Revista do
Ministério Público do Trabalho
do Mato Grosso do Sul
Campo Grande - MS
Ministério Público do Trabalho
Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região
COMISSÃO EDITORIAL
Presidente:
Odracir Juares Hecht
Procurador do Trabalho
Membros:
Celso Henrique Rodrigues Fortes
Procurador do Trabalho
Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade
Procurador do Trabalho
Mateus de Oliveira Biondi
Procurador do Trabalho
Anete de Oliveira Freitas
Analista de Documentação/Biblioteconomista
Revista do
Ministério Público do Trabalho
do Mato Grosso do Sul
Campo Grande – MS
n. 8 - 2014
Keyla Borges Tormena Gusmão
Assessora de Comunicação
ISSN 1981-3457
R. do Min. Púb. Trab. do MS
Campo Grande-MS
n.8
p.1-350
2014
Revista do Ministério Público do Trabalho do Mato
Grosso do Sul. -- V. 1, n.1 (abr. 2007)-. -- Campo Grande:
PRT 24ª, 2007V.
Anual
ISSN 1981-3457
1. Direito do Trabalho.
2. Direito Previdenciário.
3. Direito Constitucional. 4. Direito Processual.
CDD 341.6
CDU 349.2
Os artigos publicados são de responsabilidade dos seus autores.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região
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Capa: Foto de construção de prédio em Campo Grande, de autoria de
Valéria Aparecida Barbosa França, Engenheira de Seg. do Trabalho/
Perita do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul.
Tiragem: 1.500 exemplares
Impressão: Gráfica F&F - Brasília/DF
Ministério Público do Trabalho
Procurador-Geral do Trabalho
Luís Antônio Camargo de Melo
Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região
Procurador-Chefe da 24ª Região
Odracir Juares Hecht
Procurador-Chefe Substituto
Hiran Sebastião Meneghelli Filho
Procuradores
Campo Grande
Celso Henrique Rodrigues Fortes
Cícero Rufino Pereira
Jonas Ratier Moreno
Leontino Ferreira de Lima Júnior
Paulo Douglas Almeida de Moraes
Rosimara Delmoura Caldeira
Simone Beatriz Assis de Rezende
Dourados
Cândice Gabriela Arosio
Jeferson Pereira
Três Lagoas
Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade
Mateus de Oliveira Biondi
SUMÁRIO
Apresentação do presidente da Comissão Editorial.
Odracir Juares Hecht...................................................................................9
ARTIGOS
Trabalho em pé e sentado. Flexibilidade postural.
Alessandro Santos de Miranda...................................................................13
Auditoria fiscal do trabalho: compromisso com o trabalho digno.
Benedito de Lima e Silva Filho e Luize Surkamp........................................33
A dimensão qualificada do meio ambiente de trabalho.
Carlos Alberto Costa Peixoto e Aline Fonseca Franco da Silva....................41
O trabalho escravo na fronteira Brasil/Paraguai e o direito
fundamental à saúde.
Cícero Rufino Pereira e Kaciane Corrêa Mochizuke..................................65
O instituto do dano moral coletivo e as graves violações de direitos
humanos no âmbito trabalhista.
Leontino Ferreira de Lima Junior e Luciana Aparecida Furtado de Lima...............83
O Ministério Público do Trabalho e o acesso à justiça no Brasil.
Luís Antônio Camargo de Melo...............................................................95
Amianto: a crônica de uma tragédia epidemiológica anunciada.
Márcia Cristina Kamei López Aliaga......................................................111
“Fragilidade” da mulher: sociedade, trabalho e formas de
discriminação e violência.
Nathália Eberhardt Ziolkowski e Marina Belini Morilha.......................119
Reinventando a negociação coletiva no setor sucroalcooleiro:
diagnósticos e proposições.
Paulo Douglas Almeida de Moraes........................................................137
GUIA MINISTERIAL
Encerramento dos lixões e a inclusão social e produtiva das
catadoras e catadores de materiais recicláveis.
Conselho Nacional do Ministério Público...................................................161
PEÇAS PROCESSUAIS
Termo de cooperação técnica pela fiscalização das condições
de trabalho nas obras de construção e reformas de pontes nas
estradas do estado de Mato Grosso do Sul. Junho/2014.
Ministério Público do Trabalho, Estado de Mato Grosso do Sul e Comissão
Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho no
Estado de Mato Grosso do Sul...............................................................223
Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela.
Aprendizagem no município de Bataguassu: Senac - Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial - Departamento Regional do
Mato Grosso do Sul e Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial - Departamento Regional do Mato Grosso do Sul.
Março/2014.
Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade...........................................231
Ação Civil Pública com pedido cautelar liminar. Cláusulas ilegais
sobre horas in itinere em acordos coletivos de trabalho: Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Nova Andradina/MS, Sindicado dos
Trabalhadores nas Indústrias da Fabricação do Açúcar e Álcool de
Nova Andradina - MS e Energética Santa Helena S/A. Abril/2014.
Jeferson Pereira.......................................................................................271
Ação Civil Pública c/c Ação Trabalhista com pedido de antecipação
dos efeitos da tutela definitiva. Trabalho infantil doméstico.
Jardim/MS. Julho/2013.
Leontino Ferreira de Lima Júnior..........................................................301
Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada. Ações
de Combate ao Trabalho Infantil: Município de Três Lagoas.
Maio/2014.
Mateus de Oliveira Biondi........................................................................321
Recomendação. Uso do tacógrafo digital: Agência Nacional de
Transportes Terrestres. Setembro/2014.
Paulo Douglas Almeida de Moraes........................................................347
Apresentação
A Revista Jurídica do Ministério Público do Trabalho em
Mato Grosso do Sul, criada com a vocação de propagar conhecimento
por meio da publicação de artigos doutrinários e peças processuais
acerca da atuação institucional na defesa dos direitos trabalhistas,
chega em 2014 ao seu oitavo número, com ampla variedade de temas.
O primeiro artigo aborda a ergonomia laboral, apontando
agravos à saúde relacionados às posturas rígidas no trabalho. O autor
é o Procurador do Trabalho Alessandro Santos de Miranda, que
recomenda a adaptação dos postos de trabalho entre outras ações
preventivas e educativas para melhorias das condições de trabalho.
A segunda contribuição, escrita pelos Auditores
Benedito de Lima e Silva Filho e Luize Surkamp, aborda o papel
da auditoria fiscal do trabalho no compromisso com o trabalho
digno. O Procurador do Trabalho Carlos Alberto Costa Peixoto e
a Advogada Aline Fonseca Franco da Silva descrevem e analisam as
multidimensões do Meio Ambiente do Trabalho e a responsabilidade
civil-trabalhista do empregador pela garantia da higidez e segurança
do meio ambiente de laboral no terceiro artigo.
Considerando as peculiaridades do estado de Mato
Grosso do Sul, com sua extensa faixa de fronteira, outro destaque
desta Revista Jurídica é o artigo do Procurador do Trabalho Cícero
Rufino Pereira e da Fisioterapeuta Kaciane Corrêa Mochizuke, que,
juntos, discorrem sobre o trabalho escravo na fronteira Brasil/
Paraguai e o direito fundamental à saúde.
O sexto artigo trata do instituto do dano moral coletivo
e as graves violações de direitos humanos no âmbito trabalhista e foi
elaborado pelo Procurador do Trabalho Leontino Ferreira de Lima
Junior e pela Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª
Região Luciana Aparecida Furtado de Lima.
O artigo intitulado “O Ministério Público do Trabalho
e o acesso à justiça no Brasil”, de autoria do Procurador-Geral do
Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, destaca o papel das
Coordenadorias Nacionais Temáticas como fundamental para
garantir a ação efetiva, eficiente e coesa em todo o território nacional
contra os principais desafios às relações laborais brasileiras.
Na sequência, a Procuradora do Trabalho Márcia
Cristina Kamei López Aliaga alerta sobre os riscos do amianto e
o Fórum de Trabalho Decente Mulher contribui com artigo sobre
o trabalho, discriminação e violência contra a mulher na sociedade
contemporânea, escrito pela Cientista Social Nathália Eberhardt
Ziolkowski e pela Fisioterapeuta Marina Belini Morilha.
O último artigo é do Procurador do Trabalho Paulo
Douglas Almeida de Moraes, sobre a negociação coletiva no setor
sucroalcooleiro.
A revista também contém o Guia Ministerial
“Encerramento dos lixões e a inclusão social e produtiva das catadoras
e catadores de materiais recicláveis”, lançado pelo Conselho Nacional
do Ministério Público.
Complementando os artigos doutrinários, a Revista traz
peças processuais de autoria dos Procuradores do Trabalho que atuam
no Estado. Entre os temas, destacam-se a exigência de oferecimento
de cursos para cumprimento da cota legal de aprendizagem
profissional, de autoria do Procurador do Trabalho Carlos Eduardo
Almeida Martins de Andrade; jornada e horas in itinere de autoria de
Jeferson Pereira, Procurador do MPT em Dourados; a Ação Civil
Pública sobre trabalho infantil doméstico do Procurador Leontino
Ferreira Lima Júnior e a exigência de implementação de ações de
combate ao trabalho infantil, ação movida pelo Procurador Mateus
de Oliveira Biondi.
Também integram a revista, pela importância, a
recomendação quanto ao uso de tacógrafo digital, feita à Agência
Nacional de Transportes Terrestres pelo Procurador do Trabalho
Paulo Douglas Almeida de Moraes, como forma de dar mais
efetividade à Lei do Descanso, e o Termo de Cooperação Técnica
pela fiscalização das condições de trabalho nas obras de construção e
reformas de pontes nas estradas em Mato Grosso do Sul.
Conforme descrito nas linhas acima, este número
apresenta, de diversos ângulos, aspectos relevantes da atuação
institucional, seja na defesa do meio ambiente laboral saudável, seja
no respeito a direitos e à dignidade de imigrantes, indígenas, crianças
e adolescentes, mulheres e todos os demais trabalhadores brasileiros,
desafios que se constituem na missão e bandeira do MPT.
Odracir Juares Hecht
Presidente da Comissão Editorial
Doutrina
TRABALHO EM PÉ E SENTADO.
FLEXIBILIDADE POSTURAL
Alessandro Santos de Miranda1
POSTURAS GERAIS
Muitas situações de trabalho requerem posturas que
devem ser mantidas por um longo período de tempo. Entre elas
está a postura em pé, que é comum em muitas ocupações, tais como
vendedores de lojas, trabalhadores que prestam serviços na área de
alimentação, no trabalho de linha de montagem, operadores de caixas,
assim como em diversas outras atividades na indústria e no comércio.
A questão da postura no trabalho é tratada, na maioria das
vezes, como um problema de caráter individual, responsabilizando
o trabalhador pela adoção de posições incorretas. Esta percepção
é inverídica levando-se em conta que a proteção ao meio ambiente
laboral é um direito social com interesse coletivo. Assim, constitui
obrigação dos empregadores adotar as medidas necessárias com
o fim de reduzir e eliminar os riscos inerentes ao trabalho pela
aplicação das normas de saúde, higiene e segurança. Neste contexto,
a exigência de posturas fixas na execução das tarefas aponta para a
associação de vários agravos à saúde ocupacional, tais como LER/
DORT, distúrbios vasculares, entre outros, devendo, pois, ser evitada.
A postura é o arranjo relativo das partes do corpo
dispostas no espaço. É o principal elemento da atividade humana,
1 Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – DF e TO.
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilha, Espanha. Coordenador
Nacional da Defesa do Meio Ambiente de Trabalho do Ministério Público do Trabalho entre
dezembro/2005 e outubro/2010. Email: [email protected].
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
13
ou seja, não se trata apenas de manter-se em pé ou sentado, mas de
interagir no ambiente. Deste modo, uma das funções da postura é
proteger as estruturas de suporte do corpo contra lesões progressivas,
independentemente da atitude (ereta, deitada, agachada, encurvada)
nas quais essas estruturas estão trabalhando ou repousando2.
A postura natural ou saudável é aquela em que as
articulações ocupam uma posição neutra de equilíbrio muscular e
esquelético, sem movimentos (de extensão, flexão ou inclinação) ou
com o mínimo de esforço energético, não exigindo grande esforço para
mantê-la e, assim, não prejudicando o organismo com sobrecargas
funcionais ou condições que a médio ou longo prazo possam originar
processos patológicos3 4. Assim, uma boa postura mantém o esforço
total em seu mínimo, distribuindo-o para as estruturas mais aptas a
suportá-lo5.
Em contrapartida, a má postura tem efeito contrário,
aumentando o estresse total e distribuindo-o para estruturas menos
capazes de suportá-lo, ocasionando o adoecimento.
A postura e o equilíbrio dos segmentos corporais
dependem da harmonia entre os membros inferiores, cintura
pélvica, coluna vertebral, membros superiores e cintura escapular.
Problemas relacionados à manutenção dessa harmonia podem
ocasionar alterações de ordem postural, prejudicando a boa postura
do indivíduo6.
Com efeito, as posturas gerais básicas são as posições em
pé (parado e andando), sentado, de cócoras e deitado. Além destas,
há posturas relacionadas a segmentos particulares, tendo como
base as posturas gerais7. Neste estudo serão abordadas as posturas
sentada, em pé e alternada, por serem as mais adotadas nas relações
de trabalho, bem como os parâmetros mínimos que permitem a
adaptação das condições laborais às características psicofisiológicas
dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto,
segurança, saúde e desempenho eficiente. Entretanto, ressalte-se que
as orientações contidas neste texto não excluem a necessidade de uma
análise ergonômica do trabalho para ampliar o ângulo da abordagem,
principalmente quanto à investigação dos aspectos relacionados
às doenças ocupacionais, de forma a evitar a implantação inócua
de medidas que poderiam ser contraditórias com a realização das
atividades desempenhadas pelos trabalhadores.
A postura sentada, associada à pouca movimentação, exige
atividade muscular do dorso e do ventre e tem como consequência
imediata a carga estática sobre certos segmentos corporais que,
embora possa não ser intensa, se prolongada e associada à inércia,
produz a fadiga. Assim, a postura sentada, de todas as posturas, é
a mais dolorosa, principalmente quando o assento é inadequado,
pois há menor nível de atividade muscular na posição sentado em
comparação com a posição em pé8.
Neste sentido, deve-se ter em conta que o homem é um
ser em movimento constante, e que qualquer tarefa que o obrigue a
posições estáticas leva-o ao desconforto. Neste particular, a posição
ligeiramente inclinada para frente é mais natural e menos fatigante
que aquela ereta, pois mantém o corpo em equilíbrio9.
Já a postura parada em pé (postura ortostática) é altamente
fatigante porque exige demasiado trabalho estático da musculatura
envolvida para manter essa posição, dispendendo muita energia. As
pessoas que executam trabalhos dinâmicos em pé, em constante
movimento, geralmente apresentam menos fadiga que aquelas que
permanecem estáticas ou com pouca movimentação. Não é possível
a manutenção da postura em pé por longos períodos, sendo comum
o uso assimétrico dos membros inferiores, usando alternadamente
as pernas direita e esquerda como principal apoio para facilitar a
circulação sanguínea ou reduzir as compressões sobre as articulações
2ASSUNÇÃO, 2004, p. 41-54.
3SÃO PAULO. Norma Técnica para o Trabalho em Pé e Sentado.
4ASSUNÇÃO, 2004, p. 45.
5 JORGE, 2003, p. 27.
6 JORGE, 2003, p. 41.
7 SÃO PAULO, op. cit.
8 JORGE, 2003, p. 72.
9 SÃO PAULO, op. cit.
14
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
15
que estavam contraídas10.
O ideal é que haja flexibilidade postural (posturas alternadas),
pois a variação de posições favorece as articulações e economiza
energia, vez que não existe uma única postura que satisfaça às duas
necessidades. Por intermédio da variação das posturas corporais
permite-se ao indivíduo alternar os focos principais de exigências,
ao mesmo tempo em que propicia mobilidade para o sistema
musculoesquelético e a manutenção da saúde dos músculos, tendões,
entre outros.
Neste contexto, a postura de trabalho é adotada em função
da atividade desenvolvida, das exigências da tarefa (visuais, emprego
de forças, precisão dos movimentos, pressão temporal, volume de
produção, ritmo das tarefas, variabilidade do processo e qualidade),
dos espaços de trabalho (dimensões do mobiliário e equipamentos),
da ligação do trabalhador com máquinas e equipamentos (como, por
exemplo, o acionamento de comandos), entre outros. As amplitudes
de movimentos dos segmentos corporais, assim como as exigências
da tarefa em termos visuais, de peso ou esforços, influenciam na
posição do tronco e no esforço postural, tanto no trabalho sentado
como no trabalho em pé11.
A postura mais adequada ao trabalhador é aquela que
ele próprio escolhe livremente e que pode ser variada ao longo do
tempo. Assim, a concepção dos postos de trabalho ou da tarefa deve
favorecer a variação postural, principalmente a alternância entre a
postura sentada e em pé. Em outros termos, para uma postura sadia é
recomendável a variação frequente do repertório de posturas, pois uma
posição conveniente torna-se ruim se prolongada demasiadamente.
Assim, o conforto merece destaque especial. A
regulamentação em segurança e saúde no trabalho quase sempre diz
respeito a limites de tolerância que podem ser medidos objetivamente.
O mesmo não ocorre neste caso. Para se avaliar o conforto, é
imprescindível a manifestação dos trabalhadores. Só estes poderão
10 SÃO PAULO, op. cit.
11 BRASIL, 2001.
16
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
confirmar ou não a adequação das soluções técnicas propostas.
Portanto, para investigar as inadequações ou para solucioná-las, a
palavra daqueles deve ser a principal diretiva.
AGRAVOS À SAÚDE RELACIONADOS
POSTURAS RÍGIDAS NO TRABALHO
ÀS
Inicialmente, deve-se ter em conta que, de maneira geral,
os postos de trabalho são concebidos levando-se em consideração as
necessidades da produção, e não o conforto do empregado na escolha
da postura a ser adotada, contrariando o disposto na Convenção
155 da Organização Internacional do Trabalho, que predispõe que
o ambiente laboral deve ser adaptado, na medida do possível, ao
trabalhador, e não o contrário:
Art. 16 – Deverá ser exigido dos empregadores que, à
medida que for razoável e possível, garantam que os locais
de trabalho, o maquinário, os equipamentos e as operações
e processos que estiverem sob seu controle são seguros e
não envolvem risco algum para a segurança e saúde dos
trabalhadores.
Sob o enfoque ergonômico, analisando a relação entre o
homem e o trabalho, predomina a opinião de que a postura laboral,
sobretudo a permanência prolongada em pé, pode desencadear e/ou
agravar os sintomas de transtornos venosos nos membros inferiores,
resultando em dores que se prolongam além do horário de labor.
Assim, tem-se o paradoxo: muitos problemas de saúde
ocupacional estão associados com a permanência da postura em pé,
ao passo que inúmeras são as situações que requerem a manutenção
desta postura por um longo período em certas categorias profissionais
como, por exemplo, em diversos postos de trabalho da indústria e do
comércio.
A postura parada em pé exige o trabalho estático da
musculatura envolvida para manutenção desta posição, provocando
diversos problemas somáticos, tais como maior desgaste físico, tensão
e fadiga musculares, dores lombares e desconfortos nos membros
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
17
inferiores (dores, edema, sensação de peso nas pernas e câimbras,
que aumentam ao longo do dia, especialmente após a permanência
prolongada da postura em pé), os quais, mesmo que não gerem uma
incapacidade laboral, propiciam a diminuição da resistência dos
trabalhadores, levando-os a adquirir doenças de origem ocupacional12
13
.
Estar de pé significa que todo o peso do corpo é
suportado pelos membros inferiores e que se trabalha contra a lei da
gravidade, com a solicitação excessiva de vários músculos do dorso
e das pernas para manter a postura ereta, como também do sistema
cardiovascular, que faz o sangue retornar dos membros inferiores ao
coração14.
Para a manutenção da postura estática em pé são
necessários níveis baixos, porém constantes, de tensão muscular, e
esse estado prolongado de contração provoca uma compressão dos
vasos sanguíneos, prejudicando a circulação sanguínea e linfática.
Como consequência, a manutenção da postura em pé por 45% a 50%
da carga horária de trabalho é suficiente para causar o aparecimento de
alguns transtornos musculoesqueléticos e circulatórios nos membros
inferiores (pernas e pés, além de joelhos e quadris), como varizes,
edema e celulite que, além do comprometimento estético e funcional,
desencadeiam dores, podendo evoluir para a perda parcial ou total da
mobilidade de aludidos membros15.
Com efeito, a doença venosa é um problema de saúde
pública importante, pois acomete pessoas de diferentes faixas etárias
e pode causar sérios problemas socioeconômicos como, por exemplo,
a inaptidão laboral, pois apresenta uma repercussão direta sobre a
qualidade de vida e da produção e, consequentemente, sobre a perda
de eficiência operacional. Assim, são comuns os absenteísmos,
hospitalizações e até mesmo aposentadorias precoces de indivíduos na
fase produtiva da vida, acometidos por sequelas físicas e psicológicas,
12
13
14
15
18
GUIMARÃES, 2006.
BRASIL, 2002.
ASSUNÇÃO, 2004, p. 50.
GRANDJEAN, 1998.
além de limitações e impedimentos permanentes para a realização das
atividades cotidianas e do trabalho16.
Como pontuado anteriormente, muitas situações de
trabalho requerem a manutenção da postura em pé por um longo
período de tempo. Entretanto, a escolha desta postura só se justifica
quando a tarefa: exige deslocamentos contínuos (no caso de rondas);
pressupõe manipulação de cargas com peso igual ou superior a
4,5 kg; exige alcances amplos frequentes, para cima, para frente ou
para baixo (deve-se reduzir a amplitude destes alcances para que se
possa trabalhar sentado); determina mudanças constantes de postos
de trabalho, fisicamente separados; exige a aplicação de forças para
baixo (como o empacotamento)17 18.
Deve ser levado em consideração, ainda, que em muitas
atividades econômicas há um controle rígido da produtividade, o qual
aumenta quando a demanda da produção ou dos serviços é maior,
sendo os trabalhadores submetidos a extensas e desgastantes jornadas,
permanecendo mais tempo no local de trabalho e aumentando
ainda mais o tempo de exposição à carga estática, tornando-os mais
suscetíveis a doenças.
Com relação à postura sentada, tem-se que o esforço
postural e as solicitações sobre as articulações são mais limitadas que
na posição em pé. A postura sentada permite melhor controle dos
movimentos, razão pela qual o esforço de equilíbrio é reduzido. Por
este fato, é a melhor postura a ser adotada para os trabalhos que
exijam precisão.
De idêntica forma, em algumas atividades a tendência
é permanecer sentado por longos períodos (escritórios, trabalhos
com computadores e administrativos, entre outros). Nesta posição,
a compressão dos discos intervertebrais é maior, não só pelas
cargas que atuam sobre a coluna vertebral, mas principalmente pela
manutenção da própria postura estática. Desta forma, a incidência de
16 FRANÇA, 2003, p. 319-328.
17 BRASIL, 2002.
18 BRASIL, 2001.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
19
dores lombares é menor quando adotada a flexibilidade postural19,
sendo importante que o design do assento possibilite as mudanças de
postura20.
Assim, há vantagens e desvantagens na adoção da postura
de trabalho sentado, se bem concebida (com apoios e inclinações
adequados). Como vantagens, destacam-se: baixa solicitação dos
membros inferiores (o que reduz a sensação de desconforto e
cansaço); possibilidade de evitar posições forçadas do corpo; menor
consumo de energia; facilidade da circulação sanguínea nos membros
inferiores. As principais desvantagens são: sedentarismo; adoção
de posturas desfavoráveis; redução da circulação sanguínea nos
membros inferiores.
Neste particular, o Poder Judiciário Trabalhista tem
reconhecido o nexo causal entre a culpa patronal (má organização
da atividade produtiva; insuficiência de aplicação dos princípios
ergonômicos na concepção de métodos e dos postos de trabalho;
falta de ajuste dos equipamentos às características dos trabalhadores)
e os adoecimentos dos trabalhadores decorrentes da exposição
ao risco postural, pois estes têm o direito de desenvolverem suas
atividades profissionais em ambiente seguro que preserve sua vida,
saúde e integridades física e moral. Não é outro o entendimento
esposado nos seguintes acórdãos: RO nº 00952-2009-008-10-00-6
(3ª Turma do e. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região); RO
nº 0002002-71.2011.5.03.0058 (7ª Turma do e. Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região); RO nº 0001480-34.2010.5.03.0105 (6ª Turma
do e. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região).
ADOÇÃO DAS POSTURAS ALTERNADAS PARA O
CONFORTO NO TRABALHO
O conforto do trabalho sentado ou do trabalho em pé ocorre
19 BRASIL, 2001.
20 ASSUNÇÃO, 2004, p. 52.
20
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
em função21: a) do tempo de manutenção da postura; b) da adaptação
às exigências visuais (a localização das fontes de informação influencia
na postura corporal, podendo induzir o trabalhador a adotar posturas
inadequadas prolongadas ou repetitivas); c) dos espaços para pernas
e pés (a falta de espaço obriga o trabalhador a adotar posturas
incorretas); d) da altura do plano de trabalho (importante elemento
para o conforto postural22); e) das características da cadeira (o assento
de trabalho ideal deve ser determinado em função da atividade
desenvolvida, das condições ambientais de trabalho e da opinião dos
trabalhadores).
Como visto, qualquer postura prolongada é mal tolerada
pelo corpo humano. Por esta razão, a alternância de posturas deve
ser sempre privilegiada, pois permite que os músculos não sejam
sobrecarregados e fiquem fatigados.
O item 17.3.1 da Norma Regulamentadora 17 do
Ministério do Trabalho e Emprego dispõe que “Sempre que o trabalho
puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou
adaptado para essa posição.”
A interpretação desse item normativo tem gerado malentendidos, vez que sua intenção é reduzir a posição de trabalho em
pé, muito comum nos meios industrial e comercial.
Com efeito, a alternância da postura deve sempre ficar
à livre escolha do trabalhador. Ele é quem vai saber, diante da
exigência momentânea da tarefa e de suas condições pessoais, se é
melhor a posição sentada ou em pé. Assim, o tempo de manutenção
de uma postura deve ser o mais breve possível, pois seus efeitos,
eventualmente nocivos, dependem do tempo durante o qual ela será
mantida.
21 BRASIL, 2001.
22“Esta observação é válida tanto para o trabalho sentado como para o trabalho em pé. O ponto de
referência utilizado para determinar a altura confortável de trabalho é a altura dos cotovelos em relação ao
piso, mas a altura da tarefa tem que ser levada em consideração. No planejamento / adaptação do posto de
trabalho sentado deve-se sempre levar em consideração duas medidas principais: a altura da cadeira e a altura
do plano de trabalho. Considerando que as dimensões corporais são muito diversas, (inter e intra-indivíduos),
no mínimo uma destas alturas tem que ser regulável, para facilitar a adaptação do posto à maioria dos
trabalhadores.” (BRASIL, 2001).
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
21
Conforme preceitua o item 17.3.5 da mesma Norma
Regulamentadora, “Para as atividades em que os trabalhos devam ser
realizados de pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais em que
possam ser utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas.” Por
corolário, exclui-se do atendimento à norma a disponibilização de
assentos em locais inadequados, insalubres ou perigosos.
Assim, os trabalhadores devem ter a oportunidade de se
sentar durante as paradas no trabalho. Um assento do tipo pedestal
ou uma estação de trabalho sentada/de pé pode ser fornecida ao
operador para que ele possa variar a postura durante a atividade
laboral. Neste tocante, se adotado o assento tipo pedestal (posição
semi-sentada)23 como solução, deve-se observar que este somente
pode ser utilizado para quem trabalha em pé, parado, possibilitando
que o trabalhador desenvolva suas atividades sem a fadiga própria
desta situação laboral. Mas não deve ser usado por longos períodos
e só se adapta às atividades realizadas em pé nas quais não se exige
muita força nos movimentos. Ainda, o chão deve oferecer atrito
suficiente para evitar que o banco deslize.
A SELEÇÃO DO MOBILIÁRIO: PARÂMETROS
MÍNIMOS
A importância do mobiliário se fundamenta no fato de
este ser considerado um dos equipamentos de trabalho, necessitando
ser compatível com a tarefa a ser desenvolvida e ser adaptado a seus
usuários. Frise-se que a postura a ser adotada dependerá de múltiplos
fatores: variação da produção, características do mobiliário e arranjo
do espaço físico, entre outros.
braços, entre outros). Deve permitir também alternância de posturas
(sentado, em pé), pois não existe nenhuma postura fixa que seja
confortável. Também deve ser adaptado à natureza do trabalho, ou
seja, às exigências da tarefa.
Entre a população trabalhadora há indivíduos de diversas
alturas, sendo difícil conceber um mobiliário que satisfaça a todos. O
recomendável é que o mobiliário permita uma regulagem que atenda
a pelo menos 95% da população em geral.
Segundo o item 17.3.2 da Norma Regulamentadora 17
do Ministério do Trabalho e Emprego, “Para trabalho manual sentado ou
que tenha de ser feito em pé, as bancadas, mesas, escrivaninhas e os painéis devem
proporcionar ao trabalhador condições de boa postura, visualização e operação
e devem atender aos seguintes requisitos mínimos: a) ter altura e características
da superfície de trabalho compatíveis com o tipo de atividade, com a distância
requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento; b) ter área
de trabalho de fácil alcance [35 a 45 cm] e visualização pelo trabalhador; c)
ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e movimentação
adequados dos segmentos corporais”24.
Percebe-se que a intenção da norma é permitir a
concepção do mobiliário adaptado às características do trabalho e do
trabalhador. Assim, para que se possibilite a realização das tarefas em
condições de conforto, deve-se proporcionar flexibilidade de posturas
e possibilidade de regulagem do mobiliário de forma a permitir a
adaptação às características antropométricas do trabalhador.
Assim, o mobiliário deve ser concebido com regulagens
que permitam ao trabalhador adaptá-lo às suas características
antropométricas (altura, peso, comprimento das pernas e dos
23 Um assento pedestal consiste em um banco de altura ajustável (65 a 85 cm) e inclinado
entre 15 a 30 graus, o que permite a assunção de posturas semi-apoiadas, que aliviam o
estresse sobre as pernas.
24 ABRAHAO; ASSUNÇÃO, 2002, p. 38-45.
22
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
23
Para a realização de trabalho manual sentado ou que tenha
de ser feito em pé, deve ser proporcionado mobiliário que atenda
aos itens 17.3.2, 17.3.3, 17.3.4 e alíneas da Norma Regulamentadora
17 do Ministério do Trabalho e Emprego e que permita variações
posturais, com ajustes de fácil acionamento, de modo a prover espaço
suficiente para o conforto do usuário, atendendo, no mínimo, aos
seguintes parâmetros:
a) as dimensões antropométricas devem ser tomadas
considerando, no mínimo, 95% da população brasileira;
b) mesas com profundidade de, no mínimo, 90 cm, e
largura de, no mínimo, 100 cm que proporcionem zonas de alcance
manual do material e dos equipamentos de trabalho até, no máximo,
65 cm de raio, medidas centradas nos ombros do usuário em posição
de trabalho;
c) mesas reguláveis em altura de, no mínimo, 64 a 98 cm,
medidas de sua face inferior, para colocação do terminal de vídeo,
documentos e equipamentos, com bordas arredondadas, sem quinas
e sem canaletas plásticas que ultrapassem a superfície da madeira para
evitar desconforto e compressão de tecidos ao apoiar os antebraços;
d) superfícies para teclado e mouse independentes do
monitor, com regulagem de altura entre, no mínimo, 64 e 98 cm e
espaço para apoio dos antebraços e movimentação do mouse;
e) facilidade de disposição, acesso e organização dos
diferentes equipamentos e documentos utilizados na execução do
trabalho;
para vídeo;
f) superfície e mecanismo de regulagem independentes
g) espaço sob a mesa de trabalho com profundidade
mínima de 45 cm ao nível dos joelhos e de 70 cm ao nível dos pés;
h) disponibilidade de apoio para os pés de altura regulável,
adaptável ao comprimento das pernas do usuário, permitindo o apoio
das plantas de ambos os pés, com largura de 30 a 40 cm, inclinação
entre 10 e 20 graus com a horizontal e superfície revestida de material
24
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
antiderrapante;
i) disponibilidade de suporte para documentos que fique
à altura do monitor;
j) telas de vídeo dotadas de mecanismos que permitam
regulagens ao correto ajuste do monitor à iluminação do ambiente,
de forma a assegurar, também, que a parte superior da tela esteja
situada na altura dos olhos, formando um cone em torno de 30 graus
posicionada a uma distância que varie entre 40 a 60 cm dos olhos, não
ultrapassando o limite de 70 cm;
l) assentos dotados de:
l.1) apoio em 05 (cinco) pés, com rodízios cuja resistência
evite deslocamentos involuntários e que não comprometam a
estabilidade do assento;
l.2) revestimento com material que permita a perspiração;
l.3) estofamento da base com material de densidade
mínima de 50 Kg/cm³;
l.4) alturas ajustáveis em relação ao piso por mecanismo
de fácil manuseio, a gás ou similar, com intervalo de 37 a 50 cm;
l.5) profundidade útil de 38 a 44 cm;
l.6) borda frontal arredondada;
na base;
l.7) características de pouca ou nenhuma conformação
l.8) encosto com forma levemente adaptada ao corpo
para proteção da região lombar, separado do assento, com regulagem
de altura e inclinação ântero-posterior.
Caso não haja mesa regulável e espaço para antebraços
no próprio plano de trabalho, as cadeiras devem ser dotadas de apoio
para antebraços de material macio, com regulagem de altura.
Ainda, devem ser adotadas outras providências em
relação ao mobiliário:
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
25
a) será necessário avaliar a adequação de um protótipo de
todos os móveis, em seus diferentes modelos, antes da aquisição final,
com participação da equipe de saúde, onde houver, e, principalmente,
dos trabalhadores envolvidos, que deverão testá-los;
avaliação de desempenho e organização do trabalho.
b) em caso de pessoas com necessidades especiais
e aquelas cujas medidas antropométricas não sejam atendidas
pelas especificações supra, o mobiliário dos postos de trabalho
deve ser adaptado para atender às suas necessidades, e devem ser
disponibilizadas ajudas técnicas necessárias para que se permita
facilitar sua integração ao trabalho, levando em consideração as
repercussões sobre a saúde destes trabalhadores;
c) os empregados devem ser orientados para a correta
utilização dos mecanismos de ajuste do mobiliário;
d) devem ser realizadas campanhas acerca da importância
da ergonomia no trabalho;
e) devem ser garantidas a manutenção e a reposição do
mobiliário, com a participação dos trabalhadores no processo de
decisão de compra do mesmo.
Ainda com relação à altura do assento, deve ser definida
de forma que: proporcione o conforto dos membros inferiores (os
pés estejam bem apoiados sobre o solo, sem haver compressão das
coxas25) e superiores, assim como o conforto visual (determinado
pela distância entre o olho e o plano de trabalho, das características
da atividade e da acuidade visual do trabalhador)26.
Deve ser observado que toda introdução de novos
métodos ou dispositivos tecnológicos que traga alterações sobre
os modos operatórios dos trabalhadores deve ser alvo de análise
ergonômica prévia das repercussões sobre as formas e carga de
trabalho daqueles, prevendo-se períodos e procedimentos adequados
de capacitação e adaptação, incluindo reformulação de métodos de
25 Para adaptar o posto de trabalho a todos, deve ser disponibilizado suporte para os pés
para os que têm estatura menor, com inclinação de, no máximo, 20º, não devendo ser uma
barra fixa.
26 BRASIL, 2001.
26
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
RECOMENDAÇÕES ERGONÔMICAS
FLEXIBILIDADE POSTURAL
PARA
A integração das questões de saúde e segurança nos
processos produtivos é um marco para a construção de ações
preventivas e educativas visando à transformação das situações
de trabalho. Com isso, todos os envolvidos são beneficiados: os
trabalhadores têm a saúde preservada, melhoram a qualidade de
vida e o bem-estar e obtêm satisfação no trabalho; os empregadores
aumentam a produtividade e competitividade com a diminuição das
interrupções no processo e a redução do absenteísmo, dos acidentes
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
27
e das doenças ocupacionais; o governo, por sua vez, gera empregos
sustentáveis, em boas condições; e a sociedade se beneficia com a
redução do ônus social. Desta forma, deve ser dado o mesmo nível
de importância para as questões de qualidade, segurança, saúde
ocupacional e meio ambiente do trabalho.
Como visto, qualquer postura, desde que mantida
prolongadamente, é mal tolerada pelo corpo humano. A alternância
de postura deve ser sempre privilegiada, pois permite que os músculos
não se fatiguem. E é o próprio trabalhador quem deve livremente
escolher a postura a ser adotada, em constante alternância (em pé,
sentado), diante da exigência momentânea da tarefa.
Percebe-se que a permanência prolongada na postura em
pé pode ter influência no desencadeamento e/ou no agravamento
de sinais e sintomas referentes aos transtornos circulatórios (varizes,
ocorrência de dor, sensação de peso ou cansaço, câimbras e edema,
entre outros) nos membros inferiores.
Importante destacar que a orientação de uma postura ou
a prescrição de um assento, sem se considerar a situação em que a
atividade se desenvolve, pode gerar conflitos, entre os quais a adoção
de posturas estereotipadas e a não utilização do mobiliário prescrito.
Ainda, em inúmeras situações de trabalho, apesar de disponível, o
assento não é utilizado pelos trabalhadores, pois a falta de cultura
em saúde e segurança laborais podem gerar resistência às mudanças.
Daí a importância de se realizar um estudo ergonômico, avaliando as
características de cada atividade, além de promover a conscientização
dos trabalhadores para as boas práticas posturais.
Outro ponto relevante diz respeito aos aspectos
organizacionais que permitam o usufruto da melhoria das condições
materiais de trabalho propostas, pois uma rigidez excessiva na
organização laboral, com imposição de um ritmo artificial, neutraliza a
vida mental durante o trabalho, tornando o obreiro mais suscetível de
doenças. Muitas vezes a rigidez operativa do trabalho leva ao excesso
da carga psicológica, principalmente em atividades profissionais onde
são exigidas dos trabalhadores metas de produção27.
Portanto, para prevenir as desordens musculoesqueléticas
no local de trabalho, deve-se atentar às intervenções e soluções
ergonômicas: a partir da identificação dos fatores do local do
trabalho, dos aspectos individuais e tendo como base as pesquisas
epidemiológicas, podem ser instituídas medidas preventivas,
minimizando ou eliminando os fatores de risco.
É de salutar importância que haja mais conscientização
tanto por parte dos empregadores como dos trabalhadores com
relação à existência dos distúrbios musculoesqueléticos e vasculares,
bem como quanto às medidas conjuntas que devem ser adotadas para
que esses males sejam prevenidos.
Por todo o exposto, para minimizar a incidência dos
sintomas de origem circulatória nos membros inferiores em atividades
laborais que exijam a postura ortostática (em pé), o Ministério Público
do Trabalho recomenda, além da realização de análise ergonômica
primorosa nos postos de trabalho, a adoção das seguintes ações
preventivas e educativas:
posturas;
a) adaptação dos postos de trabalho para alternância de
b) para as atividades em que os trabalhos devam ser
realizados em pé, disponibilização de assentos para alternância de
postura nos horários de intervalos, em número compatível ao de
trabalhadores, em locais em que possam ser utilizados por estes
durante as pausas (item 17.3.5 da Norma Regulamentadora 17);
c) fornecimento de apoios para os pés;
d) alternância de tarefas entre aquelas que devem ser
desenvolvidas durante longos períodos na posição em pé e outras
que possam se executadas sentado;
e) redução das jornadas dos trabalhadores que trabalham
em pé, sem que haja comprometimento com a redução salarial;
27 JORGE, 2003.
28
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
29
f) desenvolvimento de campanhas de conscientização
dos trabalhadores sobre a importância da utilização dos assentos
nos intervalos naturais e os riscos à saúde pela permanência em pé
durante toda a jornada;
BRASIL. Nota Técnica 60/2001. Brasília: Ministério do Trabalho e
Emprego / Secretaria de Inspeção do Trabalho, 2001.
g) fornecimento, como equipamento de proteção
individual, de meias de compressão elásticas, após análise da
viabilidade técnica deste EPI;
FRANÇA, Luiz Henrique Gil; TAVARES, Viviane. Insuficiência Venosa
Crônica: Uma Atualização. São Paulo: Jornal Vascular Brasileiro, v. 2,
n. 4, p. 319-328, 2003.
h) por fim, não permissão, não tolerância e não submissão
dos trabalhadores, por meio de seus superiores hierárquicos, a
situações de constrangimento ou proibição, ainda que velada, à
utilização de assentos nas pausas permitidas ou nos momentos de não
atendimento ao público (em caso de estabelecimentos comerciais).
BIBLIOGRAFIA
ABRAHAO, Júlia Issy.; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. A Concepção
de Postos de Trabalho Informatizados Visando à Prevenção de
Problemas Posturais. Revista de Saúde Coletiva da UEFS, Feira de
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Dimensão para Promover a Saúde dos Trabalhadores: O Caso do
Setor de Alimentos e Bebidas. Revista Brasileira Fisioter, v. 14, p. 52-59,
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PEREIRA, Alexandre Demetrius. Tratado de Segurança e Saúde
Ocupacional. Aspectos Técnicos e Jurídicos. São Paulo: LTr, v. IV, p. 111/115.
GRANDJEAN, Etienne. Manual de Ergonomia: Adaptando o Trabalho
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Produto: Antropometria, Fisiologia e Biomecânica, 5. ed., Porto
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Catarina. Dissertação de Mestrado. 2003. Disponível em: <https://
repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/85414/229235.
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pagina_saude_do_trabalhador_1255004550>. Acesso em: 19 jul.
2013.
BRASIL. Manual de Aplicação da Norma Regulamentadora nº 17. Brasília:
Ministério do Trabalho e Emprego / Secretaria de Inspeção do
Trabalho, 2. ed., 2002.
30
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
31
AUDITORIA FISCAL DO TRABALHO:
COMPROMISSO COM O TRABALHO
DIGNO
Benedito de Lima e Silva Filho1
Luize Surkamp2
O conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil
deixou, a bem pouco tempo, de se limitar à restrição da liberdade de
ir e vir dos trabalhadores, para ter uma abrangência multifacetada,
consoante com as diretrizes da Lei Maior. Com efeito, analisando
os Direitos Fundamentais dos trabalhadores brasileiros, pretende-se
demonstrar que o fenômeno do trabalho análogo ao de escravo e,
portanto indigno, se materializa quando ocorrem sérias restrições às
liberdades substantivas, ou seja, inicia-se quando as irregularidades
trabalhistas deixam de constituir simples descumprimento de
normas e passam a afrontar os Direitos Humanos, notadamente
nos desdobramentos constituídos pelos Direitos Fundamentais dos
trabalhadores.
Este artigo pretende enfocar de forma mais destacada
que a ocorrência do trabalho análogo ao de escravo no Brasil tem
embutido na sua gênesis não apenas fatores provocados pelos
empregadores, mas também restrições às liberdades substantivas que
na sua maioria são de responsabilidade do Estado. Tal conceito vai de
encontro à visão anterior, na qual o trabalho análogo ao de escravo
exigia apenas a presença de condições tradicionais como a restrição
1 Auditor Fiscal do Trabalho
2 Auditora Fiscal do Trabalho
32
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
33
do direito de ir e vir, trabalho forçado, servidão por dívida e vigilância
armada.
Uma vez que as restrições das liberdades podem ser
causadas tanto pela sociedade civil quanto pelo Estado, pretende-se
demonstrar que o trabalho análogo ao de escravo estudado sob o
aspecto destas restrições confere maior amplitude à análise e aumenta
o leque de atores responsáveis pela existência deste fenômeno, e que
é dever da auditoria fiscal do trabalho, além de exercer seu papel
fiscalizador, identificar suas causas e atuar sobre as mesmas, com a
participação de outras instituições e órgãos do Estado, se necessário,
com o fito de fazer surgir o trabalho digno em seu lugar.
A correlação de trabalho análogo ao de escravo com as
restrições das liberdades suscita uma discussão mais aprofundada
sobre as capacidades dos trabalhadores e como as suas necessidades
são asseguradas, pois estas estão fortemente ligadas à qualidade de
vida e às liberdades substantivas.
Tomando como referência o pensamento de Sen (2007),
a liberdade individual é essencialmente um produto social e exige
uma relação de mão dupla entre as disposições sociais que visam
expandir as liberdades individuais e o seu uso, não só para melhorar a
vida de cada um, mas também para tornar as disposições sociais mais
eficientes e eficazes.
Segundo o mesmo autor, ao se estudar um fenômeno sob
o enfoque das restrições das liberdades, não se pode esquecer que as
liberdades substantivas têm um viés tanto social quanto econômico.
Dentro desta ótica, o Estado pode ser parte importante na existência
do trabalho análogo ao de escravo, uma vez que no campo social,
em última instância, é o responsável pela garantia da educação, da
saúde, da moradia e da segurança e, no campo econômico, responde
como indutor do crescimento, gerenciador do mercado de trabalho
e moderador das relações deste com o capital. É mister enfatizar que
no Brasil o Estado é na maioria das vezes o principal financiador de
projetos onde ocorre trabalho indigno.
Seguindo este raciocínio, pode-se vislumbrar uma forte
34
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
correlação entre a existência do trabalho análogo ao de escravo e a
privação das liberdades substantivas, pois, o que as pessoas conseguem
realizar está umbilicalmente ligado às oportunidades econômicas,
às liberdades políticas, às atuações das organizações sociais e às
condições habilitadoras, como melhores condições de saúde, uma boa
educação e incentivo às iniciativas de aperfeiçoamento profissional e
educacional. Este raciocínio, por sua vez, levaria à conclusão de que o
Estado pode ser um dos indutores do fenômeno do trabalho análogo
ao de escravo, ao não assegurar de forma generalizada os elementos
básicos de afirmação da cidadania, de defesa contra a exploração dos
trabalhadores e de capacitação dos trabalhadores para a sua própria
defesa contra a exploração.
Para Sen (2007) as oportunidades sociais estão
inequivocamente relacionadas com as ações do Estado, uma vez que
se referem às necessidades básicas dos indivíduos, e que influenciam
claramente a qualidade da vida de cada um. As oportunidades sociais
influenciam tanto a vida privada como a participação do cidadão na
sua comunidade. Assim, um analfabeto terá grande dificuldade para
participar do mercado de trabalho no qual se exija conhecimentos que
não possui. Da mesma forma, será limitado seu poder para interferir
politicamente na comunidade, especialmente pela dificuldade de
acessar informações.
Depreende-se desta abordagem das liberdades
instrumentais que a criação de oportunidade e a capacitação dos
cidadãos através, por exemplo, da oferta de educação pública, de
serviços de saúde, de liberdades políticas e de imprensa podem
contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida e,
em consequência, para a redução do trabalho indigno.
Resta, portanto, verificar se os elementos presentes na
gênesis do trabalho análogo ao de escravo no Brasil têm origem nas
restrições das liberdades substantivas e se estas são suficientes para
caracterizar o fenômeno acima referido.
Com esse intuito, escolheram-se variáveis que refletissem
os direitos fundamentais dos trabalhadores e elaborou-se uma
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
35
plataforma de coleta de dados que foi aplicada em campo pelos
Grupos Especiais de Fiscalização Móvel de combate ao trabalho
análogo ao de escravo – GEFM, do Ministério do Trabalho e
Emprego. A seguir, utilizou-se um programa estatístico de domínio
público bastante aplicado nas ciências médicas, chamado EPI info
para tratar os dados.
para pessoas que possuem de 4 a 7 anos de estudos é de 28,2%, e
o percentual de pessoas sem instrução ou com menos de um ano
de estudo é de 10,2%, ao passo que os índices alcançados pelos
trabalhadores resgatados para trabalhadores analfabetos é de 25,7%.
ANÁLISE DOS DADOS
Pode-se constatar que a reta de regressão linear traçada
entre trabalhadores escravos e nível de escolaridade apresenta
um coeficiente angular negativo, o que significa que à medida que
aumenta a escolaridade, diminui a incidência de trabalho análogo ao
de escravo. Haja vista que, principalmente após a 5ª série de estudo,
a incidência de trabalhadores resgatados é insignificante (15,7%)
dentro do universo pesquisado.
No Brasil, segundo dados do Ministério do Trabalho e
Emprego, no ano de 2009, foram resgatados em condições análogas
às de escravo 3.763 (três mil setecentos e sessenta e três) trabalhadores
e em 2010, até agosto, mais 1.366 (um mil e trezentos e sessenta e
seis) trabalhadores.
A coleta de dados utilizados neste artigo iniciou-se a partir
de maio de 2009 e encerrou-se em agosto de 2010. Deste universo
foram entrevistados 379 (trezentos e setenta e nove) trabalhadores
os quais trabalhavam em atividades como roço de juquira, corte de
pinus, corte de erva-mate, corte de cana e outras. As entrevistas foram
realizadas nas mais diversas regiões do Brasil. (Sul, Norte, Nordeste).
Ao serem tratados os dados constante da planilha de
coleta de dados constatou-se que 61,7 % dos trabalhadores começaram
a trabalhar antes de completarem 14 anos; 23,5% iniciaram as suas
atividades laborais entre 14 e 16 anos de idade; 12,7% começaram
a trabalhar entre 16 e 18 anos; apenas 2,1% dos trabalhadores
começaram a trabalhar na idade adulta, acima de 18 anos.
Quanto ao nível de escolaridade dos trabalhadores
resgatados em condições análogas às de escravo verificou-se que
84,3% dos trabalhadores resgatados estudaram somente até a 5ª Série
do primeiro grau. O percentual de 84,3% referente aos trabalhadores
resgatados que estudaram somente até a quinta série é muito superior
à média nacional, que segundo dados divulgados pela PESQUISA
NACIONAL DE DOMICÍLIO - PNAD, do IBGE, em 20083,
Ao se fazer a correlação entre as variáveis trabalho
análogo ao de escravo e o nível de escolaridade, constatou-se que há
uma dependência entre elas no percentual de 62,3%.
Constatou-se também que devido ao baixo grau de
escolaridade dos trabalhadores encontrados em condições análogas às
de escravo, apenas 5,3% deles detém algum tipo de profissionalização.
Ao se analisar as fichas de dados dos trabalhadores resgatados
verificou-se, como era de se esperar, que os trabalhadores que fizeram
cursos profissionalizantes são aqueles que estudaram além da 8ª série.
Diante destes dados, pode-se inferir que o início precoce
de atividade laboral leva a um baixo nível de escolaridade.
A baixa escolaridade aliada à falta de capacitação
profissional que os habilite a um trabalho que os remunerem melhor
faz com que cerca de 38,2% dos trabalhadores resgatados tenham
renda familiar abaixo de um salário mínimo.
Os dados coletados relativos à moradia dos trabalhadores
resgatados em condições análogas à de escravo refletem a baixa renda
dos trabalhadores, pois apenas 47,8% deles possuem casa própria.
Verificou-se através da análise de dados que a baixa
renda dos trabalhadores reflete-se no seu cotidiano, pois em 19,4%
das moradias o piso é de chão “batido” e cerca de 67,6% das casas
3 <http://downloads.uol.com.br/windows/educativos/pnad2008sintese.jhtm>. Acesso
em: 17 out. 2009.
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possuem no máximo 4 (quatro) cômodos.
todo o seu conteúdo.
Constatou-se também que, apesar de existirem no Brasil
alguns programas de proteção social como bolsa família, bolsa escola,
vale gás e outros, 68,2% dos trabalhadores resgatados não estão sendo
alcançados por estes programas.
Diante dessas considerações, a conclusão a que se chega,
à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, é a de que o Estado
deve garantir as condições mínimas para que as pessoas possam se
desenvolver e tenham chances reais de assegurar por si próprias
suas dignidades. Esta é a idéia corrente de igualdade de chances
ou igualdade de oportunidades. As capacidades adquiridas através
das ações do Estado deixam de ser, segundo este prisma, objetivos
finais da sociedade para se apresentarem como meios de combate
ao trabalho indigno, passando a figurarem como instrumentos pelos
quais os cidadãos evitarão a superexploração do trabalho pelo capital.
CONCLUSÃO
A Auditoria Fiscal do Trabalho pretendeu através deste
estudo analisar os fatores presentes na gênesis do trabalho análogo ao
de escravo e mostrar que além de exercer o seu papel de fiscalizador,
deve também procurar entender os fenômenos que fiscaliza e mostrar
como solucioná-los para assegurar condições necessárias para que o
trabalho seja exercido em condições dignas.
Ao serem tratados os dados coletados, verificou-se que
a rede de proteção social provida pelo Estado não está alcançando
adequadamente os cidadãos de baixa renda e baixa escolaridade que
vivem nas regiões mais distante dos centros urbanos, ou está sendo
insuficiente para fortalecer seus mecanismos de defesa contra a
superexploração patronal que visa maximizar lucros a qualquer custo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. 6. Ed. São Paulo:
Companhia das letras, 2000
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de
outubro de 1988: Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Senado Federal, 1988.
Analisando o fenômeno do trabalho análogo ao de
escravo pela ótica da privação das liberdades, conclui-se que o Estado
tem um papel muito mais amplo e preponderante no combate do
trabalho análogo ao de escravo do que se poderia supor; não apenas
exercendo seu poder de polícia em relação aos empregadores
no tocante ao cumprimento das leis trabalhistas, mas também (e
talvez principalmente) assegurando de forma efetiva os direitos
fundamentais dos cidadãos.
Deste modo, a não realização dos atos compreendidos
nesse mínimo constitui violação ao princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, podendo-se acionar judicialmente o
Estado para efetivação dos direitos sociais violados, resguardando-se
as liberdades. E, neste caso, não é possível ponderar um princípio,
especialmente o da dignidade da pessoa humana, a ponto de esvaziar
38
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
39
A DIMENSÃO QUALIFICADA DO MEIO
AMBIENTE DO TRABALHO
Carlos Alberto Costa Peixoto1
Aline Fonseca Franco da Silva2
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo ressaltar a dimensão
superqualificada do Meio Ambiente do Trabalho, demonstrando sua
natureza, seus princípios, a forma de sua tutela e proteção e regimes
incidentes. Buscou-se definir o objeto do estudo e apresentar sua
fundamentação legal e doutrinária, adentrando nos temas correlatos
à compreensão do objeto principal, quais sejam, a caracterização dos
direitos difusos e a força normativa dos princípios, com destaque para o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Palavras-chave: Dimensão qualificada. Meio ambiente do trabalho.
Princípio da proteção. Dignidade da pessoa humana.
Abstract: In this study was aimed to highlight the overqualified dimension
of Labor Environment, evidencing its nature, its principles, the form of
guardianship and protection, and incident regimes. It was sought to define
the object of study and present its legal and doctrinal reasons, scrutinizing
topics related to the understanding of the main subject, namely, the
characterization of diffuse themes and normative force of legal principles,
especially the principle of Human Dignity.
Keywords: Qualified dimension. Labor Environment. Principle of
protection. Human dignity.
1 Procurador do Trabalho da PRT 3ª Região. Mestre em Direito e Instituições Políticas
pela Universidade FUMEC.
2 Advogada graduada pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
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INTRODUÇÃO
O Meio Ambiente do Trabalho é um dos temas mais
atuais do Direito, inserido no campo de abrangência do Direito
Material Coletivo do Trabalho e, por se tratar de tema de caráter
eminentemente transindividual, recebe especial atenção e proteção
dos órgãos legitimados a tutelar os direitos difusos e coletivos (art.
5º da Lei 7.347/85), sobretudo do Ministério Público do Trabalho.
Constitui-se, aliás, num dos pilares de atuação deste ramo do
Ministério Público e numa de suas metas institucionais.
O presente artigo tem o escopo de descrever e analisar
as multidimensões do Meio Ambiente do Trabalho, delineando a sua
natureza, os princípios que lhe são aplicáveis, o regime jurídico
incidente, abordando, ainda, a questão da responsabilidade civiltrabalhista do empregador pela garantia da higidez e segurança do
meio ambiente de laboral.
Muito embora o Meio Ambiente seja um conceito
unitário, a doutrina o fraciona em quatro “aspectos” distintos: meio
ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho - este último, sendo
o objeto central do presente artigo. Tal classificação tem por objetivo
imediato identificar a atividade degradante e o bem imediatamente
agredido.
Neste sentido, o Meio Ambiente do Trabalho, ao se
enquadrar no conceito de Meio Ambiente, se submete aos princípios
norteadores da matéria, dentre eles, os princípios da prevenção e da
precaução.
O presente trabalho pretende demonstrar quão amplo
e difuso configura-se o meio ambiente do trabalho - sua dimensão
qualificada-, cujo traço tipificador por excelência é seu estado
potencial de fazer irradiar sua tutela protetiva e seus efeitos para
fora do espaço jurídico apenas da relação de emprego, bem como
para fora do espaço físico do estabelecimento empresarial (do
empregador).
A ideia de meio ambiente do trabalho não se limita à
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figura do empregado e ao local onde este desenvolve suas atividades de
trabalho, mas pode abranger todas as pessoas que ali estão presentes,
quaisquer que sejam as qualidades jurídicas e vínculos jurídicos
que ostentem, sejam celetistas, aprendizes, estagiários, terceirizados
ou autônomos, dentre outros, todos direta ou indiretamente
tuteladas pelos princípios e normas que regem o Meio Ambiente
do Trabalho. Qualquer cidadão que adentre o meio ambiente do
trabalho é protegido pelas normas que o tutelam, ainda que por via
reflexa. Ademais, o Meio Ambiente do Trabalho vai muito além dos
limites físicos de um estabelecimento empresarial, assumindo uma
projeção ampla e difusa (dimensão transcendente do espaço físico
do estabelecimento - ex. 1 - acidente de trabalho que ocorre fora
das edificações do estabelecimento empresarial; ex. 2 - teletrabalho).
É possível compreender o meio ambiente do trabalho
como “ambiência do trabalho”. Para ilustrar esse atributo do meio
ambiente laboral, qual seja, o de transcender os limites físicos do
estabelecimento do empregador, citamos recente decisão proferida
pelo Superior Tribunal de Justiça, que acaba de reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho para apreciar Ação Civil
Pública que pretende proibir uma empresa de fabricar prensas mecânicas
fora dos padrões de segurança (decisão proferida em sede conflito de
competência no STJ, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão).
Trata-se de uma supertutela inibitória: inibir a produção de um
equipamento, ainda na linha de produção fabril, quando se comprova
que o mesmo não atende às normas técnicas de proteção do trabalho
humano e que poderia causar futuros danos quando instalados no
estabelecimento empresarial (do empregador).
Finalmente, é importante mencionar que as normas que
protegem o meio ambiente do trabalho tutelam tanto os aspectos
materiais desse tipo de meio ambiente, como por exemplo, o nível
de ruído, iluminação, ventilação etc.; quanto os aspectos imateriais,
como no caso dos direitos da personalidade dos trabalhadores,
cuja violação mais comum na seara trabalhista ocorre através do
fenômeno do assédio moral.
Na questão da proteção do Meio Ambiente Laboral
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é importante destacar, ainda, a espécie e grau de responsabilidade
civil-trabalhista do empregador ou tomador de serviços quanto à
preservação da saúde, higiene e segurança do ambiente de trabalho
em sua mais difusa projeção, destacando o caráter qualificado do
Meio Ambiente do Trabalho.
PANORAMA HISTÓRICO
Para se falar em meio ambiente do trabalho, devese, antes de tudo, voltar os olhos para os primórdios do cenário
trabalhista, mais especificamente de meados do século XVIII ao início
do século XIX. Neste período, vigorava o modelo do liberalismo
político, que tinha como máxima a não intervenção do Estado nas
relações individuais, coroando princípios como o do individualismo
e do materialismo, além dos princípios da livre iniciativa e da livre
concorrência, que culminariam num inevitável desenvolvimento
futuro do modelo capitalista.
Esse cenário econômico regido pelo incipiente
consumismo e pela intensa atividade industrial, em que tudo seria
descartável e facilmente substituível, fez com que essa concepção
aplicada à produção e ao comércio se estendesse também à pessoa
do trabalhador e às condições de trabalho a que ele era submetido.
Nessa época, a Inglaterra não tutelava a segurança do trabalho.
Praticamente não existia literatura jurídica sobre temas de proteção
à saúde e segurança dos trabalhadores – embora não podemos deixar
de citar que o italiano Bernadino Ramazzini, em 1700, publicou,
isoladamente, uma obra intitulada “As doenças dos trabalhadores”,
relatando casos de pessoas que adoeciam por conta do trabalho.
Na contramão dessa condição de mercadoria em que
se encontrava o trabalhador, sujeito às condições mais adversas e
penosas de trabalho, é que, no início do século XX, puderam ser
verificadas algumas iniciativas em favor de sua proteção. O grande
marco na defesa dos direitos dos obreiros surge com a criação da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, organismo
internacional que desempenha papel relevante na defesa de melhores
e mais dignas condições de trabalho.
Da concepção embrionária das leis trabalhistas de caráter
individual, no início, passando pela evolução do Direito Coletivo do
Trabalho, que já era uma concepção muito avançada para o Direito à
época em que foi elaborado, até chegar-se à percepção de que existiam
direitos difusos, transindividuais, cujos sujeitos são indetermináveis,
decorreram séculos de evolução jurídica, evolução essa que já foi
sistematizada por autores como “ondas de renovação do Direito”.
Seguindo essa linha, não é possível compreenderse o Meio Ambiente do Trabalho sem compreender a teoria dos
direitos difusos, na medida em que o direito a um meio ambiente do
trabalho hígido, íntegro e seguro constitui-se num direito difuso,
por excelência.
Nesse contexto de prosperidade do capitalismo, a classe
trabalhadora encontrava-se em uma situação de extrema penúria,
não possuindo quaisquer garantias ante os detentores dos meios
de produção. Era o que se poderia chamar de “mercadorização”
do trabalhador, na medida em que a sua força de trabalho era vista
como simples mercadoria, facilmente amoldada às regras da oferta e
da procura.
A TEORIA DOS DIREITOS DIFUSOS
A exemplo disso, em 1837, a Justiça inglesa julgou
o famoso caso PRIESTLEY X FOWLER, envolvendo acidente
trabalhista ocorrido em uma indústria. Na ocasião, Priestley teve seu
braço amputado por causa de acidente de trabalho e processou seu
empregado por negligência, não tendo obtido êxito na demanda.
Importa, neste momento, fazer uma breve digressão
acerca do conceito e das características dos direitos difusos para
embasar a fundamentação da natureza qualificada do Meio Ambiente
do Trabalho. O Código de Defesa do Consumidor definiu o interesse
difuso, em seu art. 81, parágrafo único, I, nos seguintes termos: “I
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- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeito deste
Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de
fato [...]”.
Conforme a lição de Smanio, os interesses difusos
podem ser conceituados como:
[...] interesses metaindividuais, essencialmente indivisíveis,
onde há uma comunhão de que participam todos os
interessados, que se prendem a dados de fato, mutáveis e
acidentais, de forma que a satisfação de um deles importa na
satisfação de todos e a lesão do interesse importa na lesão
a todos os interessados, indistintamente. (Apud SANTOS,
2003, p. 86)
A seu turno, Prade conceitua como interesses difusos:
[...] os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas ligadas
por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial
identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas
entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num
quadro de abrangente conflituosidade. (Apud SANTOS,
2003, p. 86)
Mancuso, por sua vez, citado por Smanio (2007, p.13),
aponta as seguintes características básicas dos direitos difusos: “a)
indeterminação dos sujeitos; b) indivisibilidade do objeto; c) intensa
conflituosidade; d) duração efêmera, contingencial”. E, finalmente,
Melo (2008, p. 30), considerado, no entender deste trabalho,
como o grande estudioso de Meio Ambiente do Trabalho, expõe
magistralmente:
A afirmação do Direito Ambiental como ramo do Direito
veio sedimentar a ideia de quebra da dicotomia direito
privado e direito público, porquanto esse novo ramo não
pertence nem a uma nem a outra espécie de direito, mas
a uma nova categoria autônoma do Direito. Constitui,
como diz Rui Carvalho Piva, “um ramo do direito coletivo
em sentido amplo, na sua espécie direito difuso”. O bem
ambiental, nessa visão, é o objeto do Direito Ambiental.
Quer no aspecto material quer no imaterial, diz respeito ao
valor maior do ser humano: a vida. Por isso, estabelece a
Carta Maior (art. 225, caput) que o meio ambiente é um
bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade
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de vida do ser humano, impondo ao Poder Público e à
sociedade organizada o dever de defendê-lo para as presentes
e futuras gerações. É o bem ambiental, portanto, um direito
de todos e de cada um ao mesmo tempo e, uma vez violado,
a agressão atinge toda a sociedade. No Direito do Trabalho,
o bem ambiental envolve a vida do trabalhador como
pessoa integrante da sociedade, devendo ser preservado por
meio da implementação de adequadas condições de trabalho,
higiene e medicina do trabalho. Cabe ao empregador,
primeiramente, a obrigação de preservar a proteger o meio
ambiente laboral e, ao Estado e à sociedade, fazer valer
a incolumidade desse bem. Nesse sentido, estabelece
a Constituição Federal de 1988 (art. 1º ao 170), como
fundamentos do Estado Democrático de Direito e da ordem
econômica os valores sociais do trabalho, a dignidade
da pessoa humana e o respeito ao meio ambiente.
Desrespeitado esse bem, fixa a Carta Maior a obrigação de
reparação em todos os seus aspectos administrativos, penais
e civis, além dos de índole estritamente trabalhista, como
previsto em outros dispositivos constitucionais e legais.
(Grifos nossos)
Arrematando sua digressão acerca do tema em questão,
Melo (2008), em outra passagem de sua obra, demonstra a natureza
difusa e qualificada do meio ambiente do trabalho:
O meio ambiente do trabalho adequado é um direito
fundamental do cidadão trabalhador (lato sensu). Não é
um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de
trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada
ao meio ambiente do trabalho, porquanto esta última busca
salvaguardar a saúde e segurança do trabalhador no ambiente
em que desenvolve as suas atividades. [...] De conformidade
com as normas constitucionais atuais, a proteção do
meio ambiente do trabalho está vinculada diretamente à
saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se
trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas
normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos
e coletivos. O Direito do Trabalho, por sua vez, regula
as relações diretas entre empregado e empregador, aquele
considerado estritamente. [...] Portanto, o Direito Ambiental
do Trabalho constitui direito difuso fundamental inerente
às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art.
196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos
e da sociedade organizada, conforme estabelece o art. 225 da
Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque
as consequências decorrentes da sua degradação, como, por
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exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão
imediata no campo individual, atinge, finalmente, toda a
sociedade, que paga a conta final. (MELO, 2008, p 28-29)
(grifo nosso)
Nessas poucas, mas muito bem colocadas palavras,
o autor deixa entrever a dimensão qualificada do meio ambiente
laboral, assunto que será tratado a seguir.
O MEIO AMBIENTE E A DIMENSÃO
QUALIFICADA DO MEIO AMBIENTE DO
TRABALHO
Nos termos do inciso I do artigo 3º, da Lei 6.938/81,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, o conceito
de Meio Ambiente é definido como “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Esta definição
trazida pela norma infraconstitucional está em consonância com o
conceito trazido pela própria Constituição da República, no caput do
artigo 225, o qual contempla todos os aspectos do Meio Ambiente
(natural, artificial, cultural e do trabalho).
Esse mesmo dispositivo constitucional afirma que
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”,
acrescentando que se impõe ao Poder Público e à coletividade o
“dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”.
Deste excerto extrai-se, de imediato, que todos
os direitos relativos ao meio ambiente são direitos difusos por
excelência, vez que o direito a um meio ambiente saudável e íntegro,
em todas as suas formas, é direito não só dos sujeitos preexistentes,
mas também daqueles que nem sequer nasceram.
educação ambiental em todos os níveis de ensino. Em resposta
a esse desígnio constitucional, foi promulgada a Lei 9795/99 –
Política Nacional de Educação Ambiental – estabelecendo diretrizes
para a compreensão do meio ambiente de uma forma integrada e
estimulando a participação da sociedade na promoção de condições
ambientais adequadas.
Citam-se, a título de exemplo, os artigos 4º e 5º da
referida Lei, em especial os incisos I de ambos, os quais explicitam o
caráter abrangente do meio ambiente. O inciso I do art. 4º aduz que
“o enfoque humanista, holístico, democrático e
participativo” é princípio básico da educação ambiental,
ao passo que o art. 5º, I consagra “o desenvolvimento
de uma compreensão integrada do meio ambiente
em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo
aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos” (BRASIL, 2009).
Tal enfoque é tomado como um dos objetivos
fundamentais da educação ambiental. Infere-se que as disposições
contidas nesses artigos refletem uma necessidade de mudança na
postura humana no que tange às relações com o meio ambiente,
dentre eles o do trabalho, e chancelam a ideia da projeção difusa do
meio ambiente.
O meio ambiente do trabalho, aspecto dos mais
relevantes no arcabouço genérico da moderna disciplina do Direito
Ambiental, pode ser definido, segundo Celso Antônio Pacheco
Fiorillo, como
o local onde as pessoas desempenham suas atividades
laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está
baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes
que comprometam a incolumidade fisicopsíquica dos
trabalhadores, independentemente da condição que
ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores
de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)
(FIORILLO, 2000).
Ainda no que dispõe o art. 225 da CR, o parágrafo
1º do inciso VI atribui ao Poder Público o dever de promover a
Como foi ressaltado anteriormente, é possível, ainda,
conceituar o meio ambiente do trabalho como a “ambiência” na
qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano. Essa ideia de
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ambiência não se aplica somente aos empregados, mas atinge todo
trabalhador que cede sua mão de obra e exerce sua atividade em
um ambiente de trabalho, não importa a natureza da sua vinculação
jurídica com o tomador – empregado direto, terceirizado, autônomo
etc. Também não se limita ao espaço físico do estabelecimento
empresarial, transcendendo-se para qualquer espaço físico
correlacionado ao trabalho em que o empregado esteja sob o
controle, direto ou indireto, do empregador, podendo estender-se,
inclusive, à própria moradia do trabalhador.
Neste contexto, nota-se que muitos trabalhadores
prestam seus serviços em locais distintos do prédio da empresa,
como nos casos de motoristas de transportes coletivos urbanos,
pilotos de aeronaves, carteiros, pessoas que trabalham no próprio
domicílio, eletricitários, etc. Todos esses são protegidos pelas normas
de proteção à saúde, segurança e higiene, naquilo que lhe forem
aplicáveis.
Importa também ressaltar que não só o meio ambiente
físico (controle dos níveis de iluminação, ventilação, ruído etc.),
mas todo o complexo de relações humanas da empresa, a forma
de gestão (vedação à “administração por stress”) e organização do
trabalho (vedação ao assédio moral organizacional), a duração da
jornada, os turnos, o ritmo e a intensidade da carga trabalho, as
pausas (ginástica laborativa), a satisfação dos trabalhadores, etc., se
consubstanciam em elementos do meio ambiente laboral, na medida
em que tais fatores representam o que se pode chamar de faceta
imaterial do meio ambiente do trabalho.
Neste sentido, a Convenção nº 155 da OIT, que trata
do meio ambiente do trabalho e de questões relativas à saúde e
segurança dos trabalhadores, dispõe em seu art. 3º que “a saúde
não se restringe apenas à ideia da ausência de doenças, mas
alberga, sobretudo, os elementos físicos e mentais que afetam
a saúde e que estão diretamente relacionados com a segurança
e higiene no trabalho” (grifo nosso).
Ademais, há de se salientar que o meio ambiente do
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trabalho adequado, seguro e hígido é, acima de tudo, um direito
fundamental do trabalhador e, como tal, vem previsto no texto
constitucional. A exemplo disso cita-se o art.1º, inciso III da
Constituição da República, que prevê a dignidade da pessoa humana
como um dos fundamentos da República, e o caput do art. 5º da
CR, que garante o direito à vida, à igualdade e à segurança. Insere-se
o Direito Ambiental do Trabalho no que dispõem tais artigos, na
medida em que este ramo do Direito tem por objeto primordial
a proteção à vida do cidadão trabalhador, ou de qualquer outro
cidadão que esteja inserido no meio ambiente de trabalho (princípios
da dignidade da pessoa humana e da igualdade), e a garantia de
condições seguras de trabalho (princípio da segurança).
A esse respeito, aduz Paulo Affonso Leme Machado:
O meio ambiente de trabalho como “macrobem” que
protege a vida em todas as suas formas assegura a toda
coletividade o direito a viver em ambiente que não ofereça
risco à saúde e à vida, o que destaca um direito fundamental.
