O MOVIMENTO MIGRATÓRIO EM MATO GROSSO DO SUL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: O JOGO COMO UM REFERENCIAL PARA O ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS. Me. Alexandre Paulo Loro Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD [email protected] RESUMO: O presente trabalho apresenta uma proposta inicial de investigação, a qual tem como principal objetivo pesquisar os jogos dos migrantes, praticados no estado de Mato Grosso do Sul no início do século XX. Para entender as relações de poder estabelecidas na sociedade deste período, será utilizada como metodologia a História Oral. A principal referência utilizada para subsidiar a pesquisa são as obras de Norbert Elias, que oferecem subsídios para o entendimento de uma sociedade dinâmica e interdependente. Palavras-chave: Jogos. Norbert Elias. Migração em Mato Grosso do Sul. ABSTRACT: This paper presents a initial research proposal, which has as main objective to study the games of migrants, practiced in the state of Mato Grosso do Sul in the early twentieth century. To understand the power relations established in society at this period, it will be used Oral History as methodology. The main reference used to subsidize the research are the works of Norbert Elias, which offer the understanding of a society dynamics and interdependent. Key-Words: Games. Norbert Elias. Migration in Mato Grosso do Sul. Uma proposta de pesquisa O interesse e o desejo em pesquisar o movimento de migração em Mato Grosso do Sul (MS) no início do século XX parte de alguns pontos particularmente significativos. Atribuo como fatores determinantes o fato de ser descendente de migrantes; ser também um migrante em MS; e, como docente no Ensino Superior, o interesse em entender as relações sociais existentes, exteriorizadas a partir de um tema cativante que venho estudando desde a época da licenciatura em Educação Física: os jogos. O projeto de pesquisa pretende enfatizar de forma sistemática, criteriosa e profunda a migração paulista, gaúcha, mineira, paranaense e nordestina em MS. Como o MS delimita-se geograficamente com o Paraguai e Bolívia, não se pode perder de vista a influência cultural que exercem esses países no estado, bem como, as relações intrínsecas da imigração japonesa, sírio-libanesa, espanhola, italiana, germânica e austríaca, que ocorreram intensamente no mesmo período histórico. O desenvolvimento da pesquisa é relevante uma vez que sabemos ainda muito pouco sobre a cultura dos jogos trazida pelos migrantes ao estado de MS no início do 1 século XX (na época, ainda integrado ao estado de Mato Grosso). Nesse contexto surge uma indagação inquietante: é possível fazer uma leitura da sociedade daquele período tomando o jogo como principal meio de entender as relações de poder existentes entre os grupos de migrantes? O principal objetivo é investigar os jogos que os migrantes praticavam no estado de Mato Grosso do Sul no início do século XX, como um meio de entender as relações de poder estabelecidas no período. São objetivos específicos: 1) pesquisar as diferentes configurações sociais predominantes no processo de migração; 2) identificar e problematizar os conflitos sociais existentes entre os estabelecidos e os outsiders; 3) categorizar os jogos tradicionais da cultura local, comparados aos jogos introduzidos pelos migrantes e sua repercussão social; e 4) contribuir com a formação de profissionais ligados à área da história da educação. A principal referência para subsidiar o projeto são as obras de Norbert Elias. Parte-se da premissa que a ampla produção de Elias, seja ela individual (1980, 1993, 1994a, 1994b, 2000) ou coletiva, a exemplo Elias & Dunning (1992), oferecem subsídios para reflexões na área educacional, social e histórica, de modo especial, sobre o campo científico das humanidades - como um sistema de relações interdependentes. É evidente que o legado de Elias, em nível internacional, tem contribuído nas investigações para a produção do conhecimento e será essencial para ampliar a leitura do tema proposto nesse projeto. Elias repensa de maneira crítica e vigorosa temas fundamentais como o indivíduo e o grupo. Aborda, essencialmente, os padrões mutáveis de interdependência relativos às relações de poder entre os homens em sociedade. No entendimento de sua abordagem, pressupostos são colocados para uma reflexão crítica, a exemplo da sensibilidade em perceber que os problemas e a sociedade são formados por nós e pelos outros. Daí comumente ocorre o equívoco de visualizar o objeto distanciado do pesquisador, ou seja, o que está sendo estudado não faz parte da realidade de quem o estuda. O aprofundamento na literatura específica e o desenvolvimento da pesquisa fomentará a estruturação de novos grupos de pesquisas na região Centro-Oeste, além de promover a elaboração de novos projetos de ensino, pesquisa e extensão, vinculados às Instituições de Ensino Superior (IES). É