PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ: História, autonomia, inovações e desafios Copyright © Poder Judiciário do Estado do Ceará: História, autonomia, inovações e desafios. Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ A reprodução, de qualquer parte desta publicação, será permitida desde que citada a obra. Reproduções para fins comerciais são proibidas. Disponível também em: http://www.tjce.jus.br Conselho Editorial Desa. Sérgia Maria Mendonça Miranda - Presidenta Des. Carlos Alberto Mendes Forte Des. Jucid Peixoto do Amaral Dr. Aluísio Gurgel do Amaral Júnior Dr. Francisco Martônio Pontes de Vasconcelos Editor Responsável Mailu de Oliveira Franco Alvarenga Projeto Gráfico e Diagramação Marcos Aurélio Rodrigues da Silva Renato Gurgel Coelho Hugo Leonardo Guedes Monteiro Impressão e Acabamento Departamento Editorial e Gráfico do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará Tribunal de Justiça do Estado do Ceará Centro Administrativo Governador Virgílio Távora Avenida General Afonso Albuquerque de Lima S/N Cambeba - Fortaleza - CE - CEP: 60.822-325 Fone: (85) 3207.7000 www.tjce.jus.br / [email protected] Email: [email protected] Autores José Joaquim Neto Cisne Ana Thais Carneiro Cisne Letícia Maria Carneiro Cisne PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ: História, autonomia, inovações e desafios COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ Presidente Des. Luiz Gerardo de Pontes Brígido Vice-Presidente Des. Francisco Lincoln Araújo e Silva Corregedor Geral da Justiça Des. Francisco Sales Neto TRIBUNAL PLENO Des. Luiz Gerardo de Pontes Brígido - Presidente Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha Des. Rômulo Moreira de Deus Desa. Maria Iracema Martins do Vale Des. Antônio Abelardo Benevides Moraes Des. Francisco de Assis Filgueira Mendes Des. Francisco Lincoln Araújo e Silva Des. Francisco Sales Neto Desa. Maria Nailde Pinheiro Nogueira Des. Haroldo Correia de Oliveira Máximo Des. Francisco Pedrosa Teixeira Desa. Vera Lúcia Correia Lima Des. Clécio Aguiar de Magalhães Des. Francisco Barbosa Filho Des. Paulo Camelo Timbó Des. Emanuel Leite Albuquerque Desa. Sérgia Maria Mendonça Miranda Des. Jucid Peixoto do Amaral Des. Paulo Francisco Banhos Ponte Desa. Francisca Adelineide Viana Des. Durval Aires Filho Des. Francisco Gladyson Pontes Des. Francisco Darival Beserra Primo Des. Francisco Bezerra Cavalcante Des. Inácio de Alencar Cortez Neto Des. Washington Luis Bezerra de Araújo Des. Carlos Alberto Mendes Forte Des. Teodoro Silva Santos Des. Carlos Rodrigues Feitosa Desa. Maria Iraneide Moura Silva Des. Luiz Evaldo Gonçalves Leite Des. Francisco Gomes de Moura Desa. Maria Vilauba Fausto Lopes Desa. Maria Gladys Lima Vieira Desa. Lisete de Sousa Gadelha Des.Raimundo Nonato Silva Santos Des. Paulo Airton Albuquerque Filho Desa. Maria Edna Martins Des. Mário Parente Teófilo Neto Desa. Tereze Neumann Duarte Chaves Des. José Tarcílio Souza da Silva Desa. Maria de Fátima de Melo Loureiro Desa. Helena Lúcia Soares APRESENTAÇÃO O Tribunal de Justiça do Ceará, ao completar 140 anos de instalação, estrutura-se de forma continuada para garantir o acesso à justiça e os direitos dos cidadãos. Este trabalho tem por objetivo fazer breve abordagem sobre a evolução da administração da Justiça no Ceará desde o início de sua colonização, enfatizando as recentes inovações e os desafios ainda a superar. Observa-se que, após promulgação da Constituição Federal de 1988, que fortaleceu a redemocratização do País e assegurou novos direitos, cresceu significativamente a demanda por serviços jurisdicionais, sobrecarregando os órgãos do Poder Judiciário. Esse Poder ficou impossibilitado de atender adequadamente tais demandas por não contar com a estrutura e os recursos necessários para prestar um serviço de qualidade. Para a elaboração deste trabalho se fez uma revisão da literatura que trata da história do Judiciário no Ceará, além de analisar planos estratégicos e outros documentos governamentais para mostrar as melhorias obtidas nas últimas décadas, e para a identificação dos desafios a fim de assegurar os direitos fundamentais e prestar um serviço de qualidade à sociedade cearense. E considerando a premissa constitucional da separação e a harmonia dos Poderes do Estado, o segundo texto tem por objetivo discutir a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário, analisando especificamente a realidade do Ceará. Para enfatizar os aspectos legais e administrativos dessa autonomia, fez-se uma revisão na literatura e procedeu a análise na legislação, relatórios, orçamentos e em outros documentos governamentais. Também se examinou a composição dos gastos com custeios, investimentos e inversões financeiras realizados no período de 2003 a 2013, destacando suas respectivas fontes de financiamento e evidenciando os valores repassados pelo Tesouro do Estado. Conclui-se que a autonomia financeira do Poder Judiciário, apesar de sua garantia constitucional, ainda exige esforços para a sua efetivação. Por isso, no final se expressa um conjunto de medidas para assegurar essa autonomia no âmbito do Poder Judiciário no Ceará. Os autores SUMÁRIO PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ: 140 Anos de História, Inovações e Desafios José Joaquim Neto Cisne Letícia Maria Carneiro Cisne Introdução ............................................................................................................ 13 Considerações sobre a história da administração da justiça no Brasil e no Ceará.... 15 A crise e as recentes inovações no Poder Judiciário em busca da eficiência . .... 31 Os principais desafios do Poder Judiciário cearense ...................................... 40 Considerações finais ........................................................................................... 44 Referências Bibliográfica .................................................................................... 47 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ: O desafio da Autonomia Financeira José Joaquim Neto Cisne Ana Thais Carneiro Cisne Introdução ............................................................................................................ 65 Aspectos constitucionais da separação dos Poderes e da autonomia do Judiciário ..... 66 Aspectos financeiros do Poder Judiciário no Ceará e os gastos com custeio e investimento de 2003 a 2013 ....................................................................................... 73 Considerações finais e propostas para fortalecer a autonomia financeira do Poder Judiciário no Ceará .................................................................................. 83 Referências Bibliográficas . ................................................................................. 86 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ: 140 Anos de História, Inovações e Desafios José Joaquim Neto Cisne Auditor Fiscal da Receita Estadual e Professor Adjunto do Curso de Administração da Universidade Estadual do Ceará (UECE) E-mail: [email protected] [email protected] Letícia Maria Carneiro Cisne Graduanda do curso de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO As relações entre a História e o Direito, nas palavras do profº. Mozart Russomano, “são as mais estreitas: a História, dizendo como a vida foi, e o Direito, dizendo como deve ser” (VASCONCELOS, 1987). No Ceará, o Poder Judiciário completa 140 anos de instalação, marcados por avanços e por grandes desafios que ainda devem ser superados. A História e a Justiça, como bem argumentou Martins Filho (1987, p. 11), têm muito em comum por terem seus julgamentos pautados por absoluta imparcialidade1. A redemocratização do País, que se fortaleceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao assegurar novos direitos, fez aumentar consideravelmente a demanda por serviços jurisdicionais. Este trabalho tem por objetivo fazer breve abordagem histórica do Poder Judiciário no Ceará e destacar as inovações implantadas nas últimas décadas, especialmente após a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que tratou da reforma do Judiciário brasileiro. Também se analisam os desafios ainda a serem superados por esse Poder, com ênfase no acesso à justiça e na eficiência dos serviços prestados. Para a realização deste trabalho, além de uma revisão da literatura que trata da historiografia do Poder Judiciário no Ceará, foram procedidas análises em planos e outros documentos governamentais para se destacar os avanços e identificar os desafios e outras informações relevantes a esse Poder. Na revisão da literatura sobre a história do Poder Judiciário cearense, fez-se referência aos estudos elaborados por pesquisadores como Eusébio de Sousa, publicado em 1945; Geraldo da Silva Nobre, publicado em 1974, quando das comemorações do primeiro centenário desse Poder; e estudos elaborados por outros intelectuais como Barão de Studart, 13 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Manuel Albano Amora, desembargadores Paulino Nogueira Borges da Fonseca e Abner Carneiro Leão de Vasconcelos, entre outros2. Além da introdução, este ensaio está composto por mais quatro seções. A segunda faz breve abordagem histórica sobre a administração da Justiça desde a colonização do Ceará, quando existia apenas a Relação, com sede na Bahia, criada em 1587 e instalada em 1609. Analisa a evolução do Judiciário até a instalação da Relação do Ceará, em 1874, e depois as alterações e reformas na estrutura judiciária até os nossos dias. A terceira seção cuida dos recentes avanços e inovações, especialmente com a aprovação da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que viabilizou mudanças significativas no Poder Judiciário. Enfatiza-se o papel institucional e estratégico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na busca da eficiência dos serviços jurisdicionais, destacando algumas das principais resoluções e normas que definiram novas diretrizes para a administração da Justiça no Brasil. A quarta relata acerca dos principais desafios a serem superados pelo Poder Judiciário cearense, com ênfase para o acesso à Justiça e a eficiência dos serviços jurisdicionais. Para a identificação desses desafios, foram levados em conta os resultados dos planejamentos estratégicos elaborados para os períodos 2010-2014 e 2015-2020, no âmbito do Judiciário cearense, e que contou com a participação de vários órgãos convidados, servidores e magistrados. A título de conclusão, na quinta seção procede-se a algumas considerações sobre as contribuições teóricas e práticas desse ensaio. Também com arrimo nesses planos, se apresenta algumas sugestões para a melhoria do desempenho do Poder Judiciário no Ceará. Por fim, se relacionam as referências bibliográficas utilizadas para fundamentar o ensaio. 14 140 Anos de História, Inovações e Desafios 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA NO BRASIL E NO CEARÁ O Ceará, muito provavelmente, como noticiam alguns historiadores, foi o primeiro ponto de chegada dos europeus ao solo brasileiro, mesmo antes de seu descobrimento em 1500 por Cabral (POMPEU SOBRINHO, 1980, p. 77). Essa porção de terra, entretanto, ficou esquecida por mais de um século, sem nenhuma ação de colonização por parte do rei de Portugal. Somente em 1530, Portugal decidiu colonizar o Brasil, diante das constantes ameaças de invasão por parte de outras nações, como França, Inglaterra e Holanda. As três cartas régias do rei João III dirigidas a Martim Afonso de Sousa, datadas de 20 de novembro daquele ano, assentaram as bases e disciplinaram os primeiros regimes coloniais no Brasil. Elas conferiam autoridade ilimitada a esse capitão-mor da armada e governador, para expedir e fazer cumprir as leis nessa colônia (MATHIAS, 2009, p. 31/32). O rei João III, em setembro de 1532, comunicou por carta a Martim Afonso, que decidiu adotar o sistema de capitanias hereditárias. Nesse regime os poderes do donatário, capitãomor (governador), eram expressos em dois documentos: a carta de doação e o foral da capitania (carta foral). Esses donatários deveriam fundar vilas, com termos, jurisdição e insígnias, ao longo do litoral e dos rios navegáveis; seriam senhores das ilhas, caso existissem até dez léguas (60 km) da costa. Os ouvidores, os tabeliães do público e judicial eram nomeados pelo capitãomor, e este poderia conceder terras de sesmarias, salvo para a sua mulher ou filho herdeiro. Em 1549, foi instituído no Brasil o regime de centralização administrativa na colônia com os governadores15 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ gerais, que deviam residir na própria Colônia. As capitanias hereditárias continuaram a existir, tendo sido criadas outras até sua extinção na administração de Marquês de Pombal, em meados do século XVIII. Este novo regime trouxe mudanças, haja vista a crescente complexidade na organização da Colônia, com o crescimento da população e das vilas. Por isso, surgiu nova legislação que tratou da ordem administrativa, eclesiástica, dos índios, do tráfico de escravos e das atividades jurídicas. Dessa época, datam os regimentos que cuidam dos poderes e competências do governador-geral, do ouvidor-geral e do provedor-mor, além de alvarás e cartas régias. O regimento do governador-geral, de 17 de dezembro de 1548, vigorou com algumas alterações até 1677. A capitania do Ceará teve como primeiro donatário Antônio Cardoso de Barros, nomeado em 1535, que nada fez em prol da sua colonização. E somente diante das ameaças de invasão por outras nações, é que a Corte Portuguesa iniciou o domínio do território com uma expedição em 1603, comandada por Pero Coelho de Sousa, que não foi bem-sucedida. A segunda expedição, em 1612, foi comandada por Martim Soares Moreno, o primeiro capitão-mor3 e considerado o fundador da capitania do Ceará por ter construído fortes, explorado o território e estabelecido contatos mais amistosos com os indígenas. O sistema judiciário do Brasil teve como embrião, segundo Aliomar Baleeiro,4 a chegada de Pedro Borges, o ouvidor-geral, que veio em 1549, na companhia do primeiro governador-geral Tomé de Souza e se instalou na Bahia. Pedro Borges era magistrado de carreira e tinha sido corregedor do reino de Algarve. A esse