Este significa, portanto, o direito a prestações positivas
do Estado à proteção ao meio ambiente do trabalho. As
conexões permitidas expressamente ou de forma implícita no
texto constitucional têm sua fundamentação na concreção
do princípio da dignidade da pessoa humana. (Apud BESSA,
2010, p. 562)
A ordem jurídica ambiental trabalhista possui
mecanismos de proteção contra o prejuízo pessoal do trabalhador,
contra o drama familiar e contra o peso sobre a sociedade, todos
causados pelo oneroso custo social e previdenciário resultante dos
inúmeros infortúnios laborais que acometem os trabalhadores. Não
sofrendo de doença ou acidente em virtude do exercício de suas
funções, o trabalhador tem garantida a sua qualidade de vida e dá
à sociedade menores encargos – gastos com previdência e saúde.
Nota-se, portanto, que a questão do meio ambiente do trabalho é,
sob qualquer perspectiva analisada, qualificada, difusa, coletiva e de
ordem pública.
Neste mesmo cenário, destaca-se, sobretudo, o que
dispõe o art. 7º quanto aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
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especialmente na dicção do inciso XXII, o qual prevê a “redução dos
riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e
segurança”. Este inciso traduz a responsabilidade pela proteção do
ambiente laboral como uma norma de ordem pública, preventiva,
que extrapola os limites do contrato de trabalho, manifestando-se
como um direito humano fundamental e, como tal, merecedor da
proteção dos Poderes Públicos e da sociedade.
O conceito de meio ambiente do trabalho reveste-se,
ainda, do atributo social, na medida em que a garantia de um ambiente
de trabalho seguro e sadio, constitui-se, mais que uma obrigação
decorrente da relação empregador-empregado, mas, sobretudo,
um dever de interesse social, uma norma de ordem cogente. Neste
contexto, dada a projeção social desse conceito, a relação de trabalho
passa a ter um enfoque constitucional, devendo ser analisada e regida
segundo os princípios da boa-fé objetiva, da função social da empresa
e da propriedade, da dignidade da pessoa humana e da isonomia.
Ademais, tamanha a sua projeção e importância, ao
abranger, em sua essência, direitos difusos, coletivos, individuais
homogêneos, o meio ambiente do trabalho deve, seguindo a esteira
da constitucionalização dos direitos trabalhistas, ser visto sob uma
óptica eminentemente constitucionalista.
Sob a perspectiva constitucional, o princípio da proteção
ganha destaque, mormente no que diz respeito à efetiva garantia de
um meio ambiente saudável e equilibrado no local de trabalho. O
interesse precípuo do Estado é, mais que assegurar o pagamento
ao trabalhador de adicionais pela precarização das condições de
trabalho (monetização dos riscos), promover meios de salvaguardar
um “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e uma “sadia
qualidade de vida” no ambiente laboral, conforme disposto no art.
225 da Constituição.
pois, que tal artigo reconhece expressamente a existência do Meio
Ambiente do Trabalho como um bem jurídico autônomo, digno de
guarda e tutela.
Quando se fala em meio ambiente de trabalho, devem
ser considerados, ainda, os princípios da prevenção e da precaução.
Tais princípios têm papel crucial na formação do direito ambiental,
na medida em que esse direito deve ser protegido de forma inibitória,
ou seja, o meio ambiente, em especial o do trabalho, deve ser
resguardado por meio de medidas antecipadas que sejam capazes de
evitar a ocorrência de danos ao trabalhador, sejam eles de caráter físico
ou moral, reduzindo riscos concretos e obstando possíveis ameaças
à integridade do obreiro. Conforme já mencionado anteriormente,
o STJ, em decisão recente no Conflito de Competência nº 118.763
- PR (2011⁄0205584-1), compreendeu que é possível ajuizar ação
civil pública perante a Justiça do Trabalho para proibir a venda ou
fabricação de equipamentos e máquinas de trabalho que não estejam
em consonância com as normas de proteção ao trabalho.
Ainda com relação ao arcabouço normativo de proteção
que se concede ao meio ambiente, a legislação infraconstitucional
possui número vultoso de normas tutelando e resguardando o meio
ambiente, incluindo o do trabalho. A Lei nº 6.938/91 – Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente – é de suma importância para a
questão da imputação de responsabilidade civil por danos ambientais
e à saúde do trabalhador.
O §1º do art. 14 da Lei retromencionada preconiza que
“sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a
terceiros, afetados por sua atividade”.
Seguindo essa linha protetiva, a Constituição, em seu
art. 200, dispõe que “ao sistema único de saúde compete, além de
outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII – colaborar na proteção
do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. Observa-se,
Neste mesmo contexto, pode-se citar o disposto no
art. 19 da Lei da Previdência Social, que trata em seus parágrafos
acerca da responsabilidade do empregador pela adoção e uso de
medidas de proteção e segurança da saúde do trabalhador, além
da prestação de informações pormenorizadas sobre os riscos da
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atividade e dos produtos manipulados pelo trabalhador. Ademais,
impende destacar que este mesmo artigo previu, inclusive, a hipótese
de caracterização de contravenção penal, passível de punição com
multa, pela não observância das normas de segurança e higiene do
trabalho pela empresa.
Tais normas materializam, portanto, os princípios
ambientais da proteção, da precaução e da prevenção, preconizados
no caput do já citado art. 225 da Constituição da República,
traduzindo, inclusive a responsabilidade objetiva do empregador pelo
meio ambiente do trabalho, a qual será adiante delineada em tópico
próprio.
A rigor, a proteção do meio ambiente do trabalho
está indissociavelmente ligada à ideia da proteção à vida, à saúde e
à segurança do trabalhador. A garantia de um ambiente seguro e
hígido é, inclusive, corolário do princípio da dignidade da pessoa
humana, na medida em que o trabalhador, ao ter condições de
trabalho adequadas, tem resguardado seu bem mais precioso: a
manutenção da sua força de trabalho, de onde tira seu sustento e
seu meio de sobrevivência.
Ante a projeção do assunto, entende-se por dimensão
qualificada do Meio Ambiente do Trabalho a concepção de que, por
ser este uno e indivisível – características essenciais dos direitos
difusos –, sua tutela não segue as regras gerais de competência e
atribuição em razão da pessoa ou de uma matéria específica, vez
que, no caso do Meio Ambiente do Trabalho, o que se tutela não
são apenas direitos subjetivos, mas, sobretudo, valores, em especial
os valores vida, saúde e segurança do ser humano trabalhador, ou
de qualquer outro ser humano que esteja inserido naquele ambiente,
cujas eventuais agressões possam lhe causar danos.
A tutela do meio ambiente do trabalho não se faz
apenas em face de regras jurídicas, mas sim em face de princípios
jurídicos, especialmente do da Dignidade da Pessoa Humana, o
qual incide diretamente sobre o direito ambiental.
Em termos de meio ambiente do trabalho, deve-se utilizar
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a expressão “trabalho sem adjetivos” e, em matéria ambiental, a
proteção deve ser estendida a todos os trabalhadores, indistintamente.
Há, da mesma forma, de ser superada a visão monetarista do Direito
Ambiental do Trabalho, através da qual se prega o pagamento de
adicionais (de insalubridade, de periculosidade, de penosidade, etc.)
e rumar em busca de uma concepção mais preventiva e valorativa,
abrangente e difusa, que corresponda à grandeza dos direitos em
análise. Cita-se, para ilustrar a dimensão qualificada do meio ambiente
laboral, um caso prático.
CASO PARADIGMÁTICO
Determinada empresa multinacional X, grande
embarcadora de grãos no país, recebe diariamente em seu pátio
enorme quantidade de veículos (carretas), vindos de todas as partes
do estado, conduzidos por motoristas empregados de empresas
transportadoras (prestadoras de serviço) ou por motoristas
autônomos, que procedem à descarga dos produtos no porto seco
da embarcadora (empresa X), a qual, posteriormente, os remete
por transporte ferroviário aos portos nacionais (Porto de Santos, por
exemplo).
Tal empresa, ilustrativamente, dispõe de apenas um
empregado na guarita de entrada das suas instalações, para receber
centenas de carretas que em seu pátio aportam diariamente para
realizar a entrega das mercadorias (grãos de soja, milho etc.). As
filas de carretas que se formavam diariamente defronte à entrada da
empresa eram tão grandes que se iniciavam no seu pátio interno
(estacionamento) e se estendiam pela estrada vicinal, até chegarem às
rodovias estaduais. Em momentos de pico, as carretas paralisavam o
trânsito da rodovia (estadual/federal), tamanho o congestionamento
gerado, ficando os veículos particulares e outros veículos comerciais
que por ali trafegavam parados por horas, aguardando, até que as
carretas fossem atendidas na guarita da empresa e a fila se desfizesse.
Essa situação gerava inúmeros conflitos na estrada entre os transeuntes
e, não raro, a polícia rodoviária federal multava os veículos ali parados.
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A demora no atendimento era tão grande que os
caminhoneiros tinham que passar a noite inteira dormindo dentro
de seus veículos, aguardando o prosseguimento da fila, a passos
de tartaruga, sendo sempre alertados para o próximo atendimento
através de alto-falantes instalados no pátio pela empresa, que durante
toda a noite anunciava “o próximo a ser atendido”, perturbando-lhes
o sono.
Não bastasse isso, o pátio (onde os veículos ficavam
aguardando ser chamados) era um lugar caótico, coberto de
poeira (não pavimentado) em constante suspensão no ar, devido
ao contínuo movimento de caminhões, criando uma atmosfera
altamente insalubre, dificultando a respiração de todos que ali se
encontravam.
A supervisora, que fazia o atendimento, conversava
tapando a boca e o nariz com um lenço, tossindo constantemente.
Adentrando nas dependências da empresa, havia tamanha poeira
espalhada pelas instalações que a única atividade das faxineiras era
incessantemente limpar o chão, encardido e coberto com uma
espécie de lama. Era um trabalho interminável, em vista de tamanha
sujeira que, ininterruptamente, se formava.
a ocorrência de lesões disseminadas em massa e a desigualdade entre
os polos titulares dos interesses postos em conflito.
Os indivíduos lesados pela atitude violadora da citada
empresa X são indetermináveis, incluindo todos os motoristas
empregados das empresas transportadoras de grãos, prestadoras de
serviços, os autônomos que ali compareciam e os próprios empregados
da empresa, os motoristas anônimos da rodovia interditada, não
tendo sido possível precisar a quantidade ou a origem dos mesmos.
A indivisibilidade do objeto é justamente a saúde,
segurança e higiene de todos os trabalhadores, e de todas as pessoas,
que naquele ambiente se encontravam, prestando serviços ou apenas
de passagem, tanto os empregados da própria empresa multinacional
como os demais trabalhadores não empregados (sem vínculo
jurídico), os terceirizados, este próprio Procurador do Trabalho
que eventualmente inspeciona, in loco, o ambiente, ou seja, todas as
pessoas que, contínua ou temporariamente, permaneciam naquele
ambiente, independentemente do regime jurídico que ostentassem.
Não há vínculo jurídico entre as pessoas lesadas, mas vínculo fático
entre os titulares.
Durante a inspeção local, foi possível constatar, ainda,
a inexistência de sanitários e refeitórios em condições próprias no
local, que pudessem ser apropriadamente utilizados pelas dezenas de
caminhoneiros e motoristas ali estacionados, durante as longas horas
de espera nas filas. Sequer existia cantina apropriada também.
Por outro lado, a intensa conflituosidade gerada pela
violação fica clara quando se percebe que as lesões perpetradas
atingiam não só os trabalhadores lato e strictu sensu que ali executavam
suas atividades, como também a própria comunidade, os motoristas
que trafegavam pelas rodovias, os passageiros de ônibus em viagem,
etc., todos eles prejudicados pela constante paralisação do tráfego.
Destarte, o que pode ser extraído deste caso prático
é uma verdadeira aula de direitos difusos, da força normativa
dos princípios e da explicitação da dimensão qualificada do meio
ambiente do trabalho.
O caos causado pela empresa infratora teve como
consequência a atuação da Polícia Rodoviária Federal, que autuou e
multou muitos caminhoneiros e veículos parados na rodovia, o que
demonstra também a ocorrência de lesões disseminadas em massa.
Encontravam-se ali presentes todos os elementos que
caracterizam os direitos difusos, quais sejam, a indeterminabilidade
dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a existência de vínculo
apenas fático entre os titulares (motoristas autônomos, faxineira,
transeuntes da rodovia, etc.), potencial e abrangente conflituosidade,
Finalmente, a desigualdade entre os polos titulares dos
interesses postos em conflito ressalta à vista, quando se observa
o porte e o gigantismo da empresa com a hipossuficiência dos
trabalhadores ali em atividade.
56
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Percebe-se, do estudo do caso em comento, que à
primeira vista não haveria, do ponto de vista da lei estrita a obrigação
de a empresa multinacional prover condições seguras e higiênicas
naquele ambiente para motoristas que não fossem seus próprios
empregados, porque a formação jurídica corrente induz ao hábito de
se pensar e se diferenciar os trabalhadores por regime jurídico. Mas
há algo em comum a qualquer regime: o meio ambiente adequado à
saúde e integridade.
Aplica-se, ao caso estudado, a força normativa dos
princípios e a teoria da eficácia dos Direitos Humanos nas relações
interprivatos. Delgado (2004, p. 19) ensina que os Princípios de
Direito possuem força normativa própria e não mais apenas força
normativa supletória:
[...] Enfatize-se esse ponto: os princípios preservariam
sua função normativa supletória (função integrativa,
de modesta importância evidentemente, já que cabível
apenas em situações de defeitos – lacunas – nas fontes
normativas tidas como principais do sistema). Mas além
dela (e além da função interpretativa), os princípios
teriam ainda uma função normativa específica, própria,
resultante de sua dimensão fundamentadora de toda a
ordem jurídica. A função fundamentadora dos princípios
(ou função normativa própria) passa, necessariamente, pelo
reconhecimento doutrinário da sua natureza de norma
jurídica efetiva, e não simples enunciado programático não
vinculante. Isso significa que o caráter normativo contido
nas regras jurídicas integrantes dos clássicos diplomas
jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos) estaria
também presente nos princípios gerais de Direito. Ambos
seriam, pois, norma jurídica, dotados da mesma natureza
normativa. (grifos do autor)
Vê-se, portanto, que o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana e da Igualdade incidem diretamente no caso suprarrelatado.
Também se aplica, ao caso relatado, a teoria da eficácia horizontal dos
direitos humanos na relação interprivatos. Desse modo, considerando
que nas sociedades atuais existe uma ampla desigualdade de fato
entre os indivíduos, deve ser sustentada a teoria de plena vinculação
dos particulares aos direitos fundamentais, o que se aplica ao caso
em comento.
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
O Direito do Trabalho e o Direito Ambiental, portanto,
não só se interceptam, quando se trata de Meio Ambiente do
Trabalho, como comportam, com relação a seu destinatário final - o
homem - , objetivos símiles, quais sejam, protegê-los contra agressões.
Além disso, buscam ambos a melhoria das condições de vida do
homem-trabalhador e a sustentabilidade do processo produtivo.
Qual é a função primordial do Direito do Trabalho? É a de buscar
pela melhoria de condições de pactuação da força de trabalho na
ordem socioeconômica. A tutela legal do meio ambiente destina-se
a proteger o homem (visão antropocentrista – quando o homem
passa a ser prioridade na questão ambiental tem-se a aplicação do
antropocentrismo, que é o caso do Meio Ambiente do Trabalho),
inspirado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
DA
RESPONSABILIDADE
AMBIENTE DO TRABALHO
PELO
MEIO
Outro aspecto a ser analisado é a questão da
responsabilidade civil trabalhista. A responsabilidade pelo meio
ambiente é objetiva e solidária de todos aqueles que, por meio de sua
atividade causam danos ao meio ambiente ou potencializam a criação
de risco para o mesmo. No caso do meio ambiente do trabalho,
o empregador é o responsável por adotar condutas preventivas e
protetivas que garantam um ambiente laboral seguro ao desempenho
das atividades pelo trabalhador.
A questão da responsabilidade objetiva e solidária de
todos aqueles que, por meio de sua atividade, causem danos ao meio
ambiente ou potencializem a criação de risco para este, como dito
acima, aplica-se como luva também para os casos de terceirização e de
grupos econômicos. Todos aqueles que compõem a rede produtiva
responderão solidariamente pelos prejuízos perpetrados ao meio
ambiente do trabalho e à saúde e higiene dos trabalhadores,
conforme preceitua o art. 932, III e o art. 942, parágrafo único do
Código Civil.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
59
O empregador, em princípio, é o responsável pelo meio
ambiente onde seus trabalhadores exercem suas atividades. Mas no
caso dos terceirizados, ilustrativamente, o empregador prestador de
serviços não pode colocar sinalizações ao meio ambiente que ele não
tem acesso. A Primazia da Realidade aplica-se aqui. As atividades
são cumpridas no ambiente do tomador e este deve dar a mesma
proteção aos seus empregados e aos terceirizados.
A CLT, em seu art. 157, atribui às empresas o dever de
“cumprir e fazer cumprir” (BRASIL, 2007) as normas de segurança e
cita, ainda, a obrigação de “instruir os empregados, através de ordens
de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho e doenças ocupacionais”. Nota-se, pela dicção
deste artigo, a expressa previsão legal do princípio constitucional
da precaução, revelando a intenção do legislador de imputar ao
empregador a responsabilidade pela redução e eliminação dos
riscos no local de trabalho.
O empregador-prestador faz os exames médicos;
praticamente é o que ele pode fazer. Mas um programa de prevenção
de riscos ambientais só o tomador pode fazer. Há dois empregadores,
mas há uma unidade ambiental do trabalho. Toma-se como exemplo
a plataforma de empresa Petrolífera – o plano de evacuação em caso
de emergência deve levar em conta todos os empregados, ao que se
pode concluir que o tomador é responsável pelo meio ambiente,
mesmo no caso de uma terceirização ilícita (dimensão qualificada).
Para elucidar a questão, outro exemplo de como a
preocupação com meio ambiente do trabalho e a responsabilidade por
ele pode extrapolar os limites físicos de uma empresa – patenteando
a ideia da dimensão qualificada do meio ambiente laboral –, é a
preocupação que o legislador teve em prever no texto legal a hipótese
de acidente do trabalho equiparado através do art. 21, IV e suas
alíneas da Lei 8.213/91. Para os efeitos da referida Lei, “o acidente
sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho”,
se equipara ao acidente do trabalho, estando aí evidenciado que o
meio ambiente laboral não se circunscreve às dependências físicas
da empresa; sua dimensão expande-se para dar cobertura e proteção
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
aos trabalhadores quando em execução de atividades correlacionadas
com a empresa ou, até mesmo, “no percurso da residência para o
local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de
locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.
Não obstante a obrigação do empregador pela
higidez do meio ambiente de trabalho, o art. 158 da CLT também
atribui ao empregado o dever de zelar pelo meio ambiente laboral
ao estabelecer que este deve “observar as normas de segurança e
medicina do trabalho” e prever, inclusive, o caráter de ato faltoso à
não observância das instruções expedidas pelo empregador e à não
utilização de EPIs.
Em suma, a noção de responsabilidade pela preservação
do meio ambiente laboral reside na necessidade de compatibilização
entre progresso econômico e valorização do trabalho, na viabilização
do desenvolvimento industrial, sem o aniquilamento dos direitos
sociais dos trabalhadores, vez que a manutenção de um ambiente
de trabalho hígido e seguro é condição sine qua non para a efetivação
dos princípios constitucionais, sobretudo o da dignidade da pessoa
humana, e para a própria sobrevivência do homem.
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve o escopo de demonstrar
a riqueza de aspectos e a importância ímpar do estudo do meio
ambiente do trabalho. O meio ambiente do trabalho é o habitat onde
milhares de trabalhadores executam suas atividades diuturnamente
e onde passam grande parte de suas vidas. Sabe-se que é através
do trabalho que se constrói a narrativa da própria existência. Por
tudo isso, o meio ambiente do trabalho deve ser um lugar seguro,
saudável, higiênico e agradável (sim, agradável).
Não basta ao homem trabalhador estar em um ambiente
laboral apenas seguro e saudável, estas são garantias mínimas
inderrogáveis que todo ordenamento jurídico deve conceder aos
trabalhadores. Da mesma forma, o meio ambiente do trabalho deve
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ser um lugar onde haja respeito ao próximo, tolerância quanto às
diferenças, proteção da intimidade, direito à desconexão do trabalho
nos intervalos intrajornadas, relacionamento saudável entre a chefia e
subordinados, paz para se executar um bom trabalho, possibilidades
de progresso, promoção e satisfação dos trabalhadores.
Daí conclui-se que o meio ambiente do trabalho é um
espaço de características multifacetadas, porque ali se encontram
pessoas, cidadãos trabalhadores de todas as naturezas, homens,
mulheres, jovens, aprendizes, terceirizados, estagiários, todos
envolvidos na construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
vez que é neste espaço que se encontra a tensão entre o capital e o
trabalho, onde devem conviver em equilíbrio as forças que promovem
o desenvolvimento do país.
Sobre o meio ambiente laboral incidem todos os
princípios gerais do direito, especialmente o princípio da Dignidade
da Pessoa Humana, que exige o respeito ao ser humano e a garantia
de um mínimo invulnerável de condições de vida, aquilo que Delgado
denomina de “patamar civilizatório mínimo”.
Pois bem, procurou-se demonstrar a dimensão
qualificada do meio ambiente laboral, cujas tutelas e proteção
irradiam-se em todas as direções, vertical, horizontalmente. O meio
ambiente do trabalho é uma ambiência, não se limitando ao espaço
físico apenas, mas ao aspecto também imaterial (proteção ao direito
da personalidade dos trabalhadores, sua honra, imagem, integridade
psíquica, etc.).
No meio ambiente do trabalho estão alocadas vidas
humanas, valor supremo de todos os ordenamentos jurídicos do
mundo civilizado. Ainda que nenhuma norma legal existisse, o meio
ambiente seria tutelado naturalmente, posto sua condição de objeto
de proteção do Direito Natural.
Em suma, estamos diante do estudo de um objeto que
se constitui num direito difuso por excelência, resguardado pela força
normativa dos Princípios, norma de ordem pública inderrogável,
interesse público primário e cuja tutela está primordialmente a cargo,
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
entre outros importantes órgãos de atuação, do Parquet Laboral. Eis
o fenômeno denominado Meio Ambiente do Trabalho, em todas as
suas dimensões.
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SMANIO, Giampaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 8. ed. São
Paulo: Atlas, 2007.
Cícero Rufino Pereira1
Kaciane Corrêa Mochizuke2
Resumo: O direito fundamental pode ser definido como direitos do ser
humano que constem da legislação constitucional de um país, é o que o
diferencia dos assim chamados direitos humanos, pois estes existem
independentemente de estarem positivados em uma constituição (Lei
Maior de um Estado/País). O direito fundamental à saúde é, sem dúvidas, o
direito mais importante e essencial ao ser humano, pois reflete diretamente
naquilo que lhe é mais caro: a sua própria vida. O trabalho escravo, uma das
modalidades do fenômeno social, econômico e jurídico, que é o tráfico de
pessoas (inclusive na espécie internacional) tem sido encontrado em diversas
regiões do mundo, principalmente como reflexo das migrações, nas regiões
de fronteira. Este estudo busca identificar quais os reflexos do trabalho
escravo, no direito fundamental à saúde, na região fronteiriça brasileira.
Palavras-chave: Tráfico de pessoas. Fronteira. Migração. Sistema Único de
Saúde (SUS).
Resumen: El derecho fundamental se puede definir como los derechos
humanos que figuran en la ley constitucional de un país, es lo que diferencia
a los llamados derechos humanos, debido a que existen independientemente
1 Procurador do Ministério Público do Trabalho. Mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato grosso do Sul (UFMS). Especialista em Direito e Processo do
Trabalho pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Coordenador do Fórum de Trabalho Decente e Estudos sobre tráfico de Pessoas (FTD-ETP). forumdetrabalhodecente@
hotmail.com
2 Fisioterapeuta. Especialista em Atenção Básica em Saúde da Família pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Especialista em Gestão em Saúde pela Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD).
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de ser positivizado en una constitución (Ley grande de un Estado o País .)
El derecho fundamental a la salud es, sin duda, el derecho más importante
y esencial para los seres humanos, ya que refleja directamente lo que es
más querido: su propia vida. El trabajo esclavo, una de las modalidades
de los fenómenos sociales, económicos y jurídicos, es la trata de personas
(incluyendo la clase internacional) se han encontrado en diversas regiones
del mundo, principalmente como resultado de la migración, las regiones
fronterizas. En este estudio se pretende identificar las consecuencias del
trabajo esclavo, el derecho fundamental a la salud, la región fronteriza de
Brasil.
Palabras clave: La Trata de Personas. Fronteras. La Migración y el Sistema
Único de Salud (SUS).
INTRODUÇÃO
O bem mais precioso de todo e qualquer ser vivente,
incluindo-se o ser humano, é a própria vida, qual seja, uma existência
plena, com saúde e satisfação pessoal em suas atividades diárias,
principalmente a atividade do trabalho humano. Portanto, desponta
no cotidiano o direito fundamental à saúde, em suas mais diversas
dimensões. Por sua feita, segundo Martine (2005), atualmente
a globalização é o principal fator que influencia as migrações
internacionais e também é a referida globalização que deixa claro e de
maneira expressiva as desigualdades sociais.
Na opinião de Dal Prá (2007), o migrante parte para
o Brasil em busca de melhores condições de vida, e mesmo que o
principal fator motivacional para os fluxos migratórios seja econômico,
a garantia à saúde, assegurada pelo SUS, torna-se um importante fator
motivacional, principalmente entre os países do Mercado Comum do
Sul (MERCOSUL). O trabalho humano tem sido, no decorrer do
tempo, fator de geração de riqueza, desenvolvimento econômico e
social; tendo sido reconceituado, no sentido de representar fator de
explicitação da dignidade da pessoa humana do trabalhador. Assim
sendo, o trabalho escravo, existente em diversas formas, desde os
primórdios da humanidade, é considerado uma das ofensas mais
aviltantes à dignidade do ser humano. Na qualidade de uma das
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
espécies do tráfico de pessoas, inclusive na modalidade internacional
deste, o trabalho em condições análogas a de escravo tem, cada vez
mais, apresentado-se como um fenômeno socioeconômico e jurídico
que campeia na sociedade contemporânea, inclusive nas regiões de
fronteira.
O presente artigo tem como objetivo identificar quais
os reflexos do trabalho escravo, no direito fundamental à saúde, na
região fronteiriça brasileira. Metodologicamente, foram utilizados
os seguintes procedimentos: pesquisa e revisão bibliográfica em
torno das categorias conceituais tráfico de pessoas, trabalho escravo,
fronteira, saúde e direito fundamental à saúde.
1 TRÁFICO DE PESSOAS OU DE SERES
HUMANOS
Fenômeno existente há décadas e cuja definição encontra
dissenso entre os estudiosos do tema, o tráfico de pessoas (ou tráfico
de seres humanos, como também é conhecido) é o recrutamento e
transporte de pessoas para fins de exploração na forma de serviços
ou abuso sexual, ou ainda trabalho servil ou escravo e para fins de
remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo humano (definição
adaptada do “Relatório de Sistematização dos Dados e Fontes de
Dados de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas” – Produto 01,
publicado pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça,
em 2012, com redação de Alline Pedra Jorge Birol, p.7).
Por sua vez, o Protocolo de Palermo (Decreto
5017/2004), em seu artigo 3º, “a”, define Tráfico de Pessoas, in verbis:
A expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento
de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras
formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso
de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega
ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre
outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no
mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras
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formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou
a remoção de órgãos.
Então, resta evidente que uma das espécies do gênero
tráfico de pessoas é o “trabalho ou serviços forçados, escravatura
ou práticas similares a escravatura, bem como a servidão”. Caso o
tráfico de pessoas, em qualquer uma de suas espécies, ocorra entre
Estados (ou seja, entre países) distintos, será cognominado de tráfico
internacional de pessoas. Por outro lado, o “tráfico interno de
pessoas” é aquele realizado dentro de um mesmo estado-membro da
federação, ou de um Estado-membro para outro, dentro do território
nacional (artigo 2º, par. 5º da “Política” Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas, Decreto 5948/2006).
Tanto o Protocolo de Palermo quanto a Política
Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas determinam que
o consentimento dado pela vítima é irrelevante para configuração do
tráfico de pessoas. Este entendimento é válido para qualquer uma das
espécies do gênero tráfico de pessoas, portanto também vale para a
espécie trabalho escravo, inclusive na modalidade tráfico internacional
de pessoas para fins de trabalho escravo. Tal se dá com o aliciamento
ou recrutamento de trabalhadores em outro país, principalmente nas
regiões de fronteira, para trabalhar no Brasil.
Certo é que, conforme destacam Ziolkowski, Scandola
e Sardinha (2008)3 a cooperação para o enfrentamento ao tráfico de
pessoas não deveria existir somente no que diz respeito à repressão dos
autores da referida conduta, mas também nos aspectos da prevenção
do crime de tráfico de pessoas e da assistência às pessoas traficadas.
Dentre as vítimas do tráfico internacional de pessoas que demandam
atendimento, estão homens, mulheres, crianças, adolescentes e
também parte da população ou comunidade LGBT (lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros, estes são, os/as travestis e transsexuais),
especialmente quem tenha nascido com o sexo biológico masculino.
3 Scandola, Estela Márcia; Ziolkowski, Nathália Eberhardt e Sardinha, Antônio Carlos
(2008). A realidade institucional do enfrentamento ao tráfico de mulheres no Mato Grosso
do Sul - Diálogos com a rede de garantia dos direitos da mulher. Fazendo Gênero 8 - Corpo,
Violência e Poder. Trabalho apresentado em Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008.
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2 TRABALHO ESCRAVO
A palavra trabalho tem sua origem na palavra tripaliare,
ou martirizar com o tripalium, instrumento com três estacas utilizado
para tortura, daí não se estranhou, durante séculos, a utilização da
mão de obra escrava sem qualquer compromisso com a dignidade
humana (MARTINS, 2009).
Baseado nos ensinamentos de Marx e Engels, Oliveira
Neto (2009, p. 46), entende que:
Todo esse processo, no qual o homem produz os bens
que possibilitem a sua existência material, é realizado por
intermédio do trabalho, tendo como base um determinado
território. Assim, o trabalho e o território se apresentam como
a base de todo o mundo humano sensível. Pode-se afirmar,
por consequência desse pensamento que, é no processo
contínuo do uso do território e da realização do trabalho que
o ser social, homem, transforma os elementos da natureza
nos bens materiais que satisfaçam as suas necessidades.
É através do trabalho que o homem alcançará sua
qualificação e efetivará, na prática, sua existência. O exercício de uma
atividade de labor é, ao mesmo tempo, uma necessidade e um prazer;
pois, aperfeiçoa a inteligência, cria vínculos pessoais e institucionais,
gera riquezas, traz alimento, segurança, bem-estar e desenvolvimento
econômico e social.
Trabalhadores migrantes estrangeiros, sobretudo em
uma região de fronteira. Ali (e através da mesma) a concorrência
por mão de obra barata e por discussões acerca da legalidade ou
ilegalidade da migração é pano de fundo para se perpetrar ataques aos
direitos humanos, em prol de aumento de lucros, através da chamada
globalização da economia, ou pela simples busca do “lucro fácil”.
O trabalho em condições análogas à de escravo é uma
forma de superexploração do trabalho, onde este não reúne as
mínimas condições necessárias para garantir os direitos do homem,
ou seja, o que não é prestado em condições que se denomina trabalho
decente e sim da forma mais indigna possível (BRITO FILHO, p.70),
trata-se do chamado trabalho indigno.
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Apesar da denominação adequada para o fenômeno ora
estudado ser “trabalho em condição análoga à de escravo”, podese denominar o fenômeno ora em estudo de forma mais reduzida,
ou seja, trabalho escravo. Estar-se-á utilizando de uma redução da
expressão mais ampla utilizada pela lei (BRITO FILHO, 2004, p.
73), tendo-se sempre em mente que ao se usar a expressão trabalho
escravo, estaremos nos referindo ao “trabalho em condições análogas
à de escravo”.
O Código Penal Brasileiro (DL 2.848/40), no seu artigo
149, com a redação dada pela Lei 10.803/03, traz a definição legal do
crime de redução à condição análoga à de escravo:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo,
quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada
exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes
de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,
sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se
apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem. [grifo nosso]
princípio este do qual devem derivar todos os outros, eis que, não
se pode dar ao ser humano trabalhador tratamento análogo ao de
coisa (o escravo); sem falar no princípio da não-discriminação destes
trabalhadores, em relação aos que recebem adequadamente seus
haveres trabalhistas.
Caracteriza-se também como trabalho escravo o
aliciamento do trabalhador, no seu local de origem, enganando
e fraudando a sua boa-fé, com promessas de condições dignas de
trabalho e garantia de retorno ao seu local de origem. Situações de
tráfico de pessoas, na forma de trabalho escravo (trabalho prestado
em condições análogas à de escravo), podem ocorrer no território
interno de um país, na região de fronteira entre dois países, ou ainda
através do limite internacional (o trabalhador é “recrutado” em um
país para trabalhar em outro).
3 FRONTEIRA
A extensão espacial delimitada, onde um Estado exerce
sua soberania (poder de fazer e exercer direitos coercitivamente)
caracteriza um território, o qual é “delimitado” (para a doutrina
tradicional) por fronteiras. O termo fronteira é abrangente e se refere
a uma região ou faixa.
Nos dias de hoje, apesar das fronteiras não terem perdido
funções políticas, de defesa da soberania, delimitadoras de espaços
geográficos, de zona ou de linhas divisórias, passaram a ter atributos
de integração, de interação e de coabitação pacífica e desconectada
do limite político-administrativo.
Não é somente a falta de liberdade de ir e vir que caracteriza
o trabalho em condições análogas à de escravo. Neste crime não
haverá apenas o ferimento do princípio da liberdade, mas também do
princípio da legalidade, pois tal crime ocorre em condições contrárias
ao ordenamento jurídico posto, quer nacional, quer internacional. O
primeiro princípio de direito humano fundamental atingido é o da
dignidade da pessoa humana (tanto no plano material, quanto moral),
Tratando da questão fronteiriça, Oliveira (S.d., p.2)
constata, de forma a retratar a realidade daquela região:
70
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
A representação que se faz da fronteira, nos dias que correm,
por parte dos meios de comunicações, em geral, é tão pobre
quanto angustiante e contraditória: ladeia-se a destruição
das fronteiras, tanto no sentido histórico quanto geográfico,
pelo mercado sem pátria; ao mesmo tempo em que,
paradoxalmente, reforçam o seu sentido, quando se busca
identificar aquele espaço como o “lugar” do contrabando,
71
do narcotráfico, do banditismo, do tráfico de seres humanos,
etc.
É consenso, entre os estudiosos do tema, que a zona de
fronteira é diferenciada quanto ao modo de ser e de viver de sua
população, de suas cidades, dos organismos econômicos e políticos,
possuindo “identidades” próprias que a distanciam do restante
dos Estados-Nação a que pertençam político-administrativo e
juridicamente.
Tanto no caso da zona de fronteira e, portanto, dos
cidadãos fronteiriços (incluindo-se os trabalhadores, até mesmo os
vitimados pelo trabalho escravo), quanto no caso de zonas nãofronteiriças, o tratado internacional, assim chamado de “Acordo
sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado
Comum do Sul – Mercosul, Bolívia e Chile” (ACORDO DE
RESIDÊNCIA DO MERCOSUL), promulgado pelo Decreto
Nº 6.975/2009, pode ser uma solução política e jurídica para as
questões de atendimento e prestações decorrentes dos direitos
sociais, nestes incluindo-se o direito fundamental à saúde, bem
como temas afetos à migração e ao trabalho.
4 SAÚDE
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1946,
definiu saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental
e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”; contudo,
atualmente, essa definição é considerada ultrapassada, por manter
uma visão minimalista e de difícil prática, pois “completo bem-estar”
é algo passível a diferentes interpretações, que remete a uma sensação
de perfeição, haja vista que perfeição não é algo definível. (SEGRE
& FERRAZ, 1997).
A atual situação da saúde é um reflexo da evolução
das suas políticas, e é completamente impossível não associar as
transformações das políticas de saúde com a evolução políticosocial e econômica do Brasil, ambas estão diretamente relacionadas.
A destinação dos recursos financeiros para a saúde, assim como a
72
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
solução de problemas que afetam a qualidade de vida da população
nunca foram assuntos que ocuparam o centro das atenções políticas
brasileiras (POLIGNANO,s/d).
As políticas públicas são desenvolvidas e implementadas
pelo Estado com a finalidade de enfrentar os problemas sociais,
dentre esses, os que estão relacionados à saúde (ACÚRCIO, s/d).
A Conferência Nacional de Saúde realizada de 17 a 21 de
março de 1986 que contou com a participação da sociedade balizou
as mudanças do sistema de saúde brasileiro. O SUDS – Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde intensificou as iniciativas
de descentralização e Universalização iniciando o preparo para a
implantação do SUS, o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2002).
CUNHA & CUNHA (1998) diz:
O processo de construção do Sistema Único de Saúde é
resultante de um conjunto de embates políticos e ideológicos,
travados por diferentes atores sociais ao longo dos anos.
Decorrente de concepções diferenciadas, as políticas de
saúde e as formas como se organizam os serviços não são
fruto apenas do momento atual, ao contrário, têm uma longa
trajetória de formulações e de lutas. A busca de referências
históricas do processo de formulação das políticas de saúde,
e da vinculação da saúde com o contexto político mais geral
do país, pode contribuir para um melhor entendimento do
momento atual e do próprio significado do SUS.
Por sua feita, com relação à preservação e reabilitação
da saúde do ser humano trabalhador, a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) editou a Convenção (tipo de tratado
internacional) Nº 155, a qual foi promulgada em 29 de setembro
de 1994, através do Decreto nº 1254, valendo como lei federal em
todo o território nacional. A referida Convenção traz um conceito de
saúde mais objetivo, abandonando o “completo bem estar”, adotado
pela OMS; no sentido de que “a saúde, com relação ao trabalho,
abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os
elementos físicos e ambientais que afetam a saúde e estão diretamente
relacionados com a segurança e higiene do trabalho” – artigo 3º,
alínea “e” - (OLIVEIRA, 2011, 91p.).
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
73
Bem se vê que para a OIT, a saúde do trabalhador também
considera elementos físicos e mentais relacionados com a segurança e
a higiene do trabalho, as quais exigem a obediência a diversas normas
regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), sendo as mesmas legislação sobre saúde, segurança e higiene
no trabalho. Isto quer dizer que atividades laborais que existam sem
a observância das referidas normas regulamentadoras são indutoras e
causas de moléstias ou afecções à saúde.
4.1 Direito Fundamental à Saúde e a Lei Orgânica da Saúde
(LOS)
Comumente usado de forma errônea como sinônimo
dos Direitos Humanos, os Direitos Fundamentais possuem suas
origens arraigadas no movimento constitucional (FILHO, s/d).
Por sua vez, PEREIRA (2007), citando Ingo Wolfgang Sarlet, explica
que o termo direitos fundamentais aplica-se aos direitos do ser
humano, reconhecidos através da constituição de um determinado
Estado (País); enquanto que a expressão direitos humanos guarda
relações com o direito internacional, tendo validade universal, para
todos os povos e tempos. Sendo assim, os direitos fundamentais são
os referidos às normas do ser humano já positivadas na esfera do
ordenamento jurídico pátrio, enquanto os direitos humanos guardam
relações com normas do ser humano, com reconhecimento em
âmbito internacional, e independente de sua positivação (constante
em legislação).
Diversos tratados internacionais, principalmente as
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
especialmente as ratificadas pelo Brasil (convenção número 148,
155 e 161) refletem a importância da saúde dos trabalhadores como
direito fundamental dos mesmos. No ordenamento jurídico interno,
a Constituição Federal brasileira, em seu artigo 6º, define dentre os
direitos sociais, o direito à saúde; estando, o referido artigo 6º, no
título II – “DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS”.
Portanto, é o direito à saúde um direito social e fundamental, eis que
está inserido na lei maior do Brasil (a Constituição Federal de 1988
– CF/88).
74
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
No mesmo sentido, a citada CF/88, em seu artigo 196,
define a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos. Garantindo-se ainda o acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua (saúde) promoção,
proteção e recuperação.
Portanto, por ser um direito “universal” e “igualitário”, o
direito fundamental à saúde deve alcançar também os trabalhadores
estrangeiros, ainda que indocumentados, os chamados trabalhadores
“ilegais”, sujeitos à “deportação”, pela Polícia Federal brasileira. Esta
é mais uma face perversa da globalização, e de sua “irmã siamesa”, a
migração.
Em 1990, foi estabelecida a Lei 8080 (Lei Orgânica da
Saúde – LOS) que dispõe sobre condições para a proteção, promoção
e recuperação da saúde, além de estabelecer métodos de organização
e funcionamento de tais serviços. Em seu Art. 2º, garante a saúde
como um direito fundamental do ser humano, e delega ao Estado o
dever de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Além de assegurar que seu acesso às ações e serviços seja universal e
igualitário.
Os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde
(SUS) estão assegurados pela Constituição Federal (sem falar da Lei
Orgânica da Saúde – LOS) e também através de toda a legislação
que regulamenta o sistema (BRASIL, 2003). Inclusive, nas Normas
Operacionais Básicas (NOBs), as quais são entendidas, pela legislação,
como instrumentos normativos de operacionalização dos preceitos
da legislação que regulamentam o SUS.
A implementação e a gestão do SUS são processos
dinâmicos, baseados em doutrinas e princípios organizacionais.
Segundo Espínola (2010), a Constituição Federal de 1988 contém
seções sobre a saúde com três aspectos importantes:
I. Uma política governamental ampla: que considera
os Determinantes Sociais em Saúde (DSS) como fatores biológicos
como meio de acesso aos serviços que visem à promoção, proteção
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
75
e recuperação da saúde;
II. Direito de acesso aos serviços de saúde para
quem necessitar deles: legitimado pela Constituição Federal, o
direito de todos, sem qualquer tipo de discriminação, as ações
de saúde, em todos os níveis, depositando ainda o dever de
pleno gozo deste direito sobre o poder público;
III. Rede de saúde regionalizada, descentralizada e
hierarquizada com direção única, em cada esfera de governo e sob o
controle dos seus usuários.
Baseada nestes preceitos constitucionais, a implementação
do SUS norteia-se por princípios doutrinários, a seguir explicitados.
A Universalidade, que garante a atenção de saúde pelo sistema a
qualquer cidadão. A Equidade, que garante ações e serviços de
saúde em todos os níveis de acordo com a complexidade requerida
por cada caso, ou seja, todo cidadão é igual perante o SUS, e
será atendido conforme suas necessidades. A Integralidade,
que considera qualquer indivíduo como um todo indivisível e
integrante de uma comunidade, onde a unidade prestadora de
serviço deve ser capaz de prestar atendimento integral, respeitando
uma visão holística (CARVALHO & BARBOSA, 2010).
Portanto, é entendimento, tanto da legislação que
trata dos princípios e diretrizes do SUS, quanto dos estudiosos do
tema (fundamentação teórica), que a Universalidade, a Equidade
e a Integralidade são pressupostos que determinam e atestam a
necessidade e a obrigação do estrangeiro em geral, bem como do
trabalhador imigrante de outros países (seja ele fronteiriço ou não) de
serem atendidos pelo SUS, mesmo que estejam em situação jurídica
“de ilegalidade” ou vítimas de trabalho escravo.
Reforçando tal argumentação, o Estatuto do Estrangeiro,
estabelecido através da Lei Nº 6.815/80, ao regulamentar a situação
jurídica dos estrangeiros em solo brasileiro, determina, em seu 95º
artigo, que o estrangeiro residente no Brasil goze de todos os direitos
reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis
(NETO, 2009).
76
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Especificamente, no caso dos municípios fronteiriços
(aqueles que estão localizados territorialmente ao longo da faixa de
fronteira com outros países), o atendimento de estrangeiros, pelo
SUS, repercute diretamente na organização dos sistemas de saúde
dos citados municípios; levando a uma sobrecarga das redes de
atendimento, pois a política de saúde é planejada para população
residente, de maneira excludente aos não nacionais (AMARAL &
CARVALHO, 2013).
Ferreira (2004), alerta para o fato de que a oferta de
serviços em saúde seja uma complexa tarefa, existindo limitações
evidentes na capacidade de produzir tais serviços de acordo com
a demanda, pelos mais diferentes fatores, sejam pela finitude de
recursos ou pelas barreiras organizacionais e burocráticas; fatores que
refletem uma baixa capacidade gerencial.
Partindo deste princípio, o SIS Fronteira (Sistema
Integrado de Saúde das Fronteiras: Portaria GM 1120/05) preconiza o
desenvolvimento de ações que venham a solucionar também o acesso
à saúde de trabalhadores, que movidos pelo desenvolvimento do
mercado econômico, passam a residir em solo brasileiro (ALMEIDA
PRADO, AMARAL, 2013).
Neste mesmo sentido, conforme supra indicado, e
trazendo uma informação da qual se pode inferir que o SUS, na região
fronteiriça, atende (ou pelo menos deveria atender) aos estrangeiros
(portanto inclusive aos trabalhadores fronteiriços), Preuss, apud
Almeida Prado & Amaral (2013, p. 101) relata que os segmentos
populacionais vulneráveis estrangeiros são usuários do sistema de
saúde brasileiro e que tal fato gera uma sobrecarga nas redes de
atendimento, pois a política de saúde do Brasil é planejada para uma
população residente, não incluindo no planejamento a população de
referencia, no caso, os não-nacionais.
Sendo este o quadro observado, qual a solução para
a questão do atendimento de saúde dos trabalhadores vítimas de
tráfico de pessoas (inclusive na modalidade internacional), na espécie
trabalho escravo, na fronteira brasileira?
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
77
5 RESULTADOS
Depois de revisão bibliográfica e estudos relacionados
às categorias conceituais pertinentes, bem como após discussões
acerca do objetivo da presente pesquisa, utilizando-se da revisão
bibliográfica, chegou-se aos seguintes resultados:
a) O tráfico de pessoas, na espécie trabalho escravo, na
fronteira brasileira (ensejando a ocorrência de tráfico internacional de
pessoas, quando o trabalhador estrangeiro é aliciado em seu país de
origem) é fenômeno que pode originar grande afluxo de usuários ao
Sistema único de Saúde (SUS). Tal se dá porque o referido trabalhador,
não tendo seus direitos trabalhistas respeitados, no momento em que
as normas regulamentadoras sobre saúde, segurança e higiene do
trabalho são violadas, acaba por buscar atendimento no SUS.
b) Não tendo o SUS (Sistema Único de Saúde)
condições gerenciais e econômicas ante as especificidades de
sua gestão (a política de saúde é pensada considerando apenas a
população residente e não os trabalhadores que se dirigem à região
fronteiriça), prestar serviços a todos que dele necessitam, há reflexos
negativos ao direito fundamental à saúde de todos os usuários do
SUS (Sistema Único de Saúde) e, principalmente, dos trabalhadores
vítimas de trabalho escravo da região de fronteira, eis que (ante a
ilegalidade trabalhista perpetrada por seus empregadores), não existe
contribuição dos mesmos ou de seus patrões para a seguridade social
(saúde, previdência social e assistência social); juntando-se às questões
gerenciais supra referidas.
c) A par de toda a problemática indicada neste resultado,
restou evidenciado que o SUS (Sistema Único de Saúde), através do SIS
Fronteira (Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras) deve atender
aos trabalhadores imigrantes, inclusive os fronteiriços (os que moram
em cidades vizinhas e em lados opostos da linha de fronteira); mesmo
que tais trabalhadores sejam indicados como “indocumentados” ou
“ilegais” (inclusive os vitimados pelo trabalho escravo).
d) O atendimento referido na letra c anterior deve
acontecer ante aos princípios constitucionais, a Lei Orgânica da
78
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Saúde e legislação correlata, os quais determinam que o atendimento
deva observar os preceitos constitucionais e legais da Universalidade
(atenção de saúde a qualquer cidadão), Equidade (todo cidadão é
igual perante o SUS) e Integralidade (considera qualquer indivíduo
como indivisível e integrante de uma comunidade). Não podendo
prevalecer qualquer argumento que impeça o atendimento integral,
equânime e universal a todo e qualquer ser humano (incluindo, por
óbvio, o trabalhador vítima de trabalho escravo) do sistema de saúde
brasileiro, como consequência do direito fundamental à saúde que
todo ser humano possui.
e) Como solução para as questões aqui trazidas, sugere-se
a confecção e divulgação de uma cartilha ou folder, que esclareça, em
língua portuguesa e espanhola, os princípios e legislação norteadores
do direito fundamental à saúde; para que os trabalhadores vítimas
de trabalho escravo, na região de fronteira internacional do Brasil,
possam buscar a fruição de seu direito humano e fundamental à
saúde.
f) Entende-se que uma maneira adequada e subsidiada
em lei ordinária federal (é como um tratado internacional, não sendo
ele de direitos humanos, em regra entra no ordenamento jurídico
interno brasileiro), para encaminhar uma solução à questão discutida
no presente estudo, é fazer constar, das publicações referidas na alínea
“e” anterior, o inteiro teor do Acordo de Residência do MERCOSUL
(Decreto nº 6975/2009), onde os direitos dos estrangeiros (incluindo
os trabalhadores em geral e os vítimas de trabalho escravo) estão
plenamente explicitados, gerando a obrigação dos países que
assinaram o referido acordo internacional, entre eles incluindo-se o
Brasil, de respeitar as prerrogativas dos imigrantes, ali referidas.
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
81
O INSTITUTO DO DANO MORAL
COLETIVO E AS GRAVES VIOLAÇÕES
DE DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO
TRABALHISTA
Leontino Ferreira de Lima Junior1
Luciana Aparecida Furtado de Lima2
O estudo do dano moral pressupõe a análise de alguns
aspectos importantes da responsabilidade civil, complexo instituto
do qual o dano integra.
Para possibilitar o regramento da vivência em sociedade,
os ordenamentos jurídicos estabeleceram normas e princípios para
reger a responsabilidade civil. Surgiu nas sociedades civilizadas, em
consequência à responsabilidade civil, o dever de indenizar.
A evolução da responsabilidade civil remete ao Direito
Romano. Naquele momento histórico, o dano não gerava o dever de
indenizar, mas permitia a prática de novo dano ao primeiro agressor,
conforme codificado na Lei das XII Tábuas, que trazia o princípio
“olho por olho, dente por dente.” Ante a inviabilidade desse princípio,
o Direito Romano evoluiu e trouxe os primeiros traços do dever de
indenizar, adotando inicialmente a indenização tarifada.
Conforme a doutrina, foi com o advento da Lex
Aquilia, ainda no Direito Romano, que se deu a maior evolução da
responsabilidade civil, vez que se verificou que a indenização tarifada
resultava em valores nem sempre razoáveis. Segundo a Lex Aquilia, a
1 Procurador do Trabalho
2 Assistente de Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região
82
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
83
pena não seria mais tarifada, mas sim proporcional ao dano causado.
Após, e de suma importância para a evolução do instituto, o Código
Civil de Napoleão inseriu o elemento subjetivo como pressuposto da
responsabilidade civil, influenciando diversas legislações, inclusive o
Código Civil Brasileiro de 1916 e, por conseguinte, o Código Civil de
2002.
O Código Civil de 2002 trata do instituto da
responsabilidade civil nos artigos 186, 187 e 927. Depreendemse da legislação pátria os elementos que, em regra, configuram a
responsabilidade civil: ato ilícito, dano, nexo causal e culpa. Porém,
não se pode perder de vista que tais elementos configuradores
comportam exceções, senão vejamos:
1) A culpa poderá ser mitigada, a depender da teoria da
responsabilidade adotada ao caso concreto (v.g., teoria
objetiva);
2) O ato lícito poderá gerar dever de indenizar (artigo 188
CC/2002);
3) O nexo causal poderá ser dispensado se for aplicada a
teoria do risco integral.
Logo, nota-se que o único elemento que deve estar
sempre presente para caracterizar o dever de indenizar é o dano, por
conseguinte, é requisito essencial na responsabilidade civil e, uma vez
verificado, restará ao ordenamento jurídico apresentar instrumentos
adequados para combatê-lo e repará-lo, seja o dano na sua dimensão
individual ou na sua dimensão coletiva.
DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS
MORAL COLETIVO TRABALHISTA
E
DANO
Após, outra celeuma jurídica surgiu, já que o dano
moral era reconhecido como dano de apenas um indivíduo. Com o
surgimento da sociedade de massas, especialmente com o advento da
Revolução Industrial e transição do sistema feudal para o capitalismo
nos séculos XVIII e XIX, direitos que antes não eram reconhecidos
passaram a ter relevância política, social e jurídica, solidificando os
direitos fundamentais do ser humano.
Na sociedade industrial, conflitos que existiam somente
entre indivíduos passaram a ter maiores proporções, atingindo grupo
de pessoas e até mesmo toda uma comunidade. Manifestações
de operários por melhores condições de trabalho acabaram por
produzir conflitos em massa, difusos, transindividuais, em outras
palavras, conflitos que transcendiam a esfera individual, atingindo a
coletividade.
Portanto, era imperioso uma forma de reparação para os
danos causados à coletividade, que transcendiam a esfera individual.
Com a criação da Organização Internacional do Trabalho
(1919) e da Organização das Nações Unidas (1945) surgiu a proteção
internacional dos direitos humanos, pensando o ser humano como
gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade
determinada.
Reconheceu-se, então, os direitos classificados como de
terceira dimensão, direitos de solidariedade e fraternidade, atualmente
denominados de direitos transindividuais, gênero que possui como
subespécies direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais
homogêneos.
A indenização por dano moral sofreu resistência em seu
reconhecimento, ao argumento de que não se podia compensar a dor,
sofrimento, angústia e outros sentimentos da alma com recompensa
financeira. Após longos debates prevaleceu a ideia que a compensação
é devida, pois, dentre suas funções, há não somente o caráter
reparatório, mas também sua função preventiva e sancionatória.
No ordenamento jurídico pátrio, o Código de Processo
Civil, de cunho eminentemente individualista, não trazia meios
adequados para a tutela dos direitos transindividuais, forçando o
ordenamento jurídico a adequar-se a essa nova realidade. A primeira
legislação relevante que tratou do assunto foi Lei da Ação Popular
(Lei 4.717/65), seguida da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85),
essa com maior envergadura processual, e posteriormente o Código
de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
84
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
85
Os direitos metaindividuais possuem amparo
constitucional e estão previstos na CRFB/88 no Título II - Dos
Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I - Dos Direitos
Individuais e Coletivos. Hodiernamente, para a tutela dos direitos
transindividuais trabalhistas, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe
de um microssistema processual coletivo formado pelo Código
de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Civil Pública, e apenas
subsidiariamente a Consolidação das Leis do Trabalho.
Com a regulamentação da defesa dos direitos
transindividuais, vantagens ao Judiciário e jurisdicionado puderam
ser observadas. Maior celeridade processual, pois processos que
antes eram pulverizados passaram a ter unidade, concentrando-se
em um único processo, com redução dos custos e evitando decisões
contraditórias. Garantiu-se também maior segurança jurídica na
consecução dos fins constitucionais e efetividade na prestação
jurisdicional.
Sendo assim, o dano moral no direito do trabalho passou
por uma releitura, possibilitando o seu enquadramento também sob o
aspecto coletivo. Com a ampliação do conceito do dano moral, podese defini-lo da seguinte forma: a ofensa extrapatrimonial que atinge
tanto direitos inerentes à personalidade de um trabalhador (dano
moral individual), como a ofensa que atinge toda uma comunidade de
trabalhadores, de forma difusa, grupo de trabalhadores ou de origem
comum a trabalhadores determinados (dano moral coletivo).
Os direitos coletivos (lato sensu) foram conceituados
expressamente pelo legislador no artigo 81 do CDC. Portanto, o
dano moral coletivo será defendido através da subsunção do fato que
ocasionou o dano e verificação da extensão desse dano, seja atingindo
direitos difusos, coletivo (stricto sensu) ou individuais homogêneos.
DANO MORAL INDIVIDUAL E DANO MORAL
COLETIVO DO TRABALHO
O dano moral individual e o coletivo diferem entre si em
86
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
diversos aspectos. O primeiro é regulamentado pelo Direito Individual
do Trabalho e o segundo pelo Direito Coletivo do Trabalho, cada um
com peculiaridades próprias.
No dano moral individual, a legitimidade para propor
ação será em regra ordinária, por qualquer indivíduo que se sentir
lesado, seguindo as normas da CLT e Código Civil de 2002. No
dano moral coletivo somente as pessoas taxativamente previstas
na legislação, atuando como legitimados extraordinários na defesa
dos interesses transindividuais/coletivos, poderão tutelar direitos
coletivos, como as associações, os sindicatos, o Ministério Público
do Trabalho e as demais entidades estabelecidas no art. 5 º da Lei nº
7.347/85 e no art. 82 da Lei nº 8.078/90.
No que se refere à materialização, no dano moral
individual o dano deverá ser comprovado, devendo restar
demonstrado, em regra, que a ofensa aos direitos de personalidade
do trabalhador, tais como intimidade, honra, imagem causaram-lhe
grande sofrimento psicológico, angústia, dor, humilhação. Por sua
vez, o dano moral coletivo possui natureza objetiva, em que o dano
é in re ipsa, presumido em face da análise das circunstâncias que o
ensejaram, bem como por possuir dimensão e amplitude capazes
de refletir em bens fundamentais da sociedade (dimensão difusa do
dano moral).
Outra diferença entre o dano moral individual e o coletivo
diz respeito ao destino dos recursos/obrigações do empregador
que atuou ilicitamente. Assim, na esfera individual, geralmente a
condenação consiste em dever de pagar, sendo que os valores pagos
pelo empregador ofensor reverterão ao empregado que teve seus
direitos violados, considerado individualmente.
De outro lado, a compensação do dano moral coletivo,
como não poderia deixar de ser, volta-se em benefício da sociedade,
pois esta é a titular do bem jurídico defendido. As obrigações, que
poderão ser de fazer e não-fazer cumulada com indenização, com
elevado cunho social, destinam-se a comunidades específicas
(portadores de deficiência, crianças, idosos), ao Fundo de Amparo ao
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
87
Trabalhador – FAT (Lei 7.998/98) ou a entidades filantrópicas, sem
fins lucrativos.
DUMPING SOCIAL: SONEGAÇÃO DE DIREITOS
SOCIAIS E VIOLAÇÃO À LIVRE CONCORRÊNCIA
Cabe mencionar o vasto campo em que será possível a
atuação do Ministério Público do Trabalho para a defesa dos direitos
coletivos e consequente impedimento/compensação do dano
moral coletivo. De forma exemplificativa, são hipóteses que geram
dano moral coletivo no âmbito trabalhista: exploração de crianças
e adolescentes no trabalho, submissão de grupos de trabalhadores
a condições degradantes, descumprimento de normas trabalhistas
básicas de segurança e saúde, práticas de discriminação na contratação
com criação de listas sujas, contratos de trabalho da administração
pública sem o requisito constitucional do concurso público, dispensa
de trabalhadores em massa sem negociação coletiva e dumping social.
Será analisado de forma especial o dumping social, a fim
de difundir o conhecimento desse ato ilícito que causa projeções,
para além, inclusive, do território brasileiro.
A primeira noção de dumping foi utilizada pelo Direito
Internacional Comercial para designar a prática desleal utilizada por
empresas que pretendem adentrar no mercado externo. Para tanto,
essas empresas colocam no mercado produtos abaixo do custo,
eliminando a concorrência. Na noção de dumping, desdobra-se o
dumping social.
Nesse ínterim, o dumping passou a ser combatido não só
pelo Direito internacional Comercial, mas também pelo Direito do
Trabalho, já que o dumping social refere-se ao trabalho precário para
atingir maiores lucros e competitividade.
Nota-se que é fenômeno relativamente recente no plano
jurídico, sendo assim, não previsto na CLT e leis esparsas trabalhistas
vigentes, pois estas não sofreram as mudanças necessárias para a
adequação dos fenômenos advindos com a globalização. Por não
88
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
haver legislação específica a respeito do dumping social, existem
grandes dificuldades acerca da adoção de medidas eficientes para a
sua eliminação. Uma das fontes subsidiárias para condenação nessa
modalidade de ilícito são os artigos 20 e 21 da Lei 8.884/94, que
prevê as infrações contra a ordem econômica.
O que não se pode fazer é ignorar sua existência, ilícito
que atinge um complexo de direitos, quando não “todos”. Veja-se
que não se trata de pronome exagerado, pois fere de morte os direitos
trabalhistas expressos na Constituição e Leis Infraconstitucionais que
garantem o mínimo existencial e a dignidade do trabalhador.
Somente a título ilustrativo, veja-se os recentes casos
investigados e veiculados na imprensa nacional em que conceituadas
empresas internacionais do ramo da moda estão utilizando
trabalhadores em sistema de escravidão contemporânea, evidenciando
a concorrência desleal no mercado de trabalho.
Ou seja, grandes marcas e conglomerados econômicos,
no afã de reduzirem custos, sonegam propositadamente direitos
sociais mínimos dos trabalhadores, para assim terem um preço mais
competitivo no mercado do trabalho. Portanto, vê-se que o dumping
social aniquila tanto os direitos trabalhistas constitucionalmente
assegurados como a livre concorrência.
Decisão emblemática tratando da questão foi a
sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 006850045.2008.5.08.0114 movida pelo Ministério Público do Trabalho em
que o Juízo da Vara do Trabalho de Parauapebas/PA condenou a
Vale S.A. ao pagamento, a título de dano moral coletivo por dumping
social, o importe de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).
Ademais, o tema é tratado no enunciado n. 04 aprovado
na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho,
realizada pela Associação Nacional de Magistrados do Trabalho –
ANAMATRA e pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, em
novembro de 2007:
“DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE.
INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
89
reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram
um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se,
propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio
modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida
perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o
conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação
do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade
configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que
extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos
dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no
art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento
de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma
indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos
652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.
ATUAÇÃO DA COMISSÃO PERMANENTE
DE INVESTIGAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS
CONDIÇÕES DE TRABALHO EM MATO GROSSO
DO SUL EM CASOS QUE CULMINARAM COM A
FIXAÇÃO DE DANO MORAL COLETIVO.
A Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização
das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul é importante
instrumento de repressão das condições degradantes de trabalho
encontradas no Estado de MS, tendo forte atuação no setor rural,
desde carvoarias a usinas do setor agroenergético, passando pelas
fazendas dedicadas à agropecuária.
Importante ressaltar que, por vezes, a Comissão
Permanente ao lado do Ministério Público do Trabalho, são os
responsáveis diretos pelo resgate da cidadania de trabalhadores
encontrados em situação de vulnerabilidade no campo. Outras
vezes, a Comissão desempenha esse relevante papel social junto aos
auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego.
Dentre inúmeras operações deflagradas com a
participação da Comissão, pode-se citar algumas que culminaram com
pagamento de indenização a título de dano moral, tanto individual
como coletivo.
90
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
No ano de 2009 a Comissão Permanente de Investigação
e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul e o
Ministério Público do Trabalho, com o fito de observar o cumprimento
de obrigações estabelecidas em Termo de Ajuste de Conduta (TAC),
percorreram carvoarias da região de Aquidauana para verificação das
condições de trabalho. Foi uma Siderúrgica que firmou o TAC e tinha
por objetivo um arranjo produtivo que assegurasse que toda a cadeia
produtiva respeitasse o ordenamento jurídico.
Referido TAC previa, dentre outros, o custeio de
despesas com a contratação de equipe técnica para visitar e orientar
as carvoarias sobre as condições de trabalho, com o objetivo de evitar
preventivamente a ocorrência de trabalho escravo e degradante em
suas fornecedoras. Ainda, é importante destacar que houve imposição
de dano moral coletivo convertido na confecção de cartilhas para
distribuição entre trabalhadores do setor de carvoejamento – o
“Manual Carvoaria Saudável” e a “Cartilha Trabalho Legal”.
Neste caso particular percebe-se a função socialpedagógica do dano moral coletivo, pois possibilitou a difusão entre
os trabalhadores de seus direitos sociais, evitando-se, assim, inúmeros
conflitos trabalhistas e a sujeição dos trabalhadores às condições
caracterizadores do trabalho escravo contemporâneo.
Após a fiscalização do cumprimento dos obrigações do
TAC pelo Ministério Público do Trabalho e Comissão Permanente
de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato
Grosso do Sul houve o ajuizamento de ação de execução em face
da empresa MMX Metálicos no valor de 3.800.000,00 (três milhões
e oitocentos mil reais) referentes ao descumprimento das cláusulas
obrigacionais, somados à indenização por dano moral coletivo.
Outro caso em que a Comissão Permanente desempenhou
relevante função social foi no resgate de trabalhadores encontrados
em situação análoga a de escravo na região de Camapuã/MS. Foram
flagrados 16 trabalhadores laborando em condições subumanas em
fazenda.
Os trabalhadores eram nordestinos e dentre eles havia
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
91
um adolescente. Eles dormiam em barracos de lona, em camas
improvisadas e não tinham acesso a banheiros e eletricidade. Também
constatou-se que a água para consumo e banho provinha de uma bica
d’água também utilizada pelo gado.
O Ministério Público do Trabalho e a Comissão
Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho
em Mato Grosso do Sul ainda verificaram a aplicação sem proteção
de agrotóxicos e regime de truck system em que o empregador vendia
produtos de consumo pessoal pelo dobro do preço do mercado
(forçando um dívida que era paga com o trabalho).
Como desfecho da operação firmou-se um Termo de
Ajuste de Conduta com o empregador que se comprometeu a arcar
com todas verbas trabalhistas, dano moral individual, dano moral
coletivo, passagem de retorno para a origem dos trabalhadores e
alimentação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo
Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 11.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano.
Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 116.
MEDEIROS, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo, São Paulo, LTR,
2004, pág. 155.
www.douradosnews.com.br. Acesso em: 15 fev. 2014.
www.campograndenews.com.br. Acesso em: 15 fev. 2014.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o dano moral atualmente é reconhecido
em casos em que se viola a dignidade da pessoa humana e também
quando tal dano atinge a sociedade – fazendo com que as pessoas
passem a desacreditar do Estado, sintam desapreço pela conduta
empresarial, envergonhem-se de serem pertencentes a uma
comunidade. Nestes últimos casos, impõe-se o dano moral coletivo.
Por fim, nota-se que a condenação ao pagamento de
indenização por dano moral coletivo, baseado na teoria do desestímulo,
tem se mostrado importante fator de prevenção de graves violações
de direitos humanos.
92
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
93
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
E O ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL
Luís Antônio Camargo de Melo1
ACESSO À JUSTIÇA E RELAÇÕES DE TRABALHO
A questão do acesso à justiça toma novas proporções
quando se relaciona com a temática laboral. O acesso à justiça não pode
ser entendido senão por meio de seu enquadramento como direito
humano básico, assim como o são os direitos laborais. A íntima relação
entre esses dois conceitos não se limita ao enquadramento comum
como direitos fundamentais, mas se estende uma interdependência
estrita. Pode-se mesmo falar em uma simbiose.
Não há acesso à justiça se não houver respeito aos
direitos trabalhistas, da mesma forma que não subsistem garantias
laborais se os trabalhadores não puderem recorrer a órgãos estatais
que equiparem as desiguais relações entre patrões e empregados.
Pode-se afirmar que a ideia clássica de que o acesso
à justiça se limitaria à possibilidade de acionamento dos meios
jurisdicionais do Estado já está devidamente superada. O conceito
de acesso à justiça não é somente isso. O acesso à justiça abarca não
somente o direito de postular-se a tutela jurisdicional do Estado, mas
também a garantia de uma ordem jurídica e social justa. Embora não
seja tarefa simples definir o que seria essa ordem justa, é possível
identificar pelo menos uma de suas bases epistemológicas: uma ordem
justa é aquela que possibilita a concretização do ideal de justiça social.
1 Procurador-Geral do Trabalho. Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário
IESB
94
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
95
Indubitavelmente, para que se possa sequer vislumbrar
uma ordem jurídica e social justa, que se fundamente na justiça
social, a defesa das relações de trabalho é basilar. O trabalho permeia
praticamente todas as interações dos indivíduos com a sociedade, e
por isso a defesa das relações trabalhistas torna-se um dos principais
frontes da garantia dos direitos humanos.
O Ministério Público do Trabalho, portanto, tem especial
função na busca de uma sociedade justa, por meio da proteção
integral dos trabalhadores brasileiros. Nesse contexto, a atuação do
Ministério Público do Trabalho não se resume ao acionamento do
Poder Judiciário brasileiro, mas engloba também uma ampla gama de
ações extrajudiciais com vista a garantir o direito integral de acesso à
justiça a todos os trabalhadores do país.
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO
O Ministério Público do Trabalho, assim como os
demais ramos do Ministério Público da União, é órgão independente
e imparcial, desvinculado dos interesses particulares e estatais, que
busca garantir a defesa dos direitos consagrados no ordenamento
jurídico brasileiro. A essencialidade do Ministério Público em um
Estado democrático de direito resta consagrado no art. 127 da
Constituição brasileira, ao afirmar que: “o Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.”
Ao se analisar a Lei Complementar n° 75/93 (Lei
Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU), conclui-se que
o Ministério Público do Trabalho é órgão especializado do MPU que
atua no âmbito das relações laborais e perante a Justiça do Trabalho.
Se por um lado a atuação judicial do Parquet laboral está ligada à
Justiça do Trabalho, por outro, a ação extrajudicial dos Procuradores
do Trabalho abarca a proteção das relações de trabalho como um
96
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
todo.
Tanto os artigos 127 e 129 da Constituição de 1988
quanto os artigos 83 e 84 da Lei Complementar n° 75/93 expressam
exemplos gerais das possibilidades de atuação judicial e extrajudicial do
Ministério Público do Trabalho. Para os Procuradores do Trabalho, a
ideia de acesso à justiça não se deve limitar ao acionamento da Justiça
do Trabalho, mas, sim, abranger toda uma gama de possibilidades
com vistas à devida implementação da legislação laboral brasileira e à
proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Quando no âmbito judicial, o Ministério Público do
Trabalho pode ser parte ou custos legis no processo. As possibilidades
de atuação judicial do MPT restam basicamente consagradas no art.
83 da Lei Complementar n° 75/932. Dentre as principais ações usadas
pelo Parquet laboral como órgão agente, deve-se destacar a Ação Civil
Pública (ACP).
A defesa dos denominados direitos metaindividuais, cujo
destinatário é a sociedade como um todo, cabe principalmente (não
exclusivamente) ao Ministério Público. Nesse sentido, a manipulação
da Ação Civil Pública para a garantia de direitos trabalhistas difusos,
coletivos ou individuais homogêneos é instrumento essencial aos
Procuradores do Trabalho para garantir o pleno acesso à justiça no
Brasil, especialmente aos indivíduos mais vulneráveis às relações
desiguais entre capital e trabalho, como os miseráveis que são
reduzidos à situação análoga à de escravos.
Como órgão interveniente no processo trabalhista, o
Ministério Público do Trabalho atua como fiscal da lei, na medida em
que o texto constitucional define o Ministério Público como defensor
da ordem jurídica. Assim, os Procuradores do Trabalho podem
manifestar-se verbalmente sempre que entenderem necessário ao
bom andamento do processo judicial, assim como podem pedir vista
dos processos em julgamento para melhor análise. Mesmo nos casos
em que atua como fiscal da lei, o Ministério Público do Trabalho
2 Deve-se ressaltar que o art. 83 da Lei Complementar n° 75/93 derrogou, por incompatibilidade, os arts. 736 a 754 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
97
pode recorrer de decisões da Justiça do Trabalho, quando entender
necessário.
Após essa brevíssima análise da ação judicial dos
Procuradores do Trabalho, deve-se observar que é realmente no
âmbito extrajudicial que a atuação do Ministério Público do Trabalho
destaca-se como órgão fundamental para a consagração do direito
de acesso à justiça no Brasil. Diferentemente do Poder Judiciário,
caracterizado pelo princípio da inércia, o Ministério Público tem
como dever a busca efetiva de situações nas quais a ordem jurídica, o
regime democrático ou os interesses sociais e individuais indisponíveis
estejam sendo violados.
O labor dos Procuradores do Trabalho não se limita ao
trabalho intelectual em seus escritórios nem à atuação nas salas de
audiência e nos plenários dos tribunais trabalhistas. Os membros do
Ministério Público devem efetivamente buscar ilícitos que deprimem
o processo de formação de uma ordem jurídica e social justa e que,
portanto, impedem a concretização do efetivo acesso à justiça no
Brasil.
