MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 5ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MARANHÃO Distribuição por dependência aos autos do processo n.° 2003.37.00.008868-2 U R G E N T E – Risco de dano ambiental e a comunidades remanescentes de quilombos O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos Procuradores da República signatários, com supedâneo no art. 129, III, da Constituição Federal, no art. 5º, caput, da Lei n.º 7.347/85 e no art. 6º, VI, “a” e “b” da Lei Complementar n.º 75/93, vem propor AÇÃO CAUTELAR INOMINADA, com pedido de liminar, em face de AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA, pessoa jurídica de direito público, com endereço no SPO, Área 5, quadra 3, bloco A, Brasília/DF, CEP 70610-200 CNPJ 86.900.545/0001-70, a ser citada na pessoa do seu representante legal; ALCANTARA CYCLONE SPACE, empresa binacional brasileira-ucraniana, com endereço no ST SCN Quadra 02, Bloco A, n° 190, 603, Edifício Corporate F. Center, Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70712-900, CNPJ 07.752.497/0001-43, a ser citada na pessoa do seu representante legal. FUNDAÇÃO APLICAÇÕES DE TECNOLOGIAS CRÍTICAS – ATECH, pessoa jurídica de direito privado, com endereço à Rua do Rócio, 313, 11º Andar, Vila Olímpia, São Paulo/SP, CEP 04552-000, CNPJ Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível 01.710.917/0001-42, a ser citada na pessoa do seu representante legal, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expendidos. DOS OBJETIVOS DA DEMANDA A presente Ação Cautelar incidental à Ação Civil Pública em epígrafe destina-se à preservação de direitos das comunidades remanescentes de quilombo no município de Alcântara, em especial aquelas denominadas Manuna e Baracatatiua, em face de atos perpetrados pelas requeridas, os quais representam lesão à integridade da posse dos territórios étnicos respectivos, bem como afetam os recursos ambientais da região e o modo de fazer e viver dos integrantes dos grupos étnicos locais. Os atos das requeridas consistem em aberturas de estradas e obras de pré-engenharia, não acobertadas licitamente pela Administração ambiental, que impactam negativamente as comunidades remanescentes de quilombo, as quais aguardam a titulação das suas terras, consoante o contexto apresentado na inicial da actio principal. Além disso, constata-se a realização de prospecções, perfurações e demarcação nas áreas tradicionalmente sob posse das comunidades, impactando-as negativamente em seu modo de viver, consoante avaliação antropológica e depoimentos colhidos, em atividades destinadas à futura instalação do sítio de lançamento “Cyclone 4”, em empreendimento binacional desenvolvido pelo Brasil e Ucrânia, consoante tratado internacional firmado. Assim, pretende-se a imposição de obrigação de não fazer às requeridas, com a cominação de multa, consistente na abstenção da implantação de obras, instalações e serviços que afetem a posse do território étnico dos remanescentes de quilombo, conforme mapa apresentado no feito principal, sem o consentimento das comunidades afetadas, até que seja ultimado o processo de identificação, reconhecimento, delimitação e titulação das terras respectivas, em curso no INCRA, na forma do art. 68 do ADCT da CF/88 e Decreto Federal n.° 4.887/93, em discussão na Ação Civil Pública n.° 2003.37.00.008868-2. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível DOS FATOS Do conjunto de empreendimentos espaciais em Alcântara, estado do Maranhão – o projeto Cyclone-4 e os novos sítios de lançamento. De administrativo n.º acordo com as informações 1 1.19.000.000223/2001-39 e no coletadas Inquérito no Civil procedimento Público n.° 1.19.000.000066/2008-382 (ainda em tramitação na Procuradoria da República no Maranhão), foi constatada, inicialmente no mês de novembro de 2007, a partir de trabalhos em campo de pesquisadores vinculados aos Programa de Pós-Graduação em Ciência Sociais e de relatos de moradores locais, a ocorrência de um conjunto de trabalhos desenvolvidos pelas ora requeridas, diretamente ou através de empresas contratadas para a sua execução, na zona rural de Alcântara/MA, os quais afetavam as comunidades remanescentes de quilombo, indicadas na Ação principal3. Para melhor compreensão do caso, deve-se inicialmente atentar que atualmente o Estado Brasileiro pretende desenvolver um conjunto de empreendimentos no município de Alcântara, de acordo com a Política Nacional de Atividades Espaciais4, através de duas unidades: 1. Centro de Lançamento de Alcântara: destinado a “prover, na região equatorial, serviços de lançamento de veículos para missões suborbitais e orbitais”, sendo que tais atividades estarão “sob responsabilidade do Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento – DEPED, do Comando da Aeronáutica.”; e do 2. Centro Espacial de Alcântara: criado “para o suporte às atividades de lançamentos comerciais previstos no PNAE (...), subordinado diretamente à Agência Espacial Brasileira.” 1 Instaurado em 09 de abril de 2001, para apurar a adoção de medidas, por parte da União, atentatórias aos direitos individuais e coletivos dos moradores de diversos povoados e agrovilas situados nos arredores do Centro de Lançamento de Alcântara. 2 Instaurado em 31 de janeiro de 2008, para apurar a possíveis irregularidades no licenciamento ambiental de um conjunto de empreendimentos desenvolvidos pela União, Agência Espacial Brasileira e Alcântara Cyclone Space em face das comunidades remanescentes de quilombo em Alcântara, MA. 3 Autos do Processo n.° 2003.37.00.008868-2 4 De acordo com as informações do Programa Nacional de Atividades Espaciais – PNAE, pag. 52. AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA. Programa Nacional de Atividades Espaciais: PNAE/Agência Espacial Brasileira. Brasília: Ministério da Ciência Tecnologia, Agência Espacial Brasileira, 2005. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível Nesse contexto, o Estado Brasileiro firmou com a Ucrânia o Tratado sobre a Cooperação de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamento Cyclone-4, em 21 de outubro de 2003, o qual foi promulgado pelo Decreto n.° 5.436, de 28 de abril de 2008. Tal tratado foi precedido de um Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Ucrânia sobre Salvaguardas Tecnológicas relacionadas à Participação da Ucrânia em Lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, em 16 de janeiro de 2002. Para o cumprimento do primeiro ajuste, a União comprometeu-se a desenvolver a infra-estrutura geral do empreendimento binacional para o lançamento de veículos espaciais, de acordo com as exigências técnicas necessárias, responsabilizando-se pelo seu regular licenciamento. No mesmo ato, delineou-se a criação da empresa Alcântara Cyclone Space5, a qual ficaria responsável pelo desenvolvimento e a operação do Sítio de Lançamento do Cyclone-4, em Alcântara/MA, para a realização de operações espaciais de natureza comercial. A Agência Espacial Brasileira permaneceu como autoridade competente para a cooperação de longo prazo na utilização do veículo de lançamento. Haveria a ampliação da área de lançamento hoje existente em Alcântara, desvinculada das atividades militares, a ser formada por três novos sítios específicos, sendo o primeiro deles situado entre as comunidades de Mamuna e Baracatatiua, correspondente à anexa ilustração. Constatou-se que a empresa Alcântara Cyclone Space, em conjunto com a Agência Espacial Brasileira, visando à implantação do sítio de lançamento do veículo espacial “Cyclone 4”, dera início a uma série de estudos, prospecções, demarcações e obras de pré-engenharia, com impacto na posse das comunidades quilombolas visando a viabilizar o início das obras necessárias ao empreendimento, através da Fundação Aplicações de Tecnologias Críticas – ATECH6, . A conduta das requeridas, iniciadas antes da conclusão do processo de identificação, delimitação e titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo 5 A portaria n.º559, de 31 de agosto de 2006 (constante no DOU n.°170, de 4 de setembro de 2006) fez publicar o estatuto da empresa binacional Alcântara Cyclone Space, de acordo com o qual ela teria por objetivo o desenvolvimento e a operação do local de lançamento do foguete Cyclone-4 localizado no Centro de Lançamento de Alcântara, incluindo sua infra-estrutura para preparação e lançamento do veículo lançador, bem como a prestação de serviços comerciais de lançamento, com capital dos dois países. 6 Nesse sentido, conferir as respostas apresentadas ao MPF pela ATECH, no P.A 1.19.000.000223/2001-39, que segue em anexo à inicial. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível mencionadas na Ação Civil Pública principal, ameaça parcialmente a integridade do território étnico que se pretende assegurar na forma do art.68 do ADCT da CF/88, objeto da lide em andamento, inovando a situação de fato sub judice. Dos atos ilícitos praticados pelas requeridas e a ameaça à posse do território étnico das comunidades remanescentes de quilombo. Nesse sentido, identificou-se que a Fundação ATECH estaria a realizar obras de demarcação – através da colocação de marcos no interior das comunidades e em diversas áreas verificadas – prospecção, coleta de amostras biológicas, além da abertura de estradas e ramais de comunicação, com a supressão de vegetação local, nas regiões próximas aos povoados de Mamuna e Baracatatiua. De acordo com as informações obtidas, tais trabalhos se destinariam, em parte, à elaboração dos estudos ambientais exigidos pela legislação, bem como à préengenharia do novo sítio de lançamento. A atividade de abertura de estradas, contudo, deu-se ilicitamente, de modo a ameaçar a integridade do território das comunidades e perturbando o modo tradicional de vida, não se relacionando aos estudos ambientais, nem às licenças e autorizações que detinham as requeridas. As atividades das requeridas assim foram descritas em ofício datado de 19 de dezembro de 2007, subscrito pelo Sr. Roberto Lorenzoni Neto, em nome da ATECH, litteris: “Em agosto de 2007, concomitamente com a operação da Binacional, a Atech, contratada por uma das componentes da ACS, a Yuzhnoye State Ofice, acima mencionada começa a fazer trabalhos técnicos para reconhecimento e avaliação das infraestruturas em Alcântara e dos serviços de pesquisa e préengenharia para avaliação da viabilidade da implantação do Complexo de Lançamento do Cyclone-4, na área sugerida em Alcântara, isto munida das devidas autorizações e prévios conhecimentos governamentais” Acontece que, malgrado a afirmação de que estaria a ATECH “munida das devidas autorizações e prévios conhecimentos governamentais”, tal situação não se Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível verificou com relação a todas as atividades efetivamente desenvolvidas no território étnico relacionado a essas comunidades O IBAMA comunicou ao MPF a lavratura de autos de infração, embargo de obras e a constatação do descumprimento dessa medida administrativa pela Fundação ATECH, ao desenvolver as atividades em benefício da Alcantara Cyclone Space7, em razão da supressão de vegetação nativa para abertura de acessos na mata, com a criação de estrada de mais de seis quilômetros de extensão, sem as devidas licenças e autorizações dos órgãos ambientais competentes. Tal situação também foi constatada pelo Ministério Público Federal, que realizou inspeção in loco, constatando também a abertura das estradas, na mesma época em que ocorrera a lavratura do auto de infração do IBAMA. Assim, pode-se constatar a ocorrência de dano ambiental, consistente na supressão não autorizada de vegetação em estradas abertas pelas empresas executoras de estudos de viabilidade e pré-engenharia na área, sem a devida autorização do órgão estadual competente. A conduta das requeridas constitui-se, ainda, em inovação ilícita na situação de processo em curso, afetando, à medida em que ocorre o paulatino apossamento de nova área, a integridade do território étnico cuja proteção, na forma do art.68 do ADCT da CF/88, almeja o MPF – através da Ação Civil Pública em epígrafe, em curso na 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão. Com efeito, a Ação Civil Pública (autos n.°2003.37.00.008868-2) proposta em face da UNIÃO, INCRA, Fundação Cultural Palmares e Agência Espacial Brasileira, com pedido de obrigação de fazer, consistente na promoção, andamento e conclusão do procedimento administrativo voltado ao reconhecimento, identificação, delimitação, demarcação e titulação das comunidades remanescentes de quilombo, ainda está em curso, bem como não houve ainda a conclusão dos trabalhos do INCRA de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras respectivas8. 7 Auto de Infração n.° 571523-D e Auto de Embargo/Interdição n.° 415840. O auto de infração 130941-D foi lavrado em face da desobediência do anterior. 8 Observe-se que a conduta do INCRA, no presente caso, pode ser considerada morosa, diante dos prazos que foram fixados na assentada de audiência realizada no ano de 2006, no qual o Excelentíssimo Senhor Juiz Federal determinou que os trabalhos de titulação deveriam ser concluídos em 180 dias, de modo desvinculado da AEB. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível Acontece que, no laudo antropológico, que instruiu o procedimento administrativo anexo à exordial, restou clara a identificação das comunidades ora diretamente atingidas (Mamuna e Baracatatiua) pelos trabalhos da Agência Espacial Brasileira, Alcântara Cyclone Space e Fundação ATECH, como áreas possivelmente integrantes da complexa realidade étnica existente no munícipio de Alcântara aptas a receber proteção na forma do art.68 do ADCT da CF/88. Nesse sentido, vale a pena a menção ao laudo pericial contido nos autos, que afirma categoricamente que as comunidades de Manuna (ou Mamona) e Baracataiua encontram-se inseridas no território étnico de Alcântara, na condição de remanescentes de quilombos, litteris: "Sim, há fatores históricos, identitários e de conflito étnico que fundamentam essa assertiva. Uma análise crítica da formação histórica de Alcântara e dos atuais antagonismos sociais mediante a implantação da base de lançamento de foguetes possibilita a compreensão do processo de emergência destas comunidades remanescentes de quilombos, desfazendo a auto-evidência das interpretações oficiosas de senso-comum que só focalizam Alcântara do prisma da decadência de uma aristocracia agrária dos tempos coloniais." Tais comunidades remanescentes de quilombo, antes ameaçadas pela possibilidade de deslocamento compulsório das suas áreas, na fase de "Transferência e Assentamento III" nos moldes do anterior projeto de expansão do Centro de Lançamento de Alcântara, encontram-se sob o risco de uma limitação do uso dos recursos naturais e, consequentemente do seu modo de fazer e viver, face à adoção de providências executivas de obras necessárias à viabilização dos sítios de lançamento do projeto Cyclone-4, em decorrência do Tratado firmado entre o Brasil e a Ucrânia – notadamente a abertura de estradas no interior do território étnico, sem o consentimento das comunidades, para a realização de trabalhos técnicos de pré-engenharia e estudos ambientais. As requeridas, com essa medida, colocam em risco o território das comunidades e atingem, para além de um aspecto patrimonial, as práticas sociais que compõem a sua integridade cultural e étnica. Em face das situações mencionadas – que afetaram concretamente o ambiente em Alcântara – buscou-se apurar a existência de eventual afetação das comunidades Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível próximas às obras executadas e aos trabalhos realizados, no que tange aos seus modos de viver e fazer. Do mesmo modo, buscou-se apurar a existência de consetimento, por parte dos mesmos grupos étnico-sociais, para a realização dos trabalhos de pesquisa e abertura de estradas no interior dos territórios e das comunidades. Duas fontes foram consultadas pelo Ministério Público Federal: integrantes das comunidades, através de depoimentos de moradores de Alcântara, bem como o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, através dos Antropólogos e Professores Dr.ª Maristela de Paula Andrade9 e Dr. Benedito Souza Filho10, que apresentaram informação técnica sobre os impactos dos trabalhos desenvolvidos pela Alcântara Cyclone Space, através da ATECH, nas populações tradicionais em Alcântara/MA, elaborada em razão dos trabalhos e pesquisas já desenlvolvidos pela Instituição de Ensino Superior naquela área. Em primeiro plano, deve-se destacar as informações técnicas prestadas pelos Professores da UFMA, que minundenciaram a atuação das empresas, bem como da Agência Espacial Brasileira, na região de Alcântara, além de analisar os múltiplos e complexos impactos que essas condutas representam nas populações tradicionais. O primeiro aspecto destacado pela Professora Maristela de Paula Andrade refere -se "à invasão e ameaça à área de extrativismo das mulheres", na seguinte forma, litteris: Com as primeiras perfurações realizadas em Mamuna, sem o aval das instâncias de decisão respeitadas pela comunidade (Associação de Moradores e Delegacia Sindical), a empresa realiza trabalho em áreas onde as mulheres praticam o extrativismo. (grifos nossos) Nos esclarecimentos prestados a essa Procuradoria a ATECH/ACS menciona que realiza serviços de pré-engenharia na área sugerida pela AEB11. Nas visitas de surpresa que fez à Mamuna e à Baracatatiua, porém, não foi explicado que tipos de trabalho seriam desenvolvidos, nem se os chamados “serviços de pré-engenharia” poderiam implicar na utilização de maquinário pesado e se isto, por sua vez, poderia 9 Antropóloga, professora associada I do Depto de Sociologia e Antropologia e do PPGCS/UFMA. 10 Antropólogo, professor do PPGCS/UFMA, bolsista PRODOC/CAPES. 11 (nota dos autores da informação técnica) Interessante notar que a AEB é signatária do Acordo Judicial firmado, em 26.09.2006, no qual o Juiz Dr. Carlos Madeira determina que o INCRA titule o território quilombola de acordo com o laudo antropológico e, portanto, essa Agência tem conhecimento de que a área que sugere à ACS/ ATECH encontra-se dentro desse território. Dizer que está trabalhando “na península de Alcântara”, neste contexto, nada mais é que uma tentativa de escamotear o fato de que atua dentro do território quilombola. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível provocar danos imediatos ou futuros a áreas consideradas fundamentais à reprodução material e social das famílias. De acordo com Dona Maria José, moradora de Mamuna, algumas perfurações realizadas pela ATECH/ACS12, em seus trabalhos preliminares, encontram-se recursos utilizados pelas famílias como o guajuru e o murici, além de mamona e coco babaçu. Os dois primeiros são frutos nativos muito consumidos e também comercializados pelas famílias 13. Os dois últimos são matérias-prima – o primeiro cultivado e o segundo nativo – com as quais as mulheres produzem azeite. O primeiro é destinado fundamentalmente à comercialização e o segundo ao consumo e também à comercialização, sendo que ambos permitem a entrada de recursos monetários às famílias. Um dos pontos de perfuração realizado em Baracatatiua pela GEOCRET, empresa contratada pela ATECH/ACS. Foto realizada pelo autor desta Informação Técnica. Em conversa mantida com Dona Maria José a este respeito, ela mencionou que as primeiras perfurações realizadas pelas empresas contratadas pela ATECH são um sinal evidente de que o acesso aos recursos disponíveis em distintos ecossistemas pode ficar comprometido, alterando consideravelmente o funcionamento de atividades que regem a economia das famílias. Referindo-se à organização econômica do grupo e, especificamente, à divisão sexual do trabalho, ela mencionou que, no período chamado de inverno – o período das chuvas – “o brilho é dos homens”, aludindo principalmente à atividade da pesca; naquele outro, denominado de verão – período da seca – a trabalhadora ressaltou que “o brilho é das mulheres”, numa referência à atividade de extração de frutos e produção dos azeites de mamona e babaçu. 12 (nota dos autores da informação técnica)A empresa parou com as perfurações neste povoado, pois a comunidade exigiu que os trabalhos não continuassem. Apesar disto, os engenheiros continuaram a freqüentar o local, a pretexto de fazer compras nos pequenos comércios e, assim, tentam cooptar seus moradores para que concordem com sua entrada na área. 13 (nota dos autores da informação técnica)Vide PAULA ANDRADE, Maristela de e SOUZA FILHO, Benedito (orgs), op.cit. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível A referência ao que chama de “brilho dos homens e brilho das mulheres”, mostra como as famílias pensam e vivem a divisão sexual do trabalho familiar relativo aos ecossistemas disponíveis. O desenvolvimento de atividades da ATECH/ACS nessas áreas estratégicas deixa as famílias apreensivas, pois mesmo a empresa alegando que não haverá remanejamento de famílias, já conseguem perceber, claramente, que haverá expropriação territorial dessas áreas indispensáveis à reprodução material e social das famílias.(grifos nossos) Uma equipe de pesquisadores ligados ao GERUR/PPGCS/UFMA14, atendendo aos objetivos de projeto de extensão dos Departamentos de Sociologia e Antropologia e de Geociências da UFMA esteve no povoado Mamuna nos dias 19 e 20 de janeiro de 2008. Puderam constatar, caminhando com Dona Maria José pelo interior do povoado, que a estrada aberta pelas empresas ligadas à ATECH, destruíram boa parte de um babaçual de que se servem as mulheres da comunidade. Esse trecho de estrada é continuidade daquela aberta entre Baracatatiua e Mamuna que, de acordo com o depoimento do pesquisador Carlos Aparecido Fernandes, também vinculado ao GERUR/PPGCS, tem cerca de três quilômetros. (grifos nossos) Estrada aberta pela GEOCRET, empresa contratada pela ATECH/ACS. Foto realizada pelo autor desta Informação Técnica. Como se pode perceber pelas fotos, a vegetação suprimida pelas máquinas, para abrir a estrada de aproximadamente 5 metros de largura, conforme constatado pelo autor deste Informe, in loco, representa capoeira 14 (nota dos autores da informação técnica) Josoaldo Lima Rêgo, doutorando em Geografia na USP, professor substituto da UFMA, Leonardo Coelho, bolsista de iniciação do CNPq no Curso de Ciências Sociais da UFMA, Thays Fernanda Silva Santos e outros. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível bastante alta, com presença de palmeiras diversas. Tais áreas são deixadas em repouso pelas famílias para serem cultivadas em ciclos agrícolas futuros, sendo apropriadas e manejadas, igualmente, para atividades extrativas e de alimentação de animais. (....) Quanto às áreas de cultivo, os prejuízos já se fazem sentir. A estrada de cerca de 3 km que as empresas contratadas pela ATECH abriram entre Baracatatiua e Mamuna, suprimindo grande quantidade de vegetação15, destruiu a roça do Sr. Alex Moraes, nesta última localidade. (grifos nossos) Em seguida, os autores da informação técnica aponta “a perturbação dos sistemas nativos de autoridade e o desrespeito às instâncias legais de representação da comunidade”, enquanto conseqüência da ação das requeridas na região. “As próprias regras de inserção de membros de outras localidades, baseadas no código costumeiro, passaram a ser abaladas após a interferência da Aeronáutica, desde os anos 80. Agora, a ATECH/ACS e suas contratadas exploram esta situação, ao se dirigirem, desde a primeira vez em que estiveram no povoado, não aos chamados herdeiros e nem ao representante da Associação (na pessoa de seu presidente, o Sr. João da Mata), mas a um comerciante local. Depois, os engenheiros da Terra Byte e da Geocret passaram a freqüentar o povoado e a tentar criar laços com alguns de seus moradores, insistindo no seguinte argumento: “nós iremos ganhar essa questão mesmo e, depois, dos que forem nossos amigos, compraremos peixe, azeite, a eles daremos carona. Não faremos isto para os que não forem nossos amigos. Se não ficarem do nosso lado, como será nossa convivência depois?”.16 Essa maneira de dirigir-se aos nativos, extremamente colonizadora, usa o expediente de desrespeitar as estruturas internas de decisão da comunidade, sejam as tradicionais, baseadas nos costumes, que levam em conta a autoridade dos herdeiros, sejam as legalmente constituídas, como a Associação de Moradores da Comunidade. Desta forma, a empresa não se dirigiu, nas primeiras visitas, nem à herdeira, nem à representante sindical e nem ao presidente da Associação. Depois, sem consultar a comunidade, passou a realizar perfurações em alguns pontos do povoado. Chamada por essas lideranças, foi avisada de que não deveria continuar os trabalhos. Depois disto, por ocasião da reunião do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Alcântara, ocorrida em 16.12.2007, a 15 (nota dos autores da informação técnica)Em reunião com técnicos do IBAMA, os autores desta informação técnica foram informados de que, neste órgão, no Maranhão, não tramitou nenhuma licença para supressão de vegetação com vistas à construção dessa estrada. 16 (nota dos autores da informação técnica)Depoimentos dados à Flavia Moura, que esteve no local preparando matéria jornalística no dia 19 de Janeiro de 2008. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível comunidade de Mamuna se posicionou novamente, desta feita em caráter oficial e de forma coletiva, contra a entrada da empresa no lugar17. A plenária, perguntada pelo Sr. Reinaldo Mello, que se apresentou então como Diretor de Suprimentos da ACS, se a empresa poderia entrar na área para realizar seus trabalhos, respondeu em coro: “NÃO”. Ele então disse: “e se entrarmos assim mesmo?” Desrespeitando essa decisão coletiva, tomada num fórum institucionalizado, na presença de autoridades legalmente constituídas (os conselheiros do CENDSA, os representantes sindicais) a ATECH, depois disso, foi ao povoado e demarcou pontos, colocando placas onde se lê: “ATECH, protegido por lei” 18. Para tanto, convenceu a delegada sindical e o presidente da Associação de que seria “muito bom ter esses pontos já marcados, pois se eles quisessem fazer uma estrada, já teriam o serviço feito”19. Interessante notar, neste sentido, que os pontos se encontram ao lado da escola e da Igreja e que, dificilmente seus moradores passariam uma estrada no meio do povoado.” A partir da informação técnica apresentada, pode-se constatar que a intervenção das requeridas afeta não apenas o ambiente físico local, com a supressão não autorizada de vegetação, para a abertura de estradas irregularmente. Na verdade, existe a ameaça de violação ao modo de reprodução social, com a afetação das formas de obtenção dos recursos naturais, em afronta ao art. 14, 1º, da Convenção 169 da OIT, promulgada pelo Decreto 5.051/2004, à medida em que ocorre a possível vulneração do meio utilizado para a obtenção dos recursos naturais essenciais à preservação do grupo. Litteris: Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente 17 (nota dos autores da informação técnica)Nessa ocasião, estava presente a antropóloga Joyza Madeiro, do MPF, como observadora. A reunião foi presidida pelo Dr. Muniz, engenheiro eletrecista, em nome da Prefeitura de Alcântara. Estiveram presentes, além dos conselheiros, dos movimentos sociais e entidades representativas locais (MABE, MOMTRA, STTR) representantes do CLA, na pessoa do Sr. Enildo Rabelo Braga e outros; o Sr. Reinaldo Mello pela ACS e outros desta empresa; funcionários da Terra Byte e um geógrafo da Allerce Soluções Ambientais LTDA; uma advogada da ACS, Dra. Ana, ex integrante do GEI pela AGU. Esteve presente também autora deste documento, como observadora do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais e do GT Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia. 18 (nota dos autores da informação técnica)Tais pontos foram visualizados por Carlos Aparecido Fernandes, pesquisador do GERUR/PPGCS e morador de Alcântara e pelo Sr. Aniceto, presidente do STTR, em visita que fizeram à área no mês de janeiro de 2008. Afirmaram que tais placas são duas, assim descritas: de metal, possuindo aproximadamente 10 cm de diâmetro e encontrando-se fincadas no chão, próximo ao poste de energia elétrica junto à escola e junto à Igreja do povoado. 