desembargador cabia recorrer de decisões tomadas pelos ouvidores de comarca, que tinham jurisdições sobre a respectiva capitania e cuidavam de resolução de conflitos jurídicos nas vilas. Até a criação da primeira Relação no Brasil, 16 140 Anos de História, Inovações e Desafios que se deu na Bahia5, o ouvidor-geral organizou a justiça e se constituiu na instância máxima para quem eram enviados os recursos das decisões dos juízes ordinários eletivos e dos juízes de fora designados pelo rei6. Atendendo as reclamações sobre abusos e medidas arbitrárias cometidas pelo ouvidor-geral, em 1587, a Coroa Portuguesa decidiu criar a Relação da Bahia (tribunal de segunda e última instância), que não chegou a ser instalada pela ausência de parte dos desembargadores que não desembarcaram no Brasil. Esta Corte de Justiça somente foi instalada em 2 de março de 1609 (SCHWARTZ, 1979, p. 17). A organização dos ritos e procedimentos da Relação da Bahia seguia o modelo da Casa de Suplicação de Lisboa. Uma série de fatores, no entanto, como observa Procopiuck (2013, p. 323), levaram a suspensão do funcionamento desse Tribunal de Apelação no Brasil7 pelo alvará de 5 de abril de 1626, sendo restabelecido somente em 12 de setembro de 1652, sendo um avanço rumo à autonomia judiciária no Brasil. Neste período, como observou Mathias (2009, p. 38), os órgãos de justiça eram o capitão-mor ou governador (de quem dependia toda a administração da justiça), o ouvidor da capitania (nomeado pelo governador e que tinha competência para conhecer de ações novas apelações e agravos de decisões dos juízes ordinários) e o próprio juiz ordinário (que era eleito pelos vizinhos do conselho). A competência desse juiz era bem restrita, resumindose aos limites da vila e só no cível, e de suas decisões cabia recursos para o ouvidor da capitania. Um regimento de 2 de abril de 1630 atribuiu aos ouvidores-gerais as funções de auditor de guerra e juiz dos feitos da Coroa. Nesse período da União 17 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Ibérica, ocorreram diversos ataques ao Território brasileiro por holandeses8, ingleses e franceses (MATHIAS, 2009, p. 54/55). Em 13 de junho de 1621, em pleno domínio espanhol, por carta régia, foram criados dois Estados: o do Maranhão (com sede em São Luís) e o do Brasil (com sede em Salvador). Esta designação de Estado queria se referir a uma divisão políticojurídico-administrativa naquele sistema colonial luso-espanhol. O Estado do Maranhão, que fundiu as capitanias do Maranhão, Grão-Pará e Ceará, tinha total independência do Governo-Geral da Bahia, cuja jurisdição ficou do Rio Grande do Norte ao restante do território brasileiro, que recebera o nome de Estado do Brasil. Os dois Estados se regiam pelo mesmo regimento de Tomé de Sousa. Cada Estado tinha seu ouvidor-geral9, cujo regimento datava de 14 de abril de 1628. Estes ouvidores gerais tinham maiores poderes que os ouvidores das respectivas capitanias10. A história mostra, segundo Vasconcelos (1987, p. 220), que até o final do século XVII na Capitania do Ceará não havia vida civil, por falta de famílias organizadas e até mesmo de propriedade das terras. Era reduzido o quantitativo demográfico e incipiente o sistema político-administrativo. A concessão de sesmarias11, por volta de 1680, inicialmente se deu de forma tímida em virtude da resistência dos índios, depois, os colonizadores passaram a povoar de maneira mais célere as ribeiras dos principais rios, como Jaguaribe, Acaraú, Choró, Pacoti, entre outros, com suas fazendas de gado12, como observou Vasconcelos (1987, p. 41). Bezerra (2009, p. 62), em sua obra Algumas Origens do Ceará, afirmou que do período “de 1680 a 1690 pouco se conhece da povoação do interior do Ceará”. Também Vasconcelos (1987, p. 34), referindo-se aos aspectos jurídicos, confirmou que a história foi “omissa nas referências sobre o que ocorreu no Ceará 18 140 Anos de História, Inovações e Desafios no século XVI”. Sabe-se, no entanto, que os anos finais do século XVII e as primeiras décadas do século seguinte foram anos difíceis e tormentosos em razão das lutas contra os indígenas e das represálias desses ataques com o roubo de gado e outros atos cometidos13. A Justiça nessa época decidia com base em privilégios e era marcada por desvios de conduta. Mathias (2009, p. 119/120) traz uma série de referências, mostrando os desvios de comportamento e a falta de uma conduta ética de muitos governantes e magistrados no Brasil colonial. Dentre estas referências, se destaca a obra Diálogos das Grandezas do Brasil, datada de 1618, atribuída sua autoria a Gabriel Soares de Sousa. Em um diálogo entre Alviano e Brandônio relatam deficiências morais, morosidade, insolência, favoritismo praticados por alguns ouvidores e magistrados que formavam a Relação da Bahia. Também faz referência ao livro O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis, de autoria de Luiz Edmundo, que retratou da seguinte forma a justiça nesta época: “(...) a justiça continua irregular e falha, pessoal e feroz, cera que se amolda à vontade pessoal do Juiz, que quando não é arbitrário, é ignorante, e, quando não é ignorante é venal. Há exceções, claro. Essas, porém, são bem raras”. E faz outras referências a respeito do comportamento dos magistrados sobre algumas decisões de caráter inapropriado: “Os juízes venais, menos pitorescos, foram entretanto, mais numerosos. E, quantos mais altos piores”. O autor também menciona outras avaliações sobre os poderes constituídos no Brasil colonial: “(...) governadores ladrões. (…) E que o Padre Antônio Vieira afirma, ao falar desses supremos juízes, que os que vinham ao Brasil formavam um bando de verdadeiros ladrões, disposto a devorar-nos”14. 19 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Dentre as críticas quanto à eficiência dos serviços da justiça no Brasil colonial, mencionada por Mathias (2009: 68) atribuída a Gregório de Matos Guerra, juiz do crime e de órfão em Lisboa: Que falta nesta cidade? .......... verdade / Que mais por sua desonra .......... Honra / Falta mais que se lhe ponha .......... Vergonha (...) e que justiça a reguarda? .......... Bastarda / É grátis distribuída? .......... Vendida / Que tem que a todos assusta? .......... Injusta / Valhanos Deus, o que nos custa, / o que El-Rei nos dá de graça, / que anda a justiça na praça / Bastarda, Vendida, Injusta. Até essa época, na Capitania do Ceará, a única justiça cabível era a aplicação à tropa, na punição de insubordinados e desertores, ou a das aldeias a cargo dos missionários, sujeitos, naquele tocante, ao eclesiástico. E como descreveu Araripe (2002, p. 139), os “capitães-mores regeram a Capitania como cabos do presidio e nenhuma autoridade mais tinham do que a de comandante de soldados e de arbitrários policiadores da gente civil”. Por isso, não havia nessa capitania administração da justiça comum15 antes da criação da primeira vila em 1699. A capitania do Ceará somente passou a ser considerada uma entidade político-civil quando instalou a sua primeira vila como sede administrativa. Antes dessa medida, no entanto, por ordem régia de 27 de dezembro de 1693, o rei Dom Pedro II determinou ao governador e capitão-general de Pernambuco, a quem a Capitania do Ceará era vinculada, a formação de povoações com o objetivo de agrupar os moradores e que fossem preparados regimentos para regê-los nas questões políticas, no civil e na administração da Justiça (NOBRE, 1974, p. 17). No Ceará, Pedro Lelou, comandante do Forte de Nossa Senhora da Assunção, e que tinha autoridade sobre todo o 20 140 Anos de História, Inovações e Desafios território da Capitania, enviou carta ao rei Dom Pedro II, em 20 de agosto de 1695, expondo a necessidade de quem administrasse justiça para cerca de 200 moradores. O rei respondeu ao governador e capitão-general de Pernambuco, Caetano de Melo de Castro, enviando-lhe Carta Régia de 11 de setembro de 1697, pedindo informações sobre o modo de governo que tinha aquela capitania quanto à Justiça e se havia ali juízes ordinários. Conforme relatou Bezerra (2009) numa carta régia do rei de Portugal, datada de 20 de abril de 1696, também Christovão Soares Reymão, quando Ouvidor da Paraíba, solicitava a criação de Câmara com juízes, vereadores e escrivão na Capitania do Ceará, para que ele pudesse fazer uma boa administração da Justiça. Como resposta, o rei afirmou que esta era uma atribuição dos governadores. A inexistência de uma vila no Ceará, também implicava inexistir um governo civil, com juízes ordinários na Capitania. De posse dessas informações enviadas pelo referido governador e capitão-general, aquele rei ordenou, em 13 de fevereiro de 1699, que se criasse a primeira vila no Ceará. Até o final do século XVII, o Ceará, como observa Aragão (sd: 178,I), permanecia “sem nenhum sistema próprio de estruturação política ou judiciária”. Para o exercício da justiça, a Capitania do Ceará16 estava subordinada à Relação da Bahia, instalada em 1609. E após a criação do Estado do Maranhão, ficou vinculada a este até 1656. Desde esse ano, passou a depender da Capitania do Pernambuco até 1799, muitas vezes sofrendo dupla dominação. Nesse período, a Justiça no Ceará era exercida por órgãos precários e distantes, o que inviabilizava a fruição desse direito, em especial por aqueles despossuídos de recursos. Com a decisão de criar a vila, os sesmeiros, que representavam a quase totalidade da população branca dentre os moradores da Capitania do Ceará, decidiram fazer a eleição da primeira Câmara no Iguape, em 25 de janeiro de 1700, sendo 21 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ eleitos os juízes ordinários Manuel da Costa Barros e Cristovão Soares de Carvalho, e os vereadores João da Costa de Aguiar, Antônio da Costa Peixoto e Antônio Dias Freire, e o procurador João Paiva de Aguiar. Esta eleição deu inicio na Capitania a uma nova história administrativa e judiciária. As câmaras, como observou Nobre (1974: 19), representavam uma delegação das atribuições do representante da justiça, administrada em nome do rei, por meio das ouvidorias, cabendo a Presidência ao juiz ordinário, ficando elas sujeitas às correições do magistrado superior17. No início do século XVIII, a vida civil e as questões judiciárias na Capitania do Ceará estavam subordinadas à Capitania do Pernambuco, porém a Carta Régia de 30 de janeiro de 1711, reforçada por alvará de 26 de março de 1720, transferiu para a instância do ouvidor da Capitania da Paraíba. Quando o Ceará estava juridicamente vinculado à ouvidoria de Pernambuco, os cidadãos, para acessar à Justiça a fim de pleitear seus direitos, tinham que realizar longas e onerosas viagens, que se tornavam perigosas em razão da hostilidade entre índios e aldeados, além das emboscadas de homens prepotentes para se isentarem dos crimes. E isso dificultava a assistência judicial e causava demora no julgamento de suas causas.As correições e o acesso à Justiça continuavam a demandar esforços demasiados tanto dos magistrados como também dos cidadãos, mesmo depois da vinculação da Capitania à Comarca da Paraíba. Por isso, eram raras as visitas de correições realizadas pelos ouvidores18 nessa Capitania. As viagens de correição ao Ceará demoravam cerca de um ano para vir e regressar à referida Comarca, gerando morosidade nas questões judiciais dos paraibanos. Referindo-se aos ouvidores19 que atuaram no Ceará, Nobre (1987, p. 259) destacou que não há prova documental sobre correições em território cearense por qualquer um dos ouvidores-gerais de Pernambuco. Quanto aos ouvidores da 22 140 Anos de História, Inovações e Desafios Paraíba, a quem a Capitania do Ceará Grande estava vinculada, o primeiro ouvidor a visitar em correição foi Francisco Pereira da Costa que estava no Aracati, em 18 de março de 1719. Com o aumento da ocupação e povoamento do território cearense20 e em razão das longas distâncias e riscos nas viagens até a Comarca, em 19 de julho de 1713, os oficiais da Câmara da cidade de Natal solicitaram ao rei Dom João V que fosse nomeado para o Rio Grande do Norte um ouvidor-geral com correição no Ceará, se desligando, assim, da Capitania da Paraíba. Apesar do parecer favorável do Conselho Ultramarino, a Capitania do Rio Grande continuou vinculada à Ouvidoria da Paraíba até os primeiros anos do século XIX, enquanto a Capitania do Ceará foi desvinculada da Comarca da Paraíba mediante a Provisão Régia de 7 de janeiro de 1723, passando a contar com ouvidores próprios, sendo nomeado o bacharel José Mendes Machado, o qual foi empossado em 14 de abril de 1723. Assim, como observou Vasconcelos (1987, p. 239), a maioria das questões submetidas aos desembargadores dos tribunais se referia a essas desavenças e pendências entre sesmeiros pela propriedade de terras ou por seus limites e questões relacionadas aos conflitos de famílias, como, por exemplo, os Feitosas (dos Inhamuns) e os Montes (do Icó) suscitavam ódios e crimes de morte envolvendo pessoas poderosas da época. No século XVIII, dentre os motivos que mais geravam desordens no sertão estavam as questões relacionadas aos limites de propriedades rurais concedidas por carta de sesmarias. Como observou Araripe (2002, p. 209), essas desordens, com frequência, se seguiam de intrigas, violentos atentados e homicídios. Muitas famílias poderosas daquela época “faziam garbo de ostentar prepotência e desprezo aos recursos da lei”. E nesse contexto, “a justiça pública era então impotente contra os cabecilhos e potentados, que erguiam-se no sertão. Confiados nos recursos que encontravam nos bens da fortuna e na falência da aplicação 23 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ da lei, eles faziam justiça por suas próprias mãos”. Além do mais, as dificuldades de acesso à Justiça também contribuíam para o elevado índice de violência e da criminalidade, em especial no interior dessa Capitania. No final do século XVIII, a administração da Capitania do Ceará, segundo Araripe (2002, p. 226), “limitava-se a mui estrito pessoal” e resumia-se a seguinte estrutura: [...] o capitão-mor, governador da capitania, com as suas atribuições administrativas e militares; o senado da câmara intendendo sobre a polícia municipal; o ouvidor e o juiz ordinário para a justiça civil e