Nesse contexto, o art. 84 da Lei Complementar n°
75/93 consagrou ao Ministério Público do Trabalho um dos
mais importantes instrumentos extrajudiciais de que dispõem os
Procuradores do Trabalho: o inquérito civil. Este consubstancia-se
em investigação para colher elementos de convicção acerca de fatos
que possam ser lesões a interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos. Nesse contexto, o Procurador do Trabalho, de ofício ou
após denúncia, busca investigar suspeitas de desrespeito aos direitos
difusos, coletivos ou individuais homogêneos no âmbito das relações
laborais, podendo inclusive requisitar, de qualquer organismo público
ou particular, certidões, informações, exames ou perícias.
constitucional do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por
meio do qual os órgãos legitimados para a ação civil pública, como
o MPT, podem firmar com o responsável pela ameaça ou lesão aos
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos compromisso
de reparação do dano, de indenização pelos danos que não possam
ser reparados e de ajustamento de sua conduta às exigências legais.
PRINCIPAIS METAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO
Sem sombra de dúvidas, o principal objetivo do
Ministério Público do Trabalho é a consagração ampla do direito de
acesso à justiça no Brasil. Para isso, busca a consolidação de uma
ordem jurídica e social justa, que se fundamente na justiça social, por
meio da constante defesa das relações de trabalho.
Definido o seu fim precípuo e os meios judiciais e
extrajudiciais pelos quais pode cumprir sua finalidade, a ação do
Ministério Público do Trabalho é multifocada e multivetorial,
porquanto se busca a implementação dos direitos laborais em suas
mais diferentes frentes. A análise das Coordenadorias Nacionais
criadas no âmbito do MPT indicam bem os principais vetores
da atuação do Parquet laboral.
Note-se que, ao final do processo investigatório e
comprovada a violação de direitos trabalhistas que afetam a sociedade
como um todo, o Ministério Público do Trabalho não precisa
necessariamente acionar o Poder Judiciário e pode tentar solucionar
extrajudicialmente a situação. Nesse sentido, destaca-se o instituto
Para fazer frente às crescentes demandas e
responsabilidades delegadas aos Procuradores do Trabalho, foram
criadas coordenadorias nacionais temáticas, calcadas em oito matérias
eleitas como prioritárias pelo Colégio de Procuradores: erradicação
do trabalho escravo e degradante; erradicação do trabalho infantil e
a proteção do adolescente; combate à discriminação nas relações de
trabalho; defesa da saúde do trabalhador e de um meio ambiente de
trabalho sadio; combate às fraudes nas relações de trabalho; combate
às irregularidades trabalhistas na Administração Pública; promoção
da implementação integral da legislação trabalhista relativamente ao
trabalho portuário e aquaviário; e promoção da liberdade sindical. As
Coordenadorias têm como objetivo principal viabilizar o exercício
98
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
99
das atribuições institucionais dos membros do MPT, de forma
harmônica e articulada, na busca da solução equânime de problemas
comuns enfrentados em todas as Procuradorias Regionais.
A Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente visa garantir, com
absoluta prioridade, os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, prevenindo e combatendo o trabalho infantil e regularizando o trabalho adolescente. Criada pela Portaria PGT n. 299, de 10 de
novembro de 2000, a COORDINFÂNCIA foi a primeira coordenadoria instituída no âmbito do MPT para atender às necessidades da
ação articulada e resultou do compromisso assumido pelos Procuradores do Trabalho expresso na Carta de Fortaleza – Pelo Resgate da
Cidadania das Crianças e dos Adolescentes que Trabalham.
O combate ao trabalho infanto-juvenil é de complexidade crescente e exige do Ministério Público comprometimento máximo, atuação articulada e trabalho em parceria3 com o governo e com
a sociedade civil, a fim de garantir, com absoluta prioridade, à criança
e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme expressa
previsão no art. 227 da Constituição da República de 1988 (Princípio
da Proteção Integral).
Por intermédio da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, o Parquet lança projetos para o combate
das piores formas existentes de exploração da mão de obra infantil,
sempre enfatizando as parcerias com entidades públicas e privadas
comprometidas com a erradicação dessa chaga social (item 6.2.1.2 do
Planejamento Estratégico do MPT). Entre as estratégias desenvolvidas,
busca-se conscientizar a sociedade, combatendo mitos relacionados
ao problema social e derrubando barreiras culturais que dificultam a
efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. (item
6.2.1.3 do Planejamento Estratégico do MPT).
Resultado de Comissões Temáticas e estudos realizados
na Procuradoria Geral do Trabalho e nas Procuradorias Regionais,
destinados a indicar políticas de atuação do Ministério Público no
combate ao trabalho escravo e regularização do trabalho indígena, foi
instituída, em 12 de setembro de 2002, por meio da Portaria nº 231, a
Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.4
Tendo em vista a observância do princípio da dignidade da pessoa
humana e a plena realização da cidadania, o planejamento estratégico
do Ministério Público do Trabalho define como metas principais da
CONAETE o combate ao trabalho escravo e degradante; o combate
ao tráfico de seres humanos; e a proteção ao trabalho indígena.
A condição degradante de trabalho configura, ao lado
do trabalho forçado, uma das mais graves formas de violação
da dignidade da pessoa humana. O homem, principalmente o
trabalhador simples, ao ser coisificado, negociado como mercadoria
barata e desqualificada, tem, pouco a pouco, destruída sua autoestima
e seriamente comprometida a sua saúde física e mental.
3 Parcerias estratégicas formadas com a Organização Internacional do Trabalho, Ministério
da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social do Combate à Fome, Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal,
Secretaria Especial de Direitos Humanos, Fórum Nacional de Aprendizagem, Comissão
Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Fundo das Nações Unidas para a Infância e
Adolescência, Agência Nacional dos Direitos da Infância, Frente Parlamentar dos Direitos
das Crianças e dos Adolescentes, Banco Nacional de Desenvolvimento Social, Associação
Nacional de Magistrados, Promotores e Defensores da Infância e da Juventude, Ministério
das Relações Exteriores, Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, Comitê Intersetorial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Criança e Adolescente, Ministério dos
Esportes, Fórum Nacional dos Centros de Apoio Operacional da Infância e da Juventude
dos Ministérios Públicos dos Estados, Ministério do Turismo, Escola Superior do Ministério
Público da União.
São notórias as ações de resgate conjuntas entre Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Federal, entre outros órgãos, levadas a cabo pelo Grupo Especial
Interinstitucional de Fiscalização Móvel5. Essas ações são expressão
plena da atuação proativa dos Procuradores do Trabalho, que efeti-
100
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
4 Inicialmente denominada CNCTE – Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho
Escravo.
5 Instituída pela Portaria MTE 265/2002.
101
vamente buscam violações aos direitos laborais difusos, coletivos e
individuais homogêneos, em prol da formação de uma ordem jurídica
e social justa e, portanto, da concretização do efetivo acesso à justiça
no Brasil.
A Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho visa ao combate à discriminação nas relações trabalhistas, seja
na admissão para o emprego, no curso do contrato ou na demissão,
além da promoção de igualdade de oportunidades, a fim de resguardar o pleno exercício da cidadania.
São definidas como estratégia de atuação a garantia de
inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o combate à discriminação e a promoção do direito à intimidade dos trabalhadores. A promoção da igualdade e do bem de todos, conforme consagrado na Magna Carta de 1988, consagra-se como um dos
principais vetores de atuação do Ministério Público do Trabalho, na
medida em que o acesso à justiça não se consolida sem a garantia de
uma isonomia entre todos os cidadãos, sem discriminação por raça,
cor, religião, entre outras.
A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, instituída pela Portaria PGT nº
386/2003, de 30 de setembro de 2003, surgiu pela necessidade de combater
e inibir as fraudes que objetivam afastar as relações de emprego e desvirtuar a aplicação dos direitos trabalhistas previstos na Constituição, na CLT e nas demais
normas de proteção ao trabalhador.6 O Ministério Público do Trabalho
também executa ações de combate a fraudes nas contratações trabalhistas como coação e lide simulada; utilização indevida do trabalho
voluntário e temporário.
Em uma sociedade progressivamente mais complexa
como a brasileira, as fraudes nas relações de trabalho são encontradas nos setores urbanos e rurais, públicos e privados, destacando-se
como mais intensas nas cooperativas de mão de obra, nas terceiriza6 Souza, Geraldo Emediato. Ministério Público do Trabalho. Coordenadorias Temáticas.
Ricardo José Macedo de Britto Pereira, organizador; Brasília: ESMPU, 2006. p. 79.
102
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
ções ilegais, nas “sociedades” de empregados, ou em outras fórmulas
criativas que prejudicam o trabalhador, reduzindo ou eliminando seus
direitos constitucionalmente garantidos.
Incorporado definitivamente ao cotidiano das empresas brasileiras a partir principalmente do final da década de 1970,
o instituto da terceirização, com raras exceções, tem conduzido os
assalariados a uma perda gradual dos direitos sociais e trabalhistas sedimentados nas Cartas Constitucionais e Texto Celestista. A esperada
e propagada inovação das relações de trabalho e as vantagens resultantes da subcontratação da mão de obra não geraram para os trabalhadores os mesmos benefícios alçados pelos setores empresariais. O
discurso neoliberal apenas aumentou a competição, o individualismo
e a exclusão social.
De acordo com o Planejamento Estratégico do Ministério Público do Trabalho, o objetivo da CONAFRET é o combate às
fraudes utilizadas para a descaracterização do vínculo empregatício
e àquelas perpetradas nas relações de trabalho (6.5. p. 46), com o
desenvolvimento de duas estratégias básicas: 1. Combater as fraudes
utilizadas para descaracterizar o vínculo de emprego (promoção de
atividades extrajudiciais ou judiciais para combater a utilização indevida da terceirização, estágio, cooperativas, pessoa jurídica, trabalho
voluntário, temporário, dentre outras – Item 6.5.1.1); 2. Combater as
fraudes perpetradas nas relações de trabalho (promoção de atividades
judiciais ou extrajudicial para combater práticas fraudulentas nas relações de trabalho, tais como coação, colusão e a lide simulada – Item
6.5.2.1).
Instituída pela Portaria PGT nº 409, de 14 de outubro
de 2003, a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública tem o objetivo de
coibir atos de desrespeito à legislação constitucional e trabalhista pela
Administração Pública, notadamente a inobservância do princípio do
concurso público e a prática de atos de improbidade administrativa.
O desrespeito às normas que tratam das relações
de trabalho pelo setor público traz consequências negativas não
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
103
somente para a relação de trabalho estabelecida entre o Estado e
o servidor, sonegando a esse trabalhador direitos inalienáveis, mas
também a toda a sociedade, que se vê privada de servidores públicos
motivados e capacitados. Quando o próprio Estado é relapso quanto
aos direitos de seus cidadãos, especialmente daqueles que trabalham
para o próprio Estado, não se pode sequer vislumbrar uma ordem
jurídica e social justa, baseada na justiça social e consubstanciada no
acesso à justiça.
Nesse tocante, são estratégias basilares dos Procuradores do Trabalho, coordenados pela CONAP, o combate à terceirização ilícita na administração pública, a promoção da observância do
princípio constitucional do concurso público, a extinção da utilização
irregular do trabalho temporário na administração pública e a repressão dos atos de improbidade administrativa, por exemplo.
Segundo a Constituição Federal do Brasil/1988 “Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”,
além de competir ao sistema único de saúde “colaborar na proteção ao
meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (artigos 200, VIII7 e 225).
Além disso, a Carta Magna estabelece expressamente como direito
social dos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (artigo 7º, XXII).
Tais dispositivos, inclusive os adicionais de insalubridade
e periculosidade, expressamente previstos no artigo 7º da Constituição
Federal de 1988 (inciso XXIII), fundamentam, na lição de Gustavo
Felipe Barbosa Garcia8, o sistema jurídico de tutela do meio ambiente
de trabalho, reconhecido pela Carta da República, em seu artigo 200,
VIII, já mencionado. Todos incluídos no importante rol de Direitos
Humanos Fundamentais (art. 5º, § 2º, da CF/1988), aspecto também
reconhecido no âmbito internacional.
O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, integra
o conjunto de órgãos incumbidos pelo Estado para defesa de um
meio ambiente laboral equilibrado, seguro, saudável e hígido (art.129,
III, CF; art.6º, VII, “c” e “d”, art.83, III e art. 84, II, todos da Lei
Complementar nº 75/93). Em sua atuação, baseia-se o Parquet no
conceito de saúde e segurança elaborado pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), nas normas da Organização Internacional do
Trabalho, na Constituição Federal, na CLT, bem como nas portarias
e normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego.
Justamente para fazer frente à difícil tarefa de tornar o
meio ambiente do trabalho equilibrado, garantindo uma qualidade
de vida saudável aos obreiros, o Ministério Público do Trabalho
aprimorou seus instrumentos de intervenção. Assim foi criada a
Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do
Trabalho, instituída pela Portaria PGT nº 410, de 14 de outubro de
2003, em harmonia com a nova estrutura da Instituição, substituindo
a Comissão Temática Sobre Saúde e Segurança no Trabalho, cuja meta
primordial era desenvolver estudos e propor estratégias de atuação
na área.
A Coordenadoria tem como objetivo primordial a
conjugação de esforços para harmonizar as ações desenvolvidas
pelo Ministério Público do Trabalho na defesa do meio ambiente
laboral, inclusive no que se refere ao relacionamento com outros
órgãos e entidades, fornecer apoio técnico-científico, observadas
as disponibilidades materiais e de pessoal, e integrar as Unidades
de Lotação, visando ao tratamento uniforme e coordenado quanto
à temática, com a escolha das estratégias de atuação institucional e
das providências para implementar a legislação vigente, conforme
disposto no artigo 1º do seu Regimento Interno.
7 Art. 200 CF/88. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei: (…) VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o
do trabalho.
8 Meio Ambiente de Trabalho. Direito, Segurança e Medicina do Trabalho. 2 ed. São Paulo:
Método, 2009. p. 20/19.
A Coordenadoria Nacional de Trabalho Portuário
e Aquaviário tem como objetivo definir estratégias coordenadas e
integradas de política de atuação institucional, em consonância com
o princípio da unidade, respeitada a independência funcional, visando
à implementação integral da legislação trabalhista relativamente ao
trabalho portuário e aquaviário. A preocupação do Ministério Público
104
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
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do Trabalho reside no trabalho marítimo decente, localizando-se no
trabalho em embarcações (shipping), fluviário (inland waterways) e da
pesca. São 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) os trabalhadores
marítimos, sendo essa uma estimativa baseada em dados fornecidos
pela SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho), dividindo-se em: 2
milhões de trabalhadores na pesca (pesca oceânica/industrial e
comercial/costeira), 400 mil na construção naval e 100 mil na Marinha
Mercante. Esse número pode ser bem maior se observarmos dados
não oficiais.
É irrefutável que esses trabalhadores estão sujeitos
a escalas de trabalho atípicas, com deslocamentos permanentes,
privados do convívio familiar. Além disso, não têm acesso à justiça,
porquanto em muitos casos as relações laborais não são formalizadas,
via assinatura e registro da CTPS, inexistem patamares mínimos de
segurança e saúde exigidos pela OIT - Organização Internacional
de Trabalho, e a atuação dos Procuradores do Trabalho é bastante
limitada, haja vista o caráter itinerante desses trabalhadores.
Esses desafios são encarados como incentivos à maior
atuação do Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, um dos
objetivos estratégicos do Parquet laboral é formar forças-tarefas em
determinadas localidades, inclusive com o deslocamento de membros,
peritos e servidores para diferentes unidades da Federação, a fim de
realizar inspeções sobre as condições dos trabalhadores de atividades
aquaviárias.
informado sobre ameaças e violações a direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos. O acesso à justiça, por assim dizer, começa
nos sindicatos.
A defesa da liberdade sindical, portanto, é encarada
pelo Ministério Público do Trabalho como uma fundamental
base para o acesso à justiça no Brasil. Nesse âmbito, destaca-se o
Projeto 200, que visa estabelecer estratégias de atuação do MPT na
promoção de representação dos trabalhadores nas empresas com
mais de 200 empregados, incrementando o entendimento entre
empregados e empregadores e constituindo importante mecanismo
para a composição e a pacificação dos conflitos trabalhistas, com
contribuições essenciais para a melhoria das condições sociais dos
trabalhadores de diversos setores da economia.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, deve-se reiterar que uma ordem
jurídica e social justa, fundamentada na justiça social, baseia-se na
defesa das relações de trabalho. As relações de trabalho permeiam
praticamente todas as interações dos indivíduos com a sociedade, e
nesse contexto devem ser protegidas para se garantir acesso amplo e
irrestrito à justiça.
A Coordenadoria Nacional de Promoção da
Liberdade Sindical, instituída pela Portaria PGT nº 211, de 28 de
maio de 2009, tem o objetivo de garantir a liberdade e a democracia
sindical, combater os atos antissindicais, assegurar o direito de greve
e buscar a pacificação dos conflitos coletivos trabalhistas.
O Ministério Público do Trabalho tem função essencial
para o acesso amplo à justiça por parte de toda a sociedade brasileira.
A temática laboral e o acesso à justiça são direitos humanos
básicos, que devem ser defendidos e ampliados continuamente. A
interdependência estrita entre ambos os conceitos, que podem
mesmo ser considerados simbióticos, demanda a evolução conjunta
de ambos.
Reconhece-se que os sindicatos, em muitos casos, são
a porta de entrada dos trabalhadores na luta por seus direitos. É
nos sindicatos que muitos trabalhadores são informados sobre seus
direitos e são amparados por advogados constituídos. É por meio dos
sindicatos que, em muitos casos, o Ministério Público do Trabalho é
Nota-se que o Ministério Público do Trabalho tem
uma postura proativa na busca pela ampliação do acesso à justiça,
tanto como órgão interveniente quanto agente. A atuação dos
Procuradores do Trabalho não se resume ao acionamento do Poder
Judiciário brasileiro, mas engloba também uma ampla gama de ações
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extrajudiciais com vista a garantir o direito integral de acesso à justiça
a todos os trabalhadores do país.
Diferentemente do Judiciário, caracterizado pelo
princípio da inércia, o Ministério Público tem como dever a busca
efetiva de situações nas quais a ordem jurídica, o regime democrático
ou os interesses sociais e individuais indisponíveis estejam sendo
violados. O labor dos Procuradores do Trabalho não se resume às
quatro paredes dos seus escritórios nem das salas de audiência nem
dos plenários dos tribunais trabalhistas. Os membros do Ministério
Público devem efetivamente buscar ilícitos que deprimem o processo
de formação de uma ordem jurídica e social justa.
Para fazer frente ao trabalho hercúleo da defesa dos
direitos trabalhistas em uma sociedade forjada historicamente sobre
a exploração dos trabalhadores, a ação do Ministério Público do
Trabalho deve ser multifocada e multivetorial. Em face das crescentes
demandas e responsabilidades, as Coordenadorias Nacionais Temáticas
são fundamentais para garantir a ação efetiva, eficiente e coesa dos
Procuradores do Trabalho em todo o território nacional contra os
principais desafios às relações laborais brasileiras (erradicação do
trabalho escravo e degradante; erradicação do trabalho infantil e a
proteção do adolescente; combate à discriminação nas relações de
trabalho; defesa da saúde do trabalhador e de um meio ambiente de
trabalho sadio; combate às fraudes nas relações de trabalho; combate
às irregularidades trabalhistas na Administração Pública; promoção
da implementação integral da legislação trabalhista relativamente ao
trabalho portuário e aquaviário; e promoção da liberdade sindical).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho. 4. ed.
São Paulo: LTr, 2010.
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. 2.
ed. Ilhéus: Editus, 2007.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e o princípio
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do Trabalho. Coordenadorias Temáticas. Brasília: ESMPU, 2006.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio Ambiente de Trabalho – Direito, Segurança e Medicina do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Método,
2009.
Em suma, a ação do Ministério Público do Trabalho
visa a garantir o pleno acesso à justiça no Brasil, especialmente
aos indivíduos mais vulneráveis às relações desiguais entre capital
e trabalho. Nesse contexto, a defesa dos denominados direitos
metaindividuais pelo Ministério Público do Trabalho está fortemente
assentada nas ações judiciais e extrajudiciais para a garantia de direitos
trabalhistas difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
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AMIANTO: A CRÔNICA DE UMA
TRAGÉDIA EPIDEMIOLÓGICA
ANUNCIADA
Márcia Cristina Kamei López Aliaga1
INTRODUÇÃO
O amianto ou asbesto é o nome que foi comercialmente
atribuído ao conjunto de minerais que tem em sua composição o
silicato de magnésio. A parte fibrosa desses minerais é conhecida
e utilizada desde os primórdios da civilização, quando o homem
primitivo o adicionava à argila para confeccionar os primeiros artefatos
refratários (resistentes à chama e ao calor) que se tem conhecimento
em toda a história da humanidade (GIANNASI, 2005). Suas
surpreendentes propriedades físico-químicas de grande resistência
mecânica, incombustibilidade, resistência a ataques ácidos, alcalinos
e de bactérias, flexibilidade, aliadas ao baixo custo decorrente de sua
abundância na natureza, rendeu-lhe a alcunha de “mineral mágico”.
A utilização em escala comercial remonta ao início da Revolução
Industrial, quando já demonstrava ser o material perfeito para isolar
as máquinas a vapor. No Século XX já era possível listar mais de
3.000 produtos que utilizavam o amianto (MENDES, 2001).
Atualmente ainda é possível identificar o uso do amianto
em diversos produtos: pisos vinílicos, telhas, caixas d´água, divisórias,
forros falsos, tubulações, vasos de decoração e para plantio, isolamento
1 Procuradora do Trabalho. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola
Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Membro da Comissão Nacional de
Gestão Ambiental do Ministério Público do Trabalho. Vice-Gerente do Projeto Nacional de
Banimento do Amianto do Ministério Público do Trabalho.
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acústico e térmico e outros artefatos de cimento amianto, utilizados
especialmente pela indústria da construção civil. Também pode ser
empregado na fabricação de lonas e pastilhas de freios, juntas, gaxetas
e outros materiais de isolamento e vedação, revestimentos de discos
de embreagem, tecidos para vestimentas e acessórios antichama ou
calor, tintas, instrumentos de laboratório, além da indústria bélica,
aeroespacial, petrolífera, têxtil, de papel e papelão, naval, de fundição,
de produção de cloro-soda, entre muitas aplicações industriais.
Infelizmente, a larga utilização do amianto veio
acompanhada de um histórico de doenças, mortes, tragédias familiares
e de um nefasto legado de danos à saúde coletiva, no que vem sendo
considerada a maior tragédia sanitária do século XX. Centenas de
milhares de pessoas já sucumbiram ou sofrem danos irreparáveis
à saúde, em razão de doenças relacionadas à exposição dessa fibra.
Cidades inteiras, como Casale Monferrato, na Itália, Córsega na
França, Widnes no Reino Unido, enfrentam os efeitos da exposição
de sua população a esse mineral, que agora é chamado de “mineral
maldito”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 125
milhões de trabalhadores no mundo estão expostos à fibra. Acreditase que cerca de 107 mil trabalhadores morrem por ano por doenças
relacionadas ao amianto: câncer de pulmão, mesotelioma (tumor
maligno atribuído à exposição ao amianto, que leva rapidamente
a óbito as vítimas diagnosticadas), asbestose (enrijecimento do
tecido pulmonar, que leva à falta de ar, podendo matar por asfixia).
Estima-se que uma em cada três mortes por câncer ocupacional está
associada ao amianto (GIANNASI, 2012). A Agência Internacional
de Pesquisa em Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde
(OMS), considera que não pairam mais dúvidas científicas sobre a
carcinogenicidade do amianto/asbesto.
EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Desde a Antiguidade eram conhecidos os efeitos
maléficos do amianto sobre a saúde humana. Porém, as evidências
clinicas e epidemiológicos são catalogadas a partir do início do século
XX.
Montagne Murray foi o autor do primeiro caso de
pneumoconiose por amianto ou asbestose (fibrose pulmonar
progressiva e irreversível) bem documentado, envolvendo um
trabalhador da indústria têxtil, único sobrevivente de um grupo de 11
colegas, no ano de 1906 (Giannasi, 2005).
Em 1935 o patologista britânico Gloyne, alerta para o
potencial carcinogênico do amianto. Publicações norte-americanas
de Lynch & Smith, nesse mesmo ano, confirmam achados de câncer
de pulmão relacionados à exposição ao asbesto (Mendes, 2001).
No ano de 1955, o epidemiologista britânico Richard
Doll, publicou estudo que estabeleceu definitivamente a associação
causal entre exposição ocupacional ao asbesto e câncer de pulmão,
demonstrando que a frequência dessa doença em trabalhadores da
indústria têxtil que utilizava amianto, por vinte anos ou mais, era dez
vezes a esperada para a população geral (Mendes, 2001).
Estudos que se desenvolviam a partir da década de
30, sugerindo a relação causal entre exposição ao amianto e o
desenvolvimento de tumores de pleura e/ou peritônio extremamente
malignos, os mesoteliomas, foram confirmados por Wagner et al.
(1960). Em publicação reportando estudo envolvendo 33 casos de
mesotelioma, concluiu-se que 32 eram de trabalhadores que haviam
laborado em minas de amianto na África do Sul e/ou residido nas
proximidades. Desse estudo, veio a importante observação de que
o mesotelioma maligno pode se desenvolver mesmo após curtas
exposições ou de exposição em baixas doses. Porém, via de regra,
surge após longo tempo de latência (Mendes, 2001).
Atualmente já há certeza científica de que o período de
latência para o desenvolvimento de mesotelioma maligno de pleura e/
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ou peritônio é extremamente longo, de 30 a 35 anos, ou mais. Também
existem evidências da aparente não dependência de dose-resposta a
estabelecer relação de causalidade entre o amianto e os mesoteliomas
(Mendes, 2001). A Occupational Safety & Health Administration
– OSHA, órgão estatal norte americano encarregado da saúde e
segurança no trabalho considera que, mesmo o Limite Permitido
de Exposição (PEL) de 0,1 fibra/cm3 não garante a segurança do
trabalhador. Em suma, não há limite seguro de exposição e a doença
pode desenvolver-se muito tempo após a exposição à fibra.
A “HIPÓTESE DOS ANFIBÓLIOS”
Antes de adentrarmos na questão proposta nesse item,
necessário esclarecer que fibras de amianto são classificadas em dois
grupos: dos afibólios (amosita, crocidolita, antofilita, actinolita e
tremolita) e das serpentinas (crisotila). A crisotila, também conhecida
como “amianto branco” é a que possui maior interesse comercial,
respondendo por mais de 95% da produção mundial (Giannasi,
2005).
À medida que os estudos relacionando a exposição ao
amianto ao aparecimento de doenças graves avançava, surgiram teses
defendendo que estas estariam relacionadas ao tipo de fibra utilizada,
ou seja, a periculosidade do amianto estaria circunscrita ao grupo dos
anfibólios. Tais estudos possuíam caráter claramente tendencioso,
no sentido de isentar o amianto branco (crisotila) dessa relação de
causalidade.
A hipótese dos anfibólios não se sustentou, havendo
clara direção no sentido de tratar da nocividade de todas as fibras de
amianto, indistintamente.
O CASO BRASILEIRO: PERPETUAÇÃO DO
MODELO “DOUBLE STANDARD”
A produção do amianto no Brasil foi intensificada
na década de 1970, quando o país estava sob o manto do governo
militar. Nessa época, já havia conhecimento científico suficiente para
concluir-se sobre a nocividade do amianto à saúde da população. Na
Europa e nos Estados Unidos, iniciavam-se movimentos pregando o
banimento da fibra e as fábricas se preparavam para sua substituição. A
solução encontrada por algumas empresas foi abrir novos mercados,
em clara transferência de riscos para os países em desenvolvimento
ou do denominado, à época, Terceiro Mundo (Castro, et al., 2003).
Esse mesmo caminho já havia sido desbravado por
outras substâncias, como o DDT, Drins e outros que, proibidos no
Hemisfério Norte, encontraram no Brasil campo fértil para estender
o período de lucratividade de algumas empresas. Infelizmente,
ainda somos o destino de diversas substâncias banidas no mercado
internacional, como ocorre em números tipos de agrotóxicos. Tratase da perpetuação do modelo “double standard”: produção limpa nos
países desenvolvidos e produção suja nos países em desenvolvimento;
transferência de lucros para os países de origem e transferência de
riscos para os terceiro mundistas.
A teoria que defendia a inocuidade do crisotila, partia
da observação de que, em pulmões necropsiados, foi verificada a
retenção predominante das fibras de anfibólios. Considerava-se,
nesses estudos, que a carcinogenicidade estaria relacionadas ao grau
de retenção das fibras nos pulmões (Mendes, 2001). A tese, porém,
não resistiu às revisões epidemiológicas empreendidas nos anos que
a sucederam. Mesmo em estudos envolvendo exposição ao amianto
crisotila apenas, foram detectados casos de mesotelioma maligno de
pleura.
O Brasil está entre os cinco maiores produtores de amianto
no mundo. O ranking é liderado pelo Canadá. Este, curiosamente,
não consome a sua larga produção de amianto, exportando cerca de
98% de toda a sua produção. Seria este país motivado a adotar essa
conduta, pelo seu conhecido sistema público de saúde? O Brasil,
ao contrário, consome cerca de 70% de sua produção (Castro et al.,
2003).
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Nosso país adotou, na contramão das evidências
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científicas e da história, legislação restritiva, porém permissiva, do uso
controlado do amianto crisotila. Outros tipos de amianto não podem
mais ser utilizados. Porém, ignorando todo o alerta da comunidade
internacional, dos movimentos sociais, ainda vigora em nosso país a
tese do uso controlado do amianto. Estamos atrás dos nosso vizinhos
Chile e Argentina, que já baniram o amianto dentro de suas fronteiras,
assim como de outros mais de 60 países.
A Lei 9055/95, quando aprovada, contava com grande
defasagem em relação ao que vinha sendo preconizado nos países
desenvolvidos. O uso controlado do amianto, ainda que do tipo
crisotila, havia sido tentado, mas fracassou diante da impossibilidade
de se prevenir a exposição daqueles que se expunham a ela. Os
efeitos maléficos do amianto à saúde em países como França, Itália,
Reino Unido, Espanha, entre outros, já ultrapassava os muros das
fábricas, atingindo moradores do entorno, mulheres e crianças que
tinham contato direto ou indireto com as roupas dos trabalhadores
que laboravam em fábricas, trabalhadores da indústria da construção
civil, têxteis e de isolantes.
Na França, onde o lobby do amianto atuou fortemente,
a prorrogação do modelo do uso controlado teve que ceder à
pressão popular, que surgiu a partir da notícia de que professores e
trabalhadores de uma universidade estavam com asbestose e câncer
de pulmão, pois o isolamento da edificação em que trabalhavam era
de amianto.
Recentemente, o Tribunal de Turim, na Itália, em
decisão histórica condenou penalmente o diretor de uma grande
multinacional de fibrocimento, pelos danos causados à população de
Casale Monferrato.
expostos ao amianto ao SUS. Também é ignorado o cumprimento do
quanto previsto no Anexo 12, da NR-15, que prevê a necessidade de
acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto,
mesmo após a demissão, por 30 anos ou mais. O descumprimento
dessas obrigações contribui para que as doenças relacionadas ao
amianto não sejam identificadas, acompanhadas e registradas pelos
serviços de saúde. E também para que as empresas não venham a ser
devidamente responsabilizadas.
CONCLUSÃO
É necessária a urgente revisão da legislação brasileira,
que ainda permite a utilização, em tese controlada, do amianto.
Considerando que o pico de produção no país ocorreu na década de
1970 e que o período de latência de doenças relacionadas ao amianto
é longo, pesquisadores estimam que o pico de adoecimento no país
pode estar ocorrendo agora, entre os anos de 2005-2015 (Castro et al,
2003). Atualmente diversos casos de mesotelioma, envolvendo não
apenas trabalhadores de fábrica, mas moradores do entorno delas e
das minas, já estão sendo identificados (Capitani et al., 1997).
O colombiano Gabriel Garcia Márquez em sua obra
“Crônica de uma morte anunciada” narra a trajetória da morte do
personagem Santiago Nasar, que morre pelas facadas desferidas
pelos irmãos Vicário, diante de uma plateia que, mesmo ciente da
iminente tragédia, acompanha a trama silenciosa e inerte. Superar
essa defasagem temporal, evitar a tragédia que assolou outros países,
romper a barreira do silêncio epidemiológico, é medida de cidadania.
A Lei 9055/95, sobre a qual paira diversas ações de
inconstitucionalidade, além de padecer do vício do atraso desde a
sua origem, prevê uma série de obrigações às empresas que utilizam
o amianto e ao sistema de saúde que são simplesmente ignorados
ou descumpridos, sob o manto de liminares judiciais. É o caso da
necessidade de encaminhamento da listagem dos trabalhadores
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MENDES, René. Asbesto (amianto) e doença: revisão do
conhecimento científico e fundamentação para uma urgente mudança
da atual política brasileira sobre a questão. Cadernos de Saúde Pública.
2001; 17 (1): 7-29.
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CASTRO, H.; GIANNASI, F.; NOVELLO, C. A luta pelo Banimento
do amianto nas Américas: uma questão de saúde pública. Ciência &
Saúde Coletiva. 2003; 8 (4): 903-911.
DE CAPITANI, E.M.; METZE, K.; PRAZATO Jr., C.; ALTEMANI,
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maligno de pleura com associação etiológica ao asbesto: A propósito
de três casos clínicos. Revista da Associação Médica Brasileira. 1997, 43:
265-272.
“FRAGILIDADE” DA MULHER:
SOCIEDADE, TRABALHO E FORMAS DE
DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA
Nathália Eberhardt Ziolkowski1
Marina Belini Morilha2
Quando as mulheres lutaram para sair de seus postos
domésticos, ocupados por pré-destinação sócio-cultural, não era
pensando em encontrar um cenário de decadentes relações de
poder que lhes violassem ainda mais os direitos e que, dia-a-dia, lhes
empurrasse ao lugar de subordinação conclamado em um vigente
sistema opressor ainda sustentado pelo imaginário social de fragilidade
e incompetência das mulheres.
Pela perspectiva da equidade, a qual se define no âmbito
dos estudos de gênero e defesa dos direitos humanos das mulheres,
ocupar os espaços públicos, simbolicamente, faz emergir a idéia de
transformação deste espaço, bem como da vida privada.
É pensando nessa transformação em ocorrência que o
conceito gênero se torna evidente nos estudos que priorizam o olhar
para a mulher na sociedade brasileira.
Por muito tempo (diríamos até os dias de hoje), ao
1 Socióloga. Mestre em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Especialista em Filosofia e Ensino de Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano - Pólo
Campo Grande. Coordenadora do Fórum de Trabalho Decente Mulher (FTD-Mulher).
2 Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia do Trabalho pelo Centro Brasileiro de Estudos
Sistêmicos – Curitiba-PR (CBES). Vice-coordenadora do Fórum de Trabalho Decente
Mulher (FTD-Mulher).
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pensarmos as relações sob a ótica de gênero, observamos o quanto
nossa sociedade estrutura-se para edificar as funções sociais do
feminino e do masculino. As mulheres sempre são associadas às
brincadeiras dentro de casa. Depois de adultas estão associadas
às atividades domésticas, o imaginário social sobre as mulheres dá
conta de sustentar por muito tempo sua condição social de frágil, de
incapaz, de insegura fora do espaço interno, da casa, e isso, por outro
lado, contribui para que as mulheres tenham seu caminho traçado
pelas instituições sociais, como a família, a escola, as redes sociais
etc., dentro de um perfil que materializa o tipo ideal esperado para o
ser mulher. Assim estamos sempre aptas a assumir exatamente esses
papéis em nossa sociedade, alimentando ainda mais o imaginário que
associa tais fatores culturais ao determinismo biológico quando se
trata dos papéis masculinos e femininos.
1 A LUTA DAS MULHERES POR AUTONOMIA X
RELAÇÕES DE TRABALHO
Ainda que as mulheres ocupem tantos espaços e
independências nos dias de hoje, essa perspectiva encontra-se
arraigada nos pequenos detalhes das relações sociais, a exemplo citase a sobreposição de tarefas. Pouco se questiona ainda sobre o papel
dos homens nas atividades domésticas, que permanecem relegando
às mulheres como em toda a história, mesmo que elas estejam
ocupando postos de trabalho fora do âmbito familiar. Ademais, dar
conta do cuidado com o espaço da vida privada aparece muitas vezes,
como uma punição ao desejo da mulher em conquistar um emprego
e sua independência financeira. As mulheres não podem reclamar de
tal sobrecarga de trabalho, pois a sociedade lhes diz constantemente
que foram elas que buscaram isso, de modo que, além de buscar
fortalecer sua identidade fora de casa, é preciso corresponder ao que
se espera de uma mulher para o espaço todo seu, o lar.
Teóricas da condição da mulher na sociedade afirmam
que, foi a partir da década de 1960 e 1970, que o conceito de gênero,
hoje utilizado para problematizar tais relações, ganhava forma diante
das transformações sociais.
Tendo sido feita uma revisão dos olhares culturais para
o papel da mulher na vida pública, por outro lado, dentro de casa,
o mesmo não ocorreu em relação aos homens. A problemática que
envolve a mulher e o trabalho é apresentada no presente estudo.
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Os corpos das mulheres apresentam-se, ao longo da
história, em dinâmicas próprias de sociedades em seus contextos
peculiares, entretanto, nos revela objeto de dominação e de inscrição
das formas hierárquicas que o poder entre os gêneros constitui.
No ocidente, as mulheres não tinham história, não eram
pensadas do ponto de vista do ser político, tampouco consideradas
sujeitos pensantes. Por toda a história, essa realidade se assumia
concreta, impedindo as mulheres de evidenciarem-se publicamente
no que já desenvolviam, muitas vezes tendo estas que assumirem
pseudônimos masculinos para terem reconhecimento social; assim
foi com escritoras, escultoras, poetisas, entre outras.
Até a década de 1970, segundo Joan Scott (1998), a história
das mulheres não era discutida sob a ótica das relações
entre homens e mulheres. Posterior a isso, as historiadoras
passaram a se questionar sobre o porquê e como as mulheres
se tornaram invisíveis na história. Passaram então a repensar
a teoria das relações de gênero englobando o sujeito mulher
e o sujeito homem. Para Scott são esses questionamentos
que dão origem ao conceito de gênero enquanto categoria
de análise. Lauretis (1994) aponta que naqueles limiares
dos anos 1970 e 1980 as teorizações feministas sobre os
gêneros passaram a conceber o sujeito social e as relações
de subjetividade sob a forma do sujeito constituído no
gênero, não somente pelas diferenças sexuais, mas por
outras determinantes como as representações, os discursos,
os códigos linguísticos. (LAURETIS; SCOTT apud
ZIOLKOWSKI, 2011, págs. 297-298).
O homem sempre teve o provimento do lar como tarefa
e objetivo de suas vivências. Há quem diga que as mulheres vão para
o trabalho fora de casa porque os homens foram convocados para a
guerra. Primeira e Segunda Guerras Mundiais aparecem assim, como
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as justificativas para a responsabilidade feminina de ocupar espaços
públicos e desempenhar funções nunca antes desempenhadas.
Figura emblemática e histórica desse momento é a
imagem da norte-americana Geraldine Hoff Doyle que, no período
da Segunda Guerra Mundial, modelou para um cartaz que convocava
as mulheres ao trabalho que, de origem, era dos soldados em combate.
A classe operária, formada por homens, estava na guerra, restava às
mulheres assumirem seus postos e a economia do país.
O slogan do cartaz dizia “We can do it!”, frase que
depois foi apropriada por grupos mulheres organizadas e feministas
para reforçar sua capacidade vital de exercer funções relegadas aos
homens.
Entretanto, acreditar que as mulheres foram empurradas
pelo sistema político-econômico para o mercado de trabalho, seria
negligenciar uma história de lutas, com derrotas e conquistas, de
mulheres que acreditavam ser o trabalho emancipatório, e lutavam
para ocupar postos de trabalho em suas cidades.
Não foi acidentalmente ou obrigatoriamente que
as mulheres se tornaram operárias, empregadas, trabalhadoras,
autônomas, tampouco é possível acreditar que, mais uma vez, a
história de grandes fatos sociais contadas por grandes homens,
pudesse mais uma vez definir a trajetória feminina.
Mais tarde, após a Segunda Guerra, feministas como
Simone de Beauvoir e Betty Friedan escrevem sobre a mulher e as
relações de trabalho que aparecem como condição da emancipação
feminina, resultado de reflexões e lutas já travadas por mulheres nesse
âmbito.
Friedan (1971) revela que um dos problemas da inserção
da mulher no mercado de trabalho foi que, mesmo assumindo o
espaço público, as características essencializadoras do ser mulher,
estavam de tal modo arraigadas na cultura, que faziam parte do
cenário que se edificava da mulher x mercado de trabalho.
Na década de 1950, conta:
122
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Os decoradores planejavam cozinhas com murais de
mosaico e quadros originais, pois a cozinha transformarase no centro da vida feminina. Costurar em casa tornou-se
uma indústria milionária. A maioria das mulheres só saía
para fazer compras, levar as crianças de um local para outro,
ou comparecer a compromissos sociais com o marido.
Moças principiavam a educar-se sem jamais ter tido um
emprego fora de casa. Em fins da década observou-se um
fenômeno sociológico: um terço das mulheres americanas
trabalhava, mas a maioria não era jovem e poucas estavam
seguindo carreira. Eram geralmente casadas, secretárias ou
vendedoras, com empregos de meio expediente, ajudando a
pagar os estudos do marido ou dos filhos, ou colaborando
na liquidação de uma hipoteca. Um número cada vez menor
dedicava-se a trabalho verdadeiramente profissional. A falta
de enfermeiras, assistentes sociais e professoras provocou
crises em quase todas as cidades americanas. Preocupados
com a dianteira da União Soviética na corrida espacial, os
cientistas observaram que o maior contingente intelectual em
disponibilidade eram as mulheres. Mas estas não estudavam
físicas: não era feminino. Uma jovem recusou uma vaga de
ciência no John Hopkins para trabalhar no escritório de uma
imobiliária. Sua ambição era a de toda jovem americana —
casar, ter quatro filhos e viver numa bonita casa, num bairro
agradável. (FRIEDAN, 1971, pág 17).
Feministas como elas defendiam a independência da
mulher através do trabalho, porém, um trabalho desarraigado de
valores patriarcais e sexistas. Friedan nas décadas de 1960 e 1970
falava sobre o papel da mulher na indústria, sobre sua função de dona
de casa e o que tudo isso implicava para a manutenção do capitalismo
e o que este sistema gerava nas mulheres, desespero e depressão.
Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (1970) também
analisava a concepção de pensadores socialistas sobre as relações de
trabalho e os criticava quando acreditavam que a desigualdade entre os
gêneros surgia do capitalismo e findaria com a derrocada do sistema.
De igual modo é impossível deduzir a opressão da mulher da
propriedade privada. Ainda aqui a insuficiência do ponto de
vista de Engels é manifesta. Êle compreendeu muito bem que
a fraqueza muscular da mulher só se tornou uma inferioridade
concreta na sua relação com a ferramenta de bronze e de ferro,
mas não viu que os limites de sua capacidade de trabalho
não constituíam em si mesmos uma desvantagem concreta
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
123
senão dentro de dada perspectiva. É porque o homem é
transcendência e ambição que projeta novas exigências
através de toda nova ferramenta. Quando inventou os
instrumentos de bronze não se contentou mais com explorar
os jardins; quis arrotear e cultivar vastos campos; não foi do
bronze em si que jorrou essa vontade. A incapacidade da
mulher acarretou-lhe a ruína porque o homem apreendeu-a
através de um projeto de enriquecimento e expansão. E
esse projeto não basta ainda para explicar por que ela foi
oprimida: a divisão do trabalho por sexo poderia ter sido
uma associação amigável. Se a relação original do homem
com seus semelhantes fosse exclusivamente uma relação de
amizade, não se explicaria nenhum tipo de escravização: esse
fenômeno é consequência do imperialismo da consciência
humana que procura realizar objetivamente sua soberania.
Se não houvesse nela a categoria original do Outro, e uma
pretensão original ao domínio sobre o Outro, a descoberta da
ferramenta de bronze não poderia ter acarretado a opressão
da mulher. Engels não explica tampouco o caráter singular
dessa opressão. Tentou reduzir a oposição dos sexos a um
conflito de classes: fê-lo, aliás, sem grande convicção; a tese
não é sustentável. É verdade que a divisão do trabalho por
sexo e a opressão que dela resulta evocam, em certos pontos,
a divisão por classes, mas não seria possível confundi-las.
(BEAUVOIR, 170, págs. 77 e 78)
Não importando o sistema sócio-político e econômico
vigente, essas autoras demonstram que a opressão feminina, seja
no espaço doméstico ou no público, evidencia-se por relações de
poder mais profundas. A dominação de um gênero sobre o outro,
no caso de nossa história a dominação masculina, se estabelece
por desigualdades mais profundas que as geradas pela exploração
econômica, ainda que esta traga muitos elementos opressores e de
controle dos corpos femininos. A condição mulher no mercado de
trabalho vem mostrar isso.
Como demonstra a história do Dia Internacional da
Mulher - 8 de Março - muito antes da Primeira e Segunda Guerras
Mundiais, as mulheres já lançavam mão de suas pré-destinações sociais
para desempenhar atividades laborais. Caracteristicamente capitalista,
as produções em massa, as grandes indústrias e as exaustivas jornadas
de trabalho eram parte fundamentais de suas revoltas. A data marca a
luta de mulheres por melhores condições de trabalho, pela redução da
124
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
jornada de trabalho e pelo fim dos incidentes gerados pelas péssimas
condições das indústrias em que mulheres trabalhavam nos Estados
Unidos e Europa no final do século XIX e início do século XX.
Hoje, inseridas no mercado de trabalho, qualificadas,
ocupando altos cargos e posições políticas, as mulheres ainda possuem
muitas reivindicações para que sua escolha de desempenhar funções
públicas e ocupar postos de emprego seja realmente aceita pela
sociedade e garantida pelo Estado. Dentre essas lutas estão a criação
de creches e que essas funcionem em períodos integrais, bem como
as escolas, o enfrentamento ao tráfico de mulheres e outras formas de
exploração do trabalho e violação de seus direitos humanos.
2 TRABALHO E SAÚDE
Historicamente a mulher sempre foi colocada em papel
secundário na vida política, econômica e social. O aumento da
participação da mulher no mercado de trabalho é uma conquista
fundamental da luta pela emancipação feminina na sociedade e
resultado da alteração de inúmeros fatores econômicos, sociais e
culturais, conforme apontamos anteriormente.
Esse espaço conquistado por elas ainda precisa ser
ampliado e revisto, principalmente no que diz respeito ao mercado
de trabalho. Vemos que na sociedade atual inúmeros problemas
ligados ao ambiente de trabalho são a causa de sérios danos à saúde
das mulheres trabalhadoras. Exemplos disso são: a longa jornada
de trabalho; a tensão e a exposição a certos produtos químicos que
provocam irregularidades no ciclo menstrual, cólicas mais fortes e até
abortamento involuntários; interrupção da amamentação e falta de
berçários, creches ou outros locais seguros onde seus filhos possam
ficar enquanto labutam; estresse/cobrança; discriminação; manuseio
de cargas além do permitido em lei; o assédio sexual e moral, e outros
vários, que podem levá-las ao adoecimento, e em casos mais graves,
ao afastamento.
Falávamos sobre os problemas enfrentados no trabalho
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
125
e o fato de as mulheres se depararem com as responsabilidades de
casa. A dupla jornada contribui para a sobrecarga de trabalho e para
o agravamento de algumas doenças. Lia Mello de Almeida, Diretora
de Mulher da Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar, relata em
um artigo sobre “Saúde da Mulher Trabalhadora que mulheres não têm
tempo de descanso adequado, dividem-se entre o trabalho, o cuidado
com a casa, com os filhos (e ainda precisa ser esposa, dentro dos
padrões heteronormativos), ficando mais sujeitas a dores, doenças e
vários tipos de sofrimento físico e mental. Estão mais suscetíveis ao
estresse, nervosismo, angústia, insônia, problemas na coluna, LER/
DORT (Lesões por esforços repetitivos/doenças osteomusculares
relacionadas ao trabalho), aumento de problemas relacionados à sua
saúde sexual e reprodutiva, problemas no relacionamento com a
família, e até mesmo com os/as amigos/as. Algumas ainda sofrem a
triste realidade da violência doméstica. Segundo estudo realizado pelo
Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de 2001 a 2011,
conforme gráfico apresentado às folhas 37 da Metal Revista, Revista
da força sindical do Paraná3, a Lei Maria da Penha não teve impacto
no número de mortes por violência de mulheres, o que nos deixa a
dúvida sobre a aplicabilidade da Lei e o preparo de profissionais para
lidarem com a violência de gênero.
Apesar de terem conquistado seu espaço de trabalho, as
mulheres segundo Straub (2005), ainda sofrem distinção de gênero
no que diz respeito à remuneração, o que reflete, diretamente, no
reconhecimento do seu trabalho, fazendo com que elas tentem se
sobressair no espaço de trabalho, e isso muitas vezes acarreta em
negligências pessoais, pois, normalmente, pessoas que trabalham
muito e em diversos trabalhos têm maior probabilidade de desenvolver
problemas de saúde, sentem-se mais estressadas e sem qualidade de
vida.
Em outro estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), por meio do cruzamento de dados da Pnad (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio) 2009, divulgados em 2010 pelo
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2001 a 2009
a proporção de famílias chefiadas por mulheres no Brasil subiu de
aproximadamente 27% para 35% do total. São 21.933.180 o número
de famílias que identificaram como principal responsável uma mulher
no ano de 20094.
Uma pesquisa realizada com professores de uma Instituição
de Ensino Superior no município de Campina Grande (interior
da Paraíba), com o objetivo de avaliar a qualidade de vida desses
docentes, foram colhidos os seguintes relatos:
[...] a vida profissional ta tomando muito meu espaço, ta
ocupando muito, um grande percentual da minha vida,
porque assim, foram muitas atividades que foram surgindo e
acabou, a, eu acabei querendo abraçar e isso acabou tomando
muito meu espaço na vida.
[...] eu acho que posso colocar que cinquenta por cento do
meu tempo é no trabalho, dividido em vários trabalhos,
várias, várias funções que eu exerço [...]
[...] que eu gostaria de fazer muitas vezes não dá tempo,
tipo, às vezes eu gostaria de sair final da tarde pra fazer uma
caminhada, mas eu chego em casa no final da tarde, chego a
noite ainda tenho que trabalhar.
[...] quando a gente é cheia de obrigação você não tem isso,
você já divide hoje é dia de ir pra médico, tem que ir, amanhã
é dia de fazer feira, tem que fazer, amanhã é dia que você
vai pra sua profissão você tem que ir, então você tem que
separar isso muito bem e coordenar muito bem [...]
[...] pense num negócio difícil é você ser profissional, mulher,
mãe e esposa, agente relacionar tudo isso, precisa ter um jogo
de cintura muito grande [...]
[...] você conseguir juntar a todas essas quatro atividades
da mulher requer uma habilidade de coordenação muito
importante [...]
Carmen Foro, representante da Marcha das Margaridas,
movimento que reúne trabalhadoras rurais no Brasil, disse em
entrevista ao Repórter da Agência Brasil, Luciano Nascimento, em
3 METAL REVISTA. Força Sindical do Paraná amplia combate à violência contra a mulher no Estado.
Edição Agência Confraria: Julho de 2014. p. 37.
4 D’AGOSTINO, Rosanne. Mulher chefe de família é a que trabalha mais, em casa e no emprego,
diz Ipea. Nov. 2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2010/11/11/mulher-chefe-de-familia-e-a-que-trabalha-mais-em-casa-e-noemprego-diz-ipea.htm>. Acesso em: 3 set. 2014.
126
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
127
março de 2013, que “A jornada de trabalho das mulheres do campo
costuma começar por volta das 5 horas da manhã e termina em torno
da meia-noite. Além do trabalho com os maridos, elas ainda são
responsáveis por cuidar das crianças e das atividades domésticas,”.
(NASCIMENTO, 2013)
Como já abordado anteriormente sabemos que a mulher
chegou ao século XXI com diversas conquistas e atrelada a elas várias
funções, como a de ser mãe, ser esposa, ser profissional sem deixar
de lado o ser mulher. O desenvolver dessas funções exige destas uma
capacidade de organização maior do seu tempo para destinar melhor
o seu tempo e traçar as suas prioridades (Santos & Soares 2010).
A literatura aponta aumento da morbidade psíquica
entre as mais diversas populações e, entre as doenças mentais,
os Transtornos Mentais Comuns (TMC) vêm se destacando,
principalmente entre as mulheres. Os Transtornos Mentais Comuns
são caracterizados por sintomas como fadiga, esquecimento, insônia,
irritabilidade, dificuldade de concentração, dores de cabeça e queixas
psicossomáticas (Goldberg, 1992). Esses transtornos alteram o
funcionamento normal dos indivíduos, prejudicando seu desempenho
na vida familiar, social, pessoal e no trabalho.
As mulheres têm apresentado consideravelmente mais
sintomas de angústia psicológica e desordens depressivas do que
os homens (Pinho e Araujo 2012). Os transtornos mais frequentes
entre as mulheres são aqueles relacionados aos sintomas de
ansiedade, humor depressivo, insônia, anorexia nervosa e sintomas
psicofisiológicos; enquanto os homens apresentam maiores taxas de
distúrbios de conduta, tais como comportamento antissocial, uso de
drogas e abuso de álcool.
3 A ATENÇÃO À
TRABALHADORA
SAÚDE
DA
MULHER
As práticas institucionais vão engendrando o sofrimento
e cronificando patologias nas quais o quesito informação tem um
128
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
importante papel, assim como os tratamentos inadequados que
começam quando a doença já está instalada, não só comprometendo
a recuperação da saúde, mas agravando o sofrimento psíquico.
O processo de adoecimento das mulheres e sua relação
com o trabalho (produtivo/reprodutivo) que já era ocultado e tratado
como doença de mulheres sem nexo com a organização do trabalho,
estarão duplamente agravados pela conjunção da precariedade do
emprego com as formas recentes de intensificação do trabalho
impostas pelas novas tecnologias e processos produtivos (Hirata,
1997).
As queixas de dores e os sintomas de doenças relacionados
ao trabalho têm crescido muito nos últimos anos. Os processos de
adoecimento têm se tornado mais graves devido a sobrecarga de
trabalho que atingem principalmente as mulheres e que, como foi
visto, caracterizam-se, principalmente, pela dupla ou tripla jornada de
trabalho ou aumento do chamado trabalho informal e em domicílio,
pela presença dos serviços terceirizados de asseio e limpeza e pela
subcontratação ou contrato por tarefas, sem carteira assinada e sem
direitos trabalhistas (como as empregadas domésticas ou diaristas,
que fazem “bicos” nos dias de folga ou nos finais de semana;
as trabalhadoras domiciliares autônomas ou subcontratadas por
indústrias do vestuário, que costuram em casa – as chamadas facção;
outras que produzem alimentos, como salgados, bolos e doces; e de
inúmeras outras atividades informais que contribuem para a renda e
o sustento da família).
Quando se desloca a questão das mulheres para pensar
os trabalhos não reconhecidos pela sociedade, a questão se torna
mais grave quanto à violação de diretos e, consequentemente, agravos
na saúde da mulher trabalhadora. O trabalho doméstico por muito
tempo esteve relegado ao papel feminino que nunca se desvincula
do espaço privado e hoje não houve mudanças sobre isso, mas os
direitos trabalhistas dessas profissionais foi relevantemente revisto
e vem sendo pautado pela dificuldade de parcelas da sociedade
reconhecerem tais direitos e contribuírem para garanti-los. Em se
tratando da prostituição, o debate se mostra mais sensível, contando
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
129
com os apelos moralistas que circundam esse trabalho e seu não
reconhecimento, implicado na não garantia de qualquer direito.
No caso das trabalhadoras do setor formal, as atividades
exigem passar muitas horas em posturas imóveis, com movimentos
rápidos, precisos e repetitivos, o que produz um grande desgaste
do sistema músculo-esquelético. Estão também em ocupações que
as deixam mais expostas a compostos químicos, que provocam
reações tóxicas, como problemas respiratórios e alergias. Somamse a isso o trabalho em alta velocidade em máquinas, o controle
computadorizado, as pressões da chefia e o ritmo intenso.
O resultado é que cada vez mais nos deparamos com
quadros de sintomas e doenças de Lesão por Esforços Repetitivos,
fadiga, depressão, transtornos mentais, problemas gástricos, de surdez,
de vista, problemas respiratórios e alergias, além das intoxicações por
uso de produtos químicos. Trabalhadoras mais velhas apresentam,
em particular, problemas de saúde como artrite e varizes, dores na
coluna que podem ser consequência do trabalho que realizaram
durante anos.
Como observado por profissionais de um Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador, do ponto de vista da cronicidade
das doenças, são as mulheres que trazem os casos mais graves, já que
elas demoram mais a procurar o serviço de saúde e para reclamar das
condições de trabalho.
O resultado disso é a naturalização das causas do
adoecimento ou como em muitos casos, sua subestimação e seu
desprezo. As mulheres costumam escutar coisas do tipo “isto não
é nada”, “logo passa”, “imagine, isso é falta de lavar roupa” ou
até, vergonhosamente, “isso é falta de sexo”. Muitas vezes, é mais
interessante considerar as mulheres mais fracas e mais “FRÁGEIS”, e
qualificá-las como donas de casa como se tal tarefa não fosse o próprio
desempenho de um trabalho, excluindo-se, assim, a responsabilidade
sobre doenças ocupacionais:
A trabalhadora adoece no trabalho, continua trabalhando
até o limite por medo de perder o emprego, principalmente
quando é chefe de família, nas famílias mais pobres.
130
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Geralmente quando procura o médico na empresa ou no
convênio, não há o reconhecimento do nexo da doença com
o trabalho. Muitas são demitidas quando voltam de férias,
tiradas para tratamento. Aí já está muito doente como foi visto
nos casos das portadoras de LER e não encontrando nova
ocupação, começam a “fazer bicos” como faxineiras, mas a
dor as impede de trabalhar. Na situação de desemprego, sem
recolher o INSS, não têm direitos a benefícios. Procuram
novamente uma instituição para tratamento ou para ver se
conseguem receber algum benefício (CARLOTO, s.d.).
Para que uma doença seja reconhecida, para que se resigne
a consultar um médico, para que se aceite ir ao hospital, é
preciso que a doença tenha atingido uma gravidade tal que
ela impeça a continuidade seja da atividade profissional, no
caso dos homens, seja nas atividades domésticas e familiares,
no caso das mulheres (Dejours, 1987:30).
A trabalhadora adoece no trabalho, continua trabalhando
até o limite por medo de perder o emprego, principalmente quando é
chefe de família, nas famílias mais pobres. Geralmente quando procura
o médico na empresa ou no convênio, não há o reconhecimento
do nexo da doença com o trabalho. Muitas são demitidas quando
voltam de férias, tiradas para tratamento. Aí já está muito doente
como foi visto nos casos das portadoras de LER e não encontrando
nova ocupação, começam a “fazer bicos” como faxineiras, mas a dor
as impede de trabalhar. Na situação de desemprego, sem recolher
o INSS, não têm direitos a benefícios. Procuram novamente uma
instituição para tratamento ou para ver se conseguem receber algum
benefício.
Para que uma doença seja reconhecida, para que se
resigne a consultar um médico, para que se aceite ir ao hospital, é
preciso que a doença tenha atingido uma gravidade tal que ela impeça
a continuidade seja da atividade profissional, no caso dos homens,
seja nas atividades domésticas e familiares, no caso das mulheres
(Dejours, 1987:30).
Essas condições agravam ou desencadeiam o sofrimento
psíquico. Aparecem a angústia e a ansiedade, o sentimento de
impotência e humilhação diante da impossibilidade de trabalhar,
pela incapacidade adquirida através do adoecimento. Sentimentos
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
131
gerados não só por não poder sustentar os filhos, mas também pela
interrupção de um projeto de vida, no qual o trabalho é elemento
fundamental para autonomia. O sofrimento também é potencializado
pela ineficácia dos tratamentos, pela falta de conhecimento sobre a
doença, já que quase nada é explicado a ela; pelas idas e vindas a
consultas, exames, perícias; pela violência e descaso com que são
tratadas; por um futuro marcado pela exclusão. É o sofrimento éticopolítico apontado por Sawaia (1999) que resulta de uma violência
institucional do Estado para com essas trabalhadoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das principais críticas da teoria de gênero hoje é
sobre o determinismo biológico que essencializa característica nos
homens e mulheres que, acredita-se serem na verdade construções
sociais próprias de uma cultura que define bem os papéis do ser
homem e ser mulher.
Essas construções sociais são justificadas nos discursos
médicos, do corpo biológicos, entre outros. Por exemplo, a delicadeza
impregnada no corpo feminino não é uma característica única e de
toda mulher, mas dos seres humanos e que muitos homens a assumem
também. Por outro lado, justamente por vincular tal característica ao
corpo da mulher, homens que legitimam o sistema heteronormativo,
independente de sua orientação sexual, tendem a negar delicadezas,
sensibilidades e cuidado, na afirmação de sua identidade (dos homens)
também repreendida pelas regras que lhes exigem posturas muitas
vezes duras de serem cumpridas.
O mesmo vale, por exemplo, para a característica da força
masculina, ou da virilidade, entre outras, que os colocam sempre como
o que se espera deles, “brutos”. Algumas ciências médicas tentam
comprovar isso, entretanto, as ciências humanas e as discussões de
gênero, trazem elementos que pretendem romper com esse sexismo
cultural, dizendo que sim, as mulheres têm essas características, mas
não porque elas, as características, são inatas às mulheres, mas parte
da existência humana em suas dimensões multiculturais e, na verdade,
132
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
tais características são ensinadas e, por isso, inscritas em corpos
femininos com muita mais força que em qualquer outro.
Na perspectiva das relações sociais de gênero isso é visto
como algumas das construções sobre o corpo feminino e masculino,
criadas a partir de relações de poder, pois nem as mulheres são isso,
ou somente isso, e nem os homens tem que deixar de serem isso,
embora deixem, pois os estigmas questionadores da sexualidade, por
exemplo, rondam os meninos que choram desde a vida infantil até a
adulta.
As mulheres no mercado de trabalho desconstroem essas
teorias, pois comprovam que o corpo feminino não é “fragil”, nem
destituído de força e coragem, como por muito tempo se pensava
que era. Ao contrário disso, vemos que as mulheres que ocupam
hoje o mercado de trabalho, são mulheres guerreiras, vencedoras,
de personalidade forte, e que assumem muito mais que uma simples
responsabilidade de trabalhar. Elas são capazes de superar expectativas
e quebrar paradigmas.
É claro que, como o sexo masculino, o corpo feminino
tem os seus limites, e pode chegar ao adoecimento caso estes não sejam
respeitados (por isso a Lei as ampara também como aos demais). Mas
é preciso que fique lúcido que a denominada “fragilidade” atribuída
ao gênero feminino é completamente descartável diante de tudo que
as mulheres são capazes de sonhar, buscar, e realizar.
Garantir um ambiente saudável de interação social, a
não violação de direitos, repensar outros direitos postos e que não
estão inseridos no princípio de equidade, são pontos fundamentais
para as mudanças necessárias na vida das mulheres. Colocá-las como
protagonistas quando a elas se legisla, quando para suas necessidades
se pensam políticas públicas, é projetar ações eficazes e não
discriminatórias. Mulheres não precisam de destinos traçados, mas
de uma cultura que, assumindo sua dinamicidade, reconheça suas
necessidades, vontades e realidades.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
133
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134
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
135
REINVENTANDO A NEGOCIAÇÃO
COLETIVA NO SETOR SUCROALCOOLEIRO:
DIAGNÓSTICOS E PROPOSIÇÕES1
Paulo Douglas Almeida de Moraes2
Sumário: 1. Introdução - 2. O setor sucroalcooleiro e a história do Brasil - 3.
Evolução tecnológica e seu impacto no ambiente de trabalho do setor sucroalcooleiro
- 4. Os aspectos econômicos impactantes na negociação coletiva no setor - 5. E os
sindicatos? - 5.1. Inconsistências do sistema sindical brasileiro - 5.2. Peculiaridades
do setor sucroalcooleiro - 5.3. A evolução dos principais bens jurídicos a serem
protegidos no setor sucroalcooleiro - 6. A atuação institucional dos sindicatos e do
estado no setor sucroalcooleiro - 6.1. A atuação dos sindicatos - 6.2. A atuação da
fiscalização do trabalho e da presidência da república - 6.3. A atuação do ministério
público do trabalho - 7. Conclusão.
Resumo: Compreender o papel ideal da negociação coletiva e a realidade vivenciada
nessas negociações, em especial no setor sucroalcooleiro, reclama um exame da
questão sob diversas perspectivas: social, econômica, tecnológica, histórica, política
e jurídica. A inexorável conclusão que se extrai é a de que as inconsistências do
sistema sindical brasileiro inviabilizam a produção de instrumentos coletivos de
trabalho segundo o primado da elevação do patamar de proteção laboral, razão
pela qual a discussão em torno da efetiva adoção da liberdade sindical, por meio de
uma reforma constitucional que permita a ratificação da Convenção Internacional
n. 87 da OIT é condição necessária para o resgate da legitimidade das entidades
sindicais e, com isso, viabilizar a produção de negociações coletivas que possam,
por um lado, conferir a necessária plasticidade às relações de trabalho e, por outro,
1 Artigo baseado em palestra proferida no 4º Congresso Internacional de Direito do
Trabalho promovida pela Academia Brasileira de Direito do Trabalho, denominado “Crise
Econômica e Desajustes Sociais: Reinvenção do Direito do Trabalho” em 16/10/2014, sob
o título “Reinventando a Negociação Coletiva: Diagnósticos e Proposições”.
2 Procurador do Trabalho da 24ª Região, ex-Juiz do Trabalho da 15ª Região, ex-Auditor Fiscal
do Trabalho, Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Aplicados da Magistratura e do
Ministério Público do Trabalho – IPEATRA, Vice-Coordenador do Núcleo de Usinas da
Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região, bacharel em Direito e Administração de
Empresas, pós-graduado em Administração de Sistemas e de Informações Gerenciais.
136
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
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efetivamente agregar valor à teia de proteção jurídica e social dos trabalhadores.
1 INTRODUÇÃO
Palavras-chave: Negociação coletiva. Sucroalcooleiro. Mecanização. Cana de
açúcar. Sistema sindical. Convenção Internacional 87 da OIT. Jornada “in itinere”.
Exaustão. Educação. Lazer. Convívio familiar. Ministério Público do Trabalho.
Compromisso nacional. Presidência da República.
Nito, um importante líder espiritual da nação Guarani
sul-mato-grossense, com seu singelo depoimento demonstra que os
trabalhadores do corte da cana, em especial os indígenas, nada mais
queriam, senão dignidade. Mal sabia Nito que, agora que o trabalho
na cana passou a ser digno, eles não seriam mais necessários, não
seriam mais úteis. Foram abandonados pelas usinas, pelos sindicatos,
por todos.
Naquele tempo, ninguém denunciava ninguém. Não é
que tinha medo, não tinha conhecimento, [...] Eu acho..
se não me engano... não me lembro que ano que foi... foi
várias entidades lá na Debrasa [usina hoje desativada de
Brasilândia/MS], onde eu tava trabalhando... Não me
lembro mais que ano que foi. Eu sei que foi lá para 92,
93, por aí... E tava exigindo já também a proteção, aquele
equipamento de proteção do trabalhador, que não existia
também... luva, caneleira, e mais aquele óculos, que não
tinha não. No meu tempo, tem pessoal que trabalhava até
descalço, trabalhava sem camisa. Aquilo lá, no corte de
cana, esse tipo de pano aqui [falou apontando para uma
calça brim], não dura nem um dia. Aquele ali [apontando
uma calça jeans], se não cuidar dele, em dois dias rasga. E o
coturno, aquele que tem ferro na ponta, é uma proteção. Mas
antigamente não tinha. Tem semana que o ambulatório lá
da empresa não cabia de paciente. Corte de facão... Tem
gente que na roça suja de cipó, às vezes enrosca no cipó [o
facão], e escapa da mão – lisa quando tá suada... escapa vai
lá em cima e cai nas costas ou na cabeça, ou assim mesmo
desvia e corta a orelha. E o corte não era fácil, não. Tem
gente que perdeu até perna (NITO NELSON, líder da
etnia Guarani)3.
Nito não sabe, mas como trabalhador, ele e seu povo
tinham o direito de ter contado com a defesa sindical e também
do Ministério Público, deveriam ter sido lembrados não apenas em
ações civis públicas, mas também nas negociações coletivas que os
protegessem dos efeitos deletérios da mecanização do corte da cana.
Mas porque isso não aconteceu a contento?
Tratar de negociações coletivas no setor sucroalcooleiro
é tarefa que requer uma compreensão mais ampla, passando pela
consideração das implicações históricas, econômicas e tecnológicas
inerentes à cultura da cana, bem como reclama uma percepção das
características globais do sistema sindical brasileiro.
De um modo geral a compreensão da dinâmica do
sistema de relações de trabalho implica em investigar e conhecer a
interação entre os elementos que compõem a teoria formulada por
John Dunlop4: atores, contextos, ideologia e normas.
Segundo Dunlop, os atores de um sistema de relações
de trabalho compreendem três tipos de hierarquias ou organizações:
trabalhadores, administradores e agências governamentais ou
privadas. A interação destes atores seria influenciada por três
contextos importantes: a tecnologia, os mercados e a distribuição de
poder dos atores na sociedade em geral.
Nessa linha investigativa, o presente estudo, buscando
alcançar uma compreensão focada na questão sucroalcooleira, agrega
3 Memorial da Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato
Grosso do Sul / Maucir Pauletti, organizador. – Campo Grande: Majurá, 2014, pg. 96. Depoimento prestado pelo líder da etnia Guarani, NITO NELSON, no qual descreve as condições
de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores indígenas.
4 DUNLOP, John T. Industrial relations systems. Ed. revisada. Boston: HBS Press, [1958] 1993
138
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
139
à teoria de Dunlop outras três dimensões fundamentais: a histórica,
a jurídica e a política.
O escopo deste texto é, portanto, examinar, sem
pretensão de exaurimento, as variáveis pertinentes à dinâmica
econômica e social do setor sucroalcooleiro, de modo a permitir que,
ante a compreensão do quadro multifatorial ligado ao assunto, sejam
abordadas a estratégia e as ações do Ministério Público do Trabalho
voltadas à proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores do
setor.
Após as considerações de natureza analítica, ao final,
mais uma vez sem qualquer pretensão de apresentar de soluções
absolutas e herméticas, sugere-se uma proposta que se reputa central
para garantir que as negociações coletivas passem a cumprir o seu
papel.
2 O SETOR SUCROALCOOLEIRO E A HISTÓRIA
DO BRASIL
A cana de açúcar possui íntima relação com a história
do Brasil. Na fase colonial, entre os séculos XVI e XVII, o ciclo
da cana de açúcar teve um grande impacto na economia brasileira,
pois além de produzir vultosos lucros à Coroa, ajudava a viabilizar a
colonização portuguesa no Brasil.
Com o intuito de explorar a sua colônia e obter riquezas,
os portugueses instalaram engenhos para produzir açúcar no litoral
do Brasil e a mão de obra era composta por indígenas e escravos
africanos.
Tanto na fase colonial, como na fase pós-colonial, porém
anterior à regulamentação da prestação de serviços assalariados, não
havia, por evidente, qualquer espaço para a negociação coletiva neste
setor ou em qualquer outro.
140
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
3 EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E SEU IMPACTO
NO AMBIENTE DE TRABALHO DO SETOR
SUCROALCOOLEIRO
O setor sucroalcooleiro sofreu grande influência da
evolução tecnológica, porém, ainda hoje, embora em escala muito
menor, adota-se a queima da cana como ato preparatório para o corte
manual. No entanto, principalmente devido a imposições ambientais e
mercadológicas, essa prática vem sendo paulatinamente abandonada.
Seguindo o exemplo de outras unidades federadas,
o estado de São Paulo editou a Lei 11.241/2002 que estabeleceu
inicialmente o fim da queima para o ano de 2031, prazo este
posteriormente reduzido para o ano de 2017 em razão das condições
de natureza social e ambiental impostas pelo mercado externo.
O fim da queima da cana implica no fim do corte manual,
seja pela baixa produtividade do corte manual da cana verde ou pela
maior exposição dos trabalhadores ao ataque de animais peçonhentos,
tornando inexorável a mecanização do corte.
