INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
Programa Integrado de Pós Graduação em Biologia Tropical e Recursos Naturais
Crescimento arbóreo de Tabebuia barbata (Bignoniaceae) e
Vatairea guianensis (Fabaceae), em florestas alagáveis do igapó
e várzea, na Amazônia Central, por métodos dendrocronológicos
Sinomar Ferreira da Fonseca Júnior
MANAUS-AM
Maio/2007
ii
Sinomar Ferreira da Fonseca Júnior
Crescimento arbóreo de Tabebuia barbata (Bignoniaceae) e
Vatairea guianensis (Fabaceae), em florestas alagáveis do igapó
e várzea, na Amazônia Central, por métodos dendrocronológicos
Orientadora: Dra. Maria Teresa Fernandez Piedade
Co-orientador: Dr. Jochen Schöngart
Fontes financiadoras:
- CNPq – concessão da bolsa
- Convênio INPA/Max Planck
- Fepim 044/2003
- Geoma
Dissertação apresentada ao Programa Integrado de PósGraduação em Biologia Tropical e Recursos Naturais do
convênio INPA/UFAM, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS, área de concentração em BIOLOGIA
DE ÁGUA DOCE E PESCA INTERIOR
MANAUS-AM
Maio/2007
iii
Ficha catalográfica
F676a
FONSECA-JÚNIOR, SINOMAR FERREIRA DA
Crescimento arbóreo de Tabebuia barbata (Bignoniaceae) e Vatairea
guianensis (Fabaceae), em florestas alagáveis do igapó e várzea, na
Amazônia Central, por métodos dendrocronológicos.
Manaus: INPA/UFAM. 2007. 39p. : il.
Dissertação (mestrado) -- INPA/UFAM, Manaus, 2007.
Orientadora: Dra. Maria Teresa Fernandez Piedade
Co-Orientador: Dr. Jochen Schöngart
Área de concentração em Biologia de Água Doce e Pesca Interior
1. Dinâmica de áreas alagáveis. 2. Dendrocronologia.
3. Várzea e igapó. 4. Densidade da madeira. 5. Idade arbórea.
I. Título.
CDD 19ª 574.52632
Sinopse
Utilizando métodos dendrocronológicos avaliou-se o crescimento arbóreo de duas
espécies, que ocorrem em áreas alagáveis de igapó e várzea, nas Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, na Amazônia Central. Cronologias
da largura dos anéis de crescimento foram construídas e correlacionadas com os dados
hidrológicos. Por meio de modelos derivados da relação de incremento por idade foram
estimados os tempos do diâmetro de corte destas espécies, comparando as taxas de
crescimento entre os ambientes.
Palavras-chave:
Incremento radial, densidade da madeira, idade arbórea, manejo florestal.
iv
Dedico ao meu avô Virgílio José de Oliveira, a
minha mãe Maria Fátima, a minha avó Joana
Ferreira da Fonseca e ao meu pai Sinomar
Fonseca.
v
Agradecimentos
Agradeço ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, ao Programa Integrado de
Pós-Graduação em Biologia Tropical e Recursos Naturais, convênio INPA/UFAM. Agradeço a
Coordenação de Pesquisa em Biologia de Água Doce por terem permitido toda infra-estrutura,
juntamente com o corpo docente do curso de Biologia de Água Doce e Pesca Interior.
Ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) pela concessão da bolsa. Ao Ibama pela
liberação da coleta em campo. Agradeço ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
pelas facilidades permitidas no trabalho de campo, através de seus funcionários e a permanência
na reserva. Aos projetos Geoma e Fepim pelo apoio financeiro nos trabalhos de campo.
Agradeço a secretaria do curso de Biologia de Água Doce e Pesca Interior, as secretárias
Carminha e Elany, pela amizade a nós todos concedida e destreza nos seus compromissos. Em
especial a coordenadora do curso Ângela Varella pela amizade, sendo uma pessoa que sempre se
dispôs em ajudar a todos os alunos deste curso em qualquer momento.
Ao conselho do curso, Dr. Efrem, Dr. Jansen, Dr. Fernando Rosas pelos inúmeros
esclarecimentos sobre as dúvidas advindas do regimento desta presente Instituição e companhia
nas reuniões mensais.
Agradeço aqueles que a presença é indispensável em qualquer etapa no trabalho de
campo, aos mateiros Zé Pretinho e Jackson, aos barqueiros Agenor, Mário, aos tripulantes do
barco Uacari (Mamirauá) Sr. Otávio, Sr. Bento e o José. Ao amigo Willian pela grande ajuda no
flutuante Jarauá, durante o trabalho na reserva Mamirauá.
Agradeço o apoio financeiro e logístico do projeto Inpa/Max Planck, por todas excursões
que tive oportunidade de acompanhar e conhecer um pouco mais deste maravilhoso bioma que é
a Amazônia. A todos do projeto, Wallace, Edivaldo, Valdeney, Celso, Lúcia, Florian, Astrid,
Jochen, Maitê, Rubens, Auristela, Sammya, Maristela, Joneide, Maria Astrid, Keila, Cristiane,
Aline, Daniel, Robson, Teresinha, Araceli, Nina. Ao Dr. Junk e seu irmão Klaus pelos
ensinamentos e amizade. Ao cafezinho da Dona Jesus. Aos companheiros na casa 20, Eva, Elias,
Sejana, Márcio, Willian, Mike, Suzana, e as serviçais Donas Dinalva e Socorro.
Uma imensa gratidão aos meus orientadores Dra. Maria Teresa (Maitê) e Dr. Jochen, por
aceitarem o desafio da minha orientação, permitindo que todas as etapas fossem cumpridas com
vi
êxito. Pela amizade, e pelos ensinamentos que agora me impulsionam a galgar mais um degrau na
vida acadêmica. Obrigado por fazerem parte da minha vida e formação profissional.
Aos referees do plano e da versão final da dissertação.
Aos membros da aula de qualificação, Dr. Florian Wittmann, Dr. Jansen Zuanon e Dr.
Niro Higuchi pela contribuição.
Agradeço a Deus, que é esta mãe Natureza fabulosa, que suporta todas as injúrias
causadas pelo “bicho homem”.
Agradeço a minha família por serem meu alicerce e me apoiarem em todos os momentos.
A minha companheira Patrícia pelos momentos sempre felizes. Aos meus amigos da minha turma
de mestrado (2005). Aos companheiros da república “Boate Azul” Carlos, Daniel, Ricardo,
principalmente a Cida e o Farah pelos incontáveis momentos de distração, e aos que ausentaram e
estão lutando em outras partes do Brasil, ao Michel, Tiago, Emiliano e Rondon. E a todos meus
amigos em Pedrok e Uberlândia, MG.
vii
Resumo
Este trabalho teve como objetivo realizar estudos dendrocronológicos para determinar os padrões
de crescimento de Tabebuia barbata (E. Mey.) Sandwith (Bignoniaceae) e Vatairea guianensis
Aubl. (Fabaceae), espécies arbóreas ocorrentes nas florestas alagáveis de igapó (pobre em
nutrientes) e várzea (rica em nutrientes), na Amazônia Central. Para isso foram coletados
cilindros de madeira de 5,0 mm de diâmetro, na altura do diâmetro do peito (DAP) de 80 árvores,
com o auxílio de um trado dendrocronológico, de indivíduos localizados em elevações similares,
que tiveram em seus troncos inundação média de 4 m. Os anéis de crescimento foram marcados
por faixa de parênquima marginal nas duas espécies, identificados pela estrutura anatômica da
madeira. Determinou-se a densidade da madeira, o incremento radial médio (IRM) e estimou-se a
idade das árvores. Através da variação da largura dos anéis foram construídas cronologias para
relacioná-los com os dados hidrológicos de sazonalidade da inundação. O IRM para ambas
espécies foi significativamente diferente entre os ambientes, com taxas de incremento menores no
igapó. A densidade da madeira não diferiu para as populações das espécies entre os ambientes.
As cronologias construídas a partir da largura dos anéis de crescimento das espécies indicaram
que o crescimento arbóreo é restrito principalmente à fase terrestre, período em que as plantas
não estão sob inundação. Ao comparar o comportamento do crescimento de cada espécie no
igapó e na várzea, conclui-se que o manejo sustentável para estas espécies é adequado somente
nas florestas de várzea, pois as taxas de incremento nas florestas de igapó são baixas, devido à
baixa concentração de nutrientes disponíveis no solo dos igapós sugerindo a conservação destes
ambientes.
Abstract
This study has the aim to estimate wood growth patterns of Tabebuia barbata (E. Mey.)