19 (nota dos autores da informação técnica)Segundo depoimento do Sr. João da Mata, presidente da Associação de Moradores de Mamuna em 27.12.2007, na sala do Mestrado em Ciências Sociais. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. O que se depreende da conduta das requeridas é a ocorrência de situação de apossamento de área integrante de povoados, utilizada para o plantio de roças e extrativismo, prejudicando o espaço existente e utilizado para a sua reprodução social. Não ocorre apenas a afetação de um espaço físico, mas a perturbação de uma forma tradicional de organização, constitucionalmente protegida pela dicção dos art.215 e 216 da CF/88, além do art.68 do ADCT do texto constitucional. Frise-se que tal situação foi corroborada pelos depoimentos prestados ao MPF por moradores locais, que afirmaram a interferência da empresa, por meio da demarcação de áreas, inclusive internas aos povoados, ao lado de igrejas e escolas, além da abertura de estradas. Nesse sentido, confira-se o depoimento prestado por Maria de Fátima Ferreira, moradora do povoado de Mamuna, em Alcântara, litteris: "QUE a Alcântara Ciclone Space está destruindo a terra que a sua comunidade cultiva há mais de cem anos. Que as divisões de terras entre as regiões, como a do Pau Amarelo, Cancela Velha, Cabeça de Preto e Ponta da Cerca estão sendo destruídas pela empresa, causando richas, por exemplo, entra Mamuna e Baracatatiua. Que sabe a empresa Ciclone Space realizou um acordo com a comunidade de Baracatatiua, onde a empresa estaria autorizada a fazer todo o trabalho necessário ao empreendimento aeroespacial na região, mas que a mesma acabou por invadir os domínios do povoado de Mamuna, com as realizações de largas estradas nas áreas de roça, com a derrubada de bacurizeiros e pau-amarelos, além da exploração de terras muito próximas à cabeceira do rio da Mamuna, o que, com a incidência mais fortes das chuvas, tornou o rio barrento, em prejuízo à saúde dos moradores. Que os picos que dão origem às estradas ocasionaram a destruição de muitas palmeiras, árvores que servem à comunidade na produção de côco, azeite, abanos, mençabas e carvão. Que em reunião, a comunidade decidiu fazer uma barragem em 18 de fevereiro, para que a empresa não prosseguisse com seus trabalhos, pelo forte receio de que tudo o que a comunidade tinha podia se perder. Que a comunidade mantem vigília sobre a área e espera que autoridades maiores, na esfera federal, venham a manter um diálogo e se prontificar sobre a titulação e proteção das terras pertencentes aos Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 13 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível remanescentes quilombolas. Que tem medo que a comunidade sofra com a proibição à pesca e ao cultivo de muricis, juçaras, guajurús e mamona. Que teme que a implantação da Ciclone Space na região provoque mais miséria e uma perda acentuada dos valores que ligam a população às terras em questão, pois não imagina que as promessas da empresa como a de gerar empregos ou realizar melhorias no município se concretizem." Maria José Lima Pinheiro, por sua vez, ao ser ouvida pelo MPF declarou, litteris: "QUE as estradas foram abertas pela empresa GEOCRET, em janeiro de 2008, sabendo disso pelos nomes apostos nos caminhões da empresa, passando no interior do território que reconhecem pertencer à comunidade Mamuna, em mata verde, após uma reunião; QUE houve também uma reunião com a empresa Alcantara Ciclone Space, dia 20 de fevereiro de 2008, na qual esta propôs que a comunidade apresentasse as suas propostas, como reivindicação de escolas, moradias, para realizar o empreendimento, explicando que seria uma forma de compensar os impactos que a comunidade de Mamuna viria a sofrer; QUE medida proposta pela empresa não foi aceita de imediato, ficando de ser marcada uma nova reunião, para discussão dessas propostas, a serem apresentadas pelos integrantes da comunidade. QUE, por não aceitarem o início dos trabalhos das empresas, a comunidade fez uma “barricada” impedindo o trabalho da responsável pela pesquisa no solo da comunidade e continuará até o momento em que a titulação das terras de Alcântara for efetivada no nome das comunidades quilombolas. QUE esclarece que “barricada” é a colocação de porteiras, no meio da estrada existente, para limitar o acesso dos veículos da empresa, para cessar o seus trabalhos de pesquisa, mas que não há limitação a circulação de pessoas, desde que não realizem os trabalhos questionados; QUE enquanto não houver a titulação, a comunidade não conversará com a empresa, não havendo qualquer hipótese de acordo até a referida titulação." E, de forma contundente, a Srª Militina Garcia Serejo declarou: "Que no dia 19 de fevereiro, a empresa Ciclone Space, representada pelo seu diretor de suplementos, Reinaldo Melo, disse que não adiantaria discutir sobre a implantação do empreendimento, que só restaria à comunidade oferecer uma lista de compensações, capazes de diminuírem os prejuízos ocorridos. Que no dia 20 de fevereiro, às 14 horas, a comunidade de Mamuna apresentou à uma comissãoda Ciclone Space composta por Reinaldo Melo, Laura e por Denilson as suas reivindicações, que são a titulação das áreas quilombolas de Alcântara, que a empresa retire as suas máquinas do território, que a Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 14 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível comunidade possa viver em paz e que a Ciclone Space não apareça mais nos seus domínios" Além disso, a analista pericial em Antropologia do Ministério Público Federal, Joíza Madeiro, participou de reunião havida em Alcântara, no Conselho Municipal de Desenvolvimento, em 15 de dezembro de 2007, na qual foi possível constatar a ausência de assentimento e esclarecimento dos envolvidos, consoante memória de reunião produzida, existindo a expectativa de conclusão dos trabalhos de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras dos remanescentes de quilombo pelo INCRA, pendentes de conclusão há três anos. Da inexistência de consentimento para a realização dos trabalhos de todas as comunidades afetadas pelos trabalhos das requeridas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, promulgada no Brasil pelo Decreto 5.051/2004, sobre povos indígenas e tribais, contém uma exigência fundamental para a proteção dos territórios de populações tradicionais, em especial das comunidades indígenas e das comunidades remanescentes de quilombo – a necessidade de consentimento dos interessados para o uso dos seus territórios, quando ela implicar a transferência do domínio ou posse para pessoas estranhas aos seus membros. Litteris: Artigo 17 1. Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos direitos sobre a terra entre os membros dos povos interessados estabelecidas por esses povos. 2. Os povos interessados deverão ser consultados sempre que for considerada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade. A Convenção 169 da OIT é plenamente aplicável às comunidades remanescentes de quilombo, cujo território deve ser objeto de titulação em seu benefício, consoante determina o art. 68 do ADCT da CF/88. Acontece que, embora não tenha sido concluído o procedimento administrativo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das áreas junto ao INCRA, Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível as comunidades tradicionais de Alcântara que se apresentam como remanescentes de quilombo, de acordo com o laudo pericial juntado aos autos da ação principal, ocupam um conjunto de terras onde se desenvolvem as ações de pré-engenharia destinadas a viabilizar o empreendimento – notadamente, mais uma vez, a abertura de estradas. As áreas ocupadas devem ser protegidas, sob pena de se tornar inócuo o trabalho do INCRA, eis que pode ocorrer, simplesmente, a consolidação de uma situação de fato, com a paulatina redução do território étnico por atos que, a pretexto de verificar a viabilidade de um empreendimento futuro, acabam por implicar em redução das áreas de tradicional obtenção de recursos naturais por meio do extrativismo, mediante o paulatino e continuo apossamento de novas terras pelo empreendedor. No mesmo sentido, a conclusão dos professores da UFMA, litteris: “Na realidade, a empresa tenta privilegiar a intervenção na base física da zona que lhe interessa, sobre a qual desenha ações correspondentes, elidindo o fato de que não age sobre o que chama