aviso de recebimento ou outro meio assemelhado com prova de recebimento; 6.2) Os comunicados eletrônicos via internet (e-mails) poderão ser utilizados a título de troca de informação para abastecimento dos meios de comunicação, com vista a dar mais agilidade ao processo; 6.3) A alteração do endereço por qualquer uma das partes deverá ser de imediato comunicado por escrito às outras partes. Até que seja feita essa comunicação, serão válidos e eficazes os avisos e as comunicações enviadas para o endereço constante do preâmbulo deste instrumento; 6.4) O presente Termo de Cooperação Técnica tem prazo de 01 (um) ano, podendo as partes, contudo, por comum Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 227 acordo, prorrogar, assim como proceder revisões anuais se entendidas convenientes; e 6.5) Para os casos omissos não previstos neste Termo de Cooperação serão consultadas as partes por escrito. CLÁUSULA SÉTIMA - DA PUBLICIDADE 7.1) Fica autorizada a divulgação do presente Termo de Cooperação Técnica para terceiros e público em geral. E por estarem de acordo com as Cláusulas e Condições fixadas, firmam o presente Termo de Cooperação Técnica pela Fiscalização das Condições de Trabalho nas Obras de Construção e Reforma de Pontes nas Estradas do Estado de Mato Grosso do Sul em 04 (quatro) vias de igual teor e forma, contendo 07 páginas cada. Campo Grande/MS, 12 de junho de 2014. ODRACIR JUARES HECHT Procurador-chefe da PRT 24ª Região LEONTINO FERREIRA DE LIMA JUNIOR Procurador do Trabalho EDSON GIROTO Secretário de Estado de Obras Públicas e de Transporte MARIA VILMA CASANOVA ROSA ANEXO i – CHECK LIST – FORNECER, gratuitamente, equipamentos de proteção coletiva - EPC e equipamentos de proteção individual - EPI adequados ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento (NR 6 – item 6.3.1 e NR 18 – 18.23.1); – FORNECER, gratuitamente, aos trabalhadores, vestimenta de trabalho, assim como providenciar sua reposição, quando danificada (NR 18 – 18.37.3); – DOTAR as frentes de trabalho (canteiros de obras) de alojamentos e áreas de vivência, constituídos por instalações do tipo (NR 18) I) MÓVEIS (inclusive contêineres ou ônibus), onde cada módulo possua: a) área de ventilação natural, efetiva, com no mínimo duas aberturas adequadamente dispostas para permitir eficaz ventilação interna; b) condições de conforto térmico; c) proteção contra riscos de choque elétrico por contatos indiretos, além do aterramento elétrico; ou, II) FIXAS, atendendo aos seguintes requisitos: a) com paredes de alvenaria, madeira ou material equivalente, com a devida especificação em relatório; b) com pisos de concreto, cimentado, madeira ou material equivalente, com a devida especificação em relatório; c) com cobertura que proteja das intempéries; d) com iluminação natural e/ou artificial; e) com instalações elétricas adequadamente protegidas. Diretora-presidente da Agesul – DOTAR os alojamentos de camas e colchões com densidade 26 e espessura mínima de 10 cm; MAUCIR PAULETTI – FORNECER aos trabalhadores, roupas de cama constituídas por lençol, fronha e travesseiro em condições adequadas de higiene, bem como cobertor, quando as condições climáticas assim o exigirem (NR 18 – 18.4.2.10.6); Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho no Estado de Mato Grosso do Sul – DOTAR os alojamentos de armários individuais, com compartimentos separados para roupa suja e limpa; 228 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 229 – DOTAR as frentes de trabalho dos canteiros de obras de áreas de vivência contendo: de chuveiro; a) Instalações sanitárias, incluindo local para banho dotado EXCELENTÍSSIMO(A)SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(ÍZA) DA VARA DO TRABALHO DE BATAGUASSU, MS. b) local para refeições; e c) cozinha, quando houver preparo de refeições. – MANTER as instalações sanitárias em perfeito estado de conservação e higiene, assim como separadas por sexo, quando necessário (NR 18 – 18.4.2.3); – FORNECER aos trabalhadores água potável e fresca, em recipientes hermeticamente fechados, confeccionados em material apropriado, além de proibir o uso de copos coletivos (NR 18 – 18.37.2.2); – DOTAR as frentes de trabalho (canteiros de obras) de material necessário à prestação de primeiros socorros, considerando-se as características da atividade desenvolvida, bem como manter esse material guardado em local adequado; – PROMOVER, a todos os operadores de motosserra, treinamento para utilização segura da máquina, com carga horária mínima de oito horas, com conteúdo programático relativo à utilização segura da motosserra, constante no Manual de Instruções do equipamento, assim como não permitir o uso de motosserra que não possua dispositivos de segurança (NR 31 – itens 31.12.20 e 31.12.10.1); – PROVIDENCIAR o transporte adequado dos trabalhadores, sendo vedado o transporte em caçamba/carroceria de qualquer veículo; – PROCEDER ao registro do contrato de trabalho de seus empregados na Carteira de Trabalho e Previdência Social, de acordo com o artigo 29 da CLT; – PAGAR o salário de todos os trabalhadores até o quinto dia útil do mês subsequente, nos termos do art. 459, § 1º da CLT; – SUBMETER o trabalhador a exame médico admissional, antes que assuma suas atividades, nos termos da Lei nº 5.889/73, art. 13; O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS, por intermédio do Procurador do Trabalho infra-assinado, vem, respeitosamente, perante vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, art. 83, incisos I e III, da Lei Complementar n.º 75/93, e disposições contidas nas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face de (1) SENAC – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL – DEPARTAMENTO REGIONAL DO MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 03.644.843/000119, localizada na Rua 26 de Agosto, 835, Campo Grande, MS, CEP 79002-081, e (2) SENAI – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – DEPARTAMENTO REGIONAL DO MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ nº 03.772.576/0001-65, localizada na Av. Afonso Pena, 1.206, Campo Grande, MS, CEP 79005-901, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos: – ABSTER-SE de contratar menores de 18 anos, em atendimento ao disposto no art. 7º, XXXIII, da CF. 1 - FATOS 230 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Foi instaurado o Procedimento Promocional nº 000057.2013.24.002/5, posteriormente convertido em Inquérito 231 Civil, para verificação do cumprimento da quota legal de aprendizagem no Município de Bataguassu (doc. 1). A Portaria de Instauração do procedimento investigatório pautou-se nos seguintes dispositivos legais e constitucionais: CONSIDERANDO que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, nos termos do art. 5º, caput, da Constituição Federal; CONSIDERANDO o disposto no art. 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal, que proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; CONSIDERANDO que a Constituição Federal, no seu art. 127, III, estabelece que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”; CONSIDERANDO que o art. 83, III, da Lei Complementar nº. 75/93 declara a legitimidade do Ministério Público, para “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos “; CONSIDERANDO que o Ministério Público é parte legítima para atuar na defesa dos interesses coletivos e/ ou difusos dos trabalhadores, notadamente das crianças e adolescentes, sendo certo que compete ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, na dicção do art. 201, inciso V, da Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA); CONSIDERANDO que o art. 428 da CLT, na redação dada pela Lei nº. 10.097/2000, estabelece a obrigatoriedade de os estabelecimentos de qualquer natureza matricularem nos cursos de formação profissional número equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional; CONSIDERANDO que o art. 430 da CLT, na redação dada pela Lei nº. 10.097/2000, no caso de inexistência 232 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 ou insuficiência de vagas proporcionadas pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, faculta às Escolas Técnicas de Educação e às entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, proporcionarem a formação profissional na modalidade aprendizagem técnico-profissional metódica; CONSIDERANDO a alteração legislativa introduzida no artigo 433 da CLT pela Lei nº. 11.180, de 23/09/2005, segundo a qual o contrato de aprendizagem extinguirse-á no seu termo ou quando o aprendiz completar vinte e quatro anos de idade, bem como o artigo 9º do Decreto 5.598 de 01/12/2005 que regulamenta o Princípio Constitucional da Prioridade Absoluta de Atendimento para os adolescentes nos programas de aprendizagem (caput do art. 227 da CR/1988), permitindo a inclusão de jovens de 18 a 24 anos apenas em cursos para ocupações com atividades e/ou em locais cujo exercício profissional seja inadequado ou legalmente proibido para adolescentes; CONSIDERANDO a edição do Decreto 5.598 de 01/12/2005 e da Portaria MTE/GM nº. 615, de 13/12/2007, que regulamentam a atuação das entidades sem fins lucrativos que ministram a Aprendizagem Técnico-profissional Metódica prevista no capítulo IV da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT; CONSIDERANDO o disposto no art. 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, Lei 9.394/96, de que a educação profissional deve estar integrada às diversas formas de educação, trabalho e ciência e tecnologia conduz ao desenvolvimento de aptidões para a vida; CONSIDERANDO a imperiosidade de realização de qualificação ou de cursos técnicos profissionalizantes correspondentes às áreas profissionais em que estejam atuando os adolescentes aprendizes, guardando correlação entre as atividades práticas executadas pelo aprendiz nos estabelecimentos/empresas e as previstas no programa de aprendizagem, sob pena de se configurar desvio de finalidade da aprendizagem, conforme previsto no artigo 13, da Instrução Normativa MTE/SIT nº. 26, de 20/12//2001; CONSIDERANDO as normas para avaliação da competência das entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional e que se proponham a desenvolver programas de aprendizagem, insertas na Portaria MTE/GM nº. 615, Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 233 de 13/12/2007; CONSIDERANDO que o direito fundamental à liberdade de crença, insculpido no artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, abrange tanto o direito de professar livremente qualquer religião, quanto o direito de não professar religião alguma, tendo a Portaria MTE/GM nº. 615, de 13/12/2007 disposto, inclusive, a respeito de exigência de conteúdo de formação humana e científica a abordagem dos direitos humanos com enfoques sobre respeito por credo religioso, dentre outros; CONSIDERANDO que o direito ao respeito assegurado aos jovens contempla a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais, ex vi do contido no artigo 17, do ECA, sendo tipificado como crime a conduta de submissão de criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento, nos termos do artigo 232 do ECA; CONSIDERANDO que é característica essencial ínsita ao contrato de aprendizagem a efetiva formação técnicoprofissional por intermédio de atividades teóricas e práticas metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva, por força do contido no artigo 428, caput e parágrafo 4º, da CLT; CONSIDERANDO que o programa de aprendizagem deve buscar mecanismos para propiciar a permanência dos aprendizes no mercado de trabalho após o término do contrato de aprendizagem, consoante Portaria MTE/GM nº. 615, de 13/12/2007 e art. 69, inciso II, do ECA; CONSIDERANDO que o objetivo dos programas de aprendizagem é a formação técnico-profissional do adolescente, capacitando-o para o mercado de trabalho, e não sua formação militar ou religiosa, que, por sua vez, constituem ensinamentos de livre adesão do ser humano, como expressão de sua convicção filosófica ou política, sendo vedada a obrigatoriedade de adotá-los, professá-los e/ou segui-los, conforme garantia constitucional esculpida no artigo 5º, caput e incisos (p. ex., incisos II, VI, VIII IX), bem como art. 143, parágrafos 1º e 2º; CONSIDERANDO que a aprendizagem deve ser executada por pessoal técnico-docente e de apoio qualificado de acordo com o conteúdo, duração, número e perfil dos 234 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 participantes do programa de aprendizagem, conforme Portaria MTE/GM nº. 615, de 13/12/2007; Ato contínuo, foram expedidos ofícios para os maiores empregadores da região, bem como para as entidades integrantes do Sistema “S”, para a requisição dos seguintes documentos (doc. 2). Determino a instauração de Procedimento Promocional a respeito do cumprimento da quota de aprendizagem no Município de Bataguassu, com a determinação do seguinte: - expedição de ofício para os principais empregadores no município (Marfrig, Santa Virginia, Regina Festas, Refricom) requisitando cópia dos contratos dos aprendizes e fichas cadastrais deles dos últimos 2 anos, indicando, pelo menos, qualificação completa (nome, filiação, RG e CPF), data da admissão, data de desligamento (se houver), área de aprendizagem, curso realizado, e toda e qualquer informação relacionada aos itens acima; - expedição de ofício para o SENAC e SENAI requisitando o balanço patrimonial, o demonstrativo de receitas e despesas, incluindo o valor das receitas advindas das contribuições no município de Bataguassu; cópia dos cursos de aprendizagem ministrados no município de Bataguassu, com nome dos aprendizes, data de ingresso, data de término, curso ministrado, e toda e qualquer informação relacionada aos itens acima; Em resposta, duas empresas da região informaram que enviam ou enviaram solicitação à Fundação Mirim de Presidente Epitácio, SP, em outro estado da federação, solicitando o cadastro de interessados em processo de seleção de contratação de jovens aprendizes (doc. 3). Uma terceira empresa informou que contratou no período desde 2012 somente uma aprendiz, cursando curso superior em Administração de Empresas (doc. 4). Por fim, a quarta empresa, propriedade rural, informou que não realiza a contratação de aprendizes, na forma da legislação, por se tratar de empregador distante do centro urbano (doc. 5). Em resumo, o que se observa é a ausência de cursos de formação técnico-profissional da região para que as empresas cumpram a determinação legal prevista na legislação. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 235 Diante da ausência da oferta de cursos de aprendizagem no Município, aguardou-se a resposta dos ofícios enviados para as maiores entidades integrantes do Sistema “S”, para apurar o motivo da falta de oferta de vagas nos cursos de aprendizagem ministrados na região. A inclusão de adolescentes no mercado de trabalho pela via regular da aprendizagem, notadamente daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social, configura medida essencial para que se possa cumprir o princípio constitucional de proteção à criança e à adolescência e, por conseguinte, auxiliar na erradicação do trabalho infantil. Como é sabido, entidades do Sistema “S”, além de outras especificadas em lei e com preenchimento de determinados requisitos, são incumbidas de ministrar a parte teórica dos programas de aprendizagem, de acordo com normas estabelecidas na Legislação (arts. 429 e ss. da CLT, Decreto 5.598/2005; e Portarias editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego). Como se sabe a aprendizagem é uma relação de emprego especial, em que o empregador se compromete em matricular o aprendiz - empregado especial - em programas de aprendizagem ministrados pelo Sistema S, do qual as requeridas fazem parte, bem como fornecer-lhe a ambientação prática para a formação profissional, garantindo-lhes direitos trabalhistas e previdenciários especiais. Em resposta, o SENAI apresentou demonstrações financeiras e informou que “não possui Unidade Operacional no Município de Bataguassu e que os cursos de Aprendizagem Industrial Básica não foram ofertados no período de janeiro de 2012 a março de 2013”. Em resposta, o SENAC apresentou demonstrações financeiras e disse que “até o momento não realizamos cursos no município de Bataguassu” (doc. 6). seguinte: A análise do Balanço Patrimonial do SENAI indica o - Receita Orçamentária de R$ 75.827.367,00 (mais de R$ 75 milhões) em 2012, sendo certo que R$ 17.657.678,84 (mais de R$ 17 milhões) advém de Receitas de Contribuições (portanto, de natureza tributária), R$ 11.127.386,00 (mais de R$ 11 milhões) de Subvenções e Auxílios e R$ 14.629.531,01 (mais de R$ 14 milhões) de Apoios Financeiros. - Receita Total, considerando outras receitas e variações positivas dos Ativos, de R$ 99.871.188,67 (quase R$ 100 milhões) em 2012; - Despesas Totais, Orçamentárias e Extraorçamentárias, de R$ 63.381.511,09 (mais de R$ 63 milhões) em 2012; - Superávit em 2012 de R$ 36.489.677,58 (mais de R$ 36 milhões). Em outros termos, havia disponível em 2012, para a criação e manutenção de cursos de formação técnico-profissional no Estado do Mato Grosso do Sul, o valor livre de qualquer despesa de R$ 36 milhões. Ainda que uma pequena fração do referido valor – valor esse, diga-se, livre de despesas, resultado somente do excesso de arrecadação - na ordem de 5% fosse destinado ao Município de Bataguassu, somente em 2012, seriam R$ 1.800.000 (um milhão de oitocentos mil reais) para curso de formação técnico-profissional. Para o balanço parcial até março de 2013, portanto, de 3 meses de 2013, a situação não se altera: - Receitas Decorrentes de Contribuições de R$ 4.242.197,44 (mais de R$ 4 milhões), Receitas de Subvenção e Auxílio de R$ 3.325.320,15 (mais de R$ 3 milhões). A partir das respostas quanto à ausência de oferta de vagas, procedeu-se à análise das demonstrações financeiras. Note-se que somente em Aplicações Financeiras de Curto Prazo, na conta Títulos e Valores Mobiliários, o valor saltou de R$ 6.959.217.09 (R$ 7 milhões) para R$ 27.409.054,93 (mais de R$ 27 milhões). 236 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 237 Em outros termos, houve um acréscimo das aplicações financeiras (recursos não destinados às atividades-fim) de 4 vezes (isso mesmo!), de R$ 7 milhões para R$ 27 milhões, com possibilidade de destinação do referido valor, ou uma pequena fração dele, para cursos de aperfeiçoamento técnico profissional no Município de Bataguassu. A análise do Balanço Patrimonial do SENAC indica a mesma situação em relação ao SENAI (doc. 7): - Ativo Circulante, que inclui Caixa e Créditos de Curto Prazo, passou de R$ 11.298.514.34 (pouco mais de R$ 11 milhões) para R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) de 2011 para 2012; - Ativo Total passou de R$ 29.366.147,68 (pouco mais de R$ 29 milhões) para R$ 34.676.932,54 (mais de R$ 34 milhões) de 2011 para 2012; - Passivo Total, que inclui Pessoal, Encargos Sociais, Fornecedores, Provisões etc, ou seja, todas as Dívidas, passou de R$ 4.053.787,66 (pouco mais de R$ 4 milhões) para R$ 5.600.227,14 (R$ 5,6 milhões) de 2011 a 2012. - Superávits (Diferença entre Receita e Despesa) sucessivos nos exercícios de 2011 e 2012 de R$ 3.493.325,02 e R$ 3.669.766,12, respectivamente, que se somam a Superávits acumulados dos exercícios anteriores de R$ 25.312.360,02 e R$ 29.076.705,40. - Receitas de Contribuições (desconsiderando as Receitas de Prestação de Serviços) de R$ 15.051.721,59 (mais de R$ 15 milhões) em 2011 e R$ 16.580.906,04 (mais de R$ 16 milhões) em 2012. Em resumo, como as despesas foram inferiores às receitas na ordem de R$ 3,4 a 3,6 milhões, bem como considerando que o Superávit de exercícios anteriores chegou a R$ 25 milhões, incorporados no Patrimônio Líquido, nota-se o grande volume de recursos no Ativo Circulante, na contas Caixa e Créditos de 238 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Curto Prazo, na ordem de R$ 11.298.514.34 (pouco mais de R$ 11 milhões) em 2011 e R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) em 2012. Conforme dito, se apenas uma pequena fração do Ativo Circulante, frise-se, dinheiro e aplicações de curto prazo com liquidez imediata, fosse aplicada em cursos de formação técnico profissional no Município de Bataguassu, na ordem de 5%, seriam R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) em 2011 e R$ 822.000,00 (oitocentos e vinte e dois mil reais) em 2012. Cumpre destacar que o SENAI e o SENAC estão obrigados a oferecer cursos de formação profissional gratuitos no país, em porcentagem da receita líquida. Todavia, descumprem de forma literal e direta a obrigação que assumiram perante o Estado Brasileiro. Em 2008, foi celebrado entre o Ministério da Educação e cada uma dessas entidades, SENAI e SENAC, um Protocolo de Compromisso. Educação: Segundo informação do portal do Ministério da O protocolo de compromisso firmado entre o Ministério da Educação e as entidades que formam o Sistema S simboliza a vitória do consenso de que é preciso ampliar a oferta de cursos de formação profissional gratuitos no país. Dessa forma, mais jovens do ensino médio público que não ingressam-no ensino superior e trabalhadores que precisam ser reinseridos no mundo de trabalho serão beneficiados. No caso dos estudantes, a prioridade é articular o ensino regular com o profissional e, para os trabalhadores, será uma oportunidade de qualificação ou retorno ao mercado de trabalho. A partir desse pacto, as entidades que fazem parte do Sistema S como os serviços nacionais de Aprendizagem Comercial (Senac), Industrial (Senai) e os serviços sociais do Comércio (Sesc) e da Indústria (Sesi) irão, a partir de 2009, ampliar a oferta de cursos técnicos gratuitos. Pelo acordo, Senac e Senai irão destinar dois terços de Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 239 sua receita líquida para vagas em cursos e programas e formação inicial e continuada e de formação técnica de nível médio. contribuição geral, na seguinte projeção média nacional: 50% em 2009, 53% em 2010, 56% em 2011, 59% em 2012, 62% em 2013 e 66,6% em 2014. A oferta dessas vagas representa uma alocação de 66,6% dos recursos das duas entidades. Desse total, 20% das vagas serão oferecidas gratuitamente pelo Senac a partir do ano que vem. Esse percentual sobe para 25% em 2010, 35% em 2011, 45% em 2012, 55% em 2013 e 66,6 em 2014. Já o Senai destinará 50% dessas vagas em 2009, evoluindo para 53% em 2010, 56% em 2011, 59% em 2012, 62% em 2013, chegando a 66,6% em 2014. 1.1.2.1. Os Departamentos Regionais do SENAI deverão submeter ao Departamento Nacional plano de adequação à diretriz acima. Os serviços sociais do Comércio (Sesc) e da Indústria (Sesi) irão aplicar um terço de seus recursos em educação básica e continuada e em ações educativas relacionadas com saúde, esporte, cultura e lazer. Cinquenta por cento desses recursos serão destinados a atividades gratuitas. O Protocolo de Compromisso celebrado entre o MEC e o SENAI prevê expressa e literalmente o seguinte (doc. 8): 1. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) se comprometem a: 1.1. Destinar, anualmente, 2/3 da receita líquida da contribuição compulsória geral do SENAI para vagas gratuitas em cursos e programas de formação inicial e continuada e de formação técnica de nível médio. 1.1.1. Por receita líquida da contribuição compulsória geral entende-se a receita bruta da contribuição compulsória geral do SENAI, deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNI, as Federações de Indústrias e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), que significa 92,5% da receita bruta compulsória geral. 1.1.1.1. A contribuição adicional, que incide apenas nos estabelecimentos com mais de 500 operários, conforme previsão do Decreto-Lei no 4.048, não é parte integrante deste protocolo, vez que, entre outras, não possui caráter universal e tem seu destino fixado por norma legal. 1.1.2. A alocação de recursos para as vagas gratuitas deverá evoluir, anualmente, a partir do patamar atualmente praticado até chegar em 2014 com o comprometimento de 66,6% da receita líquida da 240 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 1.1.3. O montante destinado à gratuidade compreende as despesas de custeio, investimento e gestão comprometidas com as ações previstas no item 1.1. 1.1.4. As vagas de gratuidade serão destinadas a pessoas de baixa renda, preferencialmente, trabalhador, empregado ou desempregado, matriculado ou que tenha concluído a educação básica. 1.1.4.1. A condição de baixa renda será atestada mediante autodeclaração do postulante. 1.2 Adotar as seguintes diretrizes, com relação aos cursos de educação profissional e itinerário formativos, para efeito de gratuidade: 1.2.1. Os cursos e programas de formação inicial e continuada poderão ser estruturados em módulos que compõem itinerários formativos. 1.2.2. Os cursos de formação inicial terão carga horária mínima de 160 horas. 1.2.3. Os cursos de formação continuada não estarão sujeitos a limite mínimo de carga horária, tendo como requisito para ingresso comprovação de formação inicial ou avaliação e reconhecimento de competências para aproveitamento em prosseguimento de estudos. Por sua vez, o Protocolo de Compromisso com o SENAC prevê expressa e literalmente o seguinte (doc. 8): O Programa de Comprometimento de Gratuidade destinase a pessoas de baixa renda, na condição de alunos matriculados ou egressos da educação básica e trabalhadores – empregados ou desempregados -, priorizando-se aqueles que satisfizerem as duas condições: aluno e trabalhador. 1.1.1 A condição de baixa renda será atestada mediante autodeclaração do postulante. 1.2 Comprometimento de parte dos recursos líquidos do SENAC com a oferta de vagas gratuitas em cursos de Formação Inicial e Continuada e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a partir de 2009, Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 241 evoluindo anualmente até se chegar em 2014 com o comprometimento de 66,6%, na seguinte projeção: 2009 (20%); 2010 (25%); 2011 (35%); 2012 (45%); 2013 (55%); e 2014 (66,6%). 1.2.1. Por receita líquida entende-se a receita compulsória bruta deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNC e as Federações, nos termos da legislação vigente, o que equivale, hoje, a uma base de 91,25% da receita bruta. 2. Em relação ao Programa de Gratuidade, o SENAC se compromete a observar as seguintes diretrizes: 2.1. Formação Inicial: mínimo de 160 horas. 2.2. Reconhecimento da experiência profissional (educação não formal) como Formação Inicial, devidamente certificada, inserida dentro dos Itinerários Formativos como condição para a realização de cursos de menor duração. 2.3. Utilização da metodologia dos Itinerários Formativos como princípio da educação continuada para a oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio. 3. Em relação ao SESC, o compromisso é de aplicação de 1/3 da receita líquida (conforme item l.3) em educação (educação básica e continuada, e ações educativas desenvolvidas nos demais programas), destinada a estudantes da educação básica, na seguinte escala: 2009 (10% da receita líquida); seguindo-se: 2010 (15%); 2011 (20%); 2012 (25%); 2013 (30%); e 2014 (33,3%). Desses valores, a metade fará parte do Programa de Comprometimento de Gratuidade, destinando-se a estudantes da educação básica de baixa renda. 3.1. A condição de baixa renda será atestada mediante autodeclaração do postulante. 4. O Programa de Comprometimento de Gratuidade terá como gestores os Departamentos Nacionais do SENAC e do SESC, que definirão internamente os mecanismos de acompanhamento, avaliação e regra de desempenho, levando-se em conta, dentre outros, os seguintes indicadores: qualidade, inserção de egressos, adequação dos perfis dos egressos, matrículas gratuitas, atendimento à demanda atual e futura do Setor do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, receita 242 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 de contribuição destinada à gratuidade (item 1.2), eficiência operacional (custos), sustentabilidade. 