Sandwith (Bignoniaceae) and Vatairea guianensis Aubl. (Fabaceae), two common tree species
occurring in the floodplain forests of the igapó (nutrient-poor) and várzea (nutrient-rich) in
Central Amazonia. Therefore wood cores with 5 mm diameter were sampled from 80 trees at
diameter at breast height (DBH) with an increment borer. The trees occur at similar elevations
with a mean flood height of 4 m. Tree rings were delimited by wood anatomical patterns
characterized by marginal parenchyma bands. Wood density, mean radial increment (IRM) and
tree age were determined using dendrochronological methods. Ring-width chronologies were
constructed and related to flood-pulse patterns. IRM differed significantly between the two
systems with lower increment rates in the igapó. Wood density did not indicate significant
differences between the two systems. Ring-width chronologies indicate that tree growth is mainly
restricted to the terrestrial phase, when the plants are not flooded. The comparison of wood
growth patterns from the two species in várzea and igapó highlights that a sustainable
management of the timber stocks is only viable in the várzea forests. Increment rates in the igapó
are lowered due to the low concentration of nutrients suggesting the conservation of these forests.
viii
Sumário
Página
1. Introdução
1
2. Objetivos
4
3. Material e métodos
4
▪ 3.1 Sítios de estudo
4
▪ 3.2 Espécies arbóreas
6
▪ 3.3 Trabalho no campo
7
▪ 3.4 Análises no laboratório dendrocronológico
8
4. Resultados
11
▪ 4.1 Cronologias
11
▪ 4.2 Parâmetros para as árvores de Tabebuia barbata
12
▪ 4.3 Parâmetros para as árvores de Vatairea guianensis
13
▪ 4.4 Marcação dos anéis arbóreos pela descrição da anatomia da madeira
15
5. Discussão
18
6. Conclusões
23
7. Referências bibliográficas
24
ix
Lista de figuras
Figura 1. Sítios de estudo localizados nas Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Amanã (RDSA, igapó) e Mamirauá (RDSM, várzea), na
Amazônia Central..............................................................................................5
Figura. 2. Estrutura anatômica da madeira de T. barbata para as amostras do
igapó e várzea..................................................................................................11
Figura. 3. Estrutura anatômica da madeira de V. guianensis para as amostras
de madeira do igapó e várzea...........................................................................11
Figura 4. Relação entre a cronologia dos índices da largura dos anéis de T.
barbata no igapó e a duração da fase terrestre................................................13
Figura 5. A) Diferença no IRM (mm/ano) de T. barbata entre os sítios de
igapó e várzea; B) Gráfico relacionando idade e IRM no ambiente de igapó da
RDSA, e na várzea na RDSM..........................................................................15
Figura 6. Diâmetro cumulativo de crescimento de T. barbata em floresta do
igapó e várzea, na Amazônia Central..............................................................15
Figura 7. A) Diferença no IRM (mm/ano) de V. guianensis entre os sítios de
igapó e várzea. B) Gráfico relacionando idade e IRM para a espécie no
ambiente de igapó da RDSA, e na várzea na RDSM. .....................................16
Figura 8. Diâmetro cumulativo de crescimento de V. guianensis em floresta
do igapó e várzea, na Amazônia Central.........................................................17
Figura 9. Ciclo de corte no igapó e na várzea, para T. barbata e V. guianensis,
relacionado com a densidade da madeira.........................................................22
x
Lista de abreviações de siglas
anm – acima do nível do mar;
DAP – Diâmetro na altura do peito (1,30 m);
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis;
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
IDSM – Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá;
IN – Instrução Normativa;
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia;
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais;
IPCC – do inglês “Intergovernmental Panel on Climate Change”, em português
Painel Inter-Governamental de Mudanças Climáticas;
IRM – Incremento radial médio;
IVI – Índice de valor de importância;
pH – ponto hidrogeniônico;
RDSA – Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã;
RDSM – Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá;
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação;
TSAP – do inglês: “Time Series Analysis Presentation”; programa de análise de
séries temporais;
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura;
ZTTA - Zonas de transição terrestre-aquática.
1
1. Introdução
Na Amazônia Central, a sazonalidade anual de flutuação do nível das águas dos grandes
rios pode alcançar a amplitude média de 10 m (Irion et al. 1997), podendo as florestas alagáveis
permanecerem inundadas até 270 dias em média por ano, conforme a altura do relevo
considerada (Junk, 1989). As áreas alagáveis na Amazônia ocupam uma área de
aproximadamente 300.000 km2, sendo zonas de transição terrestre-aquática (ZTTA), por
alternarem anualmente entre uma fase aquática e uma fase terrestre, constituindo-se em
ambientes de extrema importância na produtividade do ecossistema fluvial (Junk et al. 1989). As
florestas situadas nessas ZTTA são divididas em várzeas (200.000 km2) e igapós (100.000 km2)
que perfazem a maior porção de florestas inundáveis do mundo (Junk, 1993).
As florestas de várzeas são alagadas por rios de águas brancas, de pH próximo da
neutralidade, ricas nutricionalmente por receberem um pulso anual de inundação, que transporta
sedimentos de produtos de interperismo recente, oriundos dos Andes e encostas Pré-Andinas
(Furch, 1997). As florestas de igapós são alagadas por rios de águas claras ou pretas (Prance,
1979), caracterizadas por terem pH ácido, serem pobres em nutrientes e, oriundas dos escudos
geoquimicamente pobres das Guianas e do Brasil Central (Sioli, 1984), sendo as florestas de
igapós de água preta, ricas em ácidos húmicos e fúlvicos provenientes da decomposição da
matéria orgânica da floresta (Lowe-McConnell, 1999).
A diversidade de espécies arbóreas nas florestas de várzea e igapó é fortemente ligada ao
gradiente de inundação. Na Amazônia Central, o principal fator determinante das variações na
diversidade é o nível do solo em que as plantas se encontram e a duração da inundação em seus
troncos, isso caracteriza um gradiente de vegetação, com diferentes espécies em diferentes
estágios sucessionais (Junk, 1989; Ayres, 1993; Ferreira, 2000; Worbes et al. 1992; Wittmann et
al. 2002). A similaridade florística de espécies entre as florestas de igapó e várzea é em geral de
11,3 % (Wittmann & Schöngart, no prelo).
O fato das inundações na Amazônia serem cíclicas durante milhões de anos, possibilitou
às espécies arbóreas das áreas alagáveis o surgimento de diversas adaptações e estratégias
eficientes às fases aquática e terrestre (Junk & Wantzen, 2005). Para as plantas, a inundação
induz condições anaeróbicas nas raízes (Crawford, 1992), que afetam a taxa de crescimento
relativo da maioria das espécies (De Simone et al. 2003), levando à redução da atividade
radicular e a um déficit de água na copa das árvores, que resulta na dormência cambial e
2
formação de anéis anuais no xilema ou lenho (Worbes, 1985; Dezzeo et al. 2003; Schöngart et al.
2004, 2005).
Em zonas temperadas, boreais e semi-áridas, a existência de anéis anuais tem sido descrita
há séculos. Análises de anéis de crescimento têm sido amplamente utilizadas para numerosas
proposições no campo das ciências florestais, botânica, climatologia e outras ciências naturais
(Schweingruber, 1996). Em zonas temperadas e boreais o principal fator que controla o ritmo de
crescimento das espécies arbóreas é a flutuação da temperatura durante o ano (Fritts, 1976).
Em climas tropicais, como a temperatura é quase constante, criou-se o mito da ausência
de anéis anuais no lenho de árvores (Whitmore, 1990), apesar de vários estudos provarem a
existência de anéis anuais no lenho de inúmeras espécies em diferentes ecossistemas florestais
nos trópicos, ao longo de mais de cem anos (Worbes, 1995, 2002).
As áreas de terra firme em regiões tropicais têm o ritmo de crescimento das espécies
arbóreas controlado pela variação intraanual de precipitação (Mariaux 1967, Enquist & Leffler,
2001, Worbes 1999, Dünisch et al. 2003, Worbes et al. 2003, Brienen & Zuidema, 2005,
Schöngart et al. 2006). Nas áreas alagáveis o ritmo de crescimento se deve às inundações anuais,
como ao longo dos rios nas bacias da Amazônia e do Orinoco (Worbes 1985, 1989, 1995; Dezzeo
et al. 2003; Schöngart et al. 2002, 2004, 2005).
O crescimento radial das árvores nas áreas alagáveis se restringe principalmente ao
período não inundado, conhecido por fase terrestre, de forma que a largura do anel corresponde à
duração desta fase (Worbes, 1988, 1989; Schöngart et al. 2002, 2005). A existência de anéis
anuais em árvores das florestas alagáveis permite a elaboração de cronologias por longos
períodos para reconstruir condições paleoclimáticas (Schöngart et al. 2004).