criminal; o almoxarife para as coisas da Real Fazenda,era todo o funcionalismo ativo do governo da capitania”. Quanto às atividades militares, “havia os empregos ou postos da infantaria e da milícia; no judicial, dois tabeliães, um inquiridor, dois oficiais menores, alcaides e meirinhos com os respectivos escrivães constituíam o pessoal subalterno do juízo”. Com o aumento, porém, das atividades econômicas na Capitania, houve alterações principalmente os negócios fiscais com a criação da Provedoria da Real Fazenda, anexa à Ouvidoria da Comarca21. A transferência da Família Real para o Brasil22, em 1808, levou à criação de várias instituições administrativas, financeiras, educacionais, militares, inclusive ensejou mudanças na organização do Poder Judiciário23, porém mantendo boa parte daquelas que já existiam. A jurisdição da Relação do Maranhão, criada por meio de Resolução de 23 de agosto de 1811 e disciplinada pelo regimento datado de 13 de maio de 1812, abrangia as Capitanias do Maranhão, Pará, Rio Negro e Ceará Grande, ficando estas duas últimas separadas da Relação da 24 140 Anos de História, Inovações e Desafios Bahia24. Posteriormente, a Relação do Pernambuco, criada pelo alvará de 6 de fevereiro de 1821, passou a abranger as províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte e do Ceará Grande (que saiu da jurisdição da Relação do Maranhão)25. Analisando o Direito e a Justiça no Ceará, Vasconcelos (1987, p. 7/8) assinalou que se pode medir a civilização de um povo pelas garantias que circundam o homem, uma vez que “o direito é a própria organização da vida social”. Analisando a estrutura jurídica do Ceará, esse magistrado constatou que o desenvolvimento do Estado, no início do século XIX, “era rudimentar sob todos os aspectos”. Em 1808, a população do Ceará e de Fortaleza era de 125.878 e 1.200 habitantes, respectivamente; e que os violentos conflitos entre famílias nas vilas do interior do Estado exigiam medidas mais enérgicas das autoridades judiciárias (VASCONCELOS, 1987, p. 7/8). Com a expansão do povoamento, o administrador do Ceará enviou ofício ao Marquês de Aguiar expondo a necessidade de serem criados juízes de fora nas vilas do Crato e de São João do Príncipe (hoje, Tauá), onde os juízes ordinários presidentes das respectivas câmaras encontravam grandes dificuldades para administrar a Justiça. Em 1º de agosto de 1815, o governador Sampaio apresentou o que Nobre (1974, p. 520 considerou um plano de reorganização da estrutura judiciária da Capitania do Ceará, ratificando seu parecer favorável “a pretensão da câmara da vila de Sobral, propondo que o Juiz de Fora da vila de Fortaleza exercesse atribuições idênticas na vila do Aracati e, ademais, mostrando a conveniência de nomeação de ministros letrados para as vilas do Icó, Crato e São João do Príncipe”. Por meio do Alvará de 27 de junho de 1816, Dom João VI acatou as sugestões e tomou importantes medidas para a reestruturação da administração judiciária do Ceará, dentre 25 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ elas, a criação da Comarca do Crato, tendo como justificativa as longas distâncias que muitos cidadãos cearenses deveriam percorrer para ter acesso à Justiça, além da impossibilidade de um só ouvidor fazer as devidas correições e atender a uma população de cerca de 150.000 habitantes que viviam no Ceará. Este Alvará também criou um cargo de Juiz de Fora do civil, crime e órfão na vila de Sobral, anexando-lhe as vilas de Granja, Vila Nova de El- rei (atual Ipu) e vila Viçosa Real26. Este juiz foi empossado somente em 23 de dezembro de 1829 (NOBRE, 1974, p. 55). No período do primeiro império (1822-1831) houve uma reorganização do Poder Judiciário brasileiro, com a manutenção, extinção e criação de vários órgãos. Também houve reforma nos procedimentos e na organização da Justiça criminal em decorrência do novo Código de Processo Criminal. As juntas da Fazenda foram mantidas e tiveram suas competências ampliadas. A Constituição outorgada em 25 de março de 1824 trouxe grandes transformações no sistema judiciário brasileiro. Em seu capítulo 6º, com catorze artigos, tratou do “Poder Judicial”. Em seu artigo 158, esta Constituição autorizou a criação de novas relações para as províncias do Império. Também criou, em seu artigo 163, o Supremo Tribunal de Justiça, que substituiu a Casa de Suplicação como órgão máximo da justiça no Brasil. Este tribunal, composto por dezoito juízes letrados procedentes das Relações por antiguidade foi regulamentado pela lei de 18 de setembro de 1828. Com a criação do Código de Processo Criminal, em 1832, foram criadas mais duas comarcas no Ceará por meio da resolução do Governo Provincial em 6 de maio de 1833, ficando esta província com as seguintes comarcas e seus respectivos termos: a) Comarca de Fortaleza com os termos de Aquiraz, 26 140 Anos de História, Inovações e Desafios Cascavel, Baturité e Imperatriz (atual Itapipoca); b) Comarca do Aracati que compreendia o termo de Russas; c) Comarca do Icó que compreendia os termos de Pereiro, Lavras e São Mateus; d) Comarca do Crato que compreendia os termos do Jardim; e) Comarca de Quixeramobim compreendendo o termo de Inhamuns; e f) Comarca de Sobral compreendendo os termos de Granja, Vila Nova d'El-Rei (hoje Ipu) e Viçosa Real (NOBRE, 1974, p. 72). As dificuldades na administração da justiça continuavam nas primeiras décadas do século XIX, como observou Vasconcelos (1987, p. 244). Além das longas distâncias, eram agravadas pela continuação dos privilégios27 de alguns, resquícios do feudalismo europeu, que “os tornavam praticamente imunes de processo ou de prisão”. Eram poucos os recursos do Ceará enviados à Relação do Pernambuco28. Muitas pessoas pobres das diversas províncias se queixaram ao Imperador Dom Pedro I, da impossibilidade de buscar seus direitos em razão dos elevados custos e das longas distâncias. Por isso, o Imperial Decreto de 17 de novembro de 1824 determinava que antes do processo ter início, deveria se intentar a reconciliação entre as partes. Nesse período, entretanto, eram escassos os conhecedores do Direito no Ceará. Era tanto que, na constituinte de 1823, representaram o Ceará cinco padres e dois civis sem o devido conhecimento jurídico. Nessa Constituinte, já se discutia a necessidade de se criar suas escolas de Direito, sendo uma no norte e outra no sul. Quanto ao exercício da advocacia naquela época, cabia aos presidentes das Relações conceder licença para não graduados em curso superior advogar, quando naquele lugar não houvesse tais profissionais. Esta autorização era precedida de um exame realizado na presença daquela autoridade. Era uma espécie de certificação profissional. Assim, a defesa das partes em 27 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ litígio perante a Justiça cabia, na maioria das vezes, aos rábulas, ou seja, profissionais do direito sem a devida formação acadêmica, habilitados após prestar o referido exame (VASCONCELOS, 1987, p. 111). Nessa época, escolas de Direito foram criadas, uma em São Paulo, em 1827, e outra em Olinda, em 1828. Esta medida foi importante para a emancipação da formação jurídica no Brasil em relação à Coimbra. De 1850 até a Proclamação da República, segundo Vasconcelos (1987, p. 11/12), foram 233 cearenses graduados pela Faculdade de Direito de Olinda e até o ano de 1900 foram vinte cearenses graduados pela Faculdade de Direito de São Paulo29. No caso específico da Faculdade de Direito do Ceará, apenas três bacharéis foram graduados na primeira turma em 1906. Com o crescimento da população cearense foram criadas mais comarcas. Em 1873, a Província do Ceará já contava com as seguintes comarcas criadas nos respectivos anos: Aquiraz (1863); Acaraú (1864); Russas (1871); Jaguaribe (1872); Telha (hoje, Iguatu) (1872); Maranguape (1872); Barbalha (1873); Lavras (1873); Canindé (1873); e Tamboril (1873). A criação de oito comarcas em três anos, na opinião de Nobre (1974, p. 74). decorreu da Reforma Judiciária de 1871, em que Assembleia Legislativa, criada pelo Ato Adicional de 1834, procurou da melhor forma atender às necessidade da administração da Justiça da Província. Somente na segunda metade do século XIX, o Imperador Dom Pedro II, com base no art. 102 §12º da Constituição Imperial de 1824, que lhe conferia a atribuição de “expedir os decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das leis”, editou o Decreto nº 2.342, de 6 de agosto de 1873, que criou mais sete Relações, dentre elas a do Ceará e Rio Grande do Norte, com sede na cidade de Fortaleza, contando inicialmente com sete desembargadores. O Tribunal foi instalado festivamente30 em 3 28 140 Anos de História, Inovações e Desafios de fevereiro de 1874. A Corte representou um grande avanço na estrutura jurídica do Estado. As atividades dessas novas Relações foram regulamentadas pelo Decreto nº 5.618, de 2 de maio de 1874. As Relações do Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul, e Minas contavam com sete desembargadores cada. E a Secretaria da Relação do Ceará, segundo Lacombe e Tapajós (1986, p. 57), era formada pelos seguintes funcionários: um secretário; um amanuense; dois oficiais de justiça; e dois contínuos31. O secretário era nomeado por decreto imperial, os amanuenses por portaria do ministro da Justiça, e os demais funcionários eram nomeados pelos respectivos presidentes das Relações. A Constituição de 1891 aprovou a organização do Judiciário como concebida pelo Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890. Na Constituição promulgada em 16 de julho de 1934, em seu artigo 63, definiu os seguintes órgãos do Poder Judiciário: “a Corte Suprema, os juízes federais e tribunais federais, os juízes e tribunais militares e os juízes e tribunais eleitorais”. Esta Constituição alterou o nome do Supremo Tribunal Federal para Corte Suprema e ampliou sua competência. No período do Estado Novo instituído por Getúlio Vargas, com a nova Constituição outorgada em 10 de novembro de 1937, a estrutura do Poder Judiciário era formada pelos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal, os juízes e tribunais dos estados, Distrito Federal e Territórios, e os juízes e tribunais militares. A Justiça Federal foi extinta e os decretos especiais tratariam das causas nela em curso. Além do mais, esta Constituição reforçou o Tribunal de Segurança Nacional, e previu duas casas legislativas: a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal. Este Conselho aprovaria a nomeação dos ministros do Supremo Federal. 29 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Com a redemocratização do País, foi promulgada outra Constituição em 1946, que dentre outras medidas na área do Judiciário, criou o Tribunal Federal de Recursos, restabeleceu a Justiça eleitoral e incluiu a Justiça do trabalho no Poder Judiciário. O Poder Judiciário do Ceará, como parte de um sistema judiciário nacional, ao longo dos anos, teve que compartilhar de todas essas mudanças e reformas que ocorrem nesse Poder no âmbito federal. Como exemplo, a variação, ao longo dos anos, na quantidade de desembargadores que compõem os tribunais. A Constituição do Estado do Ceará, de 23 de junho de 1947, em seu art. 25, determinava que o Tribunal de Justiça deveria contar com dez desembargadores, funcionando em duas câmaras: a primeira cível e a segunda criminal. Esta quantidade foi inicialmente fixada pelo Decreto-Lei nº 1460, de 20 de dezembro de 1945, sob a justificativa da restauração do Tribunal Regional Eleitoral, recriado com a redemocratização do País, após o período do Estado Novo de Getúlio Vargas. Nesta época, o Tribunal de Justiça era denominado de Tribunal de Apelação. O regime militar iniciado em 1964 ensejou novamente uma ruptura na ordem jurídica com a edição de vários atos institucionais (17) e atos complementares (105). Nesse período, o País contou com outra Constituição, em 1967,e com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Dentre estes atos institucionais, estava o Ato Institucional de nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que introduziu modificações na Constituição Federal de 1967 e constituições estaduais, inclusive suspendendo as garantias constitucionais ou legais. Em 1986, o Tribunal de Justiça do Ceará era formado por quinze desembargadores, como determinava a Lei nº 3.459, de 5 de dezembro de 1956, que tratou de recompor referida Corte com o aumento das câmaras e desembargadores e dava outras providências. Esta lei alterava a Lei nº 3.111, de 9 de 30 140 Anos de História, Inovações e Desafios março de 1956, sancionada pelo governador Paulo Sarasate, que aumentava para treze o número de desembargadores. Atualmente, em 2014, a estrutura jurídica do Ceará conta com 184 comarcas, 43 desembargadores e 410 juízes do primeiro grau. O Tribunal conta com 3.650 servidores efetivos em nível de judiciário estadual. Esse sistema judiciário é regido pelo Código de Divisão e Organização Judiciária, conforme a Lei nº 12.342, de 28 de julho de 1994. Este Código é regulado por um conjunto de leis, dentre elas a Lei nº 12.483, de 3 de agosto de 1995, que dispõe sobre a organização administrativa do Poder Judiciário estadual, define as diretrizes gerais para a sua reforma e modernização administrativa e dá outras providências. 