Gestão de recursos
Eles querem
adrenalina
Por Bruna Maia Carrion
As aventuras
dos gestores
brasileiros que
investem em
junk bonds e
créditos judiciais
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H
á muito dinheiro disponível no mundo, principalmente graças à intensa política de recompra
de títulos de dívida soberana (quantitative easing)
pelo banco central americano (FED). Seu congênere
europeu, o BCE, cogita iniciar processo semelhante
para reativar a economia do continente. Quando
bonds soberanos, tradicionalmente seguros, passam
a render tão pouco (a taxa de juros americana está
em 0,25%), os títulos de dívida mais arriscados e potencialmente lucrativos, conhecidos como high yield bonds, se tornam atraentes. O interesse por esses ativos foi tão intenso ao
longo de 2014 que criou uma bolha, recentemente estourada.
De acordo com dados da Dealogic, houve US$ 22 bilhões em
resgates líquidos de fundos high yield no ano até 27 de outubro — a maioria após agosto, quando o mercado se tornou
mais volátil e Janet Yellen, presidente do FED, afirmou que
o preço dos ativos estava um tanto exagerado. Tais questões
parecem distantes da nossa realidade. Com uma taxa básica de
Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com
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Gestão de recursos
juros de 11% ao ano, diversas aplicações de renda fixa, como os
títulos públicos, oferecem boa rentabilidade atrelada a baixo
risco. Mas não tiremos conclusões precipitadas: o Brasil tem,
sim, um pequeno grupo de gestores interessados no nicho de
high yield bonds.
JGP Crédito, ASK, Vision, Blackwood e G5 Evercore são
exemplos de gestoras brasileiras que atuam no setor. Enquanto nos Estados Unidos as firmas voltadas a esse nicho
compram, basicamente, bonds com risco maior, aqui, para
ter chances de alto retorno, é preciso expandir o cardápio.
A JGP, por exemplo, foca títulos de dívida de empresas que
podem ou não estar em recuperação judicial. Já a ASK se volta
para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).
E a Vision compra recebíveis de ações judiciais ganhas contra
companhias ou o Estado (precatórios) ou de empresas em
recuperação judicial. Nos três casos, entretanto, há uma preocupação em ter um pouco de cada um desses investimentos
no portfólio.
A maioria dessas casas surgiu nos últimos cinco anos e tem
uma história similar à de muitas gestoras de recursos criadas
recentemente para investir em ações. Foram fundadas por
ex-funcionários de instituições financeiras que decidiram
juntar seus milhões e gerir os próprios fundos. Uma de suas
peculiaridades é contar com departamentos jurídicos robustos, com seis a oito pessoas dedicadas a analisar termos
de decisões e sentenças judiciais ou avaliar o risco de perda
na compra de um crédito de uma empresa com problemas
financeiros, por exemplo.
Uma das principais motivações para investir em high
yield é o desejo de estar num setor com menos competidores. “Das companhias listadas em bolsa, considero apenas
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30 realmente boas e líquidas. É muito pouco produto para os milhares de fundos que existem no
mercado”, observa Valério Marega, sócio da ASK
Brasil, que possui hoje patrimônio de R$ 156 milhões. “Nosso objetivo é montar uma carteira que
renda de 25% a 30% ao ano. Pretendemos oferecer
mais que os 17% a 25% dos fundos de private equity,
já que nosso risco é maior”, acrescenta.
Uma das peculiaridades do high yield no Brasil é
justamente uma exigência mínima de retorno muito superior à existente em países desenvolvidos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os títulos que se
encaixam nessa categoria são aqueles com nota de
crédito abaixo de BBB, de acordo com o padrão das
agências Standard & Poor’s e Fitch, e da categoria
BAA da Moody’s. Uma estimativa da corretora e
gestora de investimentos Charles Schwab informa
que esses títulos rendem, em média, 5,5% ao ano.
Por aqui, as notas de crédito ficam em segundo
plano; importa mais a rentabilidade dos ativos.
“Considero high yield o que rende taxa DI mais
5%”, define Rafael Fritsch, chefe de investimentos
da área de crédito da gestora JGP, com R$ 168,5
milhões em ativos sob gestão.
Fritsch geriu por dez anos títulos de high yield
no exterior, em instituições como J.P. Morgan,
Deutsche Bank e Bank of America, e retornou
ao Brasil em 2009. “Quando comecei a trabalhar
com isso, o mercado de crédito no Brasil ainda
era pequeno. Hoje está bem maior, mas ainda há
poucas gestoras e profissionais interessados”, diz.