Na bacia Amazônica, o evento El Niño causa anomalias (Timmermann et al. 1999;
Schöngart & Junk, 2007), diminuindo a precipitação na estação chuvosa, o que resulta em uma
baixa descarga de água nos rios (Adis & Latif, 1996) e, conseqüentemente, a extensão do período
vegetativo, no qual os troncos das árvores não estão inundados (Schöngart et al. 2004). Nos anos
de influência desse fenômeno climático, os anéis arbóreos refletem as condições climáticas deste
evento e são significativamente mais largos que anéis de outros anos (Schöngart et al. 2004,
2005).
O estudo dos anéis de crescimento em árvores, conhecido como dendrocronologia
(Schweingruber, 1996), é uma alternativa rápida e eficaz de se pesquisar as dimensões alcançadas
pelas árvores em épocas passadas e obter informações importantes sobre parâmetros biométricos,
para descrever o desenvolvimento de uma determinada espécie (Hughes, 2002; Roig, 2005). Em
3
florestas tropicais esta ferramenta vem sendo utilizada para determinação de idade, taxas de
incremento, manejo florestal, modelagem (Schöngart, 2003; Worbes et al. 2003; Schöngart et al.
2007), produtividade florestal e seqüestros de carbono (Schöngart et al. em prelo), reconstrução
climática (Worbes, 1999; Schöngart, 2003; Schöngart et al. 2004, 2006), relação do pulso de
inundação e largura dos anéis de crescimento arbóreos (Schöngart et al. 2004, 2005).
Em conseqüência do declínio dos estoques de madeira no Paleotrópico, principalmente no
sudeste Asiático, e na mata Atlântica brasileira, a extração de madeira aumentou
consideravelmente na Amazônia. No Brasil 75 % da madeira em tora é produzida na Amazônia
(Uhl et al. 1998). Do ano de 1996 a 1997 uma área de 9.000 a 15.000 km2 foi desmatada na
Amazônia Brasileira (Nepstad et al. 1999). Entre os anos de 1999 e 2002, o desmatamento por
corte seletivo, sem manejo, aumentou em freqüência e em extensão, até em áreas de conservação,
em taxas de 12.075 a 19.823 km2 em área por ano, tendo 27 a 50 milhões de m3 de madeira sido
extraída, que resultou em 60 a 123 % a mais da área desmatada reportada para o mesmo período
pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), (Asner et al. 2005).
Na Amazônia Ocidental, entre 60 e 90 % da madeira em tora do mercado madeireiro vem
das matas alagáveis (Kvist & Nebel, 2001; Worbes et al. 2001), principalmente pela fácil
acessibilidade (Higuchi et al. 1994; Albernaz & Ayres, 1999) e porque os custos de exploração,
extração e transporte são até dez vezes mais baixos do que na terra firme (Barros & Uhl, 1995
1999). Devido à intensa exploração praticada nas áreas alagáveis, estas florestas e suas múltiplas
funções encontram-se em risco, notadamente na Amazônia Ocidental (Junk & Wantzen, 2005). A
exploração de espécies madeireiras no médio Solimões com práticas de corte insustentáveis, sem
considerar as taxas de incremento e dinâmica da regeneração, como ocorreu com Cedrela
odorata, Calophyllum brasiliense, Ceiba pentandra, Virola surinamensis e Platymicium ulei,
levou à escassez dos estoques madeireiros dessas espécies nas últimas décadas nos mercados
locais e regionais na Amazônia Central (Ayres, 1993). Deste modo, essas espécies foram
substituídas por Hura crepitans, Ocotea cymbarum, Couroupita subsessilis e Vatairea guianensis
(Worbes et al. 2001).
O conhecimento das taxas de crescimento das espécies arbóreas é um importante aspecto
da dinâmica florestal em ambientes alagáveis, e devido às diferenças nutricionais entre as várzeas
e os igapós, estratégias para planos de manejos sustentáveis diferenciados no nível de espécie são
necessários para cada um desses ambientes (Schöngart, 2003). Essas informações fornecem ainda
conhecimento biológico de vital importância na conservação desses ecossistemas. Árvores de
estágios sucessionais tardios requerem décadas para se desenvolver (Wittmann et al. 2004),
4
necessitando de áreas protegidas que mantenham a biodiversidade (Ferreira, 2000). Estes
aspectos devem merecer atenção particular em planos de manejo sustentáveis, como é o caso dos
planos de manejo que estão sendo desenvolvidos nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá e Amanã, na Amazônia Central (Schöngart, 2003).
2. Objetivos
Este trabalho teve como objetivo geral realizar estudos dendrocronológicos para estimar
padrões de crescimento do xilema da espécie madeireira Vatairea guianensis e de Tabebuia
barbata, espécie potencialmente madeireira, ambas habitantes naturais de florestas alagáveis de
igapó e várzea na Amazônia Central, para subsidiar propostas de manejo sustentável e
conservação destes recursos naturais e dos ambientes alagáveis de várzea e igapó.
Como objetivos específicos teve-se:
▪ identificar e classificar os anéis de crescimento das espécies arbóreas Tabebuia barbata
e Vatairea guianensis e compará-los entre os ambientes, utilizando como ferramenta a descrição
da anatomia da madeira;
▪ determinar a densidade da madeira, taxas de crescimento do diâmetro e estimar a idade
das árvores das duas espécies em cada um dos ambientes e compará-las;
▪ estabelecer cronologias (séries temporais) para estas espécies em cada sítio, e relacionálas com a influência hidrológica do regime de inundação;
▪ por meio dos padrões de crescimento, propor critérios de manejo dessas duas espécies
para florestas alagáveis de igapó e várzea.
3. Material e métodos
3.1 - Sítios de estudo
Na floresta alagável de várzea o trabalho foi realizado na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (RDSM) (Figura 1), com aproximadamente 11.240 km2 de área. O local
escolhido foi o sítio Mujuí (2° 50' S, 64° 54' W) próximo à comunidade do São Raimundo do
Jarauá, localizado a aproximadamente 70 km a noroeste da cidade de Tefé-AM, e 50 km da
confluência dos rios Solimões e Japurá (Wittmann et al. 2002). Toda a reserva é constituída de
várzea (Ayres, 1993). Para a floresta alagável de igapó, o sítio de coleta foi em uma das margens
5
do lago Amanã (2° 33' S, 64° 41' W) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
(RDSA) (Figura 1), que possui área de 23.500 km2 e é coberta por florestas de várzea, igapó e
terra firme (Schöngart, et al. 2005).
N
RDSM
RDSA
Parque
Nacional do Jaú
Equador
0°
Amazônia
Brasileira
Figura 1. Sítios de estudo localizados nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã
(RDSA, igapó) e Mamirauá (RDSM, várzea), na Amazônia Central. Fonte: Mapas do Instituto
Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE) montados no programa DIVA-GIS e a foto de satélite Landsat.
As duas reservas encontram-se na parte ocidental da Amazônia Central, apresentando
clima tropical quente e úmido, temperatura média diária de 26,9 ºC e uma precipitação anual de
aproximadamente 3000 mm, com uma estação seca distinta durante julho a outubro (Schöngart et
al. 2005).
Criadas pelo Governo Estadual, a RDSA e a RDSM são categorias de unidades de
conservação criadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) em 2000 e no
ano de 2003 declaradas patrimônio mundial da humanidade (UNESCO, www.unesco.org). As
principais características destas unidades são: a manutenção da população local, que participa na
vigilância das reservas (Fearnside, 2003), e a permissão aos moradores para realizar atividades de
manejo da fauna e flora com base em pesquisas científicas, estabelecidas por parcerias com
6
organizações governamentais e não governamentais, desenvolvendo propostas para o uso
sustentado dos recursos naturais (Ayres et al. 1998; Schöngart, 2003).
Seguindo legislação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), as duas reservas, que são administradas e gerenciadas pelo Instituto
Mamirauá, desenvolvem um programa de manejo florestal comunitário simplificado, desde 1998.
O instituto segue a legislação recente (Instruções Normativa (IN) n° 5 e 6 de 11 de dezembro de
2006, IBAMA), como características principais o diâmetro mínimo de corte de 50 cm, ciclo de
corte de 25 a 35 anos, retirada máxima de três árvores por espécie/hectare e sistema de seleção
policíclico (Lamprecht, 1989).