de fundamental importância desenvolver estudos que resgatem outras histórias, pois sabemos que a história brasileira geralmente é contada a partir de São Paulo e Rio de Janeiro, pois os primeiros programas de pós-graduação estavam centrados nesses polos, portanto o conhecimento era produzido a partir desse contexto. Contudo, a proposta de estudo não está acabada por entender que inúmeras serão as descobertas no decorrer dos estudos, sendo plausíveis mudanças no decorrer do processo à medida que houver aprofundamento teórico e avanços empíricos alcançados. O movimento de migração em Mato Grosso do Sul Em 1893 foi publicada a obra The Frontier in American History, de Frederick Jackson Turner. Com muita inteligência este autor utiliza a metáfora da “onda” para retratar o movimento de colonização nos Estados Unidos (EUA). A leitura permite entender os avanços da fronteira americana no movimento da colonização, como um movimento de onda que adentra o país. Parte-se da ideia que a história da colonização americana foi, em grande medida, a história da civilização do velho Oeste. As terras 2 livres e o avanço da colonização em direção ao Oeste explicam o desenvolvimento americano. As instituições americanas foram compelidas a se adaptarem às mudanças de um povo em expansão (para a travessia de um continente; o desbravamento de terras selvagens; as condições econômicas e políticas da fronteira), desta forma, a fronteira seria “o pico da crista de uma onda”, o ponto de contato entre o mundo selvagem e a civilização. A ocupação territorial, principalmente na região de fronteira, é uma tarefa penosa para o colonizador. Longe da costa e distante da influência inglesa, torna-se cada vez mais necessário ao colonizador ser autossuficiente. Ele precisa se adaptar. Com a baixa densidade demográfica, o colonizador e sua família obrigam-se a fazer as mais diversificadas tarefas diárias. Isso significa que, quanto maior a densidade demográfica, maior a desfuncionalização da família. A contribuição de Turner é fundamental para perceber que o movimento de migração americana pode ser tomado como referência para os estudos da colonização do Brasil. No entanto, se traçarmos um paralelo entre a história brasileira e a história americana, perceberemos que os americanos tiveram um desenvolvimento acentuado em seu processo civilizador. Podemos levantar duas questões básicas nesse processo: a grafia (maior grau de instrução) e o fato de ser um país menos extrativista. Acrescenta Monbeig (1998) que, no decorrer do processo de ocupação dos EUA, a costa oeste (pacífico) já havia sido conquistada. No entanto, percebe-se que no Brasil o avanço rumo ao oeste teve outra conotação: criou-se uma representação de lugar a ser conquistado, onde a riqueza deveria ser extraída e produzida para retornar a Portugal. Os estudos de Martins (1996) complementam as premissas de Monbeig ao discutir a diferenciação entre a frente de expansão e a frente pioneira. Sendo que uma visa fartura, a outra, acumulação de riqueza. Na primeira, a terra é apossada, na segunda, é comprada e adquire valor de mercadoria. No entanto, ambas têm em comum a economia de mercado capitalista, o que as leva a formar uma unidade. Durante quinhentos anos de história o estado de MS recebeu migrantes de inúmeras localidades do Brasil nas diferentes fases de sua ocupação, seja pela frente de expansão ou pela frente pioneira. Surgem novas configurações no cenário regional, direcionando os destinos dos descendentes, modificando espaços físicos e geográficos e redefinindo as organizações sociais. Existem vários trabalhos que buscam historiar a migração paulista, gaúcha e paranaense no interior do Brasil (PACHECO NETO, 2011; GOETTERT, 2008; SARAT 1999), que podem ser referenciados e aprofundados em novos estudos. Os paulistas se estabeleceram na região de MS no início do século XVII, a partir de expedições dos bandeirantes. O fluxo de migrantes paulistas continuou nas últimas décadas do século XVIII, quando da ocupação do oeste, nordeste e centro do estado. Durante o século XX, os paulistas também se fizeram presentes como colonos das companhias colonizadoras e operários dos fundadores das cidades do leste e sudeste. Concomitante à migração paulista ocorreu a migração gaúcha em MS no final do século XVIII, quando novas cidades foram fundadas. A chegada de gaúchos, assim como a chegada dos paulistas, ocorreu de maneira constante durante o século XIX e início do século XX. Especificamente na década de 1970, estabeleceram-se mais gaúchos na região, numa segunda onda de migração. No entanto, os padrões de colonização notadamente eram diferentes da primeira - esses gaúchos dedicavam-se à cultura mecanizada da soja na região centro-sul do estado. 