de “península de Alcântara”, mas sobre o território de comunidades que, por sua vez, integram um território étnico identificado por um laudo antropológico. Ela perfura, rasga estradas, derruba a vegetação de espaços físicos que são pensados e vividos por esses grupos como fundamentais à sua reprodução física e social e que, como tal, foram pensados pelos constituintes quando inseriram o Artigo 68 nos ADCT da Constituição de 88.” A situação criada, a partir do início dos trabalhos em curso, deu-se sem o consentimento dos moradores das comunidades afetadas, que se dividiram quanto à aquiescência aos trabalhos desenvolvidos. Enquanto a comunidade de Baracatatiua, aparentemente, consentiu com a realização dos trabalhos, os integrantes do povoado de Mamuna se opuseram. A conclusão da negativa de assentimento da comunidade de Mamuna decorre de várias fontes – os depoimentos tomados dos moradores locais, pelo MPF; a realização de trabalho antropológico, em informação técnica apresentada à Procuradoria da República no Maranhão pelo Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da UFMA, além da observação direta da situação pela analista pericial em antropologia do MPF, em reuniões da qual participou. Maria de Fátima Ferreira e Maria José Lima Pinheiro declararam, respectivamente, ao MPF: Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível "Que em reunião, a comunidade decidiu fazer uma barragem em 18 de fevereiro, para que a empresa não prosseguisse com seus trabalhos, pelo forte receio de que tudo o que a comunidade tinha podia se perder. Que a comunidade mantem vigília sobre a área e espera que autoridades maiores, na esfera federal, venham a manter um diálogo e se prontificar sobre a titulação e proteção das terras pertencentes aos remanescentes quilombolas." "QUE houve também uma reunião com a empresa Alcantara Ciclone Space, dia 20 de fevereiro de 2008, na qual esta propôs que a comunidade apresentasse as suas propostas, como reivindicação de escolas, moradias, para realizar o empreendimento, explicando que seria uma forma de compensar os impactos que a comunidade de Mamuna viria a sofrer; QUE medida proposta pela empresa não foi aceita de imediato, ficando de ser marcada uma nova reunião, para discussão dessas propostas, a serem apresentadas pelos integrantes da comunidade. QUE, por não aceitarem o início dos trabalhos das empresas, a comunidade fez uma “barricada” impedindo o trabalho da responsável pela pesquisa no solo da comunidade e continuará até o momento em que a titulação das terras de Alcântara for efetivada no nome das comunidades quilombolas. QUE esclarece que “barricada” é a colocação de porteiras, no meio da estrada existente, para limitar o acesso dos veículos da empresa, para cessar o seus trabalhos de pesquisa, mas que não há limitação a circulação de pessoas, desde que não realizem os trabalhos questionados; QUE enquanto não houver a titulação, a comunidade não conversará com a empresa, não havendo qualquer hipótese de acordo até a referida titulação." Repita-se à exaustão: configura-se, além do ilícito ambiental, um ato de apossamento indevido do território destinado – de acordo com o laudo pericial – à titulação das áreas de remanescentes de quilombo, em forma de assenhoramento não consentido de porções de terras que, anteriormente, serviam aos usos e formas de reprodução social das comunidades tradicionais. Ademais, em reunião realizada em Alcântara, com a presença de representantes da AEB, do INCRA e da Alcântara Cyclone Space, foi ressaltado pela Analista Pericial em Antropologia do MPF, Joíza Madeiro, que acompanhou o ato, a insatistação dos moradores do povoado de Mamuna, quanto à natureza dos trabalhos a serem desenvolvidos e seu adequado esclarecimento aos diretamente atingidos, chegando a demonstrar, inclusive, a oposição aos trabalhos realizados, consoante a anexa memória de reunião. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 17 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível DO DIREITO DA PLAUSIBILIDADE DO DIREITO Da impossibilidade de apossamento pela AEB e ACS de terras destinadas às comunidades remanescentes de quilombos, na forma do art.68 do ADCT da CF/88, antes da conclusão do processo de identificação, reconhecimento, delimitação e titulação. Da mora do INCRA A Constituição Federal de 1988 assegurou em seu texto a proteção das terras que estejam ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos diretamente no art. 68 do ADCT, aos estabelecer que a elas seria “reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.” Trata-se de um direito que se relaciona intimamente com a proteção conferida aos diversos grupos sociais formadores da sociedade brasileira, cujo respeito é exigido do Estado pelos art.215 e 216 do texto constitucional, atribuindo aos seus modos de criar, fazer e viver a condição de integrante do patrimônio cultural brasileiro. Nesse contexto, as terras dos remanescentes de quilombo não se apresentam apenas com um aspecto patrimonial, em uma perspectiva econômica. Cuida-se, em verdade, do espaço onde se desenvolvem um conjunto de práticas sócio-ambientais que estão imbricadas na constituição da identidade desses grupos e dos sujeitos que os integram, afigurando-se, além de moradia (art. 6º, caput, da CF/88), como patrimônio cultural. Assim, a proteção dessas terras é uma exigência para a afirmação da dignidade humana de um grupo étnico, portador de especial papel na formação histórica brasileira, essencial para a sua persistência. Por essa razão, ainda que o mencionado direito à terra das comunidades remanescentes de quilombo encontre-se nas disposições transitórias da Constituição, ele cuida de uma obrigação permanente do Estado, cuidando-se na lição de Daniel Sarmento, de verdadeiro direito fundamental, inserido fora dos catálogo assim formalmente nominado pela dicção constitucional. Litteris20: 20 SARMENTO, Daniel. A garantia do direito à posse dos remanescentes de quilombo antes da desapropriação. Disponível em <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de trabalho/quilombos-1/documentos/Dr_Daniel_Sarmento.pdf> Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível “Privado da terra, o grupo tende a se dispersar e desaparecer, tragado pela sociedade envolvente. Portanto, não é só a terra que se perde, pois a identidade coletiva também periga sucumbir. Dessa forma, não é exagero afirmar que quando se retira a terra de uma comunidade quilombola, não se está apenas violando o direito à moradia dos seus membros. Muito mais que isso, se está cometendo um verdadeiro etnocídio. Por isso, o direito à terra dos remanescentes de quilombo pode ser identificado como um direito fundamental cultural (art.215, CF), que se liga à própria identidade de cada membro da comunidade.” Para a concretização desse direito fundamental à terra das comunidades remanescentes de quilombo, foi editado o Decreto nº 4.887/03, o qual regula o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação relativo a esses territórios, atribuindo tal responsabilidade ao INCRA. No caso concreto, observa-se que o procedimento iniciado no INCRA, após a propositura da Ação Civil Pública, não foi concluído, malgrado a determinação resultante da audiência realizada em 27 de setembro de 2006, segundo a qual a autarquia agrária, deveria, in verbis: “(...), no prazo de 180 dias, promover o andamento e a conclusão do processo administrativo voltado para a titulação definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos identificados no laudo antropológico, devendo este trabalho ser realizado nos moldes do Decreto n. 4.887/2003 desvinculado o trabalho desenvolvido pela Agência Espacial Brasileira.” (autos do processo nº 2003.37.00.008868-2) Atualmente, o procedimento no INCRA (n.° 54230.002401/2006-13) não esgotou sua tramitação, apesar da determinação judicial e do considerável lapso temporal transcorrido. Houve a conclusão do relatório técnico de identificação e delimitação, o qual ainda se encontra pendente de publicação, o que abrirá a fase de contestação e análise, procedendo-se, em seguida, aos trabalhos de titulação, a depender da complexa situação dominial de cada imóvel existente na região. Assim, as comunidades remanescentes de quilombo de Alcântara continuam a sofrer com a mora do INCRA em concluir as suas atividades. Entretanto, enquanto os trabalhos do INCRA não são concluídos, não se pode permitir que outras instituições integrantes da Administração Pública, a exemplo da AEB, ou com a participação da União, no caso da ACS, causem lesão de difícil (ou Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível impossível) reparação aos integrantes das comunidades, mediante a consumação de atos de apossamento, preparatórios da implantação de grande empreendimento espacial. A obrigação do Estado Brasileiro de proceder à titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo, imposta pela CF/88, origina correlatamente o dever de abstenção dos seus órgãos e entes administrativos, quanto a atos lesivos à integridade do território étnico. É dizer: não se pode admitir que, enquanto uma autarquia (INCRA) promova os procedimentos tendentes à titulação da área, um outro ente (AEB, ACS e Fundação ATECH) promova a supressão de áreas que integrariam – de acordo com o laudo pericial que instrui a Ação Civil Pública – o território étnico de Alcântara, ainda que mediante a abertura de estradas ou obras nomeadas de serviços de pré-engenharia. Nesse sentido, deve-se observar que o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto 5.051/2004, o qual estabelece a exigência de consentimento da comunidade para atos que impliquem o deslocamento, além da obrigação de o Estado Brasileiro proteger a posse das áreas, litteris: Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. (grifos nossos) 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. Artigo 16 2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 20 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados. É bem verdade que os atos mencionados não representam o imediato e simples deslocamento das comunidades de Mamuna ou Baracatatiua. No entanto, existe substancial afetação do acesso aos recursos naturais disponíveis à comunidade, necessários a sua subsistência, o que pode conduzir à necessidade de deslocamento, se houver o agravamento das condições materiais de vida do grupo, caso não haja a implementação de medidas compensatórias ou mitigadoras dos impactos, o que não se verificou adequadamente até hoje. Assim, não é apenas a propriedade das terras dos remanescentes de quilombo que é objeto de tutela jurídica. A posse das áreas, enquanto não concluído o processo de titulação no INCRA, não pode ser objeto de supressão ilicitamente por entes ligados à União, considerando-se o âmbito da proteção conferida pelo art. 68 do ADCT da CF/88, em leitura integrada com a Convenção 169 da OIT21. Do risco de dano ambiental e ao patrimônio cultural brasileiro. A Constituição da República prescreve que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, § 3º). A norma constitucional, em louvável atenção ao princípio do desenvolvimento sustentável, instituiu a responsabilidade civil ambiental independente da aferição da culpa do poluidor/degradador. Tal preceito normativo, tem como base a teoria do risco, segundo a qual aquele que aufere os benefícios de uma atividade deve amargar o ônus de ter de reparar os danos por ela causados. Dessa forma, para configuração do dano ambiental apenas se exige a comprovação do dano e do nexo causal entre este a atividade exercida pelo degradador. A responsabilidade prescindirá de culpa, nos termos do artigo 14, § 1º da Lei 6.938/81, in verbis: 21 Vale observar que a mencionada Convenção 169 da OIT trata efetivamente de matéria relativa a direitos humanos, possuindo vigência e eficácia no ordenamento jurídico brasileiro desde a sua promulgação, em nível supra-legal, nos termos do entendimento que principia a ser esposado pelo E. STF, como se colhe da ementa do HC 90.172, cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes, ao fazer referência à posição preponderante no RE 466.343/SP Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 21 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. No caso concreto, deve-se observar que o IBAMA atestou a ocorrência de infração ambiental, por meio de auto respectivo e embargos lavrados. A Superintendente do IBAMA no Maranhão participou ao MPF que a autarquia ambiental: “realizou duas vistorias recentes na área, quando foi constatada a supressão irregular de vegetação para a abertura de caminhos de acesso. A irregularidade, identificada na primeira vistoria, motivou a lavratura do Auto de Infração n.° 571523-D e do Termo de Embargo e Interdição n.° 415840-C (cópias anexas). Na segunda vistoria foi constatado que novos ramais foram abertos, desrespeitando o Termo de Embargo e Interdição e ensejando nova autuação (vide auto de infração n.° 130941-D – cópia anexa). As demais medidas administrativas a cargo deste Instituto relativas ao episódio já estão sendo tomadas.” Além do dano ambiental, existe a obrigação de o Estado Brasileiro promover o respeito às populações tradicionais, o que decorre dos art. 215 e 216 da CF/88, mediante “a garantia a todos o pleno exercício dos direitos culturais”. Além disso, os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, incluindo “os seus modos de criar, fazer e viver” consubstanciam o patrimônio cultural brasileiro (art.215, caput, II, da CF/88). Assim, a redação do texto constitucional coloca em evidência o reconhecimento da existência de diversos grupos formadores da sociedade brasileira, que não se encontra homogeneizada pela mítica união de povos, mas marcada pela diversidade das várias populações tradicionais existentes em seu interior. Nessa toada, deve-se reconhecer que a obrigação constitucional não se refere apenas à proteção de uma memória, dos monumentos, das invenções passadas. Cuida o art.215, II, da Constituição de atribuir a qualidade de bem jurídico ao modo de viver e fazer dessas comunidades tradicionais. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 22 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível Diversos dispositivos constitucionais corroboram esse entendimento, como os artigos 231 e 232, além do art.68 do ADCT. Em todos eles, que se articulam em simbiose com os dispositivos da Ordem Social relativos à cultura, percebe-se a necessidade de proteção de um território, enquanto espaço no qual se desenvolvem relações sociais dignas de salvaguarda normativa, pelo seu valor histórico e social no Brasil. Desse modo, não se protege a terra como um bem patrimonial, mas como integrante de um conjunto elementos que conferem identidade a um grupo. No contexto, ainda, foi editado pelo Executivo Federal o Decreto 6.040/2007, o qual institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, aplicável expressamente às comunidades indígenas e quilombolas, o qual dispõe ser um dos objetivos do Estado a garantia aos povos e comunidades tradicionais dos seus territórios, o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para a sua reprodução física, cultural e econômica (art.3º, I). Além disso, o instrumento normativo é expresso ao assegurar os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetadas direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos (art.3º, IV). Não bastassem esses dispositivos, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, em posição hierarquicamente qualificada, a referida Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, que, já em seu art.4º define que “deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados.” A Convenção 169 da OIT também estabelece, em seu art.14, litteris: 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 23 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível Além disso, sobre o deslocamento de comunidades protegidas pela Convenção 169 da OIT, esta é expressa ao referir, em seu art.16, que 2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados. Por fim, a mera utilização de recursos ambientais pertencentes a territórios de populações tradicionais é objeto de especial proteção, na forma do art.15 da Convenção, litteris: 1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados. Assim, a proteção jurídica às populações tradicionais decorre diretamente do texto constitucional, encontrando densificação na Convenção n.°169 da OIT, promulgada no Brasil pelo Decreto n° 5.051/2004, a qual possui status normativo supra legal, por se tratar de convenção relativa à Direitos Humanos, nos termos do entendimento que principia a ser esposado pelo E. STF, como se colhe da ementa do HC 90.172, cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes, ao fazer referência à posição preponderante no RE 466.343/SP Desse modo, a conduta dos requeridos, ao desrespeitar a legislação ambiental e não considerar as especificidades étnicas da comunidade afetada, quanto à posse e ao uso dos recursos ambientais, põe em risco a integridade de bens ambientais em Alcântara, bem como descumpre o dever constitucional de proteger as populações tradicionais titulares do direito referido no art.68 do ADCT da CF/88, lesionando os art.215 e 216 do texto constitucional. Da necessária ponderação de interesses no caso concreto. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 24 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível A pretensão ora apresentada ao Poder Judiciário exige ainda a consideração dos valores constitucionais que se apresentam no caso concreto, em um exercício de ponderação dos interesses presentes, sob o prisma da CF/88. Quanto ao tema, para a identificação desses valores, vale trazer à lume as manifestações da AEB e da ACS, em respostas apresentadas ao MPF. Primeiramente, a Agência Espacial manifestou-se, litteris: “O PROGRAMA NACIONAL DE ATIVIDADES ESPACIAIS – PNAE tem como objetivo geral promover a capacidade do País para utilizar os recursos e as técnicas espaciais na solução de problemas nacionais e em benefício da sociedade brasileira, sob pena do “BONDE DA HISTÓRIA DA CONQUISTA DA AUTONOMIA TECNOLÓGICA e da COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL”, uma vez que o domínio das tecnologias espaciais é vital para qualquer nação, porque, hoje e no futuro, os países não integrantes da exploração espacial estarão à margem da história, da evolução científica e das oportunidades do mercado espacial. Tendo em vista o disposto no artigo 3º, da Lei n.