3.2 - Espécies arbóreas
As espécies arbóreas escolhidas foram Tabebuia barbata (E. Mey.) Sandwith
(Bignoniaceae) e Vatairea guianensis Aubl. (Fabaceae) ambas ocorrentes em florestas alagáveis
de igapó e várzea (Gentry, 1992; Ayres, 1993; Ferreira, 1997; Loureiro et al. 2000; Schöngart,
2003; Parolin et al. 2004) tendo importância comercial por sua madeira (Albernaz & Ayres 1999,
Worbes et al. 2001) e ecológica pelo alto índice de valor de importância (IVI) (Wittmann et al.
2002, 2006).
Conhecida por capitarí, Tabebuia barbata é uma espécie decídua (Schöngart, et al. 2002)
que floresce de dezembro a maio e frutifica entre março e junho (Maia, 2001). Como
conseqüência da dormência cambial durante a inundação, a espécie forma anéis de crescimento
anuais, delimitados por faixas de parênquima marginal, com variações da distribuição e tamanho
dos vasos (Worbes, 1988). A espécie pode ser encontrada em florestas alagáveis desde estágios
sucessionais iniciais até estágios clímax (Wittmann et al. 2004).
Na várzea, o incremento radial médio (IRM) da espécie varia de 1,2 a 5,3 mm/ano
(Worbes, 1988), enquanto que a densidade da madeira varia entre 0,65 g/cm3 (Parolin & Ferreira,
1998) e 0,87 g/cm3 (Schöngart, 2003). No igapó a densidade (0,75 g/cm3) e o incremento anual
da madeira (1,7 ± 0,1 mm) são menores que na várzea (Parolin & Ferreira, 1998). A idade
máxima conhecida para esta espécie é de 153 anos (Schöngart, 2003) e IVI médio de 8,0 (Revilla,
1991; Worbes et al. 1992; Wittmann et al. 2004).
Conhecida por faveira, Vatairea guianensis é uma espécie decídua (Wittmann, com.
pessoal) que frutifica de abril a maio (Revilla, 2000). Espécie não pioneira (Parolin & Ferreira,
1998), é encontrada nas florestas alagáveis de estágios sucessionais secundários à clímax
7
(Wittmann et al. 2004; Schöngart, 2003). Nessa espécie os anéis de crescimento são anuais, como
conseqüência da dormência cambial durante a inundação. Sua madeira apresenta alburno de cor
castanho-esbranquiçado, parênquima axial abundante, poros e linhas vasculares visíveis a olho nu
(Loureiro et al. 2000). Na várzea, a densidade da madeira é aproximadamente 0,60 g/cm3, o
incremento radial médio é de 2,5 mm/ano, idade máxima conhecida de 87 anos (Schöngart,
2003), e IVI de aproximadamente 8,0 (Revilla, 1991; Worbes et al. 1992). No igapó a densidade
da madeira da espécie é de 0,74 ±0,05 g/cm3 (Parolin & Ferreira, 1998), não existindo dados de
incremento.
A madeira de T. barbata é utilizada pelos moradores locais, principalmente na construção
de casas, como estrutura de caibros e esteios, sendo que sua comercialização ainda não foi
efetivada pelo Instituto Mamirauá, mas esta espécie indica um grande potencial pela sua
dominância natural (Wittmann et al. 2006). A madeira de V. guianensis é utilizada na marcenaria,
carpintaria, construção civil, caixas, estruturas, divisórias, esquadrias (Loureiro et al. 2000). No
ano de 2006, o metro cúbico da madeira em tora para V. guianensis foi vendido a R$ 43,00 e a
madeira serrada na RDSM comercializada a R$ 130,00 o metro cúbico.
3.3 - Trabalho no campo
Duas excursões de campo foram realizadas para a coleta do material biológico. Como as
reservas distam aproximadamente 500 km de Manaus, o deslocamento para a cidade de Tefé
(AM) demandou dois dias via transporte fluvial, em um barco de motor de centro.
Posteriormente, da cidade de Tefé até a várzea no sítio Jarauá na RDSM foram gastos duas horas
em embarcações de motor de popa (30 hp). O acesso ao sítio no igapó foi realizado por meio de
um barco com motor de centro, com um deslocamento de aproximadamente 10 horas de duração
de Tefé até o local de coleta no Lago Amanã, na RDSA. Em ambos os sítios foram utilizados
embarcações de motor de popa, conhecida popularmente na Amazônia como “voadeiras”, para
acessar os indivíduos arbóreos que se encontravam nas margens do rio e lago, sempre
acompanhados pela presença de um mateiro da região, que ajudou na identificação das espécies e
da área.
O incremento e a densidade da madeira de árvores podem variar de acordo com vários
fatores abióticos e bióticos, dentre os quais destaca-se o estagio sucessional, o tipo de solo e a
duração da inundação (Worbes, 1988; Schöngart, 2003). Por outro lado, para comparar
parâmetros de crescimento da madeira de uma espécie que ocorre em dois locais distintos, como
8
o caso do igapó e da várzea, é necessário que se compare um número suficiente de amostras da
população sob condições similares de inundação nos troncos das árvores. Desta forma, em cada
sítio de igapó e várzea escolheu-se aleatoriamente 20 árvores emergentes, em estágios maduros
(> 20 cm de diâmetro na altura do peito (DAP)) das espécies arbóreas T. barbata e V. guianensis,
que ocorreram em elevações semelhantes nessas florestas alagáveis, coletadas de forma
casualizada e o mais distante possível entre si. Na várzea da RDSM, ambas as espécies foram
coletadas no sítio Mujuí. Na RDSA as árvores de ambas as espécies foram coletadas ao longo da
margem direita do Lago Amanã.
De cada indivíduo mediu-se a 1,30 m do solo o DAP, a altura (m) com auxílio de um
clinômetro (Blume-Leiss BL 6) e a altura da inundação, por meio da marca visível no tronco,
indicativa da altura máxima do último período de inundação (cheia). Após estas medições
retirou-se dois cilindros de madeira na altura do DAP de cada árvore, usando um trado
dendrocronológico (Suunto), com 5,0 mm de diâmetro. Para evitar dano por microorganismos, o
orifício no tronco foi fechado com cera de carnaúba.
As espécies foram coletadas nos meses de fevereiro (T. barbata no igapó e V. guianensis
na várzea) e agosto (T. barbata na várzea e V. guianensis no igapó), do ano de 2006.
3.4 - Análises no Laboratório Dendrocronológico
As amostras de madeira1 coletadas no campo foram preparadas e processadas
cuidadosamente no Laboratório Dendrocronológico, no Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA), Manaus, AM.
Com um dos dois cilindros a densidade da madeira foi determinada pela relação volume
fresco/peso seco, a 105 °C por 72 h (Parolin & Ferreira, 1998). O segundo cilindro foi fixado em
forma apropriada, lixado progressivamente com lixas granulométricas de 40 à 600 e limpado com
compressor de ar para permitir a visibilidade da anatomia da madeira. Assim, os anéis de
crescimento foram visualizados em lupa (Leica MZ 8), permitindo diferenciá-los e classificá-los
pela análise e descrição da estrutura anatômica da madeira (Coster, 1928; Worbes, 1989, 1995).
A marcação do limite dos anéis de crescimento na amostra foi feita com o auxílio de um
lápis, verificando a presença de anomalias ou falsos anéis. A largura dos anéis foi medida com
precisão de 0,01 mm, utilizando-se um aparelho eletrônico digital de medidas (LINTAB), com o
1
Constituída pelo xilema, o termo madeira foi adotado para facilitar a compreensão dos leitores, já que as amostras
de cilindro são retiradas do tronco, sem que as árvores sejam sacrificadas.
9
programa TSAP-Win (do inglês: Time Series Analysis Presentation - Windows) acoplado, que
forneceu curvas individuais de incremento radial para cada indivíduo. A idade arbórea foi
estimada pela relação raio/taxas médias de incremento radial, permitida pela contagem direta dos
anéis e o cálculo do incremento radial médio (IRM) (Worbes et al. 2003; Schöngart et al. 2005).
As séries de anéis dos diferentes indivíduos foram analisadas pela técnica de “cross-dating”, para
combiná-los a uma cronologia em cada sítio de estudo (Pilcher, 1990; Worbes, 1989; Schöngart
et al. 2004, 2005).
A técnica de cross-dating consiste na interdatação visual e estatística das curvas de
crescimento para construir uma série da largura dos anéis em posição sincrônica (cronologia
média) (Pilcher 1990; Worbes 1995). Uma análise de cross-dating bem sucedida pode indicar a
influência de um fator externo no crescimento arbóreo de indivíduos de uma região (Eckstein et
al. 1981). Para se conseguir resultados de confiança, as séries temporais devem apresentar
sobreposição mínima de 40 anos (Pilcher, 1990), sendo que o grau de relação das séries
temporais é expresso pelo teste de duas amostras (valor T) (Baillie & Pilcher 1973, Schöngart et
al. 2004, 2005). O resultado é dado pela porcentagem de concordância ano após ano entre as
tendências
de
intervalo
das
duas
cronologias,
representadas
pela
sigla
GLK
(Gleichläufigkeitskoeffizient) (Schweingruber, 1996).