A mecanização do corte modificou drasticamente a
forma de produção no setor, bem como as relações de trabalho nele
observadas, com impacto direto sobre o escopo das negociações
coletivas.
As características do trabalho antes e após a mecanização
são extremamente diversas. Enquanto o corte manual exigia um
enorme contingente de mão de obra, a mecanização implicou numa
aguda redução de pessoal, provocando o chamado desemprego
estrutural no segmento.
Observa-se que o impacto não foi somente de caráter
quantitativo, mas também qualitativo, uma vez que, diversamente da
mão de obra braçal de baixíssima qualificação exigida para o corte
manual, a operação das máquinas empregadas no corte mecanizado
reclama o emprego de mão de obra qualificada e com grau mínimo
de escolarização.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
141
Esses fatores produziram efeitos sociais e econômicos
difusos, alguns positivos e outros deletérios, pois se de um lado a
mecanização elevou a qualidade do emprego, seja sob o aspecto
salarial, seja sob o ambiental, por outro lado, deixou uma legião de
trabalhadores braçais sem perspectiva de trabalho.
Nesse processo, foram especialmente atingidos os
trabalhadores analfabetos e os indígenas, pois, a despeito da Lei n.
4.870/65, que instituiu o PAS – Programa de Assistência Social,
as usinas, com honrosas exceções, não investiram seriamente na
requalificação dos seus empregados, restringindo esse investimento
àqueles grupos com escolaridade mínima compatível com a absorção
do aprendizado para o manuseio das novas máquinas.
Numa perspectiva histórica as mudanças ocorreram
numa velocidade frenética, exigindo do movimento sindical um
reposicionamento ágil, porém incompatível com a sua capacidade de
resposta.
Até 2007 um gigantesco contingente de trabalhadores
braçais se dedicava a uma atividade degradante capaz de levar muitos
trabalhadores à morte por exaustão, fato que deveria mobilizar
os sindicatos a voltarem suas atenções para a adoção de cautelas
ambientais rígidas e, sobretudo, à restrição ao pagamento por
produção.
4 OS ASPECTOS ECONÔMICOS IMPACTANTES
NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SETOR
Passados quinhentos anos, em certa medida, o Brasil
continua fazendo a escolha por uma matriz econômica baseada na
monocultura, com a produção de commodities derivadas da cana de
açúcar – o açúcar e o álcool.
Esta opção macroeconômica expõe o país à sazonalidade
dos preços internacionais das commodities, fragilizando as políticas
internas de gestão econômica, bem como restringindo a elasticidade
negocial na esfera laboral coletiva devido ao receio de estabelecer
condições sócio-laborais incompatíveis com momentos de inflexão
de preços no mercado internacional.
Outra característica marcante do histórico envolvendo
a cultura da cana de açúcar no Brasil foi a opção por produção de
álcool para fins de abastecimento de veículos – o pró-alcool, o qual
se apresenta hoje sob outra roupagem. Tal fato possui aspectos
positivos, mas também negativos.
A transição do corte manual para o mecanizado, por seu
turno, demandou uma interveniência sindical protetiva para àqueles
que seriam atingidos pelo desemprego estrutural.
A vertente amplamente positiva do uso do álcool
como combustível veicular é, evidentemente, a questão ambiental,
dado o menor nível de poluição do combustível. Todavia, são os
reflexos mercadológicos desta decisão que impactam indiretamente
o ambiente negocial trabalhista no segmento, visto que, contribui
positivamente a garantia de um mercado consumidor doméstico
decorrente da mistura do álcool à gasolina, mitigando as variações na
demanda internacional.
O estágio atual, que contempla contingente menor de
trabalhadores, porém com maior qualificação profissional e patamar
de renda, permite aos sindicatos um olhar sobre bens jurídicos até
então secundarizados – a educação e o convívio familiar.
Por outro lado, considerando o monopólio do refino de
petróleo pela Petrobrás, uma empresa estatal, mais uma vez o setor
fica com reduzida governabilidade sobre o preço de venda do seu
produto.
Diante disso, vale questionar: qual foi a efetiva atuação
sindical em cada uma dessas fases?
Sob outro vértice, a notável evolução tecnológica no
setor também produziu importantes repercussões econômicas e
sociais. As usinas passaram a ser, por exemplo, importantes fontes
de produção de energia elétrica, levando o setor a receber o batismo
142
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
143
de segmento “sucroenergético”. Tal diversificação no portfolio de
produtos acaba por minimizar a influência da sazonalidade de preços
do açúcar e do álcool.
Nesse cenário multifatorial que envolve a atividade
sucroalcooleira deve ser considerado, ainda, o elemento climático,
uma vez que a cultura da cana de açúcar é fortemente impactada pelas
chuvas e estiagens, as quais determinam o início e o final da safra.
Num contexto de tal complexidade é fácil compreender
o quão intrincada é a tarefa de elaborar um instrumento coletivo de
trabalho capaz de contemplar a proteção jurídica, econômica e social
do empregado e, ao mesmo tempo, garantir a viabilidade operacional
das empresas do segmento.
5 E OS SINDICATOS?
É evidente que não há que se falar em negociação coletiva
sem falar em sindicatos, não apenas pela imposição constitucional do
art. 8º, VI, mas principalmente porque são os sindicatos os atores
sociais vocacionados à defesa dos interesses corporativos das classes.
Mas nem sempre foi assim. Em termos históricos, não
faz muito tempo em que a atuação sindical além de não reconhecida,
era tenazmente reprimida pelo Estado, em especial no período da
ditadura militar.
O reconhecimento dos sindicatos é, portanto, uma
conquista relativamente recente no Brasil e ainda se coloca como
um objetivo a ser perseguido em países totalitários como a China
e o Egito, onde os líderes sindicais continuam sendo perseguidos e
exilados nos dias de hoje.
5.1 Inconsistências do sistema sindical brasileiro
Como é comum ao movimento sindical em todo o
mundo, os governos, de um modo ou de outro, buscam controlar as
entidades sindicais de modo a conformar seu inato espírito combativo
144
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
aos limites do razoável segundo os parâmetros dos detentores do
poder.
Não foi diferente no Brasil. Inicialmente a repressão foi
explícita, mas atualmente o controle sobre o sindicato é insidioso,
pouco perceptível, mas incrivelmente eficaz.
A peculiaridade brasileira foi o fato de que a docilidade do
movimento sindical hodierno resultou da articulação, aparentemente
vitoriosa, do próprio movimento no bojo da assembleia nacional
constituinte de 1988.
A Constituição Federal de 1988 consolidou inegáveis
conquistas na seara sindical, notadamente no que diz respeito à
explícita, porém apenas formal, consagração do princípio da liberdade
sindical, mas, por outro lado, por força do lobby do movimento
sindical, foram mantidas as estruturas de nítida feição fascista que
interessavam ao movimento, notadamente a unicidade sindical, o
poder normativo da Justiça do Trabalho, a representação judicial
classista e a contribuição sindical obrigatória.
O movimento sindical até então acostumado a frequentar
os corredores do Ministério do Trabalho, se viu ameaçado com a
ideia inicialmente trilhada pelo Constituinte de 1988 voltada para a
instituição da plena liberdade sindical, compatível com as diretrizes
da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho - OIT.
O receio da perda da tutela estatal foi uma das mais fortes
razões que levou as lideranças sindicais a pleitearem a manutenção
das salvaguardas do modelo pré-constituição de 1988.
Mas o preço para a sociedade é muito alto, conforme
bem sintetiza o ministro do Colendo Tribunal Superior do Trabalho,
Mauricio Godinho Filho:
Todos esses cinco mecanismos autoritários preservados
pela Carta de 1988 atuam frontalmente sobre a estrutura
e dinâmica sindicais, inviabilizando, de modo ostensivo e
rígido, a construção de um padrão democrático de gestão
social e trabalhista no Brasil. São aspectos que comprometem
a melhor estruturação e funcionamento do Direito Coletivo
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
145
do Trabalho no país5.
A unicidade sindical contaminou a ideia de liberdade
sindical, reduzindo esse instituto à mera proibição de intervenção
estatal, pois acaba por reprimir o direito à livre associação, na medida
em que ao trabalhador não é dado o direito de se filiar a outro
sindicato senão aquele único que representa a categoria profissional
em certo município. Temos, portanto, uma liberdade sindical voltada
para os sindicatos e não para os representados.
Ocorre que os sindicatos, por mais importante que sejam
não constituem um fim em si mesmo. O movimento sindical é, em
verdade, um importantíssimo instrumento. Instrumento para a defesa
dos interesses dos representados e até mesmo para a construção de
um autêntico estado democrático de direito.
A combinação de liberdade sindical e unicidade sindical
produziu um sistema sindical que progressivamente se afastou da
base dos trabalhadores, degradando de modo insanável a legitimidade
das entidades sindicais ao ponto de lhes subtrair o único instrumento
que confere força às representações classistas laborais – o poder de
mobilização.
Com raras e honrosas exceções, temos atualmente
sindicados totalmente incapazes de mobilizar seus representados por
absoluta falta de legitimidade.
Essa insólita realidade explica o baixíssimo índice de
filiação sindical brasileiro, pois buscando evitar a alternância no
poder do sindicato único, as lideranças sindicais reduzem ao máximo
o número de filiados a fim de limitar o universo de trabalhadores
votantes. Entretanto, essa estratégia se mostra eficaz para a
perpetuação no poder, mas nefasta para a saúde do sistema sindical.
O legislador constituinte derivado buscou, com a
Emenda Constitucional n. 45/2004, corrigir as contradições da carta
magna ao acabar com a representação classista na Justiça do Trabalho
5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011,
p. 126.
146
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
e ao mitigar o poder normativo desse ramo do Poder Judiciário.
Entretanto, ao não abolir a unicidade sindical e a
compulsoriedade da contribuição sindical, a situação ficou ainda
mais grave, uma vez que, ao instituir a condição especial da ação
correspondente ao “comum acordo” (art. 114, § 2º da CF/88) para a
instauração de dissídio coletivo de natureza econômica, o constituinte
derivado não deixou outra opção aos sindicatos senão o exercício do
direito de greve no caso de intransigência patronal em levar avante a
negociação coletiva.
Mas como fazer isso com sindicatos fracos, sem qualquer
poder de mobilização?
É esse, pois, o sistema sindical que temos.
5.2 Peculiaridades do setor sucroalcooleiro
Associado às graves inconsistências do modelo sindical
brasileiro há peculiaridades do setor sucroalcooleiro que dificultam
ainda mais a eficácia e eficiência da negociação coletiva de trabalho.
Fugindo do padrão celetista de representatividade
sindical dada pela atividade preponderante, o setor sucroalcooleiro
possui uma intrincada divisão da sua base, contemplando o sindicato
de trabalhadores rurais, o de trabalhadores na indústria, o de
motoristas e, em algumas situações, o sindicato dos movimentadores
de mercadorias.
Essa multiplicidade sindical denota não apenas a
complexidade para entabular negociações coletivas no segmento, mas
leva, também, à fragilização das representações sindicais decorrentes
da fragmentação da base.
Mas não é somente isso. Há, ainda, contradições
intrínsecas nos sindicatos de trabalhadores rurais e no sindicato de
movimentadores de mercadoria.
O sindicato dos movimentadores de mercadoria, cuja
atividade vem regulada pela Lei n. 12.023/2009, atua fundamentalmente
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
147
na intermediação de mão de obra daqueles que constitucionalmente
deveria representar, fato que coloca no primeiro plano os aspectos
comerciais dessa intermediação, ficando secundarizado o interesse
em garantir melhores condições de trabalho aos movimentadores de
mercadoria, o que prejudica sensivelmente a negociação coletiva com
essa categoria de trabalhadores.
O sindicato de trabalhadores rurais, por sua vez, sofre
uma séria crise, na medida em que, na maioria das vezes, representa
trabalhadores rurais assalariados e trabalhadores assentados em
pequenos lotes distribuídos na política fundiária de reforma agrária.
Ocorre que esses trabalhadores assentados, que
geralmente ocupam a diretoria dos sindicatos, são na verdade
pequenos empregadores rurais que, além de empregar trabalhadores
rurais assalariados, eventualmente fornecem cana às usinas.
O caráter eclético dos sindicatos de trabalhadores rurais,
que tenta encontrar sua verdadeira identidade ante a contradição
dos interesses das categorias que representa, constitui um fator que
inviabiliza a elaboração de negociação coletiva tendente a garantir
melhores condições de trabalho aos trabalhadores rurais assalariados.
Nesse sentido a redação dada pelo Tribunal Superior do
Trabalho à Orientação Jurisprudencial n. 419 da Sessão de Dissídios
Individuais n. 1, acabou por adicionar mais um ingrediente que
dificulta a produção de negociações coletivas atentas à finalidade de
elevação do patamar de proteção dos trabalhadores.
O referido verbete, ao estabelecer a representação do
sindicato dos trabalhadores rurais para os empregados que exercem
suas atividades em empresa agroindustrial, aí incluídas as usinas de
açúcar e álcool, atribuiu a representação para um segmento sindical
perplexo com a tentativa de defesa de interesses inconciliáveis.
Além disso, o entendimento do C. TST acabou
ignorando a evidência de que o segmento, a despeito de ser composto
por empresa agroindustrial, possui um viés industrial cada vez mais
marcante em razão do processo de mecanização no corte de cana.
148
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
5.3 A evolução dos principais bens jurídicos a serem protegidos
no setor sucroalcooleiro
A despeito deste cenário adverso no sistema sindical, o
desafio de garantir condições dignas de trabalho persiste.
Conforme já referido, o setor sucroalcooleiro, que tem
sua gênese ligada à exploração do trabalho escravo, evoluiu ao ponto
de hoje contar com o emprego de tecnologia de ponta desde o corte,
até o processamento final da cana e a produção do açúcar, do álcool
e da energia elétrica.
Essa impressionante evolução tecnológica produziu,
evidentemente forte repercussão no modo de produção e no perfil
da mão de obra do segmento.
Antes a esmagadora maioria dos trabalhadores se ativava
no campo cortando manualmente a cana de açúcar, hoje a maior
parte opera máquinas, seja no campo, seja na indústria.
Portanto, se antes a mão de obra era composta por
trabalhadores de baixa escolaridade e com capacidade física necessária
para dar cabo do corte de toneladas de cana ao dia, hoje eles são
qualificados e com nível educacional mais elevado.
Com essa mudança de contexto, mudou o alvo da
proteção laboral. Até a tecnologia dominar o cenário, o bem jurídico
que deveria ser protegido era a própria vida dos trabalhadores,
em especial dos cortadores de cana. Isso porque a combinação de
extenuante trabalho braçal com pagamento por produção levava os
trabalhadores à exaustão, expondo-os ao risco de morte.
A transição foi seletiva, abrindo a oportunidade de
emprego de melhor qualidade para aqueles mais jovens e com melhor
capacidade de assimilar o conhecimento necessário para o domínio
das máquinas que chegavam, mas submetendo ao desemprego puro
e simples justamente o contingente mais vulnerável – os mais velhos
e sem qualquer escolaridade.
Estabilizada a transição para o corte mecanizado, o novo
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
149
perfil de mão de obra no setor trouxe uma natural elevação no nível
salarial, bem como um aumento no grau de exigência de qualidade
de vida.
Os trabalhadores, agora com nível de escolarização
mais elevado, passaram a pleitear planos de saúde, participação nos
resultados e outros benefícios voltados à proteção de outros bens
jurídicos, tais como acesso à educação e garantia do convívio familiar.
Tais reinvindicações se mostravam incompatíveis com a
realidade vivenciada pelos cortadores de cana, os quais, geralmente
migrantes de outras regiões do país, dispensavam pouca importância
à educação e sequer possuíam familiares no local de prestação de
serviços, razão pela qual não reclamavam por mais tempo em casa.
6
A
ATUAÇÃO
INSTITUCIONAL
DOS
SINDICATOS E DO ESTADO NO SETOR
SUCROALCOOLEIRO
Dada a relevância econômica e social do setor
sucroalcooleiro, além da atuação sindical e de organizações da
sociedade civil, este setor sempre foi e continua a ser objeto de atenção
de diversas instituições públicas, com destaque para o Ministério do
Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e até mesmo
da Presidência da República.
6.1 A atuação dos sindicatos
A atuação dos sindicatos no setor, fortemente afetada
pela debilidade do sistema sindical em geral e também pelas
vicissitudes próprias do segmento, mostrou-se muito menos incisiva
do que poderia e deveria ser.
A histórica greve dos trabalhadores rurais realizada em
Guariba-SP no ano de 1984, bem retrata a falta de proatividade do
sistema sindical.
150
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Paulo Mancini, em recente publicação6, relata com
notável percepção social esse marco na história pela luta por melhores
condições de trabalho no setor sucroalcooleiro brasileiro:
A Greve de Guariba:
No segunda metade da década de 70 do século passado,
membros da Igreja Católica da CPT – Comissão Pastoral
da Terra – do Estado de São Paulo, sensíveis à situação
dos trabalhadores do corte da cana, começaram a procurar
estes migrantes em seus alojamentos e na sua caminhada
para o trabalho, para com eles celebrar o evangelho e neles
reconhecer a dignidade humana que era negada no seu
trabalho.
[...]
Alguns chamam de “Levante de Guariba”, outros preferem
mesmo “Greve de Guariba”, mas há mesmo aqueles – como
o Deputado Federal Newton Lima – que a tratam como
o “Massacre em Guariba”. Todas denominações tem sua
pertinência.
[...]
Já sufocados pelas péssimas condições de trabalho acima
referidas, as primeiras a se rebelarem e resolverem paralisar
o corte da cana e saírem em protesto foram as mulheres,
que além do trabalho estafante no campo, tinham que
cuidar da casa e dos filhos. Quando a greve estourou
não havia sindicatos, políticos ou outras lideranças
na sua organização. Por isso, na época, foi por muitos
chamada de espontânea.
[...]
Trabalhadores rurais foram perseguidos apanhados e
surrados dentro de suas próprias casas, no interior de
estabelecimentos comerciais. Vários foram atingidos por
tiros.
[...]
Mas a paralisação, a revolta e o massacre, não foram em vão.
Apenas dois dias após a repressão policial, foi firmado no
6 MANCINI, Paulo. Guariba – 30 anos da greve que mudou a vida dos ‘bóais-fria’ no Brasil. EcoDebate Cidadania & Meio Ambiente. Publicado em 21/08/2014. Disponível em: <http://
www.ecodebate.com.br/2014/08/21/guariba-30-anos-da-greve-que-mudou-a-vida-dos-boias-fria-no-brasil-por-paulo-mancini/>.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
151
Sindicato Rural de Jaboticabal o famoso Acordo de Guariba
usinas. Para onde eles foram?
[...]
Recentes denúncias recebidas pela Fundação Nacional
do Índio – FUNAI, já apuradas e confirmadas pelas polícias brasileira
e paraguaia, revelam que esses índios, chamados “órfãos da cana”,
quando devolvidos às superlotadas aldeias, passaram a ser traficados
para o Paraguai, onde trabalham na cultura da maconha em regime
análogo à escravidão. Trata-se de uma silenciosa tragédia humanitária.
Em breve em todos os rincões brasileiros nossos trabalhadores
rurais citavam o Acordo de Guariba reivindicavam para si
aqueles direitos...
A emblemática greve de Guariba, ao mesmo tempo
em que expõe a alienação sindical, demonstra também a força da
mobilização popular, denotando a crucial importância de se resgatar
o sistema sindical.
Nesse vácuo deixado pelos sindicatos, a greve que fixou
o divisor de águas no segmento teve como elemento essencial o
esclarecimento oportunizado por organizações religiosas, quando se
esperaria que fosse fruto de debates no seio do sindicato.
Ao longo da grande fase na qual o segmento adotou
o corte manual, as convenções e acordos coletivos de trabalho,
com raras exceções, centrava-se na negociação do preço da cana,
mantendo, portanto, o pagamento por produção.
Hoje, com a mecanização, a postura sindical não mudou,
continuam, lamentavelmente, colocando-se como instrumento
patronal para a negação dos direitos dos trabalhadores.
Embora constem de negociações coletivas cláusulas
versando, por exemplo, sobre planos de saúde e participação nos
resultados, cabe observar que este avanço não deriva da desejável
proatividade sindical, mas resulta da necessidade patronal de atrair
mão de obra especializada para trabalhar em locais ermos, num
cenário que se aproxima do pleno emprego.
Contudo, manter o pagamento por produção significava
não enfrentar o grande problema da época – o risco de morte por
exaustão.
Como referido, o atual perfil dos trabalhadores reclama
proteção a outros bens jurídicos, tais como acesso à educação, ao lazer
e ao convívio familiar. Todos eles de difícil conciliação com o fato de
que os locais de trabalho distam quilômetros das suas residências.
Os sindicatos, ao invés de buscarem a fixação de outras
formas de pagamento, acabaram por reproduzir a lógica do lucro
baseada na maximização da exploração física do trabalhador.
No presente a maior parte dos trabalhadores não é mais
migrante, eles moram nos centros urbanos e trabalham no campo,
seja na indústria ou na lavoura.
Na transição do corte manual para o mecanizado, a
ausência sindical foi ainda mais sentida. Neste momento, no qual
uma legião de trabalhadores perdia seu emprego para as máquinas,
cabia aos sindicatos exigir que as usinas implementassem medidas
compensatórias e de reinserção desses trabalhadores no mercado de
trabalho, mas o enfrentamento sindical nunca veio.
Essa realidade traz para a linha de frente do debate o
tempo gasto no transporte de casa para o trabalho e do trabalho para
casa, a chamada jornada “in itinere”.
Quanto maior a jornada “in itinere”, menor o tempo
para estudar, para descansar e para estar com a família.
A situação dos indígenas sul-mato-grossenses bem
retrata essa triste situação. Até a mecanização, cerca de trinta mil
índios trabalhavam no corte de cana, hoje não se vê mais índios nas
O instituto da jornada “in itinere” foi positivado pela
Lei n. 10.243/2001, a qual introduziu o § 2º no art. 58 da CLT.
Posteriormente, no bojo da Lei Complementar n. 123, que instituiu o
estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte,
152
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
153
adveio a possibilidade de transação coletiva do direito à jornada “in
itinere” para micro e pequenas empresas, conforme passou a gizar o
§ 3º do referido art. 58 da CLT, verbis:
Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados
em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas
diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
[...]
§ 2o O tempo despendido pelo empregado até o local
de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de
transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo
quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido
por transporte público, o empregador fornecer a condução.
§ 3o Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas
de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção
coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador,
em local de difícil acesso ou não servido por transporte
público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem
como a forma e a natureza da remuneração.
Ocorre que, a despeito das usinas de açúcar e álcool
constituírem megaempresas, muitas delas transnacionais, o Poder
Judiciário trabalhista acabou, numa interpretação flagrantemente
“contra legem”, admitindo que também empresas de grande porte
pudessem transacionar coletivamente o direito da jornada “in itinere”.
Dado o nível de alienação do sistema sindical, o
resultado não poderia ser outro. Os sindicatos passaram a subscrever
convenções e acordos que simplesmente renunciavam o direito ao
computo da jornada de percurso. Este fato levou o Tribunal Superior
do Trabalho a rever sua posição inicial, para estabelecer que a renúncia
ou a transação flagrantemente desproporcional não seriam válidas.
A realidade, porém, é que os direitos fundamentais à
educação, ao lazer e ao convívio familiar, vêm sendo sacrificados ou
restringidos com base em negociações coletivas que transacionam o
direito legislado que, se observado, levaria as usinas a racionalizar o
transporte dos seus trabalhadores.
que nas lides trabalhistas, nas quais os trabalhadores pleiteiam o
pagamento tardio das horas “in itinere”, invariavelmente as usinas
acostam instrumentos coletivos para, com base neles, buscar o
julgamento de improcedência do pedido.
Quando o empregador passa a utilizar os instrumentos
coletivos na sua defesa, resta claro que algo está errado, muito errado.
6.2 A atuação da fiscalização do trabalho e da Presidência da
República
A importância do setor sucroalcooleiro levou a
Presidência da República do Brasil, por sua Secretaria-Geral, a buscar
meios de garantir condições dignas de trabalho no segmento.
Conforme publicado no sítio da presidência da república,
o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições
de Trabalho na Cana-de-Açúcar foi firmado pelo governo
federal e entidades de trabalhadores e de empresários do setor
sucroenergético em 25 de junho de 2009. O Compromisso
é resultado de uma experiência inédita, no Brasil, de diálogo
e negociação nacional tripartite para enfrentar o desafio de
melhorar as condições de vida e trabalho no cultivo manual
da cana-de-açúcar.
A elogiável, porém atípica, atuação da presidência da
república, que ora vem sendo repetida no setor da construção civil,
demonstra de forma inequívoca a letargia que abateu o sistema
sindical brasileiro.
A Fiscalização do Trabalho, por sua vez, traduz
instituição fundamental para a defesa dos direitos dos trabalhadores
e, especificamente no setor sucroalcooleiro, sempre desempenhou
papel determinante para corrigir ou atenuar as agressões aos direitos
humanos dos trabalhadores em momentos patológicos da relação
capital-trabalho. Todavia, por ser estranha à atuação da polícia
administrativa, a Fiscalização não possui instrumentos para corrigir a
causa eficiente do problema – a falta de atuação sindical.
Um claro sintoma dessa insólita situação é o fato de
154
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
155
6.3 A atuação do Ministério Público do Trabalho
PAS – Programa de Assistência Social.
A Constituição de 1988 reservou ao Ministério Público
não apenas a missão de fiscalizar a ordem jurídica, mas também
confiou ao Parquet a defesa dos direitos fundamentais da sociedade
e, para tanto, aflora a chamada função promocional do Ministério
Público, segundo a qual ele deve, na condição de articulador social em
prol da cidadania, tomar as medidas necessárias para levar os atores
sociais e governamentais a concretizarem os valores e os objetivos
traçados pelo Constituinte.
No entanto, numa demonstração de absoluto
descompromisso com o ser humano, as usinas pressionaram o governo
federal e conseguiram, por meio do art. 38 da Lei n. 12.865/2013, a
revogação do PAS.
Pois bem, ciente da complexa realidade do setor
sucroalcooleiro, bem como da interação das variáveis sociais, políticas
e econômicas do segmento, buscando garantir a efetiva proteção aos
direitos fundamentais trabalhistas, o Ministério Público do Trabalho
trilhou duas estratégias paralelas: a primeira e mais importante,
voltada para a articulação social e outra, subsidiária, de enfrentamento
judicial direto das questões fundamentais e inadiáveis à defesa dos
trabalhadores.
Na fase na qual o corte manual era a regra do setor, o
Ministério Público do Trabalho, sem prejuízo de buscar garantir
a satisfação das condições ambientais laborais dignas, atuou
fundamentalmente na defesa da vida dos trabalhadores por meio de
ações civis públicas veiculando o pedido para a vedação do pagamento
por produção.
Durante a transição do corte manual para o mecanizado,
o Ministério Público do Trabalho e também o Ministério Público
Federal, ajuizaram dezenas de ações civis públicas exigindo que
as usinas implementassem programas de educação básica e de
requalificação profissional para garantir a recolocação dos cortadores
de cana que perderiam seus empregos em razão da reestruturação
tecnológica no setor.
Essa verdadeira violência legislativa que contou,
infelizmente, com o silêncio eloquente do movimento sindical,
inviabilizou as demandas ministeriais e condenou milhares de exempregados braçais das usinas à indigência.
Superada a fase do corte manual, mais uma vez referindo
à experiência sul-mato-grossense, a atuação articulada com o
movimento sindical passou a ser a prioridade ministerial.
Buscou-se, com relativo sucesso, estimular os sindicatos
do setor a formularem negociações coletivas que visassem a melhoria
das condições de trabalho dos trabalhadores, com ênfase na defesa
aos direitos fundamentais de acesso à educação, ao lazer e ao
convívio familiar, bastando para tanto que não mais transacionassem
coletivamente o direito à jornada “in itinere”.
O exemplo do Mato Grosso do Sul, serviu, por um lado,
para demonstrar o quão eficaz e produtiva é a atuação institucional
conjunta do movimento sindical e do Ministério Público, mas, por
outro, para comprovar que enquanto as inconsistências estruturais
do sistema sindical não forem resolvidas, tais atuações serão sempre
efêmeras.
Paralelamente, quando frustrada ou insuficiente a
tentativa de articulação com os sindicatos de trabalhadores, o
Ministério Público do Trabalho vem manejando ações coletivas
visando a garantia, em juízo, de tais direitos. Trata-se de um debate
ainda em aberto.
Esse enfrentamento se deu com base no disposto no art.
7º, XXVII da Constituição, que anuncia a proteção legal do trabalho
em face da automação e, também na Lei n. 4.870/65, que instituiu o
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
157
7 CONCLUSÃO
É inegável a relevância da negociação coletiva para o
sistema jurídico-laboral brasileiro, pois é por meio dela que se torna
possível conferir a necessária plasticidade às relações de trabalho.
Igualmente irrefutável é a conclusão de que os sindicatos, em especial
os laborais, são essenciais para viabilizar negociações coletivas
que, em regra, promovam a elevação do patamar de proteção dos
trabalhadores.
Forçoso reconhecer, também, que o aparelho protetivo
do Estado envolvido nas relações de trabalho é insuficiente para,
com eficiência, garantir a concretização da defesa dos direitos
fundamentais trabalhistas.
Neste contexto desponta a fundamentalidade do sistema
sindical para a construção de um estado democrático de direito que
possa, efetivamente, produzir a redução das desigualdades sociais
e contribuir definitivamente para a construção de uma sociedade
verdadeiramente livre, justa e solidária.
É inadiável, pois, a retomada da discussão em torno
da reforma do sistema sindical brasileiro, debate este que passa por
uma necessária reforma constitucional que corrija as distorções e
contradições que inviabilizam a ratificação, pelo Brasil, da Convenção
n. 87 da Organização Internacional do Trabalho.
A implementação não apenas formal, mas principalmente
material, do princípio da liberdade sindical é condição necessária para
que possa haver negociações coletivas que cumpram efetivamente
sua missão de melhoria das condições de trabalho.
Enquanto o amadurecimento das instâncias políticas
brasileiras não chega ao ponto de pautar essa importantíssima matéria,
cabe ao Ministério Público do Trabalho, com vistas à preservação dos
direitos fundamentais dos trabalhadores, lançar mão das ferramentas a
ele conferidas pela Constituição para mitigar os efeitos das distorções
do sistema sindical brasileiro.
158
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Guia de atuação
GUIA DE ATUAÇÃO MINISTERIAL
ENCERRAMENTO DOS LIXÕES E A
INCLUSÃO SOCIAL E PRODUTIVA
DAS CATADORAS E CATADORES DE
MATERIAIS RECICLÁVEIS
Conselho Nacional do Ministério Público
Rodrigo Janot Monteiro de Barros - Presidente
Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais
GT 5 – Pessoas em Situação de Rua, Catadores de Materiais
Recicláveis, Pessoas Desaparecidas e Submetidas ao Tráfico
Conselho Nacional do Ministério Público
Guia de Atuação Ministerial: Encerramento dos lixões e inclusão
social e produtiva de catadoras e catadores de materiais recicláveis /
Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília : CNMP, 2014.
Coleção: Guia de Atuação Ministerial e Ação Nacional em defesa dos
Direitos Fundamentais.
1. Ação Nacional e Defesa dos Direitos Fundamentais. 2. Lei
12.305/2010. 3. Política Nacional de Resíduos Sólidos. 4. Carvalho,
Margaret Matos de. 5. Rezende, Simone Beatriz de Assis. 6. Costa,
Alzira Melo. 7. Dória, Marcela Monteiro. 8. Santos, Saint-Clair
Honorato. 9. Comissão de Direitos Fundamentais – CNMP. I. Brasil.
Conselho Nacional do Ministério Público.
1 INTRODUÇÃO
Diversas têm sido as discussões em torno do prazo
previsto na lei 12.305/2010 de encerramento dos lixões, em vias de
se esgotar (3/8/2014) e com intensa mobilização dos prefeitos com
o objetivo de postergar o cumprimento da lei.
O presente GUIA enfrenta o desafio de apresentar
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
161
subsídios de atuação aos membros do Ministério Público Brasileiro
para enfrentamento do problema, além de fundamentar a
constitucionalidade e a legalidade da gestão compartilhada de resíduos
sólidos recicláveis entre Municípios e associações e cooperativas
de catadoras e catadores de materiais recicláveis, com dispensa do
processo licitatório e, mais, como obrigação do poder público de
contratar e remunerar os serviços prestados, responsável que é pela
fiel observância dos preceitos legais.
Os serviços de limpeza pública, dentre os quais
se destacam os serviços de coleta do lixo, são extremamente
dispendiosos aos cofres públicos, em especial quando tais serviços
são terceirizados. Poucas são as empresas prestadoras de serviços de
coleta que hoje atuam no mercado, de sorte que se pode falar em um
“quase monopólio” da atividade. As grandes empresas quase sempre
são vencedoras dos processos de licitação e as de pequeno porte nem
sonham em vencer a concorrência quando se trata da coleta do lixo
em grandes capitais, municípios de grande e médio porte ou regiões
metropolitanas.
Em razão do prazo previsto na Lei 12.305/2010 que
prevê o encerramento dos lixões até 03/08/2014 e dos dados
estatísticos disponibilizados pelo Ipea – Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada que indica que o Brasil conta ainda com mais de
2.906 lixões espalhados em mais de 2.810 Municípios, encontramonos em uma situação de emergência. Segundo o documento do Ipea,
a região Nordeste abriga o maior número de municípios com lixões:
é 1.598, o equivalente a 89% do total de cidades da região. Sobre a
coleta seletiva de materiais reciclados, o Ipea afirma que em 2008 o
número de cidades com programas de coleta seletiva passou a ser
994 - ou seja, apenas 18% dos municípios brasileiros. A maioria está
localizada no Sul e Sudeste do país.
Tal situação exige pronta resposta do Ministério Público
Brasileiro, guardião da lei e defensor da sociedade, pois, como fiscal
da lei, deverá exigir dos Municípios, não apenas o encerramento
dos lixões - incluindo aterros controlados, pois tecnicamente devem
ser considerados “lixões” - mas também deverá garantir que o
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
encerramento dos lixões se dê concomitantemente com a inclusão
social e produtiva dos catadores e catadoras de materiais recicláveis,
segundo estabelece o artigo 15, inciso V e artigo 17, inciso V da
referida Lei 12.305/2010.
Cabe registrar que a atuação ministerial deve ser sempre
no sentido de preservar e dignificar a atividade do catador de material
reciclável, garantindo que possam permanecer realizando a mesma
atividade, porém, organizados coletivamente e com segurança e
dignidade.
Nesse intuito está o presente Guia, que se propõe a
servir como arcabouço, teórico e prático, para atuação dos membros
do Ministério Público nessa seara.
2 ARCABOUÇO LEGAL
2.1 Política Nacional de Resíduos Sólidos
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei
12.305/2010) é definida pelo conjunto de princípios, objetivos,
instrumentos, diretrizes, metas e ações adotadas pelo Governo
Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados,
Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão
integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos
sólidos.
Segundo disposto no artigo 3º, inciso XI, da Lei
12.305/10, a gestão integrada é um “conjunto de ações voltadas para
a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar
as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com
controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”.
Importante consignar que o artigo 9º, caput, da Lei
12.305/2010 estabelece uma regra da ordem de prioridade na gestão,
segundo a qual se deve primar, em primeiro lugar, pela não geração
de resíduos, seguida da redução, reutilização e reciclagem, depois
para o tratamento dos resíduos sólidos e, por fim, a disposição final
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
163
adequada dos rejeitos.
Além dos princípios da precaução e da prevenção
estabelecidos pela Lei supracitada, interessa-nos seja dada muita
atenção aos seguintes:
Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos
Sólidos:
III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos,
que considere as variáveis ambiental, social, cultural,
econômica, tecnológica e de saúde pública;
VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público,
o setor empresarial e demais segmentos da sociedade;
VII - a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos;
VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e
reciclável como um bem econômico e de valor social,
gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania;
XI - a razoabilidade e a proporcionalidade. (Grifo nosso)
Nesse sentido, indiscutível, pois, que a Política Nacional
dos Resíduos Sólidos tenha alcance para além do âmbito ambiental,
abrangendo também o social, o cultural, o econômico, o tecnológico
e o de saúde pública. O resíduo deve ser visto como um bem
capaz de gerar trabalho e renda e de promover a cidadania, segundo
o princípio da visão sistêmica, o qual impõe às pessoas físicas ou
jurídicas, públicas ou privadas geradoras de resíduo sólido o respeito
e a observância dos valores sociais e da dignidade da pessoa humana.
Tratando-se da gestão integrada e compartilhada para
o gerenciamento dos resíduos sólidos, conforme prevê a legislação,
é de se concluir que os Municípios estão obrigados a promover a
contratação das associações e cooperativas de catadores de materiais
recicláveis, em todas as etapas da gestão.
Segundo o art. 7º da Lei n.º 12.305/2010, são também
objetivos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos:
Art. 7º São objetivos da Política Nacional de Resíduos
Sólidos:
VII - gestão integrada de resíduos sólidos;
164
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder
público, e destas com o setor empresarial, com vistas à
cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de
resíduos sólidos;
XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis
e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
Para que sejam cumpridos esses objetivos, o Município
deve promover não apenas ações assistencialistas e pontuais de
apoio às associações e cooperativas de catadores, mas essencialmente
integrá-las, efetivamente, na gestão compartilhada, o que somente será
alcançado quando as organizações de catadores estiverem dotadas de
todos os recursos materiais e humanos necessários, os quais são de
responsabilidade do Município garantir.
A integração a que se refere o inciso XII do artigo 7º da
Lei 12.305/10 compreende, também, a contratação e remuneração do
trabalho, conforme permissivo expresso - com dispensa de licitação do inciso XXVII do artigo 24 da Lei 8.666/93. É garantir a participação
das associações e cooperativas em todo o processo e etapas da gestão.
Não apenas na coleta, ou em galpões de triagem. Mas integrandoos e repartindo a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos
(artigo 6º, inciso III, da Lei 12.305/2010). Ou seja, também devem
ser inseridas as cooperativas e associações de catadoras e catadores de
materiais recicláveis no tratamento final, quando, então, será possível
agregar valor ao resíduo coletado, seja mediante a transformação
primária ou secundária dos materiais resultantes da coleta e triagem. É,
por assim, dizer, o fechamento do ciclo, com a certeza de, não apenas
se garantir a viabilidade econômica das associações e cooperativas,
como ao próprio sistema de gestão integrada e compartilhada dos
resíduos sólidos. As vantagens são inúmeras: elevação da renda dos
catadores e, por decorrência lógica, incremento do comércio local,
onde os catadores passam a consumir mais e melhor; erradicação
do trabalho infantil diante da elevação da condição socioeconômica
das famílias; melhora nos índices da coleta seletiva, da reciclagem e
da reutilização bem ainda da compostagem; valorização da educação
ambiental como instrumento de efetivação da PNRS, preservação
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
165
ambiental, preservação dos mananciais e lençóis freáticos, redução
de gastos de recursos públicos, dentre outros a serem considerados.
O financiamento de cooperativas de catadores é objetivo
expresso no inciso VIII do artigo 7º, reafirmado no inciso III do
artigo 42, da Lei 12.305/2010. Assim, não há o menor respaldo legal
ao município que se esquiva de garantir às cooperativas e associações
de catadores não apenas a remuneração pelo trabalho, mas também
toda a infraestrutura necessária, dotada de equipamentos, e que sejam
de qualidade.
Note-se, aliás, que o artigo 8º, inciso IV, prevê como
instrumento de efetivação da Lei 12.305/2010 “o incentivo ao
cooperativismo popular”. As associações e cooperativas de catadores
são, de fato, cooperativas populares.
A Lei 12.305/10, no seu artigo 36, prevê a coleta seletiva
como um DEVER a ser observado pelos Municípios. Portanto, além
da erradicação dos lixões, todos os Municípios estão obrigados a
implementar a coleta seletiva, em todo o seu território, com a prioritária
integração dos catadores, inclusive como medida necessária para o
encerramento dos lixões e observância ao § 1º do referido artigo.
Observe-se o inteiro teor do artigo 36, com especial
enfoque ao § 1º, a seguir, que relaciona as responsabilidades cometidas
aos titulares de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos:
Artigo 36
I - adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos
sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços
públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.
II - estabelecer sistema de coleta seletiva;
III - articular com os agentes econômicos e sociais
medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos
resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos
serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos;
IV - realizar as atividades definidas por acordo setorial ou
termo de compromisso na forma do § 7º do art. 33, mediante
a devida remuneração pelo setor empresarial;
§ 1º Para o cumprimento do disposto nos incisos I a IV do
166
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
caput, o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e
de manejo de resíduos sólidos priorizará a organização e
o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de
associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua
contratação.
§ 2º A contratação prevista no § 1º é dispensável de licitação,
nos termos do inciso XXVII do art. 24 da Lei no 8.666, de
21 de junho de 1993.
Portanto, a Lei 12.305/2010 impõe a contratação
obrigatória – PRIORITÁRIA – das associações e cooperativas de
catadores quando existentes.
Além de resultar da luta por direitos do Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, a Lei 12.305/2010
integra e articula questões voltadas não apenas à preservação ambiental,
mas também à redução das desigualdades sociais (erradicação do
trabalho infantil na coleta do lixo e emancipação socioeconômica
das famílias que sobrevivem da coleta e comercialização de materiais
recicláveis), consagrando, assim, os objetivos fundamentais do Estado
Brasileiro previstos no artigo 3º da Carta Constitucional. Fortalece,
ainda, a possibilidade de atingimento dos objetivos do milênio e
o compromisso brasileiro com a implementação da Agenda 21 e
promoção do trabalho decente.
Correto afirmar, portanto, que é obrigação do Município
organizar o serviço de coleta seletiva, transferindo a sua gestão para
as organizações formais de catadores de materiais recicláveis, pois
qualquer política de responsabilidade social e ambiental e de geração
de trabalho e renda deve estar orientada pelos princípios, objetivos
e ações relativas ao desenvolvimento humano e ambiental, de modo
a se presumir em absoluto a conveniência e oportunidade de sua
concretização, em face da gravidade dos mecanismos de exclusão
social, em especial o desemprego que empurra milhares de famílias
para a coleta informal, o desperdício nas práticas de consumo, e a
irrazoabilidade econômica e ambiental do descarte de produtos
reaproveitáveis. Todos estes fatos revelam que a administração
pública municipal tem o dever-poder de realizar ações tendentes a
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
167
alcançar todos os objetivos propostos na lei.
Digno de nota o fato de que a insuficiência de vagas
em creches públicas (centros de educação infantil) é a realidade de
praticamente todos os municípios brasileiros, representando um
percentual absurdo de mais de 50% das crianças brasileiras sem
acesso à educação infantil, direito fundamental reconhecido na nossa
Constituição. Portanto, a presença de uma criança coletando o lixo
reciclável nas ruas ou nos lixões, ao contrário do que muitos pensam
e afirmam, não é por negligência familiar, mas sim uma gravíssima
omissão do Estado.
Diante de tão grave quadro social e considerando a
responsabilidade do poder público municipal no que se refere ao
enfrentamento da questão, vários são os fundamentos jurídicos que
alicerçam a inclusão social dos catadores através da participação
efetiva destes na gestão dos resíduos sólidos recicláveis para além
da Política Nacional de Resíduos Sólidos, não apenas como mera
possibilidade, mas sim como uma obrigação que deve ser imposta
a todos os municípios brasileiros, sem contar a obrigação que
também deve ser observada pela administração pública quando do
descarte ou comercialização do resíduo reciclável produzido em suas
dependências.
2.2 Fundamentos Jurídicos Internacionais
Como primeiro instrumento jurídico internacional
importante – e nem poderia deixar de sê-lo, é a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que diz:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente
a todos os membros da família humana e de seus direitos
iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo.
Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade,
tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço
nacional, pela cooperação internacional de acordo com
a organização e recursos de cada Estado, dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis à
sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade.
168
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Artigo XXIII - Toda pessoa tem direito ao trabalho, à
livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis
de trabalho e à proteção contra o desemprego.
O Direito dos Direitos Humanos, assim como o Direito
do Trabalho, não rege relações entre iguais, operando na proteção
do homem, infinitamente mais fraco na relação capital e trabalho.
Portanto, o Direito dos Direitos Humanos é o direito de proteção
dos mais fracos e vulneráveis e a concretização da proteção almejada
e exigida por normativas internacionais e nacionais requer atuação
uniforme dos órgãos que atuam nas diferentes esferas, em especial
do Ministério Público e Poder Judiciário. Segundo entendimento
de Eibe Riedel “o grande objetivo dos tratados internacionais de
direitos humanos se atém à interação entre as garantias nacionais e
internacionais de direitos humanos, adicionando assim uma maior
proteção aos indivíduos”.
Os instrumentos internacionais sobre o Meio Ambiente,
a seu turno, em especial a partir da Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), que
ficou conhecida como ECO92 ou Rio92, tornaram o conceito de
desenvolvimento sustentável amplamente difundido, exigindo
dos Estados a implementação da Agenda 21, a qual deverá propor
meios operacionais para a aplicação da política de desenvolvimento
sustentável, referenciando a construção de Planos de Ação a serem
implementados a nível global, nacional e local, pelas organizações do
Sistema das Nações Unidas, Governos e Autoridades Locais, bem
como pelos cidadãos, em todas as áreas onde a atividade humana
provoca impactos ambientais.
Desde a ECO92, diversos países passaram a considerar
o desenvolvimento sustentável como componente da sua estratégia
política conjugando ambiente, economia e aspectos sociais.
Em Setembro de 2002, em Johanesburgo, a Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável reafirmou,
claramente, a necessidade da plena implementação da Agenda 21, do
Programa para Implementações Futuras e do Compromisso com os
Princípios do Rio.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
169
Atualmente, as Nações Unidas declararam a década
2005-2014 como “A Década das Nações Unidas da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável”.
O “Fórum do Milênio”, ocorrido entre os dias 22 e 26
de maio de 2000, na sede da ONU em Nova Iorque, ao reunir 1350
representantes de ONGs e sociedades civis de 140 países, deu origem
a uma declaração consensual, avaliada por 188 líderes do mundo
inteiro em setembro do mesmo ano. O documento proposto apontou
um novo estado de consciência, ou seja, a visão da inclusão global da
espécie humana, assim como da complexa interdependência da raça
humana com o planeta e seus recursos naturais limitados. Por outro
lado, incluiu-se na declaração o consenso em relação à necessidade
de um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de prever as
necessidades de gerações futuras e ao mesmo tempo de erradicar a
pobreza. O Brasil se fez presente a todas as discussões e ratificou
todos os instrumentos internacionais mencionados.
Como resultado das discussões, a AGENDA 21
GLOBAL contempla em seu Capítulo 03, dedicado ao combate à
pobreza, a “capacitação dos pobres para a obtenção de meios de
subsistência sustentáveis”. No seu Capítulo 06, dentre outras ações,
prevê a “proteção e promoção das condições da saúde humana”,
a “proteção dos grupos vulneráveis” e a “redução dos riscos para
a saúde decorrentes da poluição e dos perigos ambientais”. “E,
ainda, no Capítulo 07 propõe: “a promoção do desenvolvimento
sustentável dos assentamentos humanos”, o oferecimento a todos
de habitação adequada”, “promover o planejamento e o manejo
sustentáveis do uso da terra”, “promover a existência integrada
de infraestrutura ambiental, água, saneamento, drenagem e
manejo de resíduos sólidos” e “promover o desenvolvimento dos
recursos humanos”.
2.3 Fundamentos Constitucionais
Na Constituição Cidadã, os quatro primeiros artigos
tratam dos “princípios fundamentais”, sendo estes, ao lado do
preâmbulo, o embasamento de toda a ordem jurídica brasileira.
170
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Destaca-se, ainda, o art. 3º, que é a diretriz política
adotada pelo Estado brasileiro:
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa
e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
É importante salientar que os princípios, enquanto
fundamentos vinculantes de conduta, pautam não somente a ação
do legislador constituído, mas também as ações do administrador, do
juiz e de todas as pessoas (físicas e jurídicas, públicas e privadas) que
compõem a sociedade política.
Em razão do estabelecido no artigo 225 da Constituição
Federal é correto afirmar que a administração pública municipal,
enquanto incumbida da destinação adequada dos resíduos sólidos,
deve implementar programa de educação ambiental visando à
separação seletiva dos resíduos, reduzindo a quantidade que de outra
forma seria depositada em aterros ou lixões. A medida possibilita
maior vida útil aos aterros, o que por certo reduz o consumo de
dinheiro público com a sua operacionalização e construção; reduz a
contaminação da água (lençóis freáticos, nascentes, etc.) bem como
reduz o impacto ambiental em razão da economia na utilização
de recursos naturais que ocorre quando há o reaproveitamento,
reutilização ou reciclagem dos resíduos, além do flagrante benefício à
saúde pública. Indiscutível, como se vê, o impacto positivo no meio
ambiente, em especial quando incluídos os catadores, atualmente
grandes responsáveis pelo pouco que se tem obtido com a coleta
seletiva. Fomentar a coleta seletiva através do fortalecimento das
organizações de catadores é condicionante de sucesso a qualquer
ação que tenha como objetivo o desenvolvimento local sustentável.
O artigo 226, também da Constituição Federal, dispõe “A
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
171
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Ora, se ao Estado é cometida a nobre tarefa de dar especial proteção à
família, obviamente que poderá (e deverá) fazê-lo através de medidas
emancipatórias, não meramente assistencialistas, dentre as quais se
destaca a inclusão social pela gestão compartilhada dos resíduos
sólidos. O árduo trabalho realizado pelos catadores, ainda não de
todo reconhecido devidamente, produz riquezas ao país. Porém, o
melhor resultado desta relevante atividade acaba em poucas mãos,
seja de pequenos depósitos, grandes atravessadores ou indústrias de
reciclagem. Para a permanência de grupos organizados de catadores
no mercado da reciclagem é indispensável à proteção do Estado,
dando-lhes as condições e infraestrutura adequadas para fazer
frente à selvagem competitividade existente. Que o lixo reciclável é
rentável ninguém duvida e o sucesso de empresas ligadas ao setor
do comércio e industrialização de resíduos recicláveis está aí para
comprovar. O desafio posto é, através do lixo reciclável (descartado
pelos geradores), proporcionar a milhões de indivíduos condições
mínimas e indispensáveis de sobrevivência digna, consoante os
preceitos constitucionais mencionados.
Público e notório o envolvimento de milhares e milhares
de crianças e adolescentes na atividade de coleta do lixo, auxiliando os
pais e contribuindo para a complementação da renda familiar. Porém,
conforme se extrai do artigo 227 da Constituição Federal bem como
da regulamentação dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
não só à família, como também ao Estado, compete a garantia e
promoção dos direitos da criança e do adolescente. Ora, se para a
promoção e garantia de tais direitos são necessárias medidas que
impliquem na melhoria das atuais condições da família (que, repitase, é bem constitucionalmente tutelado) e, ainda, se é possível fazê-lo
através de efetiva inclusão social e combate à miséria (emancipação
social), uma vez mais se justifica a inserção dos catadores nos planos de
gestão de resíduos sólidos como forma de incrementar as condições
de renda, trabalho e vida, com o que as crianças e adolescentes
poderiam ser afastados do trabalho degradante, insalubre e perigoso,
permanecendo na escola e se preparando para o futuro. Assim, a
inclusão social dos catadores, mediante a forma sugerida, conduz a
esse objetivo importante e do qual ninguém pode se apartar, que é a
preservação dos direitos da criança e do adolescente.
2.4 Erradicação do Trabalho Infantil
A Constituição Federal, art. 7º, XXXIII, prevê a proibição
de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos.
Na mesma lógica de preservação de Direitos Humanos
podemos mencionar a Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança, que inspirou a redação do artigo 227 da
Constituição Federal, o qual, posteriormente, foi regulamentado pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, dando ESPECIAL proteção
aos seus direitos e garantias, o que fundamenta a erradicação do
trabalho infantil nos lixões e nas ruas.
O artigo 227 prevê que: “É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
172
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
No plano internacional, além da Convenção 138 da
OIT, que estabelece a idade mínima para o trabalho, a Convenção
182 dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil e medidas
urgentes da comunidade internacional para erradicá-las, sendo o
Brasil signatário de ambas. A Convenção 182 prevê que a legislação
dos países signatários elencará piores formas de trabalho infantil, de
acordo com a realidade local, entre atividades que, por sua natureza
ou circunstâncias em que são realizadas, possam causar prejuízos
físicos e morais às crianças e aos adolescentes. Tais atividades serão
proibidas para menores de 18 anos.
No Brasil essa regulamentação foi criada através do
Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que Regulamenta os artigos
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
173
30, alínea “d”, e 40 da Convenção 182 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e aprova a Lista das Piores Formas de Trabalho
Infantil (Lista TIP).
Está incluído nessa lista (item 70) todo trabalho realizado
na coleta, seleção e beneficiamento do lixo, pelos danos que podem
ser causados à saúde do trabalhador, elencados no mesmo decreto, o
que demanda a atuação imediata do Ministério Público na proteção
das crianças e adolescentes expostos a essa situação.
2.5 Fundamentos para contratação direta das cooperativas
A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS,
hierarquicamente superior à Lei de Licitações e no mesmo plano
de igualdade da Lei de Responsabilidade Fiscal, regulamenta o
artigo 226 da Constituição Federal, traçando as medidas e ações
necessárias para possibilitar o cumprimento dos seus princípios e
objetivos fundamentais, da mesma forma que o Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei 8069/90) torna exequível o princípio da
prioridade absoluta insculpido no artigo 227 da Constituição Federal.
Ambas devem ser igualmente respeitadas e executadas pelo Poder
Público, prevalecendo sobre quaisquer outras questões em razão dos
dispositivos constitucionais já citados.
Demais disso, a Lei 11.445/2007 que institui a Política
Nacional de Saneamento Básico, inseriu um inciso na Lei 8666/93 Lei de Licitações, dispondo que a licitação é dispensável quando da
contratação de associações e cooperativas de catadoras e catadores de
materiais recicláveis (artigo 24, inciso XXVII, da Lei 8666/93).
2.6 Decreto 5940/2006 – órgãos federais – obrigações da
administração pública
O Decreto Presidencial 5940/2006 “institui a separação
dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da
administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora,
e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de
materiais recicláveis”.
Cada órgão público federal deve instalar uma Comissão
174
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
de Coleta Seletiva Solidária, que terá como principais atribuições
desenvolver programa interno de separação dos resíduos, capacitar
os servidores e terceirizados sobre a temática bem como firmar com
associações e cooperativas convênios de entrega de todo o resíduo
reciclável gerado naquela unidade.
Antes da publicação do Decreto 5940/2006 os órgãos
públicos federais davam destinações diversas aos seus resíduos,
inclusive irresponsavelmente, a exemplo de resíduos perigosos,
descartados sem nenhum cuidado.
A partir do referido Decreto tornou-se obrigatória a
separação seletiva e a “doação” dos resíduos recicláveis às associações
e cooperativas de catadores. Em decorrência, os órgãos públicos
passaram a elaborar os seus Planos de Gerenciamento de Resíduos
(PGRS), o que acabou por envolver também a destinação adequada
de resíduos perigosos.
A quantidade e a qualidade dos recicláveis provenientes
dos órgãos federais têm sido fator fundamental de incremento da
renda dos catadores e, por consequência, da viabilidade econômica
das associações e cooperativas.
Cabe acrescentar que a análise dos planos de
gerenciamento destes órgãos é de extrema importância, pois nem
sempre consta do PGRS a totalidade dos resíduos gerados, em
especial aqueles de maior valor agregado, como metais e sucatas.
O desafio atual é garantir que também os órgãos públicos
estaduais e municipais passem a realizar as mesmas ações, iniciando
pela aprovação de decretos estaduais e municipais com conteúdo
similar ao do Decreto 5940/2006 (modelo em anexo).
2.7 Deliberações da Conferência Nacional do Meio Ambiente
2013
A Conferência Nacional de Resíduos Sólidos, realizada
no ano de 2013, e que pela primeira vez optou pelo tema “resíduos
sólidos” e contou com a ampla participação dos catadores de
materiais recicláveis, além de outros segmentos da sociedade, aprovou
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
175
em Plenária, propostas a serem observadas em todos os níveis de
governo.
Cumpre destacar que as deliberações da Conferência
Nacional possuem força de lei e, portanto, devem ser observadas
pelo gestor público.
O link para consulta à consolidação das propostas
aprovadas é o que segue: http://www.conferenciameioambiente.
gov.br/wp-content/uploads/2013/02/RESULTADO-FINAL4CNMA.pdf
Por tudo quanto relatado, claro está que, apenas mediante
a gestão compartilhada dos resíduos sólidos com a organização dos
catadores de materiais recicláveis, está garantido o desenvolvimento
local sustentável, o que por si só torna o trabalho dos catadores
ESSENCIAL e INDISCUTIVELMENTE mais adequado do que
qualquer alternativa. Ignorar essa verdade absoluta põe em dúvida a
seriedade e a legitimidade do administrador público.
Como visto, qualquer argumentação de impossibilidade
legal da emancipação das famílias que sobrevivem da coleta do
material reciclável através da contratação direta de suas organizações
pelo Poder Público para a gestão dos resíduos sólidos recicláveis,
com total apoio técnico e financeiro, falece diante dos inúmeros
argumentos aqui retratados e que reafirmam o compromisso do
planeta com os valores humanos, o combate à desigualdade social,
a erradicação da pobreza, o desenvolvimento local sustentável e a
preservação do meio ambiente.
Essas são as razões pelas quais se propõe o presente
Guia de Atuação ao Ministério Público Brasileiro, a fim de alcançar
uniformidade de sua atuação em âmbito nacional e garantir que, até o
término do prazo fixado pela Lei 12.305/2010 para encerramento dos
lixões (02/08/2014), os Municípios tenham sido instados a celebrar
termos de compromisso de ajustamento de conduta para a garantia
de atendimento de todo o conjunto legal citado.
176
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
3 PROJETO DE INCLUSÃO
O Projeto “Inclusão Social e Produtiva das Catadoras
e Catadores de Materiais Recicláveis” destina-se a promover ações
voltadas à tutela dos direitos destes trabalhadores, incluindo crianças
e adolescentes, no contexto da Política Nacional de Resíduos Sólidos
e da legislação vigente.
Para tanto, é necessário tornar efetivas, concretas
e incisivas as ações do Ministério Público Brasileiro. Tais ações
destinar-se-ão a, em caso de irregularidades: a) promover o resgate e
a regularização da situação jurídica de catadoras e catadores adultos,
idosos, crianças e adolescentes explorados na atividade de catação; e
b) promover a responsabilização jurídica dos Municípios.
objetivos:
Foram estabelecidos, no âmbito do Projeto os seguintes
A. Realizar inspeções e instaurar procedimentos
investigatórios, de ofício, em face dos Municípios que ainda não
promoveram o encerramento dos seus lixões.
B. Investigar e reprimir situações de trabalho degradantes
nos lixões e nas ruas.
C. Expedir notificações recomendatórias, celebrar
Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta e ajuizar
Ações Civis Públicas.
O presente Guia busca, então, municiar a atuação do
membro do Ministério Público, de maneira direta e sistemática,
considerando a complexidade da matéria e seu caráter interdisciplinar.
Deseja-se que este Guia atinja os objetivos a que se
propõe, reforçando a unidade e independência dos Membros do
Ministério Público e, no mérito, servindo de instrumento útil à sua
atuação cotidiana.
3.1 Principais aspectos das relações de trabalho nas Associações
e Cooperativas de Catadoras e Catadores de Materiais
Recicláveis
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
177
Os catadores de materiais recicláveis estão espalhados
pelo país e ainda é bastante comum o preconceito e a falta de
informação no que se refere à importância do trabalho realizado
por estes que, merecidamente, devem ser considerados verdadeiros
agentes ambientais, pois suas ações estão coroadas, senão de êxito
econômico, de reconhecido êxito ambiental, pois têm evitado o corte
de milhares de árvores diariamente como também reduzido o volume
de lixo depositado nos lixões e aterros.
É de conhecimento notório que os catadores realizam
a coleta de material reciclável de maneira absolutamente informal,
nas ruas e nos lixões, sendo raros os casos em que a Administração
Pública lhes dá o merecido reconhecimento, integrando-os através
da participação efetiva nos serviços de coleta seletiva. Normalmente,
aos catadores são direcionadas apenas ações de cunho assistencialista,
como fornecimento de cestas-básicas, que apenas amenizam a situação
de miséria, sem modificação da vulnerabilidade social e econômica.
Assim, por realizarem suas atividades informal e
desorganizadamente, muitas vezes concorrendo com os caminhões
de coleta do lixo, muito pouco recebem pelo seu trabalho e precárias
são as condições a que estão submetidos. Residem quase sempre na
periferia, grande parte em áreas não regularizadas e de preservação
ambiental, o que lhes impõe precaríssimas moradias. A situação dos
filhos não é melhor, pois desde cedo são instados a colaborar com a
tarefa a fim de assegurar a sobrevivência da família.
O retrato social citado não é novidade, mas a nova visão
que emerge da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que é uma
medida afirmativa de política pública destinada, também, a enfrentar
a discriminação estrutural que sofre o grupo social vulnerável de
catadores de materiais recicláveis. Basta simples leitura da exposição
de motivos da Lei 12.305/10, itens 18, 19 e 23 para tal conclusão.
As cooperativas populares, nas quais estão inseridas as
cooperativas de catadores de materiais recicláveis, surgiram com
a finalidade de combater a pobreza, o desemprego e alcançar a
apropriação coletiva dos meios de produção. Também surgiu como
178
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
reação ao trabalho informal e não valorizado.
As cooperativas e associações de catadores de materiais
recicláveis se estruturam sobre princípios e valores morais bastante
nobres, como os da igualdade, dignidade humana, ajuda mútua,
solidariedade e autogestão participativa. Esses empreendimentos
integram a “Economia Solidária”, dentro da qual se insere o
cooperativismo e, especificamente, as cooperativas populares.
Reunindo-se coletivamente, os cooperados promovem
seu próprio trabalho de forma organizada e democrática. A saída
coletiva representa uma ferramenta de desenvolvimento onde se
aglutinam as diversas forças para um objetivo comum, o que significa
uma grande vantagem em relação a empreendimentos individuais,
desde que a elas não sejam cometidas obrigações além de sua
capacidade - humana e econômica.
Desde a origem as cooperativas populares já nascem
sem a infraestrutura adequada, formadas por trabalhadores sem
disponibilidade de recursos para investir no negócio coletivo. Em
geral as cooperativas populares desenvolvem seus negócios em
instalações precárias, sem dispor dos meios de produção necessários
para a operacionalização e execução de suas atividades. As catadoras
e catadores que vivem e trabalham nos lixões enfrentam condições
ainda mais graves.
Considerando que a Lei 12.305/10 comete ao Poder
Público a obrigação de garantir às associações e cooperativas a
infraestrutura necessária às suas atividades, além da remuneração
pelos serviços prestados, emerge como obrigação prioritária a
disponibilização de galpão de trabalho, equipado minimamente
com mesas de triagem, prensa e balança, em condições adequadas
e que permitam o início imediato das atividades das associações e
cooperativas.
Suas necessidades são diversas variando das mais
complexas às mais simples, tais como reforma de edificações, compra
de máquinas, equipamentos, mobiliário, capital de giro, etc.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
179
É necessária a capacitação dos cooperados, com
assessorias técnica e financeira, além de assessoria para ajudar nas
atividades que possam gerar renda e, ao mesmo tempo, colaborar
para o desenvolvimento local, neste sentido resulta absolutamente
imprescindível que o Município mantenha assessoria permanente
com tal finalidade.
São muito comuns casos de cooperativas, ainda que criadas
com o apoio técnico do Município, serem geridas ou apropriadas por
pessoas que nem mesmo são catadores, como técnicos indicados
pelo Município, “apoiadores” e mesmo um cooperado que se torna
“dono da cooperativa” explorando os demais e se favorecendo da
vulnerabilidade destes. A importância de identificação de tais situações
é evitar a atuação em prol de cooperativas ilegítimas ou pessoas que
ilegitimamente tomaram a sua gestão, encaminhando providências no
sentido de auxiliar na recomposição da Diretoria e afastamento dos
“aproveitadores”. O fortalecimento do grupo é imprescindível para
evitar que tal situação venha a se repetir.
Importante identificar a existência de “atravessadores,
donos de depósitos, ferro-velho, sucateiros” que, na esmagadora
maioria dos Municípios, detém o monopólio da compra do material
coletado pelos catadores, organizados ou não. Tais “atravessadores”
impõem o preço e muitas vezes mantêm nos seus espaços de
armazenamento trabalhadores em condições análogas à de escravo,
informais, sem remuneração e sem condições mínimas de higiene e
segurança. Crianças e adolescentes frequentemente são explorados
por tais “atravessadores”, seja coletando materiais nas ruas e nos
lixões, seja trabalhando na triagem nas dependências do “barracão”
do atravessador. O atravessador é o primeiro na cadeia produtiva
a adquirir material dos catadores e que, após, comercializa com
atravessadores mais qualificados, que adquirem material e maior
quantidade e conhecidos como “aparistas”. Neste momento é
que o material informalmente coletado tem nota fiscal emitida
para que o material possa chegar até a indústria da reciclagem. Ou
seja, a cadeia produtiva da reciclagem, incluídas e especialmente as
grandes indústrias – que têm conhecimento claro do que acontece, é
180
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
responsável pela exploração dos catadores, de crianças a idosos.
3.2 Atividade dos membros do Ministério Público
inquéritos
a) Instauração de procedimentos investigatórios/
Como medida inicial sugere-se a instauração de
procedimentos em face dos Municípios que ainda mantenham lixões
ou que destinam os resíduos sólidos a locais inadequados com a
presença de catadoras e catadores. Portanto, um diagnóstico prévio
da situação atual é recomendável, assim como inspeção “in loco” nos
lixões, entrevistando os catadores ali presentes.
Sugestão de check list:
• Verificar a presença de crianças e adolescentes no lixão,
por inspeção ou informações de outros órgãos, como Secretaria do
Meio Ambiente, Conselho Tutelar, Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego, órgãos ambientais, dentre outros;
• Identificar o número de catadores e catadoras que
trabalham no lixão, com o auxílio de equipes do Município;
• Verificar a existência de moradias permanentes de
catadores na área do lixão.
O Município deverá garantir a essas famílias o acesso
prioritário às moradias, construídas ou a serem construídas. Enquanto
não houver a entrega definitiva de moradia, as famílias que forem
retiradas do lixão deverão receber, de imediato, transferência de renda
(bolsa aluguel, cheque moradia, dentre outros) para que os catadores
tenham condições de alugar imóvel até a entrega de suas moradias.
• Verificar a presença de “atravessador” ou “gato”
- pessoas que exploram o trabalho dos catadores e que adquirem
o material coletado no lixão a preço vil. Em caso positivo, exigir
do Município a fiscalização dos locais em que os atravessadores
armazenam seus materiais, verificando a legalidade da atividade e, se
for caso, promovendo a interdição do local.
• Verificar se os catadores encontrados no lixão se
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
181
encontram cadastrados no Cadastro Único (CadÚnico). Em caso
negativo determinar que a Secretaria de Assistência Social providencie
tal cadastramento. Importante informar que existe campo próprio
no Cadastro Único para identificação dos catadores, os quais
são priorizados e podem receber, de forma concomitante, vários
benefícios assistenciais do Governo Federal, independente da renda.
• Verificar a existência do plano municipal de
gerenciamento de resíduos sólidos ou a existência de plano defasado
em razão da Lei 12.305/2010 que trouxe novas diretrizes ao tratamento
de resíduos. O Município deve elaborar o plano municipal ou adaptar
o existente confirme exige a Lei 12.305/2014 como providência
urgente e imediata.
• Verificar se os planos municipais contemplam ações
obrigatórias como: diagnóstico dos resíduos, contratação das
associações e cooperativas de catadores, coleta seletiva, compostagem,
destinação dos resíduos inertes; educação ambiental, encerramento
do lixão, recuperação da área degradada, etc. Importante, ainda, a
aferição de que o plano foi devidamente publicizado e realizadas as
audiências públicas necessárias para a garantia do controle social.
• Verificar a existência de diagnóstico sobre a situação
social dos catadores e catadoras, bem assim de suas famílias, e se
estão sem documentação pessoal, situação que impede o acesso
a programas sociais, por exemplo. Se não houver diagnóstico,
determinar a sua realização bem como que sejam providenciados
todos os documentos pessoais necessários.
• Verificar se há organização dos catadores, em
associações ou cooperativas, e se a documentação se encontra regular
(atas, estatuto, controle fiscal e financeiro etc.). Se os catadores
estiverem em situação de informalidade, inorganizados, determinar
ao Município que dê assessoria técnica e social para ajuda-los no
processo de organização.
• Verificar se há ou não contratação e remuneração às
associações e cooperativas pelos serviços prestados ao Município,
conforme disciplina o artigo 24, inciso XVII, da Lei 8.666/93, já que a
182
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
simples entrega do resíduo reciclável não pode ser considerado como
pagamento dos serviços prestados. A contratação é por dispensa de
licitação e deve ser feita pelo prazo de cinco anos.
• Verificar a existência de campanhas permanentes de
educação ambiental, formal e não formal, bem como se a campanha
é avaliada quanto à sua qualidade e alcance. Deverão ser estabelecidas
metas para os resíduos recicláveis e para os resíduos orgânicos,
gradativas, até o atingimento de 100% do total destes resíduos.
• Verificar a existência de análise gravimétrica e
volumétrica (composição e volume) prévias e periódicas dos resíduos
para avaliação da qualidade da separação dos resíduos, bem como a
eficiência da campanha de educação ambiental.
• Verificar a existência de local apropriado para os
catadores realizarem suas atividades. Se não houver, exigir do
Município que adote medidas imediatas para que os catadores, já
organizados, detenham espaços próprios de armazenamento do
material e todos os equipamentos para realização da atividade, desde
a coleta até a comercialização.
• Verificar a existência de local apropriado para que seja
realizada a compostagem. Se não houver determinar ao Município
que providencie local adequado para que todos os resíduos orgânicos
sejam submetidos ao processo de compostagem.
• Verificar a existência de veículos apropriados (como
caminhões) para a realização da coleta seletiva. Se não houver,
o Município deverá providenciar aos catadores, tantos quantos
caminhões sejam necessários para a coleta dos recicláveis e dos
orgânicos.
• Verificar o índice de analfabetos ou analfabetos
funcionais dentre os catadores bem como deficiência na formação
profissional. Determinar ao Município a inclusão dos catadores em
programas de alfabetização, elevação de escolaridade e qualificação
profissional na área de atividade (reciclagem).
• Verificar a existência de separação dos resíduos no
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
183
âmbito interno das entidades públicas municipais e se os resíduos
recicláveis são entregues às associações e cooperativas. Se não houver,
determinar ao Município que institua a separação seletiva e que o
resíduo reciclável seja entregue aos catadores.
• Verificar a existência de acompanhamento da saúde das
famílias que sobrevivem da coleta de lixo. Determinar ao Município
que realize avaliação integral da saúde dos catadores e de suas famílias.
• Verificar a existência de atividades para as crianças e
adolescentes no período de recesso escolar, ocasião em que há elevado
aumento da exploração do trabalho de crianças e adolescentes. Em
não havendo, determinar ao Município que promova atividades para
este período, incluindo atendimento em centros de educação infantil.
• Verificar a existência de vagas suficientes para
atendimento dos filhos dos catadores nos centros de educação
infantil, nas escolas, em programas de contra turnos e no período de
recesso escolar ou programas de profissionalização aos adolescentes.
Se não houver, determinar ao Município que providencie as vagas
necessárias.
• Verificar a existência de separação dos resíduos nos
empreendimentos comerciais, industriais e outros instalados no
Município. Se não houver, determinar ao Município que institua a
exigência mediante vinculação à manutenção e renovação do Alvará
de Localização e Funcionamento.
• Verificar a existência de coleta de óleo de cozinha
usado. Se não houver, determinar ao Município que inicie programa
de coleta de óleo de cozinha usado, a ser executado pelas associações
e cooperativas que poderão se beneficiar de sua comercialização ou
utilização como biodiesel.
• Verificar a existência de fiscalização dos depósitos
que comercializam recicláveis e exploram catadores e crianças,
mantendo-os em condições indignas de trabalho. Tais depósitos
devem ser rigorosamente fiscalizados pelo Município e, não havendo
regularização de suas atividades, devem ser interditados.