º 8.854, de 10 de fevereiro de 1994 (lei de criação da AEB), e nos termos do Decreto n. 1.332, de 8 de dezembro de 1994, que aprova a atualização da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais – PNDAE, pode-se afirmar que o Programa Espacial Brasileiro é induvidosamente estratégico para o desenvolvimento soberano do nosso país, tendo em vista que, reitere-se, somente os países dominam a técnologia espacial poderão ter autonomia na elaboração de cenários de evolução global capazes de levar em conta tanto os impactos da ação humana, quanto os dos fenômenos naturais, e serão estes os países em condição de sustentar posições e argumentar nas mesas de negociações diplomáticas. Não por outra razão é que essa realidade fática requer seja implementada a estrutura do Centro Espacial de Alcântara; que se aumente e aprimore a base de recursos humanos dedicados às atividades espaciais, e que se criem oportunidades de comercialização de produtos e serviços de natureza espacial (...)” A ACS, em sentido semelhante, assim se manifestou, litteris: Torna-se crucial, portanto, que se veja a ação governamental de implantação do CEA de uma perspectiva superior, e que se analise o seu projeto sob a ótica do fim a que se destina, sobretudo, considerando que não haverá lesão para as comunidades porventura envolvidas, ressaltando-se que é nessa área que serão implementados os futuros sítios de lançamento dmandados por parcerias Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 25 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível internacionais, como no caso do CYCLONE-4 em decorrência do Tratado celebrado entre o Brasil e a Ucrânia, de que resultou a instalação, em 2007, da ALCÂNTARA CYCLONE SPACE – ACS. A esse respeito, o ofício n° 04/SSRE/42, de 19/02/2008, oriundo do Centro de Lançamento de Alcântara, distingue a divisão da área da União no município em três segmentos: a primeira, correspondente ao CLA, será destinada às atividades do PNAE; ao passo que a segunda será conferida à AEB, para a implantação dos sítios de lançamento para a comercialização. O restante seria afetado às comunidades quilombolas. Há que se observar, assim, que as áreas pretendidas pela ACS e AEB, entre as mencionadas comunidades quilombolas de Mamuna e Baracatatiua seriam destinadas aos lançamentos comerciais a serem operacionalizados pela empresa binacional, consoante os termos do Artigo 2º, do Tratado sobre a utilização do veículo de lançamento Cyclone-4, promulgado pelo Decreto n° 5436/200522. Assim, pelo exame do material ofertado ao MPF, é possível identificar a alegação da existência de interesses nacionais relacionados ao desenvolvimento tecnológico e à afirmação da soberania nacional, pelos empreendedores, a serem desenlvidos enquato integrantes da definição política de atuação do Estado Brasileiro. Não obstante, deve-se observar que tais valores, afirmados pelos empreendedores na condição de interesse público não são absolutos, envolvendo-se em uma situação de aparente conflito com o direito à terra das comunidades remanescentes de quilombo e o direito à cultura, como acima explicitados. Nesse caso, a solução a ser buscada passa pela ponderação dos valores constitucionais em aparente conflito, considerando as circunstâncias do caso e as várias dimensões dos interesses. Acerca da atividade de ponderação dos bens constitucionais, confira-se a lição de J.J. Gomes Canotilho23, litteris: 22 Art.2 . O objetivo do presente Tratado é definir as condições para a cooperação de longo prazo entre as partes sobre o desenvolvimento do Sítio de Lançamento do Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara, e a prestação de serviços de lançamento para os programas nacionais espaciais das Partes, assim como para clientes comerciais Art.3. A Alcântara Cyclone Space, que é um entidade internacional de natureza econômica e técnica, é criada pelo presente Tratado para a operação e os lançamentos do Veículo de Lançamento Cyclone-4, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara e será regida por seu estatuto, segundo as diretrizes a seguir: (...) g) Assegura-se à Alcântara Cyclone Space o direito exclusivo de prestar serviços comerciais de lançamento do Veículo de Lançamento Cyclone-4. 23 A lição, apesar de oriunda do Direito Português, é aplicável ao estudo do caso constitucional. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Lisboa: Almedina. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 26 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível “Quando é que, afinal, se impõe a ponderação ou o balanceamento ad hoc para obter uma solução dos conflitos de bens constitucionais? Os pressupostos metódicos básicos são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência, pelo menos, de dois bens ou direitos reentrantes no âmbito de protecção de duas normas jurídicas quem, tendo em conta as circunstâncias do caso, não podem ser “realizadas” ou “optimizadas” em todas as suas potencialidades. Concomitantemente, pressupõe a inexistência de regras abstractas de prevalência, pois neste caso o conflito deve ser resolvido segundo o balanceamento abstracto feito pela norma constitucional.” Diante dessas premissas, deve-se observar que o direito à terra do art.68 do ADCT da CF/88 apresenta-se como um direito fundamental, relacionando-se com os art.215 e 216 do texto constitucional. A adoção de medidas que o tornem efetivo impõe-se com mais força ainda após a ratificação pelo Brasil da Convenção 169 da OIT, que tratando de direitos humanos, incorporou-se ao ordenamento jurídico em posição supra-legal. Trata-se, em uma pespectiva social, de assegurar a um conjunto de comunidades historicamente marginalizadas desde a sua origem, como quilombos, respeito às suas formas de vida e organização, regularizando uma situação jurídica de posse da área existente há centenas de anos. O Estado, nesse período, manteve-se omisso na prestação de serviços públicos a essas comunidades negras rurais, mostrando-se apenas na sua face repressiva – a perseguição aos fugidos da escravidão, conforme relata o laudo antropológico. Agora, entes ligados à União se fazem presentes na área, causando insegurança aos moradores, como revelam os depoimentos acima transcritos. Por outro lado, o Programa Espacial Brasileiro – de inegável importância para o país e definido como de interesse público – desenvolve-se, nas comunidades de Mamuna e Baracatatiua, pretendendo se instalar entre os dois povoados, antes mesmo da regularização das terras que, consoante prazo fixado em audiência judicial, deveria ser concluída em 180 dias. As áreas pretendidas destinam-se à operação de lançamentos comerciais, a serem explorados por uma empresa binacional. Apareceria aqui o interesse do Estado Brasileiro no desenvolvimento da ciência e tecnologia, na forma do art.218 da CF/88. No entato, a análise da situação – em especial a partir dos termos do Tratado firmado com a Ucrânia para o uso do veículo de Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 27 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível lançamento Cyclone-4 – permite verificar que a área mencionada nesta ação cautelar destinarse-ia notadamente a usos comerciais, como se observa da seguinte passagem, litteris: "Art.2 . O objetivo do presente Tratado é definir as condições para a cooperação de longo prazo entre as partes sobre o desenvolvimento do Sítio de Lançamento do Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara, e a prestação de serviços de lançamento para os programas nacionais espaciais das Partes, assim como para clientes comerciais Art.3. A Alcântara Cyclone Space, que é um entidade internacional de natureza econômica e técnica, é criada pelo presente Tratado para a operação e os lançamentos do Veículo de Lançamento Cyclone-4, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara e será regida por seu estatuto, segundo as diretrizes a seguir: (...) g) Assegura-se à Alcântara Cyclone Space o direito exclusivo de prestar serviços comerciais de lançamento do Veículo de Lançamento Cyclone-4.” Assim, deve-se observar a necessidade de se ponderar os mencionados interesses, com a distinção da específica finalidade comercial nos novos sítios de lançamento em face dos interesses legítimos dos remanescentes de quilombo, decorrentes dos art.68 do ADCT e 215 e 216 da CF/88, os quais devem preponderar, no caso concreto, por se tratar de medidas que conferirão maior efetividade a direitos fundamentais de um grupo étnico historicamente marginalizado em face do Estado. Ademais, a medida cautelar ora requerida não significa prejuízo permanente ao programa espacial brasileiro, bastando que o Estado cumpra com celeridada a sua obrigação doméstica (titulação das terras de quilombo), para que se possa dar continuidade ao empreendimento. DA URGÊNCIA NA CONCESSÃO DA MEDIDA A medida pleiteada justifica-se, ao lado dos fundamentos jurídicos apontados, pela urgência na resolução do problema, uma vez que existe situação fática capaz de gerar fundado receio de dano grave ou de difícil reparação (periculum in mora). A ação