As tendências do incremento a longo prazo são removidas das curvas individuais pela
conversão da série temporal em índices (média corrente de 5 anos) (Baillie & Pilcher, 1973),
necessária para calcular regressões simples com parâmetros ambientais, como os dados
hidrológicos (Cook & Briffa, 1990). A conversão das curvas em índices (indexação), o cálculo da
concordância entre as curvas (GlK) e valor T foram realizados com a análise das séries temporais
utilizando o programa TSAP-Win., e as correlações realizadas no programa Statistica 6.0.
Os dados de flutuação do nível do rio nas reservas, registrados de 1993 a 2005, pelo
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) são insuficientes para correlacionar
com séries temporais longas. Assim, o registro diário do nível da água, desde o ano de 1903 no
porto de Manaus, foi utilizado para calcular os parâmetros hidrológicos, já que as flutuações do
nível das águas do rio Negro no porto de Manaus e as do rio Japurá em Mamirauá são
significativamente correlacionadas (Schöngart et al. 2005). O nível médio de flutuação da água
no Rio Japurá durante o período de 1993-2000 foi de 11,38 m (dados: Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM)). A amplitude média no porto de Manaus para
mesmo período foi de 11,42 m, com uma diferença de apenas 4 cm.
Como os sítios de estudo nas reservas Amanã e Mamirauá encontram-se a altitudes
10
diferentes, a altura da inundação (em média de 4 m) encontrada nos troncos das árvores deste
trabalho nas reservas, corresponde à cota de inundação de 24 m acima do nível do mar (anm) no
porto de Manaus, para os dados hidrológicos da última cheia do ano de 2005. Dessa forma, a
flutuação do nível do rio no porto de Manaus, associada à elevação dos sítios de estudo foi
utilizada para calcular a duração da fase aquática (cheia), período não inundado (fase terrestre),
níveis mínimo e máximo da inundação e a sua relação à largura dos anéis analisados por
correlações (Schöngart et al. 2004, 2005).
Calculou-se regressões entre os parâmetros DAP, idade, densidade da madeira e taxas
médias de crescimento do DAP para cada espécie em cada sítio. Para comparar e analisar
diferenças dos mesmos parâmetros para cada espécie entre os ambientes de várzea e igapó,
utilizou-se o teste T (Zar, 1999, Statistica 6.0).
Baseado nas relações entre idade e taxas médias de incremento foram construídas curvas
cumulativas de crescimento do DAP, somando as taxas de incremento médio para cada idade,
sendo feitas para cada espécie em cada ambiente, adaptadas por um modelo de regressão nãolinear (Schöngart, 2003). Dessa forma, tomando como referência o modelo que representa cada
população em cada sítio e o DAP mínimo de corte de 50 cm, o ciclo de corte foi estimado pelo
tempo médio para passar por uma classe de DAP de 10 cm até o diâmetro minimo de corte,
estabelecido para as espécies madeireiras para as florestas de igapó e várzea (Schöngart, 2003;
Schöngart et al. 2007) utilizando o programa X-ACT 7.0.
11
4. Resultados
4.1 - Marcação dos anéis arbóreos pela descrição da anatomia da madeira
As espécies Tabebuia barbata e Vatairea guianensis não apresentaram diferenças
marcantes na delimitação das camadas de crescimento entre os ambientes de igapó e várzea (Fig.
2 e 3).
Igapó
Várzea
1 mm
Figura. 2. Estrutura anatômica da madeira de
T. barbata para as amostras do igapó e
várzea. As setas indicam o limite dos anéis de
crescimento, marcados pela faixa de
parênquima marginal.
Igapó
a
Várzea
a
1 mm
Figura. 3. Estrutura anatômica da madeira de
V. guianensis para as amostras de madeira do
igapó e várzea. As setas indicam o limite dos
anéis marcados pela faixa de parênquima
marginal. A faixa de parênquima marginal
acompanha o parênquima paratraqueal no
ponto (a).
12
As camadas de crescimento em T. barbata em ambos ambientes (Fig. 2) são marcadas por
faixas de parênquima marginal, seguindo a classificação e descrição apresentada por Worbes
(1988). Em V. guianensis as camadas de crescimento foram bem menos distintas. Os anéis de
crescimento foram marcados pela faixa de parênquima marginal, que às vezes é acompanhada
por parênquima paratraqueal no ponto (a), o que dificulta, em alguns casos, a visualização do
limite dos anéis de crescimento, sendo que este tipo de tecido parenquimático ocorre mais
freqüentemente nos indivíduos oriundos do ambiente de igapó.
4.2 - Cronologias
Quando da construção das cronologias constatou-se uma grande variação na largura dos
anéis de crescimento nos indivíduos arbóreos, para ambas espécies, em cada sítio de estudo.
Assumindo que o crescimento das árvores nas áreas alagáveis ocorre durante a fase terrestre
(Worbes, 1989; Schöngart et al., 2002; Schöngart, 2003), e que essa fase influencia o padrão de
largura dos anéis de crescimento ano após ano, somente Tabebuia barbata, no ambiente de igapó,
mostrou uma correlação estatisticamente positiva entre o crescimento e a duração da fase terrestre
(GLK) de 76 % (r = 0,36, p < 0,0001, Valor T = 6,4) (Tabela 1, Fig. 4). Dos vinte indivíduos
arbóreos analisados para esta espécie no igapó, somente nove tiveram o padrão de largura dos
anéis que pudesse construir uma cronologia média para a espécie e pode ser transformada em
uma curva de índices, mediante a análise visual e estatística (cross-dating).
Ainda no ambiente de igapó, baixa correlação positiva foi encontrada para o nível
mínimo, verificada em V. guianensis (r = 0,21, p < 0,05), e para o nível máximo, correlacionouse negativamente T. barbata (r = - 0,31, p < 0,005), indicando que o ritmo de crescimento das
espécies nas áreas alagáveis é controlado principalmente pelo pulso de inundação. Para a fase
aquática, não houve correlação significativa para nenhuma das espécies nos dois ambientes.
Tabela 1. Dados de correlação entre as curvas de índice da largura dos anéis de T. barbata e V. guianensis, nos ambientes de
igapó e várzea, e a duração da fase terrestre, nível mínimo e nível máximo; e a concordância entre as curvas de índices das
espécies e a duração da fase terrestre. (r = coeficiente de correlação, p = nível de significância).
r (p)
Indivíduos
Igapó
T. barbata
9
X
V. guianensis
8
X
V. guianensis
10
Várzea
Fase terrestre
Mínimo
0,36 (<0,0001)
0,21 (<0,05)
X
Máximo
Coincidência (%)
-0,31 (< 0,05)
76
60
63
13
Devido a enorme variação nas curvas de incremento em cada indivíduo da população de
T. barbata na várzea da RDSM, não foi possível à obtenção de uma cronologia sincronizada em
uma curva média, que representasse a espécie. Visto que cinco indivíduos analisados desta
população apresentaram séries temporais menores que 40 anos. V. guianensis apresentou alta
coincidência em ambos ambientes com a duração da fase terrestre, com uma sincronização de 60
% igapó e 63 % na várzea (Tab. 1).
Índices
200
150
100
50
0
1914
1922
1930
1938
1946
1954
1962
1970
1978
1986
1994
2002
Ano
Figura 4. Relação entre a cronologia dos índices da largura dos anéis de T. barbata no igapó (curva
preta) e a duração da fase terrestre calculada para a elevação de 24 m anm (dados do Porto de Manaus).
A coincidência entre as curvas é de 76 %.
- 4.3 Parâmetros para árvores de Tabebuia barbata
A população de T. barbata no igapó da RDSA permaneceu em média 167 dias por ano
sob inundação, com a coluna de água atingindo 4,0 metros de altura no tronco das árvores. Na
várzea da RSDM, os indivíduos arbóreos permaneceram em média 173 dias por ano com o tronco
circundado por uma coluna de água de 4,2 metros (dados da última cheia de 2005) (Tabela 2).
O DAP médio calculado para a espécie foi de 29,4 cm no igapó e 44,1 cm na várzea, local
onde obteve-se o maior DAP encontrado (60,0 cm). O IRM diferiu significativamente entre os
ambientes, sendo 1,71 ± 0,5 mm/ano para o igapó e 2,88 ± 1,0 mm/ano para a várzea (teste t =
4,64, p < 0,001) (Figura 2, e 5A). A idade foi em média 92 anos no igapó e 84 anos na várzea.