5. Os Departamentos Nacionais do SENAC e do SESC farão avaliações periódicas que servirão de subsídio para permanente acompanhamento, medição de resultados e eventuais propostas de revisão dos termos do Programa de Comprometimento de Gratuidade. 6. Recomenda-se uma ação articulada entre os Departamentos Nacionais do SENAC e do SESC, para a implantação dos termos deste Protocolo, que observe: 6.1. Oferta de ensino fundamental - regular ou de educação de jovens e adultos - em concomitância com a Formação Inicial e Continuada; 6.2. Oferta de Formação Profissional Técnica de Nível Médio para aluno matriculado ou egresso de ensino médio regular ou educação de jovens e adultos. 6.3. Estímulo ao trabalhador para prosseguir seus estudos. 7. Os passos seguintes à assinatura deste PROTOCOLO, para sua efetivação, são: 7.1 Alterações, em até 30 (trinta) dias a contar da assinatura deste Protocolo, nos regulamentos do SENAC e do SESC: proposição do Presidente da CNC ao Conselho de Representantes, visando à inserção de alterações nos atuais regulamentos com o objetivo de fornecer as condições legais e regulamentares para a recepção do Protocolo de Compromisso de Gratuidade. 7.2. Após a efetivação das providências do item 7.1, Decreto Presidencial recepciona e aprova as alterações nos respectivos regulamentos. A inércia das entidades do Sistema “S” no desenvolvimento dos cursos de aprendizagem no Município de Bataguassu, com benefício também para os municípios vizinhos de Anaurilândia e Santa Rita do Pardo, por se tratar de polo regional de desenvolvimento, bem como a inércia em promover o estudo de viabilidade para a implementação dos cursos de aprendizagem em diversas áreas, vem obstaculizando a efetivação do direito à profissionalização de inúmeros adolescentes, nos moldes do que preconiza a Constituição Federal, não remanescendo alternativa a não ser o ajuizamento da presente ação. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 243 2 - DO DIREITO 2. A) DA TUTELA ESPECÍFICA 2.A.1) DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. DO DIREITO FUNDAMENTAL À PROFISSIONALIZAÇÃO. DA APRENDIZAGEM. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 revolucionou o tratamento dado a crianças e adolescentes no Brasil ao adotar a doutrina da proteção integral, que concebe crianças e adolescentes como cidadãos plenos - não meros objetos de ações assistencialistas - sujeitos de direitos e obrigações, a quem o Estado, a família e a sociedade devem atender prioritariamente. Assim dispõe o artigo 227 da Constituição vigente: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o Princípio da Proteção Integral quando diz: e à saúde e segurança dos adolescentes), permitindo, no entanto, a profissionalização por meio da aprendizagem a partir dos 14 anos, circunstância que torna ainda mais relevante a garantia da profissionalização por meio de tal instituto. Os artigos 60 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente, também dispõem sobre a aprendizagem, afirmando que: Art. 60 - “É proibido qualquer trabalho a menores de 14 (quatorze) anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. Art. 62 - Considera-se aprendizagem a formação técnicoprofissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”. Assim, a aprendizagem, prevista a partir dos arts 429 da CLT, constitui-se importante ferramenta para se garantir a fruição do direito fundamental da profissionalização, de modo que tanto empregadores, como Sistema S devem cumprir essa obrigação correlata de ofertar profissionalização aos adolescentes: os empregadores, ao cumprir a cota legal mínima de aprendizes entre seus empregados; o Sistema S, ao fomentar o desenvolvimento de cursos necessários à realização da aprendizagem, tudo na forma dos arts. 429, caput, e 430, §1º, da CLT. é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária. 2.A.2) DA NATUREZA DOS RECURSOS AUFERIDOS PELO SISTEMA “S” E SUAS FINALIDADES . DA OBRIGAÇÃO LEGAL EM PROVER CURSOS DE APRENDIZAGEM NOS DIVERSOS SETORES QUE CONGREGA, E NAS CIDADES DO INTERIOR DO ESTADO. Por conta disto, a doutrina da proteção integral, adotada pela Constituição da República e observada por toda a legislação infraconstitucional, elenca como prioritário o direito à profissionalização dos adolescentes, inserindo este direito no âmbito da política educacional e ampliando as hipóteses legais de aprendizagem. Como sabido, as entidades que integram o que se convencionou rotular de “Sistema S”, denominadas de Serviços Sociais Autônomos, embora consistam em pessoas jurídicas de direito privado, financiam-se por meio de recursos públicos, repassados por meio de contribuições parafiscais. De outro giro, a Emenda Constitucional 20/98 fixou a idade mínima para o trabalho em 16 anos (exceto quanto ao noturno e que implicam riscos de quaisquer naturezas à integridade moral 244 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Todo aquele que gere recursos públicos submete-se, por dever constitucional, à obrigação de demonstrar o seu correto emprego. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 245 Como é cediço ainda, a formação básica da Administração Pública é aquela que a subdivide em Administração Direta e Indireta. Além disso, existem algumas outras pessoas jurídicas denominadas por JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO de “pessoas de cooperação governamental” - que prestam algum tipo de colaboração ao Poder Público, o que se dá por meio da execução de alguma atividade caracterizada como “serviço de utilidade pública”. A maior parte dos administrativistas chamam tais entidades de serviços sociais autônomos, que são pessoas jurídicas de direito privado, embora exerçam atividades que produzem algum benefício para grupos sociais ou categorias profissionais. Consoante entendimento de HELY MEIRELLES, são os serviços sociais autônomos: LOPES todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com a administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias. rural; SEST (Serviço Social do Transporte) e o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), que têm por escopo fins idênticos aos antes referidos, dirigidos especificamente aos serviços de transporte, seja como empresa, seja como trabalhador autônomo; dentre outros exemplos. Não se discute que as entidades que compõem o “Sistema S” - os serviços sociais autônomos - têm personalidade jurídica de direito privado, não integrando a Administração direta nem indireta. PIETRO: Como ressalta MARIA SYLVIA ZANELLA DI Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas atividade privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso, são incentivadas pelo Poder Público. A atuação estatal, no caso, é de fomento e não de prestação de serviço público. Por outro lado, apresenta-se também indiscutível o fato de que os recursos por elas utilizados são provenientes de contribuições parafiscais, estabelecidas por Lei e recolhidas compulsoriamente pelos contribuintes, para enfrentarem os custos decorrentes de seu desempenho, sendo vinculadas aos objetivos das entidades. A título ilustrativo, citam-se como exemplos de tais entidades o SESI (Serviço Social da Indústria) e o SESC (Serviço Social do Comércio), destinados à assistência social a empregados dos setores industrial e comercial, respectivamente; o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), destinados à formação profissional e educação para o trabalho, também com vistas, respectivamente, à indústria e ao comércio; o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que se destina à execução de programas de auxílio e orientação a empresas de pequeno porte; o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), com o objetivo de organizar, administrar e executar o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador Convém lembrar, por oportuno, que parafiscalidade consiste em uma delegação da capacidade tributária ativa de um tributo a um ente com gestão própria, de modo que se atribui a titularidade de certos tributos a certas pessoas, que não são o próprio Estado, em benefício das próprias finalidades daquelas. 246 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Observe-se, nesse sentido, que a Constituição da República refere-se expressamente às contribuições parafiscais no seu art. 240, nesse caso pagas por empregadores sobre a folha de salários, “destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical”. Indubitável, portanto, que tais recursos podem ser caracterizados como “dinheiro público”, mesmo porque não se 247 está tratando de contribuições facultativas, mas sim compulsórias. Além disso, necessário frisar que tais recursos estão vinculados aos objetivos institucionais definidos na lei, constituindo desvio de finalidade quaisquer dispêndios voltados para fins outros que não aqueles. Em resumo, trata-se de entidades de direito privado, que não integram a Administração Pública direta nem tampouco indiretamente, mas que gerenciam recursos públicos. Conforme demonstrar-se-á, esse ponto tem extrema relevância no presente caso. E a razão é simples. Além de outras regras a serem observadas, o SENAI e o SENAC têm necessariamente que oferecer a contrapartida aos recursos que aufere, cumprindo, inclusive, o papel que lhe é destinado, no caso ministrar os cursos de aprendizagem condizentes com a legislação e de acordo com a necessidade de empresas da localidade. E isto não se trata de mera faculdade. É, em verdade, obrigação legal que as rés devem desempenhar com eficiência, principalmente quando possuem farto orçamento para tal, compreendido este de dinheiro público, o qual deve ser direcionado, por igual, para a finalidade pública que guiou a criação da instituição. Em relação ao SENAI, sua finalidade essencial é a formação profissional de aprendizes, como o próprio nome da entidade já escancara: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Segundo o próprio portal da entidade, o “Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, criado pelo Decreto Lei Federal nº 4048 de 22/01/1942, é entidade jurídica de direito privado, organizada e dirigida pela Confederação Nacional da Indústria - artigo 2º do Decreto Lei Federal nº 9.576, 12/08/1946 e o artigo 3º do Regimento aprovado pelo Decreto Federal nº 494, de 10/01/1962”. O Decreto nº 494, de 10 de janeiro de 1962, prevê nos seguintes termos as atribuições do SENAI: 248 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Art. 1º O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), organizado e administrado pela Confederação Nacional da Indústria, nos termos do Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, tem por objetivo: a) realizar, em escolas instaladas e mantidas pela Instituição, ou sob forma de cooperação, a aprendizagem industrial a que estão obrigadas as empresas de categorias econômicas sob sua jurisdição, nos termos de dispositivo constitucional e da legislação ordinária; b) assistir os empregadores na elaboração e execução de programas gerais de treinamento do pessoal dos diversos níveis de qualificação, e na realização de aprendizagem metódica ministrada no próprio emprego; c) proporcionar, aos trabalhadores maiores de 18 anos, a oportunidade de completar, em cursos de curta duração, a formação profissional parcialmente adquirida no local de trabalho; d) conceder bolsas de estudo e de aperfeiçoamento e a pessoal de direção e a empregados de excepcional valor das empresas contribuintes, bem como a professores, instrutores, administradores e servidores do próprio SENAI; e) cooperar no desenvolvimento de pesquisas tecnológicas de interesse para a indústria e atividades assemelhadas. Art. 2º O SENAI funcionará como órgão consultivo do Governo Federal em assuntos relacionados com a formação de trabalhadores da indústria e atividades assemelhadas. No caso do SENAC, segundo art. 8º do Decreto 5.598/2005, esta finalidade essencial é a formação profissional de aprendizes, como o próprio nome da entidade já escancara: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Aliás, o Decreto-Lei nº 8.621 de 1946, que “Dispõe sobre a criação do Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial e dá outras providências” prevê nos seguintes termos as atribuições do SENAC: Art. 1º Fica atribuído à Confederação Nacional do Comércio o encargo de organizar e administrar, no território nacional, escolas de aprendizagem comercial. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 249 Art.2º A Confederação Nacional do Comércio, para o fim de que trata o artigo anterior, criará, e organizará o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). GRATUITAS COMO PORCENTAGEM DE RECEITA LÍQUIDA. Art.3º O SENAC deverá também colaborar na obra de difusão e aperfeiçoamento do ensino comercial de formação e do ensino imediato que com ele se relacionar diretamente, para o que promoverá os acordos necessários, especialmente com estabelecimentos de ensino comercial reconhecidos pelo Governo Federal, exigindo sempre, em troca do auxilio financeiro que der, melhoria do aparelhamento escolar e determinado número de matriculas gratuitas para comerciários, seus filhos, ou estudantes a que provadamente faltarem os recursos necessários. A obrigação decorre de Protocolo de Compromisso celebrado com o Ministério da Educação em 2008. § 2º Nas localidades onde não existir estabelecimento de ensino comercial reconhecido, ou onde a capacidade dos cursos de formação em funcionamento não atender às necessidades do meio, o SENAC providenciará a satisfação das exigências regulamentares para que na sua escola, de aprendizagem funcionem os cursos de formação e aperfeiçoamento necessários, ou promoverá os meios indispensáveis a incentivar a iniciativa particular a criá-los. Com efeito, segundo o art. 430, §1º, da CLT, as entidades que integram o SISTEMA S são obrigadas a desenvolver os cursos de aprendizagem, que venham a proporcionar ao jovem formação profissional metódica, necessária a completude do programa de aprendizagem profissional. E, conforme visto, nas localidades onde os cursos de aprendizagem não sejam desenvolvidos, é dever legal do SENAI e do SENAC promover sua implementação, providenciando a satisfação das exigências dos cursos de formação e aperfeiçoamento necessários. No presente caso, verifica-se que o SENAI e o SENAC não realizaram nenhum curso de formação técnico profissional no município de Bataguassu, a despeito de ser um polo regional de desenvolvimento. Cumpre destacar que o SENAI e o SENAC estão obrigados a oferecer cursos de formação profissional gratuitos no país, em porcentagem da receita líquida. O Protocolo de Compromisso celebrado entre o MEC e o SENAI prevê a destinação, anualmente, 2/3 da receita líquida da contribuição compulsória geral do SENAI para vagas gratuitas em cursos e programas de formação inicial e continuada e de formação técnica de nível médio. Por receita líquida da contribuição compulsória geral entende-se a receita bruta da contribuição compulsória geral do SENAI, deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNI, as Federações de Indústrias e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), que significa 92,5% da receita bruta compulsória geral. A alocação de recursos para as vagas gratuitas deverá evoluir, anualmente, a partir do patamar atualmente praticado até chegar em 2014 com o comprometimento de 66,6% da receita líquida da contribuição geral, na seguinte projeção média nacional: 50% em 2009, 53% em 2010, 56% em 2011, 59% em 2012, 62% em 2013 e 66,6% em 2014. Os cursos e programas de formação inicial e continuada poderão ser estruturados em módulos que compõem itinerários formativos. Os cursos de formação inicial terão carga horária mínima de 160 horas. 2.A.3) DO PROTOCOLO DE COMPROMISSO CELEBRADO COM O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. DA OBRIGATORIEDADE DA OFERTA DE VAGAS Os cursos de formação continuada não estarão sujeitos a limite mínimo de carga horária, tendo como requisito para ingresso comprovação de formação inicial ou avaliação e reconhecimento de competências para aproveitamento em 250 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 251 prosseguimento de estudos. E, conforme visto, não se pode alegar a inexistência de Por sua vez, o Protocolo de Compromisso com o SENAC prevê o comprometimento de parte dos recursos líquidos do SENAC com a oferta de vagas gratuitas em cursos de Formação Inicial e Continuada e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a partir de 2009, evoluindo anualmente até se chegar em 2014 com o comprometimento de 66,6%, na seguinte projeção: 2009 (20%); 2010 (25%); 2011 (35%); 2012 (45%); 2013 (55%); e 2014 (66,6%). recursos. Por receita líquida entende-se a receita compulsória bruta deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNC e as Federações, nos termos da legislação vigente, o que equivale, hoje, a uma base de 91,25% da receita bruta. Além disso, a Receita Total, considerando outras receitas e variações positivas dos Ativos, é de R$ 99.871.188,67 (quase R$ 100 milhões) em 2012, com Despesas Totais, Orçamentárias e Extra orçamentárias, de R$ 63.381.511,09 (mais de R$ 63 milhões) em 2012. Em relação ao Programa de Gratuidade, o SENAC se compromete a observar as seguintes diretrizes: Formação Inicial: mínimo de 160 horas; Reconhecimento da experiência profissional (educação não formal) como Formação Inicial, devidamente certificada, inserida dentro dos Itinerários Formativos como condição para a realização de cursos de menor duração; Utilização da metodologia dos Itinerários Formativos como princípio da educação continuada para a oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Ou seja, um Superávit em 2012 de R$ 36.489.677,58 (mais de R$ 36 milhões). O Programa de Comprometimento de Gratuidade terá como gestores os Departamentos Nacionais do SENAC e do SESC, que definirão internamente os mecanismos de acompanhamento, avaliação e regra de desempenho, levando-se em conta, dentre outros, os seguintes indicadores: qualidade, inserção de egressos, adequação dos perfis dos egressos, matrículas gratuitas, atendimento à demanda atual e futura do Setor do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, receita de contribuição destinada à gratuidade (item 1.2), eficiência operacional (custos), sustentabilidade. 252 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Somente no Estado do Mato Grosso do Sul, o SENAI possui Receita Orçamentária de R$ 75.827.367,00 (mais de R$ 75 milhões) em 2012, sendo certo que R$ 17.657.678,84 (mais de R$ 17 milhões) advém de Receitas de Contribuições (portanto, de natureza tributária), R$ 11.127.386,00 (mais de R$ 11 milhões) de Subvenções e Auxílios e R$ 14.629.531,01 (mais de R$ 14 milhões) de Apoios Financeiros. Se uma pequena fração do referido valor, livre de despesas, resultado somente do excesso de arrecadação, na ordem de 5% fosse destinado ao Município de Bataguassu, somente em 2012, seria R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais) para curso de formação técnico-profissional. Note-se que somente em Aplicações Financeiras de Curto Prazo, na conta Títulos e Valores Mobiliários, o valor saltou de R$ 6.959.217,09 (R$ 7 milhões) para R$ 27.409.054,93 (mais de R$ 27 milhões). Em outros termos, houve um acréscimo das aplicações financeiras (recursos não destinados à atividades-fim) de 4 vezes (isso mesmo!), de R$ 7 milhões para R$ 27 milhões, com possibilidade de destinação do referido valor, que é dinheiro em conta corrente ou aplicação de elevada liquidez financeira, para cursos de aperfeiçoamento técnico profissional no Município de Bataguassu. Em relação ao SENAC, a situação é a mesma. O Ativo Circulante, que inclui Caixa e Créditos de Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 253 Curto Prazo, passou de R$ 11.298.514,34 (pouco mais de R$ 11 milhões) para R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) de 2011 para 2012. O Ativo Total passou de R$ 29.366.147,68 (pouco mais de R$ 29 milhões) para R$ 34.676.932,54 (mais de R$ 34 milhões) de 2011 para 2012 e o Passivo Total, que inclui Pessoal, Encargos Sociais, Fornecedores, Provisões etc, ou seja, todas as Dívidas, passou de R$ 4.053.787,66 (pouco mais de R$ 4 milhões) para R$ 5.600.227,14 (R$ 5,6 milhões) de 2011 a 2012. Em resumo, os Superávits (Diferença entre Receita e Despesa) sucessivos nos exercícios de 2011 e 2012 foram de R$ 3.493.325,02 e R$ 3.669.766,12, respectivamente, que se somam a Superávits acumulados dos exercícios anteriores de R$ 25.312.360,02 e R$ 29.076.705,40. Somente Receitas de Contribuições (desconsiderando as Receitas de Prestação de Serviços), são R$ 15.051.721,59 (mais de R$ 15 milhões) em 2011 e R$ 16.580.906,04 (mais de R$ 16 milhões) em 2012. Nota-se o grande volume de recursos no Ativo Circulante, nas contas Caixa e Créditos de Curto Prazo, na ordem de R$ 11.298.514,34 (pouco mais de R$ 11 milhões) em 2011 e R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) em 2012. Conforme dito, se apenas uma pequena fração do Ativo Circulante, frise-se, dinheiro e aplicações de curto prazo com liquidez imediata, fosse aplicada em cursos de formação técnico profissional no Município de Bataguassu, na ordem de 5%, seriam R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) em 2011 e R$ 822.000,00 (oitocentos e vinte e dois mil reais) em 2012. Não há, portanto, qualquer justificativa para sua inércia, diante de sua obrigação legal de prover programas de aprendizagem profissional nas mais diferentes áreas e nas mais várias cidades, inclusive do interior, e ante o vultoso orçamento que recebe. Com efeito, a Lei 10.097, de 19 de dezembro de 2000, 254 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 adequando-se às diretrizes da teoria da proteção integral, alterou os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho que tratam do instituto da aprendizagem, materializando desta forma os preceitos da aludida teoria em benefício dos adolescentes. Nesse sentido, o artigo 429, da CLT, traz um comando obrigacional destinado a todos os estabelecimentos e de qualquer natureza, ou seja, qualquer espécie de atividade econômica desenvolvida. Note-se que a Lei 10.097/00, diferentemente da anterior, unificou a obrigatoriedade de contratação de aprendizes, envolvendo todos os setores econômicos. Desde dezembro de 2000, com a edição da lei, todos os estabelecimentos estão sujeitos a essa obrigação. Vejamos: Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15% (quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. [...] § 1°. As frações de unidade, no cálculo da percentagem de que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz. Da análise detida do artigo 429, verifica-se que o legislador atribuiu duas obrigações ao empregador, quais sejam empregar e matricular, enfatizando assim, a finalidade do respeitável instituto. Questão de extrema relevância diz respeito ao número de aprendizes a serem contratados por cada empresa, sendo que a norma estabeleceu percentual mínimo de 5% e máximo de 15%, fixando como parâmetro o número de empregados cujas funções demandem formação profissional. Em suma, como visto anteriormente, o artigo 429 da CLT é claro na medida em que identifica a existência de uma obrigação, o sujeito e o respectivo objeto. Já o artigo 428 do mesmo diploma define o contrato de Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 255 aprendizagem como um contrato de trabalho especial, que deverá ser ajustado por escrito e por prazo não superior a dois anos. Ao mesmo tempo identifica a obrigação do empregador em assegurar ao adolescente entre 14 e 24 anos (exceto pessoas com deficiência - artigo 428, § 5º da CLT), inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O artigo 428, portanto, também identifica comando obrigacional quando estabelece que o empregador deverá assegurar ao aprendiz formação técnico-profissional. No que se refere a esta formação técnico-profissional destinada ao adolescente aprendiz, prevê o § 4º do artigo 428 atividades práticas e teóricas, metodicamente organizadas, previstas em programa de aprendizagem, o qual deve ser compatível com as tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho. Ressalte-se que a formação profissional visada deverá ser ministrada PRIORITARIAMENTE pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, cujo sistema é integrado pelas rés. Sendo assim, se há vagas para aprendizes em várias empresas, conforme demonstrado na narração dos fatos, e se, simplesmente, inexiste cursos de aprendizagem nos setores econômicos de limpeza e conservação, compete ao Sistema “S”, no caso o SENAC, disponibilizar os cursos DE IMEDIATO, até porque recebe contribuições para custear tais cursos, contribuições estas pagas por empresas que necessitam cumprir a cota de aprendizagem. É justo isto que se persegue nesta ação. 2.B) DA TUTELA REPARATÓRIA. DA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO À COLETIVIDADE. Conforme amplamente relatado e demonstrado, o SENAI e SENAC, entidades que estão obrigadas legalmente a fornecer cursos de aprendizagem, estão omitindo-se em tal papel, o que contribui para a não inclusão de adolescentes e jovens no 256 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 mercado de trabalho, de forma regular e, o que é mais grave, tal omissão expõe tais adolescentes e jovens a situações de maior risco de vulnerabilidade social. Ora, a sociedade elenca valores essenciais a serem preservados, sendo que o respeito aos Direitos Humanos, no caso dos adolescentes, não pode ser tratado com descaso, sendo que o direito fundamental à profissionalização é um deles, consoante visto acima. Necessário, portanto, a aplicação de mecanismo que coíba e iniba a prática ora verificada, sendo que o dano moral coletivo constitui meio próprio e capaz para fazer cessar tais lesões. Oportuno ressaltar que a reparação aqui buscada tem função preventivo-pedagógica e não apenas punitiva, consoante entendimento de hodierna jurisprudência, com autorização da doutrina especializada. A legislação processual acompanha a posição ilustrada, pois apresenta instrumentos processuais adequados à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, comportando, também, a postulação de reparação de danos morais, nos termos do artigo 1º, IV, da Lei 7.347/85, artigo 5º V e X da CRFB/88 e artigo 6º, VI e VII da Lei 8.078/90. Vale citar que o novel conceito de reparação por dano moral coletivo, aqui aludido, provém da teoria dos danos coletivos que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, (in Responsabilidade Civil, Ed. Forense, 1991) “podem revestir formas ou expressões variadas: danos a toda uma coletividade, ou aos indivíduos integrantes de uma comunidade, ou danos causados a uma pessoa jurídica, com reflexo nos seus membros componentes”. Para melhor compreensão do DANO MORAL COLETIVO, convém socorrer-nos dos ensinamentos do doutrinador Carlos Alberto Bittar Filho, estudioso do tema: Dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 257 em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. (artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor n° 12, out/dez-94, pp. 45/61, Ed. Revista dos Tribunais). Na ótica, ainda, de Carlos Alberto Bittar Filho, op. cit.: dessas definições exsurgem os fios mais importantes na composição do tecido da coletividade: os valores. Resultam eles, em última instância, da amplificação, por assim dizer, dos valores dos indivíduos componentes da coletividade. Assim como cada indivíduo tem sua carga de valores, também a comunidade, por ser um conjunto de indivíduos, tem uma dimensão ética. Mas é essencial que se assevere que a citada amplificação desatrela os valores coletivos das pessoas integrantes da comunidade quando individualmente consideradas. Os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. Nessa ordem de ideias, importa ressaltar que nosso legislador constituinte inseriu, no Título I da Constituição da República Federativa do Brasil, diversos princípios e objetivos fundamentais de nosso país, conforme elencados nos artigos. 