184
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
• Verificar se os órgãos públicos federais cumprem
o estabelecido no Decreto Presidencial 5.940/2006 e, em não o
fazendo, instaurar procedimentos para que passem a cumpri-lo.
É possível a instauração de procedimentos em face
dos órgãos federais (Procedimentos Promocionais), caso não
estejam cumprindo o Decreto 5.940/06, ou em face também das
empresas e outros empreendimentos que não cumprem a sua cota
de responsabilidade na gestão dos resíduos, em atuações específicas.
b) Articulação Social
Diante da complexidade do problema, e do novo papel
assumido cada vez mais pelo Ministério Público de grande articulador
social, demanda-se amplo diálogo com os atores sociais envolvidos
e busca de parcerias com entes públicos, privados e sociedade civil,
tais como:
• Ministério Público Estadual, para atuação conjunta,
através dos Centros de Apoio da Criança, Centro de Apoio do Meio
Ambiente e outros identificados com a temática;
• Ministério Público Federal, para atuação conjunta,
através da Procuradoria de Defesa do Cidadão e outros identificados
com a temática;
• Ministério Público de Contas, para atuação conjunta,
em especial para garantir a regularidade nos contratos de prestação
de serviços que serão firmados com as associações e cooperativas de
catadores.
• Tribunal de Contas do Estado (ou Município, onde
houver): colabora com os encaminhamentos relativos ao orçamento
público, quanto ao investimento, execução e prestação de contas da
utilização dos recursos públicos, orienta na contratação com dispensa
de licitação de associações e cooperativas, orienta os Municípios
quanto a tais aspectos, delibera normativa que pode facilitar a
execução do plano municipal de gestão compartilhada dos resíduos
sólidos;
• Órgãos Públicos Federais: colaboram e indicam
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
185
atividades a serem realizadas; apresentam resultados da Comissão de
Coleta Seletiva Solidária prevista no Decreto 5940/2006; realizam
seminários sobre o tema, etc.;
sistematização das informações em banco de dados e de apoio
técnico, financeiro e político, além de incentivar a instalação de
Fóruns Estaduais, Regionais e Municipais.
• Órgãos Públicos Estaduais e Municipais, que
podem aderir ao programa de coleta seletiva solidária, nos mesmos
termos dos órgãos públicos federais;
O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis (MNCR) é um movimento social que há cerca de 12 anos
vem organizando os catadores e catadoras de materiais recicláveis
pelo Brasil afora.
• Sociedade Civil Organizada, através de organizações
não governamentais ambientais, sociais, educacionais, etc.;
• Representantes das associações e das cooperativas
de catadores;
• Representantes locais do Movimento Nacional
das Catadoras e dos Catadores de Materiais Recicláveis.
A articulação de um espaço permanente de debate
público pode ocorrer no âmbito do Fórum Lixo e Cidadania, já
instalado ou a se instalar, como também nos Comitês Estaduais do
Programa Pró-Catador, caso existente.
Quanto à origem do Fórum Lixo e Cidadania, em 1998,
uma pesquisa feita pelo UNICEF revelou a existência de 50.000
crianças e adolescentes vivendo no, e do, lixo no Brasil. Para enfrentar
essa realidade, um conjunto de instituições – órgãos públicos
federais, organizações não governamentais, o Ministério Público,
igrejas e prefeituras com experiências em andamento –, realizaram
um workshop e criaram o Fórum Nacional Lixo e Cidadania.
A reflexão sobre essas experiências consolidou uma nova
forma de se tratar a gestão do lixo nas cidades, batizada de Gestão
Compartilhada do Lixo Urbano, e inspirou o Programa Nacional Lixo
e Cidadania. Em 1999, um ano após ter sido criado, o Fórum Nacional
lançou a campanha Criança no Lixo Nunca Mais, para sensibilizar os
governantes e a sociedade com o propósito de que todas as crianças
e seus familiares tenham seus direitos sociais efetivados e uma vida
digna, e mais humana.
Para a implementação desse Programa foram
desenvolvidas ações de mobilização social, de organização e
186
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Busca a valorização da categoria e tem por objetivo a
garantia do protagonismo popular.
Tem por missão contribuir para a construção de
sociedades justas e sustentáveis a partir da organização social e
produtiva dos catadores de materiais recicláveis e suas famílias,
orientados pelos princípios que norteiam sua luta (autogestão, ação
direta, independência de classe, solidariedade de classe, democracia
direta e apoio mútuo), estejam eles em lixões a céu aberto, nas ruas
ou em processo de organização.
Busca a organização da categoria na solidariedade
de classe, que reúne forças para lutarem contra a exploração
buscando liberdade. Esse princípio é diferente da competição e do
individualismo, pois busca o apoio mútuo entre os catadores e outros
trabalhadores.
Luta pela autogestão do trabalho e o controle da cadeia
produtiva de reciclagem, garantindo que o serviço realizado não seja
utilizado em beneficio de alguns poucos (os exploradores), mas que
sirva a todos.
c) Adequação espontânea da conduta:
• Sugestão de encaminhamento de notificação
recomendatória aos Municípios, aos órgãos públicos federais e
empresas (minutas em anexo);
• Realização de reuniões, audiências públicas, audiências
administrativas com os gestores públicos, oitiva dos catadores para
verificação das necessidades, etc.;
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
187
• Propositura e assinatura de termo de compromisso
de ajustamento de conduta (sugestão de modelo em anexo para
Municípios, órgãos públicos federais e empresas).
d) Judicialização:
• Ação Civil Pública (sugestão de modelo em anexo contra
Municípios, órgãos públicos federais e empresas, com sentenças e
acórdãos sobre o tema);
anexo);
• Ação de Execução de TAC (sugestão de modelos em
•Ação de Improbidade Administrativa.
4 ANEXOS
anexos:
Neste quarto capítulo, você encontrará os seguintes
1. Modelo Contrato de Prestação de Serviços.
2. Modelo de Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta para a Inserção Social e Econômica dos Catadores de
Materiais Recicláveis.
3. Modelo de Lei Municipal criando o Programa PróCatador - Projeto de Lei do Programa Pró-Catador e Proibição de
Incineração.
4. Modelo Diagnóstico dos Municípios.
MODELO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DE COLETA, TRANSPORTE, TRIAGEM,
PROCESSAMENTO,
BENEFICIAMENTO,
COMPOSTAGEM E DESTINAÇÃO FINAL
ADEQUADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS
RECICLÁVEIS,
REUTILIZÁVEIS
E
ORGÂNICOS, A SEREM EFETUADOS POR
ASSOCIAÇÕES E OU COOPERATIVAS
AUTOGESTIONÁRIAS DE CATADORES E
CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS,
QUE ENTRE SI FAZEM O MUNICÍPIO DE
(XXXXX) E A SECRETARIA MUNICIPAL
DE MEIO AMBIENTE, NOS TERMOS DA
LEI ORGÂNICA MUNICIPAL nº (XXXX) E
ASSOCIAÇÕES/ COOPERATIVA (XXXXXX).
Pelo presente instrumento de contrato de um lado, como
CONTRATANTE, o Município de nome do Município, CNPJ, endereço
completo, CEP, por meio da SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO
AMBIENTE, nos termos da Lei Orgânica Municipal nº XXXX, entidade
integrante da administração pública direta do Município, inscrita no
CNPJ/MF sob o n.º XXXXXXXXXXXXX, com sede na cidade de
XXXXXXX(nome do Estado), na Rua XXXXXXXXXXXXX, CEP...,
neste ato representada por seu Secretário, Sr. (nome completo, RG,
CPF) e, de outro lado, COOPERATIVA ou ASSOCIAÇÃO (nome
da associação ou cooperativa), pessoa jurídica de direito privado,
inscrita no CNPJ/MF sob o n.º XXXXXXXXXXXX, estabelecida
da Rua XXXXXXX, CEP: XXXXXXX em XXXXXXX – nome do
Estado, neste ato representada por seu Presidente, XXXXXXXXX,
portador da RG n.º XXXXXXXX/PR e CPF n.º XXXXXXXXXX,
doravante denominada simplesmente CONTRATADA, ajustam e
celebram o presente Contrato, cujas despesas financeiras decorrentes
da contratação serão providas da Dotação Orçamentária havida
pela conta n.º XXXXXXXXXX, o fazendo mediante a Dispensa de
Licitação n.º XXXXXXXXXX, constante do Processo Administrativo
n.º XXXXXXXX, em consonância com o disposto na Lei n.º 8.666/93,
com a redação dada pelo art. 57 da lei federal 11.445 de 5 de janeiro de
2007 e demais cláusulas e condições a seguir estipuladas:
CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO
Constitui objeto do presente Contrato a prestação de serviços de coleta,
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CLAUSULA QUARTA – DO PREÇO
Pela execução do serviço, objeto desde Contrato, a CONTRATANTE
pagará, à CONTRATADA, o valor mensal estimado de R$ XXXXXXXX,
perfazendo o valor global estimado em R$ xxxxxxxxxxxx.
§1º - Os valores mensais a serem pagos à CONTRATADA serão
compostos da seguinte forma:
a) o mínimo de R$ 3,50 (três reais e cinquenta centavos) por visita em
cada domicílio, limitada a quatro visitas mensais em cada domicílio, com
pagamento mensal, para orientação aos munícipes sobre a segregação
correta dos resíduos, atividade que integra a campanha de educação
ambiental não formal do Município. O valor individual ao cooperado
não poderá ser inferior ao salário mínimo legal ou piso salarial regional,
acrescidos dos direitos constantes do artigo 7º, da Lei 12.690/2012.
b) O valor mínimo de R$ 400,00 (quatrocentos reais) por tonelada de
material coletado.
c) O valor mínimo de R$ XXXXX (X mil reais – sugestão de valor
mínimo de R$ 50.000,00) que seja suficiente para custeio das demandas
administrativas da Associação ou Cooperativa, (água, luz, telefonia,
condomínio, aluguel, FGTS e INSS de empregados contratados
segundo as normas da CLT, Equipamentos de Proteção Individual,
Equipamentos de Proteção Coletiva, contratação de profissionais
especializados (sugestão de profissionais especializados: assistente social,
assessor contábil, assessor jurídico, engenheiro e técnicos em medicina
e segurança do trabalho, técnico em logística, técnico em informática,
motoristas e outros); para a manutenção dos serviços de coleta de
forma a não comprometer a continuidade do serviço público e para a
redução dos custos inerentes à construção e operação de aterro sanitário
e diminuição do impacto ambiental. Obriga-se ainda a CONTRATADA
a apresentar, trimestralmente, comprovantes de todos os pagamentos
efetuados.
O valor mínimo aqui previsto poderá ser majorado quando insuficientes
para fazer frente ao pagamento de todas as despesas aqui elencadas.
d) Para pagamento do serviço de processamento de resíduos, medido
por tonelada comercializada, será pago o percentual mínimo de 10%
(dez por cento) sobre o valor do total das notas fiscais emitidas, não
podendo ser inferior ao equivalente a um salário mínimo regional ou
piso salarial regional por associado ou cooperado.
e) R$ 107,00 referentes ao recolhimento do INSS, que será pago por
cooperado que recebe até R$ 972,73/mês e 11% em relação aos associados
ou cooperados que produzem acima deste valor. O documento de filiação
à associação ou cooperativa deve ser apresentado nos mês de referência
da prestação dos serviços. Serão repassados recursos financeiros para
pagamento do adicional de insalubridade, correspondente a 9% do valor
recebido por cooperado para fins de aposentadoria especial.
f) R$ XXXXXXXXXX, referentes ao aluguel de todos os galpões,
em quantidade e adequados às necessidades, onde serão executados
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
transporte, triagem, processamento, beneficiamento, compostagem e
destinação final adequada dos resíduos sólidos recicláveis, reutilizáveis,
orgânicos e rejeitos, a serem efetuados por associações e cooperativas
autogestionárias de catadores e catadoras de matérias recicláveis.
CLAUSULA SEGUNDA – DOS ANEXOS CONTRATUAIS
O presente Contrato integra o Processo Administrativo n.º XXXXXXX,
e tem como seus anexos documentos daquele processo, em especial a
Dispensa de Licitação n.º XXXXX, que as partes declaram ter pleno
conhecimento a aceitam como suficiente para, em conjunto com
este contrato, definir o objeto contratual e permitir o seu integral
cumprimento.
Parágrafo Único. Ao presente contrato estarão vinculados todos
os termos e aditivos que vierem a ser firmados e que importem em
alterações de qualquer condição contratual desde que devidamente
assinados pelos representantes legais das partes.
CLAUSULA TERCEIRA – DA FORMA DE EXECUÇÃO
A coleta inicia-se imediatamente na data da assinatura do presente
Contrato.
A CONTRATADA deverá coletar todos os resíduos sólidos recicláveis,
reutilizáveis e orgânicos, de acordo com locais e frequências descritos
no Termo de Referência, que poderão ser alterados a critério das partes,
abrangendo os domicílios do Município de XXXXXXX, bem como os
prédios públicos.
Caberá à CONTRATADA apresentar, nos locais e no horário de
trabalho, os seus cooperados e empregados devidamente uniformizados,
utilizando veículos e equipamentos suficientes para a realização dos
serviços, cujos custos de aquisição e manutenção deverão integrar o
preço.
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191
os serviços de triagem, beneficiamento, prensagem, compostagem e o
armazenamento dos materiais coletados.
CLAUSULA QUINTA – DA FORMA DE PAGAMENTO
Os pagamentos ocorrerão, impreterivelmente e sob pena de multa, até o
1º dia útil de cada mês, através de transferência eletrônica às associações
e cooperativas prestadoras de serviços do objeto contratado. A nota
fiscal/fatura deverá conter o número do Processo Administrativo e a
modalidade de contratação.
O pagamento do primeiro mês da execução do presente Contrato será
realizado antecipadamente, no prazo de cinco dias após a assinatura
deste, readequando-se nos meses posteriores eventuais diferenças dos
valores estimados.
A CONTRATANTE está sujeita à multa diária correspondente a 1% do
valor global em caso de atraso no cumprimento de suas obrigações, em
especial atraso no repasse dos recursos financeiros.
Parágrafo único. Os preços poderão sofrer alterações para manter o
equilíbrio financeiro do contrato.
CLAUSULA SEXTA – DA VIGÊNCIA
O presente contrato terá vigência de 05 (cinco) anos, a partir de sua
assinatura, que será renovado automaticamente pelo prazo que vier a ser
acordado pelas partes, não inferior a cinco anos.
O contrato poderá ser renovado na modalidade de concessão pública,
com prazo de vigência de 25 (vinte e cinco) anos.
§1º O prazo de execução terá início em XXXXXXXX e encerrando-se
em XXXXXXXX.
CLAUSULA SÉTIMA – DAS OBRIGAÇÕES DA CONTRATADA
Além das obrigações normais, decorrentes do presente contrato e
as também descritas no Termo de Referência, que é parte integrante
do presente instrumento, constituem obrigações específicas da
CONTRATADA:
a) Realizar a coleta e o transporte diariamente, de segunda a sábado, na
forma descrita do Termo de Referência;
b) A CONTRATADA deverá fornecer veículos com capacidade de
192
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
carga condizente com a necessidade, desde que repassados recursos para
tanto;
c) Cada veículo deverá ter 01 (uma) equipe com 01 (um) motorista
habilitado de acordo com a categoria exigida para o tipo de veículo e 02
(dois) catadores coletores;
d) Cumprir todo o itinerário de coleta de forma que não haja abandono
ou esquecimento de materiais sem serem coletados;
e) Operar com organização e independência e sem vínculo com
a CONTRATANTE, executando o serviço com pessoal próprio
(cooperados ou contratados), em número suficiente, devidamente
habilitado para a execução de suas tarefas. Em caso de contratação de
empregados, deve obedecer a legislação civil, trabalhista e previdenciária,
com as devidas anotações e recolhimentos;
f) Providenciar equipe para atendimento de emergência de casos
eventuais quando solicitados pela CONTRATANTE, sem prejuízo da
coleta diária;
g) Apresentar o quantitativo no Termo de Referência (nº de cooperados
por área de cobertura de cada COOPERATIVA), bem como planilha
contendo nome, função e remuneração, atualizado mensalmente;
h) Designar os responsáveis pela fiscalização dos serviços de coleta e um
coordenador de cada COOPERATIVA indicando nome/cooperativa/
telefone. No caso de substituição ou exclusão dos responsáveis indicados,
comunicar em até 48 horas a CONTRATANTE;
i) Fornecer aos cooperados e empregados: uniforme completo e
adequado ao tipo de serviço. Estes uniformes deverão ter identificação
da CONTRATADA;
j) Fornecer Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e outros
equipamentos adequados e obrigatórios, necessários à execução dos
serviços do objeto contratado, exigindo a utilização destes. O EPI
deverá ser entregue antes do início do exercício da função do cooperado
ou contratado;
l) Na ocorrência de feriados, qualquer alteração da realização do serviço
deverá ser comunicada com antecedência de 15 (quinze) dias, para
apreciação e deliberação da CONTRATANTE. Em caso de anuência, a
comunicação prévia aos munícipes de qualquer alteração será feita pela
CONTRATANTE;
m) Comunicar à CONTRATANTE quando forem encontrados resíduos
perigosos ou contaminados juntos aos materiais coletados, para adoção
de providências cabíveis junto ao gerador e órgãos competentes;
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193
n) Permitir livre acesso aos cooperados e contratados a todos os
documentos pertinentes à execução do presente contrato;
o) Prestar contas à CONTRATANTE do material comercializado, com
a apresentação de todas as notas fiscais de comercialização emitidas;
p) Apresentar os comprovantes de pagamentos dos alugueis;
q) Não permitir o trabalho ou a permanência de menores de idade 18
(dezoito) anos de idade nas dependências das associações e cooperativas,
atendendo a Lei nº 8.069/1990;
r) Apresentar relatório trimestral de produção e renda dos catadores
para acompanhamento e monitoramento do sistema de coleta seletiva
por parte da CONTRATANTE.
CLAUSULA OITAVA – DAS OBRIGAÇÕES DA CONTRATANTE
Além das naturalmente decorrentes do presente instrumento, constituem
obrigações da CONTRATANTE:
a) Efetuar o pagamento, à CONTRATADA, dentro das condições e
prazo estabelecidos no presente contrato;
b) Notificar a CONTRATADA, por escrito, caso sejam constatadas
eventuais irregularidades ou defeitos na execução do objeto contratado,
fixando-lhe prazo para as devidas correções;
c) Manter contatos com a CONTRATADA, sempre por escrito;
d) Elaborar em conjunto com a CONTRATADA, sempre que houver
necessidade de adequações, novo plano de coleta e descarga do produto
da coleta bem como dos rejeitos desta;
e) Efetuar o pagamento de 15%(quinze por cento) devido à Previdência,
sobre o valor bruto da nota fiscal de serviços emitidas pela cooperativa,
relativamente aos serviços prestados pelos cooperados.
CLAUSULA NONA – DAS PENALIDADES
Serão aplicadas as sanções previstas na Lei n º 8.666/1993 e as indicadas
na cláusula décima, inclusive a responsabilização da CONTRATADA
por eventuais perdas e danos causados ao Município.
MODELO DE TERMO DE COMPROMISSO DE
AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARA A INSERÇÃO
SOCIAL E ECONÔMICA DOS CATADORES DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS
Autos do processo de investigação nº
Às xxxxx horas do dia xxxxxxxxxxxx, na sede da xxxxxxxxxxxx, com
a presença do Exmo. Promotor de Justiça, Dr. xxxxxxxxxxxxxxxx,
compareceu o Município de xxxxxxxxxxx representado pelo Exmo.
Sr. Prefeito Municipal, xxxxxxxxxxxxxxxx, CPF nº...; RG nº,, com
endereço XXXXXX para, na forma do artigo 5º., parágrafo 6º., da
Lei nº 7.347/85, com a redação que lhe deu o artigo 113 da Lei n.
8.078/90, firmar o presente Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta, nos seguintes termos:
CONSIDERANDO a Declaração Universal dos
Direitos do Homem que diz que o reconhecimento da dignidade
inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos
iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo. E, ainda, que toda pessoa, como membro da sociedade,
tem direito à segurança social e à realização pelo esforço nacional,
pela cooperação internacional de acordo com a organização e
recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade e, ainda, que toda pessoa tem direito ao trabalho, à
livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho
e à proteção contra o desemprego...”.
CONSIDERANDO a Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos da Criança, que inspirou o artigo 227 da Constituição
Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, dando ESPECIAL
proteção aos seus direitos e garantias.
CLAUSULA DÉCIMA – DA RESCISÃO
A rescisão contratual poderá ser dar por mútuo consenso ou nas
hipóteses legais.
CONSIDERANDO a AGENDA 21 GLOBAL que
contempla em seu Capítulo 03, dedicado ao combate à pobreza, a
“capacitação dos pobres para a obtenção de meios de subsistência
194
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
195
sustentáveis”. No seu Capítulo 06, dentre outras ações, prevê
a “proteção e promoção das condições da saúde humana”, a “
proteção dos grupos vulneráveis” e a “redução dos riscos para a
saúde decorrentes da poluição e dos perigos ambientais”. E, ainda,
no Capítulo 07 propõe: “a promoção do desenvolvimento sustentável
dos assentamentos humanos”, o oferecimento a todos de habitação
adequada”, “promover o planejamento e o manejo sustentáveis do
uso da terra”, “promover a existência integrada de infraestrutura
ambiental, água, saneamento, drenagem e manejo de resíduos sólidos”
e “promover o desenvolvimento dos recursos humanos”.
CONSIDERANDO a nossa Constituição Federal, que
em seu artigo 1°, traça como princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil a CIDADANIA (inciso II), a DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA (inciso III) e OS VALORES SOCIAIS
DO TRABALHO e da livre iniciativa (inciso IV).
CONSIDERANDO, ainda, o art. 3º, que é a diretriz
política adotada pelo Estado brasileiro, estabelecendo: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”.
CONSIDERANDO o disposto em seu artigo 225
da Constituição Federal que prevê: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.
§ 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe
ao Poder Público:
Inciso VI – promover a educação ambiental em todos
os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente”.
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
CONSIDERANDO o artigo 226, também da
Constituição Federal, que dispõe “A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado”. Ora, se ao Estado é cometida a nobre
tarefa de dar especial proteção à família, obviamente que poderá (e
deverá) fazê-lo através de medidas emancipatórias, não meramente
assistencialistas, dentre as quais se destaca a inclusão social pela
gestão compartilhada dos resíduos sólidos. O árduo trabalho
realizado pelas catadoras e catadores, ainda não de todo reconhecido
devidamente, produz riquezas ao país. Porém, o melhor resultado
desta relevante atividade acaba em poucas mãos, seja de pequenos
depósitos, grandes atravessadores ou indústrias de reciclagem. Para
a permanência de grupos organizados de catadoras e catadores
no mercado da reciclagem é indispensável a proteção do Estado,
dando-lhes as condições e infraestrutura adequadas para fazer
frente à selvagem competitividade existente. Que o lixo reciclável é
rentável ninguém duvida e o sucesso de empresas ligadas ao setor
do comércio e industrialização de resíduos recicláveis está aí para
comprovar. O desafio posto é, através do lixo reciclável (descartado
pelos geradores), proporcionar a milhões de indivíduos condições
mínimas e indispensáveis de sobrevivência digna, consoante os
preceitos constitucionais mencionados.
CONSIDERANDO dispositivos da Lei 8.666/93 que
tornam lícita a contratação de organizações formais de catadoras e
catadores de materiais recicláveis pelo Poder Público, consoante a
seguir: “Artigo 24 – É dispensável a licitação: XXVII - na contratação
da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos
urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta
seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas
exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo
poder público como catadoras e catadores de materiais recicláveis,
com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas,
ambientais e de saúde pública. (NR) (Redação dada ao inciso pela Lei
nº 11.445, de 05.01.2007, DOU 08.01.2007)”.
CONSIDERANDO a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (lei 12.305/2010) que no artigo 3º, inciso VII, prevê
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
197
destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos
que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação
e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos
órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas
a disposição final, observando normas operacionais específicas de
modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a
minimizar os impactos ambientais adversos;
CONSIDERANDO o mesmo art. 3º, inciso, X, que
estabelece o gerenciamento de resíduos sólidos como um conjunto
de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta,
transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente
adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão
integrada de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de
resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei;
CONSIDERANDO, também, a Lei 12.305, que
em seu art. 3º, inciso XI, prevê que a gestão integrada de resíduos
sólidos é um conjunto de ações voltadas para a busca de soluções
para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,
econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a
premissa do desenvolvimento sustentável;
CONSIDERANDO o art. 6º da Lei 12.305/2010, que
estabelece os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
dentre os quais destacamos: IV - o desenvolvimento sustentável; V a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a
preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam
as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do
impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível,
no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do
planeta; VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder
público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VIII
- o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como
um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e
promotor de cidadania;
CONSIDERANDO o art. 7º da Política Nacional de
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), que dispõe sobre os objetivos da
Política Nacional de Resíduos Sólidos, dentre o que se destaca: VII gestão integrada de resíduos sólidos; XI - prioridade, nas aquisições
e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e
recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios
compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente
sustentáveis; XII - integração dos catadoras e catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
CONSIDERANDO que a experiência demonstra que
as propostas e os valores para o serviço de coleta do lixo praticados
pelas empresas terceirizadas, ou mesmo diretamente pelo poder
público municipal, sempre serão propostas e valores superiores aos
custos que a Administração Pública teria com a contratação direta
da organização de catadoras e catadores, pois na presente hipótese
devem ser incluídos resultados não apenas econômicos, mas em
especial ambientais e sociais, os últimos inalcançáveis de outro modo.
CONSIDERANDO o disposto na Convenção n.º 182,
da Organização Internacional do Trabalho, devidamente ratificada
pelo Brasil, que trata das piores formas de trabalho infantil e a ação
imediata para a sua eliminação, estabelecendo em seu artigo 3º
que, para os efeitos da Convenção a expressão “as piores formas
compreende, dentre outras, o trabalho de crianças e adolescentes na
coleta de material reciclável, nos “lixões” e aterros e também nas vias
urbanas e logradouros públicos;
CONSIDERANDO o disposto no artigo 227 da
Constituição Federal, que diz “É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.”;
CONSIDERANDO o disposto no artigo 5º, da Lei
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
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199
que diz “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
ou opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão aos seus direitos fundamentais”;
CONSIDERANDO o disposto no artigo 7º, inciso
XXXIII, da Constituição Federal, que proíbe o trabalho em local
perigoso, insalubre e o trabalho noturno a adolescentes com idade
inferior a 18 anos;
CONSIDERANDO o disposto no artigo 83, inciso
III e V, da Lei Complementar 75/93, que estabelece “compete ao
Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições
junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: (...) III – promover ação
civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de
interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos; (...) V – propor as ações necessárias
à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios,
decorrentes das relações de trabalho”.
vêm o Município acima referido, através do seu
representante legal, firmar Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta, comprometendo-se a:
Cláusula 1ª) Apresentar no prazo de 30 (trinta) dias, Plano Municipal
Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos, observando as diretrizes
estabelecidas na Lei 12.305/2010;
Cláusula 2ª) O Plano Municipal Integrado de Gestão de Resíduos
Sólidos deverá prever as seguintes obrigações que deverão ser
cumpridas pela Municipalidade:
2.a) Cadastrar todas as catadoras e catadores de materiais recicláveis
e seus familiares, inserindo-os no cadastro único (CadÚnico) do
Governo Federal no campo próprio (catador) e como público
prioritário. Insere-se na presente obrigação sejam providenciados
os documentos de identificação pessoal dos cadastrados exigidos
por lei (catadoras e catadores e familiares) a cargo do Município,
como certidão de nascimento, RG, CPF, incluindo segundas vias de
documentos extraviados.
200
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
2.b) Garantir a formalização das associações ou cooperativas das
catadoras e catadores de materiais recicláveis, oportunizando a
participação de todos, inclusive aqueles que desenvolvem atividades
de maneira individual nas ruas e nos lixões, em prazo não superior
a 60 (sessenta) dias, devendo ser apresentadas nos autos cópias dos
seguintes documentos: atas das reuniões prévias realizadas, ata da
assembleia de constituição, lista de presença e estatutos devidamente
registrados em Cartório.
2.c) Garantir que a coleta seletiva (todo resíduo sólido reciclável e
reutilizável produzido no Município) será realizada pelas associações
ou cooperativas de catadoras e catadores, exclusiva e diretamente,
mediante o apoio operacional da administração pública municipal,
com a previsão expressa de que as associações e cooperativas de
catadoras e catadores de materiais recicláveis serão responsáveis pela
coleta, tratamento e processamento de todo resíduo sólido reciclável
e reutilizável, inclusive resíduos orgânicos, gerados no Município,
remunerando justa e adequadamente tais serviços, com a previsão
orçamentária e de repasses financeiros para viabilização do trabalho,
de acordo com os preços de mercado, podendo ser utilizado como
parâmetro os valores atualmente pagos à empresa que presta tais
serviços ao Município, incluindo o custo da mão de obra individual,
que não pode ser inferior ao previsto da Lei 12.690, de 19.07.2012.
Cláusula 3ª) Promover e comprovar, em 90 (noventa) dias, a
contratação das associações ou cooperativas, conforme estabelece o
artigo 24, inciso XXVII da Lei 8.666/93.
Cláusula 4ª) Implementar campanha permanente de Educação
Ambiental (formal e não formal) para toda a população, para que
haja a segregação correta do resíduo reciclável e do resíduo orgânico
na fonte geradora (domicílios, empreendimentos comerciais e
industriais) bem como para que o trabalho realizado pelas catadoras
e catadores de materiais recicláveis tenha a sua importância
devidamente reconhecida por toda a população, com periodicidade
mínima semestral e mediante comprovação documental, nos meios
televisivos, rádios e jornais.
Cláusula 5ª) Realizar análise gravimétrica e volumétrica iniciais,
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
201
prévias à contratação dos catadores, que será anexada ao contrato
da associação ou cooperativa, com posteriores análises, com
periodicidade semestral dos resíduos urbanos, para verificação da
qualidade da separação e da eficiência da campanha de educação
ambiental, com apresentação dos laudos técnicos nos autos;
Cláusula 10ª) Fornecer gratuitamente, e para uso definitivo, às
associações e cooperativas de catadoras e catadores, no prazo de 90
dias, todos os meios necessários para a realização da coleta, tanto
a seletiva, quanto a de orgânicos, bem como para o tratamento e
processamento dos resíduos, tais como:
Cláusula 6ª) Garantir o atingimento das seguintes metas quanto
à coleta seletiva e a partir da assinatura do presente compromisso:
1º ano 5% do total de resíduos recicláveis; 2º ano 10% do total de
resíduos recicláveis; 3º ano 15% do total de resíduos recicláveis; 4º
ano 20% do total de resíduos recicláveis; 5º ano 25% do total de
resíduos recicláveis; 6º ano 30% do total de resíduos recicláveis; 7º
ano 35% do total de resíduos recicláveis; 8º ano 40% do total de
resíduos recicláveis; 9º ano 45% do total de resíduos recicláveis; 10%
ano 50% do total de resíduos recicláveis e assim sucessivamente até
atingir 100% do total de resíduos recicláveis.
10.1) áreas (espaços físicos) e galpões próprios de armazenagem e
beneficiamento do material coletado (resíduos recicláveis e resíduos
orgânicos – Central de Triagem e Compostagem), em quantidade
e tamanho compatíveis com a necessidade e em condições de uso
imediato, equipados com prensa, balança, baias de separação e
sanitários de uso masculino e feminino, transpallet, empilhadeiras,
mesas de triagem, esteiras, água potável, material de higiene coletivo
(papel higiênico, sabão, sabonete, toalhas de papel, etc), refeitório de
acordo com as especificações legais, além do atendimento das demais
normas de segurança, que deverão ser adotadas a partir do início das
atividades em cada local de trabalho, em especial:
Cláusula 7ª) Garantir que a coleta de resíduos orgânicos alcance
as seguintes metas a contar da data da assinatura do presente
compromisso: 1º ano 30% do total de resíduos orgânicos; 2º ano
50% do total de resíduos orgânicos; 3º ano 70% do total de resíduos
orgânicos; 4º ano 90% do total de resíduos orgânicos; 5% ano 100%
do total de resíduos orgânicos.
Cláusula 8ª) Garantir que o encerramento dos lixões ou da área
de destinação final inadequada aconteça simultaneamente com o
cumprimento das obrigações pactuadas no presente instrumento.
Cláusula 9ª) Garantir às catadoras e catadores, com prioridade aos
que residam nos lixões e ou em áreas de risco e que se encontram
em situação de rua, ações relacionadas à Saúde (Atenção Básica;
Consultórios de Rua; Equipe de Saúde da Família; Vigilância em
Saúde; Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador); à Assistência
Social e Cadastro Único (Erradicação do Trabalho Infantil; CRAS;
Centros Pop e BPC); acesso com prioridade à moradia (Minha Casa
Minha Vida; PAC) e atendimento jurídico (Defensoria Pública). Prazo
de 30 dias, com possibilidade de prorrogação mediante justificativa e
devidamente documentada.
202
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
a) elaborar e implementar o Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais – PPRA, na forma da NR-09;
b) elaborar e implementar o Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional - PCMSO, na forma da NR-07;
c) elaborar os laudos de insalubridade e periculosidade, na forma da
NR-15;
d) realizar a análise ergonômica do trabalho, na forma da NR-17;
e) fornecer gratuitamente 02 conjuntos de uniformes de cor berrante
(sinalização) protegidos por Scothgard (impermeabilizador) para
catadoras e catadores, procedendo a sua reposição planejada e com
periodicidade eficaz, em prazo nunca superior a seis meses;
f) fornecer gratuitamente a catadoras e catadores de materiais
recicláveis os equipamentos de proteção individual adequados
às atividades, aos riscos e em perfeito estado de conservação e
funcionamento, na forma da NR-06, em especial do tipo: a) Botina
Fujiwara CA 8864; b) Luvas de Kevlar com revestimento externo
Nitrílico comprimento ¾; c) Creme Protetor para pele classe águaóleo resistentes CA 9611 ou CA 11281, para as mãos e antebraços; d)
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
203
sinalizador tipo colete refletivo ou colete luminoso para os coletores
do turno noturno; e ) protetor facial acoplado a boné, para proteção
da face;
g) providenciar o treinamento dos catadoras e catadores, na forma da
NR - 1, sobre os seguintes temas: uso dos equipamentos de proteção,
segurança para movimentação no trânsito, físico para as atividades de
esforço físico (aquecimento e alongamento), levantamento seguro de
pesos e cinta abdominal em levantamento de grandes pesos;
10.2) Adquirir e transferir veículos automotivos em quantidade e
qualidade que possibilitem o recolhimento de todo o resíduo gerado
no Município;
10.3) Prestar assessoria técnica, social e operacional, contínuas e
permanentes, as quais deverão se pautar na não interferência da gestão
das associações e cooperativas bem como na garantia da autonomia e
viabilidade econômica e social dos empreendimentos;
10.4) Além dos veículos automotivos (caminhões e similares), caso
necessário, fornecer carrinhos elétricos de coleta, padronizados e
equipados com faixas sinalizadoras de segurança e que atendam às
condições ergonômicas;
10.5) Realização de cursos de alfabetização, elevação da escolaridade
(EJA), capacitação e formação continuados para catadoras e
catadores, incluindo os integrantes da família, com periodicidade
mínima anual, cujo conteúdo mínimo deverá contemplar os temas:
autogestão; gestão contábil e financeira; gestão de cooperativas
populares; cooperativismo popular; Economia Solidária; medicina e
segurança do trabalho; trabalho infantil; cuidados no trânsito; cadeia
da reciclagem popular, os quais deverão ser validados e realizados
em parceria com as representações locais e nacionais do Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e utilizada a
metodologia da Educação Popular.
10.6) Destinação à organização ou às organizações dos catadoras e
catadores de todo o resíduo urbano reciclável gerado no Município,
coletado ou não pelas catadoras e catadores, inclusive aqueles gerados
nos órgãos públicos municipais da administração direta e indireta;
204
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
10.7) Realizar exames médicos ocupacionais periodicamente para
todas as catadoras e catadores, de acordo com as indicações do
PCMSO - Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional, às
expensas do Município;
10.8) Realizar outras ações de acordo com as necessidades que vierem
a ser apresentadas pelas próprias catadoras e catadores e definidas
em comum acordo com o Município, com comprovação documental.
Prazo imediato.
Cláusula 10ª) Promover a inclusão social dos filhos e filhas dos
catadoras e catadores de materiais recicláveis, na faixa etária de 0
(zero) a 18 (dezoito) anos, em programas sociais existentes ou a serem
criados, em especial em períodos de recesso escolar e em horários
compatíveis com o horário de trabalho dos pais e mães, ou seja, além
do horário comercial. Prazo: início ano letivo do próximo semestre.
Cláusula 11ª) Garantir vagas nos centros de educação infantil para
atendimento em período integral de todas as crianças das famílias
de catadoras e catadores de materiais recicláveis, na faixa etária de
0 (zero) a 05 (cinco) anos, no início do segundo semestre deste
ano e mediante comprovação documental. As vagas deverão ser
disponibilizadas no centro de educação infantil mais próximo da
residência do beneficiado. Prazo: 30 dias.
Cláusula 12ª) Garantir o atendimento das crianças e adolescentes das
famílias de catadoras e catadores de materiais recicláveis, com idade
entre 06 (seis) e 14 (catorze) anos incompletos, em programas de
contra-turno escolar, com realização de atividades sócio-educativas,
cujo atendimento deverá iniciar juntamente com o início do segundo
semestre do ano letivo deste ano.
Cláusula 13ª) Garantir a todos os adolescentes das famílias de
catadoras e catadores de materiais recicláveis na faixa etária de 14
(catorze) a 18 (dezoito) anos incompletos programa de formação
profissional, nos termos da Lei 10.097/2000 (Lei da Aprendizagem).
Prazo de 90 (noventa) dias.
Cláusula 14ª) Exigir de todos os geradores de resíduos sólidos
instalados em seu território o cumprimento das seguintes obrigações:
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
205
14.a) Apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias, plano de gerenciamento
de resíduos sólidos, que deverá contemplar, dentre outros aspectos
técnicos, também ações de caráter social, consistentes em :
14.b) Implantação de Programa Permanente de Separação Seletiva
dos Resíduos Sólidos Recicláveis, mediante a realização de cursos,
palestras, encontros, etc., com o objetivo de capacitar e formar todos
os seus empregados/alunos/condôminos/parceiros/fornecedores
para a correta segregação dos resíduos sólidos produzidos nas suas
instalações. Prazo de 60 (sessenta) dias para comprovação documental
devidamente protocolada no órgão ambiental municipal, com
identificação do resultado dos primeiros trabalhos. A formação para a
separação seletiva dos resíduos sólidos recicláveis deverá demonstrar
a importância do trabalho realizado pelas catadoras e catadores de
materiais recicláveis, valorizando tal atividade. Também deverão
ser realizadas ações continuadas, comprovadas documentalmente a
cada (06) seis meses, contemplando o conjunto de ações realizadas e
resultados obtidos.
14.c) A celebração de convênio com as organizações de catadoras e
catadores formalmente constituídas, com o objetivo de fornecimento
de todo o resíduo sólido reciclável produzido em todas as suas
unidades e departamentos, estabelecendo o necessário “protocolo”
que deverá contemplar o volume e tipo do lixo reciclável produzido
diariamente, a tabela dos dias e horários de quando deverá ocorrer a
coleta pela organização de catadoras e catadores, facilitando a estes o
acesso e o desenvolvimento do seu trabalho. Prazo de 30 (trinta) dias.
Cláusula 15ª) Não emitir alvará de localização e funcionamento para
empresas que solicitarem autorização para realização de atividades
diversas daquelas detalhadas no seu objeto social ou para atividades
que impliquem em armazenamento e comercialização de resíduos
sólidos sem o prévio licenciamento ambiental e sanitário bem como
para as que descumprirem a cláusula 14ª, item “b”.
Cláusula 16ª) Encaminhar para aprovação pelo Legislativo Municipal
projeto de lei instituindo a cobrança de taxa de coleta dos resíduos
sólidos.
206
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Cláusula 17ª) Aprovar Decreto Municipal similar ao Decreto Federal
5.940/2006.
Cláusula 18ª) Instituir coleta do óleo de cozinha usado, visando a
sua reutilização/transformação em novo produto, o que deverá ser
realizado pelas catadoras e catadores, agregando valor ao trabalho
dos mesmos e garantindo a destinação final adequada deste resíduo.
Cláusula 19ª) Instituir central de tratamento dos resíduos orgânicos,
seja para compostagem ou geração de biogás, compartilhando a
gestão com catadoras e catadores de materiais recicláveis, os quais
poderão comercializar o composto, o gás e a eletricidade, garantindo
a viabilidade econômica dos seus empreendimentos.
Cláusula 20ª) Encerramento do lixão: O lixão deverá ser encerrado
até o prazo fixado para que as associações e cooperativas detenham
todos os meios necessários para a realização dos serviços a serem
contratados, ou seja, em 90 dias a contar da assinatura do presente
documento.
a) Recuperação da área degradada: O Município deverá apresentar,
em 30 dias, plano de recuperação da área do lixão, identificando as
atividades que serão realizadas, as tecnologias que serão empregadas
e o prazo de cumprimento de cada etapa.
b) Captação do gás metano na área do lixão: O Município adotará
todas as providências necessárias para a captação do gás metano
que é gerado no lixão, em caso de sua viabilidade econômica, pelo
período em que houver produção de gás metano, transferindo para as
associações e cooperativas de catadores a gestão da atividade e a livre
comercialização ou utilização do gás captado.
Cláusula 21ª) Notificar todos os estabelecimentos não pertencentes
a catadoras e catadores de materiais recicláveis e que tenham por
objetivo a compra e comercialização de resíduos recicláveis para
que apresentem, em 30 dias, o alvará de licenciamento e localização
bem como o devido licenciamento ambiental, determinando o
encerramento das atividades daqueles comprovadamente irregulares.
Prazo de 30 dias.
Cláusula 22ª) Apresentar, no prazo de 90 (noventa) dias, projeto de
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
207
lei perante a Câmara Municipal visando à implementação de programa
social municipal para erradicar o trabalho infantil, o qual deverá ser
apresentado nos autos no prazo de 120 (cento e vinte) dias;
Cláusula 23ª) Apresentar, no prazo de 90 (noventa) dias, projeto
de lei perante a Câmara Municipal visando à implementação de
programa pró catador, o qual deverá ser apresentado nos autos no
prazo de 120 (cento e vinte) dias;
Cláusula 24ª) Condicionar a expedição e manutenção do Alvará de
Licenciamento e Localização ao cumprimento da cláusula 14ª, “c”
deste termo e à assinatura do anexo.
Cláusula 25ª) Afixar no quadro de editais do prédio da Prefeitura,
cópia do presente Termo.
Cláusula 26ª) Pelo descumprimento do ora avençado, o Município
sujeitar-se-á ao pagamento de multa diária no valor de R$ 10.000,00
(dez mil reais) por obrigação descumprida, reversível ao Fundo “tal”,
sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal da autoridade pública,
ficando a pessoa física do chefe do executivo municipal responsável
solidariamente, inclusive respondendo com o seu patrimônio pessoal.
Cláusula 27ª) O presente Termo de Compromisso terá
acompanhamento do Ministério Público do Trabalho, do Ministério
Público Estadual, através das Promotorias Locais, da Superintendência
Regional do Trabalho e do Conselho Tutelar.
Cláusula 28ª) Esse ajuste tem vigência imediata, a partir de sua
assinatura, e é firmado por prazo indeterminado, ficando assegurado
o direito de revisão das cláusulas e condições, em qualquer tempo,
por meio de requerimento ao Ministério Público.
nome e assinatura membro do MP
nome e assinatura representante legal Município
208
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
ANEXO. Modelo de Compromisso a ser firmado pelos
estabelecimentos solicitantes de Alvará de Localização e
Funcionamento, conforme previsão da Cláusula 17ª.
COMPROMISSO
(ato indispensável para a concessão e manutenção do Alvará)
(Nome do solicitante do alvará, qualificação, endereço
completo e telefone para contato) vem perante este Município de
_______________________ declarar, para os devidos fins de direito,
que possuo conhecimento acerca da legislação em vigor a respeito da
proibição do trabalho infantil e dos dispositivos legais que protegem o
adolescente trabalhador, em especial no que se refere às piores formas
de exploração do trabalho infantil, destacando-se a exploração sexual
comercial de crianças e adolescentes. Declaro, ainda, o recebimento
de material informativo sobre os direitos da criança e do adolescente,
inclusive quanto trabalho infantil e suas piores formas e trabalho do
adolescente.
Fui amplamente informado das penalidades existentes
no Direito Pátrio, comprometendo-me a seguir os ditames legais, sob
pena de, em cometendo ato contrário à legislação que protege o direito
da criança ou do adolescente, conforme a constatação da fiscalização
municipal, Conselho Tutelar e demais autoridades competentes, desde
já estou ciente da IMEDIATA CASSAÇÃO do Alvará de Localização e
Funcionamento pela Municipalidade, sem prejuízo dos procedimentos
cíveis e criminais cabíveis.
Comprometo-me, ainda, a ser multiplicador da legislação
que proíbe a exploração do trabalho infantil e da exploração sexual
comercial de crianças e adolescentes bem como da legislação que protege
o adolescente trabalhador.
Desde já autorizo a afixação de cartazes ou similares em
meu estabelecimento, a fim de que proporcionem publicidade dos
dispositivos legais mencionados ou de campanhas alusivas aos temas.
Era o que tinha a declarar.
(Município) (data)
(assinatura)
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
209
MODELO DE DIAGNÓSTICO DOS MUNICÍPIOS
Deverão ser apresentadas ainda as seguintes informações:
a) Nº de menores de 14 anos atendidos pelo PETI - Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil;
Nome do Estado
Nome do Município e população urbana
b) Situação de moradia dos catadores;
Renda média dos habitantes do município
c) Condições de saúde e alimentação dos catadores;
Quantidade de lixo coletada no município
Forma de coleta e destinação final do lixo
( ) Lixão
no município
( ) Coleta Comum ( ) Aterro Sanitário
( ) Coleta Seletiva ( ) Aterro Controlado
d) Apoio da Prefeitura;
e) Parcerias existentes;
f) Potencial de articulação de novas parcerias.
O município elaborou o plano de Sim
gerenciamento integrado dos resíduos
sólidos conforme Lei 12.305/10? Anexar
cópia do plano se elaborado.
Não
Quantificação de catadores no Município
Lixão
MODELO DE LEI MUNICIPAL CRIANDO O
PROGRAMA PRÓ-CATADOR PROJETO DE LEI DO
PROGRAMA PRÓ-CATADOR E PROIBIÇÃO DE
INCINERAÇÃO
Lixão
Dispõe sobre a criação do Programa de Coleta Seletiva
com Inclusão Social e Produtiva das catadoras e catadores de Materiais
Recicláveis - PRÓ-CATADOR - e o sistema de logística reversa e seu
Conselho Gestor e dá outras providências.
Ruas
Lixão
Tipos e quantidade de recicláveis que catam Ruas
Lixão
Artigo 1º. Fica criado o Programa de Coleta Seletiva
com inclusão social das catadoras e catadores de materiais recicláveis
- PRÓ-CATADOR, bem como a implementação de sistema de
logística reversa, em conformidade com a Lei Federal 12.305, de 02
de agosto de 2010, regulamentada pelo Decreto nº 7.404 de 23 de
dezembro de 2010.
Ruas
Famílias
Solteiros
Crianças
Adolescentes
Total
Grau de escolaridade
Ruas
Homens
Mulheres
Crianças
Adolescentes
Período e horário de trabalho
Adultos
Crianças e adolescentes
Adultos
Crianças e adolescentes
Renda mensal
Ruas
Lixão
Ruas
Lixão
Adultos
Crianças
Organização social
Associação
Cooperativa
Desorganizados
210
Artigo 2º. O Poder Executivo Municipal deverá aderir
ao Programa Pró-Catador, instituído pelo Decreto nº 7.404, de 23
de dezembro de 2010, em apoio e fomento à organização produtiva
das catadoras e catadores de materiais recicláveis, à melhoria das
condições de trabalho, à ampliação das oportunidades de inclusão
social e econômica e à expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos,
da reutilização e da reciclagem por meio da atuação desse segmento
organizado em cooperativas ou associações autogestionárias.
Artigo 3º. Fica instituído o Conselho Gestor do Programa
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
211
Pró-Catador tendo por objetivo a inserção social e econômica e
de valor social e de geração de trabalho e renda e promotor das
catadoras e catadores de resíduos sólidos recicláveis, organizados em
cooperativas e associações autogestionárias.
orgânicos, realizados pelas associações ou cooperativas de catadores
serão remuneradas pelos serviços prestados pelo Município mediante
a formalização de contratos administrativos e com dispensa de
licitação, conforme prevê o artigo 24, inciso XVII, da Lei 8.666/93.
§ 1º. O Programa Pró-Catador e o seu Conselho Gestor
passam a integrar o Sistema de Limpeza Urbana do Município.
§ 1º. O contrato mantido entre as partes deverá prever
recursos para o pagamento pela prestação de serviços, acrescidos
de valores necessários para fazer frente a despesas de aquisição e
manutenção de equipamentos, galpões de armazenamento e veículos
automotivos, equipamentos de proteção individual e coletivo,
assistência técnica e social, contratação de equipe técnica, manutenção
das atividades bem aqueles decorrentes da Lei 12.690/2012.
§ 2º. Entende-se por resíduos sólidos recicláveis os
resíduos secos provenientes de domicílios ou de qualquer outra
atividade que gere resíduos com características dos domiciliares ou a
estes equiparados tais como papel, papelão, plástico, vidro, madeira,
metais e outros materiais reaproveitáveis.
§ 3º. Para efeito desta Lei entende-se por cooperativas
ou associações autogestionárias de catadores de resíduos sólidos
recicláveis aquelas formadas exclusivamente por pessoas físicas de
baixa renda bem como as entidades de 2º ou 3º grau formadas a
partir destas.
Artigo 4º. As cooperativas e associações de catadores
de resíduos sólidos, na qualidade de operadores do sistema de
limpeza urbana do Município, prestarão serviços de coleta, triagem,
tratamento, comercialização, transformação, recuperação e destinação
final de resíduos sólidos recicláveis e resíduos orgânicos bem como
de educação ambiental.
Artigo 5º. Fica proibida a utilização de tecnologias de
incineração no processo de destinação final dos resíduos sólidos
urbanos oriundos ou não da coleta convencional, incluindo a pirólise,
co-geração ou qualquer outra tecnologia que utilize resíduos sólidos
como matéria-prima para a combustão.
Parágrafo Único. A proibição prevista no “caput” veda,
inclusive, a concessão pública ou a formação de parceria públicoprivada para empreendimento que promova o aproveitamento
energético a partir da incineração de resíduos sólidos urbanos.
Artigo 6º. Os serviços de coleta, triagem, beneficiamento,
comercialização e tratamento dos resíduos sólidos recicláveis e
212
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
§ 2º. Tendo em vista a realização dos serviços de coleta,
triagem, beneficiamento e comercialização de resíduos sólidos, a
Administração Municipal está autorizada a permitir a utilização de
bens imóveis municipais pelas associações cooperativas de catadores
conveniadas pelo Programa Pró-Catador, mediante concessão ou
permissão de uso.
§ 3º. As cooperativas e associações participantes do
Programa Pró-Catador poderão utilizar seus próprios meios para a
coleta dos resíduos sólidos recicláveis, assim como para as demais
atividades dos serviços.
§ 4º. Com vistas a incentivar o processo de inclusão
social e econômica das catadoras e catadores, a Prefeitura Municipal
deverá integrar o programa de coleta seletiva com inclusão social
das catadoras e catadores às políticas dirigidas à garantia dos direitos
sociais de saúde, educação e moradia.
Artigo 7º. As cooperativas e associações participantes
do Programa Pró-Catador também coletarão os materiais recicláveis
provenientes dos órgãos públicos municipais e aqueles resultantes da
atividade produtiva dos empreendimentos comerciais, industriais e
outros, de acordo com o artigo 58 do Decreto 7.404/2010.
Artigo 8º. As cooperativas e associações de catadores
participantes do Programa Pró-Catador, em conjunto com o
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
213
§ 2º. O Conselho Gestor terá a seguinte composição
setor empresarial, irão desenvolver, com exclusividade, ações e
procedimentos na operacionalização do sistema de logística reversa,
com previsão de contratação e o pagamento pelos serviços.
mínima:
Artigo 9º. O Conselho Gestor do Programa Pró Catador,
com a finalidade de apoiar a estruturação e implementação, para
fins de ações do Programa Pró-Catador, poderá firmar convênios,
contratos de repasse, acordos de cooperação, termos de parceria,
ajustes ou outros instrumentos de colaboração.
II. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes de
cada cooperativa ou associação, eleitos entre os seus membros.
§ 1º. Compete ao Conselho Gestor do Programa Pró
I. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da
Secretaria Municipal do Meio Ambiente (ou similar)
III. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da
Ação Social ;
II. credenciar as cooperativas e associações que integram
os serviços do Programa;
IV. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da
Secretaria Municipal de Educação; V. 1 (um) titular e 1 (um) suplente,
representantes da Secretaria Municipal de Saúde; VI. 1 (um) titular e 1
(um) suplente, representantes da Companhia Municipal de Habitação
(ou similar);
III. definir a área geográfica de atuação de cada
cooperativa ou associação;
VII. 1 (um) titular e 1 (um) suplente, representantes da
Câmara de Vereadores.
IV. apoiar a organização em redes de comercialização
e cadeias produtivas integradas por associações e cooperativas de
catadores de materiais recicláveis;
VIII. 2 (dois) representantes e 2 (dois) suplentes,
indicados pelos representantes do MNCR- Comissão Estadual.
Catador:
I. coordenar os serviços do Programa;
V. fiscalizar a utilização dos recursos repassados pela
municipalidade;
VI. fiscalizar a execução da ações de logística reversa,
definindo procedimentos de integração do setor empresarial.
VII. fiscalizar a execução da coleta de materiais
recicláveis provenientes de médios e grandes geradores, definindo
procedimentos de integração do setor empresarial.
VIII. fixar cronogramas das ações;
IX. realizar programas e ações de capacitação técnica
voltadas à implementação e continuidade do Programa Pró Catador;
Programa.
X. dirimir dúvidas e conflitos no âmbito dos serviços do
XI. Aprovar seu Regimento Interno.
214
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
§ 3º. Os membros do Conselho Gestor serão indicados
pelas suas respectivas entidades.
JUSTIFICATIVA
Da Constitucionalidade
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito
de todos, protegido pela própria Constituição Federal de 1988, cujo
artigo 225 o considera bem de uso comum do povo e essencialmente
à sadia qualidade de vida.
O parágrafo 3.º do referido artigo trata da responsabilidade
penal, administrativa e civil dos causadores de dano ao meio ambiente,
independente da obrigação de reparar os danos causados.
No que tange a competência para legislar em matéria
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
215
ambiental, diz o artigo 23, inciso VI, da Magna Carta, ser competência
comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios proteger o
meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.
É desta forma, pois seria prejudicial atribuir
responsabilidades de assuntos de elevado interesse público e relevantes
temas coletivos e nacionais, a qualquer ente de modo isolado.
O Constituinte, portanto, tratou de elencar as
competências comuns a todos os entes políticos, o que equivale dizer
que não há supremacia de uns sobre os outros.
Diferentemente da competência concorrente, prevista
no artigo 24 da Magna Carta, onde existem determinadas regras
de prevalência das normas da União sobre as normas estaduais,
na competência comum, a tônica é a cooperação entre as variadas
unidades políticas para, em conjunto, executarem diversas medidas
visando, entre outros aspectos, a proteção de bens de uso comum,
tais como o meio ambiente que interessem a todos, indistintamente.
Assim, os entes federativos têm legitimidade para legislar
sobre matéria relacionada à questão ambiental. Logo, o Projeto de
Lei n. º 362/2012, que trata sobre a proibição de incineração no
Estado do Paraná, não possui nenhum entrave constitucional, já que
se encontra dentro dos ditames da competência comum ao tratar de
questões ambientais, definindo a proibição de uma atividade que trará
danos ao meio ambiente.
Mesmo que se alegue afronta a legislação federal n. º
12.305/2010, haja vista, a existência em tal lei de possibilidade de
reaproveitamento energético, sabe-se que a incineração é apenas
uma das técnicas de reaproveitamento, existindo outros tipos de
aproveitamento energético.
Assim, o Projeto de Lei proibindo a incineração não
ofende a legislação federal, uma porque trata sobre meio ambiente e
a Constituição Federal disciplina a competência no tema como sendo
comum, duas porque reaproveitamento energético possui diversas
outras técnicas que podem ser implementadas e que não trazem
216
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
tantos danos ao meio ambiente como a incineração.
A tecnologia da incineração empregada atualmente no país
não faz uso do aproveitamento energético, sendo necessários alguns
aprimoramentos tecnológicos para permitir esse aproveitamento de
forma economicamente viável e ambientalmente correta.
Por fim, não há ofensa a ordem econômica, isto porque
o artigo 170 da Constituição Federal de 1988 estabelece limites
à atividade econômica de modo a salvaguardar, dentre outros,
os recursos ecológicos, para evitar um crescimento econômico
insatisfatório.
[...] quando o crescimento econômico apenas privilegia
a adoção de métodos produtivos mais eficazes e o aumento da
capacidade de acumulação de riqueza sem levar em consideração os
correspondentes impactos ambientais.1
Desta forma, oportunamente averba Caliendo:
a efetivação do princípio constitucional econômico segundo
a diretriz de defesa dos recursos naturais implica, na mudança
de todo o padrão de acumulação de capital, na mudança do
padrão e do conceito do desenvolvimento econômico.2
Ademais, o fim da ordem econômica não é outro, senão,
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça
social, passando necessariamente pela convergência da proteção dos
recursos naturais e da preservação da qualidade ambiental.
E a técnica da incineração traz mais prejuízos do que
benefícios, vez que há a emissão de gases tóxicos e a tecnologia
empregada ainda não é totalmente segura e extremamente dispendiosa.
Dos Impactos Sociais, Econômicos e Ambientais
O presente projeto tem por escopo a aprovação em
Curitiba de Lei que promova a inclusão social e econômica das
1 LUPION, Ricardo. Proteção ao Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. In: Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora, ano 2, n.3, abr/jun. 2008. p. 153.
2 CALIENDO, Paulo. Direitos Fundamentais, Direito Tributário e Análise Econômica do
Direito: Contribuições e Limites. In: Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora, ano 1, n. 7, abr/jun. 2009. p. 395.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
217
catadoras e catadores de materiais recicláveis e proíba a incineração
de resíduos sólidos e recuperação energética de resíduos sólidos
urbanos mediante a utilização de processo de pirólise, como medida
de proteção da saúde de toda a população contra a emissão de
agentes poluentes cancerígenos, também como medida de proteção
ambiental e de proteção da renda da população que sobrevive da
venda de resíduos sólidos recicláveis.
O Brasil é signatário da Convenção de Estocolmo, o que
fez mediante publicação do Decreto 5.472/2005, que visa combater
a emissão de poluentes orgânicos persistentes, incluindo em tais
categorias as dioxinas emitidas por incineradores de resíduos sólidos
urbanos, seja para qual fim, inclusive recuperação energética.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010)
no artigo 3º, inciso VII, estabelece quais as diretrizes devem ser
adotadas para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, determinando
que devem ser observadas normas operacionais específicas de modo
a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar
os impactos ambientais adversos.
O artigo 9º da PNRS estabelece quais são essas
DIRETRIZES, estabelecendo uma ordem de prioridade, no seguinte
sentido: 1º - redução, 2º - reutilização, 3º - reciclagem, 4º - tratamento
dos resíduos sólidos e, finalmente, disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos.
Já o artigo 9º, § 1º, da Lei 12.305/10 prevê a utilização
de tecnologias visando a recuperação energética dos resíduos sólidos
urbanos, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e
ambiental e com programa de monitoramento de emissão de gases
tóxicos aprovados pelo órgão ambiental.
Amparados na exceção prevista no §1º do artigo 9º,
diversos Municípios do Paraná passaram a divulgar a adoção da
tecnologia combatida pela Convenção de Estocolmo, que é a
incineração de resíduos sólidos urbanos, porém utilizam o termo
“recuperação energética de resíduos sólidos urbanos”, o que fazem
em desatendimento da ordem de prioridades estabelecida no artigo
218
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
9º da Lei 12.305/2010.
De se atentar que a Lei 12.305/2010 não poderia permitir
a “recuperação energética de resíduos sólidos”, eis que contraria o
disposto em Convenção Internacional ratificada pelo Brasil no ano
de 2005 (Convenção de Estocolmo), de status hierárquico superior
à Lei 12.305, como a tecnologia em si mesma não é permitida pela
análise sistêmica da própria Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Vejamos.
O art. 3º, inciso X, da PNRS, estabelece que o
gerenciamento de resíduos sólidos deve ser um conjunto de ações
exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte,
transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada
dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada
dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada
de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos
sólidos, exigidos na forma da Lei. Não há como se compreender que
a incineração seja considerada a destinação ou disposição final mais
ambientalmente adequada que todas as demais tecnologias existentes,
como, por exemplo, os processos de reciclagem e compostagem, este
último inclusive propiciando a geração de energia limpa.
O mesmo art. 3º, inciso XI, prevê que a gestão integrada
de resíduos sólidos é um conjunto de ações voltadas para a busca de
soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões
política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social
e sob a premissa do desenvolvimento sustentável, o que vez mais
repele inexoravelmente a incineração sob qualquer ótica.
A “recuperação energética” que envolva processo de
pirólise, vale dizer, a incineração de resíduos sólidos, jamais poderá
ser considerada a solução ambiental mais adequada, tendo em
vista a Convenção de Estocolmo que exige dos países signatários a
eliminação de tal tecnologia.
Também não pode ser a solução social mais adequada,
tendo em vista que retira do ciclo correto, que é o da reciclagem, por
exemplo, o material que, no caso, será incinerado, quando deveria
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
219
compor a renda das catadoras e catadores de materiais recicláveis, que
dependem deste trabalho para a própria sobrevivência. O material
reciclável que será incinerado deveria ir para as cooperativas de
catadores de materiais recicláveis, com o objetivo de emancipação
social e econômica das famílias que hoje vivem em situação de
extrema vulnerabilidade. Neste sentido a própria PNRS, no artigo 6º,
inciso VIII, que diz “o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável
e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de
trabalho e renda e promotor de cidadania” e no artigo 7º, inciso
XII que prevê a “integração das catadoras e catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”.
Não há, ainda, nenhum controle social, pois se de fato
houvesse, nenhuma tecnologia que viesse a ameaçar a saúde de toda
a população, como é a hipótese das incineradoras, seria aprovada!
Por fim, não havendo as premissas do desenvolvimento
sustentável, não se pode afirmar que a tecnologia que prevê a
recuperação energética de resíduos sólidos seja, de fato, compatível
com os princípios e objetivos da Política Nacional de Resíduos
Sólidos bem ainda com a Convenção de Estocolmo, analisados
sistemicamente, de modo que a incineração se mostra totalmente
incompatível na medida que esta modalidade necessariamente
importa em emissão de poluentes cancerígenos (dioxinas e furanos)
ou poluentes orgânicos persistentes (POPs).
de lei.
220
São essas as razões que fundamentam o presente projeto
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Peças processuais
TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA
PELA FISCALIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES
DE TRABALHO NAS OBRAS DE
CONSTRUÇÃO E REFORMAS DE
PONTES NAS ESTRADAS DO ESTADO DE
MATO GROSSO DO SUL
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO,
pelos Procuradores do Trabalho signatários, com endereço na Rua
Pimenta Bueno, 139 – Bairro Amambaí – Campo Grande/MS –
CEP: 79.005-020 (doravante denominado “MPT”);
O ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL –
SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS E TRANSPORTE,
por meio do seu Secretário, com endereço na Av. Desembargador
José Nunes da Cunha, s./n, Parque dos Poderes, bloco 14, (doravante
denominado “ESTADO DE MS”);
A AGÊNCIA ESTADUAL DE GESTÃO DE
EMPREENDIMENTOS DE MATO GROSSO DO SUL –
AGESUL, por meio da Diretora-Presidente subscrita, com endereço
na Av. Desembargador José Nunes da Cunha, s./n, Parque dos
Poderes, bloco 14 ,(doravante denominada “AGESUL”); e
A
Comissão
Permanente
de
Investigação e Fiscalização das Condições
de Trabalho no Estado de Mato Grosso do
Sul (CPIFCT/MS), por meio de seu Coordenador subscritor,
com endereço na Rua 14 de Julho, 992, Campo Grande (doravante
denominado “COMISSÃO PERMANENTE”);
CONSIDERANDO
1. que o valor social do trabalho é um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF);
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
223
2. que é direito dos trabalhadores a redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança (art. 7°, XII, da CF);
1. que a Constituição Federal aduz que Ordem
Econômica é fundada na valorização do trabalho humano digno (art.
170, “caput”);
2. que os arts. 58, inciso III, e 67, caput e seu § 1º, da Lei de
Licitações (8.666/93) impõem à Administração Pública contratante o
poder-dever de fiscalizar o cabal e oportuno cumprimento de todas
as obrigações assumidas pelo contratado que foi o selecionado no
procedimento licitatório - dentre elas, evidentemente, as que decorrem
da observância das normas trabalhistas, em relação aos empregados
que prestarem serviços, como terceirizados, ao ente público;
3. que o art. 77 desta Lei nº 8.666/93 prevê que a
inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as
consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento;
4. que o art. 78 da citada lei prevê como motivo
para a rescisão contratual o não cumprimento ou o cumprimento
irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos,
assim como o cometimento reiterado de faltas na sua execução e
o desatendimento das determinações regulares da autoridade
designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, aí incluído o
inadimplemento de suas obrigações trabalhistas;
5. que A AGESUL possui um grande número de
empresas contratadas para construírem e/ou reformarem pontes;
6. que a referida atividade – serviço em pontes –
caracteriza-se como atividade de construção civil, atraindo a aplicação,
mas não somente, da NR 12 do Ministério do Trabalho e Emprego;
Resolvem celebrar o presente Termo de Cooperação
Técnica pela Fiscalização das Condições de Trabalho nas Obras
de Construção e Reforma de Pontes nas Estradas do Estado de
Mato Grosso do Sul, que será regido pelas seguintes disposições:
CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETIVO GERAL E DA
224
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
CRIAÇÃO DE COMITÊ PARA FISCALIZAR AS OBRAS EM
PONTES DO ESTADO DE MS
1.1) O presente Termo de Cooperação Técnica
pela Fiscalização das Condições de Trabalho nas Obras de
Construção e Reforma de Pontes nas Estradas do Estado de
Mato Grosso do Sul tem por objetivo criar parceria entre MPT,
ESTADO DE MS, AGESUL E COMISSÃO PERMANENTE, no
sentido de fixar normas de cooperação técnica na área de inspeção
e fiscalização das condições de trabalho em obras contratadas pelo
ESTADO DE MS, especificamente construção e reforma de pontes,
visando a articulação e ações integradas entre os órgãos envolvidos
sempre no intuito de resguardar a dignidade da pessoa humana
daqueles que laboram para os prestadores de serviços.
Parágrafo Único: Para atingir os fins propostos, os
órgãos subscritores criam desde logo um COMITÊ de Fiscalização
das Condições de Trabalho, notadamente cumprimento da NR 12 do
MTE e das normas cogentes da CLT.
CLÁUSULA SEGUNDA – DO FUNCIONAMENTO DO
COMITÊ
2.1) O COMITÊ para fiscalizar as obras em pontes
do ESTADO DE MS será composto por, ao menos, 01 (um)
representante governamental – seja da Secretaria de Obras ou da
AGESUL -, 01 (um) representante da Comissão Permanente e 01
(um) do MPT.
2.2) Os órgãos acima elencados informarão, no prazo
de 10 (dez) dias da assinatura deste Termo de Cooperação Técnica,
os nomes, cargos e lotações daqueles que comporão a COMITÊ ora
tratado.
2.3) Deverá ser adotado, nas fiscalizações a serem
efetivadas, o check list anexo a este Termo, sem prejuízo de demais
ilicitudes/irregularidades verificadas.
2.4) O COMITÊ fiscalizará mensalmente, por meio de
inspeção in loco, 01 (uma) obra de construção ou reforma de pontes
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
225
do ESTADO DE MS a partir de 60 (sessenta) dias da assinatura do
presente Termo.
Parágrafo primeiro. A escolha da obra a ser inspecionada
se dará pelo voto da maioria dos órgãos que compõe o COMITÊ,
sendo que em caso de empate prevalecerá o voto do representante
do MPT.
Parágrafo segundo. Dar-se-á preferência para
inspecionar a obra que seja objeto de investigação em curso no MPT.
Parágrafo terceiro. A inspeção in loco ocorrerá com a
presença indispensável do(s) representante(s) do ESTADO DE MS,
podendo ocorrer a participação de outros colaboradores convidados
previamente pelos membros do COMITÊ. A participação do MPT
fica condicionada à disponibilidade de seus representantes.
2.5) Deverá ser elaborado relatório no prazo de 15
(quinze) dias a partir da fiscalização, lavrados em 03 (três) vias e
encaminhados à Diretora-Presidente da AGESUL, ao MPT e à
COMISSÃO PERMANENTE para as providências cabíveis nas
esfera de suas competências.
Parágrafo único. Os relatórios encaminhados ao
MPT deverão fazer referência ao PROMO n. 000343.2014.24.000/6
para fins estatísticos, ressaltando-se que seguirão a regra normal de
distribuições dos feitos.
CLÁUSULA TERCEIRA - DAS OBRIGAÇÕES DAS PARTES
3.1) Todos os signatários do presente Termo de
Cooperação Técnica comprometem-se a disponibilizar, sempre que
solicitados, todas as informações, dados, advertências, relatórios e/
ou avisos, entre outros, obtidos e/ou resultantes das operações
fiscalizatórias em obras de pontes do Estado de Mato Grosso do Sul;
3.2) Participar de reuniões promovidas pelos demais
órgãos subscritores do presente Termo; e
3.3) Sem prejuízo do aqui estabelecido, as partes poderão
desenvolver e implementar outras ações complementares com o fim
de atingir os resultados previstos na Cláusula Primeira, dando ampla
226
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
divulgação aos demais participantes.
CLÁUSULA QUARTA – DAS OBRIGAÇÕES EXCLUSIVAS
DO ESTADO DE MS E AGESUL
4.1) O ESTADO DE MS e a AGESUL serão responsáveis
pelo fornecimento de veículos, inclusive com responsável pela
condução, e outros custos para a realização da inspeção mensal que
será realizada pelo COMITÊ instituído pelo presente Termo de
Cooperação.
Parágrafo único. O MPT, quando for o caso, participará
com viatura própria e arcará com as despesas de seu representante.
CLÁUSULA QUINTA – DA OBRIGAÇÃO EXCLUSIVA DO
MPT
5.1) Nos termos do art. 8º, incisos II e III da Lei
Complementar nº 75/1993, o MPT compromete-se, sempre que
necessário, a provocar o ESTADO DE MS e a AGESUL para realizar
fiscalizações em obras contratadas pelo Governo Estadual.
CLÁUSULA SEXTA - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
6.1) Todas as comunicações entre as PARTES deverão
ocorrer por escrito e enviadas aos endereços e pessoas constantes
deste instrumento (ou indicadas por elas), por carta com aviso de
recebimento ou outro meio assemelhado com prova de recebimento;
6.2) Os comunicados eletrônicos via internet (e-mails)
poderão ser utilizados a título de troca de informação para
abastecimento dos meios de comunicação, com vista a dar mais
agilidade ao processo;
6.3) A alteração do endereço por qualquer uma das partes
deverá ser de imediato comunicado por escrito às outras partes. Até
que seja feita essa comunicação, serão válidos e eficazes os avisos e
as comunicações enviadas para o endereço constante do preâmbulo
deste instrumento;
6.4) O presente Termo de Cooperação Técnica tem
prazo de 01 (um) ano, podendo as partes, contudo, por comum
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
227
acordo, prorrogar, assim como proceder revisões anuais se entendidas
convenientes; e
6.5) Para os casos omissos não previstos neste Termo de
Cooperação serão consultadas as partes por escrito.
CLÁUSULA SÉTIMA - DA PUBLICIDADE
7.1) Fica autorizada a divulgação do presente Termo de
Cooperação Técnica para terceiros e público em geral.