3 A CRISE E AS RECENTES INOVAÇÕES NO PODER JUDICIÁRIO EM BUSCA DA EFICIÊNCIA A Constituição Federal de 1988, ao assegurar novos direitos fundamentais, tornou mais amplo o acesso à Justiça, condição imprescindível para o exercício da cidadania. O Poder Judiciário, entretanto, não estava suficientemente estruturado para atender de forma satisfatória a este aumento da demanda por serviços jurisdicionais e assegurar os direitos do cidadão. Nos anos de 1990, houve um aprofundamento dessa crise do Poder Judiciário. Restaram mais evidentes a morosidade, a ineficiência, e obsolescência administrativa, bem como a pouca transparência dos atos desse Poder. Passou-se então a discutir a necessidade de uma ampla reforma no Judiciário como condição necessária para o desenvolvimento econômico e social do País. As principais causas das deficiências do Poder Judiciário brasileiro foram classificados em dois aspectos: a) causas processuais - número excessivo de recursos previstos em leis; crescimento do total de processos novos a cada ano; excesso de 31 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ formalismo cartorial; formalidades protelatórias nas audiências; improbidade das leis (abundância de leis, inadequação aos fatos que pretendem reger e má elaboração); e b) causas estruturais - difícil acesso ao Judiciário por setores da população; o fato de Judiciário não ser mais órgão de exceção, a ser consultado somente quando todas as demais instâncias para a composição de conflitos falharem; número insuficiente de magistrados e servidores; ingresso de magistrados e de servidores não vocacionados e desmotivados; falta de instalações físicas adequadas; pouca informatização dos cartórios e varas judiciais; falta de planejamento; incapacidade da gestão; deficiência no controle administrativo; e falta de estruturação das demais instituições que integram o sistema de Justiça, em especial a Polícia e a Defensoria Pública (COSTA; MARTINEWSKI e VIEIRA, 2006) e (PAULA, 2006). No início de 2004, essa crise mereceu o seguinte destaque do ministro Nelson Jobim em seu discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal32: […] A questão judiciária passou a ser tema urgente da nação. (…) O tema chegou à rua. A cidadania quer resultados. (…) Quer um sistema que sirva à nação e não a seus membros. A nação quer e precisa de um sistema judiciário que responda a três exigências: acessibilidade a todos; previsibilidade de suas decisões; e decisões em tempo social e economicamente tolerável. A obsolescência administrativa, a escassez de recursos e o despreparo do capital humano agravaram ainda mais o sistema judiciário, como bem argumentou Serra (1996, apud GRANGEIA, 2013, p. 6): 32 140 Anos de História, Inovações e Desafios [...] A atuação do Judiciário como prestador de serviços era deficiente e deixava de apontar que não eram aplicadas técnicas de gestão. Destacava-se que a maior parte das serventias autuava acima dos limites de suas capacidades produtivas, sofriam de uma sistemática carência de investimentos em organização, layout e de informática, e as estatísticas exibiam números grandiosos de demanda. Após alguma análise diagnóstica, pôde-se perceber que ocorria manifesta a ausência de uma política pública, clara, transparente, objetiva, de contratação e movimentação de pessoal, de treinamento específico dos servidores para o desempenho de suas atividades, de treinamento para o atendimento ao público, que levasse ao aprimoramento dos serviços prestados, visando torná-los mais simplificados, ao alcance e de fácil compreensão por aqueles de menor preparação técnica ou intelectual”. Várias instituições em diversos congressos e simpósios discutiam essa crise do Poder Judiciário brasileiro. Muitas causas eram apontadas como determinantes da morosidade, lentidão e ineficiência dos serviços jurisdicionais. Entre essas estavam: o anacronismo das leis, a carência de recursos financeiros e humanos, a deficiência na gestão das instituições judiciárias e a pouca transparência de seus atos. Pinheiro (2003), pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), analisando os impactos da morosidade da Justiça na economia brasileira, constatou que o Poder Judiciário era “uma instituição com problemas sérios”. Esses problemas também se verificam quando se considera a pesada estrutura, a morosidade, os elevados custos, bem como os serviços incapazes de “fornecer soluções em tempo razoável, previsíveis e a custos acessíveis para todos”, como destacou Sadek (2004, p. 88). 33 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ A morosidade propiciava descrédito e desprestígio do Poder Judiciário perante a sociedade, segundo Grangeia (2013, p. 6), por alimentar a sensação de impunidade, por não resolver questões sociais importantes, como a reforma agrária, e aumentar os custos empresariais em suas questões jurídicas. Estes custos, em maior parte, eram pagos por todos os cidadãos. No curso da História, o sistema judiciário, para atender as demandas da sociedade, passou por grandes mudanças. A mais recente se deu com a aprovação da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, após um longo caminho para a sua consolidação. O projeto de lei inicial, que recebeu o nome de PEC nº 96, chegou ao Congresso Nacional em março de 1992, por iniciativa do deputado paulista Hélio Bicudo e, após mais de uma década de discussão e tramitação, foi finalmente aprovado33. Esta reforma trouxe um conjunto de inovações na gestão do sistema judiciário brasileiro em todas as suas instâncias. Dentre as inovações introduzidas se destacam: a) criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); b) planejamento e controle do Poder Judiciário, viabilizado pela Resolução do CNJ nº 70 de março de 2009, primeiro esforço de planejar e definir uma gestão estratégica para esse Poder; c) criação de escolas nacionais para a formação e aperfeiçoamento de magistrados; d) Justiça itinerante; e) federalização dos crimes contra os direitos humanos; f) uso de novas tecnologias para maior celeridade e eficiência ao Judiciário; g) autonomia administrativa e financeira e independência dos magistrados; h) súmula de efeito vinculante; e i) funções essenciais e acesso à Justiça, inclusive com o fortalecimento e autonomia das defensorias públicas estaduais (RENAULT, 2005, p. 132/134). A criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instalado em 14 de junho de 2005, representou um passo importante para a melhoria da eficiência do Poder Judiciário, e passou a fazer parte da estrutura desse Poder, conforme o art. 34 140 Anos de História, Inovações e Desafios 92, I-A; e art. 103-B da Constituição Federal e art. 2º da Emenda Constitucional34 nº 45. É um órgão de natureza administrativa, como bem definiu o Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 3.367/DF, cujos membros, no total de quinze, são nomeados pela Presidência da República após aprovação pelo Senado Federal. A competência desse Conselho está definida no §4º do art. 103-B da referida Constituição. Dentre suas atribuições está a de planejar e fiscalizar as atividades do Poder Judiciário, além de receber e apurar denúncias e reclamações contra seus membros. Por meio de resoluções, esse colegiado trata de temas relevantes para o funcionamento do sistema judiciário. Durante o mandato do ministro Nelson Jobim, o primeiro Presidente desse Órgão, foram apreciadas e regulamentadas importantes questões, como o nepotismo e o limite do teto salarial para os servidores públicos que tiveram grande repercussões nos demais setores da Administração Pública. Na gestão da ministra Ellen Gracie, outros temas relevantes foram regulamentados, dentre eles a informatização e virtualização dos processos judiciais. Este Conselho, por meio de seu Departamento de Pesquisas Judiciárias, após uma coleta sistemática de dados estatísticos junto aos diversos tribunais, elabora indicadores e publica anualmente, o relatório “Justiça em Números”, com o objetivo de fomentar pesquisas e análises sobre o desempenho do Poder Judiciário no Brasil. Como um primeiro esforço para instituir o planejamento estratégico para o Poder Judiciário brasileiro, o CNJ, através da Resolução nº 70, de 18 de março de 2009, determinou que todos os tribunais deveriam elaborar seus planos em gestão estratégica35 com abrangência mínima de cinco anos, alinhados a um plano nacional. Para tanto, foram realizados encontros 35 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ nas regiões brasileiras durante o segundo semestre de 2008, que contaram com a participação de 87 tribunais de todos os segmentos da Justiça. Este Conselho também instituiu um banco de boas práticas da gestão36 para identificar e divulgar experiências exitosas que possam colaborar para a melhoria do desempenho do sistema judiciário. Por esse planejamento foram definidos os seguintes objetivos estratégicos para o Poder Judiciário brasileiro: Quadro 1: Objetivos estratégicos do Poder Judiciário definidos pelo CNJ Temas Objetivos Estratégicos Descrição Garantir a agilidade na tramitação Garantir a agilidade dos processos judiciais e administranos trâmites judiciais tivos e assegurar a razoável duração e administrativos. do processo. Eficiência Operacional Garantir a economicidade dos recursos por meio da racionalização Buscar a excelência na aquisição e utilização de todos os na gestão de custos materiais, bens e serviços (responoperacionais. sabilidade ambiental), e da melhor alocação dos recursos humanos necessários à prestação jurisdicional. Promover o acesso ao Poder Judiciário, com o objetivo de demoFacilitar o acesso à cratizar a relação da população com justiça. os órgãos judiciais e garantir equidade no atendimento à sociedade. Acesso ao Sistema de Justiça Assegurar o cumprimento das deciPromover a efetisões emanadas do Poder Judiciário, vidade no cumpria fim de garantir que os direitos mento das decisões reconhecidos alcancem resultados judiciais. concretos. 36 140 Anos de História, Inovações e Desafios Responsabilidade Social Alinhamento e Integração Promover cidadania. Promover o desenvolvimento e inclusão social, por meio de ações a que contribuam para o fortalecimento da educação e da consciência dos direitos, deveres e valores do cidadão. Garantir que as unidades do judiciário tenham seu planejamento Garantir o alinha- estratégico e sua gestão alinhados mento estratégico em à estratégia do Poder Judiciário todas as unidades do nacional, respeitando as particulariJudiciário. dades locais e visando a resultados de curto, médio e longo prazos (continuidade). Buscar a unicidade e a integração da Justiça por meio da troca de experiências entre Tribunais, compartilhando conhecimento, práticas, unidades, estruturas e soluções jurídicas e administrativas. Fortalecer a integração do Judiciário com os Poderes Executivo e Legislativo e desenvolver parceFortalecer e harmorias com os órgãos do sistema da nizar as relações entre justiça (OAB, Ministério Público, os poderes, setores e Defensorias) e entidades públicas e instituições. privadas para viabilizar o alcance dos seus objetivos (eficiência, acessibilidade e responsabilidade social). Fomentar a interação e a troca de experiências entre Tribunais (nacionais e internacionais). Valorizar e difundir práticas que fomentem e conservem valores éticos Disseminar valores e morais (imparcialidade, probidade, Atuação Institucional éticos e morais por transparência) no âmbito do Poder meio de atuação instiJudiciário, nas organizações ligadas à tucional efetiva. atividade judiciária e nas instituições de ensino. Aprimorar a comunicação com o público externo, com linguagem clara e acessível, disponibilizando, Aprimorar a comuni- com transparência, informações cação com o público sobre o papel, as ações e as iniciativas externo. do Poder Judiciário, o andamento processual, os atos judiciais e administrativos, os dados orçamentários e de desempenho operacional. 37 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Gestão de Pessoas Infraestrutura e Tecnologia Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes dos magistrados e servidores. Garantir que os magistrados e servidores possuam conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais para o alcance dos objetivos estratégicos. Motivar e comprometer magistrados e servidores com a execução da Estratégia. Elevar o nível de comprometimento, motivação e identidade institucional dos Magistrados e Servidores para viabilizar a execução da estratégia. Prover os recursos materiais e tecnológicos (instalações, mobiliários, equipamentos de informática) Garantir a infraes- que permitam o bom desempenho trutura apropriada às das unidades do Judiciário, garanatividades adminis- tindo aos magistrados e servidores trativas e judiciais. condições de trabalho com saúde e segurança, além da proteção e manutenção dos bens materiais e dos sistemas. Estruturar a tecnologia da informação e o seu gerenciamento de Garantir a disponiforma a garantir o desenvolvimento, bilidade de sistemas aperfeiçoamento e a disponibilidade essenciais de TI. dos sistemas essenciais à execução da estratégia. Orçamento Assegurar recursos orçamentários necessários para a execução dos objetivos da estratégia. Promover ações orçamentárias visando assegurar recursos que viabilizem as ações e metas necessárias à execução da Estratégia. Garantir a disponibilização dos recursos orçamentários necessários para a execução dos projetos estratégicos, de acordo com os cronogramas estabelecidos para cada iniciativa. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disponível em: <http://www. cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/ objetivos-estrategicos-do-poder-judiciario>. Acesso em 28 fev. 2014. 