Idade e densidade da madeira não apresentaram diferenças significativas entre os ambientes (Tab.
2). Como o DAP entre as populações são diferentes o teste T não indica diferença estatística para
a idade. A idade máxima estimada para o igapó foi de 181 anos (DAP = 31,2 cm) e para a várzea,
142 anos (DAP = 60,0 cm). A altura média das árvores no igapó foi de 16,2 ± 3,0 m, e na várzea
foi de 22,3 ± 2,9 m, tendo sido medida a altura máxima de 27 m para um indivíduo.
14
Tabela 2. Parâmetros amostrados para T. barbata nas áreas alagáveis de igapó e várzea, na Amazônia Central.
Parâmetro
Igapó
Várzea
4,0
4,2
n = 20
n = 20
29,4 (21,3-42,9)
44,1 (34,0-60,0)
1,71 ± 0,5
2,88 ± 1,0
4,64 (p < 0,001)
92 ± 33
84 ± 28
0,77 (p = 0,44)
0,83 ± 0,08
0,80 ± 0,08
1,02 (p = 0,32)
Altura da inundação (média (m))
Número de indivíduos
DAP (cm) média (mín-máx)
Incremento radial médio (mm/ano)
Idade média (ano)
Densidade da madeira (g/cm3)
Teste t
Para a correlação entre os parâmetros de crescimento da madeira analisados (Tab. 3),
houve significância para ambos ambientes, entre o IRM e idade no igapó (r = - 0,65, p < 0,005) e
na várzea (r = - 0,85, p < 0,0001) correlacionados negativamente (Fig. 5B). No igapó houve
correlação entre IRM por densidade da madeira (r = - 0,60, p < 0,005), e DAP por idade (r = 0,57,
p < 0,01). A altura não se correlacionou com nenhum dos outros parâmetros (Tab. 3).
Tabela 3. Correlação cruzada entre dap e os parâmetros de crescimento da madeira de T. barbata no igapó (sem destaque
em cor) e na várzea (destacado em cor cinza) (r = coeficiente de correlação, p = nível de confiança).
r (p)
DAP
IRM
Idade
Densidade
Altura
DAP
---
0,14 (0,56)
0,57 (p < 0,01)
- 0,15 (0,52)
0,43 (0,06)
IRM
0,05 (0,82)
---
- 0,65 (< 0,005)
- 0,60 (< 0,005)
0,12 (0,59)
Idade
0,43 (0,06)
- 0,85 (< 0,0001)
---
0,37 (0,11)
0,08 (0,71)
- 0,26 (0,27)
- 0,20 (0,41)
- 0,004 (0,99)
---
0,21 (0,37)
0,21 (0,36)
- 0,22 (0,35)
0,23 (0,32)
- 0,01 (0,95)
---
Densidade
Altura
Utilizou-se o modelo derivado da relação significativa do IRM e a idade (Fig. 5B) para
simular o crescimento cumulativo do DAP, que indica com a curva média para a população de T.
barbata no ambiente de várzea, que o diâmetro mínimo de corte de 50 cm é alcançado com a
idade média de 117 anos (Fig. 6), e para o ciclo de corte a idade média estimada de 23,4 anos
representa o tempo para esta espécie passar por uma classe de DAP de 10 cm neste ambiente.
Diferentemente, a população do ambiente do igapó necessita em média de 278 anos de idade para
alcançar o DAP de 50 cm, que corresponde com um ciclo de corte de 55,6 anos (Fig. 6).
15
3,4
6
A
3,2
IRM (mm / ano) ola
3,0
2,8
2,6
2,4
2,2
2,0
1,8
Igapó
Várzea
4
3
2
1
1,6
1,4
B
5
Igapó
0
Várzea
0
50
100
150
200
Idade (anos)
Figura 5. A) Diferença no IRM (mm/ano) de T. barbata entre os sítios de igapó e várzea (t = 4,64, p < 0,001) □ = Média;□ =
1
Média ± dp (desvio padrão);
= Média ± 1,96*dp. B) Gráfico relacionando idade e IRM no ambiente de igapó da RDSA
(cor preta) representado pela fórmula y = 19,247 x – 0,552 (r = - 0,65; p < 0,005), e no ambiente de várzea da RDSM (cor
cinza), definido pela fórmula y = - 2,47 Ln (x) + 13,69 (r = - 0,85; p < 0,0001).
70
60
Diâmetro mínimo de
corte
DAP(cm)
(cm)
DAP
50
40
30
20
Várzea
10
Igapó
0
0
50
100
150
200
Idade (anos)
Figura 6. Diâmetro cumulativo de crescimento da população de T. barbata em floresta do igapó (curva em cor
preta) e várzea (curva em cinza), na Amazônia Central.
4.4 - Parâmetros para árvores de Vatairea guianensis
Para V. guianensis o nível médio da coluna de água em que os troncos das árvores ficaram
inundados foi de 3,8 metros no igapó da RDSA e 4,2 metros na várzea da RDSM, permanecendo
inundadas em média 160 dias e 172 dias por ano, respectivamente (Tabela 4).
16
O DAP médio foi de 43,2 cm no igapó e 56,9 cm na várzea, onde se obteve o DAP
máximo individual de 84,1 cm. O IRM foi significativamente diferente entre os ambientes (t =
3,45; p < 0,001), no igapó em média o IRM foi de 2,29 ± 0,7 mm/ano, e para a várzea 3,59 ± 1,5
mm/ano (Fig. 3 e 7A; Tab. 4). Idade e densidade da madeira não apresentaram diferenças
significativas entre os ambientes. Da mesma forma, como o DAP entre as populações foi
diferente o teste T não indicou diferença estatística para a idade. Para a idade máxima atingida
obteve-se 200 anos (DAP = 64,5 cm) para o igapó e 160 anos (DAP = 54,2 cm) na várzea. A
altura média foi similar para os dois ambientes, igapó (20,0 ± 4,4 m) e várzea (20,7 ± 4,1 m), em
cujo ambiente obteve-se o indivíduo com altura máxima de 30,8 m.
Para os parâmetros de crescimento da madeira (Tab. 5) obteve-se correlação significativa
para IRM e idade em ambos ambientes (igapó (r = - 0,65, p < 0,01); e várzea (r = - 0,79, p<
0,001)) (Fig. 7B). Iguais relações foram obtidas para o DAP e a altura em ambos ambientes
(igapó (r = 0,65, p < 0,05); e na várzea (r = 0,57, p < 0,01)). Para a relação DAP por idade
obteve-se correlação significativa somente no ambiente de igapó (r = 0,77, p < 0,001).
Tabela 4. Parâmetros amostrados para V. guianensis nas áreas alagáveis de igapó e várzea, na Amazônia Central.
Parâmetro
Igapó
Várzea
3,8
4,2
n =20
n =20
43,2 (25-64,5)
56,9 (42,5-84,1)
Incremento radial médio (mm/ano)
2,29 ± 0,7
3,59 ± 1,5
3,45 (p < 0,001)
Idade média (ano)
102 ± 45
91 ± 37
0,92 (p > 0,36)
0,65 ± 0,04
0,66 ± 0,03
0,84 (p >0,40)
Altura da inundação (média (m))
Número de indivíduos
DAP média (mín-máx) cm
Densidade da madeira (g/cm3)
9
A
B
8
Igapó
7
IMR (mm / ano)
4 ,4
4 ,2
4 ,0
3 ,8
3 ,6
3 ,4
3 ,2
3 ,0
2 ,8
2 ,6
2 ,4
2 ,2
2 ,0
1 ,8
Teste t
Várzea
6
5
4
3
2
1
0
Igap ó
Várze a
0
50
100
150
200
250
Idade (anos)
Figura 7. A) Diferença no IRM (mm/ano) de V. guianensis entre os sítios de igapó e várzea (t = 3,45, p < 0,001) □ =
Média;□ = Média ± dp (desvio padrão); 1 = Média ± 1,96*dp. B) Gráfico relacionando idade e IRM para a espécie no
ambiente de igapó da RDSA (cor preta) representado pela fórmula y = 20,14 x -0,4872 (r = - 0,65; p < 0,01), e na várzea
na RDSM (cor cinza) definido pela fórmula y = - 3,202 Ln(x) + 17,78 (r = - 0,75; p < 0,001).