1º e 3º. No Título II e capítulos pertinentes, cuidou de especificar os Direitos e Garantias Fundamentais, com destaque, respectivamente, dos direitos e deveres individuais e coletivos e dos direitos sociais, que expressam os valores individuais e coletivos que os constituintes reconheceram como de grande relevância para a sociedade. Realmente, quando o requerido deixa de cumprir sua conduta de prover cursos de aprendizagem a adolescentes, bem como aqueles que pretendem se ativar no setor de limpeza e conservação - conduta esta deriva de seu dever de prover profissionalização, por meio da aprendizagem acaba causando dano a estes adolescentes, vez que o direito a profissionalização, por eles titularizado, resta violado. Esta violação atinge, ainda, não qualquer direito, mas direito de porte constitucional, conforme previsto no art. 227 e art. 7, XXXIII da CF/88, de modo que a lesão e, por conseguinte, o dano mostram-se ainda mais graves na ordem de lesões ao ordenamento jurídico, vez que atingem o topo da pirâmide normativa, qual seja, a própria lei das leis, a Constituição Federal. Por conseguinte, cabível reparação pelo infrator dos interesses metaindividuais pelo dano potencial a que vem dando causa, inclusive ofensa à ordem jurídica. A reparação genérica provém de uma visão mais socializante do Direito sustentada pelos juristas modernos, em que se busca ressaltar o caráter metaindividual de determinados valores, fundamentais para a organização social e o bem-comum. Ora, o valor da profissionalização de adolescentes, tutelado por norma constitucional, é valor por demais caro à sociedade brasileira, que está sendo descurado pelas rés. Quantos jovens almejam sair do círculo da miséria, da exclusão, do trabalho exploratório e não qualificado, pela porta da profissionalização protegida e com direitos reconhecidos, via aprendizagem; porta esta FECHADA pela omissão da parte ré???!!! Conclui-se, pois, que a prática ora noticiada, de o Sistema “S” não cumprir o seu papel para observância da proteção à criança e ao adolescente, omitindo-se em realizar cursos a que está obrigado, tem repercussão não só sobre tais adolescentes, mas sobre toda a sociedade, aviltada em seus valores sociais, cabendo, então, falar-se em LESÃO A INTERESSES METAINDIVIDUAIS, em todas as suas modalidades, notadamente difusos. Quantos jovens, negados que são à profissionalização via cursos de aprendizagem não providos pela parte ré, são obrigados a se entregarem ao trabalho precoce, desprotegido e não que não propicia formação profissional? 258 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Por cento, incontáveis, de modo que os danos a esta legião de adolescentes somente se perpetuam face à omissão da parte ré! Por conta disto, esta deve ser compelida a reparar estes danos 259 já cristalizados e outros que ainda se cristalizarão, pela inércia das requeridas. Assim, não remanesce dúvida de que a omissão no cumprimento da legislação que tem por escopo, inclusive, conferir efetividade à proteção integral do adolescente, impinge mal à coletividade, em especial, aos adolescentes, além de configurar, como já dito, transgressão ao ordenamento jurídico vigente. João Carlos Teixeira, em seu trabalho “Dano Moral Coletivo na Relação de Emprego” (in Temas Polêmicos de Direito e Processo do Trabalho, Roberto Norris, coordenador. São Paulo: LTr, Universidade Cândido Mendes, 2000, p. 129), assinala: Nota-se, pois, que a doutrina e a jurisprudência vêm evoluindo na aplicação da teoria da responsabilidade civil em matéria de dano moral, especialmente em ações coletivas, em que a reparação, com caráter preventivopedagógico e punitivo, é devida pelo simples fato da efetiva violação de interesses metaindividuais socialmente relevantes e juridicamente protegidos, como é o caso de serviço de transporte coletivo, de grande relevância pública, eis que explorado por empresa privada, mediante contrato de concessão, pelo qual está obrigada a prestar um serviço satisfatório e com segurança, o que não foi cumprido pela empresa. Tal atitude negligente causou transtorno e tumulto para o público usuário, configurando o dano moral coletivo puro, perceptível pelo senso comum, porque diz respeito à natureza humana, dispensando-se a prova (damnun in re ipsa). Repara-se o dano moral coletivo puro, independentemente de caracterização efetiva, em nível individual, de dano material ou moral. O conceito do valor coletivo, da moral coletiva é independente, autônomo, e, portanto, se desatrela da moral individual. de Direito. Surge, então, um questionamento: que efeitos a negação de profissionalização, pelo não cumprimento da obrigação de prover cursos de aprendizagem, gera perante as vítimas e perante a sociedade, os quais justifiquem a imposição de condenação de dano moral coletivo? Ora, a resposta já se começou no preâmbulo deste tópico. Vamos, agora, a maiores detalhes. São inúmeras e inquestionáveis as consequências de tais atos, sofridas por uma legião de adolescentes e jovens, especialmente aquelas correspondentes ao déficit profissional, a garantir que o adolescente prejudicado não tenha condições de formação profissional e colocação funcional. Em outras palavras, o ato da ré, descumprindo norma legal, nega ascensão social e profissional aos adolescentes, o que gera lesão a um importante conteúdo do valor constitucional do trabalho, qual seja, o valor, também constitucional, na letra do art. 227 da CF/88, da profissionalização, imposto, como visto, não somente ao Estado, mas também à sociedade, da qual fazem parte, por óbvio, as requeridas - que devem dar sua parcela de contribuição mediante o provimento de cursos de aprendizagem. Ademais, os danos, ao atingir os valores extrapatrimoniais do trabalho e da profissionalização, prejudicam não somente aos interesses dos jovens e adolescentes, mas também, aos interesses de todas a sociedade. Frise-se, por fim, que a reparação no presente caso é essencial, na medida em que desestimulará o ofensor de praticar novas lesões à ordem jurídica trabalhista e compensará (e não apagará) os efeitos negativos decorrentes do desrespeito aos bens jurídicos mais elevados de uma determinada coletividade, in casu, a profissionalização de adolescentes, com meio para alcançar um trabalho digno e qualificado, livre das drogas e do ócio. Portanto, constitui medida para alicerçar o ideal de um Estado Democrático Com efeito, aqueles valores são universais e, assim sendo, a concretização de resistências ilegais, como a que está perpetrando a ré, acaba por atingir todo o patrimônio ético da sociedade, que vê crescer a quantidade de jovens sem oportunidades de profissionalização e inserção no mercado, com garantias trabalhistas e previdenciárias e, como corolário, formar-se uma sociedade de excluídos, marginalizados, num ócio que tende a levar à criminalidade e ao consumo de drogas. A negação de profissionalização de jovens, por quem, dentre outros, tem o dever legal de prover é elemento 260 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 261 patrocinador de diversos outros delitos, tais como: furto, uso de drogas, agressões etc. Nesse diapasão, é inegável o caráter gravemente lesivo da postura perpetrada pelas rés: vê-se, pois, a extensão da conduta ilegal da ré que atinge não somente os interesses dos jovens, mas também de toda a sociedade, que vê achincalhados seus valores jurídicos e constitucionais do trabalho, da profissionalização, da inclusão nas estruturas produtivas, enfim, da dignidade no trabalho do jovem, via garantia de profissionalização. Realmente, agride ao bem comum perceber que meninos e meninas perderam o sonho de aprender uma profissão digna, diante de uma postura de resistência ilegal das requeridas que, em assim agindo, opõe àquele bem comum o interesse privado da concentração do lucro, em detrimento do valor ético do bem social. Ao consagrar, na Constituição, de maneira expressa no art. 227, o valor social da profissionalização, a sociedade brasileira COMPROMETEU-SE a assegurar a tal valor e a repudiar qualquer ato que o viole ou negue, pois os fundamentos do Estado Brasileiro repousam nos princípios da cidadania e da dignidade humana, cujo conteúdo a profissionalização de jovens integra. A violação a este compromisso, por parte de um membro da sociedade, afeta A TODOS, À COLETIVIDADE, que escolheu constituir um Estado Democrático de Direito, onde o respeito aos interesses dos adolescentes e jovens é pedra fundamental, tanto é que se lhes asseguram a PROTEÇÃO INTEGRAL E A PRIORIDADE ABSOLUTA. Daí porque afirma-se que a concretização da democracia e a afirmação do Estado de Direito se faz dentro do contexto social, com o respeito aos direitos humanos, por cada um de seus membros. A violação de um, se for relevante socialmente, tem o poder de gerar insegurança e indignação a todos. Portanto, a conduta da Rés, ao descumprir os diversos dispositivos mencionados, configura prática ilícita, incompatível, portanto, com a consciência coletiva existente na nossa sociedade, 262 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 que reclama respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e à profissionalização, consoante impôs a Constituição Federal ao disciplinar o Estado Democrático de Direito. Daí se concluir que as violações aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade resultam em danos morais à coletividade, exigindo, assim, uma indenização, que terá caráter preventivopedagógico e punitivo. Basta, assim, a citação deste importantíssimo dispositivo constitucional (art. 227) para fundamentar o pedido de dano moral coletivo no presente caso, que na lição de Carlos Alberto Bittar Filho, in Revista Direito do Consumidor, n.º 12, out/dez/1994, artigo: “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”, conceitua-se como: [...] o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de uma maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico...Como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação...(g.n.) Estão em análise, na presente demanda, princípios basilares, como a dignidade do homem (CF, art. 1º, III), o valor social do trabalho (CF, art. 1º, IV), a proteção integral à criança e ao adolescente (CF, Art. 227), a profissionalização de adolescentes. São regras constitucionais flagrantemente turbadas pelas rés e cuja autoridade e intangibilidade interessa a toda a coletividade. A natureza pedagógica e utilitária da indenização moral coletiva é exatamente o que se persegue com a presente ação. Com efeito, o quantum debeatur decorrente do processo coletivo será aplicado no Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (ECA, art. 260), com vistas a financiar projetos de políticas públicas de profissionalização de adolescentes e jovens. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 263 Portanto, considerando a gravidade da prática, consubstanciada pela resistência em tornar efetivo um instituto de suma relevância para a consagração de direitos humanos voltados aos adolescentes e, ainda, a capacidade econômica das entidades, o Parquet Laboral requer que seja fixada a importância de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) a este título. Chegou-se a esse valor considerando-se os valores que deixaram de ser aplicados pelas entidade, considerando uma fração ínfima do superávit da operação e do volume de dinheiro em caixa e aplicações financeiras. 3 - DOS PEDIDOS 3.A) DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA PRETENDIDA O artigo 12 da Lei nº 7.347/85 autoriza o Juízo, nos próprios autos da ação civil pública, a determinar que cesse a conduta irregular, mediante concessão de liminar. Convém frisar, por oportuno, tendo em vista discussão doutrinária acerca da normatização contida no referido artigo 12, que a liminar, no entendimento deste signatário, não tem natureza cautelar, afigurando-se como hipótese típica de antecipação da tutela. Vale citar entendimento de Humberto Theodoro Júnior, em sua obra “As Inovações do Código de Processo Civil”, no mesmo sentido: A propósito, convém ressaltar que se registra, nas principais fontes do direito europeu contemporâneo, o reconhecimento de que, além da tutela cautelar, destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, deve existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal. São reclamos da Justiça que fazem com a realização do direito não possa, em determinados casos, aguardar longa e inevitável sentença final. Assim, fala-se em medidas provisórias de natureza cautelar e medidas provisórias de natureza antecipatória; estas, de cunho satisfativo, e aquelas de cunho apenas 264 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 preventivo. Entre nós, várias leis recentes têm previsto, sob a forma de liminares, deferíveis inaudita altera pars, a tutela antecipatória, como, por exemplo, se dá na ação popular, nas ações locatícias, na ação civil pública, na ação declaratória direta de inconstitucionalidade etc. No presente caso, considerando que o pedido liminar versa, notadamente, sobre obrigações de fazer e não fazer, necessário ressaltar a presença tanto dos requisitos exigidos no artigo 461, § 3º do CPC, relevante fundamento da demanda e justificado receio de ineficácia do provimento jurisdicional, quanto dos requisitos gerais elencados no artigo 273, do CPC, ambos aplicáveis ao Processo do Trabalho por força do artigo 769 Consolidado. É certo que a situação fática acima descrita, conforme faculta o artigo 5º, § 6º, da Lei 7.347/85, consubstancia prova inequívoca, hábil a comprovar a verossimilhança das alegações. O segundo pressuposto está duplamente satisfeito, porque, no caso sob exame, verifica-se tanto o fundado receio de dano irreparável quanto o manifesto protelatório das entidades em fornecer os cursos e proceder à abertura de turmas. Assim, diante da grave lesão ao ordenamento jurídico e aos direitos sociais indisponíveis dos aprendizes, requer o Ministério Público, com base no artigo 12 da Lei nº 7.347/85 c/c a parte final do § 5°, do artigo 461 do CPC, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito (art. 273, §3°, do CPC) ou, pelos princípios da fungibilidade e da instrumentalidade do processo (art. 273, § 7°, do CPC), a concessão da medida liminar sob a forma acautelatória (art. 798 do CPC), em face do indiscutível poder geral de cautela que esse Juízo detém, sem audiência da parte contrária, para que se determine o imediato cumprimento da obrigação de fazer a seguir exposta, sob pena de pagamento de multa, em favor do Fundo Estadual para a Criança e o Adolescente (Lei Federal 8.069/90, art. 88, inc. IV, e Lei Estadual 9.831/93, art. 9º). Ressalte-se, ainda, que restam preenchidos os requisitos autorizadores do provimento de urgência, sejam o fumus boni iuris e o Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 265 periculum in mora, ou mesmo aqueles elencados no artigo 273 do CPC. Com efeito, a fumaça do bom direito está refletida na violação frontal e direta pelas requeridas ao ordenamento jurídico e normas e princípios constitucionais e infraconstitucionais que asseguram a proteção integral ao adolescente., por meio da obrigação de preenchimento do direito fundamental à profissionalização. Com efeito, a fumaça do bom direito pode ser constatada a partir da existência de norma legal prevendo a obrigação de prover cursos de aprendizagem, necessários à implementação do instituto da aprendizagem, previsto na CLT. O segundo pressuposto encontra-se igualmente satisfeito, já que, caso os pedidos ora pleiteados sejam concretizados apenas após o trânsito em julgado do comando sentencial, ter-se-á o irreparável prejuízo relativamente ao período pretérito em que os preceitos legais permanecerão violados, devido à longa tramitação da ação. Ou, por outras palavras: a requerida não cumprirá, por extenso período, os preceitos legais cujo cumprimento se busca. E este descumprimento acarretará inestimáveis e, principalmente, irreparáveis prejuízos, para usar-se da expressão contida no inciso I do artigo 273 do Código de Processo Civil. Realmente, não havendo ordem judicial imediata para a cessação da ilicitude, as requeridas não proverão os cursos de aprendizagem necessários à qualificação profissional para as empresas cumprirem a quota legal. Com efeito, aguardar pela tramitação normal do processo judicial, com a possibilidade quase ilimitada de vários e infindáveis recursos, até que se chegue à formação da coisa julgada, implica a possibilidade de manter os potenciais aprendizes das rés alheios ao processo de aprendizagem durante todo esse período, negando-se o direito constitucional da profissionalização. Ademais, o próprio art. 227 da CF determina prioridade absoluta no resguardo ao direito à profissionalização de adolescentes, direito este a que o instituto da aprendizagem vem a satisfazer por completo. 266 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Desse modo, urge que tal omissão ilegal seja estancada de pronto. Não se pode compadecer, no tempo, com resistências ilegais como a combatida na presente ação. Não podemos continuar a ver isso passivamente enquanto a lide se prolonga, se desde logo a omissão ilegal já resta caracterizada. Assim, é chegada a hora de por um fim a esta conduta omissiva de desrespeito ao aparato estatal. E, este resultado útil somente poderá ser alcançado se houver deferimento da tutela de urgência ora requerida, caso contrário a intenção protelatória das demandadas em cumprir as normas legais atingirá sua finalidade. Portanto, a antecipação dos efeitos da tutela é medida que se impõe. 3.B - DO PEDIDO LIMINAR O Ministério Público, com espeque nos dispositivos citados no item anterior deste petitório, bem como no Protocolo de Compromisso com o Ministério da Educação, requer a concessão de liminar, na forma do artigo 273 e § 3º, do artigo 461, todos do CPC c/c artigo 12, da Lei 7.347/85, para que este Juízo determine ao SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Regional Mato Grosso do Sul, e ao SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, Regional Mato Grosso do Sul, ao cumprimento dos seguintes deveres de conduta: 1) Promover, no prazo de 30 dias, implementação de cursos e abertura de turmas de aprendizagem no Município de Bataguassu, mediante apresentação de planejamento contendo respectivo cronograma de desenvolvimento, para atendimento de todas as demandas de vagas apresentadas pelas empresas do Município e da região (Anaurilândia e Santa Rita do Pardo), abrangidos pela atuação da Procuradoria do Trabalho de Três Lagoas, sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), valor este a ser revertido para instituição pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo próprio Juízo, ou ainda, ao Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 267 Fundo Estadual da Infância e da Adolescência; 2) Estabelecer acordo com estabelecimentos de ensino comercial reconhecidos pelo Governo Federal, exigindo sempre, em troca do auxilio financeiro que der, melhoria do aparelhamento escolar e determinado número de matriculas gratuitas para industriários, comerciários, seus filhos, ou estudantes a que provadamente faltarem os recursos necessários, providenciando a satisfação das exigências regulamentares para que na sua escola, de aprendizagem funcionem os cursos de formação e aperfeiçoamento necessários, ou promoverá os meios indispensáveis a incentivar a iniciativa particular a criá-los, sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), importe a ser revertido à instituição pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao Fundo Estadual da Infância e da Adolescência. 3) Destinar anualmente, 2/3 da receita líquida da contribuição compulsória geral para vagas gratuitas em cursos e programas de formação inicial e continuada e de formação técnica de nível médio, considerando a receita líquida da contribuição compulsória geral entende-se a receita bruta da contribuição compulsória geral do SENAI, deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNI, as Federações de Indústrias e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), que significa 92,5% da receita bruta compulsória geral, no caso do SEANI, ou a receita compulsória bruta deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNC e as Federações, nos termos da legislação vigente, o que equivale, hoje, a uma base de 91,25% da receita bruta, no caso do SENAC, sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), importe a ser revertido à instituição pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao Fundo Estadual da Infância e da Adolescência. 4) Promover cursos e programas de formação inicial 268 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 e continuada, estruturados em módulos que compõem itinerários formativos, com carga horária mínima de 160 horas, para os curso de formação inicial, e os requisito para ingresso comprovação de formação inicial ou avaliação e reconhecimento de competências para aproveitamento em prosseguimento de estudos, para os cursos de formação continuada, tudo nos termos do Protocolo de Compromisso com o MEC, sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), importe a ser revertido à instituição pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao Fundo Estadual da Infância e da Adolescência. 5) Proceder à manutenção de todas as turmas de aprendizagem que estejam em andamento no município de Bataguassu, incumbindo-se de manter contato com as empresas, no mínimo seis meses antes do término dos contratos, a fim de que possam diligenciar para as matrículas de aprendizes em substituição, sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por cada vez que for constatado o inadimplemento de tal obrigação, importe a ser revertido à instituição pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao Fundo Estadual da Infância e da Adolescência. 3.C - DO PEDIDO DEFINITIVO O Ministério Público requer a condenação das rés: a) de forma definitiva, com a manutenção de liminar, no tocante aos pleitos formulados nos itens “1” e “2” da porção III.B desta vestibular ; b) a efetuar o pagamento da indenização por dano moral coletivo, no importe de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), correspondente aos valor que deixou de ser aplicado na região somente nos autos de 2012 e 2013, em favor de instituição pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 269 adolescentes, a ser indicada pelo MPT ou pelo Juízo, ou ainda, ao Fundo Estadual da Infância e da Juventude. EXCELENTÍSSIMA JUÍZA DO TRABALHO DA VARA DO TRABALHO DE NOVA ANDRADINA - MS 4 - DOS DEMAIS REQUERIMENTOS Requer, por fim, o Ministério Público do Trabalho: a) a citação das rés para, querendo, comparecer à audiência e apresentar defesa e, caso não diligencie neste sentido, seja declarada a revelia e reconhecidos os efeitos daí decorrentes, com o regular processamento do feito, mantendo-se a liminar e julgando-se os pedidos totalmente procedentes; b) a intimação pessoal dos atos processuais proferidos no presente feito, na pessoa de um dos membros do Ministério Público de cada ramo, na forma dos artigos 18 e 84, ambos da Lei Complementar n.º 75/93 de 20/05/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), bem como do artigo 236, parágrafo 2.º, do Código de Processo Civil; c) a produção dos meios de prova, notadamente testemunhal, depoimento pessoal e documental; processuais. d) condenação das rés nas custas e demais despesas 5 - DO VALOR DA CAUSA Atribui-se à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Pede deferimento. Campo Grande/MS, 7 de Março de 2014. CARLOS EDUARDO ALMEIDA MARTINS DE ANDRADE Procurador do Trabalho 270 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio do Procurador do Trabalho subscritor, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal; art. 6º, VII, alíneas “a” e “d”, XIV e art. 83, III da Lei Complementar nº 75/93; e, ainda, nos termos da Lei 7.347/85, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido cautelar liminar inaudita altera pars em face de: 1 - SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE NOVA ANDRADINA/MS, CNPJ 03.576.196/000155, com endereço na Av. José Heitor de Almeida Camargo, 287, Nova Andradina/MS, CEP 79.750-000; 2 - Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias da Fabricação do Açúcar e Álcool de Nova Andradina - MS, CNPJ nº 24.630.956/0001-35, com endereço à Rua Onofre Gonçalves Lopes, 1219, Centro, Nova Andradina/MS, CEP 79.750-000; e 3 - ENERGÉTICA SANTA HELENA S/A, pessoa jurídica de direito privado,inscrita no CNPJ sob o nº 37.216.363/000250, com endereço à Rodovia MS 134, Km 25, Fazenda Santa Helena, Bairro Rural, bloco “Prédio 2”, Nova Andradina/MS, CEP 79.750000. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 271 1 DOS FATOS O Ministério Público do Trabalho, por meio da Reclamação Trabalhista de nº 0024681-78.2013.5.24.0036, movida pelo trabalhador rural indígena ENIVALDO CARLOS em face de ENERGÉTICA SANTA HELENA S/A, na qual pretendia, dentre outros direitos trabalhistas, o pagamento de horas extraordinárias pelo período em que se deslocava do alojamento para o local de trabalho e vice-versa, a título de horas in itinere, à base de 6 horas por dia, tomou conhecimento de que o primeiro demandado Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Andradina/MS, firmara Acordo Coletivo de Trabalho 2012/2014 (doc. 01) e Termo Aditivo a Acordo Coletivo de Trabalho 2013/2014 (doc. 02) com a Energética Santa Helena S/A - terceira demandada, entabulando cláusulas que estariam em desacordo com preceitos constitucionais, bem como com a legislação trabalhista vigente. As cláusulas são as seguintes: CLÁUSULA VIGÉSIMA SÉTIMA – HORAS IN ITINERE (ACT 2012/2014) CONSIDERANDO: (I) Que os trabalhadores ativam-se em diversas frentes de trabalhos com distâncias e itinerários diferentes; (II) Que há frentes de trabalho com transporte público regular: seja todo o trajeto, seja em parte dele; (III) Que todos os trabalhadores ficam alojados dentro da empresa, sendo que a mesma situa-se dentro dos canaviais muito proximos da distancia do corte de cana; (IV) A impossibilidade de se mensurar com exatidão o tempo de deslocamento dentro das variáveis e requisitos que ensejam a percepção das horas in itinere, em função da disponibilidade total ou parcial de transporte público regular nos vários trajetos e nas várias frentes; (V) O disposto nos incisos III e IV da Súmula 90 do TST, bem como a reinterada jurisprudência que emana do E. TST que confirma a possibilidade de pré-fixação do tempo de deslocalmento; (VI) O disposto no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, prestigiando o principio da auto-determinação. 