3 Uma grande onda de paranaenses chegou ao estado de MS durante a década de 1940, com a “Marcha para o Oeste”, promovida pelo então Presidente da República Getúlio Vargas e as companhias de colonização, estabelecendo-se na região central e sul do estado, mais especificamente na Colônia de Dourados. A segunda parcela desses migrantes estabeleceu-se nas décadas de 1970 e 1980, à procura de terras onde pudessem se dedicar à produção mecanizada de cereais, sobretudo a soja, na mesma região que a anterior. A migração nordestina em MS foi intensa a partir de 1890, uma vez que as frentes colonizadoras mais antigas já se encontravam estabelecidas. O fluxo de nordestinos permaneceu contínuo até a década de 1930, no entanto, este fluxo pode ser diferenciado de uma segunda onda de migrantes, que atingiu a região durante a “Marcha para o Oeste” de Getúlio Vargas. O primeiro grupo se distribuiu em diferentes áreas do estado, enquanto o segundo concentrou-se na região centro e sul. MS recebeu no final da década de 1820 expedições lideradas pelo Barão de Antonieta, trazendo consigo uma grande quantidade de mineiros. Posteriormente, com o advento das frentes colonizadoras dos Garcia Leal e dos Lopes, no nordeste e centro do estado, chegaram mais migrantes sendo que esse processo continuou durante o século XX. Inúmeros migrantes deslocaram-se para o estado de MS em distintos períodos históricos, numa dinâmica constante. A proposição do conceito transitoriedade migratória, elaborado por Goettert (2008), ao estudar um grupo específico de migrantes no Centro-Oeste, auxilia no entendimento dessa dinâmica que incorpora e expressa, simultaneamente, movimento e permanência, presença e ausência, familiaridade e estranhamento. A teoria dos processos de civilização de Elias elucida que constitui um erro querer separar as transformações gerais sofridas pelas sociedades e as alterações ocorridas nas estruturas de personalidade dos indivíduos que a formam. Um dos pontos essenciais dessa teoria é mostrar a impossibilidade de pensarmos os conceitos de indivíduo e de sociedade como duas categorias separadas e/ou antagônicas. Na obra O Processo Civilizador (1994a), Elias narra a história dos costumes através das mudanças das regras sociais observando o modo como os indivíduos as percebiam e modificavam seus comportamentos e sentimentos a partir dessas transformações. Para tanto, foram usadas como uma de suas fontes de pesquisa, manuais de etiqueta e boas maneiras, demonstrando assim que nossos hábitos foram modificados e, até certo ponto, enclausurados pelo controle de nossas pulsões. Deste modo, demonstrou como a apreensão de determinados saberes e valores sociais podem se converter em um lugar simbólico de poder. Essas reflexões são provocativas e de fundamental importância para uma análise das relações de convivência que se constituíram através do contínuo movimento migratório de MS, levando em consideração a forma como se deu a construção do imaginário social dos migrantes, sobretudo frente à percepção que esses tinham de si e de sua vizinhança. A teoria dos jogos em Norbert Elias Para entender os processos sociais, o comportamento humano e as ações individuais, é necessário compreender a estrutura das sociedades, as configurações ou interconexões formadas pelos sujeitos. 4 No universo da Sociologia figuracional de Elias, encontramos a categorização que trata da análise da sociedade, sua constituição e as relações existentes na sua configuração. Este material foi desenvolvido em What is Sociology?, publicado pela primeira vez em 1970 e traduzido para o português como Introdução à Sociologia, e será uma das principais referências na abordagem do jogo. A sociedade, segundo Norbert Elias (1980), é um grupo de pessoas, um grupo social, um grupo de seres humanos interdependentes. As pessoas constituem teias de interdependência ou configurações de vários tipos, tais como famílias, escolas, cidades, estratos sociais ou estados. Cada uma dessas pessoas constitui um ego ou uma pessoa, como muitas vezes se diz numa linguagem reificante. Elias acredita que, quando se utiliza a imagem dos participantes de um jogo como metáfora das pessoas que formam as sociedades, é mais fácil repensar as ideias estáticas que se associam à maior parte dos conceitos correntes usados para resolver os problemas da sociologia. Ao abordar os modelos de jogos, Elias (1980) assinala que, O equilíbrio de poder não se encontra unicamente na grande arena das relações entre os estados, onde é frequentemente espetacular, atraindo grande atenção. Constitui um elemento integral de todas as relações humanas. [...] Também deveríamos ter presente que o equilíbrio de poder, tal como de um modo geral as relações humanas, é pelo menos bipolar e, usualmente, multipolar (p. 80). O autor explica, ainda, que esses modelos poderão auxiliar numa melhor compreensão de tal equilíbrio de poder, não como uma ocorrência extraordinária, mas como algo do cotidiano. O poder não é um amuleto que um indivíduo possua e outro não, é uma característica estrutural de todas as relações humanas o que, a princípio, torna o modelo do jogo e da competição uma pertinente e compatível alegoria explicativa da sociedade. Dito de outra forma, a tendência ao equilíbrio de poder está sempre em jogo e presente onde houver uma interdependência funcional entre pessoas. Recuperando o objetivo que propôs Norbert Elias, encontramos o modelo de análise que toma a competição realizada segundo as regras de um jogo, como processo interpretativo e explicativo das interdependências funcionais na sociedade. Os modelos de jogo ajudam a mostrar como os problemas sociológicos se tornam mais claros e como é mais fácil lidar com eles se os reorganizarmos em termos de equilíbrio. 