De fato, o crédito privado se expandiu no País:
estatísticas do Banco Mundial mostram que ele
correspondia a 31,7% do PIB em 2000 e cresceu
para 70,7% em 2013.
Público qualificado
Por investir em ativos arriscados e exigir longos
períodos para resgate — na Vision, o prazo de
maturação do fundo é de até cinco anos —, os high
yields locais são destinados a investidores qualificados e exigem aporte mínimo de, pelo menos,
R$ 1 milhão. A Vision, que gere cerca de R$ 4,4
bilhões, parte deles investidos em madeira de reflorestamento, em terras e no setor imobiliário, tem
como clientes apenas estrangeiros interessados em
crédito no Brasil. “Buscamos investidores institucionais, como fundos de pensão, e family offices”,
conta Amaury Fonseca Júnior, sócio da Vision.
Na ASK e na JGP, os family offices e os investidores
institucionais, tanto locais como estrangeiros, também
são os principais cotistas dos fundos. “High yield é uma
decisão natural de qualquer um que queira fazer uma alocação diversificada”, comenta Christian Sant’Anna, sócio
e gestor da Titan Capital, que gere fortuna de famílias.
Ele aplica entre 5% e 8% do patrimônio de R$ 106 milhões
da Titan em seis gestoras que buscam oportunidades em
créditos, principalmente FIDCs.
Difícil de recuperar
Quem aposta nesse mercado sabe bem que as dificuldades
são grandes. Uma delas é comum a todos os que lidam com
renda fixa: falta liquidez para negociar os títulos no mercado
secundário. Isso se reflete no tempo de resgate do investimento — os fundos da JGP, por exemplo, são fechados para
retiradas por dois a cinco anos.
Outro desafio diz respeito à resolução de insolvências.
O Brasil está em 135o lugar no ranking do Banco Mundial nesse quesito. A Lei 1.1101, conhecida como Lei de
Falências, editada em 2005, ajudou a resolver a questão
ao criar a figura da recuperação judicial. Ela blinda a empresa contra credores por 180 dias, período em que pode
se concentrar na solução de seus problemas financeiros.
Dados da consultoria Corporate Consulting publicados
em outubro de 2013, contudo, revelavam que apenas 50 das
4,2 mil companhias que entraram com o processo de recuperação desde a edição da lei até outubro de 2013 conseguiram
escapar da bancarrota.
O Brasil tampouco está bem colocado em relação à recuperação de créditos insolventes. Segundo dados do Banco
Mundial, para cada US$ 1 devido no País, apenas US$ 0,195
é recebido pelo credor, em média, depois de quatro anos.
Nos Estados Unidos, é US$ 0,815 em um ano e
meio; no México, US$ 0,676 em um ano e dez
meses; na Argentina, US$ 0,308 em dois anos e
meio. “O papel dos credores na renegociação da
dívida nos Estados Unidos é mais ativo. Mesmo
os sindicatos entram na negociação para resolver
passivos trabalhistas rapidamente”, explica Fritsch.
A baixa chance de recuperação das companhias
não só amplia o risco como prejudica a imagem
dos gestores especializados em ativos de alto risco,
muitas vezes apelidados de abutres. “A melhor coisa
que pode acontecer para nós é a empresa se recuperar. Assim, nosso percentual de ganho aumenta de
maneira significativa”, destaca Marega, da ASK. Recentemente, a gestora fez algo até então inédito em
sua rotina. Prestou assessoria a uma empresa com
dificuldades, cujos créditos havia adquirido. “Fomos
cobrá-la e percebemos que a companhia era boa e
queria melhorar sua situação. Ajudamos a resolver
os problemas, e ela foi vendida com lucro”, relata.
Outro problema enfrentado pelos profissionais
que administram títulos de dívida arriscados é a
pouca especialização do Judiciário nacional para
trabalhar com casos de recuperação judicial e
com investidores que compram créditos podres.
“Aos poucos, os juízes brasileiros estão se acostumando à existência de credores como nós.
Há alguns anos, éramos completamente desconhecidos”, lembra Fonseca Júnior, da Vision. Sinal
de que, aos poucos, os gestores brasileiros de high
yield estão ganhando visibilidade. Tudo o que eles
querem é ser reconhecidos por realizar um ofício
que não entusiasma a maioria.
LL.M. em
DIREITO EMPRESARIAL
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