38 140 Anos de História, Inovações e Desafios No esforço de planejar suas atividades, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará38 aprovou a Resolução nº 02, de 21 de janeiro de 2010, que instituiu o Plano Estratégico 2010-2014 desse Poder no Ceará. Com o objetivo de averiguar o nível de adesão das práticas da gestão estratégica dos tribunais ao Plano Nacional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou, no segundo semestre de 2012, o “Diagnóstico da Gestão Estratégica do Poder Judiciário”, baseado em um questionário que abrangia, dentre outros temas, gestão estratégica, gerenciamento de projetos, gestão de processos, estrutura de pessoal e alinhamento com as metas nacionais. Analisando os resultados desse diagnóstico39, o Tribunal de Justiça do Ceará entre um dos primeiros do País no tocante à adesão de suas práticas gerenciais à rotinas de gestão estratégica. Esta adesão foi avaliada por um colegiado com base nos seguintes critérios: a) envolvimento da alta administração no acompanhamento da gestão estratégica; b) gestão participativa; c) estrutura orgânica, tecnológica e capacitação para estratégia; d) planejamento da estratégia; e) comunicação da estratégia; e f) monitoramento e execução da estratégia40. O Tribunal de Justiça do Ceará acompanha suas metas previamente definidas. No esforço de harmonizar e aprimorar o funcionamento do sistema judiciário, o CNJ, até outubro de 2014, editou 199 resoluções, algumas delas com grande repercussão no âmbito desse Poder por tratar de questões como a proibição do nepotismo; teto remuneratório constitucional para os servidores do Poder Judiciário; Planejamento e gestão estratégica; transparência das ações; virtualização dos processos judiciais, dentre outras. Em adesão a esse esforço do CNJ, e com o objetivo de melhorar o desempenho do Poder Judiciário, foram implantadas as seguintes ações: 39 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ a) o I Fórum de Administração Judiciária realizado em Brasília, em novembro de 2004, com o objetivo de debater os principais problemas da Justiça brasileira. Este evento contou com a participação de várias instituições nacionais e de convidados internacionais para a troca de experiências em gestão judiciária; b) a criação do Prêmio Innovare, com a participação de instituições como Ministério da Justiça; Ministério Público; Defensoria Pública; Escola Nacional de Magistratura (ENM); Fundação Getúlio Vargas; Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); Vale do Rio Doce; Organizações Globo; entre outras. Este prêmio, concedido anualmente, tem por objetivo identificar, valorizar e divulgar as boas práticas na gestão do Poder Judiciário brasileiro; c) o programa de capacitação em Poder Judiciário realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Escola Nacional de Magistratura (ENM) - consiste em um conjunto de esforços para qualificar magistrados, servidores e outros profissionais do Direito, com cursos de MBA; mestrado profissional, entre outros; e d) criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), instalada por meio da Resolução nº 3, de 30 de novembro de 2006, cujo propósito era regulamentar, autorizar e fiscalizar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira da magistratura, nos termos do art. 105, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, conforme determina o art. 1º da referida Resolução41. 4 OS PRINCIPAIS DESAFIOS DO PODER JUDICIÁRIO CEARENSE A atividade-fim do Poder Judiciário42, como lembram Vieira e Pinheiro (2008), é a prestação jurisdicional, e a atividademeio é a administração judiciária, ou seja, realizar a gestão nos 40 140 Anos de História, Inovações e Desafios órgãos do Judiciário (tribunais, fóruns, juizados, cartórios, secretarias e setores administrativos), que viabiliza as ações dos magistrados. A administração judiciária decorre da autonomia administrativa e financeira garantida constitucionalmente ao Poder Judiciário, e necessária para assegurar a independência dos demais poderes do Estado. O fortalecimento das instituições democráticas somente acontece quando há disposição política de modernizar a legislação pertinente. No Brasil, verifica-se uma defasagem de certas leis e códigos que foram elaborados quando a realidade socioeconômica era diversa da atualmente vivenciada pela sociedade brasileira. Portanto, constitui desafio efetivar as mudanças na legislação processual, reestruturar os órgãos, bem como assegurar a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário. Pesquisas elaboradas por diversas instituições, como AMB (2004 e 2005); PESQUISA (2003); e UNB, 2006), identificam um conjunto de desafios a serem enfrentados pelo Poder Judiciário no Brasil, dentre os quais se destacam: a dificuldade de acesso à Justiça e a morosidade dos serviços jurisdicionais; falta de infraestrutura; legislação inadequada; falta de recursos humanos e financeiros; excesso de recursos e apelações processuais; ineficiência no planejamento, execução e avaliação das ações. Nestas deficiências administrativas, acrescentam-se o excesso de burocracia e a pouca capacitação dos recursos humanos. Alguns fatores são mencionados em Renault (2005) e Grangeia (2013) que contribuem para a baixa qualidade dos serviços jurisdicionais no Brasil, como por exemplo, a) dificuldade de acesso, pouca transparência e lentidão na tramitação dos processos judiciais, em virtude da 41 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ obsolescência administrativa, por serem as instituições desse Poder as que menos se modernizaram ao longo do tempo; e também pela demora em utilizarem recursos tecnológicos adequados à eficiente prestação de serviços; b) complexidade do sistema judicial, por ser formado por muitos órgãos (91 tribunais) dotados de excessiva autonomia administrativa, rigidez estrutural e resistência à mudança, dificultando a compreensão de seu funcionamento pelos operadores do Direito e população em geral; c) concentração de litigiosidade, pois, de acordo com um diagnóstico realizado pelo Ministério da Justiça em 2004, havia excessiva concentração de processos de interesse das grandes empresas e dos governos (federal, estaduais e municipais), que implicava maiores volumes de processos nos tribunais; d) desarticulação institucional43, com pouca interação dos órgãos do Poder Judiciário. A reforma possibilita amplas discussões com o envolvimento das instâncias e poderes em prol da melhoria do funcionamento e modernização da gestão desse Poder; e e) questão financeira dependente de decisões dos demais poderes, apesar do que estabelece o art. 99 da atual Constituição Federal. A superação desses problemas consiste nos desafios do Judiciário44 para prestar serviços jurisdicionais que assegurem os direitos dos cidadãos. Para a identificação desses desafios no âmbito do Judiciário cearense, foram considerados os resultados dos dois últimos planejamentos estratégicos (2010-2014 e 20152020) realizados pelo Tribunal de Justiça. O planejamento estratégico para o período de 2015 a 2020 foi iniciado em setembro de 2014, em suas primeiras etapas, produziu estudo de cenários, definição dos macrodesafios e metas para o Judiciário cearense no referido período. 42 140 Anos de História, Inovações e Desafios A fim de debater os macrodesafios e propor medidas de solução, foram formados grupos de trabalhos com magistrados e servidores para discutirem sobre os seguintes temas: a) garantia dos direitos de cidadania; b) combater à corrupção e a improbidade administrativa; c) gestão das demandas repetitivas e dos grandes litigantes; d) promover a celeridade e produtividade na prestação jurisdicional; e) adotar soluções alternativas de conflito; f) impulsionar as execuções fiscais, cíveis e trabalhistas; g) aprimorar a gestão da justiça criminal; h) melhorar a gestão de pessoas. i) aperfeiçoar a gestão de custos; j) instituir a governança judiciária; e k) melhorar a infraestrutura e governança da Tecnologia da Informação e Comunicação45. Com base nesses macrodesafios, foram identificados os seguintes pontos fracos do Poder Judiciário do Ceará: a) insuficiência de magistrados e servidores para atender à demanda crescente; b) falta de integração entre os sistemas de informação; c) falta de planejamento da utilização dos recursos e necessidade de melhoria na gestão de custos; d) distribuição inadequada de servidores; e) deficiências na capacitação e no desenvolvimento de lideranças; f) fraco engajamento de servidores e magistrados com o plano estratégico e com as metas; g) falta de padronização de processos administrativos e operacionais; h) demora na tramitação dos processos; i) desmotivação de alguns servidores; j) necessidade de melhorar a qualidade do atendimento; k) impunidade decorrente da demora da tramitação processual e da ineficácia das sanções; l) falta de continuidade nas ações; m) volume exacerbado de processos judiciais; n) diversidade de sistemas dificultando a integração das informações processuais e a obtenção de estatísticas; e o) poucas conciliações e mediações1. 1 Estes objetivos estão disponíveis na página web: http://portais.tjce.jus.br. Acessado em 28 de outubro de 2014. 43 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Este planejamento do Judiciário cearense, que contou com a participação de servidores, magistrados e de várias instituições convidadas, definiu um conjunto de medidas para dotar esse Poder de maior eficiência e celeridade na prestação de seus serviços. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste texto foi realizar breve abordagem sobre a evolução da administração da Justiça no Ceará, do período colonial à atualidade, especialmente, após a criação da Relação de Fortaleza em 1874. Com a instalação desse Tribunal, o Estado passou a contar com um órgão para administrar a Justiça, não tendo mais que recorrer a outras Cortes (Bahia, Maranhão e Pernambuco) na busca por assegurar os direitos de seus cidadãos. As longas, onerosas e arriscadas viagens desestimulavam a maioria da população a pleitear por seus direitos por mais legítimos que fossem. Este trabalho também tratou das recentes reformas institucionais e estruturais do Poder Judiciário do Ceará ao longo dos seus 140 anos. Ao decurso desse tempo, a estrutura desse Tribunal foi crescendo de acordo com as demandas por serviços jurisdicionais pela sociedade cearense. A redemocratização do País, que se fortaleceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao agregar novos direitos, fez aumentar de forma considerável a demanda por serviços da Justiça. A falta de condições para prestar satisfatoriamente esses serviços culminou numa crise do sistema judiciário. Por décadas, essa crise foi objeto de acalorados debates pela sociedade em diversos eventos e foros na busca de soluções para a morosidade da Justiça, obsolescência e ineficiência na gestão, pouca transparência, dentre outros fatores que impedia a boa prestação dos serviços jurisdicionais. 44 140 Anos de História, Inovações e Desafios Após mais de uma década de debates e tramitação no Congresso Nacional, a reforma do Judiciário foi concretizada pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que, dentre outras medidas inovadoras, criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Bastos (2005) destacou a grande expectativa gerada com a criação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a melhoria da gestão do Poder Judiciário por ter este Conselho “o papel de correição e o de planejamento estratégico e integração da justiça brasileira, abandonando velhas retinas, padrões de comportamento, suscitando novas questões e novos desafios”. Este órgão se esforça para sanar as deficiências que comprometem o desempenho do sistema judicial brasileiro. Por meio de normas, este Conselho define diretrizes para harmonizar, controlar e fiscalizar as ações do sistema judiciário, inclusive sobre as ações dos servidores e magistrados. A exemplo de Hélder Souza de Lima, ao relatar a História do Poder Judiciário no Rio Grande do Norte, neste trabalho, também se buscou fazer uma historiografia dialética, ou seja, se estudou a História do Poder Judiciário cearense, com base na sociedade, uma vez que nenhum fato histórico pode existir de forma isolada. Por isso, a fundamentação deste artigo se deu com a leitura e a pesquisa em diversos estudos, como disse Rodrigues (1982, p. 33): “a pesquisa histórica é descoberta cuidadosa, exaustiva e diligente de novos fatos históricos, a busca crítica da documentação que prove a existência dos mesmos, permita sua incorporação ao escrito histórico ou a revisão e interpretação nova da História”. Baseado em estudos elaborados por pesquisadores, e numa análise documental, a contribuição deste trabalho foi oferecer uma visão integrada da constituição do sistema judiciário cearense, desde sua origem até nossos dias, destacando 45 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ as recentes reformas, bem como os desafios ainda a superar. Para o aprimoramento deste estudo, sugere-se a realização de uma pesquisa que permita identificar as opiniões de uma amostra significativa de instituições, servidores e magistrados sobre ações para uma gestão eficiente do Poder Judiciário sintonizado com os anseios da sociedade cearense. Apesar de desafiantes problemas ainda persistirem, como a escassez de recursos financeiros, humanos e de infraestrutura, observam-se avanços importantes na organização e gestão do sistema judiciário, como as ações de planejamento estratégico com o estabelecimento de metas; melhoria na infraestrutura com a construção de foros e aquisição de equipamentos; concursos para servidores e magistrados; uso de novas tecnologias como a virtualização dos processos, entre outros. O planejamento estratégico para o período de 20152020, no momento em que este texto foi escrito, definiu um conjunto de medidas para avançar na melhoria do desempenho das unidades administrativas que compõem o Tribunal de Justiça do Ceará. Essas ações que constituem os objetivos estratégicos versam, dentre outros temas, sobre: a) adoção de soluções opcionais do conflito; b) celeridade, produtividade e efetividade na prestação jurisdicional; c) garantia da infraestrutura adequada; d) instituição das demandas repetitivas e dos grandes litigantes; e) intensificação da interlocução com a sociedade; f) aprimoramento do atendimento e acesso do cidadão à Justiça; g) melhoria da gestão de pessoas; h) melhoria da TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação; i) otimização de procedimentos judiciais e administrativos; e j) sustentabilidade financeira. Malgrado os avanços da última década, a crise do Judiciário ainda não foi totalmente resolvida, demandando dos gestores maior capacidade para inovar e criatividade para encontrar soluções sustentáveis. 46 140 Anos de História, Inovações e Desafios REFERÊNCIAS AMB. Associação dos Magistrados Brasileiros - Pesquisa AMB 2005. 2005. 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A republicação de alguns desses trabalhos, acrescidos de notas esclarecedoras, se deu na obra História Judiciária do Ceará, editado em dois volumes sob a coordenação de Antônio Martins Filho e Geraldo da Silva Nobre, por ocasião do centenário do Instituto do Ceará, em 1987, atendendo a solicitação do Desembargador Júlio Carlos de Miranda Bezerra, presidente do Tribunal de Justiça, que pretendia atualizar a história do judiciário cearense. Há registros sobre a capitania do Ceará em carta patente de 26 de maio de 1619, tendo Martim Soares Moreno como primeiro capitão-mor. Citado pelo Ministro Carlos Veloso, ex-presidente só Supremo Tribunal Federal na apresentação da obra de Nequete (2000a). O regimento da primeira Relação com sede na Bahia data de 25 de setembro de 1587 e sua instalação somente ocorreu em 7 de março de 1609, sob um novo regimento dado pelo rei Felipe II (ou Felipe III na Espanha).Esta Relação era presidida pela Governador-Geral do Brasil e formado por dez desembargadores que desempenhavam as seguintes funções: um chanceler; três agravistas; um ouvidor-geral; um juiz de feitos da Coroa e Fazenda e promotor de justiça; um provedor dos defuntos e resíduos; e dois desembargadores extravagantes. Naquela época vigiam as ordenações manuelinas, substituídas posteriormente pelas ordenações filipinas, que vigoraram no Brasil, no campo criminal até a vigência do Código Criminal de 1830, e no campo cível, até a promulgação do Código Civil Brasileiro, em 1916. 