1. O primeiro modelo identificado na análise de Elias é chamado de “competição primária: um modelo de competição sem regras”. Ele representa uma situação básica, encontrada sempre que os indivíduos relacionam-se uns com os outros. É representada por uma disputa entre duas ou mais pessoas que medem suas forças. 2. Outro modelo de jogo é o “processo de interpenetração com normas” e suas subdivisões, o qual demonstra como as teias de relações humanas mudam conforme a distribuição do poder. Portanto há uma alteração da relação do ser humano quando a diferença de poder entre os grupos, ou entre os indivíduos, diminui. 3. “Jogo de duas pessoas” - o fator determinante neste tipo de configuração mutável é a proporção de poder existente entre os componentes. Esse poder qualifica o controle exercido por determinado jogador e também como decorre o curso do jogo. 4. Outra forma de jogo é composta de “muitas pessoas a um só nível”. Trata de um limitado número de relações independentes que uma pessoa pode realizar simultaneamente. A ordem estabelecida na configuração é dada na perspectiva de que a 5 ação de cada participante não é considerada como exclusiva de sua parte. Antes, deverá ser visualizada como a continuação do processo de interpenetração da ação realizada anteriormente, a qual subsidia-lhe a ação futura. 5. Os “jogos multipessoais a vários níveis” são configurações estabelecidas entre jogadores interdependentes e as estruturas para cada uma das jogadas individuais. 6. O subsequente é o “jogo de dois níveis do tipo oligárquico”. Este pode decorrer da pressão exercida por conta do aumento no número de jogadores individuais dentro da configuração. 7. Por fim, temos o “jogo a dois níveis do tipo democrático crescentemente simplificado”. O modelo é evidenciado pela aproximação dos jogadores das camadas mais baixas em detrimento do crescimento da sua força potencial. Os modelos apresentados são modelos didáticos, capazes de reorientar os poderes imaginativos e conceituais, de modo a compreender a natureza das tarefas que defronta a sociologia. Simultaneamente, os modelos servem para tornar mais acessíveis à reflexão científica de certos problemas relativos à vida social. Na apresentação do livro Tempos e espaços civilizadores – diálogos com Norbert Elias (2009), alguns questionamentos relativos à vida social são lançados aos leitores. Estas provocações também são apropriadas nesse estudo: [...] como incorporamos ou disseminamos, mesmo sem perceber, padrões de conduta? Como que, a partir dos nossos desejos, impomos ao Outro desejos que parecem livres, naturais, absolutos e destituídos de maiores dores? Como produzimos, inventamos ou construímos tempos e espaços de civilização – ou de descivilização – em nossas relações cotidianas, ou como foram produzidos tempos e espaços e neles inventamos “nossa” América Latina, “nosso” Brasil, “nossos” índios, “nossa” família, “nossa” escola, “nossos” gênios, “nossos” filhos, “nossos” bairros? Como? (p. 07). Nessa direção e para fundamentar a sua teoria do processo de civilização das sociedades ocidentais, Elias (1993) afirma que a civilização pode ser entendida como uma mudança no controle das paixões e da conduta, a qual “guarda estreita relação com o entrelaçamento e interdependência crescente das pessoas” (p. 54). Diante desse argumento, torna-se claro que o estudo dos processos de civilização e do controle dos impulsos e das paixões constitui tão somente uma única teoria global que abrange esses temas. Caracterização da pesquisa – a história oral O estudo estabelecerá comparações entre o instituído e o que a teoria de Elias preconiza. Nessa análise, utilizaremos como fio condutor a Teoria do Processo Civilizador, teórica e empiricamente, de modo simultâneo, considerando a perspectiva configuracional e do desenvolvimento, tratando os seres humanos e as sociedades de maneira global. A intenção é observar os fatos e dialogar com a teoria existente. Parte-se da hipótese que os jogos tradicionais existentes entre a população local de MS no início do século XX, e os jogos introduzidos pelos migrantes, permitiriam identificar diferentes configurações sociais predominantes. Decorre disso que os jogos podem ser uma metodologia para identificar os conflitos sociais entre os estabelecidos e os outsiders. Isso implica em tomar a obra Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade (ELIAS, 2000) como mais uma referência fundamental no estudo proposto. 