17
Devido às correlações altas entre IRM e idade em ambos ambientes (Fig. 7B; Tab. 5), o
modelo derivado indica que o DAP mínimo de 50 cm para V. guianensis no ambiente de várzea é
alcançado em média com 70 anos de idade (Fig. 8), e o ciclo de corte para a passagem de uma
classe de 10 cm é estimado em 14 anos. No ambiente de igapó a idade média de 162 anos (Fig. 8)
representa o tempo em que a espécie atinge o diâmetro de 50 cm, e o ciclo de corte é estimado em
média de 32,4 anos.
Tabela 5. Correlação cruzada entre dap, altura das árvores e os parâmetros de crescimento da madeira de V. guianensis
no igapó (valores sem destaque em cor) e várzea (valores em cinza), (r = coeficiente de correlação, p = nível de confiança).
r (p)
DAP
IRM
Idade
Densidade
Altura
DAP
---
-0,04 (0,86)
0,77 (< 0,001)
0,26 (0,27)
0,65 (< 0,05)
IRM
-0,08 (0,73)
---
-0,65 (< 0,01)
-0,10 (0,67)
0,15 (0,51)
Idade
0,35 (0,13)
-0,79 (< 0,001)
---
0,29 (0,20)
0,32 (0,16)
Densidade
-0,12 (0,61)
0,02 (0,93)
-0,04 (0,87)
---
-0,02 (0,94)
Altura
0,57 (< 0,01)
-0,03 (0,91)
0,20 (0,41)
0,08 (0,75)
---
90
80
DAP
DAP(cm)
(cm)
70
60
Diâmetro mínimo de
corte
50
40
30
20
Várzea
Igapó
10
0
0
50
100
150
200
Idade (anos)
Figura 8. Diâmetro cumulativo de crescimento da população de V. guianensis em floresta do igapó (curva em
cor preta) e várzea (curva em cinza), na Amazônia Central.
18
5. Discussão
A utilização de diferentes métodos dendrocronológicos, como shigômetro (Worbes,
1995), fitas dendrométricas (Schöngart, 2003), técnica de datação de anéis com
14
C (Worbes &
Junk, 1989; Dezzeo et al., 2003), observações da fenologia (Worbes, 1997; Schöngart et al.
2002), feridas do câmbio (janelas de Mariaux) (Worbes, 1988) e correlações entre índices de
taxas de incremento médio nos anéis arbóreos com fatores climáticos como precipitação,
influência do El Niño (Schöngart et al. 2004) e influência do pulso de inundação (Dezzeo et al.
2003; Schöngart et al. 2005) tem comprovado a existência de anéis anuais no lenho de espécies
arbóreas em áreas alagáveis da Amazônia. Todos esses estudos indicam que o crescimento
arbóreo, para as espécies nos ambientes alagáveis amazônicos, ocorre principalmente na fase
terrestre, quando as plantas não estão sob regime de inundação (Schöngart et al. 2002).
Os resultados obtidos das séries temporais dos índices de largura dos anéis de
crescimento, comparados com as séries temporais dos parâmetros hidrológicos da flutuação do
nível do rio, indicam para as duas espécies (exceto em T. barbata na várzea), cronologias com
alta sincronização (concordância > 60 %) com a duração da fase terrestre, indicando que o
crescimento diamétrico para ambas, nas áreas alagáveis, é induzido predominantemente, pelo
tempo de duração da fase terrestre. Essa evidência, da relação da largura dos anéis e o pulso de
inundação indica a existência de anéis anuais, que permitem não só determinar as taxas de
incremento e estimar a idade das árvores, mas também compreender os aspectos ecológicos
influenciados pela dinâmica de inundação na Amazônia Central (Worbes, 1995, Schöngart et al.
2002, 2004, 2005).
Além da influência hidrológica, as características genéticas, associadas à vários fatores
abióticos, como o clima, nutrientes no solo, topografia e exposição à luz, são determinantes no
crescimento arbóreo. As populações de T. barbata e V. guianensis se desenvolvem em condições
climáticas e hidrológicas similares; contudo, as condições nutricionais do solo diferem entre o
igapó e a várzea.
No solo da várzea, a concentração em toneladas por hectare dos elementos químicos
como P, K, Ca e Mg são de 5 a 15 vezes maiores do que as concentrações no solo do igapó,
analisados em camadas de 30 cm de profundidade. Esta diferença nas condições químicas no solo
tem reflexo na biomassa viva, com concentrações médias destes mesmos bioelementos quatro
vezes maiores nas árvores do ambiente de várzea. As diferenças na razão solo/nutrientes da
19
vegetação entre várzea e igapó são bem menores que as diferenças no conteúdo mineral do solo,
sugerindo que os dois sistemas diferem nas suas estratégias de uso dos nutrientes (Furch, 1997).
Os indivíduos arbóreos das duas espécies, comparados nas cotas de inundação similar em
ambos ambientes, não apresentaram diferenças significativas para densidade da madeira. Em
trabalho anterior, Parolin & Ferreira (1998) encontraram diferenças significativas para densidade
da madeira em T. barbata entre várzea (0,65 ± 0,02 g/cm3) e igapó (0,75 ± 0,06 g/cm3). Esses
autores compararam indivíduos arbóreos de T. barbata de um estágio maduro no igapó (n = 16),
com indivíduos em estágio jovem na várzea (n = 5). As árvores no estágio jovem da sucessão na
várzea possuem taxas elevadas de incremento, que resultam em baixa densidade da madeira
(Worbes et al. 1992), quando comparadas com indivíduos em estágios maduros no igapó
(Worbes, 1988), o que tornam comparações em estágios sucessionais diferentes problemáticas.
Além do mais, esses autores coletaram amostras da madeira de indivíduos do igapó na cota baixa,
situada de 21 a 25 m anm; e na várzea coletaram na cota alta, entre 25 e 28 m anm, conforme a
classificação de cotas de inundação de Junk (1989). Esta diferença na altura do relevo entre as
cotas dos pontos de coleta dos dois ambientes resulta em uma defasagem entre as fases terrestres
dos dois pontos amostrais de, no mínimo dois meses (Dados do Porto de Manaus). Dessa
maneira, as árvores que se encontram na cota baixa teriam um tempo consideravelmente menor
para crescer, o que explica as diferenças de densidade da madeira encontradas pelos autores.
Schöngart et al. (2005) compararam árvores de Macrolobium acaciifolium de florestas
maduras em cotas similares de inundação no igapó e na várzea, encontrando densidade da
madeira significativamente mais baixa no ambiente de igapó (0,39 ± 0,05 g/cm3) do que na
várzea (0,45 ± 0,03 g/cm3).
Mesmo que estágios sucessionais iguais e cotas similares de inundação sejam
indispensáveis para se comparar parâmetros arbóreos para as espécies nas áreas alagáveis
(Worbes et al., 1992), não existe uma conclusão para o padrão da densidade da madeira, pois
algumas espécies possuem densidades diferentes entre igapó e várzea, e outras não indicam essas
diferenças.
As taxas de incremento médio foram menores no ambiente alagável de igapó para ambas
as espécies. Taxas de incremento médio menores no ambiente alagável de igapó também foram
encontradas para um conjunto de espécies por Worbes (1997) nas áreas alagáveis amazônicas das
cercanias de Manaus, com um incremento médio de 1,7 mm/ano no igapó, e um incremento
médio de 3,5 mm/ano na várzea. Essa diferença em incremento anual, com menores valores no
igapó, é indicada também por Parolin & Ferreira (1998), para um conjunto de 12 espécies. Para
20
M. acaciifolium, o mesmo padrão foi observado, tendo a espécie apresentado no igapó
incremento médio anual de 1,52 mm, e na várzea um valor bem superior, de 2,66 mm (Schöngart
et al. 2005).
Estudando quatro espécies nas áreas alagáveis do rio Mapire (tributário do rio Orinoco),
na Venezuela, Dezzeo et al. (2003) encontraram taxas baixas de incremento para todas as
espécies, correspondentes às características oligotróficas do sistema, já que as espécies nessa
floresta recebem um pulso de inundação de um rio de águas pretas. Todas estas diferenças no
IRM entre os ambientes de igapó e várzea sugerem que o tipo de área alagável e o regime
hidrológico afetam diretamente o crescimento arbóreo para a maioria das espécies (Worbes,
1988; Parolin & Ferreira 1998; Schöngart et al., 2005). As taxas de incremento maiores nas
árvores de várzea se deve ao fato de que o solo deste ambiente apresenta maior concentração de
nutrientes disponíveis, já que estas áreas alagáveis recebem um pulso de sedimentos oriundo dos
Andes e encostas Pré-Andinas (Furch, 1997, 2000).