dos empreendedores prejudica o reconhecimento do direito à terra, à medida que impõe paulatina redução das áreas de acesso aos recursos naturais, sendo certo que a reparação não será possível, pois os prejuízos a serem causados são de natureza extrapatrimonial. Pretende-se, com a medida, garantir o respeito às formas de Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 28 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível organização e ao modo de vida de comunidades tradicionais, não se tratando apenas de uma questão fundiária a ser resolvida. Ademais, mesmo após a autuação e embargo administrativo do IBAMA, a requerida ATECH persisitiu nas suas atividades, em benefício da AEB e da ACS, sendo lavrado novo auto de infração24, demonstrando a indisposição dos empreendedores em não acatar as decisões dos entes de fiscalização ambienta, em janeiro/fevereiro do corrente ano. Os depoimentos dos trabalhadores, por sua vez, evidenciam a existência de situação de conflito, com a colocação de "barricadas" pelos moradores de Mamuna, que se sentem prejudicados pelos atos atentatórios à posse. Esse conjunto de circunstâncias evidenciam a urgência da situação, com a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, para restauração da situação de legalidade, com efetivo respeito às populações tradicionais. DOS FUNDAMENTOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR A concessão de medida liminar em sede de Ação Cautelar pressupõe a probabilidade de existência do direito alegado (fumus boni iuris), bem como uma situação fática capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação (periculum in mora) em provimento jurisdicional de cunho instrumental. Nesse sentido, o Código de Ritos autoriza a concessão de liminares em processo cautelar sem a audiência das partes, a saber: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes. 24 Com relação a esse fato, foram remetidas cópias dos documentos pertinentes ao Núcleo Criminal desta PR/MA, para apuração da eventual prática de ilícito penal. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 29 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Outrossim, a jurisprudência do Egrégio TRF da 1ª Região é pacífica pela admissibilidade de medidas liminares inaudita altera parte em Ação Cautelar, desde que preenchidos os requisitos legais, verbis:: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR. REQUISITOS PREENCHIDOS. DEPÓSITO DO VALOR. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. MULTA ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DE NORMAS TRIBUTÁRIAS. POSSIBILIDADE. 1. Para a concessão de liminar, faz-se necessária a existência concomitante de seus dois requisitos, quais sejam, o perigo na demora e a plausibilidade da tese alegada. 2. Vislumbra-se o periculum in mora ante a possibilidade da autora ter que suportar os efeitos das providências contidas na autuação da ANVISA, acarretando restrições à atividade do contribuinte, bem como o fumus boni iuris diante do posicionamento adotado neste egrégio Tribunal no sentido de admitir o depósito judicial do valor em discussão, quando não se trate de débito tributário, invocando, por analogia, o disposto no art. 151 do CTN, que estabelece, no seu inciso II, como uma das formas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o depósito de seu montante integral. Ademais, a LC 104/01, que alterou o Código Tributário Nacional, acrescentando o inciso V ao citado art. 151, passou-se a admitir a suspensão da exigibilidade do tributo até mesmo sem efetivação de depósito, quando concedida medida liminar ou tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial que não o mandado de segurança. 3. Se o Código Tributário Nacional admite que o depósito do montante integral e a concessão de liminar, em qualquer tipo de ação judicial, têm a faculdade de suspender a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II e V), com tanto mais razão é legítima a suspensão da exigibilidade de crédito fiscal, não-tributário, já que a multa administrativa transforma-se em dívida ativa, equiparando-se a débito tributário, para fins de suspensão de sua exigibilidade. Precedentes desta Corte. 4. Agravo de instrumento não provido. (AG 2004.01.00.033278-4/DF, Rel. Desembargador Federal Antônio Ezequiel Da Silva, Sétima Turma, DJ de 13/01/2006, p.87) Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 30 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível Na espécie, a plausibilidade do direito vindicado mostra-se plenamente justificada pelos motivos elencados, dos quais exsurge que a construção irregular em área de remanescentes de quilombo carece de todo e qualquer amparo jurídico, constituindo-se ainda, em inovação na situação fática sub judice. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência, litteris: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR. DESBLOQUEIO DE RECURSOS DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR. 1. A tutela cautelar tem em mira assegurar o resultado útil para o processo principal, no caso, a ação ordinária, onde é discutido em profundidade o direito, mantendo o estado de fato da demanda até o desfecho da lide principal. 2. A redação primitiva do art. 160 da CF/88 previa a impossibilidade de retenção do Fundo de Participação dos Municípios para satisfação de crédito de autarquia federal. Após a nova redação do parágrafo único do art. 160, que veio com a Emenda Constitucional nº 03/93, surgiu a possibilidade de bloqueio da verba destinada ao Município inadimplente, não havendo, desde aí, fumus boni iuris a guarnecer o pedido de liminar de desbloqueio. Precedentes desta Corte. 3. Ausente um dos requisitos para a concessão da medida cautelar, correta a sentença que julgou improcedente o pedido. 4. Remessa oficial e apelação não providas. (AC 1998.01.00.023673-9/BA, Rel. Juiz Federal Carlos Alberto Simões De Tomaz (conv), Sétima Turma, DJ de 26/05/2006, p.60) Há de se atentar que a presente demanda tem uma base probatória idônea capaz de apontar a impossibilidade de execução das obras e realização dos serviços pelas requeridas. Nesse contexto, ressalte-se que foram realizadas vistorias in loco, pelo Ministério Público Federal (consoante auto de vistoria) e do IBAMA (Auto de Infração e o Termo de Embargo), cujas conclusões foram uníssonas quanto aos fatos lesivos ao ambiente, com a supressão não autorizada de vegetação. Ademais, existe informação técnica apresentada pela Universidade Federal do Maranhão, atestando os prejuízos ao grupo étnico, bem como depoimentos de moradores das comunidades, referindo a situação narrada e afirmando o perigo das condutas para a reprodução social. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 31 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível DOS PEDIDOS ISSO POSTO, requer-se de Vossa Excelência: 1) A intimação da Agência Espacial Brasileira, para se manifestar acerca dos pedidos formulados, no prazo de 72 horas. 2) A concessão de medida liminar, para que os requeridos se abstenham da implantação de obras, instalações e serviços que afetem a posse do território étnico dos remanescentes de quilombo, conforme mapa apresentado no feito principal, sem o consentimento das comunidades afetadas, até que seja ultimado o processo de identificação, reconhecimento, delimitação e titulação das terras respectivas, em curso no INCRA, consoante o art. 68 do ADCT da CF/88 e Decreto Federal n.° 4.887/93, em discussão na Ação Civil Pública n.° 2003.37.00.008868-2; 3) Seja confirmada a medida liminar deferida, para condenar aos requeridos a se abster da implantação de obras, instalações e serviços que afetem a posse do território étnico dos remanescentes de quilombo, na forma acima referida. DO REQUERIMENTO DE CITAÇÃO Requer o MPF a citação da requerida para responder aos termos da pretensão ora deduzida, no prazo legal, bem como a intimação do IBAMA (endereço na Av. Jaime Tavares, n. 25 – Centro) e da União (com endereço na Advocacia-Geral da União no Estado do Maranhão), para que possam manifestar o seu interesse na lide. Pede o Ministério Público a juntada de cópias do Inquérito Civil Público e do Procedimento Administrativo mencionados25, quanto aos documentos mencionados nesta 25 Para evitar a reprodução de numerosos documentos, procedeu-se à cópia somente dos documentos diretamente relacionados à inicial e defesa dos requeridos, sendo que cópia integral poderá ser apresentada, caso haja necessidade. Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 32 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível exordial, em anexo, como prova das alegações formuladas, além da produção de outras que se fizerem necessárias no curso da instrução, notadamente a oitiva das testemunhas indicadas e a realização de inspeção judicial. Dá-se à causa, haja vista tratar-se de bem inestimável, o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). São Luís (MA),15 de maio de 2008. ALEXANDRE SILVA SOARES Procurador da República TIAGO DE SOUZA CARNEIRO Procurador da República REGIS RICHAEL PRIMO DA SILVA Procurador da República Rua das Hortas, 223 – Centro – CEP 65020-270 – São Luis – Maranhão Telefone: (98) 3213-7123 - Fac-símile: (91) 3213-7133 - 33