272 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 As partes signatárias do presente instrumento de ou Acordo Coletivo de Trabalho pré-fixam, em caráter irrevogável e irretratável, o que segue: Parágrafo Primeiro: O tempo despendido pelo trabalhador no percurso de sua residência ou alojamento até o efetivo local de trabalho, em veículo da empresa ou a seu serviço, denominado como horas “in itinere”, fica fixado em 0,10 (dez minutos diarios). Parágrafo Segundo: Dada a pré-fixação do tempo despendido pelo trabalhador no percurso de sua residência ou alojamento até o local de trabalho, e do local de trabalho até sua residência ou alojamento, tempo este denominado como horas in itinere, na forma do § 1º acima, a Empresa fica desobrigada a registrar este tempo no ponto dos empregados. Parágrafo Terceiro: As horas in itinere serão remuneradas pelo valor da hora normal com acréscimo de 50%, em dias normais e 100% em dias de feriados, caso ultrapasse a jornada normal de trabalho. CLÁUSULA OITAVA - HORAS IN INTINERE (TERMO ADITIVO ACT 2013/2014) CONSIDERANDO: (I) que os trabalhadores ativam-se em diversas frentes de trabalhos com distâncias e itinerários diferentes; (II) que há frentes de trabalho com transporte público regular: seja todo o trajeto, seja em parte dele; (III) que todos os trabalhadores ficam alojados dentro da empresa, sendo que a mesma situa-se dentro dos canaviais muito proximos da distancia do corte de cana; (IV) a impossibilidade de se mensurar com exatidão o tempo de deslocamento dentro das variáveis e requisitos que ensejam a percepção das horas in itinere, em função da disponibilidade total ou parcial de transporte público regular nos vários trajetos e nas várias frentes; (V) o disposto nos incisos III e IV da Súmula 90 do TST, bem como a reinterada jurisprudência que emana do E. TST que confirma a possibilidade de pré-fixação do tempo de deslocalmento; (VI) o disposto no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, prestigiando o princípio da auto-determinação. (VII) O disposto no art. 840 do código Civil, que prestigia a transação Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 273 As partes signatárias do presente instrumento de ou Acordo Coletivo de Trabalho pré-fixam, em caráter irrevogável e irretratável, o que segue: Parágrafo Primeiro: O tempo despendido pelo trabalhador no percurso de sua residência ou alojamento até o efetivo local de trabalho, em veículo da empresa ou a seu serviço, denominado como horas “in itinere”, fica fixado em 0,10 (dez minutos diários). Parágrafo Segundo: Dada a pré-fixação do tempo despendido pelo trabalhador no percurso de sua residência ou alojamento até o local de trabalho, e do local de trabalho até sua residência ou alojamento, tempo este denominado como horas in itinere, na forma do § 1º acima, a Empresa fica desobrigada a registrar este tempo no ponto dos empregados. Parágrafo Terceiro: As horas in itinere serão remuneradas pelo valor da hora normal com acréscimo de 50%, em dias normais e 100% em dias de feriados, caso ultrapasse a jornada normal de trabalho. Em sua peça contestatória apresentada naqueles autos (doc. 03), a Energética Santa Helena S/A impugna a pretensão do autor informando que suas frentes de trabalho distam do alojamento onde o trabalhador reside, a uma distância de 35 km da indústria, a título de raio médio, sendo que os alojamentos dos trabalhadores estão localizados ao lado da mesma. Oportuno registrar que nesse caso específico, o trabalhador, sendo indígena, contratado em Amambai/MS, é alojado pela Energética Santa Helena S/A, em local, conforme afirmado pela mesma, localizado ao lado da unidade industrial, deslocandose diariamente de tal local até as frentes de trabalho, uma vez que existem outros trabalhadores que se deslocam de distintas localidades até as demais frentes de trabalho. Apresenta, ainda, a Energética Santa Helena S/A um mapa das áreas correspondentes as frentes de trabalho existentes (doc. 04), num total de 27 (vinte e sete) fazendas, cujas distâncias das mesmas até a sede da indústria variam de 5 Km (Faz. Santo Antônio, Taquaritinga, Taquaritinga I) até 63 Km (Faz. Santa Maria – Ortega). No caso daquele trabalhador indígena, a Energética 274 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Santa Helena S/A afirma em sua peça que o tempo gasto pelo mesmo diariamente, era uma média de 30 (trinta) minutos por dia, ou seja, tempo este superior a 3 (três) vezes ao que fora prefixado nas Cláusulas 27ª e 8ª dos instrumentos coletivos acima mencionados. Levando-se em conta uma média apurada durante constatação realizada pelos servidores da Vara do Trabalho de Naviraí/MS, por ocasião de inspeção realizada por determinação judicial nos autos da ACC 955-90.2011.5.24.0086 (doc. 05), a fim de verificar o tempo de percurso gasto no transporte de trabalhadores até as frentes de trabalho, pertencentes à Infinity Agrícola S/A, cuja atividade econômica é a mesma desenvolvida pela Energética Santa Helena S/A, qual seja, trabalho executado em canaviais, apurou-se que a velocidade média de tais veículos (ônibus) gira em torno de 1 Km por minuto, ou seja, 60 Km/h. Desta feita, o tempo de percurso ida e volta da sede da indústria até a frente de trabalho mais distante (Faz. Santa Maria – Ortega) giraria em torno de 126 (cento e vinte e seis) minutos, e o tempo até a frente mais próxima chegaria a 10 (dez) minutos. Isso a se considerar que o deslocamento é iniciado a partir sede da indústria, o que não é regra geral pelo fato de ter trabalhadores que têm de se deslocar de outros locais, seja da cidade de Nova Andradina/MS, seja de outros municípios da região, e até de assentamentos, o que pode aumentar ainda mais esse o tempo de deslocamento, causando prejuízos significativos à coletividade de trabalhadores, seja pelo fato do elastecimento da jornada diária, que pode chegar até 10 (dez) horas diárias, compromentendo o descanso e o tempo de convívio familiar, seja ainda pela ausência de remuneração de todo o período a disposição do empregador, de forma a causar um enriquecimento ilícito ao mesmo. Mas não é só os trabalhadores rurais que tiveram seus respectivos tempos de percurso prefixados pela correspondente entidade sindical profissional. Também os trabalhadores pertencentes à categoria profissional da indústria e agroindústria da fabricação do açúcar e do álcool e biocombustível em geral (etanol, biodiesel e lubrificantes biofabricados) cuja prestação de serviços se dá na área Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 275 territorial de Nova Andradina/MS, tiveram seus respectivos tempos de percurso prefixados a um patamar de apenas 20 (vinte) minutos diários, nos termos da Cláusula Vigésima Nona do ACT 2013/2014 (doc. 06). Senão vejamos: CLÁUSULA VIGÉSIMA NONA – DO TRANSPORTE E DAS HORA IN ITINERE Aos empregados da empresa Acordante que se ativam diretamente no parque industrial e ou área agrícola, será garantido transporte gratuito, seja ele através de ônibus público regular que percorre a linha de pública existente ou através de ônibus fretado, sendo que neste caso deverá o mesmo oferecer condições de segurança, higiene e conforto, bem como atender as exigências da legislação vigente. Parágrafo Primeiro: Somente os empregados da empresa Acordante que se deslocam diretamente para a(s) frente(s) de trabalho, as PARTES acordam que: CONSIDERANDO: (I) Que os trabalhadores ativam-se em diversas frentes de trabalhos com distâncias e itinerários diferentes; (II) Que há frentes de trabalho com transporte público regular: seja todo o trajeto, seja em parte dele; (III) A impossibilidade de se mensurar com exatidão o tempo de deslocamento dentro das variáveis e requisitos que ensejam dentro das variáveis e requisitos que ensejam a percepção das horas “in itinere”, em função da disponibilidade total ou parcial de transporte público regular nos vários e nas várias frentes; (IV) O disposto nos incisos III e IV da Súmula 90 do TST, bem como reiterada jurisprudência que emana do E. TST que confirma a possibilidade de pré-fixação do tempo de deslocamento; (V) O disposto no inciso XXVI do artigo 7o da Constituição Federal, prestigiando o princípio da auto-determinação. Parágrafo segundo: O tempo destinado pelo trabalhador no percurso de sua residência ou alojamento até o efetivo local de trabalho, em veículo da empresa ou a seu serviço, denominado como horas “in itinere” fica fixado em 0,20 (vinte minutos diários). Parágrafo terceiro: Dada a pré-fixação do tempo despendido 276 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 pelo trabalhador no percurso de sua residência até o local de trabalho, e do local de trabalho até sua residência, tempo este denominado como horas in itinere, na forma do §1o acima, a Empresa fica desobrigada a registrar este tempo no ponto dos empregados. Parágrafo quarto: As horas in itinere serão remuneradas pelo valor da hora normal com acréscimo de 50%. Levando-se em conta que referida conduta empresarial e sindical, concernente à pactuação de cláusulas obrigacionais em instrumentos coletivos de trabalho, prefixando o tempo de percurso denominado horas in itinere em patamar completamente desarrazoado e ínfimo, vem lesando de forma significativa e contundente, direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores em questão, tal qual, à duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (art. 7º, XIII) e o direito social ao lazer (art. 6º), ambos da CF/88, bem tem infringido o comando celetista disposto no art. 58, § 2º, o qual dispõe que o tempo de percurso despendido pelo trabalhador deve ser computado em sua jornada de trabalho, não resta outra alternativa ao Ministério Público do Trabalho a não ser ajuizar a presente demanda objetivando provimento jurisdicional que obste a continuidade da mesma. Importante trazer a conhecimento de Vossa Excelência que o Ministério Público do Trabalho, nos autos do Inquérito Civil nº 000189.2012.24.001/0, expediu Notificação Recomendatória nº 862/2014 (doc. 07) à Energética Santa Helena S/A para que a mesma se abstivesse de negociar com o primeiro demandado a prefixação de horas in itinere no próximo instrumento coletivo, tendo a ré informado através de arrazoado apresentado em 23/04/2014 (doc. 08) que não iria cumprir com os termos da referida notificação pelas razões ali apontadas. 2 DO DIREITO 2.1 - DA NULIDADE DAS CLÁUSULAS VIGÉSIMA SÉTIMA DO ACT 2012/2014 (doc. 01), OITAVA DO TERMO ADITIVO AO ACT 2O13/2014 (doc. 02), E VIGÉSIMA NONA DO ACT Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 277 2013/2014 (doc. 06) A ilegalidade das precitadas cláusulas é indiscutível, consistindo em total descumprimento de preceitos legais relativos aos direitos dos empregados da empresa abrangida pelo ACT, especificamente quanto à exclusão de haveres trabalhistas básicos como o pagamento real e efetivo das horas in itinere. A Constituição Federal, em seu art. 7º, inc. XXVI, reconheceu validade aos instrumentos normativos, permitindo que as partes, por meio de Convenção e/ou Acordo Coletivo de Trabalho, possam negociar as condições do contrato de trabalho. Contudo, a possibilidade de transação de direitos laborais via negociação coletiva não ostenta os limites que lhe pretendem conferir os reclamados. Isso porque a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional estabelecem o patamar civilizatório mínimo de direitos a serem assegurados ao trabalhador, de tal forma que, abaixo dele, não há como prevalecer a vontade dos sindicatos patronal e obreiro e das empresas. Dessa forma, como forma de impedir que os trabalhadores sejam submetidos a jornadas de trabalho exaustivas, o Direito do Trabalho desenvolveu, ao longo dos anos, diversos institutos jurídicos, dentre eles, as horas in itinere. Trata-se, portanto, de instituto jurídico trabalhista que visa compensar o tempo gasto pelo trabalhador com a ida e o retorno ao ambiente de trabalho situado em local de difícil acesso, ou não servido por transporte público, com condução fornecida pelo empregador. Na apuração das aludidas horas leva-se em conta o tempo efetivamente despendido pelo trabalhador na ida e retorno ao trabalho. Sobre o tema, a Corte Superior da Justiça do Trabalho esclarece, por meio do inciso I da Súmula nº 90, que: “O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo 278 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho.” Já o inciso II do aludido verbete adverte que: “A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas in itinere”. Por seu turno, o inciso III da referida Súmula pontua que “a mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas in itinere, sendo que o inciso IV admite a possibilidade de limitação das horas in itinere se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido pelo empregado em condução da empresa. Como se vê, o TST conferiu interpretação extensiva ao art. 58, § 2º da CLT para incluir como horas in itinere o tempo em que o empregado aguarda o transporte público para iniciar ou terminar a jornada de trabalho, quando configurada a incompatibilidade entre o horário estabelecido pelo empregador e aquele definido pela empresa de transporte público. Contudo, em se tratando de microempresa e empresa de pequeno porte, existe a possibilidade de fixação do tempo médio por meio de acordo ou convenção coletiva. Tal previsão encontra-se estampada no art. 58, § 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, cujo dispositivo estabelece que: Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração. Neste sentido, a própria Constituição Federal em seu art. 170, inciso IX eleva como princípio fundante da ordem econômica interna, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Ademais, quanto à flexibilização de direitos trabalhistas, a Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 279 Constituição Republicana de 1988 autoriza a redução de salários (art. 7º, VI) sempre mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, além da possibilidade de negociação da jornada para os trabalhadores em turnos de revezamento (art. 7º, XIV), tema tratado inclusive no enunciado da Súmula nº 423 do TST, e só. Posto isso, é importante dizer que o tratamento diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas referem-se especialmente à apuração e recolhimento diferenciado dos impostos e contribuições da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e isto por meio de regime único de arrecadação (art. 1º, I, LC nº 123/06); ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias (art. 1º, II, LC nº 123/06); e ao acesso a crédito e ao mercado, com a preferência pelos Poderes Públicos nas aquisições de bens e serviços produzidos pelas micro e pequenas empresas, bem como à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão. Dito isto, tem-se que a fixação do tempo médio das horas in itinere por meio de normas coletivas às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme estabelecido pelo art. 58, § 2º da CLT, com a redação dada pela Lei nº 10.243/01, teve por objetivo atender ao comando constitucional previsto no art. 170, inciso IX da Carta Magna, e isto como forma de viabilizar o desenvolvimento econômico dessas empresas, face ao necessário cumprimento das obrigações trabalhistas decorrentes das horas in itinere. Permite-se assim a fixação de uma média das horas in itinere, ainda que em tempo menor ao efetivamente percorrido pelo empregado, como forma de possibilitar o cumprimento das obrigações trabalhistas por empresas cuja receita bruta anual seja consideravelmente inferior ao faturamento obtido pelas empresas de grande porte, a exemplo das sociedades anônimas. Como visto, o art. 58, § 3º da CLT é taxativo ao estatuir que apenas as microempresas e empresas de pequeno porte podem adotar a fixação do tempo médio das horas in itinere por meio de norma coletiva, o que a princípio afastaria a possibilidade de aplicação de tal média às empresas constituídas sob a natureza jurídica de sociedade anônima. 280 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Não obstante, a jurisprudência do TST vem adotando entendimento diverso, ao argumento de que é possível alterar, de forma ampla, as condições contratuais por meio da via coletiva, pelo que seria válida – independentemente da natureza jurídica da empresa – cláusula normativa de delimitação do tempo do percurso decorrente das horas in itinere, desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade Este Parquet laboral, alinhado com o entendimento majoritário adotado pela jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho, entende inaplicável a possibilidade de redução das horas in itinere mediante fixação do tempo médio de tais horas, acaso a empresa não esteja caracterizada como micro ou pequena empresa. Neste sentido: EMPRESA MULTINACIONAL - HORAS IN ITINERE CLÁUSULA COLETIVA RESTRITIVA - INVALIDADE A teor do § 3º do art. 58 da CLT, a negociação coletiva fixando tempo médio despendido no transporte dos empregados, a título de horas “in itinere”, somente é cabível para microempresas e empresas de pequeno porte. Sendo a reclamada uma empresa multinacional, não se enquadra, por certo, em nenhuma dessas categorias, revelando-se nula a norma coletiva que negocia as mencionadas horas de deslocamento.§ 3º58CLT. (1049003320095070023 CE 0104900-3320095070023, Relator: PLAUTO CARNEIRO PORTO, Data de Julgamento: 30/04/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: 09/05/2012 DEJT). HORAS “IN ITINERE” - ACORDO COLETIVO PRINCÍPIO DA REALIDADE- ART 7º, XXVI, CF/88: Havendo comprovação de que o tempo real gasto em percurso é superior ao convencionado, não incide o inciso XXVI do artigo 7º da CF, devendo prevalecer o Princípio da Realidade. Ademais, o disposto no artigo 58, § 3º da CLT autoriza a pré-fixação de horas de transporte apenas para microempresas e empresa de pequeno porte, não adequado, portanto, ao caso em tela. 7ºXXVI CF/88XXVI7ºCF58§ 3º CLT. (1724 SP 001724/2012, Relator: JOSÉ PITAS, Data de Publicação: 20/01/2012). HORAS IN ITINERE. LIMITAÇÃO POR ACORDO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. A limitação, via negociação coletiva, do número a ser pago de horas in itinere, somente é possível nas hipóteses em que o empregador é Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 281 microempresa ou empresa de pequeno porte, consoante autorização contida no artigo 58, parágrafo 3º, da CLT.58 parágrafo 3º CLT. (16327120105050511 BA 000163271.2010.5.05.0511, 5ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 12/12/2011). Não há, com efeito, previsão legal para que as sociedades anônimas, como é o caso da terceira demandada, sejam beneficiadas com a fixação de um tempo médio para as horas in itinere. Ao revés, o art. 58, § 3º da CLT estende tal possibilidade, apenas, às microempresas e empresas de pequeno porte. Por mais que a terceira demandada aponte em suas razões que nas negociações coletivas os empregados obtêm benefícios mediante concessões recíprocas, ela não conseguiu comprovar que benefícios efetivamente foram concedidos a tais trabalhadores em troca da pífia prefixação do tempo de percurso conhecido como horas in itinere. O que vem acontecendo sistematicamente é que referidos trabalhadores estão sendo diretamente prejudicados e lesados em seus direitos, uma vez que além de não terem sua limitação de jornada respeitada a 8 (oito) horas diárias, tal como determina o art. 7º, XIII da CF/88, uma vez que o tempo real e efetivo de percurso não lhe é computado na jornada diária, ainda deixam de receber pela contraprestação devida, de forma integral, e ainda não conseguem desfrutar de forma plena do direito ao lazer, qual seja, de maior tempo de repouso e descanso ao final do labor, tal qual disposto no art. 6º da CLT. Com relação ao tema contrapartida vantajosa pela prefixação das horas in itinere em negociação coletiva, convém transcrever o julgado abaixo, que faz uma interpretação adequada do art. 7º, inciso XXVI da CF/88: TRT-PR-08-12-2009. NORMA COLETIVA QUE RESTRINGE DIREITO DO EMPREGADO DE RECEBER O PAGAMENTO INTEGRAL DA JORNADA ITINERANTE CUMPRIDA - AUSÊNCIA DE CONTRAPARTIDA VANTAJOSA - Não há como se reputar válida disposição coletiva que restrinja direito mínimo garantido em lei, mormente quando não demonstrada 282 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 qualquer contrapartida vantajosa ao trabalhador na renúncia do direito. Não há nesse fato ofensa ao disposto nos artigos 4º, in fine, da CLT e 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, que determina o reconhecimento dos instrumentos coletivos, pois o caput do preceito constitucional referido qualifica o direito garantido ao trabalhador como um daqueles “que visem à melhoria de sua condição social”, não sendo esta a interpretação conferida a cláusula que diminua o direito. Ante tal premissa, cláusula normativa limitadora das horas in itinere só é admitida quando exista uma vantagem compensatória expressa para os trabalhadores. Tal entendimento está calcado em interpretação sistemática do artigo 7º da Constituição da República, principalmente da conjunção do caput com o inciso XXVI, pois a negociação coletiva pressupõe concessões recíprocas, e não é razoável admitir que o trabalhador, por meio de norma coletiva tão somente, renuncie a direitos assegurados na legislação protetiva.” TRT-PR-00211-2009-671-09-00-6ACO-43234-2009 - 2A. TURMA. Relator: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO. Publicado no DJPR em 08-122009 (Grifos nosso). Ademais, o reconhecimento das normas coletivas pela Carta Magna de 1988, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais condiciona-se à melhoria da condição social desses trabalhadores, logo, a redução das horas in itinere por meio de acordo ou convenções coletivas só se justifica em face do empregador que do mesmo modo, necessita da constante intervenção estatal para a melhoria de sua condição econômica. Neste caso, perfeitamente aceitável o aforismo jurídico que ensina: “ubi eadem est ratio, idem jus”, ou seja, onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito, porquanto as micros e pequenas empresas carecem de um tratamento diferenciado e favorecido por conta das limitações econômicas que lhes são peculiares. No entanto, em se tratando de sociedades anônimas inexistem razões para que se flexibilizem as normas trabalhistas em torno das horas in itinere, pois, ao assim proceder em relação às microempresas e empresas de pequeno porte, o legislador atendeu ao imperativo de ordem constitucional, conferindo tratamento favorecido às empresas que efetivamente dele necessitam. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 283 Assim, constituindo-se as horas in itinere direito que não pode ser, no presente caso, flexibilizado por meio de negociação coletiva, as referidas cláusulas padecem de validade. Portanto, celebrada convenção ou acordo coletivo que infrinja a lei, é de se decretar a nulidade da cláusula. Nesse sentido, o art. 9º da CLT é de clareza meridiana ao dispor que “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Traz, nessa via, a primazia da lei sobre o acordo coletivo que contravém a ordem pública. Na doutrina, corroborando esse entendimento, Alice Monteiro de Barros.1 Tendo em vista que a vigência dos referidos instrumentos coletivos expirar-se-á no próximo dia 30/04/2014, uma vez que as datas-base das respectivas categorias profissionais encontram-se fixadas em 01/05, necessário se faz que se persiga pronunciamento jurisdicional inibidor, com fulcro no art. 11 da Lei 7.347/85, de forma a obstar que os réus venham a estipular nos próximos instrumentos coletivos, cláusulas prefixadoras de horas in itinere, tendo em vista o flagrante prejuízo que vem sofrendo centenas de empregados da terceira ré, uma vez que os mesmos estão tendo direito ao recebimento de apenas 10 ou 20 minutos diários a título de horas in itinere, conforme a categoria a que pertencem, muito embora, conforme o mapa das frentes de trabalho da usina (doc. 04), apontam que referido tempo chega a ser, no caso dos rurícolas, 12 (doze) vezes inferior ao real (exemplo da frente de trabalho localizada na Faz. Santa Maria – Ortega), uma vez que a distância da sede da indústria até a referida frente é de 63 km, que ao se computar ida e volta perfaz um tempo gasto de 126 minutos. 2.2 DA NECESSIDADE DE ADOÇÃO DO Registrador Eletrônico de Ponto - REP É incontroverso que o estabelecimento da empresa ré (Usina) situa-se na zona rural do município de Nova Andradina-MS e que não há transporte público municipal que ligue diretamente os 1 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho – 3. ed. Rev. Ampl. - São Paulo: Ltr, 2007, p. 655-657. 