1 2 3 4 5 6 54 140 Anos de História, Inovações e Desafios Procopiuck (2013: 323) destaca os motivos que levaram a suspensão do funcionamento desse Tribunal de Apelações: a) os altos custos decorrentes da manutenção de tropas e de fortificações na defesa da invasão holandesa entre os anos de 1624 e 1625; b) as críticas da elite colonial sobre a interferência em seus negócios; e c) o conflito de interesses entre a Relação da Bahia e os órgãos administrativos, e os problemas gerados pela burocracia institucionalizada. Os holandeses, que invadiram a Bahia (1624-1625) e Pernambuco (1630-1654), tinham seus domínios cuja extensão ia da foz do rio Real, em Sergipe, à do rio Gurupi, no Maranhão. Ao ouvidor-geral era vedado casar-se no distrito de sua jurisdição, não podendo nele também ajustar casamento. 7 8 9 Um extenso trabalho sobre a evolução do Poder Judiciário no Brasil, desde os tempos coloniais, foi realizado por Nequete (2000a; 2000b e 2000c), magistrado e professor gaúcho. Este trabalho, na opinião do desembargador Balthazar Gama Barbosa, se constitui numa “contribuição inestimável para a história do Poder Judiciário e do Direito Brasileiro”. A lei das sesmarias em Portugal data de 1375. No Brasil esse direito foi delegado a Martim Afonso de Sousa, a partir de 1534. As sesmarias no Ceará datam de 1663 e eram concedidas pelos capitães-mores governadores. E a partir de 1799, passou a ser de competência dos governadores. Por ordens do governo imperial contidas na provisão de 22 de outubro de 1823, puseram termo à concessão de sesmarias em todo o império. Em 2006, o governo do Estado por meio da Secretaria de Cultura, editou em dois CR-Rom as Datas de Sesmarias do Ceará, onde contam as informações das sesmarias (datas e sesmeiros) de todas essas porções de terras concedidas na Capitania do Ceará Grande. A criação de gado foi introduzida no Brasil com a chegada de Martim Afonso de Sousa, na capitania de São Vicente, e posteriormente trazida para a capitania de Pernambuco, por Duarte Coelho. A busca por melhores pastos contribuiu para a exploração do sertão nordestino. Antônio Bezerra (2009: 62) observou que nos anos finais do século XVII, na ribeira do rio Jaguaribe, havia bandos armados percorrendo o interior da capitania do Ceará em constante guerra com os indígenas. O rei de Portugal, por meio da carta régia de 18 de agosto de 1706, com o objetivo de oferecer maior segurança aos moradores contra os ataques 10 11 12 13 55 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ dos nativos, ordenou ao capitão-mor Gabriel da Silva do Lago, oferecer as armas que lhes fossem necessárias. Atribui-se a Heródoto (480-425 ac), considerado o pai da história, em sua obra Histórias escreveu: “devo dizer tudo o que se conta, mas não devo crê-lo sem reservas: que esta declaração valha para toda minha obra” (citado por Mathias, 2009: 128). Porém, um texto do regimento de 25 de janeiro de 1677, passado pelo rei de Portugal a Roque da Costa Barreto, governador-geral do Estado do Brasil, afirmava: “a Justiça é de tão grande e particular obrigação minha, e tão necessária para a conservação e acrescimento dos Estados, que tudo o que na administração dela encarregar será muito menos do que desejo”. Salgado (1985: 73) referindo a esse regimento do rei, observa que o termo justiça no período colonial tinha um sentido abrangente, pois significava tanto a organização do aparelho judicial, como utilizava-se como sinônimo de lei, legislação e direito. Ferreira Neto (2013) catalogou importantes fontes bibliográficas (impressas e de arquivos) sobre a história do Ceará. Nobre (1974: 20) menciona uma disputa sobre onde deveria situar a Câmara da primeira vila do Ceará, se no Iguape (Aquiraz) ou se na povoação onde ficava o forte de Nossa Senhora da Assunção (Fortaleza), onde assistia o capitão-mor. Por fim, a vila de São José de Ribamar do Aquirás foi instalada, em 1713, pelo ouvidor e corregedor da capitania da Paraíba, desembargador Cristóvão Soares Reimão. Em 1696, alguns moradores da capitania do Ceará sentindo-se prejudicado pelas arbitrariedade do capitão-mor Pedro Lelou, reclamou por meio de carta ao rei de Portugal, tendo este enviado a Capitão Geral e Governador de Pernambuco Caetano de Melo Castro que o prendeu, e sua sentença condenatória ficou a cargo da Casa de Suplicação em Lisboa, sendo anos depois absolvido. Barão de Studart fez uma minuciosa descrição dos ouvidores que atuaram na Comarca do Ceará (VASCONCELOS, 1987). Nobre (1987: 259 a 277) baseado em estudo realizado pelo Barão de Studart, publicado em Revista Trimestral do Ceará, em 1922, faz um resumo bibliográfico dos dezenove ouvidores que atuaram na capitania 14 15 16 17 18 19 56 140 Anos de História, Inovações e Desafios do Ceará, desde o primeiro José Mendes Machado, nomeado em 3 de abril de 1723, até João Antônio Rodrigues de Carvalho, empossado em 30 de agosto de 1815. Outro importante trabalho referido por Nobre (1974: 305/315) foram a Procuradoria Geral do Ceará, de autoria de Manuel Albano Amora, publicado em 1958 pela Revista do Instituto do Ceará. Para maior conhecimento sobre os primeiros colonizadores do Ceará ver a obra A Colonização Portuguesa no Ceará de Vinícius Barros Leal, de 2007, ou consultar a página web: http://www.angelfire.com/linux/ genealogiacearense/index_povoadores.html. Acessada em 2 de outubro de 2014. Na capitania do Ceará, por Carta Régia de 7 de janeiro de 1723, se deu a junção da Provedoria da Fazenda à Ouvidoria Geral. Esta junção ouvidoria-provedoria, que administrava a Justiça e a Fazenda conjuntamente perdurou na capitania do Ceará até sua autonomia em relação à Pernambuco, em 24 de janeiro de 1799. Com a criação dessa Junta foram nomeados Manuel Leocádio Rademaker como Juiz dos Feitos e Deputado, Francisco Bento Maria Targine, o futuro Visconde de São Lourenço, como Escrivão Deputado, e Joaquim Inácio Lopes de Andrade como Contador. A transferência da família real para o Brasil foi relatada com detalhes por Laurentino Gomes (2007) em sua obra denominada de 1808. A Constituição de 1824 previu a criação do Supremo Tribunal de Justiça e Relações nas províncias. O STJ foi instalado pela lei de 18 de setembro de 1828. A justiça do Ceará era vinculada à Relação da Bahia, da qual foi desmembrada a Relação do Maranhão, por meio das Resoluções de 23 de janeiro de 1811 e de 5 de março de 1812. Este novo tribunal passou a administrar a justiça nas capitanias do Ceará Grande, Piauí, Pará e Rio Negro (Amazonas). A comarca do Ceará Grande ainda pertencia à Relação do Maranhão quando se deu a Revolução Pernambucana de 1817. Estas novas relações eram formadas pelos seguintes membros: o governador da própria capitania; um chanceler; nove desembargadores, 20 21 22 23 24 25 57 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ sendo sete de agravos e apelações cíveis; um ouvidor-geral do cível; um ouvidor do crime; um juiz de feitos da Coroa e Fazenda, servindo de juiz do fisco; um procurador da Coroa da Fazenda, servindo de promotor de justiça; um capelão; um guarda-mor; dois guardas-menores; dois escrivães das apelações; um escrivão dos feitos; um escrivão da chancelaria; dois escrivães da ouvidoria do cível; um escrivão da ouvidoria do crime; um inquiridor do cível; um inquiridor do crime; um meirinho das cadeias; um escrivão destas; um médico; um cirurgião; um sangrador (que fazia sangria para fins médicos); e um carcereiro da cadeia da Relação. Todos recebiam vencimentos e gratificações, se não os escrivães que só percebiam custas, como bem relatou Mathias (2009: 96). Nobre (1974: 56/174) tratou com detalhes sobre a justiça no Brasil e no Ceará no período do Império. Vale ressaltar que alguns ouvidores desrespeitavam como foi o caso da ação impetrada pelo ouvidor bacharel Antônio Manuel Galvão contra o poderoso Manoel Martins de Melo, coronel do Regimento de Milícias dos Homens Pardos da Capitania do Ceará. Este reclamou ao rei e pediu que fossem “resguardados os privilégios que lhe competia”. A Relação de Pernambuco passou a incorporar também “as divisões judiciárias correspondentes as províncias da Paraíba, do Ceará Grande e do Rio Grande do Norte, bem como a comarca de Alagoas, agregada pela lei de 6 de julho de 1831. Com isso, as duas comarcas da província do Ceará passaram a agravar o novo tribunal, deixando de fazê-lo para o Maranhão, a quem ficou vinculada a partir de sua instalação em 1812. Campos Neto e Mendonça (2000) analisaram a formação dos cursos jurídicos no Brasil. Para preparar o evento de instalação dessa Corte de Justiça, o presidente da província do Ceará, Francisco Teixeira de Sá, constituiu uma comissão formada por importantes membros da sociedade cearense. Assim, no dia 3 de fevereiro, às 10 hs. no Paço da Assembleia, se deu a solene instalação desse Tribunal de Justiça. Na ocasião o presidente do Tribunal iniciou seu discurso dizendo que aquele dia marcava “o começo de uma nova era de melhoramentos e prosperidade para o Ceará”. Também o Senador Pompeu, falando em nome da comissão organizadora, destacou que realizava-se naquela ocasião “uma das mais importantes e ilegítimas 26 27 28 29 30 58 140 Anos de História, Inovações e Desafios aspirações do Ceará – a instalação do tribunal judiciário de 2ª instância, o complemento de sua judicatura”. Lembrou que há um século e meio, a 8 de janeiro de 1723, havia sido criado a primeira comarca judiciária na Capitania subalterna do Ceará, à época vinculada à capitania de Pernambuco. Lacombe e Tapajós (1986: 57) detalha a quantidade de servidores que formavam as secretarias das demais Relações do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís, Belém, São Paulo, Ouro Preto, Porto Alegre, Goiás e Cuiabá. Este discurso de posse se encontra na página web: http://www.stf.jus. br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoInstitucionalPossePresidencial/ anexo/Plaqueta_de_Posse_Ministro_Nelson_Jobim_na_Presidencia. pdf. Acessado em 24 de julho de 2014. Paiva (2012: 74) ao analisar todo o processo dessa reforma, constatou que a PEC nº 96/92 passou oito anos na Câmara dos Deputados e quatro anos no Senado Federal. O artigo 92 da Constituição definiu os seguintes órgãos do Poder Judiciário: I - O Supremo Tribunal Federal; I-A - O Conselho Nacional de Justiça; II - O Superior Tribunal Federal; III - Os tribunais regionais federais e juízes federais; IV - Os tribunais e juízes do trabalho; V - Os tribunais e juízes dos Estados, Distrito Federal e Territórios. No primeiro exercício de planejar o Poder Judiciário brasileiro foram definidos 15 (quinze) objetivos estratégicos. São eles: a) Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos; b) Buscar a excelência na gestão de custos operacionais; acesso ao sistema de Justiça; c) Facilitar o acesso à Justiça; d) Promover a efetividade no cumprimento das decisões; e) Promover a cidadania; f) Garantir o alinhamento estratégico em todas as unidades do Judiciário; g) Fomentar a interação e a troca de experiências entre Tribunais nos planos nacional e internacional; h) Fortalecer e harmonizar as relações entre os Poderes, setores e instituições; i) Disseminar valores éticos e morais por meio de atuação institucional efetiva; j) Aprimorar a comunicação com públicos externos; l) Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes dos magistrados 31 32 33 34 35 59 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ e servidores; m) Motivar e comprometer magistrados e servidores com a execução da Estratégia; n) Garantir a infraestrutura apropriada às atividades administrativas e judiciais; o) Garantir a disponibilidade de sistemas essenciais de tecnologia de informação; p) Assegurar recursos orçamentários necessários à execução da estratégia Para maiores informações sobre o planejamento estratégico no Poder Judiciário ver página web: http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento. Acessado em 24 de julho de 2014. Para maiores informações sobre essas boas práticas verificar na página web: http://www.cnj.jus.br/estrategia/index.php/boaspraticas/. Acessado em 24 de julho de 2014. O Tribunal de Justiça ao longo de sua história, segundo Eusébio de Sousa (1945: 31), já recebeu as seguintes denominações: Relação do Distrito de Fortaleza - Em virtude de seu desmembramento da jurisdição de Pernambuco, pelos Decretos nº 2.342, de 6 de agosto de 1873 e 5.456, de 6 de novembro de 1873, marcando o dia 3 de fevereiro de 1874 para o seu funcionamento; Tribunal de Apelação - pela Carta Política do Estado de 23 de dezembro de 1890; Tribunal de Relação - pela Constituição Política do Estado de 12 de julho de 1892; Superior Tribunal de Justiça – em virtude da Constituição Estadual promulgada a 4 de novembro de 1921. Esta denominação se manteve até a Constituição Federal de 1934; Côrte de Apelação - por força da Constituição Federal de 16 de julho de 1934, mudando o nome de todos os tribunais estaduais; Tribunal de Apelação pela segunda vez, em virtude da Constituição Federal de 1937; e Tribunal de Justiça - denominação dado pelas Constituições Federais de 1946 e 1988, que prevalece até os dias atuais. Informações mais detalhadas podem ser encontradas na página web: http://www2.tjce.jus.br:8080/seplag-plano/?p=869. Acessado em 6 de março de 2014. Maiores informações poderão ser encontradas na página web: http:// www2.tjce.jus.br:8080/seplag-plano/?p=869. Acessado em 6 de março de 2014. Para maiores informações sobre esta escola ver na página web: http:// www.enfam.jus.br/. Acessado em 28 de julho de 2014. 