E por estarem de acordo com as Cláusulas e Condições
fixadas, firmam o presente Termo de Cooperação Técnica
pela Fiscalização das Condições de Trabalho nas Obras de
Construção e Reforma de Pontes nas Estradas do Estado de
Mato Grosso do Sul em 04 (quatro) vias de igual teor e forma,
contendo 07 páginas cada.
Campo Grande/MS, 12 de junho de 2014.
ODRACIR JUARES HECHT
Procurador-chefe da PRT 24ª Região
LEONTINO FERREIRA DE LIMA JUNIOR
Procurador do Trabalho
EDSON GIROTO
Secretário de Estado de Obras Públicas e de Transporte
MARIA VILMA CASANOVA ROSA
ANEXO i – CHECK LIST
– FORNECER, gratuitamente, equipamentos de proteção coletiva - EPC e equipamentos de proteção individual - EPI adequados ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento (NR
6 – item 6.3.1 e NR 18 – 18.23.1);
– FORNECER, gratuitamente, aos trabalhadores, vestimenta de trabalho, assim como providenciar sua reposição, quando danificada (NR 18 – 18.37.3);
– DOTAR as frentes de trabalho (canteiros de obras) de
alojamentos e áreas de vivência, constituídos por instalações do tipo
(NR 18)
I) MÓVEIS (inclusive contêineres ou ônibus), onde cada
módulo possua:
a) área de ventilação natural, efetiva, com no mínimo duas
aberturas adequadamente dispostas para permitir eficaz ventilação interna;
b) condições de conforto térmico;
c) proteção contra riscos de choque elétrico por contatos
indiretos, além do aterramento elétrico; ou,
II) FIXAS, atendendo aos seguintes requisitos:
a) com paredes de alvenaria, madeira ou material equivalente, com a devida especificação em relatório;
b) com pisos de concreto, cimentado, madeira ou material
equivalente, com a devida especificação em relatório;
c) com cobertura que proteja das intempéries;
d) com iluminação natural e/ou artificial;
e) com instalações elétricas adequadamente protegidas.
Diretora-presidente da Agesul
– DOTAR os alojamentos de camas e colchões com densidade 26 e espessura mínima de 10 cm;
MAUCIR PAULETTI
– FORNECER aos trabalhadores, roupas de cama constituídas por lençol, fronha e travesseiro em condições adequadas de
higiene, bem como cobertor, quando as condições climáticas assim o
exigirem (NR 18 – 18.4.2.10.6);
Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições
de Trabalho no Estado de Mato Grosso do Sul
– DOTAR os alojamentos de armários individuais, com
compartimentos separados para roupa suja e limpa;
228
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
229
– DOTAR as frentes de trabalho dos canteiros de obras de
áreas de vivência contendo:
de chuveiro;
a) Instalações sanitárias, incluindo local para banho dotado
EXCELENTÍSSIMO(A)SENHOR(A) DOUTOR(A)
JUIZ(ÍZA) DA VARA DO TRABALHO DE
BATAGUASSU, MS.
b) local para refeições; e
c) cozinha, quando houver preparo de refeições.
– MANTER as instalações sanitárias em perfeito estado
de conservação e higiene, assim como separadas por sexo, quando necessário (NR 18 – 18.4.2.3);
– FORNECER aos trabalhadores água potável e fresca,
em recipientes hermeticamente fechados, confeccionados em material
apropriado, além de proibir o uso de copos coletivos (NR 18 – 18.37.2.2);
– DOTAR as frentes de trabalho (canteiros de obras) de
material necessário à prestação de primeiros socorros, considerando-se
as características da atividade desenvolvida, bem como manter esse material guardado em local adequado;
– PROMOVER, a todos os operadores de motosserra,
treinamento para utilização segura da máquina, com carga horária mínima de oito horas, com conteúdo programático relativo à utilização segura da motosserra, constante no Manual de Instruções do equipamento,
assim como não permitir o uso de motosserra que não possua dispositivos de segurança (NR 31 – itens 31.12.20 e 31.12.10.1);
– PROVIDENCIAR o transporte adequado dos trabalhadores, sendo vedado o transporte em caçamba/carroceria de qualquer
veículo;
– PROCEDER ao registro do contrato de trabalho de
seus empregados na Carteira de Trabalho e Previdência Social, de acordo com o artigo 29 da CLT;
– PAGAR o salário de todos os trabalhadores até o quinto
dia útil do mês subsequente, nos termos do art. 459, § 1º da CLT;
– SUBMETER o trabalhador a exame médico admissional, antes que assuma suas atividades, nos termos da Lei nº 5.889/73,
art. 13;
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
– PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICÍPIO
DE TRÊS LAGOAS, por intermédio do Procurador do Trabalho
infra-assinado, vem, respeitosamente, perante vossa Excelência, com
fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, art.
83, incisos I e III, da Lei Complementar n.º 75/93, e disposições
contidas nas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face de (1) SENAC – SERVIÇO NACIONAL
DE APRENDIZAGEM COMERCIAL – DEPARTAMENTO
REGIONAL DO MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica
de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 03.644.843/000119, localizada na Rua 26 de Agosto, 835, Campo Grande, MS,
CEP 79002-081, e (2) SENAI – SERVIÇO NACIONAL DE
APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – DEPARTAMENTO
REGIONAL DO MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ nº 03.772.576/0001-65, localizada
na Av. Afonso Pena, 1.206, Campo Grande, MS, CEP 79005-901,
pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos:
– ABSTER-SE de contratar menores de 18 anos, em atendimento ao disposto no art. 7º, XXXIII, da CF.
1 - FATOS
230
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Foi instaurado o Procedimento Promocional nº
000057.2013.24.002/5, posteriormente convertido em Inquérito
231
Civil, para verificação do cumprimento da quota legal de aprendizagem
no Município de Bataguassu (doc. 1).
A Portaria de Instauração do procedimento investigatório
pautou-se nos seguintes dispositivos legais e constitucionais:
CONSIDERANDO que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, nos termos do art. 5º,
caput, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO o disposto no art. 7º, inciso XXXIII
da Constituição Federal, que proíbe o trabalho noturno,
perigoso e insalubre a menores de dezoito anos e de
qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição
de aprendiz, a partir de quatorze anos;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal, no
seu art. 127, III, estabelece que “o Ministério Público
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”;
CONSIDERANDO que o art. 83, III, da Lei Complementar
nº. 75/93 declara a legitimidade do Ministério Público,
para “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça
do Trabalho, para a defesa de interesses coletivos, quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos “;
CONSIDERANDO que o Ministério Público é parte
legítima para atuar na defesa dos interesses coletivos e/
ou difusos dos trabalhadores, notadamente das crianças
e adolescentes, sendo certo que compete ao Ministério
Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para
a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos
relativos à infância e à adolescência, na dicção do art.
201, inciso V, da Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e
do Adolescente - ECA);
CONSIDERANDO que o art. 428 da CLT, na redação
dada pela Lei nº. 10.097/2000, estabelece a obrigatoriedade
de os estabelecimentos de qualquer natureza matricularem
nos cursos de formação profissional número equivalente a
cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo,
dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas
funções demandem formação profissional;
CONSIDERANDO que o art. 430 da CLT, na redação
dada pela Lei nº. 10.097/2000, no caso de inexistência
232
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
ou insuficiência de vagas proporcionadas pelos Serviços
Nacionais de Aprendizagem, faculta às Escolas Técnicas
de Educação e às entidades sem fins lucrativos, que tenham
por objetivo a assistência ao adolescente e à educação
profissional, proporcionarem a formação profissional na
modalidade aprendizagem técnico-profissional metódica;
CONSIDERANDO a alteração legislativa introduzida no
artigo 433 da CLT pela Lei nº. 11.180, de 23/09/2005,
segundo a qual o contrato de aprendizagem extinguirse-á no seu termo ou quando o aprendiz completar
vinte e quatro anos de idade, bem como o artigo 9º do
Decreto 5.598 de 01/12/2005 que regulamenta o Princípio
Constitucional da Prioridade Absoluta de Atendimento para
os adolescentes nos programas de aprendizagem (caput do
art. 227 da CR/1988), permitindo a inclusão de jovens
de 18 a 24 anos apenas em cursos para ocupações com
atividades e/ou em locais cujo exercício profissional seja
inadequado ou legalmente proibido para adolescentes;
CONSIDERANDO a edição do Decreto 5.598 de
01/12/2005 e da Portaria MTE/GM nº. 615, de
13/12/2007, que regulamentam a atuação das entidades
sem fins lucrativos que ministram a Aprendizagem
Técnico-profissional Metódica prevista no capítulo IV da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;
CONSIDERANDO o disposto no art. 30 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nacional, Lei 9.394/96,
de que a educação profissional deve estar integrada às
diversas formas de educação, trabalho e ciência e tecnologia
conduz ao desenvolvimento de aptidões para a vida;
CONSIDERANDO a imperiosidade de realização de
qualificação ou de cursos técnicos profissionalizantes
correspondentes às áreas profissionais em que estejam
atuando os adolescentes aprendizes, guardando correlação
entre as atividades práticas executadas pelo aprendiz nos
estabelecimentos/empresas e as previstas no programa
de aprendizagem, sob pena de se configurar desvio de
finalidade da aprendizagem, conforme previsto no
artigo 13, da Instrução Normativa MTE/SIT nº. 26, de
20/12//2001;
CONSIDERANDO as normas para avaliação da
competência das entidades sem fins lucrativos que tenham
por objetivo a assistência ao adolescente e a educação
profissional e que se proponham a desenvolver programas
de aprendizagem, insertas na Portaria MTE/GM nº. 615,
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
233
de 13/12/2007;
CONSIDERANDO que o direito fundamental à liberdade
de crença, insculpido no artigo 5º, inciso VI, da Constituição
Federal, abrange tanto o direito de professar livremente
qualquer religião, quanto o direito de não professar
religião alguma, tendo a Portaria MTE/GM nº. 615, de
13/12/2007 disposto, inclusive, a respeito de exigência de
conteúdo de formação humana e científica a abordagem
dos direitos humanos com enfoques sobre respeito por
credo religioso, dentre outros;
CONSIDERANDO que o direito ao respeito assegurado
aos jovens contempla a inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo
a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos
pessoais, ex vi do contido no artigo 17, do ECA, sendo
tipificado como crime a conduta de submissão de criança
ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a
vexame ou constrangimento, nos termos do artigo 232 do
ECA;
CONSIDERANDO que é característica essencial ínsita
ao contrato de aprendizagem a efetiva formação técnicoprofissional por intermédio de atividades teóricas e práticas
metodicamente organizadas em tarefas de complexidade
progressiva, por força do contido no artigo 428, caput e
parágrafo 4º, da CLT;
CONSIDERANDO que o programa de aprendizagem
deve buscar mecanismos para propiciar a permanência
dos aprendizes no mercado de trabalho após o término do
contrato de aprendizagem, consoante Portaria MTE/GM
nº. 615, de 13/12/2007 e art. 69, inciso II, do ECA;
CONSIDERANDO que o objetivo dos programas
de aprendizagem é a formação técnico-profissional do
adolescente, capacitando-o para o mercado de trabalho,
e não sua formação militar ou religiosa, que, por sua vez,
constituem ensinamentos de livre adesão do ser humano,
como expressão de sua convicção filosófica ou política,
sendo vedada a obrigatoriedade de adotá-los, professá-los
e/ou segui-los, conforme garantia constitucional esculpida
no artigo 5º, caput e incisos (p. ex., incisos II, VI, VIII IX),
bem como art. 143, parágrafos 1º e 2º;
CONSIDERANDO que a aprendizagem deve ser executada
por pessoal técnico-docente e de apoio qualificado de
acordo com o conteúdo, duração, número e perfil dos
234
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
participantes do programa de aprendizagem, conforme
Portaria MTE/GM nº. 615, de 13/12/2007;
Ato contínuo, foram expedidos ofícios para os maiores
empregadores da região, bem como para as entidades integrantes do
Sistema “S”, para a requisição dos seguintes documentos (doc. 2).
Determino a instauração de Procedimento Promocional
a respeito do cumprimento da quota de aprendizagem no
Município de Bataguassu, com a determinação do seguinte:
- expedição de ofício para os principais empregadores no
município (Marfrig, Santa Virginia, Regina Festas, Refricom)
requisitando cópia dos contratos dos aprendizes e fichas
cadastrais deles dos últimos 2 anos, indicando, pelo menos,
qualificação completa (nome, filiação, RG e CPF), data da
admissão, data de desligamento (se houver), área de
aprendizagem, curso realizado, e toda e qualquer informação
relacionada aos itens acima;
- expedição de ofício para o SENAC e SENAI requisitando o
balanço patrimonial, o demonstrativo de receitas e despesas,
incluindo o valor das receitas advindas das contribuições no
município de Bataguassu; cópia dos cursos de aprendizagem
ministrados no município de Bataguassu, com nome
dos aprendizes, data de ingresso, data de término, curso
ministrado, e toda e qualquer informação relacionada aos
itens acima;
Em resposta, duas empresas da região informaram que
enviam ou enviaram solicitação à Fundação Mirim de Presidente
Epitácio, SP, em outro estado da federação, solicitando o cadastro
de interessados em processo de seleção de contratação de jovens
aprendizes (doc. 3).
Uma terceira empresa informou que contratou no
período desde 2012 somente uma aprendiz, cursando curso superior
em Administração de Empresas (doc. 4).
Por fim, a quarta empresa, propriedade rural, informou
que não realiza a contratação de aprendizes, na forma da legislação,
por se tratar de empregador distante do centro urbano (doc. 5).
Em resumo, o que se observa é a ausência de cursos
de formação técnico-profissional da região para que as empresas
cumpram a determinação legal prevista na legislação.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
235
Diante da ausência da oferta de cursos de aprendizagem
no Município, aguardou-se a resposta dos ofícios enviados para as
maiores entidades integrantes do Sistema “S”, para apurar o motivo
da falta de oferta de vagas nos cursos de aprendizagem ministrados
na região.
A inclusão de adolescentes no mercado de trabalho pela
via regular da aprendizagem, notadamente daqueles que se encontram
em situação de vulnerabilidade social, configura medida essencial
para que se possa cumprir o princípio constitucional de proteção à
criança e à adolescência e, por conseguinte, auxiliar na erradicação do
trabalho infantil.
Como é sabido, entidades do Sistema “S”, além de
outras especificadas em lei e com preenchimento de determinados
requisitos, são incumbidas de ministrar a parte teórica dos programas
de aprendizagem, de acordo com normas estabelecidas na Legislação
(arts. 429 e ss. da CLT, Decreto 5.598/2005; e Portarias editadas pelo
Ministério do Trabalho e Emprego).
Como se sabe a aprendizagem é uma relação de emprego
especial, em que o empregador se compromete em matricular o
aprendiz - empregado especial - em programas de aprendizagem
ministrados pelo Sistema S, do qual as requeridas fazem parte,
bem como fornecer-lhe a ambientação prática para a formação
profissional, garantindo-lhes direitos trabalhistas e previdenciários
especiais.
Em resposta, o SENAI apresentou demonstrações
financeiras e informou que “não possui Unidade Operacional no
Município de Bataguassu e que os cursos de Aprendizagem Industrial
Básica não foram ofertados no período de janeiro de 2012 a março
de 2013”.
Em resposta, o SENAC apresentou demonstrações
financeiras e disse que “até o momento não realizamos cursos no
município de Bataguassu” (doc. 6).
seguinte:
A análise do Balanço Patrimonial do SENAI indica o
- Receita Orçamentária de R$ 75.827.367,00 (mais de
R$ 75 milhões) em 2012, sendo certo que R$ 17.657.678,84 (mais
de R$ 17 milhões) advém de Receitas de Contribuições (portanto,
de natureza tributária), R$ 11.127.386,00 (mais de R$ 11 milhões) de
Subvenções e Auxílios e R$ 14.629.531,01 (mais de R$ 14 milhões)
de Apoios Financeiros.
- Receita Total, considerando outras receitas e
variações positivas dos Ativos, de R$ 99.871.188,67 (quase R$ 100
milhões) em 2012;
- Despesas Totais, Orçamentárias e Extraorçamentárias,
de R$ 63.381.511,09 (mais de R$ 63 milhões) em 2012;
- Superávit em 2012 de R$ 36.489.677,58 (mais de R$
36 milhões).
Em outros termos, havia disponível em 2012, para a
criação e manutenção de cursos de formação técnico-profissional
no Estado do Mato Grosso do Sul, o valor livre de qualquer despesa
de R$ 36 milhões.
Ainda que uma pequena fração do referido valor – valor
esse, diga-se, livre de despesas, resultado somente do excesso de
arrecadação - na ordem de 5% fosse destinado ao Município de
Bataguassu, somente em 2012, seriam R$ 1.800.000 (um milhão de
oitocentos mil reais) para curso de formação técnico-profissional.
Para o balanço parcial até março de 2013, portanto, de 3
meses de 2013, a situação não se altera:
- Receitas Decorrentes de Contribuições de R$
4.242.197,44 (mais de R$ 4 milhões), Receitas de Subvenção e
Auxílio de R$ 3.325.320,15 (mais de R$ 3 milhões).
A partir das respostas quanto à ausência de oferta de
vagas, procedeu-se à análise das demonstrações financeiras.
Note-se que somente em Aplicações Financeiras de
Curto Prazo, na conta Títulos e Valores Mobiliários, o valor saltou
de R$ 6.959.217.09 (R$ 7 milhões) para R$ 27.409.054,93 (mais de
R$ 27 milhões).
236
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
237
Em outros termos, houve um acréscimo das
aplicações financeiras (recursos não destinados às atividades-fim)
de 4 vezes (isso mesmo!), de R$ 7 milhões para R$ 27 milhões,
com possibilidade de destinação do referido valor, ou uma pequena
fração dele, para cursos de aperfeiçoamento técnico profissional no
Município de Bataguassu.
A análise do Balanço Patrimonial do SENAC indica a
mesma situação em relação ao SENAI (doc. 7):
- Ativo Circulante, que inclui Caixa e Créditos de
Curto Prazo, passou de R$ 11.298.514.34 (pouco mais de R$ 11
milhões) para R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) de 2011
para 2012;
- Ativo Total passou de R$ 29.366.147,68 (pouco mais
de R$ 29 milhões) para R$ 34.676.932,54 (mais de R$ 34 milhões)
de 2011 para 2012;
- Passivo Total, que inclui Pessoal, Encargos Sociais,
Fornecedores, Provisões etc, ou seja, todas as Dívidas, passou de
R$ 4.053.787,66 (pouco mais de R$ 4 milhões) para R$ 5.600.227,14
(R$ 5,6 milhões) de 2011 a 2012.
- Superávits (Diferença entre Receita e Despesa)
sucessivos nos exercícios de 2011 e 2012 de R$ 3.493.325,02 e
R$ 3.669.766,12, respectivamente, que se somam a Superávits
acumulados dos exercícios anteriores de R$ 25.312.360,02 e R$
29.076.705,40.
- Receitas de Contribuições (desconsiderando as
Receitas de Prestação de Serviços) de R$ 15.051.721,59 (mais de R$
15 milhões) em 2011 e R$ 16.580.906,04 (mais de R$ 16 milhões)
em 2012.
Em resumo, como as despesas foram inferiores às
receitas na ordem de R$ 3,4 a 3,6 milhões, bem como considerando
que o Superávit de exercícios anteriores chegou a R$ 25 milhões,
incorporados no Patrimônio Líquido, nota-se o grande volume de
recursos no Ativo Circulante, na contas Caixa e Créditos de
238
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Curto Prazo, na ordem de R$ 11.298.514.34 (pouco mais de R$
11 milhões) em 2011 e R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões)
em 2012.
Conforme dito, se apenas uma pequena fração do
Ativo Circulante, frise-se, dinheiro e aplicações de curto prazo com
liquidez imediata, fosse aplicada em cursos de formação técnico
profissional no Município de Bataguassu, na ordem de 5%,
seriam R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) em 2011 e
R$ 822.000,00 (oitocentos e vinte e dois mil reais) em 2012.
Cumpre destacar que o SENAI e o SENAC estão
obrigados a oferecer cursos de formação profissional gratuitos no
país, em porcentagem da receita líquida.
Todavia, descumprem de forma literal e direta a obrigação
que assumiram perante o Estado Brasileiro.
Em 2008, foi celebrado entre o Ministério da Educação
e cada uma dessas entidades, SENAI e SENAC, um Protocolo de
Compromisso.
Educação:
Segundo informação do portal do Ministério da
O protocolo de compromisso firmado entre o Ministério da
Educação e as entidades que formam o Sistema S simboliza
a vitória do consenso de que é preciso ampliar a oferta de
cursos de formação profissional gratuitos no país.
Dessa forma, mais jovens do ensino médio público que não
ingressam-no ensino superior e trabalhadores que precisam
ser reinseridos no mundo de trabalho serão beneficiados.
No caso dos estudantes, a prioridade é articular o ensino
regular com o profissional e, para os trabalhadores, será uma
oportunidade de qualificação ou retorno ao mercado de
trabalho.
A partir desse pacto, as entidades que fazem parte do
Sistema S como os serviços nacionais de Aprendizagem
Comercial (Senac), Industrial (Senai) e os serviços
sociais do Comércio (Sesc) e da Indústria (Sesi) irão,
a partir de 2009, ampliar a oferta de cursos técnicos
gratuitos.
Pelo acordo, Senac e Senai irão destinar dois terços de
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
239
sua receita líquida para vagas em cursos e programas e
formação inicial e continuada e de formação técnica de
nível médio.
contribuição geral, na seguinte projeção média
nacional: 50% em 2009, 53% em 2010, 56% em 2011,
59% em 2012, 62% em 2013 e 66,6% em 2014.
A oferta dessas vagas representa uma alocação de
66,6% dos recursos das duas entidades. Desse total,
20% das vagas serão oferecidas gratuitamente pelo
Senac a partir do ano que vem. Esse percentual sobe
para 25% em 2010, 35% em 2011, 45% em 2012, 55% em
2013 e 66,6 em 2014. Já o Senai destinará 50% dessas
vagas em 2009, evoluindo para 53% em 2010, 56% em
2011, 59% em 2012, 62% em 2013, chegando a 66,6% em
2014.
1.1.2.1. Os Departamentos Regionais do SENAI deverão
submeter ao Departamento Nacional plano de adequação à
diretriz acima.
Os serviços sociais do Comércio (Sesc) e da Indústria (Sesi)
irão aplicar um terço de seus recursos em educação básica e
continuada e em ações educativas relacionadas com saúde,
esporte, cultura e lazer. Cinquenta por cento desses recursos
serão destinados a atividades gratuitas.
O Protocolo de Compromisso celebrado entre o MEC
e o SENAI prevê expressa e literalmente o seguinte (doc. 8):
1. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) se
comprometem a:
1.1. Destinar, anualmente, 2/3 da receita líquida da
contribuição compulsória geral do SENAI para vagas
gratuitas em cursos e programas de formação inicial
e continuada e de formação técnica de nível médio.
1.1.1. Por receita líquida da contribuição compulsória
geral entende-se a receita bruta da contribuição
compulsória geral do SENAI, deduzidas as
transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNI,
as Federações de Indústrias e o Instituto Euvaldo Lodi
(IEL), que significa 92,5% da receita bruta compulsória
geral.
1.1.1.1. A contribuição adicional, que incide apenas nos
estabelecimentos com mais de 500 operários, conforme
previsão do Decreto-Lei no 4.048, não é parte integrante
deste protocolo, vez que, entre outras, não possui caráter
universal e tem seu destino fixado por norma legal.
1.1.2. A alocação de recursos para as vagas gratuitas
deverá evoluir, anualmente, a partir do patamar
atualmente praticado até chegar em 2014 com o
comprometimento de 66,6% da receita líquida da
240
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
1.1.3. O montante destinado à gratuidade compreende as
despesas de custeio, investimento e gestão comprometidas
com as ações previstas no item 1.1.
1.1.4. As vagas de gratuidade serão destinadas a pessoas
de baixa renda, preferencialmente, trabalhador, empregado
ou desempregado, matriculado ou que tenha concluído a
educação básica.
1.1.4.1. A condição de baixa renda será atestada mediante
autodeclaração do postulante.
1.2 Adotar as seguintes diretrizes, com relação aos cursos de
educação profissional e itinerário formativos, para efeito de
gratuidade:
1.2.1. Os cursos e programas de formação inicial e
continuada poderão ser estruturados em módulos que
compõem itinerários formativos.
1.2.2. Os cursos de formação inicial terão carga
horária mínima de 160 horas.
1.2.3. Os cursos de formação continuada não estarão
sujeitos a limite mínimo de carga horária, tendo como
requisito para ingresso comprovação de formação
inicial ou avaliação e reconhecimento de competências
para aproveitamento em prosseguimento de estudos.
Por sua vez, o Protocolo de Compromisso com o
SENAC prevê expressa e literalmente o seguinte (doc. 8):
O Programa de Comprometimento de Gratuidade destinase a pessoas de baixa renda, na condição de alunos
matriculados ou egressos da educação básica e trabalhadores
– empregados ou desempregados -, priorizando-se aqueles
que satisfizerem as duas condições: aluno e trabalhador.
1.1.1 A condição de baixa renda será atestada mediante
autodeclaração do postulante.
1.2 Comprometimento de parte dos recursos líquidos
do SENAC com a oferta de vagas gratuitas em cursos
de Formação Inicial e Continuada e de Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, a partir de 2009,
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
241
evoluindo anualmente até se chegar em 2014 com o
comprometimento de 66,6%, na seguinte projeção:
2009 (20%); 2010 (25%); 2011 (35%); 2012 (45%); 2013
(55%); e 2014 (66,6%).
1.2.1. Por receita líquida entende-se a receita
compulsória bruta deduzidas as transferências para
a Receita Federal do Brasil, a CNC e as Federações,
nos termos da legislação vigente, o que equivale, hoje,
a uma base de 91,25% da receita bruta.
2. Em relação ao Programa de Gratuidade, o SENAC se
compromete a observar as seguintes diretrizes:
2.1. Formação Inicial: mínimo de 160 horas.
2.2. Reconhecimento da experiência profissional
(educação não formal) como Formação Inicial,
devidamente certificada, inserida dentro dos
Itinerários Formativos como condição para a
realização de cursos de menor duração.
2.3. Utilização da metodologia dos Itinerários
Formativos como princípio da educação continuada
para a oferta de cursos de Formação Inicial e
Continuada e de Educação Profissional Técnica de
Nível Médio.
3. Em relação ao SESC, o compromisso é de aplicação de 1/3
da receita líquida (conforme item l.3) em educação (educação
básica e continuada, e ações educativas desenvolvidas nos
demais programas), destinada a estudantes da educação
básica, na seguinte escala: 2009 (10% da receita líquida);
seguindo-se: 2010 (15%); 2011 (20%); 2012 (25%); 2013
(30%); e 2014 (33,3%). Desses valores, a metade fará
parte do Programa de Comprometimento de Gratuidade,
destinando-se a estudantes da educação básica de baixa
renda.
3.1. A condição de baixa renda será atestada mediante
autodeclaração do postulante.
4. O Programa de Comprometimento de Gratuidade
terá como gestores os Departamentos Nacionais do
SENAC e do SESC, que definirão internamente os
mecanismos de acompanhamento, avaliação e regra
de desempenho, levando-se em conta, dentre outros, os
seguintes indicadores: qualidade, inserção de egressos,
adequação dos perfis dos egressos, matrículas
gratuitas, atendimento à demanda atual e futura do
Setor do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, receita
242
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
de contribuição destinada à gratuidade (item 1.2),
eficiência operacional (custos), sustentabilidade.
5. Os Departamentos Nacionais do SENAC e do SESC
farão avaliações periódicas que servirão de subsídio para
permanente acompanhamento, medição de resultados e
eventuais propostas de revisão dos termos do Programa de
Comprometimento de Gratuidade.
6. Recomenda-se uma ação articulada entre os Departamentos
Nacionais do SENAC e do SESC, para a implantação dos
termos deste Protocolo, que observe:
6.1. Oferta de ensino fundamental - regular ou de educação
de jovens e adultos - em concomitância com a Formação
Inicial e Continuada;
6.2. Oferta de Formação Profissional Técnica de Nível
Médio para aluno matriculado ou egresso de ensino médio
regular ou educação de jovens e adultos.
6.3. Estímulo ao trabalhador para prosseguir seus estudos.
7. Os passos seguintes à assinatura deste PROTOCOLO,
para sua efetivação, são:
7.1 Alterações, em até 30 (trinta) dias a contar da assinatura
deste Protocolo, nos regulamentos do SENAC e do
SESC: proposição do Presidente da CNC ao Conselho de
Representantes, visando à inserção de alterações nos atuais
regulamentos com o objetivo de fornecer as condições
legais e regulamentares para a recepção do Protocolo de
Compromisso de Gratuidade.
7.2. Após a efetivação das providências do item 7.1, Decreto
Presidencial recepciona e aprova as alterações nos respectivos
regulamentos.
A inércia das entidades do Sistema “S” no
desenvolvimento dos cursos de aprendizagem no Município de
Bataguassu, com benefício também para os municípios vizinhos de
Anaurilândia e Santa Rita do Pardo, por se tratar de polo regional
de desenvolvimento, bem como a inércia em promover o estudo
de viabilidade para a implementação dos cursos de aprendizagem
em diversas áreas, vem obstaculizando a efetivação do direito à
profissionalização de inúmeros adolescentes, nos moldes do que
preconiza a Constituição Federal, não remanescendo alternativa a
não ser o ajuizamento da presente ação.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
243
2 - DO DIREITO
2. A) DA TUTELA ESPECÍFICA
2.A.1) DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. DO
DIREITO FUNDAMENTAL À PROFISSIONALIZAÇÃO.
DA APRENDIZAGEM.
A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 revolucionou o tratamento dado a crianças e adolescentes no
Brasil ao adotar a doutrina da proteção integral, que concebe crianças
e adolescentes como cidadãos plenos - não meros objetos de ações
assistencialistas - sujeitos de direitos e obrigações, a quem o Estado,
a família e a sociedade devem atender prioritariamente.
Assim dispõe o artigo 227 da Constituição vigente:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente
reafirma o Princípio da Proteção Integral quando diz:
e à saúde e segurança dos adolescentes), permitindo, no entanto,
a profissionalização por meio da aprendizagem a partir dos 14
anos, circunstância que torna ainda mais relevante a garantia da
profissionalização por meio de tal instituto.
Os artigos 60 e seguintes do Estatuto da Criança e do
Adolescente, também dispõem sobre a aprendizagem, afirmando
que:
Art. 60 - “É proibido qualquer trabalho a menores de 14
(quatorze) anos de idade, salvo na condição de aprendiz”.
Art. 62 - Considera-se aprendizagem a formação técnicoprofissional ministrada segundo as diretrizes e bases da
legislação de educação em vigor”.
Assim, a aprendizagem, prevista a partir dos arts 429
da CLT, constitui-se importante ferramenta para se garantir a
fruição do direito fundamental da profissionalização, de modo
que tanto empregadores, como Sistema S devem cumprir essa
obrigação correlata de ofertar profissionalização aos adolescentes:
os empregadores, ao cumprir a cota legal mínima de aprendizes entre
seus empregados; o Sistema S, ao fomentar o desenvolvimento de
cursos necessários à realização da aprendizagem, tudo na forma dos
arts. 429, caput, e 430, §1º, da CLT.
é dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do Poder Público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e a convivência familiar e comunitária.
2.A.2) DA NATUREZA DOS RECURSOS AUFERIDOS PELO
SISTEMA “S” E SUAS FINALIDADES . DA OBRIGAÇÃO
LEGAL EM PROVER CURSOS DE APRENDIZAGEM
NOS DIVERSOS SETORES QUE CONGREGA, E NAS
CIDADES DO INTERIOR DO ESTADO.
Por conta disto, a doutrina da proteção integral,
adotada pela Constituição da República e observada por toda a
legislação infraconstitucional, elenca como prioritário o direito
à profissionalização dos adolescentes, inserindo este direito no
âmbito da política educacional e ampliando as hipóteses legais de
aprendizagem.
Como sabido, as entidades que integram o que se
convencionou rotular de “Sistema S”, denominadas de Serviços
Sociais Autônomos, embora consistam em pessoas jurídicas de direito
privado, financiam-se por meio de recursos públicos, repassados por
meio de contribuições parafiscais.
De outro giro, a Emenda Constitucional 20/98 fixou a
idade mínima para o trabalho em 16 anos (exceto quanto ao noturno
e que implicam riscos de quaisquer naturezas à integridade moral
244
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Todo aquele que gere recursos públicos submete-se,
por dever constitucional, à obrigação de demonstrar o seu correto
emprego.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
245
Como é cediço ainda, a formação básica da Administração
Pública é aquela que a subdivide em Administração Direta e Indireta.
Além disso, existem algumas outras pessoas jurídicas denominadas por JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO de
“pessoas de cooperação governamental” - que prestam algum tipo de
colaboração ao Poder Público, o que se dá por meio da execução de
alguma atividade caracterizada como “serviço de utilidade pública”.
A maior parte dos administrativistas chamam tais
entidades de serviços sociais autônomos, que são pessoas jurídicas
de direito privado, embora exerçam atividades que produzem algum
benefício para grupos sociais ou categorias profissionais.
Consoante entendimento de HELY
MEIRELLES, são os serviços sociais autônomos:
LOPES
todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de
Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a
certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins
lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias
ou contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de
cooperação com o Poder Público, com a administração
e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições
particulares convencionais (fundações, sociedades civis
ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas
incumbências estatutárias.
rural; SEST (Serviço Social do Transporte) e o SENAT (Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte), que têm por escopo fins
idênticos aos antes referidos, dirigidos especificamente aos serviços
de transporte, seja como empresa, seja como trabalhador autônomo;
dentre outros exemplos.
Não se discute que as entidades que compõem o
“Sistema S” - os serviços sociais autônomos - têm personalidade
jurídica de direito privado, não integrando a Administração direta
nem indireta.
PIETRO:
Como ressalta MARIA SYLVIA ZANELLA DI
Essas entidades não prestam serviço público delegado
pelo Estado, mas atividade privada de interesse público
(serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso,
são incentivadas pelo Poder Público. A atuação estatal, no
caso, é de fomento e não de prestação de serviço público.
Por outro lado, apresenta-se também indiscutível
o fato de que os recursos por elas utilizados são provenientes
de contribuições parafiscais, estabelecidas por Lei e recolhidas
compulsoriamente pelos contribuintes, para enfrentarem os custos
decorrentes de seu desempenho, sendo vinculadas aos objetivos das
entidades.
A título ilustrativo, citam-se como exemplos de tais
entidades o SESI (Serviço Social da Indústria) e o SESC (Serviço
Social do Comércio), destinados à assistência social a empregados
dos setores industrial e comercial, respectivamente; o SENAI
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC
(Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), destinados à
formação profissional e educação para o trabalho, também com
vistas, respectivamente, à indústria e ao comércio; o SEBRAE
(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que se
destina à execução de programas de auxílio e orientação a empresas
de pequeno porte; o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural), com o objetivo de organizar, administrar e executar o ensino
da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador
Convém lembrar, por oportuno, que parafiscalidade
consiste em uma delegação da capacidade tributária ativa de um
tributo a um ente com gestão própria, de modo que se atribui a
titularidade de certos tributos a certas pessoas, que não são o próprio
Estado, em benefício das próprias finalidades daquelas.
246
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Observe-se, nesse sentido, que a Constituição da
República refere-se expressamente às contribuições parafiscais
no seu art. 240, nesse caso pagas por empregadores sobre a folha
de salários, “destinadas às entidades privadas de serviço social e de
formação profissional vinculadas ao sistema sindical”.
Indubitável, portanto, que tais recursos podem ser
caracterizados como “dinheiro público”, mesmo porque não se
247
está tratando de contribuições facultativas, mas sim compulsórias.
Além disso, necessário frisar que tais recursos estão vinculados
aos objetivos institucionais definidos na lei, constituindo desvio de
finalidade quaisquer dispêndios voltados para fins outros que não
aqueles.
Em resumo, trata-se de entidades de direito privado,
que não integram a Administração Pública direta nem tampouco
indiretamente, mas que gerenciam recursos públicos.
Conforme demonstrar-se-á, esse ponto tem extrema
relevância no presente caso.
E a razão é simples. Além de outras regras a serem
observadas, o SENAI e o SENAC têm necessariamente que
oferecer a contrapartida aos recursos que aufere, cumprindo,
inclusive, o papel que lhe é destinado, no caso ministrar os cursos
de aprendizagem condizentes com a legislação e de acordo com a
necessidade de empresas da localidade.
E isto não se trata de mera faculdade. É, em verdade,
obrigação legal que as rés devem desempenhar com eficiência,
principalmente quando possuem farto orçamento para tal,
compreendido este de dinheiro público, o qual deve ser direcionado,
por igual, para a finalidade pública que guiou a criação da instituição.
Em relação ao SENAI, sua finalidade essencial é a
formação profissional de aprendizes, como o próprio nome da
entidade já escancara: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
Segundo o próprio portal da entidade, o “Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, criado pelo
Decreto Lei Federal nº 4048 de 22/01/1942, é entidade jurídica de
direito privado, organizada e dirigida pela Confederação Nacional da
Indústria - artigo 2º do Decreto Lei Federal nº 9.576, 12/08/1946 e
o artigo 3º do Regimento aprovado pelo Decreto Federal nº 494, de
10/01/1962”.
O Decreto nº 494, de 10 de janeiro de 1962, prevê nos
seguintes termos as atribuições do SENAI:
248
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Art. 1º O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), organizado e administrado pela Confederação
Nacional da Indústria, nos termos do Decreto-lei nº 4.048,
de 22 de janeiro de 1942, tem por objetivo:
a) realizar, em escolas instaladas e mantidas
pela Instituição, ou sob forma de cooperação, a
aprendizagem industrial a que estão obrigadas
as empresas de categorias econômicas sob sua
jurisdição, nos termos de dispositivo constitucional e
da legislação ordinária;
b) assistir os empregadores na elaboração e execução
de programas gerais de treinamento do pessoal
dos diversos níveis de qualificação, e na realização
de aprendizagem metódica ministrada no próprio
emprego;
c) proporcionar, aos trabalhadores maiores de 18 anos, a
oportunidade de completar, em cursos de curta duração,
a formação profissional parcialmente adquirida no local de
trabalho;
d) conceder bolsas de estudo e de aperfeiçoamento e a
pessoal de direção e a empregados de excepcional valor
das empresas contribuintes, bem como a professores,
instrutores, administradores e servidores do próprio
SENAI;
e) cooperar no desenvolvimento de pesquisas tecnológicas
de interesse para a indústria e atividades assemelhadas.
Art. 2º O SENAI funcionará como órgão consultivo do
Governo Federal em assuntos relacionados com a formação
de trabalhadores da indústria e atividades assemelhadas.
No caso do SENAC, segundo art. 8º do Decreto
5.598/2005, esta finalidade essencial é a formação profissional de
aprendizes, como o próprio nome da entidade já escancara: Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial.
Aliás, o Decreto-Lei nº 8.621 de 1946, que “Dispõe
sobre a criação do Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial
e dá outras providências” prevê nos seguintes termos as atribuições
do SENAC:
Art. 1º Fica atribuído à Confederação Nacional do Comércio
o encargo de organizar e administrar, no território nacional,
escolas de aprendizagem comercial.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
249
Art.2º A Confederação Nacional do Comércio, para o fim
de que trata o artigo anterior, criará, e organizará o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
GRATUITAS COMO PORCENTAGEM DE RECEITA
LÍQUIDA.
Art.3º O SENAC deverá também colaborar na obra de
difusão e aperfeiçoamento do ensino comercial de formação
e do ensino imediato que com ele se relacionar diretamente,
para o que promoverá os acordos necessários, especialmente
com estabelecimentos de ensino comercial reconhecidos
pelo Governo Federal, exigindo sempre, em troca do
auxilio financeiro que der, melhoria do aparelhamento
escolar e determinado número de matriculas gratuitas para
comerciários, seus filhos, ou estudantes a que provadamente
faltarem os recursos necessários.
A obrigação decorre de Protocolo de Compromisso
celebrado com o Ministério da Educação em 2008.
§ 2º Nas localidades onde não existir estabelecimento de
ensino comercial reconhecido, ou onde a capacidade
dos cursos de formação em funcionamento não atender
às necessidades do meio, o SENAC providenciará a
satisfação das exigências regulamentares para que
na sua escola, de aprendizagem funcionem os
cursos de formação e aperfeiçoamento necessários,
ou promoverá os meios indispensáveis a incentivar a
iniciativa particular a criá-los.
Com efeito, segundo o art. 430, §1º, da CLT, as entidades
que integram o SISTEMA S são obrigadas a desenvolver os cursos
de aprendizagem, que venham a proporcionar ao jovem formação
profissional metódica, necessária a completude do programa de
aprendizagem profissional.
E, conforme visto, nas localidades onde os cursos de
aprendizagem não sejam desenvolvidos, é dever legal do SENAI
e do SENAC promover sua implementação, providenciando a
satisfação das exigências dos cursos de formação e aperfeiçoamento
necessários.
No presente caso, verifica-se que o SENAI e o SENAC
não realizaram nenhum curso de formação técnico profissional no
município de Bataguassu, a despeito de ser um polo regional de
desenvolvimento.
Cumpre destacar que o SENAI e o SENAC estão
obrigados a oferecer cursos de formação profissional gratuitos no
país, em porcentagem da receita líquida.
O Protocolo de Compromisso celebrado entre o MEC
e o SENAI prevê a destinação, anualmente, 2/3 da receita
líquida da contribuição compulsória geral do SENAI para
vagas gratuitas em cursos e programas de formação inicial e
continuada e de formação técnica de nível médio.
Por receita líquida da contribuição compulsória
geral entende-se a receita bruta da contribuição compulsória
geral do SENAI, deduzidas as transferências para a Receita
Federal do Brasil, a CNI, as Federações de Indústrias e o
Instituto Euvaldo Lodi (IEL), que significa 92,5% da receita
bruta compulsória geral.
A alocação de recursos para as vagas gratuitas
deverá evoluir, anualmente, a partir do patamar atualmente
praticado até chegar em 2014 com o comprometimento de
66,6% da receita líquida da contribuição geral, na seguinte
projeção média nacional: 50% em 2009, 53% em 2010, 56% em
2011, 59% em 2012, 62% em 2013 e 66,6% em 2014.
Os cursos e programas de formação inicial e
continuada poderão ser estruturados em módulos que compõem
itinerários formativos.
Os cursos de formação inicial terão carga horária
mínima de 160 horas.
2.A.3)
DO
PROTOCOLO
DE
COMPROMISSO
CELEBRADO COM O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
DA OBRIGATORIEDADE DA OFERTA DE VAGAS
Os cursos de formação continuada não estarão
sujeitos a limite mínimo de carga horária, tendo como requisito
para ingresso comprovação de formação inicial ou avaliação
e reconhecimento de competências para aproveitamento em
250
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
251
prosseguimento de estudos.
E, conforme visto, não se pode alegar a inexistência de
Por sua vez, o Protocolo de Compromisso com
o SENAC prevê o comprometimento de parte dos recursos
líquidos do SENAC com a oferta de vagas gratuitas em
cursos de Formação Inicial e Continuada e de Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, a partir de 2009, evoluindo
anualmente até se chegar em 2014 com o comprometimento
de 66,6%, na seguinte projeção: 2009 (20%); 2010 (25%); 2011
(35%); 2012 (45%); 2013 (55%); e 2014 (66,6%).
recursos.
Por receita líquida entende-se a receita compulsória
bruta deduzidas as transferências para a Receita Federal do
Brasil, a CNC e as Federações, nos termos da legislação
vigente, o que equivale, hoje, a uma base de 91,25% da receita
bruta.
Além disso, a Receita Total, considerando outras
receitas e variações positivas dos Ativos, é de R$ 99.871.188,67 (quase
R$ 100 milhões) em 2012, com Despesas Totais, Orçamentárias e
Extra orçamentárias, de R$ 63.381.511,09 (mais de R$ 63 milhões)
em 2012.
Em relação ao Programa de Gratuidade, o SENAC
se compromete a observar as seguintes diretrizes: Formação
Inicial: mínimo de 160 horas; Reconhecimento da experiência
profissional (educação não formal) como Formação Inicial,
devidamente certificada, inserida dentro dos Itinerários
Formativos como condição para a realização de cursos de
menor duração; Utilização da metodologia dos Itinerários
Formativos como princípio da educação continuada para
a oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada e de
Educação Profissional Técnica de Nível Médio.
Ou seja, um Superávit em 2012 de R$ 36.489.677,58
(mais de R$ 36 milhões).
O Programa de Comprometimento de Gratuidade
terá como gestores os Departamentos Nacionais do SENAC
e do SESC, que definirão internamente os mecanismos
de acompanhamento, avaliação e regra de desempenho,
levando-se em conta, dentre outros, os seguintes indicadores:
qualidade, inserção de egressos, adequação dos perfis dos
egressos, matrículas gratuitas, atendimento à demanda atual e
futura do Setor do Comércio de Bens, Serviços e Turismo,
receita de contribuição destinada à gratuidade (item 1.2),
eficiência operacional (custos), sustentabilidade.
252
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Somente no Estado do Mato Grosso do Sul, o
SENAI possui Receita Orçamentária de R$ 75.827.367,00 (mais
de R$ 75 milhões) em 2012, sendo certo que R$ 17.657.678,84
(mais de R$ 17 milhões) advém de Receitas de Contribuições
(portanto, de natureza tributária), R$ 11.127.386,00 (mais de R$ 11
milhões) de Subvenções e Auxílios e R$ 14.629.531,01 (mais de R$
14 milhões) de Apoios Financeiros.
Se uma pequena fração do referido valor, livre de
despesas, resultado somente do excesso de arrecadação, na ordem
de 5% fosse destinado ao Município de Bataguassu, somente em
2012, seria R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais) para
curso de formação técnico-profissional.
Note-se que somente em Aplicações Financeiras de
Curto Prazo, na conta Títulos e Valores Mobiliários, o valor saltou
de R$ 6.959.217,09 (R$ 7 milhões) para R$ 27.409.054,93 (mais de
R$ 27 milhões).
Em outros termos, houve um acréscimo das aplicações
financeiras (recursos não destinados à atividades-fim) de 4
vezes (isso mesmo!), de R$ 7 milhões para R$ 27 milhões, com
possibilidade de destinação do referido valor, que é dinheiro em conta
corrente ou aplicação de elevada liquidez financeira, para cursos de
aperfeiçoamento técnico profissional no Município de Bataguassu.
Em relação ao SENAC, a situação é a mesma.
O Ativo Circulante, que inclui Caixa e Créditos de
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
253
Curto Prazo, passou de R$ 11.298.514,34 (pouco mais de R$ 11
milhões) para R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) de 2011
para 2012.
O Ativo Total passou de R$ 29.366.147,68 (pouco
mais de R$ 29 milhões) para R$ 34.676.932,54 (mais de R$ 34
milhões) de 2011 para 2012 e o Passivo Total, que inclui Pessoal,
Encargos Sociais, Fornecedores, Provisões etc, ou seja, todas as
Dívidas, passou de R$ 4.053.787,66 (pouco mais de R$ 4 milhões)
para R$ 5.600.227,14 (R$ 5,6 milhões) de 2011 a 2012.
Em resumo, os Superávits (Diferença entre Receita
e Despesa) sucessivos nos exercícios de 2011 e 2012 foram de R$
3.493.325,02 e R$ 3.669.766,12, respectivamente, que se somam
a Superávits acumulados dos exercícios anteriores de R$
25.312.360,02 e R$ 29.076.705,40.
Somente Receitas de Contribuições (desconsiderando
as Receitas de Prestação de Serviços), são R$ 15.051.721,59
(mais de R$ 15 milhões) em 2011 e R$ 16.580.906,04 (mais de
R$ 16 milhões) em 2012.
Nota-se o grande volume de recursos no Ativo
Circulante, nas contas Caixa e Créditos de Curto Prazo, na
ordem de R$ 11.298.514,34 (pouco mais de R$ 11 milhões) em
2011 e R$ 16.440.525,98 (mais de R$ 16 milhões) em 2012.
Conforme dito, se apenas uma pequena fração do
Ativo Circulante, frise-se, dinheiro e aplicações de curto prazo com
liquidez imediata, fosse aplicada em cursos de formação técnico
profissional no Município de Bataguassu, na ordem de 5%,
seriam R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) em 2011 e
R$ 822.000,00 (oitocentos e vinte e dois mil reais) em 2012.
Não há, portanto, qualquer justificativa para sua inércia,
diante de sua obrigação legal de prover programas de aprendizagem
profissional nas mais diferentes áreas e nas mais várias cidades,
inclusive do interior, e ante o vultoso orçamento que recebe.
Com efeito, a Lei 10.097, de 19 de dezembro de 2000,
254
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
adequando-se às diretrizes da teoria da proteção integral, alterou os
artigos da Consolidação das Leis do Trabalho que tratam do instituto
da aprendizagem, materializando desta forma os preceitos da aludida
teoria em benefício dos adolescentes.
Nesse sentido, o artigo 429, da CLT, traz um comando
obrigacional destinado a todos os estabelecimentos e de qualquer
natureza, ou seja, qualquer espécie de atividade econômica
desenvolvida. Note-se que a Lei 10.097/00, diferentemente da
anterior, unificou a obrigatoriedade de contratação de aprendizes,
envolvendo todos os setores econômicos. Desde dezembro de 2000,
com a edição da lei, todos os estabelecimentos estão sujeitos a essa
obrigação. Vejamos:
Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são
obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços
Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes
equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15%
(quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes
em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação
profissional.
[...]
§ 1°. As frações de unidade, no cálculo da percentagem de
que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz.
Da análise detida do artigo 429, verifica-se que o
legislador atribuiu duas obrigações ao empregador, quais sejam empregar e matricular, enfatizando assim, a finalidade do respeitável
instituto.
Questão de extrema relevância diz respeito ao número
de aprendizes a serem contratados por cada empresa, sendo que
a norma estabeleceu percentual mínimo de 5% e máximo de
15%, fixando como parâmetro o número de empregados cujas
funções demandem formação profissional.
Em suma, como visto anteriormente, o artigo 429
da CLT é claro na medida em que identifica a existência de uma
obrigação, o sujeito e o respectivo objeto.
Já o artigo 428 do mesmo diploma define o contrato de
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
255
aprendizagem como um contrato de trabalho especial, que deverá
ser ajustado por escrito e por prazo não superior a dois anos. Ao
mesmo tempo identifica a obrigação do empregador em assegurar
ao adolescente entre 14 e 24 anos (exceto pessoas com deficiência
- artigo 428, § 5º da CLT), inscrito em programa de aprendizagem,
formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu
desenvolvimento físico, moral e psicológico.
O artigo 428, portanto, também identifica comando
obrigacional quando estabelece que o empregador deverá assegurar
ao aprendiz formação técnico-profissional.
No que se refere a esta formação técnico-profissional
destinada ao adolescente aprendiz, prevê o § 4º do artigo 428
atividades práticas e teóricas, metodicamente organizadas, previstas
em programa de aprendizagem, o qual deve ser compatível com as
tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de
trabalho.
Ressalte-se que a formação profissional visada deverá
ser ministrada PRIORITARIAMENTE pelos Serviços Nacionais de
Aprendizagem, cujo sistema é integrado pelas rés.
Sendo assim, se há vagas para aprendizes em várias
empresas, conforme demonstrado na narração dos fatos, e se,
simplesmente, inexiste cursos de aprendizagem nos setores
econômicos de limpeza e conservação, compete ao Sistema “S”, no
caso o SENAC, disponibilizar os cursos DE IMEDIATO, até porque
recebe contribuições para custear tais cursos, contribuições estas
pagas por empresas que necessitam cumprir a cota de aprendizagem.
É justo isto que se persegue nesta ação.
2.B) DA TUTELA REPARATÓRIA. DA REPARAÇÃO DO
DANO CAUSADO À COLETIVIDADE.
Conforme amplamente relatado e demonstrado, o
SENAI e SENAC, entidades que estão obrigadas legalmente a
fornecer cursos de aprendizagem, estão omitindo-se em tal papel,
o que contribui para a não inclusão de adolescentes e jovens no
256
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
mercado de trabalho, de forma regular e, o que é mais grave, tal
omissão expõe tais adolescentes e jovens a situações de maior risco
de vulnerabilidade social.
Ora, a sociedade elenca valores essenciais a serem
preservados, sendo que o respeito aos Direitos Humanos, no caso
dos adolescentes, não pode ser tratado com descaso, sendo que o
direito fundamental à profissionalização é um deles, consoante visto
acima.
Necessário, portanto, a aplicação de mecanismo que
coíba e iniba a prática ora verificada, sendo que o dano moral coletivo
constitui meio próprio e capaz para fazer cessar tais lesões.
Oportuno ressaltar que a reparação aqui buscada tem
função preventivo-pedagógica e não apenas punitiva, consoante
entendimento de hodierna jurisprudência, com autorização da
doutrina especializada.
A legislação processual acompanha a posição ilustrada,
pois apresenta instrumentos processuais adequados à defesa de
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, comportando,
também, a postulação de reparação de danos morais, nos termos do
artigo 1º, IV, da Lei 7.347/85, artigo 5º V e X da CRFB/88 e
artigo 6º, VI e VII da Lei 8.078/90.
Vale citar que o novel conceito de reparação por dano
moral coletivo, aqui aludido, provém da teoria dos danos coletivos
que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, (in Responsabilidade Civil,
Ed. Forense, 1991) “podem revestir formas ou expressões variadas:
danos a toda uma coletividade, ou aos indivíduos integrantes de uma
comunidade, ou danos causados a uma pessoa jurídica, com reflexo
nos seus membros componentes”.
Para melhor compreensão do DANO MORAL
COLETIVO, convém socorrer-nos dos ensinamentos do doutrinador
Carlos Alberto Bittar Filho, estudioso do tema:
Dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de
uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de
um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
257
em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato
de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade
(maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido
de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista
jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial. (artigo publicado
na Revista de Direito do Consumidor n° 12, out/dez-94, pp.
45/61, Ed. Revista dos Tribunais).
Na ótica, ainda, de Carlos Alberto Bittar Filho, op. cit.:
dessas definições exsurgem os fios mais importantes na
composição do tecido da coletividade: os valores. Resultam
eles, em última instância, da amplificação, por assim dizer,
dos valores dos indivíduos componentes da coletividade.
Assim como cada indivíduo tem sua carga de valores,
também a comunidade, por ser um conjunto de indivíduos,
tem uma dimensão ética. Mas é essencial que se assevere
que a citada amplificação desatrela os valores coletivos das
pessoas integrantes da comunidade quando individualmente
consideradas. Os valores coletivos, pois, dizem respeito à
comunidade como um todo, independentemente de suas
partes.
Nessa ordem de ideias, importa ressaltar que nosso
legislador constituinte inseriu, no Título I da Constituição da
República Federativa do Brasil, diversos princípios e objetivos
fundamentais de nosso país, conforme elencados nos artigos. 1º e 3º.
No Título II e capítulos pertinentes, cuidou de
especificar os Direitos e Garantias Fundamentais, com destaque,
respectivamente, dos direitos e deveres individuais e coletivos e dos
direitos sociais, que expressam os valores individuais e coletivos
que os constituintes reconheceram como de grande relevância para
a sociedade.
Realmente, quando o requerido deixa de cumprir sua
conduta de prover cursos de aprendizagem a adolescentes, bem como
aqueles que pretendem se ativar no setor de limpeza e conservação
- conduta esta deriva de seu dever de prover profissionalização, por
meio da aprendizagem acaba causando dano a estes adolescentes, vez
que o direito a profissionalização, por eles titularizado, resta violado.
Esta violação atinge, ainda, não qualquer direito, mas
direito de porte constitucional, conforme previsto no art. 227 e art.
7, XXXIII da CF/88, de modo que a lesão e, por conseguinte, o dano
mostram-se ainda mais graves na ordem de lesões ao ordenamento
jurídico, vez que atingem o topo da pirâmide normativa, qual seja, a
própria lei das leis, a Constituição Federal.
Por conseguinte, cabível reparação pelo infrator dos
interesses metaindividuais pelo dano potencial a que vem dando
causa, inclusive ofensa à ordem jurídica.
A reparação genérica provém de uma visão mais
socializante do Direito sustentada pelos juristas modernos, em que
se busca ressaltar o caráter metaindividual de determinados valores,
fundamentais para a organização social e o bem-comum.
Ora, o valor da profissionalização de adolescentes,
tutelado por norma constitucional, é valor por demais caro à
sociedade brasileira, que está sendo descurado pelas rés.
Quantos jovens almejam sair do círculo da miséria,
da exclusão, do trabalho exploratório e não qualificado, pela porta
da profissionalização protegida e com direitos reconhecidos, via
aprendizagem; porta esta FECHADA pela omissão da parte ré???!!!
Conclui-se, pois, que a prática ora noticiada, de o Sistema
“S” não cumprir o seu papel para observância da proteção à criança
e ao adolescente, omitindo-se em realizar cursos a que está obrigado,
tem repercussão não só sobre tais adolescentes, mas sobre toda a
sociedade, aviltada em seus valores sociais, cabendo, então, falar-se
em LESÃO A INTERESSES METAINDIVIDUAIS, em todas as
suas modalidades, notadamente difusos.
Quantos jovens, negados que são à profissionalização
via cursos de aprendizagem não providos pela parte ré, são obrigados
a se entregarem ao trabalho precoce, desprotegido e não que não
propicia formação profissional?
258
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Por cento, incontáveis, de modo que os danos a esta
legião de adolescentes somente se perpetuam face à omissão da parte
ré! Por conta disto, esta deve ser compelida a reparar estes danos
259
já cristalizados e outros que ainda se cristalizarão, pela inércia das
requeridas.
Assim, não remanesce dúvida de que a omissão no
cumprimento da legislação que tem por escopo, inclusive, conferir
efetividade à proteção integral do adolescente, impinge mal à
coletividade, em especial, aos adolescentes, além de configurar, como
já dito, transgressão ao ordenamento jurídico vigente.
João Carlos Teixeira, em seu trabalho “Dano Moral
Coletivo na Relação de Emprego” (in Temas Polêmicos de Direito
e Processo do Trabalho, Roberto Norris, coordenador. São Paulo:
LTr, Universidade Cândido Mendes, 2000, p. 129), assinala:
Nota-se, pois, que a doutrina e a jurisprudência vêm
evoluindo na aplicação da teoria da responsabilidade
civil em matéria de dano moral, especialmente em ações
coletivas, em que a reparação, com caráter preventivopedagógico e punitivo, é devida pelo simples fato da
efetiva violação de interesses metaindividuais socialmente
relevantes e juridicamente protegidos, como é o caso de
serviço de transporte coletivo, de grande relevância pública,
eis que explorado por empresa privada, mediante contrato
de concessão, pelo qual está obrigada a prestar um serviço
satisfatório e com segurança, o que não foi cumprido pela
empresa. Tal atitude negligente causou transtorno e tumulto
para o público usuário, configurando o dano moral coletivo
puro, perceptível pelo senso comum, porque diz respeito à
natureza humana, dispensando-se a prova (damnun in re ipsa).
Repara-se o dano moral coletivo puro, independentemente
de caracterização efetiva, em nível individual, de dano
material ou moral. O conceito do valor coletivo, da moral
coletiva é independente, autônomo, e, portanto, se desatrela
da moral individual.
de Direito.
Surge, então, um questionamento: que efeitos a
negação de profissionalização, pelo não cumprimento da obrigação
de prover cursos de aprendizagem, gera perante as vítimas e perante
a sociedade, os quais justifiquem a imposição de condenação de
dano moral coletivo?
Ora, a resposta já se começou no preâmbulo deste
tópico. Vamos, agora, a maiores detalhes.
São inúmeras e inquestionáveis as consequências de tais
atos, sofridas por uma legião de adolescentes e jovens, especialmente
aquelas correspondentes ao déficit profissional, a garantir que
o adolescente prejudicado não tenha condições de formação
profissional e colocação funcional.
Em outras palavras, o ato da ré, descumprindo norma
legal, nega ascensão social e profissional aos adolescentes, o que
gera lesão a um importante conteúdo do valor constitucional do
trabalho, qual seja, o valor, também constitucional, na letra do
art. 227 da CF/88, da profissionalização, imposto, como visto, não
somente ao Estado, mas também à sociedade, da qual fazem parte,
por óbvio, as requeridas - que devem dar sua parcela de contribuição
mediante o provimento de cursos de aprendizagem.
Ademais, os danos, ao atingir os valores extrapatrimoniais
do trabalho e da profissionalização, prejudicam não somente aos
interesses dos jovens e adolescentes, mas também, aos interesses de
todas a sociedade.
Frise-se, por fim, que a reparação no presente caso é
essencial, na medida em que desestimulará o ofensor de praticar
novas lesões à ordem jurídica trabalhista e compensará (e não
apagará) os efeitos negativos decorrentes do desrespeito aos bens
jurídicos mais elevados de uma determinada coletividade, in casu,
a profissionalização de adolescentes, com meio para alcançar um
trabalho digno e qualificado, livre das drogas e do ócio. Portanto,
constitui medida para alicerçar o ideal de um Estado Democrático
Com efeito, aqueles valores são universais e, assim
sendo, a concretização de resistências ilegais, como a que está
perpetrando a ré, acaba por atingir todo o patrimônio ético da
sociedade, que vê crescer a quantidade de jovens sem oportunidades de
profissionalização e inserção no mercado, com garantias trabalhistas
e previdenciárias e, como corolário, formar-se uma sociedade de
excluídos, marginalizados, num ócio que tende a levar à criminalidade
e ao consumo de drogas. A negação de profissionalização de jovens,
por quem, dentre outros, tem o dever legal de prover é elemento
260
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
261
patrocinador de diversos outros delitos, tais como: furto, uso de
drogas, agressões etc.
Nesse diapasão, é inegável o caráter gravemente lesivo
da postura perpetrada pelas rés: vê-se, pois, a extensão da conduta
ilegal da ré que atinge não somente os interesses dos jovens, mas
também de toda a sociedade, que vê achincalhados seus valores
jurídicos e constitucionais do trabalho, da profissionalização, da
inclusão nas estruturas produtivas, enfim, da dignidade no trabalho
do jovem, via garantia de profissionalização.
Realmente, agride ao bem comum perceber que
meninos e meninas perderam o sonho de aprender uma profissão
digna, diante de uma postura de resistência ilegal das requeridas que,
em assim agindo, opõe àquele bem comum o interesse privado da
concentração do lucro, em detrimento do valor ético do bem social.
Ao consagrar, na Constituição, de maneira expressa no
art. 227, o valor social da profissionalização, a sociedade brasileira
COMPROMETEU-SE a assegurar a tal valor e a repudiar qualquer
ato que o viole ou negue, pois os fundamentos do Estado Brasileiro
repousam nos princípios da cidadania e da dignidade humana,
cujo conteúdo a profissionalização de jovens integra. A violação
a este compromisso, por parte de um membro da sociedade, afeta
A TODOS, À COLETIVIDADE, que escolheu constituir um
Estado Democrático de Direito, onde o respeito aos interesses
dos adolescentes e jovens é pedra fundamental, tanto é que se
lhes asseguram a PROTEÇÃO INTEGRAL E A PRIORIDADE
ABSOLUTA.
Daí porque afirma-se que a concretização da democracia
e a afirmação do Estado de Direito se faz dentro do contexto social,
com o respeito aos direitos humanos, por cada um de seus membros.
A violação de um, se for relevante socialmente, tem o poder de gerar
insegurança e indignação a todos.
Portanto, a conduta da Rés, ao descumprir os diversos
dispositivos mencionados, configura prática ilícita, incompatível,
portanto, com a consciência coletiva existente na nossa sociedade,
262
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
que reclama respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos
valores sociais do trabalho e à profissionalização, consoante impôs a
Constituição Federal ao disciplinar o Estado Democrático de Direito.
Daí se concluir que as violações aos direitos fundamentais
e ao princípio da dignidade resultam em danos morais à coletividade,
exigindo, assim, uma indenização, que terá caráter preventivopedagógico e punitivo.
Basta, assim, a citação deste importantíssimo dispositivo
constitucional (art. 227) para fundamentar o pedido de dano moral
coletivo no presente caso, que na lição de Carlos Alberto Bittar Filho,
in Revista Direito do Consumidor, n.º 12, out/dez/1994, artigo:
“Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”,
conceitua-se como:
[...] o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral
de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica
de um determinado círculo de valores coletivos. Quando
se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção
ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi
agredido de uma maneira absolutamente injustificável do
ponto de vista jurídico...Como se dá na seara do dano moral
individual, aqui também não há que se cogitar de prova de
culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato
da violação...(g.n.)
Estão em análise, na presente demanda, princípios
basilares, como a dignidade do homem (CF, art. 1º, III), o valor
social do trabalho (CF, art. 1º, IV), a proteção integral à criança e ao
adolescente (CF, Art. 227), a profissionalização de adolescentes. São
regras constitucionais flagrantemente turbadas pelas rés e cuja
autoridade e intangibilidade interessa a toda a coletividade.
A natureza pedagógica e utilitária da indenização moral
coletiva é exatamente o que se persegue com a presente ação.
Com efeito, o quantum debeatur decorrente do processo coletivo
será aplicado no Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (ECA, art. 260), com vistas a financiar projetos de
políticas públicas de profissionalização de adolescentes e jovens.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
263
Portanto, considerando a gravidade da prática,
consubstanciada pela resistência em tornar efetivo um instituto de
suma relevância para a consagração de direitos humanos voltados
aos adolescentes e, ainda, a capacidade econômica das entidades,
o Parquet Laboral requer que seja fixada a importância de R$
5.000.000,00 (cinco milhões de reais) a este título.
Chegou-se a esse valor considerando-se os valores que
deixaram de ser aplicados pelas entidade, considerando uma fração
ínfima do superávit da operação e do volume de dinheiro em caixa e
aplicações financeiras.
3 - DOS PEDIDOS
3.A) DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA
PRETENDIDA
O artigo 12 da Lei nº 7.347/85 autoriza o Juízo, nos
próprios autos da ação civil pública, a determinar que cesse a conduta
irregular, mediante concessão de liminar.
Convém frisar, por oportuno, tendo em vista discussão
doutrinária acerca da normatização contida no referido artigo 12,
que a liminar, no entendimento deste signatário, não tem natureza
cautelar, afigurando-se como hipótese típica de antecipação da tutela.
Vale citar entendimento de Humberto Theodoro
Júnior, em sua obra “As Inovações do Código de Processo Civil”,
no mesmo sentido:
A propósito, convém ressaltar que se registra, nas principais
fontes do direito europeu contemporâneo, o reconhecimento
de que, além da tutela cautelar, destinada a assegurar a
efetividade do resultado final do processo principal, deve
existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de
antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva
esperada no processo principal. São reclamos da Justiça
que fazem com a realização do direito não possa, em
determinados casos, aguardar longa e inevitável sentença
final. Assim, fala-se em medidas provisórias de natureza
cautelar e medidas provisórias de natureza antecipatória;
estas, de cunho satisfativo, e aquelas de cunho apenas
264
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
preventivo.
Entre nós, várias leis recentes têm previsto, sob a forma de
liminares, deferíveis inaudita altera pars, a tutela antecipatória,
como, por exemplo, se dá na ação popular, nas ações
locatícias, na ação civil pública, na ação declaratória direta de
inconstitucionalidade etc.
No presente caso, considerando que o pedido liminar
versa, notadamente, sobre obrigações de fazer e não fazer, necessário
ressaltar a presença tanto dos requisitos exigidos no artigo 461, § 3º
do CPC, relevante fundamento da demanda e justificado receio de
ineficácia do provimento jurisdicional, quanto dos requisitos gerais
elencados no artigo 273, do CPC, ambos aplicáveis ao Processo do
Trabalho por força do artigo 769 Consolidado.
É certo que a situação fática acima descrita, conforme
faculta o artigo 5º, § 6º, da Lei 7.347/85, consubstancia prova
inequívoca, hábil a comprovar a verossimilhança das alegações.
O segundo pressuposto está duplamente satisfeito,
porque, no caso sob exame, verifica-se tanto o fundado receio de
dano irreparável quanto o manifesto protelatório das entidades em
fornecer os cursos e proceder à abertura de turmas.
Assim, diante da grave lesão ao ordenamento jurídico e
aos direitos sociais indisponíveis dos aprendizes, requer o Ministério
Público, com base no artigo 12 da Lei nº 7.347/85 c/c a parte final
do § 5°, do artigo 461 do CPC, a antecipação dos efeitos da tutela de
mérito (art. 273, §3°, do CPC) ou, pelos princípios da fungibilidade
e da instrumentalidade do processo (art. 273, § 7°, do CPC), a
concessão da medida liminar sob a forma acautelatória (art. 798 do
CPC), em face do indiscutível poder geral de cautela que esse Juízo
detém, sem audiência da parte contrária, para que se determine o
imediato cumprimento da obrigação de fazer a seguir exposta, sob
pena de pagamento de multa, em favor do Fundo Estadual para a
Criança e o Adolescente (Lei Federal 8.069/90, art. 88, inc. IV, e Lei
Estadual 9.831/93, art. 9º).
Ressalte-se, ainda, que restam preenchidos os requisitos
autorizadores do provimento de urgência, sejam o fumus boni iuris e o
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
265
periculum in mora, ou mesmo aqueles elencados no artigo 273 do CPC.
Com efeito, a fumaça do bom direito está refletida na
violação frontal e direta pelas requeridas ao ordenamento jurídico
e normas e princípios constitucionais e infraconstitucionais que
asseguram a proteção integral ao adolescente., por meio da obrigação
de preenchimento do direito fundamental à profissionalização.
Com efeito, a fumaça do bom direito pode ser constatada
a partir da existência de norma legal prevendo a obrigação de prover
cursos de aprendizagem, necessários à implementação do instituto
da aprendizagem, previsto na CLT.
O segundo pressuposto encontra-se igualmente
satisfeito, já que, caso os pedidos ora pleiteados sejam concretizados
apenas após o trânsito em julgado do comando sentencial, ter-se-á
o irreparável prejuízo relativamente ao período pretérito em que os
preceitos legais permanecerão violados, devido à longa tramitação
da ação. Ou, por outras palavras: a requerida não cumprirá, por
extenso período, os preceitos legais cujo cumprimento se busca.
E este descumprimento acarretará inestimáveis e, principalmente,
irreparáveis prejuízos, para usar-se da expressão contida no inciso I
do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Realmente, não havendo ordem judicial imediata para
a cessação da ilicitude, as requeridas não proverão os cursos de
aprendizagem necessários à qualificação profissional para as empresas
cumprirem a quota legal.
Com efeito, aguardar pela tramitação normal do processo
judicial, com a possibilidade quase ilimitada de vários e infindáveis
recursos, até que se chegue à formação da coisa julgada, implica a
possibilidade de manter os potenciais aprendizes das rés alheios ao
processo de aprendizagem durante todo esse período, negando-se o
direito constitucional da profissionalização.
Ademais, o próprio art. 227 da CF determina prioridade
absoluta no resguardo ao direito à profissionalização de adolescentes,
direito este a que o instituto da aprendizagem vem a satisfazer por
completo.
266
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Desse modo, urge que tal omissão ilegal seja estancada
de pronto. Não se pode compadecer, no tempo, com resistências
ilegais como a combatida na presente ação. Não podemos continuar
a ver isso passivamente enquanto a lide se prolonga, se desde logo a
omissão ilegal já resta caracterizada.
Assim, é chegada a hora de por um fim a esta conduta
omissiva de desrespeito ao aparato estatal. E, este resultado útil
somente poderá ser alcançado se houver deferimento da tutela de
urgência ora requerida, caso contrário a intenção protelatória das
demandadas em cumprir as normas legais atingirá sua finalidade.
Portanto, a antecipação dos efeitos da tutela é medida
que se impõe.