284 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 pontos de embarque de suas centenas de empregados até todas as suas frentes de trabalho e vice-versa. Além disso, é notório que grande maioria de seus empregados, ai incluídos aqueles que encontram-se alojados ao lado de sua unidade industrial, são conduzidos em ônibus contratados pela empresa ré para trabalharem nas fazendas da região, a fim de realizarem o plantio e a colheita da cana-de-açúcar, e que essa é a única forma dos trabalhadores realizarem seus deslocamentos de ida e volta ao trabalho. Resta, portanto, evidenciado que a empresa ré conduz seus empregados a locais de difíceis acessos e não servidos por transporte público regular, de forma que o tempo de trajeto deve ser computado na jornada de trabalho, sob pena de violação do art. 58, §2º da CLT. Ademais, a empresa ré tem mais de 10 empregados, de forma que é obrigada a realizar o controle da jornada de trabalho de seus trabalhadores segundo as normas expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos do art. 74, §2º da CLT: §2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída. em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso… Em 21 de agosto de 2009, foi editada pelo MTE a Portaria 1.510, que teve a finalidade de disciplinar o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto – SREP. Segundo o art. 3° da referida portaria, o registro das jornadas deve ocorrer através do Registrador Eletrônico de Ponto - REP, cujo equipamento será utilizado no local da prestação dos serviços: Art. 3º Registrador Eletrônico de Ponto - REP é o equipamento de automação utilizado exclusivamente para o registro de jornada de trabalho e com capacidade para emitir documentos fiscais e realizar controles de natureza fiscal, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 285 trabalho. administrativo fiscal. Parágrafo único. Para a utilização de Sistema de Registro Eletrônico de Ponto é obrigatório o uso do REP no local da prestação do serviço, vedados outros meios de registro. Desta feita, além de se perseguir provimento judicial com viés inibitório à continuidade da lesão praticada em face da coletividade dos trabalhadores da Energética Santa Helena S/A, pela pactuação de cláusulas prefixadoras de horas in itinere em instrumentos coletivos, necessário se faz que a mesma seja condenada a adotar o Registrador Eletrônico de Ponto – REP para o efetivo controle de todo o tempo em que o trabalhador estiver a sua disposição, seja durante o trajeto até as frentes de trabalho, seja se ativando diretamente na prestação diária dos serviços lhes propostos, inclusive com a afixação de tal instrumento eletrônico dentro dos próprios veículos utilizados no transporte dos obreiros. A Portaria MTE 2.686, de 27 de dezembro de 2011 escalonou o prazo para o início da utilização obrigatória do Registrador Eletrônico de Ponto – REP da seguinte forma: a) 02/04/2012 para as empresas que exploram atividades na indústria, no comércio em geral, no setor de serviços, incluindo, entre outros, os setores financeiro, de transportes, de construção, de comunicações, de energia, de saúde e de educação; b) 01/06/2012 para as empresas que exploram atividade agro econômica nos termos da Lei n.” 5.889, de 8 de julho de 1973 e c) 03/09/2012 para as microempresas e empresas de pequeno porte, definidas na forma da Lei Complementar nº 123/2006. Como decorrência da necessidade de efetivo controle da jornada dos trabalhadores e efetiva contagem das horas in itinere, a empresa ré já deveria, desde a data de 01/06/2012, estar utilizando o Registrador Eletrônico de Ponto – REP, para tal propósito, devendo referido registrador ser afixado nos ônibus ou demais veículos de transporte de trabalhadores, possibilitando aos mesmos a marcação individual e eletrônica desde o embarque inicial até o desembarque final diário, com o que se poderá obter a completa aferição de todo o tempo em que o trabalhador estiver à disposição do empregador, para o caso de que, sendo a jornada diária extrapolada, seja o período excedente remunerado como tempo extra. Não é demais ressaltar que o objetivo maior da adoção do Registrador Eletrônico de Ponto – REP, para os fins acima colimados, é justamente proporcionar ao trabalhador que ele tenha registrado todo o seu tempo à disposição do empregador, e assim verificar se a contraprestação que lhe é devida por tal mister, lhe é efetivamente retribuída, permitindo-se, ainda, que tal controle possa ser utilizado como meio de prova a fundamentar as alegações tanto dele, como do próprio empregador, no caso de vir a ser posta demanda judicial, facilitando, inclusive, a instrução da ação e de algum procedimento 286 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 2.3 DO DANO SOCIAL CAUSADO PELOS RÉUS As transações coletivas efetuadas através das Cláusulas obrigacionais mencionadas no item 1 desta peça, sem sombra de dúvida, acarretam violação ao interesse coletivo da massa trabalhadora abrangida pelas entidades sindicais profissionais, sem falar nos danos aos interesses difusos. Ainda mais grave se revela a violação de tal direito coletivo, na medida em que os agentes agressores são exatamente os organismos aos quais a Constituição da República atribuiu “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (CF/88, art. 8º, III), considerando que a categoria profissional é integrada por todos os trabalhadores que desenvolvem a atividade profissional afim, independentemente de sua filiação sindical. A todo ato ilícito corresponde uma reparação (artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro). É inegável que a conduta adotada pelos Réus causou, causa e, se não for repelida pelo Poder Judiciário, continuará causando danos aos interesses de toda a coletividade de trabalhadores integrantes das categorias profissionais aqui representadas pelos 2 (dois) primeiros réus, uma vez que a exclusão de direitos atingiu não apenas os exempregados, mas também os que atualmente estão trabalhando e Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 287 podendo atingir os que, futuramente, venham a trabalhar, caso o Poder Judiciário não faça cessar a ilegalidade contida nos Acordos Coletivos de Trabalho mencionados. Assim, ante a impossibilidade de identificação precisa dos lesados, para plena reparação da conduta ilegal, há de se reconhecer existente um dano social que deve ser reconstituído. Deve-se ter em conta, ainda, a afronta ao próprio ordenamento jurídico que, erigido pelo legislador como caminho seguro para a consecução do bem comum, é flagrantemente desrespeitado pelos réus, fazendo tabula rasa dos ditames constitucionais atinentes aos direitos sociais dos trabalhadores (CF, art. 7º). O ato voluntário de ignorar os preceitos legais deteriora sobremaneira as relações de trabalho, em prejuízo do trabalhador e de toda a sociedade. O dano social é inequívoco. Como tais lesões amoldam-se na definição do artigo 81, incisos I e II, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Ministério Público, com espeque nos artigos 1º, caput, e inciso IV e 3º da Lei n. 7.347/85, propor a medida judicial necessária à reparação do dano e à sustação da prática. Em se tratando de danos sociais, interesses difusos e/ ou coletivos, a responsabilidade deve ser objetiva, porque é a única capaz de assegurar uma proteção eficaz a esses interesses. Cuida-se, na hipótese, do “dano em potencial”, sobre o qual já se manifestou o Eg. TRT da 12ª Região, ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V 7158/97. Transcreve-se parte do voto do Exmo. Sr. Juiz Relator: O prejuízo em potencial já é suficiente a justificar a actio. Exatamente porque o prejuízo em potencial já é suficiente a justificar a propositura da presente ação civil pública, cujo objeto, como se infere dos balizamentos atribuídos pela peça exordial ao petitum, é em sua essência preventivo (a maior sanção) e apenas superficialmente punitivo, é que entendo desnecessária a prova de prejuízos aos empregados. De se recordar que nosso ordenamento não tutela apenas os casos de dano in concreto, como também os casos de exposição ao dano, seja ele físico, patrimonial ou jurídico, como se infere do Código Penal, do Código Civil, da CLT e de outros instrumentos jurídicos. Tanto assim é que a CLT, em seu artigo 9º, taxa de nulos os atos praticados com o objetivo de 288 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 fraudar, o que impende reconhecer que a mera tentativa de desvirtuar a lei trabalhista já é punível. (g.n.). Com efeito, a repetição de atos ilegais – conforme os praticados pelos Réus, vez que as referidas cláusulas constam de Acordos Coletivos de Trabalho anteriores (2011/2012) – faz criar no inconsciente coletivo a passividade diante de situações injustas e à margem do ordenamento jurídico, levando toda coletividade a concluir, de forma desanimadora, que a conduta reprovável é impune, portanto, aceitável. Todos os avanços nas relações de trabalho conseguidos desde 1943, com a entrada em vigor da CLT e da legislação extravagante, solidamente consolidados pelo art. 7º da Carta da República de 1988, sofrem enormes abalos e caem no descrédito, quando o próprio Sindicato Profissional acordando com o empregador adotam como regra de conduta – e é o caso dos autos – o descumprimento da lei. Não há como ser negada a existência de dano social passível de reparação. E não se sustente que o quanto ora é postulado deve ser buscado, individualmente, por cada obreiro lesado. Com efeito, tome-se como parâmetro, para melhor entendimento do que aqui se sustenta, o que ocorre relativamente ao meio ambiente, tão defendido nos dias de hoje. Se uma indústria despeja dejetos em um rio e o polui, o fato dá margem a duas atuações distintas: poderá o Parquet, por meio de ação civil pública, formular pedido (que terá como beneficiária toda a sociedade) de indenização pelos danos sociais causados em decorrência da poluição; e, ao mesmo tempo, poderá o fazendeiro que teve as águas que cortam sua fazenda poluídas, ficando sem água limpa para as atividades agropastoris, ingressar em juízo, pretendendo indenização pelos prejuízos sofridos. O mesmo ocorre quanto às relações de trabalho, quando for descumprida acintosamente a legislação de modo a fazer parecer normal a situação danosa, o que causa enorme dano social, a ser reparado em ação própria, inclusive por intermédio do Ministério Público do Trabalho. De outro lado, o trabalhador que sofreu individualmente as consequências da má conduta do empregador, Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 289 mesmo que amparado em Convenção Coletiva de Trabalho com cláusulas patentemente ilegais e nulas, pode e deve pleitear em juízo aquilo que lhe foi negado no curso do contrato de trabalho. Como se vê, as lesões não se confundem. Logo, a reparação se distingue. Nesse sentido já decidiu o Egrégio TRT da 18ª Região, em julgamento unânime, com acórdão da lavra do Eminente Juiz do Trabalho Octávio José de Magalhães Drummond Maldonado, que assim se manifestou: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Considerando que foi constatada, por meio de inquérito civil, a adoção de procedimento patronal contrário à legislação trabalhista, o que importou supressão de verbas salariais com evidente lesão aos direitos sociais constitucionalmente assegurados, deve a empresa ser responsabilizada pelos danos sociais causados. Impõe-se, assim, o acolhimento do pedido de indenização reversível ao FAT, postulado na inicial. (RO 92/2000 – julgamento em 23/10/01). No caso em tela, os responsáveis diretos pela supressão de direitos dos trabalhadores são os sindicatos signatários dos acordos coletivos, bem como a Energética Santa Helena S/A, esta diretamente beneficiária com a estipulação das cláusulas eivadas de nulidade. Assim, o restabelecimento da ordem jurídica envolve a adoção de medida judicial que impeçam os Réus de entabularem em futuros instrumentos coletivos as cláusulas ora apontadas como ilegais, evitando que continuem a transgredir impunemente a lei, bem como que propicie a reparação do dano social emergente da conduta dos Réus de excluírem parte do arcabouço de princípios e normas protetivas, constitucionais e infraconstitucionais, que disciplinam as relações de trabalho. Entende o Ministério Público do Trabalho que é bastante razoável a fixação da indenização pela lesão a direitos difusos e coletivos no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser suportada solidariamente pelos 2 (dois) primeiros Réus (sindicatos profissionais), e de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser suportada diretamente pela Energética Santa Helena S/A, devido ao seu porte econômico e capacidade financeira, sendo que referidos 290 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 valores levam em conta a natureza do ato ilícito, a gravidade da lesão e o comprometimento do bem jurídico violado. Referidos valores deverão ter destinação social com o propósito de serem utilizados, seja na concretização de projetos sociais, campanhas educativas/preventivas voltadas ao benefício da comunidade de trabalhadores, seja para adquirir bens necessários a reaparelhar órgão públicos com propósitos atrelados ao interesse social e coletivo dos trabalhadores, conforme indicação do Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 5º, § 6º, c/c o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, como forma de reconstituir os bens lesados, ou, ainda, outra destinação, equivalente, a critério desse Juízo e do Ministério Público do Trabalho. 3 DA MEDIDA CAUTELAR Nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/85, “poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”, o que representa a concreta autorização legal para o exercício do poder geral de cautela, conferido ao juízo pelo art. 798 do CPC, em sede de ação civil pública voltada à defesa de interesses difusos e difusos. No presente caso, faz-se urgente a adoção de uma medida cautelar com vistas à imediata determinação de que os réus se abstenham de pactuar nos próximos instrumentos coletivos negociais, cláusulas prefixando as horas in itinere, a fim de evitar que o estado de lesão decorrente da supressão ilícita de direitos, se perpetue durante o curso do processo, inviabilizando em muitas circunstâncias o recebimento futuro das verbas trabalhistas, as quais são eminentemente de natureza alimentar, mormente pela alta rotatividade da mão de obra. O perigo de dano iminente e o fumus boni iuris revelam-se na medida em que as datas-base das categorias profissionais em comento são fixadas em primeiro de maio de cada ano, de forma que a se permitir que tais pactuações continuem a ocorrer, mesmo durante o curso do processo, a coletividade de trabalhadores da empresa beneficiada pelas pactuações impugnadas estarão sofrendo de forma Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 291 continuada, mês a mês, um prejuízo, não havendo dúvida jurídica que justifique a espera de um provimento de mérito, quando o pagamento da verba devida a cada trabalhador, caso venha a ser materialmente possível, não será suficiente para elidir os efeitos danosos em seu caráter alimentar. Por isso, requer o Parquet a concessão liminar de medida cautelar inaudita altera pars, nos termos do art. 798 e 804 do CPC, art. 12 da Lei 7346/85 e art. 84, da Lei 8078/90, a fim de que, até o trânsito em julgado da presente ação: a) seja determinado aos réus que se abstenham de inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais, nos quais sejam signatários, cláusulas prefixando a quantidade de horas in itinere, tais quais idênticas ou análogas às cláusulas vigésima sétima do ACT 2012/2014 (doc. 01), oitava do termo aditivo ao ACT 2O13/2014 (doc. 02); e vigésima nona do ACT 2013/2014 (doc. 06), sob pena de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecer vigente tais cláusulas; b) seja determinado aos réus que se abstenham de inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais quaisquer cláusulas que impliquem em redução e/ou exclusão de direitos constitucionais/legais dos trabalhadores, sob pena de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecerem vigentes tais cláusulas; c) Seja determinado à Energética Santa Helena S/A a adoção, no prazo de 60 (sessenta) dias, do Registrador Eletrônico de Ponto – REP, em atendimento ao disposto nas Portarias MTE 1.510/2009 e 2.686/2011, de forma a permitir a aferição de todo o tempo em que o empregado estiver a sua disposição, aguardando ou executando ordens, devendo para tanto, tal instrumento ser afixado nos veículos de transporte de trabalhadores, e que tal aferição seja iniciada já no primeiro embarque do empregado e finalizada somente por ocasião de 292 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 seu desembarque final, qual seja, de seu retorno à residência, sob pena de aplicação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Os valores das multas aqui pleiteadas deverão ter destinação social com o propósito de serem utilizados, seja na concretização de projetos sociais, campanhas educativas/preventivas voltadas ao benefício da comunidade de trabalhadores, seja para adquirir bens necessários a reaparelhar órgão públicos com propósitos atrelados ao interesse social e coletivo dos trabalhadores, conforme indicação do Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 5º, § 6º, c/c o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, como forma de reconstituir os bens lesados, ou, ainda, outra destinação, equivalente, a critério desse Juízo e do Ministério Público do Trabalho. 4 DO PEDIDO FINAL Finalmente, à luz de todo o exposto, o Ministério Público do Trabalho vem requerer a V. Exa. seja determinada a citação dos Réus, nas pessoas de seus respectivos representantes legais, nos endereços preambularmente informados para, querendo, contestarem a ação, sob pena de incorrer em revelia e confissão ficta e, ao final, requer-se seja mantida a decisão liminar, julgando-se procedentes os seguintes pedidos: 1) seja determinado aos réus que se abstenham de inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais, nos quais sejam signatários, cláusulas prefixando a quantidade de horas in itinere, tais quais idênticas ou análogas às cláusulas vigésima sétima do ACT 2012/2014 (doc. 01), oitava do termo aditivo ao ACT 2O13/2014 (doc. 02); e vigésima nona do ACT 2013/2014 (doc. 06), sob pena de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecer vigente tais cláusulas; 2) seja determinado aos réus que se abstenham de inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 293 Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais quaisquer cláusulas que impliquem em redução e/ou exclusão de direitos constitucionais/legais dos trabalhadores, sob pena de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecerem vigentes tais cláusulas; 3) Seja determinado à Energética Santa Helena S/A a adoção, no prazo de 60 (sessenta) dias, do Registrador Eletrônico de Ponto – REP, em atendimento ao disposto nas Portarias MTE 1.510/2009 e 2.686/2011, de forma a permitir a aferição de todo o tempo em que o empregado estiver a sua disposição, aguardando ou executando ordens, devendo para tanto, tal instrumento ser afixado nos veículos de transporte dos trabalhadores, e que tal aferição seja iniciada já no primeiro embarque do empregado e finalizada somente por ocasião de seu desembarque final, qual seja, de seu retorno à residência, sob pena de aplicação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais); 4) condenar os dois primeiros réus (sindicatos profissionais) e a Energética Santa Helena S/A a pagarem indenização por danos sociais, difusos e coletivos, em face do dano genérico perpetrado contra toda a coletividade de trabalhadores atualmente abrangidos pelos instrumentos coletivos firmados que contêm as cláusulas mencionadas no item 1 desta exordial, além daqueles trabalhadores que já foram abrangidos e os que futuramente venham a ser, respectivamente, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), considerando a extensão do dano causado, e a capacidade econômica e financeira dos réus. Os valores das multas aqui pleiteadas, bem como da condenação à reparação genérica do dano causado, deverão ter destinação social com o propósito de serem utilizados, seja na concretização de projetos sociais, campanhas educativas/ preventivas voltadas ao benefício da comunidade de trabalhadores, seja para adquirir bens necessários a reaparelhar órgão públicos com propósitos atrelados ao interesse social e coletivo dos trabalhadores, conforme indicação do Ministério Público do Trabalho, nos termos 294 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 do artigo 5º, § 6º, c/c o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, como forma de reconstituir os bens lesados, ou, ainda, outra destinação, equivalente, a critério desse Juízo e do Ministério Público do Trabalho. Requer-se ainda: i) A condenação dos réus ao pagamento das custas e despesas processuais; ii) Produção de todos os meios de prova em direito admitidas, especialmente documental, em anexo, testemunhal, pericial e o depoimento pessoal dos representantes legais dos réus, sob pena de confissão; iii)A intimação pessoal e nos autos do Ministério Público do Trabalho, na forma do disposto no artigo 18, inciso II, alínea “h”, da Lei Complementar nº 75/93, do Provimento nº 04/2000, da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e do artigo 217 do Provimento Geral Consolidado nº 01/2004, da Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região; Ressalte-se a desnecessidade de autenticação dos documentos acostados, nos termos do art. 24 da Lei n. 10.522/2002 e da OJ n. 134, da SBDI-I/TST. reais). Dá-se à causa o valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil Sem custas, assim como todas as ações afetas ao Ministério Público (Art. 18 da Lei nº 7.347/85; art. 4º, III, da Lei nº 9.289/96 e Art. 730-A, inciso II da CLT). Termos em que, Pede deferimento. Dourados/MS, 28 de abril de 2014. JEFERSON PEREIRA Procurador do Trabalho Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 295 DECISÃO Trata-se de pedido de reconsideração formulado em face da decisão de ID 470ce5c, que indeferiu o pedido de antecipação de tutela. A primeira pretensão do autor, constante na petição inicial, é exatamente de que os “(...)...réus se abstenham de inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais, nos quais sejam signatários, cláusulas prefixando a quantidade de horas in itinere, tais quais idênticas ou análogas às cláusulas vigésima sétima do ACT 2012/2014 (doc. 01), oitava do termo aditivo ao ACT 2013/204 (doc. 02); e vigésima nona do ACT 2013/2014 (doc. 06), sob pena de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecer vigente tais cláusulas. Diante da alegação de que o tempo fixado de 10 (dez) ou 20 (vinte) minutos distancia-se da realidade vivenciada pelos trabalhadores, inclusive em comparação com o tempo convencionado em demandas individuais de trabalhadores em face da reclamada, é possível concluir que a pretensão do autor é, portanto, de que os réus se abstenham de estabelecer cláusulas em instrumentos de negociação coletiva em que o tempo de horas in itinere não seja razoável. O segundo pedido é para que seja determinado à reclamada que adote, em 60 (sessenta) dias, o Registro Eletrônico de Ponto (REP), para permitir o registro de todo o tempo de trajeto dos empregados. Pois bem. minutos diários para deslocamento dos trabalhadores do campo e da indústria, conforme Cláusulas 27ª (vigésima sétima) e 29ª (vigésima nona) dos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT), o que não se afigura razoável, porque correspondentes a ¼ (um quarto) ou menos do tempo – note-se – convencionado em ações individuais, autorizandose facilmente a conclusão de que o período real de trajeto é ainda maior. A tutela inibitória postulada, a meu Juízo, contudo, implicaria em sentença incerta, o que é vedado (Código de Processo Civil/CPC, art. 460, parágrafo único), além de se tratar de mera determinação de cumprimento da lei, o que é desnecessário. De outro lado, a jurisprudência do colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), cristalizada no item I da Súmula nº 90, indica que “O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso ou não servido por transportado regular, ou para seu retorno, é computável na jornada de trabalho”. Em outras palavras, o tempo de trajeto, nas condições previstas no artigo 58, parágrafo 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é considerado como tempo à disposição (CLT, art. 4º) e, como tal, deve ser anotado em registro manual, mecânico ou eletrônico. Veja-se que a Portaria nº 1.510/2009, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apenas tem o condão de disciplinar a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP), e não o de exigir a implantação deste último modelo, o que, aliás, nem poderia, porque diploma normativo com status de ordinária (CLT) faculta outros método de controle. Após a decisão liminar, o Juízo pôde tomar contato, nesta jurisdição, com demandas individuais envolvendo a reclamada – nºs 00747.31.2013.5.24.0056 e 01156.07.2013.5.24.0056, por exemplo – em que, dentre outras pretensões, inseriu-se o pleito relativo às horas in itinere, reconhecendo-se, por convenção das partes, o tempo total diário de 80 (oitenta) minutos, sendo 40 (quarenta) minutos na ida e igual tempo na volta. Evidenciado, assim, no caso sob análise, ainda que em cognição precária, que os réus Energética Santa Helena S/A e sindicatos representativos das categorias profissionais e econômica limitaram de modo exacerbado a extensão do direito ao pagamento das horas in itinere, além de a terceira ré não efetuar o registro dos tempos de trajeto dos seus empregados, violando a regra inserida no artigo 74, parágrafo 2º, da CLT. A norma coletiva fixou o tempo em 10 (dez) e 20 (vinte) Com base nessas premissas, e identificando a presença 296 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 297 dos requisitos do artigo 273 do CPC, revogo a decisão de ID 470ce5c (CPC, art. 273, par. 4º) e ANTECIPO PARCIALMENTE OS EFEITOS DA TUTELA para DETERMINAR que a empresa ré implante o registro total do trajeto in itinere de cada empregado, tanto na ida ao trabalho quanto na volta, nos moldes da legislação vigente, em seu controle de ponto, seja ele manual, mecânico ou eletrônico, no prazo de 60 (sessenta) dias. O descumprimento da obrigação – ausência de registro de pelo menos um trabalhador – importará pagamento de multa de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em execução direta nos próprios autos. Para o fim de dinamizar eventual apuração de descumprimento, bem como para o efeito de limitar a aplicação da multa no tempo, estipula-se que eventual desobediência e sua consequente multa serão apuráveis em um lapso de tempo coincidente com o quadrimestre civil (janeiro a abril, maio a agosto e setembro a dezembro), independentemente do número de empregados. Designe-se audiência de instrução, nos termos da Recomendação nº 2/2013, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT). Notifiquem-se os réus para, querendo, apresentar contestação e documentos, no prazo de 20 (vinte) dias, bem como informando a data da audiência, observando-se o contido na petição de ID e036d5d, quanto ao endereço do 1º réu. Observe-se nas notificações as cominações próprias da audiência de instrução. Intime-se o autor. Cumpra-se com urgência. Nada mais. Nova Andradina/MS, 26 de maio de 2014. ROBERTO WENGRZYNOVSKI Juiz do Trabalho Substituto 298 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 DECISÃO Energética Santa Helena impetrou demanda de segurança, com pedido de liminar (ID 079b12a), contra ato do MM. Juiz Titular da Vara do Trabalho de Nova Andradina/MS, proferido nos autos processo n. 0024084-15.2014.5.24.0056, que, em antecipação de tutela, determinou que a impetrante - ré na ação civil pública - implantasse o registro total do trajeto in itinere de cada empregado, tanto na ida quanto na volta, nos moldes da legislação vigente, em seu controle de ponto manual, mecânico ou eletrônico, no prazo de 60 dias, sob pena de multa de R$ 30.000,00 (ID 57dd2a0). Segundo a impetrante, a decisão é ilegal e violou seu direito líquido e certo, pois: a) o pleito formulado pelo Parquet na demanda coletiva está há muito superado, uma vez que a pré-fixação de tempo in itinere não está limitada às microempresas; b) a Portaria que regulamenta o uso do REP prevê a obrigatoriedade de uso apenas para as empresas que se valem do sistema de registro eletrônico, nada dispondo sobre o trajeto até o local de trabalho; c) contraria os acordos coletivos firmados, em manifesto desapreço à negociação coletiva; d) infringe o pactuado entre as partes e viola o disposto nos artigos 7º, XXVI, da Constituição da República de 1988. Requereu, então, concessão de liminar, a ser confirmada ao final, para sustar o ato que determinou que ela fosse obrigada a registrar o tempo de percurso dos trabalhadores tanto na ida quanto na volta ao local de trabalho. Atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00. Documentos foram anexados. Em juízo de cognição sumária, não evidencio a presença do direito incontestável, uma vez que a pré-fixação do tempo in itinere por intermédio de instrumento normativo está adstrita às micro e pequenas empresas. Além disso, na hipótese de distintos locais de embarques e desembarques de trabalhadores, a aferição do lapso temporal determinada na demanda coletiva viabiliza a observância Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 299 do princípio da proporcionalidade. Pelos motivos expostos, INDEFIRO A SEGURANÇA REQUERIDA EM CARÁTER LIMINAR. EXMO(A). SR(A). JUIZ(A) TRABALHO DE JARDIM/MS DA VARA DO Notifique-se a autoridade coatora para, querendo, prestar informações no prazo de 10 dias. Citem-se os litisconsortes necessários para, querendo, oferecerem resposta. Intime-se o impetrante. Campo Grande, 15 de setembro de 2014. JÚLIO CÉSAR BEBBER Juiz Federal do Trabalho Convocado – Relator O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio da PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO, neste ato presentado pelo Procurador do Trabalho ao fim assinado, vem, perante este Juízo, com fundamento no art. 7º, XXXIII, 127, 129, III e 227 da Constituição Federal; art. 6°, VII, “a”, “d” e inciso XIV, e art. 83, III, estes da Lei Complementar n° 75/93; arts. 4º e 201, V do Estatuto da Criança e do Adolescente e, finalmente, nos termos da Lei 7.347/85, em nome próprio e como representante da criança I.C.F., nascida em 26/03/1998 (16 anos), natural de Bela Vista/MS, filha de I.F. e A.C., com documento de identidade e Certidão de Nascimento desconhecidos, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA c/c AÇÃO TRABALHISTA Com pedido de antecipação dos efeitos da Tutela Definitiva em face de A.V., CPF, e D.C.R., CPF, ambos com endereço, empresa H.C., Jardim/MS, CEP, pelos fatos e fundamentos a seguir descritos. 