Os abundantes recursos madeireiros na Amazônia têm sido sistematicamente sub
valorizados, o que é mais problemático ainda, dado a falta de uma abordagem criteriosa para seu
adequado manejo (Uhl et al. 1998). As normas de ciclo de corte e diâmetro mínimo de derrubada
são estabelecidas com base em estimativas ou experiências, carecendo de dados empíricos,
fundamentados em pesquisa científica. A maioria dos modelos de crescimento são baseados em
métodos indiretos de medidas repetidas do diâmetro, realizadas em intervalos curtos de tempo em
parcelas permanentes (Nebel et al. 2001).
A dendrocronologia é uma ferramenta poderosa para se determinar as taxas de
incremento, considerando toda história de vida de uma espécie (análise retrospectiva) (Worbes et
al. 2003). Essas análises permitem reconstruir o crescimento cumulativo das espécies arbóreas e,
baseado nisso, a definição de critérios para manejar os recursos madeireiros que considerem as
diferenças entre as espécies e ambientes, como elaborado para o ciclo de corte estimado para
Ficus insipida em uma floresta de várzea na Amazônia Central (Schöngart et al. 2007).
As estimativas do incremento pela medição da largura dos anéis de crescimento dão
resultados confiavéis para o manejo florestal em florestas tropicais (Worbes, 2002). Como as
árvores do dossel são freqüentemente cortadas para uso de madeira, o conhecimento da idade das
árvores adultas também é essencial para um manejo florestal, já que sua idade representa um
indicador para ciclo de corte.
Compreende-se por manejo florestal sustentável a administração da floresta para a
obtenção de benefícios econômicos e sociais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do
21
ecossistema (IN: n°15, de 31/08/2001 - IBAMA). Neste aspecto, dados sobre a dinâmica florestal
e crescimento das espécies madeireiras são essenciais para garantir a sustentabilidade do
ecossistema. Considerando que os sistemas de manejo em florestas maduras focam espécies com
alta produtividade, alta qualidade da madeira, o Manejo Florestal Comunitário realizado na
reserva Mamirauá explora espécies com ampla distribuição, estoque suficiente da espécie
madeireira para manejo sustentável e utiliza o DAP mínimo de corte 50 cm. Ambas as espécies
estudadas neste trabalho possuem ampla distribuição pela Bacia Amazônica (Wittmann et al.
2006), apresentando alto potencial econômico e de utilização, principalmente T. barbata, já que
V. guianensis é comercializada legalmente na RDSM, desde o ano de 2001.
Considerando uma floresta madura em estágio clímax no ambiente da floresta alagável de
várzea, rica em nutrientes, e com as condições ambientais do sítio da RDSM, a espécie T.
barbata (densidade da madeira média de 0,80 g/cm3) alcança o diâmetro mínino de corte em 117
anos, e para V. guianensis (densidade da madeira média de 0,65 g/cm3) a idade de 70 anos. No
igapó da RDSA, este tempo médio seria de 278 e 162 anos, respectivamente. O mesmo padrão
observado entre T. barbata e V. guianensis, em que uma espécie com maior densidade da
madeira necessita de um tempo maior para alcançar o diâmetro mínimo de corte, também foi
observado por Schöngart et al. (2003) para Pseudobombax munguba (0,23 g/cm3) e Piranhea
trifoliata (0,94 g/cm3), que demandam de 30 a 55 anos (dap de 45 a 65 cm), e de 200 a 300 anos
(dap > 60 cm), respectivamente. Altas densidades da madeira associadas a taxas de incremento
baixas são freqüentemente encontradas em árvores maduras em estágio clímax (Worbes et al.
1992, Dezzeo et al. 2003).
Por meio das diferenças de tempo necessário para que cada espécie em cada local alcance
o DAP mínimo de 50 cm, torna-se evidente a necessidade de que critérios de manejo
diferenciados sejam aplicados para as espécies que ocorrem tanto na várzea quanto no igapó. Os
resultados deste trabalho sustentam que o manejo nas florestas alagáveis deve considerar as
diferenças no comportamento de crescimento das espécies arbóreas (Schöngart et al. 2003), a
especificidade de cada sítio, o estágio sucessional e o relevo em que as plantas se encontram
(Schöngart, 2003; Schöngart et al. 2007). Ciclos de corte avaliados pelo tempo médio para a
passagem de uma classe de DAP de 10 cm (Schöngart et al. 2007), estimam para T. barbata 23,4
anos na várzea e 55,6 anos no igapó. Para V. guianensis esses valores são de 14 anos na várzea e
32,4 anos no igapó (Fig. 9).
22
60
Igapó
Ciclo de corte (anos)
50
40
30
20
Ciclo de corte
de 25 anos
Várzea
10
● T. barbata
■ V. guianensis
0
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
Densidade da madeira (g/cm3)
Figura 9. Ciclo de corte para T. barbata e V. guianensis, relacionado com a densidade da madeira. Estão
indicadas no igapó pela linha contínua, e na várzea pela linha tracejada. A linha pontilhada horizontalmente
indica o ciclo mínimo de corte de 25 anos estabelecidos por restrições legais e instrução normativa do
IBAMA.
As diferenças encontradas para o IRM, entre as espécies dos dois ambientes indicam que,
quando comparados diâmetros iguais para T. barbata e V. guianensis, essas espécies necessitam
em média, respectivamente, de 2,4 e 2,3 vezes mais tempo para se estabelecerem nas florestas de
igapó do que nas florestas de várzea. Assim, as florestas de igapó, dada a sua pobreza nutricional,
apresentam uma fragilidade maior à alteração humana, com resiliência ambiental inferior quando
comparadas às florestas de várzea, ricas em nutrientes, o que torna as florestas de igapó um
ambiente prioritário para conservação.
Há muitos anos, a alta fertilidade do solo e a constante renovação causada pelo aporte de
nutrientes das águas brancas fazem das várzeas regiões de excepcional importância econômica
para a população e um dos ambientes mais produtivos da Amazônia (Santos, 1996). Por esses
motivos essas são as regiões rurais mais densamente povoadas da Amazônia (IBGE, 2000). O
aumento constante na densidade populacional tem causado a destruição destas áreas e muitas
espécies arbóreas comercialmente usadas estão ameaçadas nas vizinhanças das cidades, o que
torna cada vez mais difícil encontrar florestas intactas nas áreas alagadas na Amazônia (Nepstad
et al. 1999).
Segundo o mais novo relatório do Painel Inter governamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC (em inglês); 02/02/2007), elaborado por 2,5 mil pesquisadores de 130 países, ficou claro
que o aquecimento global e as mudanças climáticas da Terra estão ocorrendo devido à ação do
23
homem sobre o meio ambiente. Na Amazônia, cenários futuros nada promissores são apontados
principalmente pela ineficiência na utilização dos recursos naturais, por desconsiderarem a
sustentabilidade, e pela falta de políticas públicas eficazes que conciliem desenvolvimento
econômico e preservação ambiental (Soares-Filho et al. 2006). Dessa maneira, fica evidente a
necessidade do estabelecimento e da utilização de manejos sustentáveis dos recursos naturais. A
dendrocronologia é um instrumento poderoso para fornecer estes dados, tanto para estudar as
relações clima-crescimento arbóreo, quanto para definir critérios de manejo para florestas
tropicais.
Estudos que objetivem a criação de alternativas para uso sustentável dos recursos naturais
e que apresentem informações sobre a dinâmica de crescimento da floresta amazônica com
critérios de uso sustentável, poderão contribuir para a redução da pressão de desmatamento sobre
florestas ainda nativas, e auxiliar na busca de estratégias para soluções que promovam a
preservação florestal, juntamente com o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica.
6. Conclusões
▪ Para as duas espécies estudadas, as taxas de incremento da madeira são menores nas
florestas alagáveis de igapó, do que nas florestas de várzea, o que confirma padrões já
encontrados para outras espécies destas florestas na Amazônia Central.
▪ Diante da baixa disponibilidade de nutrientes no ambiente de igapó e por existirem
maiores taxas de incremento nas árvores das florestas de várzea, os manejos sustentáveis dos
estoques madeireiros das espécies T. barbata e V. guianensis são adequados somente nas
florestas de várzea.
▪ Os critérios de manejo sustentável devem considerar a especificidade do crescimento
arbóreo em seu sítio de ocorrência, com planejamento de manejo diferenciado para uma mesma
espécie em ambientes diferentes.
▪ A análise dos anéis de crescimento se constitui em uma eficiente ferramenta para
subsidiar questões de conservação, preservação e uso do potencial das florestas nativas na
Amazônia, como por exemplo, as reservas sustentáveis Amanã e Mamirauá.
24
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Sinomar Ferreira da Fonseca Júnior