Norbert Elias examina a questão do controle dos afetos O sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) interessou-se pela transformação peculiar do comportamento humano e na compreensão de suas causas. O autor procurou evidenciar, em seus trabalhos, a existência de uma relação entre as alterações na estrutura social e as mudanças no comportamento e nas emoções dos indivíduos. A constituição psíquica do homem seria determinada pelas alterações na estrutura social por meio de um processo civilizador. Elias atribui isso à influência e à intervenção modeladora a que todo ser humano está exposto na socialização. Transformação constante Duas características fundamentais da contribuição teórica desse sociólogo são a apreensão das relações sociais em movimento e a incorporação de diferentes condicionantes do comportamento individual e coletivo. Para Elias, a mudança é uma característica normal da sociedade. Tanto, que prefere falar em socialização. Ele reconhece que esse termo representa melhor o caráter das relações sociais, já que pressupõe um processo de constante transformação. Um processo permanente Leopoldo Waizbort, estudioso de Elias, destaca: "o que o constitui (constitui o todo relacional) é o conjunto das relações que se estabelecem, a cada momento, entre o conjunto dos elementos que o compõem". Tais relações são sempre relações em processo. Elas se fazem e se desfazem, se constroem, se destroem, se reconstroem, são e deixam de ser, podem se refazer, se rearticular, ou não, afirma Waizbort. As relações nunca são sólidas e petrificadas; a cada instante ou elas se atualizam, ou se esgarçam, ou se fortificam, ou se mantêm ou se enfraquecem. Mas, como quer que seja, há a cada instante algo vivo, em processo. Mais autocontrole no ocidente No que se refere ao controle dos afetos, o argumento de Elias se constrói com base na observação de como o crescente autocontrole do homem não acontece numa ordem social particular. É fruto de um processo histórico lento. Seus estudos demonstram como os povos ocidentais têm sido mais submetidos que os demais ao autocontrole no comportamento e na vida afetiva. Os sistemas de pensamento "isolam os fenômenos de seu fluxo natural, histórico, privam-nos de seu caráter de movimento e processo, e tentam compreendê-los como se fossem formações estáticas, sem considerar como surgiram e como mudam". Para não incorrer no mesmo erro, Elias analisa mudanças ocorridas entre os séculos 13 e 16. Aposta que a perspectiva histórica seria a única capaz de revelar como o controle externo do comportamento e dos afetos do homem é substituído pelo controle interno. Além de observar as mudanças nas estruturas sociais ao longo do tempo, Elias acredita que, para compreender os fenômenos sociais, também é fundamental levar em conta as características específicas de uma configuração particular e suas mudanças internas. Dependentes uns dos outros O que chamamos de sociedade não expressa claramente o que verificamos no âmbito das relações sociais. O autor construiu a noção de configuração para tentar abarcar a rede de interdependências que liga os seres humanos. Uma configuração seria uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e dependentes. Nela, todas as dimensões da vida individual e coletiva se articulam. As pesquisas sociológicas devem, então, reconstruir essa articulação, para evidenciar os vários condicionantes dos fenômenos sociais estudados. *Celina Fernandes Gonçalves Bruniera é mestre em sociologia da educação pela Universidade de São Paulo e assessora educacional.