3.B - DO PEDIDO LIMINAR
O Ministério Público, com espeque nos dispositivos
citados no item anterior deste petitório, bem como no Protocolo
de Compromisso com o Ministério da Educação, requer a
concessão de liminar, na forma do artigo 273 e § 3º, do artigo
461, todos do CPC c/c artigo 12, da Lei 7.347/85, para que este
Juízo determine ao SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, Regional Mato Grosso do Sul, e ao SENAC - Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial, Regional Mato Grosso do
Sul, ao cumprimento dos seguintes deveres de conduta:
1) Promover, no prazo de 30 dias, implementação de
cursos e abertura de turmas de aprendizagem no Município de
Bataguassu, mediante apresentação de planejamento contendo
respectivo cronograma de desenvolvimento, para atendimento de
todas as demandas de vagas apresentadas pelas empresas do Município
e da região (Anaurilândia e Santa Rita do Pardo), abrangidos pela
atuação da Procuradoria do Trabalho de Três Lagoas, sob pena
de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que
cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), valor este a ser
revertido para instituição pública ou com finalidade pública voltada
ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo
Ministério Público do Trabalho ou pelo próprio Juízo, ou ainda, ao
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
267
Fundo Estadual da Infância e da Adolescência;
2) Estabelecer acordo com estabelecimentos de ensino
comercial reconhecidos pelo Governo Federal, exigindo sempre, em
troca do auxilio financeiro que der, melhoria do aparelhamento escolar
e determinado número de matriculas gratuitas para industriários,
comerciários, seus filhos, ou estudantes a que provadamente faltarem
os recursos necessários, providenciando a satisfação das exigências
regulamentares para que na sua escola, de aprendizagem funcionem
os cursos de formação e aperfeiçoamento necessários, ou promoverá
os meios indispensáveis a incentivar a iniciativa particular a criá-los,
sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia,
até que cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), importe
a ser revertido à instituição pública ou com finalidade pública
voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada
pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao
Fundo Estadual da Infância e da Adolescência.
3) Destinar anualmente, 2/3 da receita líquida da
contribuição compulsória geral para vagas gratuitas em cursos e
programas de formação inicial e continuada e de formação técnica
de nível médio, considerando a receita líquida da contribuição
compulsória geral entende-se a receita bruta da contribuição
compulsória geral do SENAI, deduzidas as transferências para a
Receita Federal do Brasil, a CNI, as Federações de Indústrias e o
Instituto Euvaldo Lodi (IEL), que significa 92,5% da receita bruta
compulsória geral, no caso do SEANI, ou a receita compulsória bruta
deduzidas as transferências para a Receita Federal do Brasil, a CNC e
as Federações, nos termos da legislação vigente, o que equivale, hoje,
a uma base de 91,25% da receita bruta, no caso do SENAC, sob pena
de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que
cumpra a tutela específica (artigo 461, § 4º, do CPC), importe a ser
revertido à instituição pública ou com finalidade pública voltada ao
atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério
Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao Fundo Estadual da
Infância e da Adolescência.
4) Promover cursos e programas de formação inicial
268
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
e continuada, estruturados em módulos que compõem itinerários
formativos, com carga horária mínima de 160 horas, para os curso
de formação inicial, e os requisito para ingresso comprovação de
formação inicial ou avaliação e reconhecimento de competências
para aproveitamento em prosseguimento de estudos, para os
cursos de formação continuada, tudo nos termos do Protocolo de
Compromisso com o MEC, sob pena de arcar com astreintes,
no valor de R$ 10.000,00, por dia, até que cumpra a tutela específica
(artigo 461, § 4º, do CPC), importe a ser revertido à instituição
pública ou com finalidade pública voltada ao atendimento de
crianças e adolescentes, a ser indicada pelo Ministério Público do
Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao Fundo Estadual da Infância e
da Adolescência.
5) Proceder à manutenção de todas as turmas de
aprendizagem que estejam em andamento no município de
Bataguassu, incumbindo-se de manter contato com as empresas, no
mínimo seis meses antes do término dos contratos, a fim de que
possam diligenciar para as matrículas de aprendizes em substituição,
sob pena de arcar com astreintes, no valor de R$ 10.000,00, por cada
vez que for constatado o inadimplemento de tal obrigação, importe
a ser revertido à instituição pública ou com finalidade pública
voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, a ser indicada
pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Juízo; ou, ainda, ao
Fundo Estadual da Infância e da Adolescência.
3.C - DO PEDIDO DEFINITIVO
O Ministério Público requer a condenação das rés:
a) de forma definitiva, com a manutenção de liminar, no
tocante aos pleitos formulados nos itens “1” e “2” da porção III.B
desta vestibular ;
b) a efetuar o pagamento da indenização por dano
moral coletivo, no importe de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de
reais), correspondente aos valor que deixou de ser aplicado na região
somente nos autos de 2012 e 2013, em favor de instituição pública
ou com finalidade pública voltada ao atendimento de crianças e
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
269
adolescentes, a ser indicada pelo MPT ou pelo Juízo, ou ainda, ao
Fundo Estadual da Infância e da Juventude.
EXCELENTÍSSIMA JUÍZA DO TRABALHO DA
VARA DO TRABALHO DE NOVA ANDRADINA - MS
4 - DOS DEMAIS REQUERIMENTOS
Requer, por fim, o Ministério Público do Trabalho:
a) a citação das rés para, querendo, comparecer à
audiência e apresentar defesa e, caso não diligencie neste sentido, seja
declarada a revelia e reconhecidos os efeitos daí decorrentes, com o
regular processamento do feito, mantendo-se a liminar e julgando-se
os pedidos totalmente procedentes;
b) a intimação pessoal dos atos processuais proferidos
no presente feito, na pessoa de um dos membros do Ministério
Público de cada ramo, na forma dos artigos 18 e 84, ambos da Lei
Complementar n.º 75/93 de 20/05/93 (Lei Orgânica do Ministério
Público da União), bem como do artigo 236, parágrafo 2.º, do Código
de Processo Civil;
c) a produção dos meios de prova, notadamente
testemunhal, depoimento pessoal e documental;
processuais.
d) condenação das rés nas custas e demais despesas
5 - DO VALOR DA CAUSA
Atribui-se à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco
milhões de reais). Pede deferimento.
Campo Grande/MS, 7 de Março de 2014.
CARLOS EDUARDO ALMEIDA MARTINS DE ANDRADE
Procurador do Trabalho
270
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por
intermédio do Procurador do Trabalho subscritor, no uso de suas
atribuições legais e constitucionais, vem, respeitosamente, perante
Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, III, da Constituição
Federal; art. 6º, VII, alíneas “a” e “d”, XIV e art. 83, III da Lei
Complementar nº 75/93; e, ainda, nos termos da Lei 7.347/85,
propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
com pedido cautelar liminar inaudita altera pars
em face de:
1 - SINDICATO DOS TRABALHADORES
RURAIS DE NOVA ANDRADINA/MS, CNPJ 03.576.196/000155, com endereço na Av. José Heitor de Almeida Camargo, 287, Nova
Andradina/MS, CEP 79.750-000;
2 - Sindicado dos Trabalhadores nas
Indústrias da Fabricação do Açúcar e Álcool
de Nova Andradina - MS, CNPJ nº 24.630.956/0001-35,
com endereço à Rua Onofre Gonçalves Lopes, 1219, Centro, Nova
Andradina/MS, CEP 79.750-000;
e 3 - ENERGÉTICA SANTA HELENA S/A, pessoa
jurídica de direito privado,inscrita no CNPJ sob o nº 37.216.363/000250, com endereço à Rodovia MS 134, Km 25, Fazenda Santa Helena,
Bairro Rural, bloco “Prédio 2”, Nova Andradina/MS, CEP 79.750000.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
271
1 DOS FATOS
O Ministério Público do Trabalho, por meio da
Reclamação Trabalhista de nº 0024681-78.2013.5.24.0036, movida
pelo trabalhador rural indígena ENIVALDO CARLOS em face de
ENERGÉTICA SANTA HELENA S/A, na qual pretendia, dentre
outros direitos trabalhistas, o pagamento de horas extraordinárias
pelo período em que se deslocava do alojamento para o local de
trabalho e vice-versa, a título de horas in itinere, à base de 6 horas por
dia, tomou conhecimento de que o primeiro demandado Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Nova Andradina/MS, firmara Acordo
Coletivo de Trabalho 2012/2014 (doc. 01) e Termo Aditivo a
Acordo Coletivo de Trabalho 2013/2014 (doc. 02) com a Energética
Santa Helena S/A - terceira demandada, entabulando cláusulas que
estariam em desacordo com preceitos constitucionais, bem como
com a legislação trabalhista vigente.
As cláusulas são as seguintes:
CLÁUSULA VIGÉSIMA SÉTIMA – HORAS IN
ITINERE (ACT 2012/2014)
CONSIDERANDO:
(I) Que os trabalhadores ativam-se em diversas frentes de
trabalhos com distâncias e itinerários diferentes;
(II) Que há frentes de trabalho com transporte público
regular: seja todo o trajeto, seja em parte dele;
(III) Que todos os trabalhadores ficam alojados dentro da
empresa, sendo que a mesma situa-se dentro dos canaviais
muito proximos da distancia do corte de cana;
(IV) A impossibilidade de se mensurar com exatidão o
tempo de deslocamento dentro das variáveis e requisitos
que ensejam a percepção das horas in itinere, em função da
disponibilidade total ou parcial de transporte público regular
nos vários trajetos e nas várias frentes;
(V) O disposto nos incisos III e IV da Súmula 90 do TST,
bem como a reinterada jurisprudência que emana do E. TST
que confirma a possibilidade de pré-fixação do tempo de
deslocalmento;
(VI) O disposto no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição
Federal, prestigiando o principio da auto-determinação.
272
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
As partes signatárias do presente instrumento de ou Acordo
Coletivo de Trabalho pré-fixam, em caráter irrevogável e
irretratável, o que segue:
Parágrafo Primeiro: O tempo despendido pelo trabalhador
no percurso de sua residência ou alojamento até o efetivo
local de trabalho, em veículo da empresa ou a seu serviço,
denominado como horas “in itinere”, fica fixado em 0,10
(dez minutos diarios).
Parágrafo Segundo: Dada a pré-fixação do tempo
despendido pelo trabalhador no percurso de sua residência
ou alojamento até o local de trabalho, e do local de trabalho
até sua residência ou alojamento, tempo este denominado
como horas in itinere, na forma do § 1º acima, a Empresa
fica desobrigada a registrar este tempo no ponto dos
empregados.
Parágrafo Terceiro: As horas in itinere serão remuneradas
pelo valor da hora normal com acréscimo de 50%, em
dias normais e 100% em dias de feriados, caso ultrapasse a
jornada normal de trabalho.
CLÁUSULA OITAVA - HORAS IN INTINERE
(TERMO ADITIVO ACT 2013/2014)
CONSIDERANDO:
(I) que os trabalhadores ativam-se em diversas frentes de
trabalhos com distâncias e itinerários diferentes;
(II) que há frentes de trabalho com transporte público
regular: seja todo o trajeto, seja em parte dele;
(III) que todos os trabalhadores ficam alojados dentro da
empresa, sendo que a mesma situa-se dentro dos canaviais
muito proximos da distancia do corte de cana;
(IV) a impossibilidade de se mensurar com exatidão o
tempo de deslocamento dentro das variáveis e requisitos
que ensejam a percepção das horas in itinere, em função da
disponibilidade total ou parcial de transporte público regular
nos vários trajetos e nas várias frentes;
(V) o disposto nos incisos III e IV da Súmula 90 do TST,
bem como a reinterada jurisprudência que emana do E. TST
que confirma a possibilidade de pré-fixação do tempo de
deslocalmento;
(VI) o disposto no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição
Federal, prestigiando o princípio da auto-determinação.
(VII) O disposto no art. 840 do código Civil, que prestigia
a transação
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
273
As partes signatárias do presente instrumento de ou Acordo
Coletivo de Trabalho pré-fixam, em caráter irrevogável e
irretratável, o que segue:
Parágrafo Primeiro: O tempo despendido pelo trabalhador
no percurso de sua residência ou alojamento até o efetivo
local de trabalho, em veículo da empresa ou a seu serviço,
denominado como horas “in itinere”, fica fixado em 0,10
(dez minutos diários).
Parágrafo Segundo: Dada a pré-fixação do tempo
despendido pelo trabalhador no percurso de sua residência
ou alojamento até o local de trabalho, e do local de trabalho
até sua residência ou alojamento, tempo este denominado
como horas in itinere, na forma do § 1º acima, a Empresa
fica desobrigada a registrar este tempo no ponto dos
empregados.
Parágrafo Terceiro: As horas in itinere serão remuneradas
pelo valor da hora normal com acréscimo de 50%, em
dias normais e 100% em dias de feriados, caso ultrapasse a
jornada normal de trabalho.
Em sua peça contestatória apresentada naqueles autos
(doc. 03), a Energética Santa Helena S/A impugna a pretensão do
autor informando que suas frentes de trabalho distam do alojamento
onde o trabalhador reside, a uma distância de 35 km da indústria,
a título de raio médio, sendo que os alojamentos dos trabalhadores
estão localizados ao lado da mesma.
Oportuno registrar que nesse caso específico, o
trabalhador, sendo indígena, contratado em Amambai/MS, é alojado
pela Energética Santa Helena S/A, em local, conforme afirmado
pela mesma, localizado ao lado da unidade industrial, deslocandose diariamente de tal local até as frentes de trabalho, uma vez que
existem outros trabalhadores que se deslocam de distintas localidades
até as demais frentes de trabalho.
Apresenta, ainda, a Energética Santa Helena S/A um
mapa das áreas correspondentes as frentes de trabalho existentes
(doc. 04), num total de 27 (vinte e sete) fazendas, cujas distâncias das
mesmas até a sede da indústria variam de 5 Km (Faz. Santo Antônio,
Taquaritinga, Taquaritinga I) até 63 Km (Faz. Santa Maria – Ortega).
No caso daquele trabalhador indígena, a Energética
274
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Santa Helena S/A afirma em sua peça que o tempo gasto pelo
mesmo diariamente, era uma média de 30 (trinta) minutos por dia,
ou seja, tempo este superior a 3 (três) vezes ao que fora prefixado nas
Cláusulas 27ª e 8ª dos instrumentos coletivos acima mencionados.
Levando-se em conta uma média apurada durante
constatação realizada pelos servidores da Vara do Trabalho de
Naviraí/MS, por ocasião de inspeção realizada por determinação
judicial nos autos da ACC 955-90.2011.5.24.0086 (doc. 05), a fim de
verificar o tempo de percurso gasto no transporte de trabalhadores
até as frentes de trabalho, pertencentes à Infinity Agrícola S/A, cuja
atividade econômica é a mesma desenvolvida pela Energética Santa
Helena S/A, qual seja, trabalho executado em canaviais, apurou-se
que a velocidade média de tais veículos (ônibus) gira em torno de 1
Km por minuto, ou seja, 60 Km/h.
Desta feita, o tempo de percurso ida e volta da sede da
indústria até a frente de trabalho mais distante (Faz. Santa Maria –
Ortega) giraria em torno de 126 (cento e vinte e seis) minutos, e o
tempo até a frente mais próxima chegaria a 10 (dez) minutos.
Isso a se considerar que o deslocamento é iniciado
a partir sede da indústria, o que não é regra geral pelo fato de ter
trabalhadores que têm de se deslocar de outros locais, seja da cidade
de Nova Andradina/MS, seja de outros municípios da região, e até
de assentamentos, o que pode aumentar ainda mais esse o tempo
de deslocamento, causando prejuízos significativos à coletividade de
trabalhadores, seja pelo fato do elastecimento da jornada diária, que
pode chegar até 10 (dez) horas diárias, compromentendo o descanso e
o tempo de convívio familiar, seja ainda pela ausência de remuneração
de todo o período a disposição do empregador, de forma a causar um
enriquecimento ilícito ao mesmo.
Mas não é só os trabalhadores rurais que tiveram seus
respectivos tempos de percurso prefixados pela correspondente
entidade sindical profissional. Também os trabalhadores pertencentes
à categoria profissional da indústria e agroindústria da fabricação do
açúcar e do álcool e biocombustível em geral (etanol, biodiesel e
lubrificantes biofabricados) cuja prestação de serviços se dá na área
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
275
territorial de Nova Andradina/MS, tiveram seus respectivos tempos
de percurso prefixados a um patamar de apenas 20 (vinte) minutos
diários, nos termos da Cláusula Vigésima Nona do ACT 2013/2014
(doc. 06).
Senão vejamos:
CLÁUSULA VIGÉSIMA NONA – DO TRANSPORTE
E DAS HORA IN ITINERE
Aos empregados da empresa Acordante que se ativam
diretamente no parque industrial e ou área agrícola, será
garantido transporte gratuito, seja ele através de ônibus
público regular que percorre a linha de pública existente ou
através de ônibus fretado, sendo que neste caso deverá o
mesmo oferecer condições de segurança, higiene e conforto,
bem como atender as exigências da legislação vigente.
Parágrafo Primeiro: Somente os empregados da empresa
Acordante que se deslocam diretamente para a(s) frente(s) de
trabalho, as PARTES acordam que:
CONSIDERANDO:
(I) Que os trabalhadores ativam-se em diversas frentes de
trabalhos com distâncias e itinerários diferentes;
(II) Que há frentes de trabalho com transporte público
regular: seja todo o trajeto, seja em parte dele;
(III) A impossibilidade de se mensurar com exatidão o
tempo de deslocamento dentro das variáveis e requisitos
que ensejam dentro das variáveis e requisitos que
ensejam a percepção das horas “in itinere”, em função da
disponibilidade total ou parcial de transporte público regular
nos vários e nas várias frentes;
(IV) O disposto nos incisos III e IV da Súmula 90 do TST,
bem como reiterada jurisprudência que emana do E. TST
que confirma a possibilidade de pré-fixação do tempo de
deslocamento;
(V) O disposto no inciso XXVI do artigo 7o da Constituição
Federal, prestigiando o princípio da auto-determinação.
Parágrafo segundo: O tempo destinado pelo trabalhador
no percurso de sua residência ou alojamento até o efetivo
local de trabalho, em veículo da empresa ou a seu serviço,
denominado como horas “in itinere” fica fixado em 0,20
(vinte minutos diários).
Parágrafo terceiro: Dada a pré-fixação do tempo despendido
276
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
pelo trabalhador no percurso de sua residência até o local de
trabalho, e do local de trabalho até sua residência, tempo este
denominado como horas in itinere, na forma do §1o acima,
a Empresa fica desobrigada a registrar este tempo no ponto
dos empregados.
Parágrafo quarto: As horas in itinere serão remuneradas
pelo valor da hora normal com acréscimo de 50%.
Levando-se em conta que referida conduta empresarial
e sindical, concernente à pactuação de cláusulas obrigacionais em
instrumentos coletivos de trabalho, prefixando o tempo de percurso
denominado horas in itinere em patamar completamente desarrazoado
e ínfimo, vem lesando de forma significativa e contundente, direitos
constitucionalmente assegurados aos trabalhadores em questão, tal
qual, à duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias
e quarenta e quatro semanais (art. 7º, XIII) e o direito social ao lazer
(art. 6º), ambos da CF/88, bem tem infringido o comando celetista
disposto no art. 58, § 2º, o qual dispõe que o tempo de percurso
despendido pelo trabalhador deve ser computado em sua jornada de
trabalho, não resta outra alternativa ao Ministério Público do Trabalho
a não ser ajuizar a presente demanda objetivando provimento
jurisdicional que obste a continuidade da mesma.
Importante trazer a conhecimento de Vossa Excelência
que o Ministério Público do Trabalho, nos autos do Inquérito Civil
nº 000189.2012.24.001/0, expediu Notificação Recomendatória
nº 862/2014 (doc. 07) à Energética Santa Helena S/A para que a
mesma se abstivesse de negociar com o primeiro demandado a
prefixação de horas in itinere no próximo instrumento coletivo, tendo
a ré informado através de arrazoado apresentado em 23/04/2014
(doc. 08) que não iria cumprir com os termos da referida notificação
pelas razões ali apontadas.
2 DO DIREITO
2.1 - DA NULIDADE DAS CLÁUSULAS VIGÉSIMA SÉTIMA
DO ACT 2012/2014 (doc. 01), OITAVA DO TERMO ADITIVO
AO ACT 2O13/2014 (doc. 02), E VIGÉSIMA NONA DO ACT
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
277
2013/2014 (doc. 06)
A ilegalidade das precitadas cláusulas é indiscutível,
consistindo em total descumprimento de preceitos legais relativos
aos direitos dos empregados da empresa abrangida pelo ACT,
especificamente quanto à exclusão de haveres trabalhistas básicos
como o pagamento real e efetivo das horas in itinere.
A Constituição Federal, em seu art. 7º, inc. XXVI,
reconheceu validade aos instrumentos normativos, permitindo que as
partes, por meio de Convenção e/ou Acordo Coletivo de Trabalho,
possam negociar as condições do contrato de trabalho.
Contudo, a possibilidade de transação de direitos laborais
via negociação coletiva não ostenta os limites que lhe pretendem
conferir os reclamados.
Isso porque a Constituição Federal e a legislação
infraconstitucional estabelecem o patamar civilizatório mínimo de
direitos a serem assegurados ao trabalhador, de tal forma que, abaixo
dele, não há como prevalecer a vontade dos sindicatos patronal e
obreiro e das empresas.
Dessa forma, como forma de impedir que os
trabalhadores sejam submetidos a jornadas de trabalho exaustivas,
o Direito do Trabalho desenvolveu, ao longo dos anos, diversos
institutos jurídicos, dentre eles, as horas in itinere.
Trata-se, portanto, de instituto jurídico trabalhista
que visa compensar o tempo gasto pelo trabalhador com a ida e o
retorno ao ambiente de trabalho situado em local de difícil acesso,
ou não servido por transporte público, com condução fornecida pelo
empregador.
Na apuração das aludidas horas leva-se em conta o
tempo efetivamente despendido pelo trabalhador na ida e retorno
ao trabalho.
Sobre o tema, a Corte Superior da Justiça do Trabalho
esclarece, por meio do inciso I da Súmula nº 90, que: “O tempo
despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo
278
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido
por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na
jornada de trabalho.” Já o inciso II do aludido verbete adverte que:
“A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada
do empregado e os do transporte público regular é circunstância que
também gera o direito às horas in itinere”.
Por seu turno, o inciso III da referida Súmula pontua que
“a mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento
de horas in itinere, sendo que o inciso IV admite a possibilidade de
limitação das horas in itinere se houver transporte público regular em
parte do trajeto percorrido pelo empregado em condução da empresa.
Como se vê, o TST conferiu interpretação extensiva ao
art. 58, § 2º da CLT para incluir como horas in itinere o tempo em que
o empregado aguarda o transporte público para iniciar ou terminar a
jornada de trabalho, quando configurada a incompatibilidade entre o
horário estabelecido pelo empregador e aquele definido pela empresa
de transporte público.
Contudo, em se tratando de microempresa e empresa de
pequeno porte, existe a possibilidade de fixação do tempo médio por
meio de acordo ou convenção coletiva.
Tal previsão encontra-se estampada no art. 58, § 3º da
Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, cujo dispositivo estabelece
que:
Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas
de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso
de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso
ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido
pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração.
Neste sentido, a própria Constituição Federal em seu art.
170, inciso IX eleva como princípio fundante da ordem econômica
interna, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País.
Ademais, quanto à flexibilização de direitos trabalhistas, a
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
279
Constituição Republicana de 1988 autoriza a redução de salários (art.
7º, VI) sempre mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho,
além da possibilidade de negociação da jornada para os trabalhadores
em turnos de revezamento (art. 7º, XIV), tema tratado inclusive no
enunciado da Súmula nº 423 do TST, e só.
Posto isso, é importante dizer que o tratamento
diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas referem-se
especialmente à apuração e recolhimento diferenciado dos impostos e
contribuições da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e isto
por meio de regime único de arrecadação (art. 1º, I, LC nº 123/06);
ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias (art.
1º, II, LC nº 123/06); e ao acesso a crédito e ao mercado, com a
preferência pelos Poderes Públicos nas aquisições de bens e serviços
produzidos pelas micro e pequenas empresas, bem como à tecnologia,
ao associativismo e às regras de inclusão.
Dito isto, tem-se que a fixação do tempo médio das
horas in itinere por meio de normas coletivas às microempresas e
empresas de pequeno porte, conforme estabelecido pelo art. 58, § 2º
da CLT, com a redação dada pela Lei nº 10.243/01, teve por objetivo
atender ao comando constitucional previsto no art. 170, inciso IX
da Carta Magna, e isto como forma de viabilizar o desenvolvimento
econômico dessas empresas, face ao necessário cumprimento das
obrigações trabalhistas decorrentes das horas in itinere.
Permite-se assim a fixação de uma média das horas
in itinere, ainda que em tempo menor ao efetivamente percorrido
pelo empregado, como forma de possibilitar o cumprimento das
obrigações trabalhistas por empresas cuja receita bruta anual seja
consideravelmente inferior ao faturamento obtido pelas empresas de
grande porte, a exemplo das sociedades anônimas.
Como visto, o art. 58, § 3º da CLT é taxativo ao estatuir
que apenas as microempresas e empresas de pequeno porte podem
adotar a fixação do tempo médio das horas in itinere por meio de norma
coletiva, o que a princípio afastaria a possibilidade de aplicação de tal
média às empresas constituídas sob a natureza jurídica de sociedade
anônima.
280
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Não obstante, a jurisprudência do TST vem adotando
entendimento diverso, ao argumento de que é possível alterar, de
forma ampla, as condições contratuais por meio da via coletiva,
pelo que seria válida – independentemente da natureza jurídica da
empresa – cláusula normativa de delimitação do tempo do percurso
decorrente das horas in itinere, desde que observados os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade
Este Parquet laboral, alinhado com o entendimento
majoritário adotado pela jurisprudência dos Tribunais Regionais do
Trabalho, entende inaplicável a possibilidade de redução das horas
in itinere mediante fixação do tempo médio de tais horas, acaso a
empresa não esteja caracterizada como micro ou pequena empresa.
Neste sentido:
EMPRESA MULTINACIONAL - HORAS IN ITINERE CLÁUSULA COLETIVA RESTRITIVA - INVALIDADE
A teor do § 3º do art. 58 da CLT, a negociação coletiva
fixando tempo médio despendido no transporte dos
empregados, a título de horas “in itinere”, somente é cabível
para microempresas e empresas de pequeno porte. Sendo
a reclamada uma empresa multinacional, não se enquadra,
por certo, em nenhuma dessas categorias, revelando-se
nula a norma coletiva que negocia as mencionadas horas
de deslocamento.§ 3º58CLT. (1049003320095070023 CE
0104900-3320095070023, Relator: PLAUTO CARNEIRO
PORTO, Data de Julgamento: 30/04/2012, Primeira Turma,
Data de Publicação: 09/05/2012 DEJT).
HORAS “IN ITINERE” - ACORDO COLETIVO PRINCÍPIO DA REALIDADE- ART 7º, XXVI, CF/88:
Havendo comprovação de que o tempo real gasto em
percurso é superior ao convencionado, não incide o inciso
XXVI do artigo 7º da CF, devendo prevalecer o Princípio
da Realidade. Ademais, o disposto no artigo 58, § 3º da CLT
autoriza a pré-fixação de horas de transporte apenas para
microempresas e empresa de pequeno porte, não adequado,
portanto, ao caso em tela. 7ºXXVI CF/88XXVI7ºCF58§ 3º
CLT. (1724 SP 001724/2012, Relator: JOSÉ PITAS, Data de
Publicação: 20/01/2012).
HORAS IN ITINERE. LIMITAÇÃO POR ACORDO
COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. A limitação, via
negociação coletiva, do número a ser pago de horas in itinere,
somente é possível nas hipóteses em que o empregador é
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
281
microempresa ou empresa de pequeno porte, consoante
autorização contida no artigo 58, parágrafo 3º, da CLT.58
parágrafo 3º CLT. (16327120105050511 BA 000163271.2010.5.05.0511, 5ª. TURMA, Data de Publicação: DJ
12/12/2011).
Não há, com efeito, previsão legal para que as sociedades
anônimas, como é o caso da terceira demandada, sejam beneficiadas
com a fixação de um tempo médio para as horas in itinere. Ao revés, o
art. 58, § 3º da CLT estende tal possibilidade, apenas, às microempresas
e empresas de pequeno porte.
Por mais que a terceira demandada aponte em suas razões
que nas negociações coletivas os empregados obtêm benefícios
mediante concessões recíprocas, ela não conseguiu comprovar que
benefícios efetivamente foram concedidos a tais trabalhadores em
troca da pífia prefixação do tempo de percurso conhecido como
horas in itinere.
O que vem acontecendo sistematicamente é que referidos
trabalhadores estão sendo diretamente prejudicados e lesados
em seus direitos, uma vez que além de não terem sua limitação de
jornada respeitada a 8 (oito) horas diárias, tal como determina o art.
7º, XIII da CF/88, uma vez que o tempo real e efetivo de percurso
não lhe é computado na jornada diária, ainda deixam de receber pela
contraprestação devida, de forma integral, e ainda não conseguem
desfrutar de forma plena do direito ao lazer, qual seja, de maior
tempo de repouso e descanso ao final do labor, tal qual disposto no
art. 6º da CLT.
Com relação ao tema contrapartida vantajosa pela
prefixação das horas in itinere em negociação coletiva, convém
transcrever o julgado abaixo, que faz uma interpretação adequada do
art. 7º, inciso XXVI da CF/88:
TRT-PR-08-12-2009. NORMA COLETIVA QUE
RESTRINGE DIREITO DO EMPREGADO DE
RECEBER O PAGAMENTO INTEGRAL DA
JORNADA ITINERANTE CUMPRIDA - AUSÊNCIA
DE CONTRAPARTIDA VANTAJOSA - Não há como se
reputar válida disposição coletiva que restrinja direito mínimo
garantido em lei, mormente quando não demonstrada
282
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
qualquer contrapartida vantajosa ao trabalhador na renúncia
do direito. Não há nesse fato ofensa ao disposto nos artigos
4º, in fine, da CLT e 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal,
que determina o reconhecimento dos instrumentos coletivos,
pois o caput do preceito constitucional referido qualifica o
direito garantido ao trabalhador como um daqueles “que
visem à melhoria de sua condição social”, não sendo esta a
interpretação conferida a cláusula que diminua o direito. Ante
tal premissa, cláusula normativa limitadora das horas
in itinere só é admitida quando exista uma vantagem
compensatória expressa para os trabalhadores. Tal
entendimento está calcado em interpretação sistemática
do artigo 7º da Constituição da República, principalmente
da conjunção do caput com o inciso XXVI, pois a
negociação coletiva pressupõe concessões recíprocas, e não
é razoável admitir que o trabalhador, por meio de norma
coletiva tão somente, renuncie a direitos assegurados na
legislação protetiva.” TRT-PR-00211-2009-671-09-00-6ACO-43234-2009 - 2A. TURMA. Relator: ROSEMARIE
DIEDRICHS PIMPÃO. Publicado no DJPR em 08-122009 (Grifos nosso).
Ademais, o reconhecimento das normas coletivas pela
Carta Magna de 1988, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais
condiciona-se à melhoria da condição social desses trabalhadores,
logo, a redução das horas in itinere por meio de acordo ou convenções
coletivas só se justifica em face do empregador que do mesmo modo,
necessita da constante intervenção estatal para a melhoria de sua
condição econômica.
Neste caso, perfeitamente aceitável o aforismo jurídico
que ensina: “ubi eadem est ratio, idem jus”, ou seja, onde há a mesma
razão, deve haver o mesmo direito, porquanto as micros e pequenas
empresas carecem de um tratamento diferenciado e favorecido por
conta das limitações econômicas que lhes são peculiares.
No entanto, em se tratando de sociedades anônimas
inexistem razões para que se flexibilizem as normas trabalhistas
em torno das horas in itinere, pois, ao assim proceder em relação às
microempresas e empresas de pequeno porte, o legislador atendeu
ao imperativo de ordem constitucional, conferindo tratamento
favorecido às empresas que efetivamente dele necessitam.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
283
Assim, constituindo-se as horas in itinere direito que não
pode ser, no presente caso, flexibilizado por meio de negociação
coletiva, as referidas cláusulas padecem de validade.
Portanto, celebrada convenção ou acordo coletivo que
infrinja a lei, é de se decretar a nulidade da cláusula. Nesse sentido,
o art. 9º da CLT é de clareza meridiana ao dispor que “Serão nulos
de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,
impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente
Consolidação”. Traz, nessa via, a primazia da lei sobre o acordo
coletivo que contravém a ordem pública. Na doutrina, corroborando
esse entendimento, Alice Monteiro de Barros.1
Tendo em vista que a vigência dos referidos instrumentos
coletivos expirar-se-á no próximo dia 30/04/2014, uma vez que
as datas-base das respectivas categorias profissionais encontram-se
fixadas em 01/05, necessário se faz que se persiga pronunciamento
jurisdicional inibidor, com fulcro no art. 11 da Lei 7.347/85, de forma
a obstar que os réus venham a estipular nos próximos instrumentos
coletivos, cláusulas prefixadoras de horas in itinere, tendo em vista
o flagrante prejuízo que vem sofrendo centenas de empregados
da terceira ré, uma vez que os mesmos estão tendo direito ao
recebimento de apenas 10 ou 20 minutos diários a título de horas
in itinere, conforme a categoria a que pertencem, muito embora,
conforme o mapa das frentes de trabalho da usina (doc. 04), apontam
que referido tempo chega a ser, no caso dos rurícolas, 12 (doze) vezes
inferior ao real (exemplo da frente de trabalho localizada na Faz.
Santa Maria – Ortega), uma vez que a distância da sede da indústria
até a referida frente é de 63 km, que ao se computar ida e volta perfaz
um tempo gasto de 126 minutos.
2.2 DA NECESSIDADE DE ADOÇÃO DO Registrador
Eletrônico de Ponto - REP
É incontroverso que o estabelecimento da empresa ré
(Usina) situa-se na zona rural do município de Nova Andradina-MS
e que não há transporte público municipal que ligue diretamente os
1 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho – 3. ed. Rev. Ampl. - São Paulo:
Ltr, 2007, p. 655-657.
284
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
pontos de embarque de suas centenas de empregados até todas as
suas frentes de trabalho e vice-versa.
Além disso, é notório que grande maioria de seus
empregados, ai incluídos aqueles que encontram-se alojados ao lado
de sua unidade industrial, são conduzidos em ônibus contratados
pela empresa ré para trabalharem nas fazendas da região, a fim de
realizarem o plantio e a colheita da cana-de-açúcar, e que essa é a
única forma dos trabalhadores realizarem seus deslocamentos de ida
e volta ao trabalho.
Resta, portanto, evidenciado que a empresa ré conduz
seus empregados a locais de difíceis acessos e não servidos por
transporte público regular, de forma que o tempo de trajeto deve ser
computado na jornada de trabalho, sob pena de violação do art. 58,
§2º da CLT.
Ademais, a empresa ré tem mais de 10 empregados, de
forma que é obrigada a realizar o controle da jornada de trabalho de
seus trabalhadores segundo as normas expedidas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego, nos termos do art. 74, §2º da CLT:
§2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores
será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída.
em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme
instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho,
devendo haver pré-assinalação do período de repouso…
Em 21 de agosto de 2009, foi editada pelo MTE a Portaria
1.510, que teve a finalidade de disciplinar o registro eletrônico de
ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto –
SREP.
Segundo o art. 3° da referida portaria, o registro das
jornadas deve ocorrer através do Registrador Eletrônico de Ponto
- REP, cujo equipamento será utilizado no local da prestação dos
serviços:
Art. 3º Registrador Eletrônico de Ponto - REP é o
equipamento de automação utilizado exclusivamente para o
registro de jornada de trabalho e com capacidade para emitir
documentos fiscais e realizar controles de natureza fiscal,
referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
285
trabalho.
administrativo fiscal.
Parágrafo único. Para a utilização de Sistema de Registro
Eletrônico de Ponto é obrigatório o uso do REP no local
da prestação do serviço, vedados outros meios de registro.
Desta feita, além de se perseguir provimento judicial com
viés inibitório à continuidade da lesão praticada em face da coletividade
dos trabalhadores da Energética Santa Helena S/A, pela pactuação de
cláusulas prefixadoras de horas in itinere em instrumentos coletivos,
necessário se faz que a mesma seja condenada a adotar o Registrador
Eletrônico de Ponto – REP para o efetivo controle de todo o tempo
em que o trabalhador estiver a sua disposição, seja durante o trajeto
até as frentes de trabalho, seja se ativando diretamente na prestação
diária dos serviços lhes propostos, inclusive com a afixação de tal
instrumento eletrônico dentro dos próprios veículos utilizados no
transporte dos obreiros.
A Portaria MTE 2.686, de 27 de dezembro de 2011
escalonou o prazo para o início da utilização obrigatória do Registrador
Eletrônico de Ponto – REP da seguinte forma: a) 02/04/2012 para as
empresas que exploram atividades na indústria, no comércio em geral,
no setor de serviços, incluindo, entre outros, os setores financeiro, de
transportes, de construção, de comunicações, de energia, de saúde
e de educação; b) 01/06/2012 para as empresas que exploram
atividade agro econômica nos termos da Lei n.” 5.889, de 8 de
julho de 1973 e c) 03/09/2012 para as microempresas e empresas
de pequeno porte, definidas na forma da Lei Complementar nº
123/2006.
Como decorrência da necessidade de efetivo controle da
jornada dos trabalhadores e efetiva contagem das horas in itinere, a
empresa ré já deveria, desde a data de 01/06/2012, estar utilizando o
Registrador Eletrônico de Ponto – REP, para tal propósito, devendo
referido registrador ser afixado nos ônibus ou demais veículos de
transporte de trabalhadores, possibilitando aos mesmos a marcação
individual e eletrônica desde o embarque inicial até o desembarque
final diário, com o que se poderá obter a completa aferição de todo
o tempo em que o trabalhador estiver à disposição do empregador,
para o caso de que, sendo a jornada diária extrapolada, seja o período
excedente remunerado como tempo extra.
Não é demais ressaltar que o objetivo maior da adoção do
Registrador Eletrônico de Ponto – REP, para os fins acima colimados,
é justamente proporcionar ao trabalhador que ele tenha registrado
todo o seu tempo à disposição do empregador, e assim verificar se
a contraprestação que lhe é devida por tal mister, lhe é efetivamente
retribuída, permitindo-se, ainda, que tal controle possa ser utilizado
como meio de prova a fundamentar as alegações tanto dele, como
do próprio empregador, no caso de vir a ser posta demanda judicial,
facilitando, inclusive, a instrução da ação e de algum procedimento
286
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
2.3 DO DANO SOCIAL CAUSADO PELOS RÉUS
As transações coletivas efetuadas através das Cláusulas
obrigacionais mencionadas no item 1 desta peça, sem sombra de
dúvida, acarretam violação ao interesse coletivo da massa trabalhadora
abrangida pelas entidades sindicais profissionais, sem falar nos danos
aos interesses difusos.
Ainda mais grave se revela a violação de tal direito
coletivo, na medida em que os agentes agressores são exatamente os
organismos aos quais a Constituição da República atribuiu “a defesa
dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais ou administrativas” (CF/88, art. 8º, III), considerando que a
categoria profissional é integrada por todos os trabalhadores que
desenvolvem a atividade profissional afim, independentemente de
sua filiação sindical.
A todo ato ilícito corresponde uma reparação (artigos
186 e 927 do Código Civil Brasileiro).
É inegável que a conduta adotada pelos Réus causou, causa
e, se não for repelida pelo Poder Judiciário, continuará causando danos
aos interesses de toda a coletividade de trabalhadores integrantes das
categorias profissionais aqui representadas pelos 2 (dois) primeiros
réus, uma vez que a exclusão de direitos atingiu não apenas os exempregados, mas também os que atualmente estão trabalhando e
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
287
podendo atingir os que, futuramente, venham a trabalhar, caso o
Poder Judiciário não faça cessar a ilegalidade contida nos Acordos
Coletivos de Trabalho mencionados. Assim, ante a impossibilidade
de identificação precisa dos lesados, para plena reparação da conduta
ilegal, há de se reconhecer existente um dano social que deve ser
reconstituído.
Deve-se ter em conta, ainda, a afronta ao próprio
ordenamento jurídico que, erigido pelo legislador como caminho seguro
para a consecução do bem comum, é flagrantemente desrespeitado
pelos réus, fazendo tabula rasa dos ditames constitucionais atinentes
aos direitos sociais dos trabalhadores (CF, art. 7º). O ato voluntário
de ignorar os preceitos legais deteriora sobremaneira as relações de
trabalho, em prejuízo do trabalhador e de toda a sociedade. O dano
social é inequívoco.
Como tais lesões amoldam-se na definição do artigo 81,
incisos I e II, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Ministério Público, com
espeque nos artigos 1º, caput, e inciso IV e 3º da Lei n. 7.347/85,
propor a medida judicial necessária à reparação do dano e à sustação
da prática.
Em se tratando de danos sociais, interesses difusos e/
ou coletivos, a responsabilidade deve ser objetiva, porque é a única
capaz de assegurar uma proteção eficaz a esses interesses. Cuida-se,
na hipótese, do “dano em potencial”, sobre o qual já se manifestou o
Eg. TRT da 12ª Região, ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V 7158/97.
Transcreve-se parte do voto do Exmo. Sr. Juiz Relator:
O prejuízo em potencial já é suficiente a justificar a actio.
Exatamente porque o prejuízo em potencial já é suficiente
a justificar a propositura da presente ação civil pública, cujo
objeto, como se infere dos balizamentos atribuídos pela peça
exordial ao petitum, é em sua essência preventivo (a maior
sanção) e apenas superficialmente punitivo, é que entendo
desnecessária a prova de prejuízos aos empregados. De se
recordar que nosso ordenamento não tutela apenas os casos
de dano in concreto, como também os casos de exposição ao
dano, seja ele físico, patrimonial ou jurídico, como se infere
do Código Penal, do Código Civil, da CLT e de outros
instrumentos jurídicos. Tanto assim é que a CLT, em seu
artigo 9º, taxa de nulos os atos praticados com o objetivo de
288
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
fraudar, o que impende reconhecer que a mera tentativa de
desvirtuar a lei trabalhista já é punível. (g.n.).
Com efeito, a repetição de atos ilegais – conforme os
praticados pelos Réus, vez que as referidas cláusulas constam de
Acordos Coletivos de Trabalho anteriores (2011/2012) – faz criar
no inconsciente coletivo a passividade diante de situações injustas
e à margem do ordenamento jurídico, levando toda coletividade a
concluir, de forma desanimadora, que a conduta reprovável é impune,
portanto, aceitável.
Todos os avanços nas relações de trabalho conseguidos
desde 1943, com a entrada em vigor da CLT e da legislação extravagante,
solidamente consolidados pelo art. 7º da Carta da República de 1988,
sofrem enormes abalos e caem no descrédito, quando o próprio
Sindicato Profissional acordando com o empregador adotam como
regra de conduta – e é o caso dos autos – o descumprimento da
lei. Não há como ser negada a existência de dano social passível de
reparação.
E não se sustente que o quanto ora é postulado deve ser
buscado, individualmente, por cada obreiro lesado.
Com efeito, tome-se como parâmetro, para melhor
entendimento do que aqui se sustenta, o que ocorre relativamente
ao meio ambiente, tão defendido nos dias de hoje. Se uma indústria
despeja dejetos em um rio e o polui, o fato dá margem a duas atuações
distintas: poderá o Parquet, por meio de ação civil pública, formular
pedido (que terá como beneficiária toda a sociedade) de indenização
pelos danos sociais causados em decorrência da poluição; e, ao mesmo
tempo, poderá o fazendeiro que teve as águas que cortam sua fazenda
poluídas, ficando sem água limpa para as atividades agropastoris,
ingressar em juízo, pretendendo indenização pelos prejuízos sofridos.
O mesmo ocorre quanto às relações de trabalho, quando
for descumprida acintosamente a legislação de modo a fazer parecer
normal a situação danosa, o que causa enorme dano social, a ser
reparado em ação própria, inclusive por intermédio do Ministério
Público do Trabalho. De outro lado, o trabalhador que sofreu
individualmente as consequências da má conduta do empregador,
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
289
mesmo que amparado em Convenção Coletiva de Trabalho com
cláusulas patentemente ilegais e nulas, pode e deve pleitear em juízo
aquilo que lhe foi negado no curso do contrato de trabalho. Como se
vê, as lesões não se confundem. Logo, a reparação se distingue.
Nesse sentido já decidiu o Egrégio TRT da 18ª Região,
em julgamento unânime, com acórdão da lavra do Eminente Juiz do
Trabalho Octávio José de Magalhães Drummond Maldonado, que
assim se manifestou:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Considerando que foi constatada,
por meio de inquérito civil, a adoção de procedimento
patronal contrário à legislação trabalhista, o que importou
supressão de verbas salariais com evidente lesão aos direitos
sociais constitucionalmente assegurados, deve a empresa ser
responsabilizada pelos danos sociais causados. Impõe-se,
assim, o acolhimento do pedido de indenização reversível
ao FAT, postulado na inicial. (RO 92/2000 – julgamento em
23/10/01).
No caso em tela, os responsáveis diretos pela supressão
de direitos dos trabalhadores são os sindicatos signatários dos
acordos coletivos, bem como a Energética Santa Helena S/A, esta
diretamente beneficiária com a estipulação das cláusulas eivadas de
nulidade.
Assim, o restabelecimento da ordem jurídica envolve
a adoção de medida judicial que impeçam os Réus de entabularem
em futuros instrumentos coletivos as cláusulas ora apontadas como
ilegais, evitando que continuem a transgredir impunemente a lei, bem
como que propicie a reparação do dano social emergente da conduta
dos Réus de excluírem parte do arcabouço de princípios e normas
protetivas, constitucionais e infraconstitucionais, que disciplinam as
relações de trabalho.
Entende o Ministério Público do Trabalho que é
bastante razoável a fixação da indenização pela lesão a direitos
difusos e coletivos no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser
suportada solidariamente pelos 2 (dois) primeiros Réus (sindicatos
profissionais), e de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser
suportada diretamente pela Energética Santa Helena S/A, devido ao
seu porte econômico e capacidade financeira, sendo que referidos
290
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
valores levam em conta a natureza do ato ilícito, a gravidade da lesão
e o comprometimento do bem jurídico violado.
Referidos valores deverão ter destinação social com
o propósito de serem utilizados, seja na concretização de projetos
sociais, campanhas educativas/preventivas voltadas ao benefício da
comunidade de trabalhadores, seja para adquirir bens necessários a
reaparelhar órgão públicos com propósitos atrelados ao interesse
social e coletivo dos trabalhadores, conforme indicação do Ministério
Público do Trabalho, nos termos do artigo 5º, § 6º, c/c o artigo 13
da Lei nº 7.347/85, como forma de reconstituir os bens lesados,
ou, ainda, outra destinação, equivalente, a critério desse Juízo e do
Ministério Público do Trabalho.
3 DA MEDIDA CAUTELAR
Nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/85, “poderá o juiz
conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a
agravo”, o que representa a concreta autorização legal para o exercício
do poder geral de cautela, conferido ao juízo pelo art. 798 do CPC,
em sede de ação civil pública voltada à defesa de interesses difusos e
difusos.
No presente caso, faz-se urgente a adoção de uma
medida cautelar com vistas à imediata determinação de que os réus
se abstenham de pactuar nos próximos instrumentos coletivos
negociais, cláusulas prefixando as horas in itinere, a fim de evitar
que o estado de lesão decorrente da supressão ilícita de direitos, se
perpetue durante o curso do processo, inviabilizando em muitas
circunstâncias o recebimento futuro das verbas trabalhistas, as
quais são eminentemente de natureza alimentar, mormente pela alta
rotatividade da mão de obra.
O perigo de dano iminente e o fumus boni iuris revelam-se na
medida em que as datas-base das categorias profissionais em comento
são fixadas em primeiro de maio de cada ano, de forma que a se
permitir que tais pactuações continuem a ocorrer, mesmo durante
o curso do processo, a coletividade de trabalhadores da empresa
beneficiada pelas pactuações impugnadas estarão sofrendo de forma
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
291
continuada, mês a mês, um prejuízo, não havendo dúvida jurídica que
justifique a espera de um provimento de mérito, quando o pagamento
da verba devida a cada trabalhador, caso venha a ser materialmente
possível, não será suficiente para elidir os efeitos danosos em seu
caráter alimentar.
Por isso, requer o Parquet a concessão liminar de medida
cautelar inaudita altera pars, nos termos do art. 798 e 804 do CPC,
art. 12 da Lei 7346/85 e art. 84, da Lei 8078/90, a fim de que, até o
trânsito em julgado da presente ação:
a) seja determinado aos réus que se abstenham de
inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos
Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais,
nos quais sejam signatários, cláusulas prefixando a quantidade
de horas in itinere, tais quais idênticas ou análogas às cláusulas
vigésima sétima do ACT 2012/2014 (doc. 01), oitava do termo
aditivo ao ACT 2O13/2014 (doc. 02); e vigésima nona do ACT
2013/2014 (doc. 06), sob pena de fixação de multa diária no
importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecer
vigente tais cláusulas;
b) seja determinado aos réus que se abstenham de
inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos
Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais
quaisquer cláusulas que impliquem em redução e/ou exclusão
de direitos constitucionais/legais dos trabalhadores, sob pena
de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), enquanto permanecerem vigentes tais cláusulas;
c) Seja determinado à Energética Santa Helena
S/A a adoção, no prazo de 60 (sessenta) dias, do Registrador
Eletrônico de Ponto – REP, em atendimento ao disposto nas
Portarias MTE 1.510/2009 e 2.686/2011, de forma a permitir a
aferição de todo o tempo em que o empregado estiver a sua
disposição, aguardando ou executando ordens, devendo para
tanto, tal instrumento ser afixado nos veículos de transporte
de trabalhadores, e que tal aferição seja iniciada já no primeiro
embarque do empregado e finalizada somente por ocasião de
292
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
seu desembarque final, qual seja, de seu retorno à residência,
sob pena de aplicação de multa diária no importe de R$
20.000,00 (vinte mil reais).
Os valores das multas aqui pleiteadas deverão ter
destinação social com o propósito de serem utilizados, seja na
concretização de projetos sociais, campanhas educativas/preventivas
voltadas ao benefício da comunidade de trabalhadores, seja para
adquirir bens necessários a reaparelhar órgão públicos com
propósitos atrelados ao interesse social e coletivo dos trabalhadores,
conforme indicação do Ministério Público do Trabalho, nos termos
do artigo 5º, § 6º, c/c o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, como forma de
reconstituir os bens lesados, ou, ainda, outra destinação, equivalente,
a critério desse Juízo e do Ministério Público do Trabalho.
4 DO PEDIDO FINAL
Finalmente, à luz de todo o exposto, o Ministério
Público do Trabalho vem requerer a V. Exa. seja determinada a
citação dos Réus, nas pessoas de seus respectivos representantes
legais, nos endereços preambularmente informados para, querendo,
contestarem a ação, sob pena de incorrer em revelia e confissão
ficta e, ao final, requer-se seja mantida a decisão liminar, julgando-se
procedentes os seguintes pedidos:
1) seja determinado aos réus que se abstenham de
inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos
Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais,
nos quais sejam signatários, cláusulas prefixando a quantidade
de horas in itinere, tais quais idênticas ou análogas às cláusulas
vigésima sétima do ACT 2012/2014 (doc. 01), oitava do termo
aditivo ao ACT 2O13/2014 (doc. 02); e vigésima nona do ACT
2013/2014 (doc. 06), sob pena de fixação de multa diária no
importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), enquanto permanecer
vigente tais cláusulas;
2) seja determinado aos réus que se abstenham de
inserir nas futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
293
Coletivos de Trabalho e/ou demais instrumentos negociais
quaisquer cláusulas que impliquem em redução e/ou exclusão
de direitos constitucionais/legais dos trabalhadores, sob pena
de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), enquanto permanecerem vigentes tais cláusulas;
3) Seja determinado à Energética Santa Helena
S/A a adoção, no prazo de 60 (sessenta) dias, do Registrador
Eletrônico de Ponto – REP, em atendimento ao disposto nas
Portarias MTE 1.510/2009 e 2.686/2011, de forma a permitir a
aferição de todo o tempo em que o empregado estiver a sua
disposição, aguardando ou executando ordens, devendo para
tanto, tal instrumento ser afixado nos veículos de transporte
dos trabalhadores, e que tal aferição seja iniciada já no primeiro
embarque do empregado e finalizada somente por ocasião de
seu desembarque final, qual seja, de seu retorno à residência,
sob pena de aplicação de multa diária no importe de R$
20.000,00 (vinte mil reais);
4) condenar os dois primeiros réus (sindicatos
profissionais) e a Energética Santa Helena S/A a pagarem
indenização por danos sociais, difusos e coletivos, em face
do dano genérico perpetrado contra toda a coletividade de
trabalhadores atualmente abrangidos pelos instrumentos
coletivos firmados que contêm as cláusulas mencionadas no
item 1 desta exordial, além daqueles trabalhadores que já foram
abrangidos e os que futuramente venham a ser, respectivamente,
no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais), considerando a extensão do dano
causado, e a capacidade econômica e financeira dos réus.
Os valores das multas aqui pleiteadas, bem como
da condenação à reparação genérica do dano causado, deverão
ter destinação social com o propósito de serem utilizados, seja
na concretização de projetos sociais, campanhas educativas/
preventivas voltadas ao benefício da comunidade de trabalhadores,
seja para adquirir bens necessários a reaparelhar órgão públicos com
propósitos atrelados ao interesse social e coletivo dos trabalhadores,
conforme indicação do Ministério Público do Trabalho, nos termos
294
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
do artigo 5º, § 6º, c/c o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, como forma de
reconstituir os bens lesados, ou, ainda, outra destinação, equivalente,
a critério desse Juízo e do Ministério Público do Trabalho.
Requer-se ainda:
i) A condenação dos réus ao pagamento das custas e
despesas processuais;
ii) Produção de todos os meios de prova em direito
admitidas, especialmente documental, em anexo, testemunhal, pericial
e o depoimento pessoal dos representantes legais dos réus, sob pena
de confissão;
iii)A intimação pessoal e nos autos do Ministério Público
do Trabalho, na forma do disposto no artigo 18, inciso II, alínea
“h”, da Lei Complementar nº 75/93, do Provimento nº 04/2000,
da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e do artigo 217 do
Provimento Geral Consolidado nº 01/2004, da Corregedoria do
Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região;
Ressalte-se a desnecessidade de autenticação dos
documentos acostados, nos termos do art. 24 da Lei n. 10.522/2002
e da OJ n. 134, da SBDI-I/TST.
reais).
Dá-se à causa o valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil
Sem custas, assim como todas as ações afetas ao
Ministério Público (Art. 18 da Lei nº 7.347/85; art. 4º, III, da Lei nº
9.289/96 e Art. 730-A, inciso II da CLT).
Termos em que,
Pede deferimento.
Dourados/MS, 28 de abril de 2014.
JEFERSON PEREIRA
Procurador do Trabalho
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
295
DECISÃO
Trata-se de pedido de reconsideração formulado em face
da decisão de ID 470ce5c, que indeferiu o pedido de antecipação de
tutela.
A primeira pretensão do autor, constante na petição
inicial, é exatamente de que os “(...)...réus se abstenham de inserir nas
futuras Convenções Coletivas de Trabalho, Acordos Coletivos de Trabalho e/ou
demais instrumentos negociais, nos quais sejam signatários, cláusulas prefixando
a quantidade de horas in itinere, tais quais idênticas ou análogas às cláusulas
vigésima sétima do ACT 2012/2014 (doc. 01), oitava do termo aditivo ao
ACT 2013/204 (doc. 02); e vigésima nona do ACT 2013/2014 (doc. 06),
sob pena de fixação de multa diária no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), enquanto permanecer vigente tais cláusulas.
Diante da alegação de que o tempo fixado de 10 (dez)
ou 20 (vinte) minutos distancia-se da realidade vivenciada pelos
trabalhadores, inclusive em comparação com o tempo convencionado
em demandas individuais de trabalhadores em face da reclamada, é
possível concluir que a pretensão do autor é, portanto, de que os réus
se abstenham de estabelecer cláusulas em instrumentos de negociação
coletiva em que o tempo de horas in itinere não seja razoável.
O segundo pedido é para que seja determinado à
reclamada que adote, em 60 (sessenta) dias, o Registro Eletrônico de
Ponto (REP), para permitir o registro de todo o tempo de trajeto dos
empregados.
Pois bem.
minutos diários para deslocamento dos trabalhadores do campo e da
indústria, conforme Cláusulas 27ª (vigésima sétima) e 29ª (vigésima
nona) dos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT), o que não se afigura
razoável, porque correspondentes a ¼ (um quarto) ou menos do
tempo – note-se – convencionado em ações individuais, autorizandose facilmente a conclusão de que o período real de trajeto é ainda
maior.
A tutela inibitória postulada, a meu Juízo, contudo,
implicaria em sentença incerta, o que é vedado (Código de Processo
Civil/CPC, art. 460, parágrafo único), além de se tratar de mera
determinação de cumprimento da lei, o que é desnecessário.
De outro lado, a jurisprudência do colendo Tribunal
Superior do Trabalho (TST), cristalizada no item I da Súmula nº
90, indica que “O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida
pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso ou não servido por
transportado regular, ou para seu retorno, é computável na jornada de trabalho”.
Em outras palavras, o tempo de trajeto, nas condições previstas no
artigo 58, parágrafo 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
é considerado como tempo à disposição (CLT, art. 4º) e, como tal,
deve ser anotado em registro manual, mecânico ou eletrônico.
Veja-se que a Portaria nº 1.510/2009, do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) apenas tem o condão de disciplinar a
utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP), e
não o de exigir a implantação deste último modelo, o que, aliás, nem
poderia, porque diploma normativo com status de ordinária (CLT)
faculta outros método de controle.
Após a decisão liminar, o Juízo pôde tomar contato, nesta
jurisdição, com demandas individuais envolvendo a reclamada – nºs
00747.31.2013.5.24.0056 e 01156.07.2013.5.24.0056, por exemplo –
em que, dentre outras pretensões, inseriu-se o pleito relativo às horas
in itinere, reconhecendo-se, por convenção das partes, o tempo total
diário de 80 (oitenta) minutos, sendo 40 (quarenta) minutos na ida e
igual tempo na volta.
Evidenciado, assim, no caso sob análise, ainda que
em cognição precária, que os réus Energética Santa Helena S/A e
sindicatos representativos das categorias profissionais e econômica
limitaram de modo exacerbado a extensão do direito ao pagamento
das horas in itinere, além de a terceira ré não efetuar o registro dos
tempos de trajeto dos seus empregados, violando a regra inserida no
artigo 74, parágrafo 2º, da CLT.
A norma coletiva fixou o tempo em 10 (dez) e 20 (vinte)
Com base nessas premissas, e identificando a presença
296
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
297
dos requisitos do artigo 273 do CPC, revogo a decisão de ID 470ce5c
(CPC, art. 273, par. 4º) e ANTECIPO PARCIALMENTE OS
EFEITOS DA TUTELA para DETERMINAR que a empresa ré
implante o registro total do trajeto in itinere de cada empregado, tanto
na ida ao trabalho quanto na volta, nos moldes da legislação vigente,
em seu controle de ponto, seja ele manual, mecânico ou eletrônico,
no prazo de 60 (sessenta) dias.
O descumprimento da obrigação – ausência de registro
de pelo menos um trabalhador – importará pagamento de multa de
R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em execução direta nos próprios autos.
Para o fim de dinamizar eventual apuração de
descumprimento, bem como para o efeito de limitar a aplicação
da multa no tempo, estipula-se que eventual desobediência e sua
consequente multa serão apuráveis em um lapso de tempo coincidente
com o quadrimestre civil (janeiro a abril, maio a agosto e setembro a
dezembro), independentemente do número de empregados.
Designe-se audiência de instrução, nos termos da
Recomendação nº 2/2013, da Corregedoria Geral da Justiça do
Trabalho (CGJT).
Notifiquem-se os réus para, querendo, apresentar
contestação e documentos, no prazo de 20 (vinte) dias, bem como
informando a data da audiência, observando-se o contido na petição
de ID e036d5d, quanto ao endereço do 1º réu. Observe-se nas
notificações as cominações próprias da audiência de instrução.
Intime-se o autor.
Cumpra-se com urgência.
Nada mais.
Nova Andradina/MS, 26 de maio de 2014.
ROBERTO WENGRZYNOVSKI
Juiz do Trabalho Substituto
298
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
DECISÃO
Energética Santa Helena impetrou demanda de
segurança, com pedido de liminar (ID 079b12a), contra ato do
MM. Juiz Titular da Vara do Trabalho de Nova Andradina/MS,
proferido nos autos processo n. 0024084-15.2014.5.24.0056, que,
em antecipação de tutela, determinou que a impetrante - ré na ação
civil pública - implantasse o registro total do trajeto in itinere de cada
empregado, tanto na ida quanto na volta, nos moldes da legislação
vigente, em seu controle de ponto manual, mecânico ou eletrônico,
no prazo de 60 dias, sob pena de multa de R$ 30.000,00 (ID 57dd2a0).
Segundo a impetrante, a decisão é ilegal e violou seu
direito líquido e certo, pois: a) o pleito formulado pelo Parquet na
demanda coletiva está há muito superado, uma vez que a pré-fixação
de tempo in itinere não está limitada às microempresas; b) a Portaria
que regulamenta o uso do REP prevê a obrigatoriedade de uso apenas
para as empresas que se valem do sistema de registro eletrônico,
nada dispondo sobre o trajeto até o local de trabalho; c) contraria os
acordos coletivos firmados, em manifesto desapreço à negociação
coletiva; d) infringe o pactuado entre as partes e viola o disposto nos
artigos 7º, XXVI, da Constituição da República de 1988. Requereu,
então, concessão de liminar, a ser confirmada ao final, para sustar
o ato que determinou que ela fosse obrigada a registrar o tempo de
percurso dos trabalhadores tanto na ida quanto na volta ao local de
trabalho.
Atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00.
Documentos foram anexados.
Em juízo de cognição sumária, não evidencio a presença
do direito incontestável, uma vez que a pré-fixação do tempo in itinere
por intermédio de instrumento normativo está adstrita às micro e
pequenas empresas. Além disso, na hipótese de distintos locais de
embarques e desembarques de trabalhadores, a aferição do lapso
temporal determinada na demanda coletiva viabiliza a observância
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
299
do princípio da proporcionalidade.
Pelos motivos expostos, INDEFIRO A SEGURANÇA
REQUERIDA EM CARÁTER LIMINAR.
EXMO(A). SR(A). JUIZ(A)
TRABALHO DE JARDIM/MS
DA
VARA
DO
Notifique-se a autoridade coatora para, querendo, prestar
informações no prazo de 10 dias.
Citem-se os litisconsortes necessários para, querendo,
oferecerem resposta.
Intime-se o impetrante.
Campo Grande, 15 de setembro de 2014.
JÚLIO CÉSAR BEBBER
Juiz Federal do Trabalho Convocado – Relator
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por
intermédio da PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO
DA 24ª REGIÃO, neste ato presentado pelo Procurador do Trabalho
ao fim assinado, vem, perante este Juízo, com fundamento no art. 7º,
XXXIII, 127, 129, III e 227 da Constituição Federal; art. 6°, VII,
“a”, “d” e inciso XIV, e art. 83, III, estes da Lei Complementar n°
75/93; arts. 4º e 201, V do Estatuto da Criança e do Adolescente e,
finalmente, nos termos da Lei 7.347/85, em nome próprio e como
representante da criança I.C.F., nascida em 26/03/1998 (16 anos),
natural de Bela Vista/MS, filha de I.F. e A.C., com documento de
identidade e Certidão de Nascimento desconhecidos, propor a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA c/c AÇÃO TRABALHISTA
Com pedido de antecipação dos efeitos da Tutela Definitiva
em face de A.V., CPF, e D.C.R., CPF, ambos com endereço, empresa
H.C., Jardim/MS, CEP, pelos fatos e fundamentos a seguir descritos.
1) FATOS
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO recebeu
notícia de fato encaminhada por A.C. em que relatou que sua filha
I.C.F., então com 15 (quinze) anos de idade (nascida em 26 de março
de 1998), foi vítima de trabalho infantil doméstico na residência dos
réus.
Os réus são proprietários da empresa H.C. que atua
no ramo de confecções de peças de vestuário. No início de 2013, a
300
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
301
genitora de I.C.F. esteve no referido estabelecimento comercial na
condição de cliente, quando recebeu o convite para que deixasse sua
filha em companhia dos réus, com a promessa de moradia e estudo
no mesmo período em que já matriculada – matutino.
dias, já que depois I.C.F. teve seu horário de estudo alterado para
noite e passou a trabalhar em período integral – agora não somente
como babá, mas também como responsável pela limpeza da casa,
sendo que a empregada doméstica anterior foi demitida.
A mãe, premida pela necessidade, pois moradora em zona
rural (Fazenda R., Porto Murtinho/MS), aceitou a ajuda. Porém, ao
retornar à cidade de Jardim/MS em abril de 2013 foi surpreendida ao
saber que sua filha I.C.F. teve seu horário de estudo transferido, em
28 de abril de 2014, para o período noturno e ainda estava fazendo
trabalhos domésticos e cuidando da filha mais nova do casal.
A jornada de trabalho de I.C.F., quando acumulava
as funções de doméstica e babá, tinha início às 5h30m e
terminava às 18h. Uma jornada de mais de 12 (doze) horas!
A menor I.C.F. passou a receber um salário de somente
R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais).
A situação perdurou, segundo a genitora, até o dia 03
ou 04 de agosto de 2013. Em 03 de setembro de 2013, a genitora
procurou os réus para que sua filha recebesse o salário pela prestação
de serviços, porém foi levada até a Polícia local, mas impedida de
registrar boletim de ocorrência.
Encaminhou, também, Guia de Transferência da Escola
Municipal O.F.M. em que a menor I.C.F. aparece como desistente,
apesar de sempre ter frequentado com êxito a rede municipal de
ensino, como o próprio documento revela. Logo, evidente o prejuízo
causada à formação educacional de I.C.F..
Diante de tais fatos, este órgão ministerial requisitou
ação fiscalizatória do Conselho Tutelar de Jardim/MS.
Inicialmente o órgão de proteção da criança e adolescente
visitou o estabelecimento comercial pertencente aos réus.
Os réus negaram a prestação do serviço, mas admitiram
que I.C.F. ficou sob a responsabilidade do casal por pelo menos 04
(quatro) meses.
I.C.F. ainda relatou que a ré D.C.R. não exigia sua
frequência escolar, ao contrário, até incentivava a ausência dizendo
que se houvesse problemas com faltas na escola, ela resolveria. A
menor foi repetente em razão de faltas injustificadas.
Interessante notar que a ré D. tinha ciência de
reprovabilidade de sua conduta, pois orientou I.C.F. a omitir de sua
mãe as informações acima, dizendo que ela seria levada de volta para
a Fazenda caso descobrissem a verdade dos fatos, coisa que I.C.F. não
queria – o que é facilmente compreendido pela sua idade.
Pelos serviços prestados I.C.F. afirmou que recebia R$
200,00 (duzentos reais) por mês, valor este que foi aumentado até
chegar a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais). Acontece que a
adolescente nunca recebeu a totalidade do valor, que já era abaixo do
mínimo legal, sob a alegação de que tinhas muitas dívidas para quitar
– alegação essa que também serviu para negar a redução da carga
horária de trabalho no momento em que I.C.F. reclamou do excesso
de serviço.
Não bastasse, em seu último dia de trabalho, I.C.F. foi
ofendida com palavras de baixo calão proferidas pela ré D. na presença
de várias pessoas que se encontravam em seu estabelecimento
comercial.
O Conselheiro A. Z. ainda atendeu a menor I.C.F. que
relatou que em enquanto morou com os réus estudou na Escola
O.F.M. de manhã e trabalhou para os réus das 13h até às 20h na
função de babá. Porém, isso ocorreu apenas nos primeiros 30 (trinta)
Em resumo, constata-se que adolescente, à época, de 15
(quinze) anos de idade, sem autorização dos pais, sem autorização do
Conselho Tutelar, com alteração de seu horário escolar sem a devida
autorização, foi usada para fins de exploração comercial, em uma
das piores formas de trabalho infantil – trabalho doméstico - sujeita
a jornada exaustiva, sem recebimento de salários e com manifesto
302
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
303
prejuízo a sua formação educacional.
Já o artigo 5º, da Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação
Civil Pública, dispõe que:
A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios.
2) COMPETÊNCIA
A competência da Justiça do trabalho para conhecer e
julgar a presente ação decorre, naturalmente, do disposto no art. 114,
I, da CF/88.
Versa a demanda sobre direitos trabalhistas, fundados
na Constituição e na legislação infraconstitucional, que decorrem da
relação trabalhador/empregador, competindo, portanto, à Justiça do
Trabalho dirimi-la (art. 114, da CF/88 c/c art. 83, inc. III, da LC
75/93).
Desse modo, o Ministério Público do Trabalho possui
legitimidade para defender, na hipótese, tanto o interesse individual
homogêneo dos trabalhadores, quanto o interesse difuso ou coletivo,
em face dos dispositivos constitucionais e normas previstas na CLT
que estão sendo violados.
Além disso, de acordo com o artigo 83, incisos III e V, da
Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993:
No tocante à competência hierárquica, trata-se de matéria
já superada em doutrina e jurisprudência, conferindo à Vara do
Trabalho parcela de jurisdição suficiente para instrução e julgamento
do feito, por força do disposto no art. 2º da Lei nº 7.347/85, que
assim dispõe:
Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das
seguintes atribuições junto aos Órgãos da Justiça do Trabalho:
[...] III – promover ação civil pública no âmbito da Justiça
do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos; (...) V – propor as ações necessárias à defesa
dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios,
decorrentes das relações de trabalho;
Art. 2º - As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro
do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência
funcional para processar e julgar a causa.
Por fim, quanto às crianças e adolescentes, dispõe a
norma do art. 201 do ECA:
Art. 201 – Compete ao Ministério Público:
3) LEGITIMIDADE ATIVA
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu
artigo 127, elegeu o Ministério Público do Trabalho como defensor
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, ao passo que o artigo 129 fixou-lhe como
uma de suas funções institucionais a de “promover o inquérito civil e
a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (inciso III).
Nessa esteira, o Ministério Público do Trabalho, enquanto
ramo do Ministério Público da União, tem legitimidade para atuar na
defesa de interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos, nos
termo da Lei Complementar nº 75/93, em seus artigos 6º, inc. VII,
alíneas a e d.
304
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
[...]
V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para
a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos
relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no
art. 220, §3º, inciso II, da Constituição Federal.
Ex positis, o Ministério Público do Trabalho possui
legitimidade ad causam para propor esta Ação Civil Pública.
4) REPRESENTAÇÃO PELO MPT POR FORÇA
DO ARTIGO 83, V, DA LC 75/93 E ARTIGO 793 DA
CLT
A autora laborava para os réus, na condição de babá e
doméstica, submetida a tratamento cruel, degradante e indigno.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
305
Destaque-se a proibição expressa do trabalho para os
menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, para os maiores
de 14 anos.
Além disso, a presente hipótese versa a respeito de uma
das piores formas de trabalho infantil (trabalho doméstico), nos
termos do Decreto 6.481/08, que o Brasil assumiu o compromisso
de erradicar até o ano de 2015.
A despeito disso, a criança não recebeu nenhum direito
trabalhista: reconhecimento de vínculo, salário, RSR, aviso prévio,
férias com 1/3, 13o salário e contribuições previdenciárias.
Nessa situação, a representação da Reclamante na Justiça
do Trabalho cabe ao Ministério Público do Trabalho, por força do
disposto na Lei Complementar nº 75/93, artigo 83, V, c/c artigo 793
da CLT (aplicação analógica), verbis:
Art. 83 – Compete ao Ministério Público do Trabalho o
exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da
Justiça do Trabalho:
[...]
V – propor as ações necessárias à defesa dos direitos e
interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes
das relações de trabalho.
Art. 793. Tratando-se de maiores de 14 e menores de 18 anos,
as reclamações poderão ser feitas pelos seus representantes
legais ou, na falta destes, por intermédio da Procuradoria
da Justiça do Trabalho. Nos lugares onde não houver
Procuradoria o juiz ou presidente nomeará pessoa habilitada
para desempenhar o cargo de curador à lide.
Ex positis, o Ministério Público do Trabalho possui
legitimidade ad causam para propor a presente ação trabalhista.
5) UMA DAS PIORES FORMAS DE TRABALHO
INFANTIL (DECRETO 6.481/08)
LISTA TIP. DECRETO 6.481/08
Art. 2O Fica proibido o trabalho do menor de dezoito anos
nas atividades descritas na Lista TIP, salvo nas hipóteses
previstas neste decreto.
[…]
D e s c r i ç ã o Prováveis
Riscos Prováveis Repercussões à Saúde
d
o
s Ocupacionais
Trabalhos
músculo-esqueléticas
Domésticos Esforços físicos intensos; Afecções
isolamento; abuso físico, (bursites, tendinites, dorsalgias,
psicológico e sexual; longas sinovites, tenossinovites); contusões;
jornadas de trabalho; trabalho fraturas; ferimentos; queimaduras;
noturno; calor; exposição ao ansiedade; alterações na vida
fogo, posições antiergonômicas familiar; transtornos do ciclo vigíliae movimentos repetitivos; sono; DORT/LER; deformidades
tracionamento da coluna da coluna vertebral (lombalgias,
vertebral; sobrecarga muscular lombociatalgias, escolioses, cifoses,
e queda de nível
lordoses); síndrome do esgotamento
profissional e neurose profissional;
traumatismos; tonturas e fobias.