6 A população envolvida será composta por migrantes e/ou descendentes de migrantes na Região da Grande Dourados - MS. A realização dessa investigação será desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, através da reconstrução das histórias de vida dos participantes, enfocando de modo especial as suas memórias, as quais envolvem diferentes gerações que não só se sucedem, mas se entrelaçam na permanente tarefa de produzir o mundo. Para a realização dessa metodologia de trabalho a coleta de dados em entrevista semiestruturada será utilizada como instrumento, com roteiros elaborados a partir da temática geral da pesquisa, articulados com os objetivos específicos e com as questões de pesquisa. Pretende-se utilizar a História Oral temática como fonte de produção de documento, com a finalidade de buscar maior compreensão da realidade pesquisada, alicerçada em autores como Halbwachs (1990), Alberti (1997), Portelli (1997, 2000), Gebara (2004), Bosi (2007), Gebara & Wouretrs (2009), entre outros, Afinal é preciso estender nossa tolerância para compreender o documento e sua relação com o historiador. Eis aí a questão central, o historiador é o produtor da documentação histórica. É preciso buscar, não apenas no mundo circundante, mas também no interior do historiador, nas suas emoções, na sua experiência, na sua intuição, para não dizer faro, as múltiplas configurações que possibilitam a ele se relacionar com indícios e, a partir daí, construir evidências, documentando seu próprio raciocínio. O depoimento oral coloca esta questão mais próxima, não se trata da bipolaridade entre objetividade e subjetividade, uma não existe sem a outra e as duas são faces de uma mesma moeda: a relação entre o historiador e as fontes (GEBARA, 2004, p. 152). Dessa relação, entre sujeito-pesquisado e sujeito-pesquisador, resultam depoimentos ricos, que serão transformados em fonte oral, como resultado do contato entre teoria e prática, reflexão teórica e pesquisa empírica. A História Oral é entendida por uma grande maioria de pesquisadores como uma metodologia ou método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista para registrar as narrativas das experiências das pessoas, histórias que há muito as pessoas sabiam e contavam, mas que estavam à margem da documentação produzida pela História oficial. Sobre a questão, Alberti (1997, p. 218) destaca que: A História Oral é um campo de trabalho e uma metodologia que tem uma história e algumas genealogias míticas; que ela se caracteriza pela interdisciplinaridade e pelas muitas possibilidades de emprego, desde a política, passando pela história dos movimentos sociais, pela história de trabalhadores, de instituições, até a história da memória por exemplo; que ela se insere no campo da história presente; que está intimamente ligada às noções de biografia e história de vida; que a fonte oral tem especificidades que a diferenciam de outras fontes históricas, e assim por diante. Dessa forma, a opção em trabalhar com a História Oral como uma possibilidade de ouvir minorias representadas pelas vozes de idosos, de migrantes, pessoas que muitas vezes, em determinados contextos, estão à margem dos acontecimentos e da participação na sociedade. Assim, o objetivo é procurar valorizar as vozes destas pessoas e buscar nas suas histórias de vida algumas respostas para os questionamentos. 7 As entrevistas de História Oral serão tomadas como fontes para a compreensão do passado, ao lado de registros de documentos de arquivos pessoais e particulares que, de alguma forma, respondam sobre as relações entre jogo e a memória. Procuraremos um conjunto de documentos de tipo biográfico, ao lado de memórias e autobiografias, que permitirão compreender como indivíduos experimentaram e interpretaram acontecimentos, situações e modos de vida de um grupo de migrantes e/ou da sociedade sul-mato-grossense. Isso torna o estudo da história mais concreto e próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações futuras, contribuindo com o aspecto educacional e a compreensão das experiências vividas por outros. Referências ALBERTI, V. Ensaio bibliográfico. Obras coletivas de História Oral. In: TEMPO. Rio de Janeiro: vol. 2, n. 3, 1997, p. 206-219. BOSI, E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 14 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. ELIAS, N. Introdução à sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 1980. ELIAS, N. O Processo Civilizador: formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. V. 2. ELIAS, N. O Processo Civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994a. V. 1. ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994b. ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. 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