1) FATOS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO recebeu notícia de fato encaminhada por A.C. em que relatou que sua filha I.C.F., então com 15 (quinze) anos de idade (nascida em 26 de março de 1998), foi vítima de trabalho infantil doméstico na residência dos réus. Os réus são proprietários da empresa H.C. que atua no ramo de confecções de peças de vestuário. No início de 2013, a 300 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 301 genitora de I.C.F. esteve no referido estabelecimento comercial na condição de cliente, quando recebeu o convite para que deixasse sua filha em companhia dos réus, com a promessa de moradia e estudo no mesmo período em que já matriculada – matutino. dias, já que depois I.C.F. teve seu horário de estudo alterado para noite e passou a trabalhar em período integral – agora não somente como babá, mas também como responsável pela limpeza da casa, sendo que a empregada doméstica anterior foi demitida. A mãe, premida pela necessidade, pois moradora em zona rural (Fazenda R., Porto Murtinho/MS), aceitou a ajuda. Porém, ao retornar à cidade de Jardim/MS em abril de 2013 foi surpreendida ao saber que sua filha I.C.F. teve seu horário de estudo transferido, em 28 de abril de 2014, para o período noturno e ainda estava fazendo trabalhos domésticos e cuidando da filha mais nova do casal. A jornada de trabalho de I.C.F., quando acumulava as funções de doméstica e babá, tinha início às 5h30m e terminava às 18h. Uma jornada de mais de 12 (doze) horas! A menor I.C.F. passou a receber um salário de somente R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais). A situação perdurou, segundo a genitora, até o dia 03 ou 04 de agosto de 2013. Em 03 de setembro de 2013, a genitora procurou os réus para que sua filha recebesse o salário pela prestação de serviços, porém foi levada até a Polícia local, mas impedida de registrar boletim de ocorrência. Encaminhou, também, Guia de Transferência da Escola Municipal O.F.M. em que a menor I.C.F. aparece como desistente, apesar de sempre ter frequentado com êxito a rede municipal de ensino, como o próprio documento revela. Logo, evidente o prejuízo causada à formação educacional de I.C.F.. Diante de tais fatos, este órgão ministerial requisitou ação fiscalizatória do Conselho Tutelar de Jardim/MS. Inicialmente o órgão de proteção da criança e adolescente visitou o estabelecimento comercial pertencente aos réus. Os réus negaram a prestação do serviço, mas admitiram que I.C.F. ficou sob a responsabilidade do casal por pelo menos 04 (quatro) meses. I.C.F. ainda relatou que a ré D.C.R. não exigia sua frequência escolar, ao contrário, até incentivava a ausência dizendo que se houvesse problemas com faltas na escola, ela resolveria. A menor foi repetente em razão de faltas injustificadas. Interessante notar que a ré D. tinha ciência de reprovabilidade de sua conduta, pois orientou I.C.F. a omitir de sua mãe as informações acima, dizendo que ela seria levada de volta para a Fazenda caso descobrissem a verdade dos fatos, coisa que I.C.F. não queria – o que é facilmente compreendido pela sua idade. Pelos serviços prestados I.C.F. afirmou que recebia R$ 200,00 (duzentos reais) por mês, valor este que foi aumentado até chegar a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais). Acontece que a adolescente nunca recebeu a totalidade do valor, que já era abaixo do mínimo legal, sob a alegação de que tinhas muitas dívidas para quitar – alegação essa que também serviu para negar a redução da carga horária de trabalho no momento em que I.C.F. reclamou do excesso de serviço. Não bastasse, em seu último dia de trabalho, I.C.F. foi ofendida com palavras de baixo calão proferidas pela ré D. na presença de várias pessoas que se encontravam em seu estabelecimento comercial. O Conselheiro A. Z. ainda atendeu a menor I.C.F. que relatou que em enquanto morou com os réus estudou na Escola O.F.M. de manhã e trabalhou para os réus das 13h até às 20h na função de babá. Porém, isso ocorreu apenas nos primeiros 30 (trinta) Em resumo, constata-se que adolescente, à época, de 15 (quinze) anos de idade, sem autorização dos pais, sem autorização do Conselho Tutelar, com alteração de seu horário escolar sem a devida autorização, foi usada para fins de exploração comercial, em uma das piores formas de trabalho infantil – trabalho doméstico - sujeita a jornada exaustiva, sem recebimento de salários e com manifesto 302 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 303 prejuízo a sua formação educacional. Já o artigo 5º, da Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, dispõe que: A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. 2) COMPETÊNCIA A competência da Justiça do trabalho para conhecer e julgar a presente ação decorre, naturalmente, do disposto no art. 114, I, da CF/88. Versa a demanda sobre direitos trabalhistas, fundados na Constituição e na legislação infraconstitucional, que decorrem da relação trabalhador/empregador, competindo, portanto, à Justiça do Trabalho dirimi-la (art. 114, da CF/88 c/c art. 83, inc. III, da LC 75/93). Desse modo, o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade para defender, na hipótese, tanto o interesse individual homogêneo dos trabalhadores, quanto o interesse difuso ou coletivo, em face dos dispositivos constitucionais e normas previstas na CLT que estão sendo violados. Além disso, de acordo com o artigo 83, incisos III e V, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993: No tocante à competência hierárquica, trata-se de matéria já superada em doutrina e jurisprudência, conferindo à Vara do Trabalho parcela de jurisdição suficiente para instrução e julgamento do feito, por força do disposto no art. 2º da Lei nº 7.347/85, que assim dispõe: Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos Órgãos da Justiça do Trabalho: [...] III – promover ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; (...) V – propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho; Art. 2º - As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Por fim, quanto às crianças e adolescentes, dispõe a norma do art. 201 do ECA: Art. 201 – Compete ao Ministério Público: 3) LEGITIMIDADE ATIVA A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 127, elegeu o Ministério Público do Trabalho como defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, ao passo que o artigo 129 fixou-lhe como uma de suas funções institucionais a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (inciso III). Nessa esteira, o Ministério Público do Trabalho, enquanto ramo do Ministério Público da União, tem legitimidade para atuar na defesa de interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos, nos termo da Lei Complementar nº 75/93, em seus artigos 6º, inc. VII, alíneas a e d. 304 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 [...] V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, §3º, inciso II, da Constituição Federal. Ex positis, o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade ad causam para propor esta Ação Civil Pública. 4) REPRESENTAÇÃO PELO MPT POR FORÇA DO ARTIGO 83, V, DA LC 75/93 E ARTIGO 793 DA CLT A autora laborava para os réus, na condição de babá e doméstica, submetida a tratamento cruel, degradante e indigno. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 305 Destaque-se a proibição expressa do trabalho para os menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, para os maiores de 14 anos. Além disso, a presente hipótese versa a respeito de uma das piores formas de trabalho infantil (trabalho doméstico), nos termos do Decreto 6.481/08, que o Brasil assumiu o compromisso de erradicar até o ano de 2015. A despeito disso, a criança não recebeu nenhum direito trabalhista: reconhecimento de vínculo, salário, RSR, aviso prévio, férias com 1/3, 13o salário e contribuições previdenciárias. Nessa situação, a representação da Reclamante na Justiça do Trabalho cabe ao Ministério Público do Trabalho, por força do disposto na Lei Complementar nº 75/93, artigo 83, V, c/c artigo 793 da CLT (aplicação analógica), verbis: Art. 83 – Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: [...] V – propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho. Art. 793. Tratando-se de maiores de 14 e menores de 18 anos, as reclamações poderão ser feitas pelos seus representantes legais ou, na falta destes, por intermédio da Procuradoria da Justiça do Trabalho. Nos lugares onde não houver Procuradoria o juiz ou presidente nomeará pessoa habilitada para desempenhar o cargo de curador à lide. Ex positis, o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade ad causam para propor a presente ação trabalhista. 5) UMA DAS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL (DECRETO 6.481/08) LISTA TIP. DECRETO 6.481/08 Art. 2O Fica proibido o trabalho do menor de dezoito anos nas atividades descritas na Lista TIP, salvo nas hipóteses previstas neste decreto. […] D e s c r i ç ã o Prováveis Riscos Prováveis Repercussões à Saúde d o s Ocupacionais Trabalhos músculo-esqueléticas Domésticos Esforços físicos intensos; Afecções isolamento; abuso físico, (bursites, tendinites, dorsalgias, psicológico e sexual; longas sinovites, tenossinovites); contusões; jornadas de trabalho; trabalho fraturas; ferimentos; queimaduras; noturno; calor; exposição ao ansiedade; alterações na vida fogo, posições antiergonômicas familiar; transtornos do ciclo vigíliae movimentos repetitivos; sono; DORT/LER; deformidades tracionamento da coluna da coluna vertebral (lombalgias, vertebral; sobrecarga muscular lombociatalgias, escolioses, cifoses, e queda de nível lordoses); síndrome do esgotamento profissional e neurose profissional; traumatismos; tonturas e fobias. 6) DIREITO FUNDAMENTAL À PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL A Ação Civil Pública visa a possibilitar a defesa em juízo dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, competindo ao Ministério Público do Trabalho pugnar pela tutela jurisdicional quando o direito material violado situa-se no âmbito das relações laborais. Federal: Segundo o disposto no artigo 227 da Constituição É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O exercício de labor doméstico configura uma das piores formas de trabalho infantil, nos termos das Convenções 138 e 182 da OIT e do Decreto 6.481/08: De acordo com o art. 7°, inciso XXXIII da Constituição, é vedado qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na 306 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 307 condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. No âmbito internacional, os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, com valor de emenda constitucional (diante do novo teor do art. 5º, § 3º, da CF/88, com redação dada pela EC n.º 45/04), dispõem o seguinte: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) Princípio 9º - A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique à saúde ou à educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral. Art. 32. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou seja, nocivo para a saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. CONVENÇÃO N. 138 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) - dispõe sobre idade mínima de admissão ao emprego. Ratificada pelo Brasil por meio do Decreto N° 4.134/2002: Art. 3° [...] Item I “Não será inferior a dezoito anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias em que for executado, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do adolescente. CONVENÇÃO N. 182 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) – dispõe acerca das piores formas de trabalho infantil. Ratificada pelo Brasil por meio do Decreto N° 3.597/2000. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 4°, 5, 15, 18 e 60: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 15 – A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas Leis. Art. 18 – É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 60 É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz. A CLT contém conteúdo normativo idêntico: Art. 403 - É proibido qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. Define o Artigo 3, alínea “d” da referida Convenção, como piores formas de trabalho infantil aquelas que “por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças”. Ademais, o artigo 405, inciso II, da CLT, dispõe que aos menores de 18 anos não será permitido o trabalho em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade. 308 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 309 E as atividades encontradas no presente caso estão incluídas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), nos termos do Decreto 6.481/08, como trabalho sujeito a abuso físico, psicológico e sexual. Destaque-se que o Brasil assumiu, perante a comunidade internacional, o compromisso de erradicar todas as piores formas de trabalho infantil até 20151. 7) DANOS E PREJUÍZOS DECORRENTES DA CONDUTA ILÍCITA DO RÉU E MITOS QUE ENVOLVEM O TRABALHO INFANTIL As discussões em torno da questão do trabalho infantil chegam, inevitavelmente, ao quadro de miséria de grande parte da população brasileira, que induz a uma concepção favorável a esta situação. Durante muito tempo, prevaleceu a falsa concepção de que o trabalho infantil seria uma solução à pobreza. A ideia de que “é melhor trabalhar do que roubar ou passar fome” perpetua a exclusão e o fracasso dos filhos das classes populares, gerando um ciclo contínuo que obsta que as pessoas das classes mais baixas da sociedade tenham acesso a melhores condições de vida. Oportuno desmascarar alguns mitos em evidência na atual sociedade capitalista, como o de que “o trabalho infantil é necessário porque a criança está ajudando sua família a sobreviver”, ou que “a criança que trabalha fica mais esperta, aprende a lutar pela vida e tem condições de vencer profissionalmente quando adulta”. Quando a família torna-se incapaz de prover o próprio sustento, esta obrigação cabe ao Estado e à sociedade organizada, e não às crianças. O trabalho precoce e árduo nunca foi estágio necessário para uma vida bem-sucedida; ele não qualifica, e portanto, é inútil como mecanismo de proteção social. O trabalho infantil afeta diretamente a frequência escolar e, como corolário, engendra uma maior dificuldade no aprendizado. Assim, a fadiga, além de debilitar o seu estado físico, favorece acidentes de trabalho. Por fim, observe-se cartilha publicada pela Universidade da Amazônia (UNAMA), onde são apontadas algumas das consequências do trabalho infantil: Trabalhar ainda criança, ao contrário, compromete o desenvolvimento físico, psíquico e social dos pequenos trabalhadores e os afasta da escola. Veja outras consequências desta exploração: abandono da escola com a perda do interesse nos estudos; repetência e/ou fracasso escolar; dificuldade no processo de alfabetização; diminuição da capacidade de aprendizagem; diminuição do tempo dedicado às brincadeiras, ao descanso e ao convício familiar; estresse físico, emocional e psicológico; diminuição da auto-estima; exposição à situações de repressão, excessiva disciplina, relações de subserviência e humilhações; perda dos sentimentos de identidade de grupo, da habilidade para cooperar com outras pessoas e da capacidade de distinguir o certo do errado2. 8) TUTELA TRABALHISTAS RESSARCITÓRIA: VERBAS A adolescente iniciou a prestação laboral para faz aproximadamente 07 (meses), em 2013. Teve início no começo daquele ano e término em 03 ou 04 de agosto de 2013. Sem registro em carteira, jamais recebeu quaisquer direitos assegurados por lei: remuneração, férias, aviso prévio, RSR, 13o salário e contribuições previdenciárias. Portanto, devidas na ação trabalhista todas as verbas 1 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/cidadania/direitos-do-cidadao/erradicacao-do-trabalho-infantil>. Acesso em: 5 mar. 2013. 2 Crianças não trabalham: o que as prefeituras devem fazer para eliminar o trabalho infantil. Belém: UNAMA – CEDECA Emaús, 2002. 310 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 311 relacionadas ao vínculo empregatício, calculadas pelo valor de 1 (um) salário-mínimo de 01/01/2013 a 03/08/2013. Além disso, pela exploração do trabalho infantil, cabível a condenação em dano moral individual no mínimo em R$ 50.000,00, a ser depositada em caderneta de poupança em nome da representada, até que ela complete 18 (dezoito) anos de idade, com saque autorizado a partir da maioridade. 9) TUTELA RESSARCITÓRIA: DANO MORAL COLETIVO O dano moral coletivo encontra assento legal no art. 5º, V e X, da CR/88, nos artigos 186 e 187 do CC/02 a art. 3º, da Lei nº 7.347/85. A conduta adotada pelos réus causou e causa lesão aos interesses difusos e coletivos de toda a sociedade. Há afronta ao próprio ordenamento jurídico, diante da inobservância dos ditames constitucionais atinentes às normas mínimas de proteção à criança e adolescente. Como tais lesões amoldam-se na definição do artigo 81, incisos I e II, da Lei n. 8.078/90 (CDC), cabe ao Ministério Público, com fundamento nos art. 1º, caput, IV, art. 3º e 11, da Lei n. 7.347/85, propor a medida judicial necessária à compensação do dano e à sustação da prática. Não se restringem mais os danos morais à agressão moral, após a CF/88, à dor ou ao sofrimento. São elementos do dano moral coletivo os seguintes: a) conduta antijurídica do agente; b) ofensa a valores extrapatrimoniais essenciais; c) certeza do dano causado, com efeitos traduzidos na sensação de desvalor, de menosprezo ou de outra idiossincrasia negativa; d) nexo causal. 312 E em se tratando de direitos transindividuais, a responsabilidade deve ser objetiva (CCB, art. 927), porque é a única capaz de assegurar uma proteção eficaz a esses interesses. Cuida-se do que se denomina “dano em potencial”. Ressalte-se que, in casu, o MPT visa a não somente fazer cumprir o ordenamento jurídico, mas, também a restaurá-lo, pois violado e ainda coibir a repercussão negativa gerada na sociedade. Conforme os parâmetros do art. 944, do CCB, ser adequada a fixação da indenização de no mínimo R$ 100.000,00, a ser revertida para a própria comunidade afetada, para instituições públicas ou sem fins lucrativos, ou, alternativamente, em prol do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador, instituído pela Lei 7.998/90, nos termos do art. 13 da LACP. 10) TUTELA INIBITÓRIA: OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER A proteção aos bens jurídicos na presente Ação Civil Pública é obtida através da cominação de obrigações de fazer e não fazer. O ordenamento jurídico, para ser eficaz, não deve trabalhar apenas com a sanção repressiva, mas principalmente com a tutela preventiva. Neste sentido, o próprio inciso XXXV, do artigo 5º da CF apresenta, como direito fundamental, a garantia de acesso à justiça, a uma ordem jurídica justa: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Desta forma, a efetividade da jurisdição reclama que certos bens mereçam ser tutelados de forma específica, e não de forma substitutiva (através da conversão da obrigação em perdas e danos). A ilustre professora Ada Pellegrini demonstra muito bem esta situação: no caso da poluição de um rio, interessa à comunidade, em primeiro lugar, que cesse a poluição, e não o pagamento de multa pela empresa. Assim deve ocorrer também com os direitos sociais. A efetivação da tutela específica deve se realizar da forma Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 313 prevista no artigo 84 do CDC e, subsidiariamente, nos termos do art. 461 do CPC: Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...] § 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. Art. 461. (...) § 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. Ao postular o cumprimento de obrigações de fazer e nãofazer, pretende o Ministério Público impedir que a infração à ordem jurídica, aos objetivos fundamentais do Estado, aos direitos sociais e indisponíveis da coletividade de crianças e adolescentes continue a se repetir, sob pena de multa. Sem dúvida que se trata de um provimento judicial que se projeta para o futuro, como é inerente à tutela preventiva, seja mediante obrigações de fazer, seja mediante obrigações de não fazer. Sobre o assunto, são precisas as lições de LUIZ GUILHERME MARINONI3: A tutela inibitória, configurando-se como tutela preventiva, visa a prevenir o ilícito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória. que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à reparação do dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela ressarcitória é saber quem deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano ressarcível ter sido produzido ou não com culpa” (ob. cit., p. 26) [...] é melhor prevenir do que ressarcir, o que equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória deve-se dar preferência à primeira” (idem, p. 28). A tutela inibitória é caracterizada por ser voltada para o futuro, independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Note-se, com efeito, que a inibitória, ainda que empenhada apenas em fazer cessar o ilícito ou impedir a sua repetição, não perde a sua natureza preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou reparar o direito violado” (idem, p. 28-29). A inibitória funciona, basicamente, através de uma decisão ou sentença que impõe um não fazer ou um fazer, conforme a conduta ilícita temida seja de natureza comissiva ou omissiva. Este fazer ou não fazer deve ser imposto sob pena de multa, o que permite identificar o fundamento normativo processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC” (idem, p. 29). Já o fundamento maior da inibitória, ou seja, a base de uma tutela preventiva geral, encontra-se – como será melhor explicado mais tarde – na própria Constituição da República, precisamente no art. 5º, XXXV, que estabelece que “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (idem, p. 30). [...] a tutela inibitória não deve ser compreendida como uma tutela contra a probabilidade do dano, mas sim como UMA TUTELA CONTRA O PERIGO DA PRÁTICA, DA CONTINUAÇÃO OU DA REPETIÇÃO DO ILÍCITO, compreendido como ato contrário ao direito que prescinde da configuração do dano (idem, p. 36). A moderna doutrina italiana, ao tratar do tema, deixa claro que a tutela inibitória tem por fim prevenir o ilícito e não o dano (idem, p. 37). 3 Tutela Inibitória, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1998. Em resumo, não se pretende um provimento que se esgota com a temporária solução das irregularidades pelo réu; pretende-se, sim, um provimento permanente, que se estenderá no 314 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 315 futuro, para que se cumpram, efetivamente, as normas de proteção dos direitos das crianças e adolescentes. 11) DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER O art. 84 do CDC e, subsidiariamente, o art. 461 do CPC, autorizam o Juízo a fixar multa diária e prazo para o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer: Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...] § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...] § 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. Em razão das peculiaridades deste caso, apresentadas no relato dos fatos, a determinação de multa e prazo para cumprimento das obrigações se faz necessária, haja vista os evidentes prejuízos que a criança vem sofrendo com a atitude comissiva e omissiva dos réus. 316 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 A estipulação de multa diária, para coagir o réu ao cumprimento da antecipação de tutela e da sentença é uma das “providências que asseguram o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. A multa é apenas um dos meios de constranger o devedor a cumprir a obrigação de fazer, tendo também caráter pedagógico e preventivo, desestimulando a prática da conduta nociva, não podendo ser, por consequência, um valor irrisório que lhe compense atuar de forma ilícita. O valor da fixação de multa deve levar em conta a natureza do ato ilícito, a gravidade da lesão e o comprometimento do bem jurídico violado. 12) PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DEFINITIVA Estabelece o Microssistema de Tutela Coletiva a Lei Processual Civil a antecipação dos efeitos da tutela nos termos do art. 84, §3º, do CDC, e, subsidiariamente, do art. 461, § 3º, do CPC: Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...] § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 317 O escopo desse dispositivo é propiciar uma resposta mais célere do Poder Judiciário frente a direitos e interesses relevantes. Na visão de Alexandre Freitas Câmara, “a tutela antecipada é uma forma de tutela jurisdicional satisfativa (e, portanto, não-cautelar), prestada com base em juízo de probabilidade. Trata-se de fenômeno próprio do processo de conhecimento”.4 A situação de labor de adolescente em uma das piores formas de trabalho infantil é repugnante, expressamente vedada pelo ordenamento jurídico, o que demonstra o relevante fundamento da demanda e, subsidiariamente, a plausibilidade do direito invocado. A possibilidade de frustração da execução dos direitos mínimos trabalhistas, provisoriamente calculados em R$ 57.212,17 – R$ 7.212,17 a título de verbas trabalhistas (sem correção) e R$ 50.000,00 a título de dano moral individual - demonstra o justificado receito de ineficácia do provimento final. Segue abaixo o cálculo: Adm 01.01.13 Saída S Base Aviso Ind 03.08.13 678,00 678,00 Saldo Sal 13º 4.813,80 452,00 Férias 1/3 férias 452,00 150,67 8% FGTS 40% FGTS total 475,50 190,20 7.212,17 Portanto, como se observa, os requisitos para a concessão da tutela de urgência estão presentes no caso em questão, sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora (art. 12 da LACP), ou mesmo a verossimilhança das alegações e a prova inequívoca, assim como a possibilidade de dano grave ou de difícil reparação. Preenchidos os requisitos autorizadores, requer o Ministério Público, com base no artigo 12 da Lei nº 7.347/85 c/c o artigo 84, do CDC, e, subsidiariamente, artigo 461 do CPC, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito (art. 273, § 3°, do CPC) ou, pelos princípios da fungibilidade e da instrumentalidade do processo (art. 273, § 7°, do CPC), a concessão da medida liminar sob a forma acautelatória (art. 798 do CPC), sem audiência da parte contrária, para que se determine o imediato bloqueio do valor referente aos direitos 4 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I, 11ª ed., rev. e atualizada. Ed. Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2004, p. 87. 318 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 trabalhistas da criança, por meio do sistema Bacen Jud, provisoriamente calculados no valor de R$ 57.212,17. 