6) DIREITO FUNDAMENTAL À PRIORIDADE
ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL
A Ação Civil Pública visa a possibilitar a defesa em juízo
dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,
competindo ao Ministério Público do Trabalho pugnar pela tutela
jurisdicional quando o direito material violado situa-se no âmbito das
relações laborais.
Federal:
Segundo o disposto no artigo 227 da Constituição
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O exercício de labor doméstico configura uma das piores
formas de trabalho infantil, nos termos das Convenções 138 e 182 da
OIT e do Decreto 6.481/08:
De acordo com o art. 7°, inciso XXXIII da Constituição,
é vedado qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
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condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. No âmbito internacional, os Tratados Internacionais
sobre Direitos Humanos, com valor de emenda constitucional (diante
do novo teor do art. 5º, § 3º, da CF/88, com redação dada pela EC n.º
45/04), dispõem o seguinte:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA
CRIANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS (ONU)
Princípio 9º - A criança gozará de proteção contra quaisquer
formas de negligência, crueldade e exploração. Não será
jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será
permitido à criança empregar-se antes da idade mínima
conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á
permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego
que lhe prejudique à saúde ou à educação ou que interfira em
seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
Art. 32. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança
de estar protegida contra a exploração econômica e contra
o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso
ou interferir em sua educação, ou seja, nocivo para a saúde
ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral
ou social.
CONVENÇÃO N. 138 DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) - dispõe
sobre idade mínima de admissão ao emprego. Ratificada pelo
Brasil por meio do Decreto N° 4.134/2002:
Art. 3°
[...]
Item I “Não será inferior a dezoito anos a idade mínima para
a admissão a qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por
sua natureza ou circunstâncias em que for executado, possa
prejudicar a saúde, a segurança e a moral do adolescente.
CONVENÇÃO N. 182 DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) – dispõe
acerca das piores formas de trabalho infantil. Ratificada pelo
Brasil por meio do Decreto N° 3.597/2000.
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, nos artigos 4°, 5, 15, 18 e 60:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais.
Art. 15 – A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis,
humanos e sociais garantidos na Constituição e nas Leis.
Art. 18 – É dever de todos velar pela dignidade da
criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.
Art. 60 É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis
anos de idade, salvo na condição de aprendiz.
A CLT contém conteúdo normativo idêntico:
Art. 403 - É proibido qualquer trabalho a menores de 16
(dezesseis) anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a
partir dos quatorze anos.
Define o Artigo 3, alínea “d” da referida Convenção,
como piores formas de trabalho infantil aquelas que “por sua natureza
ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a
saúde, a segurança ou a moral das crianças”.
Ademais, o artigo 405, inciso II, da CLT, dispõe que
aos menores de 18 anos não será permitido o trabalho em locais ou
serviços prejudiciais à sua moralidade.
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E as atividades encontradas no presente caso estão
incluídas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP),
nos termos do Decreto 6.481/08, como trabalho sujeito a abuso
físico, psicológico e sexual.
Destaque-se que o Brasil assumiu, perante a comunidade
internacional, o compromisso de erradicar todas as piores formas de
trabalho infantil até 20151.
7) DANOS E PREJUÍZOS DECORRENTES DA
CONDUTA ILÍCITA DO RÉU E MITOS QUE
ENVOLVEM O TRABALHO INFANTIL
As discussões em torno da questão do trabalho infantil
chegam, inevitavelmente, ao quadro de miséria de grande parte da
população brasileira, que induz a uma concepção favorável a esta
situação.
Durante muito tempo, prevaleceu a falsa concepção de
que o trabalho infantil seria uma solução à pobreza.
A ideia de que “é melhor trabalhar do que roubar ou
passar fome” perpetua a exclusão e o fracasso dos filhos das classes
populares, gerando um ciclo contínuo que obsta que as pessoas das
classes mais baixas da sociedade tenham acesso a melhores condições
de vida.
Oportuno desmascarar alguns mitos em evidência na
atual sociedade capitalista, como o de que “o trabalho infantil é
necessário porque a criança está ajudando sua família a sobreviver”,
ou que “a criança que trabalha fica mais esperta, aprende a lutar pela
vida e tem condições de vencer profissionalmente quando adulta”.
Quando a família torna-se incapaz de prover o próprio
sustento, esta obrigação cabe ao Estado e à sociedade organizada, e
não às crianças.
O trabalho precoce e árduo nunca foi estágio necessário
para uma vida bem-sucedida; ele não qualifica, e portanto, é inútil
como mecanismo de proteção social.
O trabalho infantil afeta diretamente a frequência escolar
e, como corolário, engendra uma maior dificuldade no aprendizado.
Assim, a fadiga, além de debilitar o seu estado físico, favorece
acidentes de trabalho.
Por fim, observe-se cartilha publicada pela Universidade
da Amazônia (UNAMA), onde são apontadas algumas das
consequências do trabalho infantil:
Trabalhar ainda criança, ao contrário, compromete o
desenvolvimento físico, psíquico e social dos pequenos
trabalhadores e os afasta da escola. Veja outras consequências
desta exploração: abandono da escola com a perda do
interesse nos estudos; repetência e/ou fracasso escolar;
dificuldade no processo de alfabetização; diminuição
da capacidade de aprendizagem; diminuição do tempo
dedicado às brincadeiras, ao descanso e ao convício familiar;
estresse físico, emocional e psicológico; diminuição da
auto-estima; exposição à situações de repressão, excessiva
disciplina, relações de subserviência e humilhações; perda
dos sentimentos de identidade de grupo, da habilidade para
cooperar com outras pessoas e da capacidade de distinguir o
certo do errado2.
8)
TUTELA
TRABALHISTAS
RESSARCITÓRIA:
VERBAS
A adolescente iniciou a prestação laboral para faz
aproximadamente 07 (meses), em 2013. Teve início no começo
daquele ano e término em 03 ou 04 de agosto de 2013.
Sem registro em carteira, jamais recebeu quaisquer
direitos assegurados por lei: remuneração, férias, aviso prévio, RSR,
13o salário e contribuições previdenciárias.
Portanto, devidas na ação trabalhista todas as verbas
1 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/cidadania/direitos-do-cidadao/erradicacao-do-trabalho-infantil>. Acesso em: 5 mar. 2013.
2 Crianças não trabalham: o que as prefeituras devem fazer para eliminar o trabalho infantil.
Belém: UNAMA – CEDECA Emaús, 2002.
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relacionadas ao vínculo empregatício, calculadas pelo valor de 1 (um)
salário-mínimo de 01/01/2013 a 03/08/2013.
Além disso, pela exploração do trabalho infantil, cabível a
condenação em dano moral individual no mínimo em R$ 50.000,00, a
ser depositada em caderneta de poupança em nome da representada,
até que ela complete 18 (dezoito) anos de idade, com saque autorizado
a partir da maioridade.
9) TUTELA RESSARCITÓRIA: DANO MORAL
COLETIVO
O dano moral coletivo encontra assento legal no art. 5º,
V e X, da CR/88, nos artigos 186 e 187 do CC/02 a art. 3º, da Lei
nº 7.347/85.
A conduta adotada pelos réus causou e causa lesão aos
interesses difusos e coletivos de toda a sociedade.
Há afronta ao próprio ordenamento jurídico, diante
da inobservância dos ditames constitucionais atinentes às normas
mínimas de proteção à criança e adolescente.
Como tais lesões amoldam-se na definição do artigo
81, incisos I e II, da Lei n. 8.078/90 (CDC), cabe ao Ministério
Público, com fundamento nos art. 1º, caput, IV, art. 3º e 11, da Lei
n. 7.347/85, propor a medida judicial necessária à compensação do
dano e à sustação da prática.
Não se restringem mais os danos morais à agressão
moral, após a CF/88, à dor ou ao sofrimento.
São elementos do dano moral coletivo os seguintes:
a) conduta antijurídica do agente;
b) ofensa a valores extrapatrimoniais essenciais;
c) certeza do dano causado, com efeitos traduzidos
na sensação de desvalor, de menosprezo ou de outra
idiossincrasia negativa;
d) nexo causal.
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E em se tratando de direitos transindividuais, a
responsabilidade deve ser objetiva (CCB, art. 927), porque é a única
capaz de assegurar uma proteção eficaz a esses interesses. Cuida-se
do que se denomina “dano em potencial”.
Ressalte-se que, in casu, o MPT visa a não somente fazer
cumprir o ordenamento jurídico, mas, também a restaurá-lo, pois
violado e ainda coibir a repercussão negativa gerada na sociedade.
Conforme os parâmetros do art. 944, do CCB, ser
adequada a fixação da indenização de no mínimo R$ 100.000,00, a
ser revertida para a própria comunidade afetada, para instituições
públicas ou sem fins lucrativos, ou, alternativamente, em prol do FAT
- Fundo de Amparo ao Trabalhador, instituído pela Lei 7.998/90, nos
termos do art. 13 da LACP.
10) TUTELA INIBITÓRIA: OBRIGAÇÕES DE
FAZER E NÃO FAZER
A proteção aos bens jurídicos na presente Ação Civil
Pública é obtida através da cominação de obrigações de fazer e não
fazer.
O ordenamento jurídico, para ser eficaz, não deve
trabalhar apenas com a sanção repressiva, mas principalmente com
a tutela preventiva. Neste sentido, o próprio inciso XXXV, do artigo
5º da CF apresenta, como direito fundamental, a garantia de acesso
à justiça, a uma ordem jurídica justa: “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Desta forma, a efetividade da jurisdição reclama que
certos bens mereçam ser tutelados de forma específica, e não de
forma substitutiva (através da conversão da obrigação em perdas e
danos). A ilustre professora Ada Pellegrini demonstra muito bem esta
situação: no caso da poluição de um rio, interessa à comunidade, em
primeiro lugar, que cesse a poluição, e não o pagamento de multa pela
empresa. Assim deve ocorrer também com os direitos sociais.
A efetivação da tutela específica deve se realizar da forma
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prevista no artigo 84 do CDC e, subsidiariamente, nos termos do art.
461 do CPC:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
[...]
§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado
prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas
necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas
e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade
nociva, além de requisição de força policial.
Art. 461. (...)
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção
de resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício
ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais
como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e
apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de
obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com
requisição de força policial.
Ao postular o cumprimento de obrigações de fazer e nãofazer, pretende o Ministério Público impedir que a infração à ordem
jurídica, aos objetivos fundamentais do Estado, aos direitos sociais e
indisponíveis da coletividade de crianças e adolescentes continue a se
repetir, sob pena de multa.
Sem dúvida que se trata de um provimento judicial
que se projeta para o futuro, como é inerente à tutela preventiva, seja
mediante obrigações de fazer, seja mediante obrigações de não fazer.
Sobre o assunto, são precisas as lições de LUIZ
GUILHERME MARINONI3:
A tutela inibitória, configurando-se como tutela preventiva,
visa a prevenir o ilícito, culminando por apresentar-se,
assim, como uma tutela anterior à sua prática, e não como
uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela
ressarcitória.
que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a
repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à reparação do
dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção
da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, enquanto
o da tutela ressarcitória é saber quem deve suportar o custo
do dano, independentemente do fato de o dano ressarcível
ter sido produzido ou não com culpa” (ob. cit., p. 26)
[...] é melhor prevenir do que ressarcir, o que equivale a
dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela
ressarcitória deve-se dar preferência à primeira” (idem, p.
28).
A tutela inibitória é caracterizada por ser voltada para o
futuro, independentemente de estar sendo dirigida a impedir
a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Note-se,
com efeito, que a inibitória, ainda que empenhada apenas em
fazer cessar o ilícito ou impedir a sua repetição, não perde a
sua natureza preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou
reparar o direito violado” (idem, p. 28-29).
A inibitória funciona, basicamente, através de uma decisão
ou sentença que impõe um não fazer ou um fazer, conforme
a conduta ilícita temida seja de natureza comissiva ou
omissiva. Este fazer ou não fazer deve ser imposto sob pena
de multa, o que permite identificar o fundamento normativo
processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC”
(idem, p. 29).
Já o fundamento maior da inibitória, ou seja, a base de uma
tutela preventiva geral, encontra-se – como será melhor
explicado mais tarde – na própria Constituição da República,
precisamente no art. 5º, XXXV, que estabelece que “a lei não
excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito” (idem, p. 30).
[...] a tutela inibitória não deve ser compreendida como uma
tutela contra a probabilidade do dano, mas sim como UMA
TUTELA CONTRA O PERIGO DA PRÁTICA, DA
CONTINUAÇÃO OU DA REPETIÇÃO DO ILÍCITO,
compreendido como ato contrário ao direito que prescinde
da configuração do dano (idem, p. 36).
A moderna doutrina italiana, ao tratar do tema, deixa claro
que a tutela inibitória tem por fim prevenir o ilícito e não o
dano (idem, p. 37).
3 Tutela Inibitória, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1998.
Em resumo, não se pretende um provimento que
se esgota com a temporária solução das irregularidades pelo réu;
pretende-se, sim, um provimento permanente, que se estenderá no
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Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela
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futuro, para que se cumpram, efetivamente, as normas de proteção
dos direitos das crianças e adolescentes.
11) DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE
FAZER E NÃO FAZER
O art. 84 do CDC e, subsidiariamente, o art. 461 do CPC,
autorizam o Juízo a fixar multa diária e prazo para o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
[...]
§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito
ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação
prévia, citado o réu.
§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor
multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor,
se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando
prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
[...]
§ 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou
na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente
de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a
obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento
do preceito.
Em razão das peculiaridades deste caso, apresentadas no
relato dos fatos, a determinação de multa e prazo para cumprimento
das obrigações se faz necessária, haja vista os evidentes prejuízos que
a criança vem sofrendo com a atitude comissiva e omissiva dos réus.
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Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
A estipulação de multa diária, para coagir o réu ao
cumprimento da antecipação de tutela e da sentença é uma das
“providências que asseguram o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
A multa é apenas um dos meios de constranger o devedor
a cumprir a obrigação de fazer, tendo também caráter pedagógico e
preventivo, desestimulando a prática da conduta nociva, não podendo
ser, por consequência, um valor irrisório que lhe compense atuar de
forma ilícita.
O valor da fixação de multa deve levar em conta a
natureza do ato ilícito, a gravidade da lesão e o comprometimento do
bem jurídico violado.
12) PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
DEFINITIVA
Estabelece o Microssistema de Tutela Coletiva a Lei
Processual Civil a antecipação dos efeitos da tutela nos termos do
art. 84, §3º, do CDC, e, subsidiariamente, do art. 461, § 3º, do CPC:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
[...]
§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito
ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação
prévia, citado o réu.
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
§ 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao
juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação
prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada
ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
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O escopo desse dispositivo é propiciar uma resposta mais
célere do Poder Judiciário frente a direitos e interesses relevantes. Na
visão de Alexandre Freitas Câmara, “a tutela antecipada é uma forma
de tutela jurisdicional satisfativa (e, portanto, não-cautelar), prestada
com base em juízo de probabilidade. Trata-se de fenômeno próprio
do processo de conhecimento”.4
A situação de labor de adolescente em uma das piores
formas de trabalho infantil é repugnante, expressamente vedada pelo
ordenamento jurídico, o que demonstra o relevante fundamento da
demanda e, subsidiariamente, a plausibilidade do direito invocado.
A possibilidade de frustração da execução dos direitos
mínimos trabalhistas, provisoriamente calculados em R$ 57.212,17
– R$ 7.212,17 a título de verbas trabalhistas (sem correção) e R$
50.000,00 a título de dano moral individual - demonstra o justificado
receito de ineficácia do provimento final. Segue abaixo o cálculo:
Adm
01.01.13
Saída
S Base
Aviso
Ind
03.08.13
678,00
678,00
Saldo
Sal
13º
4.813,80
452,00
Férias
1/3
férias
452,00
150,67
8% FGTS
40%
FGTS
total
475,50
190,20
7.212,17
Portanto, como se observa, os requisitos para a concessão
da tutela de urgência estão presentes no caso em questão, sejam o
fumus boni iuris e o periculum in mora (art. 12 da LACP), ou mesmo a
verossimilhança das alegações e a prova inequívoca, assim como a
possibilidade de dano grave ou de difícil reparação.
Preenchidos os requisitos autorizadores, requer o
Ministério Público, com base no artigo 12 da Lei nº 7.347/85 c/c
o artigo 84, do CDC, e, subsidiariamente, artigo 461 do CPC, a
antecipação dos efeitos da tutela de mérito (art. 273, § 3°, do CPC) ou,
pelos princípios da fungibilidade e da instrumentalidade do processo
(art. 273, § 7°, do CPC), a concessão da medida liminar sob a forma
acautelatória (art. 798 do CPC), sem audiência da parte contrária, para
que se determine o imediato bloqueio do valor referente aos direitos
4 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I, 11ª ed., rev. e atualizada.
Ed. Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2004, p. 87.
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trabalhistas da criança, por meio do sistema Bacen Jud, provisoriamente
calculados no valor de R$ 57.212,17.
13) PEDIDO DE TUTELA DEFINITIVA
O objetivo do Ministério Público na presente ação,
portanto, é a imposição ao demandado de várias obrigações de fazer
e não fazer, conforme abaixo discriminado, em tudo observadas
as disposições da CLT, Estatuto da Criança e do Adolescente, e
Constituição Federal, sob pena de multa em caso de descumprimento
futuro, suficiente para compelir a parte ré ao adimplemento da
obrigação.
definitiva:
Ante o exposto, requer o Ministério Público, em sede
a) a citação dos demandados para apresentar defesa no
prazo legal, assumindo, caso não o faça, os efeitos decorrentes da
revelia, com o regular processamento do feito;
b) a procedência dos pedidos veiculados na presente
Ação Civil Pública, confirmando-se o pedido liminar de antecipação
da tutela e determinando-se, em definitivo, a condenação do
demandado ao cumprimento das seguintes obrigações de declarar,
fazer, não fazer e de pagar:
•
Abster-se de contratar ou utilizar o trabalho de crianças e
adolescentes com idade inferior a 18 (dezoito) anos no
trabalho doméstico, nos termos do art. 2O, do Decreto
6.481/08, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
por criança e ou adolescente flagrado em situação de labor, a
ser revertida em favor do Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente ou outra destinação que o Juízo
entenda pertinente à reparação do dano;
•
Declarar o vínculo empregatício entre a adolescente e os
réus, com condenação em todas as verbas trabalhistas
calculadas sobre 1 salário mínimo (remuneração, férias com
1/3, 13o salário, FGTS com 40%, aviso prévio proporcional,
RSR, multas dos artigos 467 e 477, da CLT, contribuições
previdenciárias e repercussões) e ainda a condenação em
danos morais individuais de no mínimo R$ 50.000,00, a
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ser depositada em caderneta de poupança em nome da
representada, até que ela complete 18 (dezoito) anos de
idade, com saque autorizado a partir da maioridade;
•
Condenar em danos morais coletivos no mínimo de R$
100.000,00, a ser revertida em prol de instituições públicas
ou sem fins lucrativos ou, alternativamente, ao FAT- Fundo
de Amparo ao Trabalhador, instituído pela Lei 7.998/90, nos
termos do art. 13 da LACP.
c) Determinar a expedição de ofício ao Ministério do
Trabalho e Emprego e ao Conselho Tutelar de Jardim/MS a fim de
que tomem ciência e verifiquem, constantemente e em rotinas de
fiscalização, o seu cumprimento, informando a esse Juízo eventual
notícia de inadimplemento.
Requer a produção de todos os meios de prova admitidos
em direito, especialmente a prova testemunhal, indicando-se desde já
como testemunha o membro do Conselho Tutelar de Jardim: A.Z.,
com endereço, Jardim/MS.
Requer seja assegurada a prerrogativa processual do
Ministério Público de intimação pessoal e nos autos, de todos e
quaisquer atos praticados no processo, na forma da Lei Complementar
nº 75, artigos 18, inciso II, letra “h”, e 84, inciso IV, do artigo 236,
§2º, do CPC.
Dá-se à causa o valor de R$ 157.212,17 (cento e cinquenta
e sete mil duzentos e doze reais e dezessete centavos), para efeitos
meramente fiscais.
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (ÍZA)
DA __VARA DO TRABALHO DE TRÊS LAGOAS
– MS
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO,
neste ato presentado pelo Procurador do Trabalho signatário, vem à
presença de Vossa Excelência, com fulcro nas atribuições conferidas
pelos arts. 114, IX, 127 e 129, III, da Constituição da República/1988;
arts. 5º, I, 6º VII, XII, XIV e 83, III e IV, da Lei Complementar
75/93; arts. 1º, IV e 5º, I, da Lei 7.347/85, art. 81 e seguintes da Lei
8.078/90 e 585, inciso II do CPC, combinado com os arts. 876 e
seguintes da CLT, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE
TUTELA ANTECIPADA
em face do MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS – MS,
pessoa jurídica de direito interno, CNPJ n. 03184041/0001173, com
endereço na Avenida Capitão Olinto Mancini, 667, Centro, CEP
76600-000, na cidade de Três Lagoas/MS, pelos fatos e fundamentos
jurídicos a seguir expostos.
Campo Grande, 23 de Junho de 2013.
1 - DOS FATOS
LEONTINO FERREIRA DE LIMA JUNIOR
Procurador do Trabalho
A Procuradoria do Trabalho no Município de
Três Lagoas-MS instaurou o Procedimento Promocional nº
000043.2012.24.002/4, em razão de ofício oriundo da Coordenadoria
Nacional de Combate a Exploração do Trabalho da Criança e do
Adolescente – COORDINFÂNCIA.
A COORDINFÂNCIA, em maio de 2009, aprovou
projetos voltados à efetivação das ações do Ministério Público do
320
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
321
Trabalho na área de combate à exploração do trabalho de crianças
e adolescentes, quais sejam: Leis Orçamentárias, Aprendizagem
Profissional, Forças Tarefas e MPT na Escola.
O Projeto MPT e Leis Orçamentárias consiste na
realização de gestões institucionais do MPT, junto ao Executivo
e Legislativo municipais, estaduais e federal, a fim de que sejam
garantidas, nas Leis Orçamentárias, diretrizes e rubricas suficientes
para a promoção de políticas públicas de prevenção e erradicação do
trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente.
Para tanto, foram remetidas notificações recomendatórias
aos chefes dos Poderes Executivo e Legislativo dos Municípios que
compõem a circunscrição deste Órgão Ministerial, nos seguintes
termos:
RECOMENDA-SE a Vossa Excelência que, na elaboração
da Lei Orçamentária (plano plurianual e lei orçamentária
anual), observe as seguintes disposições, todas extraídas
das normas internacionais, constitucionais e legais acima
destacadas:
1. priorizar a formulação e a execução de políticas sociais
públicas (programas, projetos e atividades), bem como
a destinação privilegiada de recursos públicos, nas áreas
relacionadas com a proteção da infância e da juventude;
2. formular diretrizes e rubricas orçamentárias suficientes
para a promoção eficaz de políticas públicas de combate
ao trabalho infantil (prevenção e erradicação) e
profissionalização de adolescentes, e seus respectivos
programas, projetos e atividades, tais como:
b.1) ampliação da escola em tempo integral;
b.2) realização de programas de aprendizagem profissional,
mediante parcerias com as instituições aptas a ministrar
os cursos correspectivos, a saber: entidades integrantes
do Sistema “S”( SENAC, SENAI, SESCOOP SENAT
E SENAR), instituições sem fins lucrativos e/ou escolas
técnicas; ou, ainda, realização de outros programas de
profissionalização como o pró-jovem ;
b.3) programas de confecção de selo social para apoio
e reconhecimento público a instituições e empresas que
invistam em projetos relativos à área da criança, tais como:
micro e pequenas empresas que contratem aprendizes; ou
322
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
empresas que destinem valores para o Fundo da Infância e
adolescência, nos moldes do art. 260 do ECA, etc.
b.4) garantia de atendimento imediato a crianças e
adolescentes em situação de labor proibido, pela Secretaria
de Assistência Social do Município, a fim de inserção em
programas sociais, como PETI, Bolsa Família, ações sócioeducativas e de convivência, dentre outros, bem como
registro da família no cadastro único do Governo Federal,
para tanto prevendo recursos suficientes para custeio de
recursos materiais e humanos;
3. vincular tais diretrizes e rubricas orçamentárias ao custeio
específico e determinado de políticas públicas de combate ao
trabalho infantil e profissionalização de adolescentes; e seus
respectivos programas, projetos e atividades;
4. garantir, pelo menos, um mínimo de 5% da receita tributária
líquida anual para a promoção eficaz de políticas públicas
de proteção à infância e à adolescência, dentre as quais,
aquelas de combate ao trabalho infantil e profissionalização
de adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente;
5. garantir a destinação de, pelo menos, 2% do Fundo de
Participação dos Municípios ao Fundo Municipal dos
Direitos das Crianças e Adolescentes, a serem vinculados à
promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância
e à adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao
trabalho infantil e profissionalização de adolescentes,
conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente;
6. após a sanção, encaminhar, no prazo de 15 dias, cópia da Lei
Orçamentária aprovada ao Ministério Público do Trabalho
(Procuradoria Regional do Trabalho da Oitava Região), para
devida ciência;
7. Em seguida, garantir a efetiva execução físico-financeira
das diretrizes e rubricas orçamentárias constantes da Lei
Orçamentária, executando aquilo que foi orçado e evitando
contingenciamento ou realocação de verbas;
O descumprimento da recomendação supra poderá
caracterizar inobservância de norma de ordem pública,
cabendo ao Ministério Público convocar esse Município
para prestar esclarecimentos em audiência e, eventualmente,
firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta,
previsto na Lei 7.347/85, art. 5º, § 6º, ou propor a ação
judicial cabível, visando à defesa da ordem jurídica e de
interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como à
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
323
reparação de danos genéricos causados por eventual conduta
ilícita.
As notificações foram emitidas anualmente desde 2009,
contudo, sempre houve relutância dos investigados em fornecer a
esta Procuradoria documentos probatórios do regular cumprimento
das notificações expedidas pelo MPT.
Em maio de 2009, solicitou-se que os Conselhos
Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente dos municípios
da circunscrição de atuação desta Procuradoria do Trabalho fossem
oficiados para que tomassem conhecimento da Notificação, como
segue:
Considerando que os Conselhos dos Direitos têm o dever
legal de formular/sugerir políticas públicas de combate
ao trabalho infantil e proteção/ fruição do trabalhador
adolescente e, nesse sentido e por via de consequência,
acompanhar a formulação e execução das leis orçamentárias
do Município, deverá Vossa Senhoria dar conhecimento
da referida Notificação a todos os Conselheiros, bem
como exercer o dever legal de participar e acompanhar
a execução do Plano Orçamentário Plurianual, devendo
informar a este Ministério Público do Trabalho eventual
notícia de desvirtuamento ou omissão de diretrizes
orçamentárias específicas de combate do trabalho
infantil e proteção/ profissionalização do trabalhador
adolescente naquela Lei Orçamentária ou, ainda,
eventual contingenciamento, para as providências
legais e cabíveis.
Em abril de 2010, as prefeituras foram notificadas para
providenciar o aumento na destinação de verbas públicas na próxima
lei orçamentária. Todavia, a documentação juntada referente ao ano de
2011, comprovou que os municípios novamente destinaram valores
inferiores ao determinado pelo Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, como foi o caso de Três Lagoas.
Em fevereiro de 2012, houve notificação aos municípios
para que informassem se foram aprovadas as leis orçamentárias e
se foram tomadas providências com relação aos programas relativos
a Ações Sócio-Educativas de Crianças e Adolescentes, conforme
recomendação deste Órgão Ministerial.
324
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Observa-se que, apesar de as Prefeituras encaminharem
as leis, a demora na resposta e a forma como as informações
foram prestadas dificultaram concluir se os municípios estão ou
não cumprindo com as determinações notificadas através das
recomendações.
Da análise dos documentos juntados, a forma de
apresentação das informações quanto às verbas destinadas ao combate
de trabalho infantil e profissionalização de adolescentes não atendem
os moldes da Recomendação expedida pelo MPT, impedindo uma
análise mais completa.
Diante disso, considerando que a implementação do
Projeto MPT e Leis Orçamentárias é um importante instrumento de
efetivação de direitos fundamentais da criança e do adolescente, nova
oportunidade foi ofertada aos municípios para que comprovassem o
cumprimento, nos termos do ofício, emitido em 3 de julho de 2013,
in verbis: (fls 481/495)
Excelentíssimo(a) Sr.(a) Prefeito(a),
Cumprimentando-o(a), sirvo-me do presente para
REQUISITAR de Vossa Excelência, no prazo de 15
(quinze) dias, contados do recebimento desta requisição,
que comprove, com a juntada dos documentos específicos
que entender pertinentes, do atendimento à Recomendação
expedida pelo MPT, em especial no que tange aos seguintes
itens:
D) garantir, pelo menos, um mínimo de 5% da receita tributária
líquida anual para promoção eficaz de políticas públicas de
proteção à infância e à adolescência, dentre as quais, aquelas
de combate ao trabalho infantil e a profissionalização de
adolescentes, conforme decidido pelo Conselho Nacional
dos Direitos da criança e do Adolescente;
E) garantir a destinação de, pelo menos, 2% do Fundo
de Participação dos Municípios ao Fundo Municipal dos
Direitos da Criança e Adolescentes, a serem vinculados à
promoção eficaz de políticas públicas de proteção à infância
e a adolescência, dentre as quais, aquelas de combate ao
trabalho infantil e a profissionalização de adolescentes,
conforme decidido pelo Conselho Nacional dos Direitos da
criança e do Adolescente.
Adverte-se, outrossim, que o descumprimento ou o
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
325
retardamento indevido das requisições do Ministério Público
implicarão na expedição de oficio à Polícia Federal e ao
Ministério Público Federal com os fins de se apurar os crimes
de desobediência e o crime previsto no artigo 10, da Lei n°
7347/85 que prevê pena de reclusão de um a três anos.
tanto na repressão quanto na prevenção do problema.
Pela documentação já encaminhada, bem como pelos
outros documentos juntados em anos anteriores, é possível chegar
à conclusão de que não há o correto cumprimento da notificação
expedida pelo município de Três Lagoas, tendo em vista o relatório
de fls. 470-476.
Art. 201 – Compete ao Ministério Público:
Portanto, considerando que a implementação do Projeto
MPT e Leis Orçamentárias consiste em um importante mecanismo
para a realização de direitos fundamentais de crianças e adolescentes,
faz-se necessário o ajuizamento da presente Ação Civil Pública.
2 - DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
E LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Ao Ministério Púbico cabe a defesa da ordem jurídica
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do
artigo 127, da CF/88.
Dentre as funções institucionais conferidas ao Ministério
Público pela Carta Magna, está a de “zelar pelo efetivo respeito dos
poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias
a sua garantia” (art. 129, II, da Constituição da República).
Cumpre, ainda, ao Ministério Público, nos termos do art.
129, III da mesma Constituição, promover o inquérito civil e a ação
civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, nos termos do
artigo 6.º, inciso VII, alíneas “a” e “d” e art. 83 da LC nº 75/93.
A hipótese dos autos reflete nitidamente questão voltada
ao interesse difuso de crianças e adolescentes, indetermináveis, que
são expostos à prática ilícita do trabalho precoce e ausência do Estado
326
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Nesse diapasão, e especificamente quanto à temática de
criança e adolescente, dispõe a norma do art. 201 do Estatuto da
Criança e do Adolescente:
V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para
a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos
relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no
art. 220, §3º, inciso II, da Constituição Federal.
O art. 83, V da LC 75/93, conjugado ao art. 27, parágrafo
único, inciso IV da Lei Orgânica do Ministério Público, e o art.
201, VII do Estatuto da Criança e Adolescente também garantem
aquela legitimação ao Ministério Público do Trabalho, para propor
as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses das crianças e
dos adolescentes decorrentes da relação de trabalho, bem como para
promover a defesa ampla de interesses de crianças e adolescentes.
Assim, inegável a legitimação do Parquet para a presente
ação, eis que necessária para expurgar as ilicitudes cometidas pelo
poder público ao adotar postura negligente e omissiva no que tange
ao cumprimento de dever jurídico previsto em normas internacionais,
constitucionais e legais, relativamente à proibição de trabalho precoce
de crianças e adolescentes, nas suas mais variadas formas de eclosão.
Quanto ao cabimento da presente Ação Civil Pública,
cumpre esclarecer que tal ação é um instrumento adequado para
a defesa dos interesses transindividuais. Portanto, é o instrumento
processual para a promoção jurisdicional da tutela protetiva de todas
as crianças e adolescentes em situação de labor proibido ou irregular.
Ademais, a inércia das Prefeituras, que mesmo após
várias notificações do MPT, não comprovaram o pleno atendimento
às Recomendações expedidas.
A utilidade do provimento jurisdicional resta demonstrada
pelos pedidos da presente Ação Civil Pública, em face dos entes
públicos com o objetivo de terminar com a omissão no combate ao
trabalho infantil e condições de trabalho, em franco desrespeito ao
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
327
princípio da prioridade absoluta.
Há a necessidade e utilidade, portanto, de um provimento
jurisdicional que determine à Administração Pública Municipal
agir com vistas a impedir que crianças e adolescentes laborem em
qualquer tipo de atividade, em especial as supracitadas, no âmbito
de sua atuação, mediante a adoção de políticas públicas eficazes,
que venham ao encontro do dever jurídico constante do art. 227
da Constituição Federal, bem como a destinação das verbas nos
percentuais determinados pelo CONANDA (Conselho Nacional dos
Direitos das Crianças e do Adolescente).
2.1 - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO
2.1.1 - Da Competência Material da Justiça do Trabalho
Tendo em vista a existência de lesões a direitos e interesses
metaindividuais, as quais são oriundas de relações de trabalho, resta
patente a competência material da Justiça do Trabalho para processar
e julgar a presente ação, nos exatos termos do art. 114, I, VI e IX, da
CF/88.
2.1.2 - Da Competência Funcional das Varas do Trabalho
Em relação à competência funcional, salienta-se que
a pretensão se refere à aplicação do direito já previsto nas fontes
formais do Direito do Trabalho e não a criação de direito novo, o
que induz a conclusão no sentido de tratar-se de ação de natureza
ordinária, a qual deve ser ajuizada perante as Varas do Trabalho,
órgãos de primeira instância da Justiça do Trabalho.
Ademais, inexistindo regra expressa acerca da
competência funcional dos Tribunais Trabalhistas, prevalece a
competência residual das Varas do Trabalho, conforme o art. 2º, da
Lei da ACP e o entendimento do C.TST na OJ 130, da SDI-II.
2.1.3 - Da Competência Territorial desta Vara do Trabalho
Já no que tange à competência territorial, de acordo com
328
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
o art. 2º, da Lei 7.347/85, competente será o foro do local onde
ocorrer o dano.
Do exposto, como os fatos lesivos aos direitos dos
trabalhadores ocorreram no município de __, conclui-se que é
competente para o julgamento da presente demanda uma das Varas
do Trabalho deste município.
3 - DO DIREITO
DIREITO AO NÃO TRABALHO
A exploração do trabalho de crianças e adolescentes é
uma das mais graves violações de direitos humanos, por retirar delas
a formação escolar, o desenvolvimento saudável e a cidadania.
Desde o Brasil colonial há exploração de mão-de-obra
infantil, contudo, ao longo dos anos, o legislador foi paulatinamente
incorporando normas de proteção à infância e à juventude, como a
fixação de limite de idade para ingresso no mercado de trabalho e
proibições de determinados tipos de labor, como trabalhos insalubres
e abusivos e ainda, o trabalho noturno.
Durante a elaboração da Carta Constitucional de 1988,
surgiu um movimento de sensibilização, conscientização e mobilização
da opinião pública e dos constituintes para o reconhecimento de
direitos e garantias fundamentais de crianças e adolescentes e a
previsão de políticas públicas capazes de concretizar tais garantias.
Incorporou-se também na Constituição de 1988,
o preceito da proteção integral, que consiste em assegurar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social das crianças
e adolescentes, e estabeleceu-se como dever do Estado, da família e
da sociedade a promoção e proteção de seus direitos e garantias.
No Brasil, somente na faixa etária de 5 a 17 anos, 3,7
milhões de crianças e adolescentes estavam trabalhando em 2011,
segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad).
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
329
Ao todo, estima-se que o trabalho infantil no país atinja
mais de 4 milhões de crianças e adolescentes.
inicialmente discutido no âmbito internacional pelas Convenções n.
138, como apregoa a Declaração dos Direitos da Criança:
Em Mato Grosso do Sul, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a PNAD, em 2012, havia 44.380 mil crianças
e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, sendo exploradas,
número 1,90% maior que os dados relativos a 2011, quando havia
36.665 crianças e adolescentes trabalhando.
Princípio 9.º A criança deve ser protegida contra todas as
formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá
ser objecto de qualquer tipo de tráfico. A criança não
deverá ser admitida ao emprego antes de uma idade mínima
adequada, e em caso algum será permitido que se dedique a
uma ocupação ou emprego que possa prejudicar a sua saúde
e impedir o seu desenvolvimento físico, mental e moral.
Apesar das mudanças ocorridas após a promulgação
da Constituição de 1988, ainda há muito o que melhorar quando o
assunto é labor de crianças e adolescentes.
Isso porque durante anos, a própria sociedade viu o
trabalho infantil como um mito necessário, sob as escusas de que “é
melhor trabalhar que roubar ou passar fome”.
Contudo, diversos estudos demonstram que ao se expor
a criança ao labor de forma precoce, acaba-se por gerar mais miséria,
perpetuando a exclusão e o fracasso dos filhos de pessoas de classes
mais pobres.
Assim, as políticas públicas são essenciais para a
concretização dos direitos e garantias sacramentados pela Constituição
Federal e pelas normas internacionais e, portanto, para combater o
labor infanto-juvenil.
A fim de possibilitar a implementação de tais políticas, um
percentual do orçamento de cada ente federado deve ser destinado
especificamente pra esse propósito, conforme determinação do
CONANDA-Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
Além disso, há a necessidade de atentar-se para o conteúdo
da política a ser desenvolvida, que deve observar as particularidades
de cada local e ser realizada de forma racional e em consonância com
as orientações internacionais e as normativas nacionais.
A tutela do direito ao não trabalho da criança e adolescente
encontra guarida nos diversos ordenamentos jurídicos, sendo
330
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
A Constituição Federal do Brasil de 1988 proíbe
expressamente o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos, salvo
na condição de aprendiz a partir de quatorze anos, e veda ainda o
trabalho insalubre e perigoso de maiores de 16 (dezesseis) anos e
menores de 18 (dezoito) anos, nos termos do art. 7º, inciso XXXIII,
in verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
Somando-se, há previsão na CLT e no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) nos artigos:
Consolidação das Leis do Trabalho
Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de
dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a
partir dos quatorze anos. (Redação dada pela Lei nº 10.097,
de 19.12.2000).
Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser
realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em
horários e locais que não permitam a freqüência à escola.
(Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000).
Art. 405 - Ao menor não será permitido o trabalho:
I - nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de
quadro para esse fim aprovado pela Secretaria de Segurança e
Medicina do Trabalho;
II - em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
331
Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze
anos de idade, salvo na condição de aprendiz.
Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime
familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em
entidade governamental ou não-governamental, é vedado
trabalho:
I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e
as cinco horas do dia seguinte;
II - perigoso, insalubre ou penoso;
III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV - realizado em horários e locais que não permitam a
freqüência à escola.
Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e
à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos,
entre outros:
I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
II - capacitação profissional adequada ao mercado de
trabalho.
DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E
DOS ADOLESCENTES. DIREITO À PRIORIDADE
ABSOLUTA.
O direito à proteção integral está abalizado,
internacionalmente, desde 1924, com a Declaração de Genebra, que
reconheceu “a necessidade de proporcionar à criança uma proteção
especial”.
A partir de então, está presente em todos os documentos
internacionais que tratam de direitos humanos, de forma universal ou
regionalizada, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(Paris, 1948), que trata em seu artigo XXV, 2, do “direito a cuidados
e assistência especiais” e a Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) que alinhou, em seu
artigo 19, que “toda criança tem direito às medidas de proteção que
332
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
a sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e
do Estado”.
O art. 19 da Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança dispõe que “1. Os Estados Partes adotarão todas as
medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas
para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou
mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração,
inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia
dos pais, do representante legal ou de qualquer pessoa responsável
por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme
apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas
sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança
e as pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras
formas de prevenção, para identificação, notificação, transferência
a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento
posterior dos casos acima mencionados de maus-tratos à criança e,
conforme o caso, para a intervenção judiciária (...)”.
É importante ressaltar que o Estado brasileiro
sempre subscreveu os documentos internacionais que, de alguma
forma, protegem as crianças e adolescentes, de sorte que o direito
internacional é inserido no ordenamento jurídico brasileiro com valor
de emenda constitucional (diante do novo teor do art. 5º, § 3º da
Constituição Federal de 1988, com redação dada pela EC nº 45/04),
como norma legal de status federal, e ainda, como costume jurídico.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, dispõe
ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a toda
criança e adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária (...)” (destaque inexistente no original).
O preceito constitucional foi secundado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente - Lei nº. 8.069/90, em seu art. 3º, ao
declarar que são assegurados aos adolescentes, como pessoa em
desenvolvimento, além de todos os direitos humanos inerentes
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
333
à pessoa humana, o direito à proteção integral, cujo fundamento
se baseia na prioridade absoluta, atribuindo ao Estado o dever de
assegurar esses direitos, através de lei ou por outros meios, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, em
condições de liberdade e dignidade.
Acrescenta, ainda, que a garantia de prioridade se
fundamenta na primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias; precedência na formulação e execução das políticas
sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art. 4º do
Estatuto da Criança e do Adolescente).
Estabelece a norma do art. 86 do Estatuto da Criança e
do Adolescente que “A política de atendimento dos direitos da criança
e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações
governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.”.
E mais, o art. 87 acrescenta que:
São linhas de ação da política de atendimento:
I – políticas sociais básicas;
II – políticas e programas de assistência social, em caráter
supletivo, para aqueles que deles necessitem;
III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico
e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos,
exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV – serviço de identificação e localização de pais,
responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;
V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos
direitos da criança e do adolescente.
E ainda, o art. 88 dispõe
São diretrizes da política de atendimento:
I – a municipalização do atendimento;
II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional
dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos
e controladores das ações em todos os níveis, assegurada
a participação popular paritária por meio de organizações
334
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
[...]
Pertinente a lição de Wilson Donizeti Liberati e Públeo
Caio Bessa Cyrin, na obra “Conselhos e Fundos no Estatuto da
Criança e do Adolescente”, mencionada por Moacyr Motta da Silva e
Josiane Rose Petry Veronese, in A tutela Jurisdicional dos Direitos da
Criança e do Adolescente:
Importa dizer, no entanto, que, embora não seja exclusiva do
Poder Público, sob o argumento de que municipalizar não
é prefeiturizar, omitir-se de criar instrumentos, aparelhos
sociais e burocráticos, ou inviabilizar o atendimento de
crianças e adolescentes, deixando tudo para a iniciativa
privada e filantrópica.
As obrigações típicas e próprias do Poder Público local
devem ser por eles assumidas, pois municipalizar significa
que a política de atendimento será formulada e executada,
geograficamente, no Município, considerando suas
peculiaridades locais.
Embora municipalizar não seja prefeiturizar, o Poder
Público local tem a obrigação primeira de criar mecanismos
e instrumentos que viabilizem o atendimento infanto-juvenil
e, juntamente com as entidades não governamentais, instituir
o sistema municipal de atendimento.
Se ocorrer a omissão do Poder Público, compete aos órgãos
legitimados no art 210 do Estatuto a provocação do Poder
Judiciário, que concederá a prestação jurisdicional para criar
ou fazer funcionar os programas de atendimento. (grifos
acrescidos) Silva, Moacyr Motta da. A Tutela jurisdicional
dos direitos da criança e do adolescente/ Moacyr Motta da
Silva, Josiane Rose Petry Veronese – São Paulo: LTR, 1998.
p. 172/3.
E ainda, segundo Moacyr Motta da Silva:
[...] por outro lado, a municipalização e a descentralização
do atendimento significam que se devem priorizar ações
locais, prestadas por quem tenha conhecimento imediato
da realidade social. Eventualmente, em se tratando de
programas com alcance regional, a responsabilidade por sua
criação é do Estado. À União, cabe pouco mais que o repasse
de verbas.” (Silva, Moacyr Motta da. A tutela jurisdicional
dos direitos da criança e do adolescente/Moacyr Motta da
Silva, Josiane Rose Petry Veronese).
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
335
Inquestionável que é norma imperativa de que ao Estado
cumpre o dever, juntamente com a família e com a sociedade, dar
à criança e ao adolescente condições mínimas necessárias ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho.
Cabe mencionar que em decisão proferida na suspensão
de liminar nº 235, o Ministro Gilmar Mendes, defendeu que, diante
da inércia do Poder Público, há possibilidade de se exigir, mediante
ação judicial, a concretização de políticas públicas, conforme texto
excerto:
Decido.
[...]
Como se pode perceber, tanto o caput do art. 227, como seu
parágrafo primeiro e incisos possuem comandos normativos
voltados para o Estado.[...]
Nesse sentido, destaca-se a determinação constitucional
de absoluta prioridade na concretização desses comandos
normativos, em razão da alta significação de proteção aos
direitos da criança e do adolescente. Tem relevância, na
espécie, a dimensão objetiva do direito fundamental à
proteção da criança e do adolescente. Segundo esse aspecto
objetivo, o Estado está obrigado a criar os pressupostos
fáticos necessários ao exercício efetivo deste direito.
[...]
Ademais, a decisão impugnada está em consonância com
a jurisprudência dessa Corte, a qual firmou entendimento,
em casos como o presente, de que se impõe ao Estado a
obrigação constitucional de criar condições objetivas que
possibilitem, de maneira concreta, a efetiva proteção de
direitos constitucionais assegurados, com alta prioridade, tais
como: o direito à educação infantil e os direitos da criança
e do adolescente. Nesse sentido, destacam-se os seguintes
julgados: RE-AgR 410.715/SP, 2ª T. Rel. Celso de Mello,
DJ 03.02.2006; RE 431.773/SP, rel. Marco Aurélio, DJ
22.10.2004.
[...]
Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de
determinação judicial para o Poder Executivo concretizar
políticas públicas constitucionalmente definidas, como no
presente caso, em que o comando constitucional exige, com
absoluta prioridade, a proteção dos direitos das crianças e
336
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
dos adolescentes, claramente definida no Estatuto da Criança
e do Adolescente. Assim também já decidiu o Superior
Tribunal de Justiça (STJ-Resp 630.765/SP, 1ª Turma, relator
Luiz Fux, DJ 12.09.2005).
Ex positis, restou demonstrado que o Réu não tem
cumprido a determinação emanada da Constituição Federal e pelas
leis ordinárias, o que impõe a necessidade de atuação deste Parquet
para requerer provimento jurisdicional urgente perante a Justiça
Trabalhista.
DAS OBRIGAÇÕES LEGAIS DO RÉU
A omissão do Réu em deixar de instituir políticas
públicas eficientes e eficazes para combater o trabalho de crianças
e de adolescentes viola diretamente direitos fundamentais da pessoa
em formação e agride toda a sociedade, pois obsta o desenvolvimento
daqueles que construirão os alicerces das gerações vindouras.
O trabalho precoce compromete definitivamente o futuro
da criança, pois prejudica o seu rendimento escolar, inviabilizando a
sua formação profissional. Além disso, o trabalho retira da criança o
seu direito à infância e à educação, escravizando-a e acorrentando-a
à pobreza.
Constitucionalmente a sociedade brasileira fez a opção
pela prioridade absoluta de proteção à criança e ao adolescente, como
especificado no art. 227 da CF/88.
No mesmo sentido dispôs o Estatuto da Criança e do
Adolescente em seu art. 4º, parágrafo único, alínea c e d, conforme
texto excerto:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
[...]
c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas;
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
337
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.
E ainda, estabeleceu a norma dos artigos 86 e 88 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e
do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de
ações governamentais e não governamentais, da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento;
indenização por dano moral individual, já que esta última limita-se a
compensar uma vítima individualizada e punir o infrator. Já a primeira
vai além, pois também possui a finalidade preventiva e pedagógica
para o ofensor, ao desestimulá-lo na reiteração, bem como para a
sociedade, ao demonstrar que quem incidir naquelas condutas terá
que arcar com suas responsabilidades.
A indenização por danos morais coletivos possui respaldo
nos arts. 5º, V e X, e 114, VI, da CF; 1º, caput e inciso IV, da Lei
7.347/85; 6º, VI e VII, do CDC e 186, 187 e 927 do CC, aplicáveis ao
Direito do Trabalho por força do art. 8º, § único, da CLT.
Logo, não basta a existência de previsão no ordenamento
jurídico, mas é absolutamente necessário que tais direitos sejam
efetivados, não bastando a simples existência de ações sociais no
município.
No arbitramento da indenização, também deve ser levado
em consideração a quantidade de trabalhadores atingidos pela conduta
ilícita, a normas legais e regulamentares que foram deliberadamente
descumpridas, bem como o fato de que a capacidade econômica da
parte não permite condenação em valor irrisório.
Portanto, todos os dispositivos legais são claros quanto ao
dever do município de erradicar o trabalho de crianças e adolescentes,
inclusive, com a destinação de verbas específicas para essa finalidade,
sob pena de responsabilização.
Portanto, o Ministério Público do Trabalho entende
como pertinente a imposição ao Réu da obrigação de reparar o dano
moral coletivo, afigurando-se proporcional o valor de R$ 100.000,00
(cem mil reais).
4 - DO DANO MORAL COLETIVO
Os valores deverão ser revertidos a entidades públicas ou
privadas sem fins lucrativos que prestem relevante serviço ao município
de Três Lagoas/MS.
O desrespeito à legislação trabalhista mostra a
perversidade da conduta praticada.
Nesse contexto, as condutas praticadas acabam
prejudicando a sociedade como um todo, na medida em que o
descumprimento reiterado da legislação trabalhista e social gera um
sentimento de total descrédito nas instituições, trazendo à sociedade
uma negativa ideia de impunidade.
Assim, as reiteradas lesões à ordem jurídica afetam toda
a coletividade, que se sente vilipendiada no seu direito fundamental
de pertencer a uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF).
Por isso, consagrou-se o instituto do dano moral coletivo,
que pode ser entendido como a lesão transindividual dos direitos da
personalidade, sendo uma ofensa a um grupo, categoria, classe de
pessoas ou à sociedade como um todo.
Cabe destacar que a reparação desse dano difere-se da
338
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
5 - DA LIMINAR
O art. 12 da Lei nº 7.347/85 contempla a possibilidade
de expedição de mandado liminar acompanhado de multa no caso de
seu descumprimento.
Ademais, prevê o art. 11 da mesma lei, a cominação de
multa a ser aplicada pela desobediência do mandamento sentencial.
Como bem assevera a doutrina, tal liminar tem por fim
tanto por termo às ilicitudes já cometidas, bem como coibir novas
investidas contra o ordenamento jurídico, em homenagem ao caráter
preventivo de que pode se revestir este tipo de ação.
A par disso, os dispositivos referentes à antecipação da
tutela constantes do Código de Processo Civil (arts. 461 e 273 do
CPC) são subsidiariamente aplicáveis à lei de ação civil pública, nos
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
339
termos do art. 21 da lei n.º 7.347/85.
Prevê o Código de Processo Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.
Em suma, nos termos legais, há possibilidade de conceder
liminar em sede de Ação Civil Pública, ante o caráter preventivo deste
tipo de ação.
Ressalta-se que não há, inclusive, qualquer óbice para
concessão de liminar em face da Fazenda Pública, por se tratar de
obrigações de fazer e não-fazer.
No caso em tela, o perigo de demora é evidente e os
requisitos autorizadores da antecipação da tutela de mérito estão
presentes, conforme se indica a seguir:
A prova inequívoca verifica-se no próprio procedimento,
qual sejam os documentos juntados ao PROMO 000043.2012.24.002/4
pelos quais resta comprovado que apesar de apresentarem rubricas
no orçamento público, em regra, os valores não atingem o percentual
determinado pelo CONANDA.
Além disso, pelo número de denúncias recebidas neste
Órgão Ministerial, as ações são insuficientes para eliminar a exploração
de crianças e adolescentes na região de atuação desta Procuradoria.
A realidade local revela uma multidão de meninos e
meninas trabalhando em cerâmicas, em serviços domésticos, dentre
outros, comprovando a verossimilhança da alegação.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação cumpre-se no fato de que muitas crianças e adolescentes
estão em situação de vulnerabilidade pessoal e social, afastados
da escola e da infância, inviabilizando sua formação profissional e
acorrentando-os à pobreza.
Com relação ao “fumus boni iuris”, observa-se, que o
nosso ordenamento jurídico define de modo rígido o que pode e o
que não pode ser feito por crianças e adolescentes.
340
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
Proíbe categoricamente que antes dos 14 anos é vedado
qualquer tipo de labor. Entre 14 e 16 anos, os adolescentes podem
fazer cursos técnicos ou trabalhar como aprendizes.
A proibição de menores de18 anos em trabalhos que
acarretam riscos de periculosidade, insalubridade e expediente
noturno é rigorosamente vedado.
Ademais, esperar a concretização dos direitos e garantias
constitucionalmente definidos apenas após o trânsito em julgado da
sentença, acarretará irreparável prejuízo relativamente ao período
pretérito, correspondente à longa tramitação processual, em que os
preceitos legais violados assim permanecerão.
A falta de implementação imediata de políticas públicas
eficazes para a erradicação do trabalho infantil, produzirá mais
trabalho infantil, cujas consequências são irreparáveis para os lesados,
pois com o passar do tempo, eles perdem a oportunidade de vivenciar
as experiências próprias das fases da infância e da juventude.
Além disso, com relação aos demais membros da
sociedade, o dano torna-se irreparável ou de difícil reparação, vez
que a conduta de violar a Constituição Federal, compromete os
anseios dos cidadãos que se deparam com um retrocesso ao invés da
continuidade de desenvolvimento e progresso da nação.
Portanto, a conduta do Réu é ilegal e deve ser afastada
o mais rápido possível, a fim de se evitar maiores danos a estes
indivíduos, e ainda a reiterada lesão aos direitos fundamentais das
crianças e adolescentes.
6 - DA TUTELA INIBITÓRIA
A tutela inibitória, veiculada como tutela preventiva, visa
a prevenir o ilícito, razão pela qual se busca a antecipação à sua prática,
ao contrário da tutela tradicional, meramente reparadora. Quando se
pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim
impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma
tutela dirigida à reparação do dano.
Sua materialização se dá através de uma decisão ou
sentença que impõe um não fazer ou um fazer, conforme a conduta
ilícita temida seja de natureza comissiva ou omissiva (Marinoni,
2003:26/29)1.
1 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. São Paulo: Ed. RT, 2003.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
341
Este fazer ou não fazer deve ser imposto sob pena de
multa, o que permite identificar como seus fundamentos normativo
e processual os artigos 461, do CPC, e 84, do CDC, sem prejuízo
do seu fundamento maior, a base de uma tutela preventiva geral,
encontrado na própria Constituição da República, precisamente no
art. 5º, XXXV, que estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Logo, não se pode fechar os olhos para a situação fática
apresentada, pois a violação ao ordenamento jurídico é evidente e
reincidente conforme os documentos que compõem os autos.
Portanto, requer o Ministério Público do Trabalho que
seja imposta ao Réu, por sentença judicial, obrigação de fazer e/
ou não fazer referente aos dispositivos legais violados, sob pena de
cominação de astreinte, a ser revertida a entidades públicas ou privadas
sem fins lucrativos, indicadas pelo MPT, ou ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador – FAT –,em sede de execução.
7 - DOS PEDIDOS
Ex positis, o Ministério Público do Trabalho requer
LIMINARMENTE, seja determinado o cumprimento das
obrigações abaixo elencadas, sob pena de multa diária no importe de
R$ 500,00 (quinhentos reais) por item descumprido, a ser revertida
a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, indicadas pelo
MPT, ou ao FIA/Municipal (Fundo da Criança e do Adolescente do
Município), em sede de execução.
I - Apresentar projeto de lei junto à Câmara Municipal,
no prazo máximo de 40 (quarenta) dias, visando a criação e
implementação de programa(s) social(is) municipal para erradicar o
trabalho infantil e profissionalização de adolescentes;
a) O projeto de lei previsto neste caput deve contemplar
o plano municipal de erradicação do trabalho infantil,
mecanismos de controle social, diagnóstico, além da
universalização de atendimento.
b) O(s) programa(s) social(is) acima mencionado(s) deverão
priorizar a retirada das crianças e adolescentes do trabalho
e impedir o acesso de crianças ao trabalho em ruas,
oferecendo bolsa-família e/ou programas de educação que
visem a permanência das crianças e adolescentes em regime
de tempo integral nas escolas, mediante jornada ampliada,
priorizando a formação educacional.
342
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
c) No mesmo prazo, apresentar projeto de lei prevendo
penalidade de multa, suspensão e cassação de licença de
localização e funcionamento aos estabelecimentos que
violem a legislação de proteção ao trabalho do adolescente e
de vedação ao trabalho infantil.
II – Quando da elaboração do orçamento público, no
envio dos projetos de lei da LDO e LOA, garantir dotação suficiente
para implementação do(s) programa(s) municipal(is) de erradicação
do trabalho infantil, na legislação citada na cláusula anterior,
principalmente em atividades de risco, garantida a universalização do
atendimento;
a) Garantir a destinação mínima de 2% (dois porcento) do
Fundo de Participação dos Municípios ao Fundo Municipal
dos Direitos das Crianças e Adolescentes.
b) Garantir a destinação mínima de 5% (cinco porcento)
da receita tributária líquida anual para a promoção eficaz de
políticas públicas de proteção à infância e à adolescência,
dentre as quais, aquelas de combate ao trabalho infantil e
profissionalização de adolescentes, conforme decidido pelo
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
c) Adaptar o PPA, a LOA e a LDO vigentes, no prazo
máximo de 40 (quarenta) dias, aos termos das obrigações de
fazer ora requeridas.
III – Executar o(s) programa(s) social(is) acima
mencionado(s);
IV – Apoiar o poder de polícia administrativo do Conselho
Tutelar relativo à proibição do trabalho penoso, noturno, perigoso ou
insalubre aos menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho
a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir de 14 (quatorze) anos, mediante à estruturação física e de
pessoal para funcionamento, devendo fornecer, no mínimo, uma sede
própria, computador, internet, telefone e veículo para atendimento
de denuncias;
V – Fiscalizar e fazer cumprir as legislações específicas
quanto aos direitos das crianças e adolescentes;
VI – Promover o encaminhamento das crianças e/
ou adolescentes aos pais ou responsáveis, mediante requisição do
Conselho Tutelar, nos termos do artigo 101, inciso I combinados
com os artigos 1º ao 11 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente;
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
343
VII – Destinar ou criar local(is) apropriados e de fácil
acesso às crianças e/ou adolescentes resgatados do trabalho a
realização de atividades de lazer, culturais, desportivas dentre outras,
com o objetivo de impedir que retornem ao trabalho, exigindo
das famílias a assinatura de compromisso de encaminhamento das
crianças e/ou adolescentes aos locais designados pelo Município;
VIII – Proceder imediatamente o cadastro da criança e
de sua família, no Cadastro Único do Governo Federal, para efeito de
inclusão em programas sociais/ assistenciais, como o(s) programa(s)
social(is) do município ou o PETI (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil) ou outro mantido com essa finalidade ao verificar
situações de trabalho infantil no Município;
fora da escola;
XIV – Implementar a jornada escolar ampliada do
PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) ou outro
programa equivalente que venha substituí-lo, com padrões mínimos
de qualidade, nos moldes da legislação relativa ao programa;
a) A jornada escolar ampliada deve ser entendida como aquela
destinada ao desenvolvimento, em período extracurricular,
de atividades de reforço escolar, ações esportivas, artísticas,
culturais e/ou de aprendizagem;
XV – Implementar a Comissão Municipal de Erradicação
do Trabalho Infantil, nos moldes da legislação em vigor;
IX – Comunicar os casos de exploração do trabalho
infantil que tiver ciência ao Ministério Público do Trabalho e ao
Ministério Público Estadual local, principalmente nas atividades de
risco;
XVI – Criar vagas para Aprendizes na Administração
Pública Municipal, respeitados os ditames dos artigos 428 a 433 da
CLT, com previsão de teste seletivo e contratação máxima de 2 (dois)
anos, devendo preferencialmente ser de forma indireta a contratação
ou, se previsto na Lei municipal de forma direta;
X – Proibir o trabalho de crianças e adolescentes nos
depósitos de lixo (lixão), mantendo o local devidamente cercado com
a presença de vigilância;
XVII - Criar vagas nos termos da MP 11/2007, em
Projeto Pró-Jovem;
XI – Implementar programas de qualificação profissional
de adolescentes, com base nos artigos 428 e seguintes da CLT que
tratam da aprendizagem, a partir de convênios com SENAI, SENAR,
SENAC, SENAT, SEESCOOP e outras instituições vinculadas à
profissionalização;
XII – Realizar permanente divulgação à população dos
dispositivos de lei que proíbem a exploração do trabalho infantil,
em especial, a proibição do trabalho doméstico aos menores de 16
(dezesseis) anos, promovendo a realização de debates, seminários,
oficinas e campanhas dentre outros, para discussão da questão,
promovendo, no mínimo, três eventos anuais;
XIII – Encaminhar ao Ministério Público do Trabalho,
com base no censo escolar e no cadastro único do bolsa-família
referentes ao ano de 2013, informações sobre todas as crianças e/
ou adolescentes encontrados trabalhando no Município, com dados
suficientes para a identificação da situação de cada uma delas como:
idade, filiação, endereço, atividade em que trabalha(va); empregador,
se houver; renda familiar; escola em que está matriculado ou se está
344
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
XVIII – Criar Centro de Referencia e Assistência Social
– CRAS/PAIF onde não houver;
XIX – Disponibilizar transporte para as crianças e
adolescentes do PETI, ou outro programa equivalente que venha
substituí-lo, principalmente as que se encontrarem em área rural;
XX – Incentivar a criação do selo Empresa Amiga da
Criança no município, tomando como modelo o Selo Empresa
Amigo da Criança e Adolescente da ABRINQ ou Juventude Cristã
do Ministério do Trabalho e Emprego, como incentivo às empresas
que venham contratar aprendizes e/ou venham a adicionar um
plus à aprendizagem, no sentido de incluir seu programa como
Responsabilidade Social;
XXI – Encaminhar a este Parquet relatório semestral
sobre as atividades relativas às obrigações ora requeridas.
Requer seja assinalado o prazo de 180 (cento e oitenta)
dias para implementações das obrigações, ressalvados os prazos
fixados no próprio item, que deverão ser observados pelo Réu, na
forma do artigo 461 do CPC.
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
345
Em sentença definitiva, requer sejam julgados
procedentes todos os pedidos da presente ação, condenando o
Réu ao cumprimento das obrigações de fazer acima elencadas e ao
pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de dano moral
coletivo, ratificando-se a medida liminar com a concessão da tutela
definitiva.
8 - DOS REQUERIMENTOS FINAIS
O Ministério Público do Trabalho requer, ainda:
a) Após o deferimento da antecipação dos efeitos da
tutela, com a medida liminar necessária, a citação do Réu no endereço
disposto no preâmbulo desta exordial, para comparecer em audiência
de conciliação, instrução e julgamento e, querendo, apresentar defesa,
sob pena de revelia e confissão;
b) A intimação pessoal deste Órgão ministerial nos
termos do art. 18, II, alínea h, da Lei Complementar nº 75/93; 84 IV
e 226, parágrafo 2º do Código de Processo Civil e ainda o art. 769
da CLT.
c) A produção de prova por todos os meios em direito
admitidos.
d) A condenação do Réu nas despesas processuais e
demais ônus decorrentes da sucumbência.
9 - DAS PRERROGATIVAS DO AUTOR
O Ministério Público do Trabalho é isento do pagamento
de custas e demais despesas processuais, nos termos dos arts. 790-A,
da CLT; 18, da Lei 7.347/85; 19, § 2º e 27, do CPC.
Dá-se à causa, a título de alçada, o valor de R$ 100.000,00
(cem mil reais).
Termos em que pede deferimento.
Três Lagoas-MS, 10 de maio de 2014.
MATEUS DE OLIVEIRA BIONDI
Procurador do Trabalho
346
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
RECOMENDAÇÃO N.º 10333.2014, de 15 de setembro de 2014
IC 000234.2011.24.000/9
NOTIFICADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES
TERRESTRES - ANTT
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua
Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região, presentada pelo seu
Procurador do Trabalho infra firmado, nos autos do Inquérito Civil n.
000234.2011.24.000/9, no uso das atribuições que lhes confere a Lei
Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar Nº 75,
de 20/05/93), especialmente o que dispõe o art. 84, combinado com
o artigo 6º, inciso XX, que autoriza:
“expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços
públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos
interesses, direito e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando
prazo razoável para adoção das providências cabíveis.”
CONSIDERANDO ser o Ministério Público “instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis” (art. 127 da Constituição da República);
CONSIDERANDO que o artigo 2º da Lei Complementar nº 75/93
dispõe que incumbem ao Ministério Público “as medidas necessárias
para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal”;
CONSIDERANDO que a duração da jornada é um direito social
fundamental previsto no artigo 7º, XIII da Constituição Federal;
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho;
CONSIDERANDO que o trabalho e a segurança são direitos sociais
expressamente garantidos pelo art. 6° da Constituição da República;
CONSIDERANDO que, visando concretizar o comando
constitucional, a Lei n. 12.619/12 introduziu regra na Consolidação
das Leis do Trabalho, especialmente aplicável ao motorista empregado,
delimitando sua jornada diária, nos seguintes termos:
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
347
Ar.t. 235-C. A jornada diário de trabalho do motorista
profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou
mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de
trabalho.
CONSIDERANDO que, ainda atenta às balizas dadas pela carta
magna, a Lei n. 12 .619/12 estabeleceu, no Código do Trânsito
Brasileiro, períodos obrigatórios de descanso aplicáveis a todos os
motoristas profissionais, empregados ou autônomos, nos seguintes
termos:
Art 67-A. É vedado ao motorista profissional, no exercício
de sua profissão e na condução de veículo mencionado no
inciso II do art. 105 deste Código, dirigir por mais de 4
(quatro) horas ininterruptas.
§ 1º Será observado intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos
para descanso a cada 4 horas ininterruptas na condução de
veículo referido no caput, sendo facultado o fracionamento
do tempo de direção e do intervalo de descanso, desde que
não completada s. 4 (quatro) horas contínuas no exercício da
condução.
[...]
§ 3º o condutor é obrigado a, dentro do período de 24 (vinte
e quatro) horas (o observar um intervalo de; no mínimo,
11 (onze) horas de descanso, podendo ser fracionado em 9
(nove) horas mais 2 (duas), no mesmo dia.
CONSIDERANDO que o art. 1º da Lei n. 6.094, de 30 de agosto de
1974, faculta ao Condutor Autônomo de Veículo Rodoviário de Cargas
a cessão de seu automóvel, em regime de colaboração, no máximo a
dois outros profissionais;
CONSIDERANDO que, nos temos do art. 1° da Lei n. 7.290, de
19 de dezembro de 1984, considera-se transportador rodoviário
autônomo de bens a pessoa física, proprietário ou co­proprietário de
um só veículo, sem vínculo empregatício, devidamente cadastrado em
órgão disciplinar competente;
CONSIDERANDO que uma interpretação sistemática da legislação
aplicável à atividade exercida pelo transportador autônomo impõe a
necessidade de limitar-se do número de veículos em sua frota, bem
como de efetuar o registro e controle dos colaboradores, visando
à coibição de situações que atentem contra normas trabalhistas e
previdenciárias;
CONSIDERANDO ainda, que a concretização dos desideratos
trazidos pela Lei n. 12.619/12 carecem da efetiva fiscalização do tempo
de direção e do efetivo gozo dos intervalos de descanso obrigatórios;
CONSIDERANDO que dentre os atuais instrumentos de controle de
348
Revista do Ministério Público do Trabalho nº 8
tempo de direção merece especial importância, dada sua universalização,
o registrador inalterável de velocidade, popularmente conhecido como
“tacógrafo”;
CONSIDERANDO, contudo, que o “tacógrafo” atualmente utilizado
vem majoritariamente baseado em tecnologia analógica, com grande
vulnerabilidade à fraude;
CONSIDERANDO que já se encontra disponível no mercado
“tacógrafo” com tecnologia digital, capaz de garantir a integridade
das suas informações, bem como de permitir a ágil e transferência de
dados para fins de fiscalização;
CONSIDERANDO que, para o fim de verificar o efetivo gozo dos
intervalos de descanso pelo motorista profissional, necessário que além
dos dados e informações acerca do percurso, mostra-se imprescindível
a exata e adequada identificação do motorista condutor, bem como sua
relação mantida com seu eventual empregador ou tomador de serviços
no caso de prestação de serviços autônomos;
CONSIDERANDO que, nos termos § 2º do artigo 1º da Lei n. 9.503,
de 23 de setembro de 2007 (Código de Trânsito Brasileiro), o trânsito,
em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e
entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes
cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas
destinadas a assegurar esse direito;
CONSIDERANDO que os órgãos e entidades componentes do
Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas
competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos
em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de
programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do
trânsito seguro (artigo 1º, § 3º do CTB);
CONSIDERANDO que os órgãos e entidades de trânsito pertencentes
ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à
defesa da vida (artigo 1º, § 5º do CTB);
CONSIDERANDO que, nos termos do art. 24, XVII da Lei n. 10.233,
de 4 de julho de 2001 e do art. 10, XXV, da Lei n. 9.503, de 23 de
setembro de 2007 (Código de Trânsito Brasileiro), a ANTT tem papel
relevante a desempenhar no âmbito do Sistema Nacional de Trânsito;
CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 22, II, da Lei n. 10.233,
de 4 de julho de 2001, o transporte rodoviário de cargas constitui
esfera de atuação da ANTT;
CONSIDERANDO que cabe à ANTT realizar a inscrição do
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transportador rodoviário de cargas no Registro Nacional de
Transportadores Rodoviários de Cargas, conforme prescreve o artigo
14-A da Lei n. 10.233/2001, e a Lei 11.442, de 5 de janeiro de 2007;
CONSIDERANDO que o processo de inscrição e cassação do
registro bem como a documentação exigida para o RNTR-C serão
regulamentados pela ANTT (artigo 3º da Lei n. 11.422/2007);
Vem, por meio da presente notificação, RECOMENDAR a esta
Agência Estatal Reguladora, através de seus atuais dirigentes, o
cumprimento dos ditames consubstanciados nos citados dispositivos
legais, especialmente quanto à elaboração de regulamentação
administrativa, no prazo de sessenta dias, que estabeleçam:
a) a obrigatoriedade de os veículos automotores de cargas de
transportadores submetidos ao RNTRC serem equipados com
“tacógrafo digital”, como condição para que tais veículos sejam
incluídos nas respectivas frotas e, dessa maneira, habilitem-se para o
exercício do transporte rodoviário de cargas com cobrança de frete;
b) que, associado ao registro do percurso hospedado no “tacógrafo”
digital, sejam adotados meios para a exata e fidedigna identificação e
qualificação do motorista ou dos motoristas condutores dos respectivos
veículos de carga;
c) a limitação da quantidade de veículos dos transportadores
autônomos de carga inscritos no RNTRC, em consonância com a Lei
nº 7.290, de 19 de dezembro de 1984;
d) a obrigatoriedade do arquivamento dos registros do tacógrafo, bem
como da identificação e qualificação dos motoristas profissionais,
como condição para a manutenção do cadastro do transportador no
RNTRC na condição de ativo;
A presente RECOMENDAÇÃO é expedida com prazo de início
imediato, a partir do recebimento da mesma, sendo que a verificação
de seu cumprimento será feita diretamente pelo Ministério Público do
Trabalho.
Insta salientar que o descumprimento da referida recomendação
ensejará a adoção das medidas que o Ministério Público do Trabalho
entender cabíveis.
Campo Grande, 15 de setembro de 2014.
PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES
Procurador do Trabalho
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