36 37 38 39 40 60 140 Anos de História, Inovações e Desafios Cabe destacar, que a atuação do Poder Judiciário no Brasil se dar através dos seguintes órgãos descentralizados nas diferentes unidades jurisdicionais: a) 91 tribunais, assim distribuídos: um Supremo Tribunal Federal; quatro tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça - STJ; Tribunal Superior do Trabalho - TST; Tribunal Superior Eleitoral - TSE; e Tribunal Superior Militar - TSM); cinco tribunais regionais federais; vinte e quatro tribunais regionais do trabalho; vinte e sete tribunais regionais eleitorais; vinte e sete tribunais de justiça; e três tribunais militares estaduais. Além das diferentes comarcas que atendem aos 5.570 municípios existentes no Brasil em janeiro de 2013. A respeito dessa pouca interação entre os tribunais se manifestou o Ministro Sepúlveda Pertence ao afirmar que são como “ilhas de um grande arquipélago sem nenhuma comunicação entre eles” (RENAULT, 2005). O Poder Judiciário cearense está definido no Capítulo III (arts. 94 a 128) da Constituição do Estado do Ceará de 1989. Esta Constituição do Ceará está disponível na página web: http://www.ceara.gov.br/simbolosoficiais/constituicao-do-estado-do-ceara. Acessada em 01 de outubro de 2014. O roteiro desse planejamento estratégico foi disponibilizado no documento: Planejamento Estratégico 2015-2020: Caderno de Trabalho. Estes pontos fracos estão no Anexo III – Diagnóstico Estratégico 20152020 do Poder Judiciário do Ceará (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, 2014). 41 42 43 44 45 61 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ: O desafio da Autonomia Financeira José Joaquim Neto Cisne Auditor Fiscal da Receita Estadual e Professor Adjunto do Curso de Administração da Universidade Estadual do Ceará (UECE) E-mail: [email protected] [email protected] Ana Thais Carneiro Cisne Graduanda do curso de Administração da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Certa vez, asseverou Rui Barbosa que "a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta"1, fazendo referência ao compromisso com a eficiência que deve pautar as ações do Poder Judiciário. Para prestar satisfatoriamente serviços jurisdicionais à sociedade, no entanto, esse Poder deve contar com autonomia administrativa e recursos suficientes para investir e custear suas ações. Este texto cuida da autonomia financeira do Poder Judiciário no contexto da separação dos poderes, e destaca os desafios para dotar recursos a esse Poder de modo a torná-lo menos dependente dos outros poderes do Estado. A indagação norteadora deste ensaio é saber: como assegurar efetivamente a autonomia financeira do Poder Judiciário cearense? Certamente, essa tarefa requer a observância dos ditames constitucionais e a harmonia entre os outros poderes do Estado. No esforço de analisar os aspectos legal, administrativo e financeiro do Poder Judiciário cearense e com amparo numa pesquisa de natureza exploratória e descritiva, esta investigação procedeu a uma revista na literatura e averiguou relatórios, orçamentos e outros documentos governamentais. Além da introdução, este texto está estruturado em mais três seções, a segunda das quais procede a uma abordagem histórica da Teoria da Separação dos Poderes do Estado, e enfatiza os aspectos constitucionais da autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário. Resta evidente que a autonomia financeira é um pressuposto básico para a independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A terceira seção reporta-se aos aspectos financeiros do Poder Judiciário no Ceará, 65 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ mostrando que os gastos realizados com custeio e investimentos no período de 2003 a 2013, em grande parte, foram financiados, ainda que respaldado por lei, com recursos tomados por empréstimos dos depósitos judiciais e por aqueles arrecadados pelo Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário (FERMOJU). De tal sorte, resta comprovada uma redução gradativa dos recursos repassados pelo Tesouro Estadual para essa finalidade. Na quarta e última, a título de conclusão, procedeu-se a algumas considerações sobre a importância da autonomia do Poder Judiciário cearense e se expressam certas propostas para assegurar recursos a fim de tornar esse Poder menos dependente financeiramente dos outros dois poderes. Por último, se destacam as referências bibliográficas que serviram para fundamentar este trabalho, sob o ponto de vista teórico e o prisma prático. 2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA AUTONOMIA DO JUDICIÁRIO A teoria que trata da separação dos Poderes do Estado em funções legislativas, executivas e judiciárias remonta às reflexões de Aristóteles (1991), quando em sua obra A Política argumentou que “em todo governo, existem três poderes essenciais, cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da maneira mais conveniente. Quando essas três partes estão bem acomodadas, necessariamente o governo vai bem (...)”. Apesar desse filósofo não haver formulado por completo esse sistema, sua contribuição serviu de referência para os estudos seguintes, como bem argumentou Dallari (1998, p. 216/217), 66 O Desafio da Autonomia Financeira O antecedente mais remoto da separação de Poderes encontra-se em Aristóteles, que considera injusto e perigoso atribuir-se a um indivíduo o exercício do poder, havendo também em sua obra uma ligeira referência ao problema da eficiência, quando menciona a impossibilidade prática de que um só homem previsse tudo o que nem a lei pode especificar. A concepção moderna da separação de poderes, no entanto, segundo esse autor, é “construída gradativamente, de acordo com o desenvolvimento do Estado e em função dos grandes conflitos político-sociais”. No século XVII, John Locke, na obra Segundo Tratado sobre o Governo, fez a primeira sistematização doutrinária da separação dos poderes, considerando o Estado inglês de sua época. Montesquieu, porém, foi quem concebeu essa teoria, definindo um sistema com três funções (executiva, legislativa e judiciária) harmônicas e independentes entre si, inseridas posteriormente nas constituições de numerosos países2. A separação dos poderes também aparece no artigo XVI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão3, aprovada na França, em 1789. No correr da história foram experimentadas diversas formas de separação dos poderes do Estado. Na opinião do professor e magistrado Guedes (2013), no entanto, provavelmente o modelo ideal em que o Poder Legislativo edita leis gerais e abstratas, o Poder Executivo executa as leis de ofício e o Poder Judiciário apenas julga os casos controvertidos, jamais existiu. Por isso, atualmente a Teoria da Separação dos Poderes passa por uma revisão, com a extensão de seus conceitos e sua adaptação à realidade sociopolítica, permanecendo nas constituições democráticas com a ideia de colaboração de poderes. Como observa Barbosa (2006, p. 11), essa colaboração entre os poderes 67 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ do Estado se fez possível mediante a autonomia organizacional de cada poder, desempenhada sistematicamente em cooperação mútua, que “materializou-se por meio da independência orgânica e da harmonia entre os órgãos legislativo, executivo e judiciário, especialmente nos sistemas presidencialistas”. Silva (2008, p. 109) citado por Figueiredo e Silva4, observou que, Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes. Atualmente, a independência dos poderes, na opinião de Silva (2004, p. 110) significa que: a) a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não depende da confiança nem da vontade dos outros; b) no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; c) na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais. Assim, a independência dos poderes se entende como a possibilidade de cada um se organizar e desempenhar funções típicas sem se subordinar aos outros, estando apenas sujeitos aos limites legais. A ideia da separação dos poderes com independência e harmonia, no Brasil, remonta à primeira Constituição, de 68 O Desafio da Autonomia Financeira 1824, e se seguiu em todas as Constituições brasileiras, inclusive reafirmando, assegurando e reconhecendo no decorrer temporal, a autonomia administrativa e financeira dos Poderes. Na atual Constituição5, essa independência é considerada cláusula pétrea, como determina o art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Valendo-se, porém, do modelo constitucional brasileiro, Silva (2004, p. 110/111) explica como sucede a harmonização entre os poderes, e mostra que a independência e a divisão de funções entre eles não restou absolutas. Assim, [...] se ao Legislativo cabe a edição de normas gerais e impessoais, estabelece-se um processo para sua formação em que o Executivo tem participação importante, quer pela iniciativa das leis, quer pela sanção e pelo veto. Mas a iniciativa legislativa do Executivo é contrabalanceada pela possibilidade que o Congresso tem de modificarlhe o projeto por via de emendas e até de rejeitálo. Por outro lado, o Presidente da República tem o poder de veto, que pode exercer em relação a projetos de iniciativa dos congressistas como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa. Em compensação, o Congresso, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá rejeitar o veto, e, pelo Presidente do Senado, promulgar a lei, se o Presidente da República não o fizer no prazo previsto (...). Se os Tribunais não podem influir no Legislativo, são autorizados a declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando neste caso. O Presidente da República não interfere na função jurisdicional, em compensação os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados, sob controle do Senado Federal, a que cabe aprovar o nome escolhido (...). Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário, só 69 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. Não poderá haver independência entre os poderes, no entanto, se não houver autonomia administrativa e financeira, como assegurou Conti (2013, p. 1). Essa autonomia foi reforçada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, que tratou da reforma do Judiciário, acrescentando e alterando diversos dispositivos da Carta, entre os quais o art. 99 e seus parágrafos: Art. 99 - Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. § 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete: I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais. § 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias6, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação 70 O Desafio da Autonomia Financeira da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). § 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). § 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). No Brasil, o princípio da separação dos poderes, na opinião do professor e magistrado Guedes (2013), é tratado “cada vez mais com pouquíssimo respeito”. Para ele, o problema “torna-se grave quando a interpretação da Constituição é completamente subvertida para atender ao interesse do intérprete de ver prevalecer a posição de um dos três Poderes constitucionais”. Considerando essas prerrogativas constitucionais, e certas práticas verificadas, o magistrado e professor paulista Souza Junior7 fez três indagações quanto ao comportamento dos outros dois poderes em relação à proposta orçamentária apresentada pelo Judiciário. São elas: a) O Poder Executivo, ao receber a proposta orçamentária do Judiciário, poderá alterá-la unilateralmente? Baseado em decisões proferidas pelo ministro Eros Grau, do Supremo 71 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Tribunal Federal (STF), esse autor entende que não se poderá proceder a essa alteração. O Ministro, baseado em argumentos ratificados em vários julgamentos do STF8, deferiu medida liminar referente à Ação Ordinária (AO) 1491, ajuizada pelo Tribunal de Justiça de Tocantins (TJ-TO) que determinou ao governador daquele Estado incluir no orçamento do exercício de 2008 a proposta de orçamento do Judiciário nos termos em que lhe foi apresentado por aquele Tribunal de Justiça, sem nenhum corte. b) E na hipótese do Poder Executivo efetuar cortes na proposta orçamentária do Poder Judiciário ao encaminhá-la para o Poder Legislativo, no Projeto de Lei Orçamentária? Ante esse abuso de direito, o autor sugere que seja impetrado pelo Chefe do Poder Judiciário um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal. c) E se o corte for efetuado pelo Poder Legislativo à revelia do Poder Judiciário? Nesse caso o autor sugere que seja ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com base no art. 103, inciso IX da Constituição Federal. Seguindo a Constituição Federal, a independência e a autonomia do Poder Judiciário também foram amparadas pelo art. 3º da Constituição do Estado do Ceará,9 de 1989, ao assegurar que “são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E em seu artigo 99, § 1º e § 2º estabelece: Art. 99 - Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º - O Tribunal de Justiça elaborará proposta orçamentária relativa ao Poder Judiciário, dentro dos limites estipulados na Lei de Diretrizes Orçamentárias, depois de ouvidos 72 O Desafio da Autonomia Financeira os tribunais de segunda instância, os quais apresentarão suas propostas parciais e, sendo aprovada pelo plenário do Tribunal de Justiça, será encaminhada pelo Presidente à Assembleia Legislativa. § 2º - Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, destinadas ao Poder Judiciário, serão entregues até o dia vinte de cada mês. Para assegurar a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário, as entidades representativas dos magistrados deveriam realizar campanhas de conscientização, inclusive com o respaldo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 3 ASPECTOS FINANCEIROS DO PODER JUDICIÁRIO NO CEARÁ E OS GASTOS COM CUSTEIO E INVESTIMENTO DE 2003 a 2013 Como já mencionado, a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário é uma questão assegurada tanto pela Carta Magna Federal como pela Constituição do Estado do Ceará, cabendo ao Poder Executivo garantir os recursos necessários para as despesas com custeios e investimentos imprescindíveis para uma eficiente prestação jurisdicional. É fundamental saber, entretanto, se verdadeiramente o Poder Judiciário tem autonomia financeira no Brasil. No âmbito do Poder Judiciário do Ceará, a Secretaria de Finanças do Tribunal de Justiça do Ceará (SEFIN) é o órgão responsável por desenvolver as atividades de planejamento, organização, direção e controle das funções financeiras, competindo-lhe especificamente a administração financeira, abrangendo os sistemas da gestão orçamentária, financeira e de contabilidade no âmbito do Poder Judiciário, conforme dispõe a Lei nº 14.916, de 3 de maio de 2011. 