13) PEDIDO DE TUTELA DEFINITIVA O objetivo do Ministério Público na presente ação, portanto, é a imposição ao demandado de várias obrigações de fazer e não fazer, conforme abaixo discriminado, em tudo observadas as disposições da CLT, Estatuto da Criança e do Adolescente, e Constituição Federal, sob pena de multa em caso de descumprimento futuro, suficiente para compelir a parte ré ao adimplemento da obrigação. definitiva: Ante o exposto, requer o Ministério Público, em sede a) a citação dos demandados para apresentar defesa no prazo legal, assumindo, caso não o faça, os efeitos decorrentes da revelia, com o regular processamento do feito; b) a procedência dos pedidos veiculados na presente Ação Civil Pública, confirmando-se o pedido liminar de antecipação da tutela e determinando-se, em definitivo, a condenação do demandado ao cumprimento das seguintes obrigações de declarar, fazer, não fazer e de pagar: • Abster-se de contratar ou utilizar o trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior a 18 (dezoito) anos no trabalho doméstico, nos termos do art. 2O, do Decreto 6.481/08, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por criança e ou adolescente flagrado em situação de labor, a ser revertida em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ou outra destinação que o Juízo entenda pertinente à reparação do dano; • Declarar o vínculo empregatício entre a adolescente e os réus, com condenação em todas as verbas trabalhistas calculadas sobre 1 salário mínimo (remuneração, férias com 1/3, 13o salário, FGTS com 40%, aviso prévio proporcional, RSR, multas dos artigos 467 e 477, da CLT, contribuições previdenciárias e repercussões) e ainda a condenação em danos morais individuais de no mínimo R$ 50.000,00, a Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 319 ser depositada em caderneta de poupança em nome da representada, até que ela complete 18 (dezoito) anos de idade, com saque autorizado a partir da maioridade; • Condenar em danos morais coletivos no mínimo de R$ 100.000,00, a ser revertida em prol de instituições públicas ou sem fins lucrativos ou, alternativamente, ao FAT- Fundo de Amparo ao Trabalhador, instituído pela Lei 7.998/90, nos termos do art. 13 da LACP. c) Determinar a expedição de ofício ao Ministério do Trabalho e Emprego e ao Conselho Tutelar de Jardim/MS a fim de que tomem ciência e verifiquem, constantemente e em rotinas de fiscalização, o seu cumprimento, informando a esse Juízo eventual notícia de inadimplemento. Requer a produção de todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente a prova testemunhal, indicando-se desde já como testemunha o membro do Conselho Tutelar de Jardim: A.Z., com endereço, Jardim/MS. Requer seja assegurada a prerrogativa processual do Ministério Público de intimação pessoal e nos autos, de todos e quaisquer atos praticados no processo, na forma da Lei Complementar nº 75, artigos 18, inciso II, letra “h”, e 84, inciso IV, do artigo 236, §2º, do CPC. Dá-se à causa o valor de R$ 157.212,17 (cento e cinquenta e sete mil duzentos e doze reais e dezessete centavos), para efeitos meramente fiscais. EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (ÍZA) DA __VARA DO TRABALHO DE TRÊS LAGOAS – MS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, neste ato presentado pelo Procurador do Trabalho signatário, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro nas atribuições conferidas pelos arts. 114, IX, 127 e 129, III, da Constituição da República/1988; arts. 5º, I, 6º VII, XII, XIV e 83, III e IV, da Lei Complementar 75/93; arts. 1º, IV e 5º, I, da Lei 7.347/85, art. 81 e seguintes da Lei 8.078/90 e 585, inciso II do CPC, combinado com os arts. 876 e seguintes da CLT, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS – MS, pessoa jurídica de direito interno, CNPJ n. 03184041/0001173, com endereço na Avenida Capitão Olinto Mancini, 667, Centro, CEP 76600-000, na cidade de Três Lagoas/MS, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos. Campo Grande, 23 de Junho de 2013. 1 - DOS FATOS LEONTINO FERREIRA DE LIMA JUNIOR Procurador do Trabalho A Procuradoria do Trabalho no Município de Três Lagoas-MS instaurou o Procedimento Promocional nº 000043.2012.24.002/4, em razão de ofício oriundo da Coordenadoria Nacional de Combate a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente – COORDINFÂNCIA. A COORDINFÂNCIA, em maio de 2009, aprovou projetos voltados à efetivação das ações do Ministério Público do 320 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 321 Trabalho na área de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes, quais sejam: Leis Orçamentárias, Aprendizagem Profissional, Forças Tarefas e MPT na Escola. O Projeto MPT e Leis Orçamentárias consiste na realização de gestões institucionais do MPT, junto ao Executivo e Legislativo municipais, estaduais e federal, a fim de que sejam garantidas, nas Leis Orçamentárias, diretrizes e rubricas suficientes para a promoção de políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente. Para tanto, foram remetidas notificações recomendatórias aos chefes dos Poderes Executivo e Legislativo dos Municípios que compõem a circunscrição deste Órgão Ministerial, nos seguintes termos: RECOMENDA-SE a Vossa Excelência que, na elaboração da Lei Orçamentária (plano plurianual e lei orçamentária anual), observe as seguintes disposições, todas extraídas das normas internacionais, constitucionais e legais acima destacadas: 1. priorizar a formulação e a execução de políticas sociais públicas (programas, projetos e atividades), bem como a destinação privilegiada de recursos públicos, nas áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude; 2. formular diretrizes e rubricas orçamentárias suficientes para a promoção eficaz de políticas públicas de combate ao trabalho infantil (prevenção e erradicação) e profissionalização de adolescentes, e seus respectivos programas, projetos e atividades, tais como: b.1) ampliação da escola em tempo integral; b.2) realização de programas de aprendizagem profissional, mediante parcerias com as instituições aptas a ministrar os cursos correspectivos, a saber: entidades integrantes do Sistema “S”( SENAC, SENAI, SESCOOP SENAT E SENAR), instituições sem fins lucrativos e/ou escolas técnicas; ou, ainda, realização de outros programas de profissionalização como o pró-jovem ; b.3) programas de confecção de selo social para apoio e reconhecimento público a instituições e empresas que invistam em projetos relativos à área da criança, tais como: micro e pequenas empresas que contratem aprendizes; ou 322 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 empresas que destinem valores para o Fundo da Infância e adolescência, nos moldes do art. 260 do ECA, etc. b.4) garantia de atendimento imediato a crianças e adolescentes em situação de labor proibido, pela Secretaria de Assistência Social do Município, a fim de inserção em programas sociais, como PETI, Bolsa Família, ações sócioeducativas e de convivência, dentre outros, bem como registro da família no cadastro único do Governo Federal, para tanto prevendo recursos suficientes para custeio de recursos materiais e humanos; 3. vincular tais diretrizes e rubricas orçamentárias ao custeio específico e determinado de políticas públicas de combate ao trabalho infantil e profissionalização de adolescentes; e seus respectivos programas, projetos e atividades; 4. garantir, pelo menos, um mínimo de 5% da receita tributária líquida anual para a promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância e à adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; 5. garantir a destinação de, pelo menos, 2% do Fundo de Participação dos Municípios ao Fundo Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes, a serem vinculados à promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância e à adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; 6. após a sanção, encaminhar, no prazo de 15 dias, cópia da Lei Orçamentária aprovada ao Ministério Público do Trabalho (Procuradoria Regional do Trabalho da Oitava Região), para devida ciência; 7. Em seguida, garantir a efetiva execução físico-financeira das diretrizes e rubricas orçamentárias constantes da Lei Orçamentária, executando aquilo que foi orçado e evitando contingenciamento ou realocação de verbas; O descumprimento da recomendação supra poderá caracterizar inobservância de norma de ordem pública, cabendo ao Ministério Público convocar esse Município para prestar esclarecimentos em audiência e, eventualmente, firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta, previsto na Lei 7.347/85, art. 5º, § 6º, ou propor a ação judicial cabível, visando à defesa da ordem jurídica e de interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como à Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 323 reparação de danos genéricos causados por eventual conduta ilícita. As notificações foram emitidas anualmente desde 2009, contudo, sempre houve relutância dos investigados em fornecer a esta Procuradoria documentos probatórios do regular cumprimento das notificações expedidas pelo MPT. Em maio de 2009, solicitou-se que os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente dos municípios da circunscrição de atuação desta Procuradoria do Trabalho fossem oficiados para que tomassem conhecimento da Notificação, como segue: Considerando que os Conselhos dos Direitos têm o dever legal de formular/sugerir políticas públicas de combate ao trabalho infantil e proteção/ fruição do trabalhador adolescente e, nesse sentido e por via de consequência, acompanhar a formulação e execução das leis orçamentárias do Município, deverá Vossa Senhoria dar conhecimento da referida Notificação a todos os Conselheiros, bem como exercer o dever legal de participar e acompanhar a execução do Plano Orçamentário Plurianual, devendo informar a este Ministério Público do Trabalho eventual notícia de desvirtuamento ou omissão de diretrizes orçamentárias específicas de combate do trabalho infantil e proteção/ profissionalização do trabalhador adolescente naquela Lei Orçamentária ou, ainda, eventual contingenciamento, para as providências legais e cabíveis. Em abril de 2010, as prefeituras foram notificadas para providenciar o aumento na destinação de verbas públicas na próxima lei orçamentária. Todavia, a documentação juntada referente ao ano de 2011, comprovou que os municípios novamente destinaram valores inferiores ao determinado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, como foi o caso de Três Lagoas. Em fevereiro de 2012, houve notificação aos municípios para que informassem se foram aprovadas as leis orçamentárias e se foram tomadas providências com relação aos programas relativos a Ações Sócio-Educativas de Crianças e Adolescentes, conforme recomendação deste Órgão Ministerial. 324 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Observa-se que, apesar de as Prefeituras encaminharem as leis, a demora na resposta e a forma como as informações foram prestadas dificultaram concluir se os municípios estão ou não cumprindo com as determinações notificadas através das recomendações. Da análise dos documentos juntados, a forma de apresentação das informações quanto às verbas destinadas ao combate de trabalho infantil e profissionalização de adolescentes não atendem os moldes da Recomendação expedida pelo MPT, impedindo uma análise mais completa. Diante disso, considerando que a implementação do Projeto MPT e Leis Orçamentárias é um importante instrumento de efetivação de direitos fundamentais da criança e do adolescente, nova oportunidade foi ofertada aos municípios para que comprovassem o cumprimento, nos termos do ofício, emitido em 3 de julho de 2013, in verbis: (fls 481/495) Excelentíssimo(a) Sr.(a) Prefeito(a), Cumprimentando-o(a), sirvo-me do presente para REQUISITAR de Vossa Excelência, no prazo de 15 (quinze) dias, contados do recebimento desta requisição, que comprove, com a juntada dos documentos específicos que entender pertinentes, do atendimento à Recomendação expedida pelo MPT, em especial no que tange aos seguintes itens: D) garantir, pelo menos, um mínimo de 5% da receita tributária líquida anual para promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância e à adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao trabalho infantil e a profissionalização de adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da criança e do Adolescente; E) garantir a destinação de, pelo menos, 2% do Fundo de Participação dos Municípios ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e Adolescentes, a serem vinculados à promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância e a adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao trabalho infantil e a profissionalização de adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da criança e do Adolescente. Adverte-se, outrossim, que o descumprimento ou o Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 325 retardamento indevido das requisições do Ministério Público implicarão na expedição de oficio à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal com os fins de se apurar os crimes de desobediência e o crime previsto no artigo 10, da Lei n° 7347/85 que prevê pena de reclusão de um a três anos. tanto na repressão quanto na prevenção do problema. Pela documentação já encaminhada, bem como pelos outros documentos juntados em anos anteriores, é possível chegar à conclusão de que não há o correto cumprimento da notificação expedida pelo município de Três Lagoas, tendo em vista o relatório de fls. 470-476. Art. 201 – Compete ao Ministério Público: Portanto, considerando que a implementação do Projeto MPT e Leis Orçamentárias consiste em um importante mecanismo para a realização de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, faz-se necessário o ajuizamento da presente Ação Civil Pública. 2 - DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO Ao Ministério Púbico cabe a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127, da CF/88. Dentre as funções institucionais conferidas ao Ministério Público pela Carta Magna, está a de “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II, da Constituição da República). Cumpre, ainda, ao Ministério Público, nos termos do art. 129, III da mesma Constituição, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, nos termos do artigo 6.º, inciso VII, alíneas “a” e “d” e art. 83 da LC nº 75/93. A hipótese dos autos reflete nitidamente questão voltada ao interesse difuso de crianças e adolescentes, indetermináveis, que são expostos à prática ilícita do trabalho precoce e ausência do Estado 326 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Nesse diapasão, e especificamente quanto à temática de criança e adolescente, dispõe a norma do art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente: V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, §3º, inciso II, da Constituição Federal. O art. 83, V da LC 75/93, conjugado ao art. 27, parágrafo único, inciso IV da Lei Orgânica do Ministério Público, e o art. 201, VII do Estatuto da Criança e Adolescente também garantem aquela legitimação ao Ministério Público do Trabalho, para propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses das crianças e dos adolescentes decorrentes da relação de trabalho, bem como para promover a defesa ampla de interesses de crianças e adolescentes. Assim, inegável a legitimação do Parquet para a presente ação, eis que necessária para expurgar as ilicitudes cometidas pelo poder público ao adotar postura negligente e omissiva no que tange ao cumprimento de dever jurídico previsto em normas internacionais, constitucionais e legais, relativamente à proibição de trabalho precoce de crianças e adolescentes, nas suas mais variadas formas de eclosão. Quanto ao cabimento da presente Ação Civil Pública, cumpre esclarecer que tal ação é um instrumento adequado para a defesa dos interesses transindividuais. Portanto, é o instrumento processual para a promoção jurisdicional da tutela protetiva de todas as crianças e adolescentes em situação de labor proibido ou irregular. Ademais, a inércia das Prefeituras, que mesmo após várias notificações do MPT, não comprovaram o pleno atendimento às Recomendações expedidas. A utilidade do provimento jurisdicional resta demonstrada pelos pedidos da presente Ação Civil Pública, em face dos entes públicos com o objetivo de terminar com a omissão no combate ao trabalho infantil e condições de trabalho, em franco desrespeito ao Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 327 princípio da prioridade absoluta. Há a necessidade e utilidade, portanto, de um provimento jurisdicional que determine à Administração Pública Municipal agir com vistas a impedir que crianças e adolescentes laborem em qualquer tipo de atividade, em especial as supracitadas, no âmbito de sua atuação, mediante a adoção de políticas públicas eficazes, que venham ao encontro do dever jurídico constante do art. 227 da Constituição Federal, bem como a destinação das verbas nos percentuais determinados pelo CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente). 2.1 - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2.1.1 - Da Competência Material da Justiça do Trabalho Tendo em vista a existência de lesões a direitos e interesses metaindividuais, as quais são oriundas de relações de trabalho, resta patente a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação, nos exatos termos do art. 114, I, VI e IX, da CF/88. 2.1.2 - Da Competência Funcional das Varas do Trabalho Em relação à competência funcional, salienta-se que a pretensão se refere à aplicação do direito já previsto nas fontes formais do Direito do Trabalho e não a criação de direito novo, o que induz a conclusão no sentido de tratar-se de ação de natureza ordinária, a qual deve ser ajuizada perante as Varas do Trabalho, órgãos de primeira instância da Justiça do Trabalho. Ademais, inexistindo regra expressa acerca da competência funcional dos Tribunais Trabalhistas, prevalece a competência residual das Varas do Trabalho, conforme o art. 2º, da Lei da ACP e o entendimento do C.TST na OJ 130, da SDI-II. 2.1.3 - Da Competência Territorial desta Vara do Trabalho Já no que tange à competência territorial, de acordo com 328 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 o art. 2º, da Lei 7.347/85, competente será o foro do local onde ocorrer o dano. Do exposto, como os fatos lesivos aos direitos dos trabalhadores ocorreram no município de __, conclui-se que é competente para o julgamento da presente demanda uma das Varas do Trabalho deste município. 3 - DO DIREITO DIREITO AO NÃO TRABALHO A exploração do trabalho de crianças e adolescentes é uma das mais graves violações de direitos humanos, por retirar delas a formação escolar, o desenvolvimento saudável e a cidadania. Desde o Brasil colonial há exploração de mão-de-obra infantil, contudo, ao longo dos anos, o legislador foi paulatinamente incorporando normas de proteção à infância e à juventude, como a fixação de limite de idade para ingresso no mercado de trabalho e proibições de determinados tipos de labor, como trabalhos insalubres e abusivos e ainda, o trabalho noturno. Durante a elaboração da Carta Constitucional de 1988, surgiu um movimento de sensibilização, conscientização e mobilização da opinião pública e dos constituintes para o reconhecimento de direitos e garantias fundamentais de crianças e adolescentes e a previsão de políticas públicas capazes de concretizar tais garantias. Incorporou-se também na Constituição de 1988, o preceito da proteção integral, que consiste em assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social das crianças e adolescentes, e estabeleceu-se como dever do Estado, da família e da sociedade a promoção e proteção de seus direitos e garantias. No Brasil, somente na faixa etária de 5 a 17 anos, 3,7 milhões de crianças e adolescentes estavam trabalhando em 2011, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 329 Ao todo, estima-se que o trabalho infantil no país atinja mais de 4 milhões de crianças e adolescentes. inicialmente discutido no âmbito internacional pelas Convenções n. 138, como apregoa a Declaração dos Direitos da Criança: Em Mato Grosso do Sul, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a PNAD, em 2012, havia 44.380 mil crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, sendo exploradas, número 1,90% maior que os dados relativos a 2011, quando havia 36.665 crianças e adolescentes trabalhando. Princípio 9.º A criança deve ser protegida contra todas as formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá ser objecto de qualquer tipo de tráfico. A criança não deverá ser admitida ao emprego antes de uma idade mínima adequada, e em caso algum será permitido que se dedique a uma ocupação ou emprego que possa prejudicar a sua saúde e impedir o seu desenvolvimento físico, mental e moral. Apesar das mudanças ocorridas após a promulgação da Constituição de 1988, ainda há muito o que melhorar quando o assunto é labor de crianças e adolescentes. Isso porque durante anos, a própria sociedade viu o trabalho infantil como um mito necessário, sob as escusas de que “é melhor trabalhar que roubar ou passar fome”. Contudo, diversos estudos demonstram que ao se expor a criança ao labor de forma precoce, acaba-se por gerar mais miséria, perpetuando a exclusão e o fracasso dos filhos de pessoas de classes mais pobres. Assim, as políticas públicas são essenciais para a concretização dos direitos e garantias sacramentados pela Constituição Federal e pelas normas internacionais e, portanto, para combater o labor infanto-juvenil. A fim de possibilitar a implementação de tais políticas, um percentual do orçamento de cada ente federado deve ser destinado especificamente pra esse propósito, conforme determinação do CONANDA-Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Além disso, há a necessidade de atentar-se para o conteúdo da política a ser desenvolvida, que deve observar as particularidades de cada local e ser realizada de forma racional e em consonância com as orientações internacionais e as normativas nacionais. A tutela do direito ao não trabalho da criança e adolescente encontra guarida nos diversos ordenamentos jurídicos, sendo 330 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 A Constituição Federal do Brasil de 1988 proíbe expressamente o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos, e veda ainda o trabalho insalubre e perigoso de maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 18 (dezoito) anos, nos termos do art. 7º, inciso XXXIII, in verbis: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) Somando-se, há previsão na CLT e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos artigos: Consolidação das Leis do Trabalho Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000). Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000). Art. 405 - Ao menor não será permitido o trabalho: I - nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para esse fim aprovado pela Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho; II - em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 331 Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz. Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho: I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II - perigoso, insalubre ou penoso; III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV - realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES. DIREITO À PRIORIDADE ABSOLUTA. O direito à proteção integral está abalizado, internacionalmente, desde 1924, com a Declaração de Genebra, que reconheceu “a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial”. A partir de então, está presente em todos os documentos internacionais que tratam de direitos humanos, de forma universal ou regionalizada, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948), que trata em seu artigo XXV, 2, do “direito a cuidados e assistência especiais” e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) que alinhou, em seu artigo 19, que “toda criança tem direito às medidas de proteção que 332 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 a sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”. O art. 19 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança dispõe que “1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer pessoa responsável por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e as pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus-tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária (...)”. É importante ressaltar que o Estado brasileiro sempre subscreveu os documentos internacionais que, de alguma forma, protegem as crianças e adolescentes, de sorte que o direito internacional é inserido no ordenamento jurídico brasileiro com valor de emenda constitucional (diante do novo teor do art. 5º, § 3º da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela EC nº 45/04), como norma legal de status federal, e ainda, como costume jurídico. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, dispõe ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a toda criança e adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (...)” (destaque inexistente no original). O preceito constitucional foi secundado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº. 8.069/90, em seu art. 3º, ao declarar que são assegurados aos adolescentes, como pessoa em desenvolvimento, além de todos os direitos humanos inerentes Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 333 à pessoa humana, o direito à proteção integral, cujo fundamento se baseia na prioridade absoluta, atribuindo ao Estado o dever de assegurar esses direitos, através de lei ou por outros meios, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, em condições de liberdade e dignidade. Acrescenta, ainda, que a garantia de prioridade se fundamenta na primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; precedência na formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente). Estabelece a norma do art. 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente que “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”. E mais, o art. 87 acrescenta que: São linhas de ação da política de atendimento: I – políticas sociais básicas; II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV – serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente. E ainda, o art. 88 dispõe São diretrizes da política de atendimento: I – a municipalização do atendimento; II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações 334 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; [...] Pertinente a lição de Wilson Donizeti Liberati e Públeo Caio Bessa Cyrin, na obra “Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente”, mencionada por Moacyr Motta da Silva e Josiane Rose Petry Veronese, in A tutela Jurisdicional dos Direitos da Criança e do Adolescente: Importa dizer, no entanto, que, embora não seja exclusiva do Poder Público, sob o argumento de que municipalizar não é prefeiturizar, omitir-se de criar instrumentos, aparelhos sociais e burocráticos, ou inviabilizar o atendimento de crianças e adolescentes, deixando tudo para a iniciativa privada e filantrópica. As obrigações típicas e próprias do Poder Público local devem ser por eles assumidas, pois municipalizar significa que a política de atendimento será formulada e executada, geograficamente, no Município, considerando suas peculiaridades locais. Embora municipalizar não seja prefeiturizar, o Poder Público local tem a obrigação primeira de criar mecanismos e instrumentos que viabilizem o atendimento infanto-juvenil e, juntamente com as entidades não governamentais, instituir o sistema municipal de atendimento. Se ocorrer a omissão do Poder Público, compete aos órgãos legitimados no art 210 do Estatuto a provocação do Poder Judiciário, que concederá a prestação jurisdicional para criar ou fazer funcionar os programas de atendimento. (grifos acrescidos) Silva, Moacyr Motta da. A Tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente/ Moacyr Motta da Silva, Josiane Rose Petry Veronese – São Paulo: LTR, 1998. p. 172/3. E ainda, segundo Moacyr Motta da Silva: [...] por outro lado, a municipalização e a descentralização do atendimento significam que se devem priorizar ações locais, prestadas por quem tenha conhecimento imediato da realidade social. Eventualmente, em se tratando de programas com alcance regional, a responsabilidade por sua criação é do Estado. À União, cabe pouco mais que o repasse de verbas.” (Silva, Moacyr Motta da. A tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente/Moacyr Motta da Silva, Josiane Rose Petry Veronese). Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 335 Inquestionável que é norma imperativa de que ao Estado cumpre o dever, juntamente com a família e com a sociedade, dar à criança e ao adolescente condições mínimas necessárias ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Cabe mencionar que em decisão proferida na suspensão de liminar nº 235, o Ministro Gilmar Mendes, defendeu que, diante da inércia do Poder Público, há possibilidade de se exigir, mediante ação judicial, a concretização de políticas públicas, conforme texto excerto: Decido. [...] Como se pode perceber, tanto o caput do art. 227, como seu parágrafo primeiro e incisos possuem comandos normativos voltados para o Estado.[...] Nesse sentido, destaca-se a determinação constitucional de absoluta prioridade na concretização desses comandos normativos, em razão da alta significação de proteção aos direitos da criança e do adolescente. Tem relevância, na espécie, a dimensão objetiva do direito fundamental à proteção da criança e do adolescente. Segundo esse aspecto objetivo, o Estado está obrigado a criar os pressupostos fáticos necessários ao exercício efetivo deste direito. [...] Ademais, a decisão impugnada está em consonância com a jurisprudência dessa Corte, a qual firmou entendimento, em casos como o presente, de que se impõe ao Estado a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, a efetiva proteção de direitos constitucionais assegurados, com alta prioridade, tais como: o direito à educação infantil e os direitos da criança e do adolescente. Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgados: RE-AgR 410.715/SP, 2ª T. Rel. Celso de Mello, DJ 03.02.2006; RE 431.773/SP, rel. Marco Aurélio, DJ 22.10.2004. [...] Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de determinação judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas constitucionalmente definidas, como no presente caso, em que o comando constitucional exige, com absoluta prioridade, a proteção dos direitos das crianças e 336 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 dos adolescentes, claramente definida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ-Resp 630.765/SP, 1ª Turma, relator Luiz Fux, DJ 12.09.2005). Ex positis, restou demonstrado que o Réu não tem cumprido a determinação emanada da Constituição Federal e pelas leis ordinárias, o que impõe a necessidade de atuação deste Parquet para requerer provimento jurisdicional urgente perante a Justiça Trabalhista. DAS OBRIGAÇÕES LEGAIS DO RÉU A omissão do Réu em deixar de instituir políticas públicas eficientes e eficazes para combater o trabalho de crianças e de adolescentes viola diretamente direitos fundamentais da pessoa em formação e agride toda a sociedade, pois obsta o desenvolvimento daqueles que construirão os alicerces das gerações vindouras. O trabalho precoce compromete definitivamente o futuro da criança, pois prejudica o seu rendimento escolar, inviabilizando a sua formação profissional. Além disso, o trabalho retira da criança o seu direito à infância e à educação, escravizando-a e acorrentando-a à pobreza. Constitucionalmente a sociedade brasileira fez a opção pela prioridade absoluta de proteção à criança e ao adolescente, como especificado no art. 227 da CF/88. No mesmo sentido dispôs o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4º, parágrafo único, alínea c e d, conforme texto excerto: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: [...] c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 337 d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. E ainda, estabeleceu a norma dos artigos 86 e 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis: Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento; indenização por dano moral individual, já que esta última limita-se a compensar uma vítima individualizada e punir o infrator. Já a primeira vai além, pois também possui a finalidade preventiva e pedagógica para o ofensor, ao desestimulá-lo na reiteração, bem como para a sociedade, ao demonstrar que quem incidir naquelas condutas terá que arcar com suas responsabilidades. A indenização por danos morais coletivos possui respaldo nos arts. 5º, V e X, e 114, VI, da CF; 1º, caput e inciso IV, da Lei 7.347/85; 6º, VI e VII, do CDC e 186, 187 e 927 do CC, aplicáveis ao Direito do Trabalho por força do art. 8º, § único, da CLT. Logo, não basta a existência de previsão no ordenamento jurídico, mas é absolutamente necessário que tais direitos sejam efetivados, não bastando a simples existência de ações sociais no município. No arbitramento da indenização, também deve ser levado em consideração a quantidade de trabalhadores atingidos pela conduta ilícita, a normas legais e regulamentares que foram deliberadamente descumpridas, bem como o fato de que a capacidade econômica da parte não permite condenação em valor irrisório. Portanto, todos os dispositivos legais são claros quanto ao dever do município de erradicar o trabalho de crianças e adolescentes, inclusive, com a destinação de verbas específicas para essa finalidade, sob pena de responsabilização. Portanto, o Ministério Público do Trabalho entende como pertinente a imposição ao Réu da obrigação de reparar o dano moral coletivo, afigurando-se proporcional o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). 4 - DO DANO MORAL COLETIVO Os valores deverão ser revertidos a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que prestem relevante serviço ao município de Três Lagoas/MS. O desrespeito à legislação trabalhista mostra a perversidade da conduta praticada. Nesse contexto, as condutas praticadas acabam prejudicando a sociedade como um todo, na medida em que o descumprimento reiterado da legislação trabalhista e social gera um sentimento de total descrédito nas instituições, trazendo à sociedade uma negativa ideia de impunidade. Assim, as reiteradas lesões à ordem jurídica afetam toda a coletividade, que se sente vilipendiada no seu direito fundamental de pertencer a uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF). Por isso, consagrou-se o instituto do dano moral coletivo, que pode ser entendido como a lesão transindividual dos direitos da personalidade, sendo uma ofensa a um grupo, categoria, classe de pessoas ou à sociedade como um todo. Cabe destacar que a reparação desse dano difere-se da 338 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 5 - DA LIMINAR O art. 12 da Lei nº 7.347/85 contempla a possibilidade de expedição de mandado liminar acompanhado de multa no caso de seu descumprimento. Ademais, prevê o art. 11 da mesma lei, a cominação de multa a ser aplicada pela desobediência do mandamento sentencial. Como bem assevera a doutrina, tal liminar tem por fim tanto por termo às ilicitudes já cometidas, bem como coibir novas investidas contra o ordenamento jurídico, em homenagem ao caráter preventivo de que pode se revestir este tipo de ação. A par disso, os dispositivos referentes à antecipação da tutela constantes do Código de Processo Civil (arts. 461 e 273 do CPC) são subsidiariamente aplicáveis à lei de ação civil pública, nos Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 339 termos do art. 21 da lei n.º 7.347/85. Prevê o Código de Processo Civil: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Em suma, nos termos legais, há possibilidade de conceder liminar em sede de Ação Civil Pública, ante o caráter preventivo deste tipo de ação. Ressalta-se que não há, inclusive, qualquer óbice para concessão de liminar em face da Fazenda Pública, por se tratar de obrigações de fazer e não-fazer. No caso em tela, o perigo de demora é evidente e os requisitos autorizadores da antecipação da tutela de mérito estão presentes, conforme se indica a seguir: A prova inequívoca verifica-se no próprio procedimento, qual sejam os documentos juntados ao PROMO 000043.2012.24.002/4 pelos quais resta comprovado que apesar de apresentarem rubricas no orçamento público, em regra, os valores não atingem o percentual determinado pelo CONANDA. Além disso, pelo número de denúncias recebidas neste Órgão Ministerial, as ações são insuficientes para eliminar a exploração de crianças e adolescentes na região de atuação desta Procuradoria. A realidade local revela uma multidão de meninos e meninas trabalhando em cerâmicas, em serviços domésticos, dentre outros, comprovando a verossimilhança da alegação. O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação cumpre-se no fato de que muitas crianças e adolescentes estão em situação de vulnerabilidade pessoal e social, afastados da escola e da infância, inviabilizando sua formação profissional e acorrentando-os à pobreza. Com relação ao “fumus boni iuris”, observa-se, que o nosso ordenamento jurídico define de modo rígido o que pode e o que não pode ser feito por crianças e adolescentes. 340 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 Proíbe categoricamente que antes dos 14 anos é vedado qualquer tipo de labor. Entre 14 e 16 anos, os adolescentes podem fazer cursos técnicos ou trabalhar como aprendizes. A proibição de menores de18 anos em trabalhos que acarretam riscos de periculosidade, insalubridade e expediente noturno é rigorosamente vedado. Ademais, esperar a concretização dos direitos e garantias constitucionalmente definidos apenas após o trânsito em julgado da sentença, acarretará irreparável prejuízo relativamente ao período pretérito, correspondente à longa tramitação processual, em que os preceitos legais violados assim permanecerão. A falta de implementação imediata de políticas públicas eficazes para a erradicação do trabalho infantil, produzirá mais trabalho infantil, cujas consequências são irreparáveis para os lesados, pois com o passar do tempo, eles perdem a oportunidade de vivenciar as experiências próprias das fases da infância e da juventude. Além disso, com relação aos demais membros da sociedade, o dano torna-se irreparável ou de difícil reparação, vez que a conduta de violar a Constituição Federal, compromete os anseios dos cidadãos que se deparam com um retrocesso ao invés da continuidade de desenvolvimento e progresso da nação. Portanto, a conduta do Réu é ilegal e deve ser afastada o mais rápido possível, a fim de se evitar maiores danos a estes indivíduos, e ainda a reiterada lesão aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. 6 - DA TUTELA INIBITÓRIA A tutela inibitória, veiculada como tutela preventiva, visa a prevenir o ilícito, razão pela qual se busca a antecipação à sua prática, ao contrário da tutela tradicional, meramente reparadora. Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à reparação do dano. Sua materialização se dá através de uma decisão ou sentença que impõe um não fazer ou um fazer, conforme a conduta ilícita temida seja de natureza comissiva ou omissiva (Marinoni, 2003:26/29)1. 1 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. São Paulo: Ed. RT, 2003. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 341 Este fazer ou não fazer deve ser imposto sob pena de multa, o que permite identificar como seus fundamentos normativo e processual os artigos 461, do CPC, e 84, do CDC, sem prejuízo do seu fundamento maior, a base de uma tutela preventiva geral, encontrado na própria Constituição da República, precisamente no art. 5º, XXXV, que estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Logo, não se pode fechar os olhos para a situação fática apresentada, pois a violação ao ordenamento jurídico é evidente e reincidente conforme os documentos que compõem os autos. Portanto, requer o Ministério Público do Trabalho que seja imposta ao Réu, por sentença judicial, obrigação de fazer e/ ou não fazer referente aos dispositivos legais violados, sob pena de cominação de astreinte, a ser revertida a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, indicadas pelo MPT, ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT –,em sede de execução. 7 - DOS PEDIDOS Ex positis, o Ministério Público do Trabalho requer LIMINARMENTE, seja determinado o cumprimento das obrigações abaixo elencadas, sob pena de multa diária no importe de R$ 500,00 (quinhentos reais) por item descumprido, a ser revertida a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, indicadas pelo MPT, ou ao FIA/Municipal (Fundo da Criança e do Adolescente do Município), em sede de execução. I - Apresentar projeto de lei junto à Câmara Municipal, no prazo máximo de 40 (quarenta) dias, visando a criação e implementação de programa(s) social(is) municipal para erradicar o trabalho infantil e profissionalização de adolescentes; a) O projeto de lei previsto neste caput deve contemplar o plano municipal de erradicação do trabalho infantil, mecanismos de controle social, diagnóstico, além da universalização de atendimento. b) O(s) programa(s) social(is) acima mencionado(s) deverão priorizar a retirada das crianças e adolescentes do trabalho e impedir o acesso de crianças ao trabalho em ruas, oferecendo bolsa-família e/ou programas de educação que visem a permanência das crianças e adolescentes em regime de tempo integral nas escolas, mediante jornada ampliada, priorizando a formação educacional. 342 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 c) No mesmo prazo, apresentar projeto de lei prevendo penalidade de multa, suspensão e cassação de licença de localização e funcionamento aos estabelecimentos que violem a legislação de proteção ao trabalho do adolescente e de vedação ao trabalho infantil. II – Quando da elaboração do orçamento público, no envio dos projetos de lei da LDO e LOA, garantir dotação suficiente para implementação do(s) programa(s) municipal(is) de erradicação do trabalho infantil, na legislação citada na cláusula anterior, principalmente em atividades de risco, garantida a universalização do atendimento; a) Garantir a destinação mínima de 2% (dois porcento) do Fundo de Participação dos Municípios ao Fundo Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes. b) Garantir a destinação mínima de 5% (cinco porcento) da receita tributária líquida anual para a promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância e à adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. c) Adaptar o PPA, a LOA e a LDO vigentes, no prazo máximo de 40 (quarenta) dias, aos termos das obrigações de fazer ora requeridas. III – Executar o(s) programa(s) social(is) acima mencionado(s); IV – Apoiar o poder de polícia administrativo do Conselho Tutelar relativo à proibição do trabalho penoso, noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos, mediante à estruturação física e de pessoal para funcionamento, devendo fornecer, no mínimo, uma sede própria, computador, internet, telefone e veículo para atendimento de denuncias; V – Fiscalizar e fazer cumprir as legislações específicas quanto aos direitos das crianças e adolescentes; VI – Promover o encaminhamento das crianças e/ ou adolescentes aos pais ou responsáveis, mediante requisição do Conselho Tutelar, nos termos do artigo 101, inciso I combinados com os artigos 1º ao 11 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente; Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 343 VII – Destinar ou criar local(is) apropriados e de fácil acesso às crianças e/ou adolescentes resgatados do trabalho a realização de atividades de lazer, culturais, desportivas dentre outras, com o objetivo de impedir que retornem ao trabalho, exigindo das famílias a assinatura de compromisso de encaminhamento das crianças e/ou adolescentes aos locais designados pelo Município; VIII – Proceder imediatamente o cadastro da criança e de sua família, no Cadastro Único do Governo Federal, para efeito de inclusão em programas sociais/ assistenciais, como o(s) programa(s) social(is) do município ou o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) ou outro mantido com essa finalidade ao verificar situações de trabalho infantil no Município; fora da escola; XIV – Implementar a jornada escolar ampliada do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) ou outro programa equivalente que venha substituí-lo, com padrões mínimos de qualidade, nos moldes da legislação relativa ao programa; a) A jornada escolar ampliada deve ser entendida como aquela destinada ao desenvolvimento, em período extracurricular, de atividades de reforço escolar, ações esportivas, artísticas, culturais e/ou de aprendizagem; XV – Implementar a Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, nos moldes da legislação em vigor; IX – Comunicar os casos de exploração do trabalho infantil que tiver ciência ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Estadual local, principalmente nas atividades de risco; XVI – Criar vagas para Aprendizes na Administração Pública Municipal, respeitados os ditames dos artigos 428 a 433 da CLT, com previsão de teste seletivo e contratação máxima de 2 (dois) anos, devendo preferencialmente ser de forma indireta a contratação ou, se previsto na Lei municipal de forma direta; X – Proibir o trabalho de crianças e adolescentes nos depósitos de lixo (lixão), mantendo o local devidamente cercado com a presença de vigilância; XVII - Criar vagas nos termos da MP 11/2007, em Projeto Pró-Jovem; XI – Implementar programas de qualificação profissional de adolescentes, com base nos artigos 428 e seguintes da CLT que tratam da aprendizagem, a partir de convênios com SENAI, SENAR, SENAC, SENAT, SEESCOOP e outras instituições vinculadas à profissionalização; XII – Realizar permanente divulgação à população dos dispositivos de lei que proíbem a exploração do trabalho infantil, em especial, a proibição do trabalho doméstico aos menores de 16 (dezesseis) anos, promovendo a realização de debates, seminários, oficinas e campanhas dentre outros, para discussão da questão, promovendo, no mínimo, três eventos anuais; XIII – Encaminhar ao Ministério Público do Trabalho, com base no censo escolar e no cadastro único do bolsa-família referentes ao ano de 2013, informações sobre todas as crianças e/ ou adolescentes encontrados trabalhando no Município, com dados suficientes para a identificação da situação de cada uma delas como: idade, filiação, endereço, atividade em que trabalha(va); empregador, se houver; renda familiar; escola em que está matriculado ou se está 344 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 XVIII – Criar Centro de Referencia e Assistência Social – CRAS/PAIF onde não houver; XIX – Disponibilizar transporte para as crianças e adolescentes do PETI, ou outro programa equivalente que venha substituí-lo, principalmente as que se encontrarem em área rural; XX – Incentivar a criação do selo Empresa Amiga da Criança no município, tomando como modelo o Selo Empresa Amigo da Criança e Adolescente da ABRINQ ou Juventude Cristã do Ministério do Trabalho e Emprego, como incentivo às empresas que venham contratar aprendizes e/ou venham a adicionar um plus à aprendizagem, no sentido de incluir seu programa como Responsabilidade Social; XXI – Encaminhar a este Parquet relatório semestral sobre as atividades relativas às obrigações ora requeridas. Requer seja assinalado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para implementações das obrigações, ressalvados os prazos fixados no próprio item, que deverão ser observados pelo Réu, na forma do artigo 461 do CPC. Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 345 Em sentença definitiva, requer sejam julgados procedentes todos os pedidos da presente ação, condenando o Réu ao cumprimento das obrigações de fazer acima elencadas e ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de dano moral coletivo, ratificando-se a medida liminar com a concessão da tutela definitiva. 8 - DOS REQUERIMENTOS FINAIS O Ministério Público do Trabalho requer, ainda: a) Após o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela, com a medida liminar necessária, a citação do Réu no endereço disposto no preâmbulo desta exordial, para comparecer em audiência de conciliação, instrução e julgamento e, querendo, apresentar defesa, sob pena de revelia e confissão; b) A intimação pessoal deste Órgão ministerial nos termos do art. 18, II, alínea h, da Lei Complementar nº 75/93; 84 IV e 226, parágrafo 2º do Código de Processo Civil e ainda o art. 769 da CLT. c) A produção de prova por todos os meios em direito admitidos. d) A condenação do Réu nas despesas processuais e demais ônus decorrentes da sucumbência. 9 - DAS PRERROGATIVAS DO AUTOR O Ministério Público do Trabalho é isento do pagamento de custas e demais despesas processuais, nos termos dos arts. 790-A, da CLT; 18, da Lei 7.347/85; 19, § 2º e 27, do CPC. Dá-se à causa, a título de alçada, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Termos em que pede deferimento. Três Lagoas-MS, 10 de maio de 2014. MATEUS DE OLIVEIRA BIONDI Procurador do Trabalho 346 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 RECOMENDAÇÃO N.º 10333.2014, de 15 de setembro de 2014 IC 000234.2011.24.000/9 NOTIFICADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região, presentada pelo seu Procurador do Trabalho infra firmado, nos autos do Inquérito Civil n. 000234.2011.24.000/9, no uso das atribuições que lhes confere a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar Nº 75, de 20/05/93), especialmente o que dispõe o art. 84, combinado com o artigo 6º, inciso XX, que autoriza: “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direito e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para adoção das providências cabíveis.” CONSIDERANDO ser o Ministério Público “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da Constituição da República); CONSIDERANDO que o artigo 2º da Lei Complementar nº 75/93 dispõe que incumbem ao Ministério Público “as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal”; CONSIDERANDO que a duração da jornada é um direito social fundamental previsto no artigo 7º, XIII da Constituição Federal; Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; CONSIDERANDO que o trabalho e a segurança são direitos sociais expressamente garantidos pelo art. 6° da Constituição da República; CONSIDERANDO que, visando concretizar o comando constitucional, a Lei n. 12.619/12 introduziu regra na Consolidação das Leis do Trabalho, especialmente aplicável ao motorista empregado, delimitando sua jornada diária, nos seguintes termos: Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 347 Ar.t. 235-C. A jornada diário de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho. CONSIDERANDO que, ainda atenta às balizas dadas pela carta magna, a Lei n. 12 .619/12 estabeleceu, no Código do Trânsito Brasileiro, períodos obrigatórios de descanso aplicáveis a todos os motoristas profissionais, empregados ou autônomos, nos seguintes termos: Art 67-A. É vedado ao motorista profissional, no exercício de sua profissão e na condução de veículo mencionado no inciso II do art. 105 deste Código, dirigir por mais de 4 (quatro) horas ininterruptas. § 1º Será observado intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 horas ininterruptas na condução de veículo referido no caput, sendo facultado o fracionamento do tempo de direção e do intervalo de descanso, desde que não completada s. 4 (quatro) horas contínuas no exercício da condução. [...] § 3º o condutor é obrigado a, dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas (o observar um intervalo de; no mínimo, 11 (onze) horas de descanso, podendo ser fracionado em 9 (nove) horas mais 2 (duas), no mesmo dia. CONSIDERANDO que o art. 1º da Lei n. 6.094, de 30 de agosto de 1974, faculta ao Condutor Autônomo de Veículo Rodoviário de Cargas a cessão de seu automóvel, em regime de colaboração, no máximo a dois outros profissionais; CONSIDERANDO que, nos temos do art. 1° da Lei n. 7.290, de 19 de dezembro de 1984, considera-se transportador rodoviário autônomo de bens a pessoa física, proprietário ou coproprietário de um só veículo, sem vínculo empregatício, devidamente cadastrado em órgão disciplinar competente; CONSIDERANDO que uma interpretação sistemática da legislação aplicável à atividade exercida pelo transportador autônomo impõe a necessidade de limitar-se do número de veículos em sua frota, bem como de efetuar o registro e controle dos colaboradores, visando à coibição de situações que atentem contra normas trabalhistas e previdenciárias; CONSIDERANDO ainda, que a concretização dos desideratos trazidos pela Lei n. 12.619/12 carecem da efetiva fiscalização do tempo de direção e do efetivo gozo dos intervalos de descanso obrigatórios; CONSIDERANDO que dentre os atuais instrumentos de controle de 348 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 tempo de direção merece especial importância, dada sua universalização, o registrador inalterável de velocidade, popularmente conhecido como “tacógrafo”; CONSIDERANDO, contudo, que o “tacógrafo” atualmente utilizado vem majoritariamente baseado em tecnologia analógica, com grande vulnerabilidade à fraude; CONSIDERANDO que já se encontra disponível no mercado “tacógrafo” com tecnologia digital, capaz de garantir a integridade das suas informações, bem como de permitir a ágil e transferência de dados para fins de fiscalização; CONSIDERANDO que, para o fim de verificar o efetivo gozo dos intervalos de descanso pelo motorista profissional, necessário que além dos dados e informações acerca do percurso, mostra-se imprescindível a exata e adequada identificação do motorista condutor, bem como sua relação mantida com seu eventual empregador ou tomador de serviços no caso de prestação de serviços autônomos; CONSIDERANDO que, nos termos § 2º do artigo 1º da Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 2007 (Código de Trânsito Brasileiro), o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito; CONSIDERANDO que os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro (artigo 1º, § 3º do CTB); CONSIDERANDO que os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida (artigo 1º, § 5º do CTB); CONSIDERANDO que, nos termos do art. 24, XVII da Lei n. 10.233, de 4 de julho de 2001 e do art. 10, XXV, da Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 2007 (Código de Trânsito Brasileiro), a ANTT tem papel relevante a desempenhar no âmbito do Sistema Nacional de Trânsito; CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 22, II, da Lei n. 10.233, de 4 de julho de 2001, o transporte rodoviário de cargas constitui esfera de atuação da ANTT; CONSIDERANDO que cabe à ANTT realizar a inscrição do Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8 349 transportador rodoviário de cargas no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas, conforme prescreve o artigo 14-A da Lei n. 10.233/2001, e a Lei 11.442, de 5 de janeiro de 2007; CONSIDERANDO que o processo de inscrição e cassação do registro bem como a documentação exigida para o RNTR-C serão regulamentados pela ANTT (artigo 3º da Lei n. 11.422/2007); Vem, por meio da presente notificação, RECOMENDAR a esta Agência Estatal Reguladora, através de seus atuais dirigentes, o cumprimento dos ditames consubstanciados nos citados dispositivos legais, especialmente quanto à elaboração de regulamentação administrativa, no prazo de sessenta dias, que estabeleçam: a) a obrigatoriedade de os veículos automotores de cargas de transportadores submetidos ao RNTRC serem equipados com “tacógrafo digital”, como condição para que tais veículos sejam incluídos nas respectivas frotas e, dessa maneira, habilitem-se para o exercício do transporte rodoviário de cargas com cobrança de frete; b) que, associado ao registro do percurso hospedado no “tacógrafo” digital, sejam adotados meios para a exata e fidedigna identificação e qualificação do motorista ou dos motoristas condutores dos respectivos veículos de carga; c) a limitação da quantidade de veículos dos transportadores autônomos de carga inscritos no RNTRC, em consonância com a Lei nº 7.290, de 19 de dezembro de 1984; d) a obrigatoriedade do arquivamento dos registros do tacógrafo, bem como da identificação e qualificação dos motoristas profissionais, como condição para a manutenção do cadastro do transportador no RNTRC na condição de ativo; A presente RECOMENDAÇÃO é expedida com prazo de início imediato, a partir do recebimento da mesma, sendo que a verificação de seu cumprimento será feita diretamente pelo Ministério Público do Trabalho. Insta salientar que o descumprimento da referida recomendação ensejará a adoção das medidas que o Ministério Público do Trabalho entender cabíveis. Campo Grande, 15 de setembro de 2014. PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES Procurador do Trabalho 350 Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8