73 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ O Tesouro Estadual no Ceará assegura recursos apenas para o pagamento da folha de pessoal e parte das despesas com o custeio do Poder Judiciário. A fim de obter os recursos restantes para financiar as despesas de custeio e de investimentos executados por esse poder, foi criado o Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário (FERMOJU), por meio da Lei Estadual nº 11.891, de 20 de dezembro de 1991. Esta lei foi recentemente alterada pela Lei nº 14.605, de 5 de janeiro de 2010, que, de acordo com seu art. 2º, este fundo tem por finalidade suprir as despesas referentes a I) elaboração e execução de planos, programas e projetos para o desenvolvimento e a descentralização dos serviços judiciários previstos no § 3º do art. 4º da Constituição Estadual10; II) a implantação de moderna tecnologia de controle da tramitação dos feitos judiciais, notadamente com uso de informática, microfilmagem e reprografia, visando a obtenção de maior celeridade, eficiência e segurança dos procedimentos judiciais; III) ampliação de instalações, com aquisição de equipamentos e mobiliário, e reformas de prédios, suprimento de materiais permanentes específicos e eventuais contratações de serviços de manutenção e reparos; IV) implementação dos serviços de informatização da Justiça de primeiro grau; V) produção, veiculação e divulgação de matérias oficiais de interesse do Poder Judiciário; VI) aquisição de livros e publicações técnicas necessárias à execução dos serviços jurisdicionais; VII)aporte de recursos financeiros para subsidiar os Cartórios de Registro Civil na prestação gratuita dos serviços indicados na Lei Federal nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997; 74 O Desafio da Autonomia Financeira VIII)demais itens de despesa classificados como outras despesas correntes relativas à manutenção e ao funcionamento das atividades meio e fim do Poder Judiciário. Consoante ao parágrafo único do referido artigo, não será admitido, por conta do FERMOJU, o pagamento de despesas de custeio previstas na folha normal de pessoal. As receitas que compõem esse fundo, conforme o art. 3º da referida lei, são as seguintes: I - 100% (cem por cento) da arrecadação da taxa judiciária devida nos termos do art. 68 e § 1º da Lei nº 9.771, de 6 de novembro de 1973; II - 5% (cinco por cento) das receitas de custas judiciais dos cartórios do foro judicial, não se aplicando o disposto neste item aos de Assistência Judicial; III - 5% (cinco por cento) dos emolumentos de protestos, escrituras e registros públicos; IV - taxas de realização de cursos, seminários, conferências e outros eventos promovidos pela Escola Superior da Magistratura; V - taxas de inscrição em concursos públicos realizados pelo Poder Judiciário; VI - saldos de exercícios financeiros anteriores; VII - créditos consignados no orçamento do Estado e em leis especiais; VIII - o produto da remuneração oriunda de aplicações financeiras; IX - subvenções, doações e auxílios oriundos de organismos públicos e privados, nacionais e internacionais, aceitos por Resolução do Tribunal Pleno e afetos aos fins do FERMOJU; X - outras receitas eventuais, inclusive provenientes da alienação de bens patrimoniais afetos ao Poder Judiciário. 75 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Além dessas receitas, ainda serão creditadas e recolhidas ao mencionado Fundo, I - as fianças e cauções exigidas nos processos cíveis, em trâmite na Justiça Estadual; II - as multas aplicadas pelos juízes nos processos cíveis; III - o produto da venda, com exclusividade, dos Selos de Autenticidade a que se refere o art. 8° desta Lei. O FERMOJU é a principal receita tributária arrecadada e administrada pelo Poder Judiciário do Ceará. O montante da sua receita, entretanto, não é suficiente para prover as despesas com custeios e investimentos necessários aos serviços jurisdicionais prestados. Outra importante fonte de recurso para o Poder Judiciário cearense foi autorizada, inicialmente, pela Lei nº 13.480, de 26 de maio de 2004, que dispôs sobre a transferência de parcela dos depósitos judiciais da Conta Única de Depósitos Judiciais do Poder Judiciário para a Conta Única do Tesouro Estadual, e sobre a gestão desses recursos. Essa lei permitia transferir para a conta do Tesouro Estadual 70% (setenta por cento) dos depósitos judiciais, cujos valores se destinavam ao pagamento de despesas com segurança, defesa social e sistema penitenciário pelo Governo do Estado. Ficava à disposição do Poder Judiciário apenas 30% (trinta por cento) dos recursos dos depósitos, para fins de constituição de um fundo destinado a liquidar os resgates dos referidos depósitos11. Essa norma foi alterada pela Lei nº 14.415, de 23 de julho de 2009, que instituiu o Programa de Inovação, Desburocratização, Modernização da Gestão e Melhoria da Produtividade do Poder Judiciário (PIMPJ) e deu outras providências12. De acordo com o art. 1º da Lei nº 14.415/2009, esse programa de inovação tem por finalidade específica otimizar os gastos e as receitas para aumentar a capacidade de investimento, melhorar a qualidade dos serviços a prestar e o desempenho dos resultados institucionais, por meio das seguintes medidas: 76 O Desafio da Autonomia Financeira I - inserir novos modelos de gestão de processos e de resultados institucionais do Poder Judiciário; II - redesenhar os processos burocráticos das atividades do sistema judicial, automatizando e informatizando com modernos sistemas computacionais; III - equipar as áreas e atividades administrativas com sistemas, ferramentas, instrumentos, equipamentos de alto desempenho e fortalecer a infraestrutura tecnológica do Tribunal de Justiça; IV - qualificar os servidores do Poder Judiciário no uso de novas tecnologias, bem como elevar o nível de formação acadêmica e profissional do corpo funcional; V - implantar estímulo financeiro pela consecução dos resultados e superação das metas estabelecidas pelo Chefe do Poder Judiciário; VI - promover a modernização da infraestrutura física, móveis e equipamentos do Tribunal de Justiça. As ações desse programa seriam financiadas pelos 50% (cinquenta por cento) dos depósitos judiciais em recursos monetários realizados após a vigência da referida lei, que seriam, também, transferidos para conta exclusiva desse programa sob a responsabilidade de um banco público. Tendo em vista a revogação do contrato com o banco gestor da conta dos PIMPJ, e a exigência por parte dos bancos públicos de mais garantia do Governo do Estado que lhe assegurasse a gestão da referida conta, foi editada a Lei nº 15.454, de 25 de outubro de 2013, que reduziu para 30% (trinta por cento) o percentual de uso dos recursos dos depósitos judiciais e assegurou a garantia do Tesouro do Estado pelo uso de tais recursos. Mesmo assim, os bancos públicos não demonstraram interesses em participar do certame licitatório para a seleção de 77 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ um novo banco gestor da referida conta. Ante tal impedimento, foi realizada a licitação para selecionar o banco público gestor da conta dos depósitos judiciais e remuneração dos saldos médios mensais dos depósitos judiciais, a título de spread, ficando o Poder Judiciário impedido de utilizar o percentual de 30% dos depósitos, ainda que respaldado pela referida lei. No Estado do Ceará os limites do orçamento do Poder Judiciário para o exercício seguinte são definidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) elaborada antes do término do exercício. Como exemplo, a Lei nº 15.406, de 25 de julho de 2013, que dispôs sobre as diretrizes para a elaboração e execução da lei orçamentária do exercício de 2014 e deu outras providências (LDO de 2013). Essa lei estabeleceu os limites das despesas correntes para a elaboração do orçamento do Poder Judiciário do exercício de 2014. De acordo com este artigo, Art.20. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública terão, como limites das despesas correntes destinadas ao custeio de funcionamento e de manutenção, o conjunto das dotações fixadas na Lei Orçamentária de 2013, acrescidos dos valores dos créditos adicionais referentes às despesas da mesma espécie e de caráter continuado, autorizados até 30 de junho de 2013, corrigidas para preços de 2014, com base nos parâmetros macroeconômicos projetados para 2014, conforme o anexo II – Anexo de Metas Fiscais desta Lei. §1º Aos limites, estabelecidos no caput deste artigo, poderão ser acrescidas das despesas de manutenção e funcionamento de novos serviços e instalações cuja aquisição ou implantação esteja prevista para os exercícios de 2013 e 2014. 78 O Desafio da Autonomia Financeira Acontece que as suplementações orçamentárias somente são autorizadas no segundo semestre, portanto, após 30 de junho, não sendo integradas ao orçamento do ano seguinte. Assim, os valores das dotações nesse novo orçamento serão apenas aqueles do ano vigente, sem as suplementações, acrescidos da inflação estimada do ano em curso. Como as suplementações orçamentárias autorizadas, especialmente aquelas referentes às despesas com custeio, não são consideradas, o novo orçamento já fica defasado desde sua aprovação, demandando, assim, novas suplementações, haja vista o crescimento continuado das despesas, como pode ser observado na Tabela 1. No período de 2003 a 2013, as despesas com custeios previstas para o orçamento, a cargo do Tesouro Estadual, antevistas para o orçamento do ano seguinte, quase sempre foram menores do que a do exercício financeiro anterior, quando somadas com as suplementações (lei+crédito). Por exemplo, nos anos de 2003, 2004 e 2005, foram previstos os mesmos valores (R$ 16.500.000,00) para as despesas de custeio, independentemente das suplementações concedidas nos anos anteriores. Nos exercícios seguintes, previram-se valores maiores para essas despesas, porém, quase sempre, inferiores à soma das suplementações (lei+crédito). Nesse período, foram poucos os recursos previstos nos orçamentos para financiar os investimentos e as inversões financeiras no Poder Judiciário cearense. Ficaram tais despesas a serem financiadas com os recursos do FERMOJU e do PIMPJ (percentual dos depósitos judiciais), como bem demonstra a Tabela mencionada. 79 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Tabela 1: Orçamentos anuais (custeio, investimentos e inversões financeiras) do Poder Judiciário do Ceará - 2003 a 2013 e suas respectivas suplementações por fonte Fonte: Dados obtidos da Secretaria de Finanças do Tribunal de Justiça do Ceará. A Tabela 2 mostra as despesas realizadas com custeios e investimentos do Poder Judiciário do Ceará, por fonte de recursos, nos exercícios de 2003 a 2013. Observa-se a participação das diversas fontes de recursos (Tesouro Estadual, FERMOJU, e PIMPJ) no financiamento das referidas despesas realizadas pelo Poder Judiciário cearense no mencionado período. Observase que, em 2003, o Tesouro Estadual financiava 63,51% dos gastos com custeios e os recursos do FERMOJU custeavam o restante, ou seja, 36,49%. Ao longo desse período, houve redução gradativa da participação do Tesouro do Estado no financiamento dos gastos com custeio e nenhum valor foi gasto 80 O Desafio da Autonomia Financeira por essa fonte com investimentos no Poder Judiciário. Também se nota um crescimento continuado da participação dos recursos do FERMOJU nesses gastos. Em 2008, um ano antes da criação do Programa de Inovação, Desburocratização, Modernização da Gestão e Melhoria da Produtividade do Poder Judiciário (PIMPJ), o Tesouro do Estado financiava 53,03% dos gastos com custeios do Poder Judiciário e o restante, ou seja, 46,97%, pelos recursos do FERMOJU. Em 2009, reduziu-se gradativamente a participação dos recursos do Tesouro Estadual nos gastos com o custeio. Em 2013, esses gastos foram financiados em apenas 26,71% pelo Tesouro Estadual, e o restante ficou a cargo dos recursos do FERMOJU (46,88%) e do PIMPJ (26,42%). Quanto aos investimentos realizados no período analisado, não houve desembolso do Tesouro Estadual nesses gastos, cabendo apenas aos recursos do FERMOJU, do FUNSEG e do PIMPJ. Em 2013, os investimentos foram financiados 93,59% pelas verbas do PIMPJ; 5,33% pelos recursos do Fundo Estadual de Segurança dos Magistrados (FUNSEG)13, e 1,08% pelos montantes do FERMOJU. Tabela 2: Gastos realizados com custeio e investimento do Poder Judiciário do Ceará, por fonte: 2003 a 2013 81 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ Fonte: Dados obtidos da Secretaria de Finanças do Tribunal de Justiça do Ceará. Pelo exame das duas tabelas mencionadas, evidencia-se a necessidade de uma recomposição do orçamento do Poder Judiciário cearense, haja vista a impossibilidade da utilização da parcela de recursos dos depósitos judiciais, ainda que assegurada pela Lei nº 14.415, de 23 de julho de 2009, e pela Lei nº 15.454, de 25 de outubro de 2013. Com a possibilidade da utilização somente do spread dos depósitos judiciais, os recursos do PIMPJ ficarão reduzidos de R$ 49.755,188,00 (utilizado em custeio e investimento em 2013) para apenas cerca de R$ 6 milhões de reais (remuneração a título de spread estimado para o ano). Assim, para a continuidade dos investimentos e dos serviços jurisdicionais prestados pelo Poder Judiciário cearense, tem-se como opção racionalizar as despesas com 82 O Desafio da Autonomia Financeira medidas para a redução de possíveis desperdícios; redefinir as dotações orçamentárias, elevando a participação dos recursos do Tesouro Estadual no financiamento dos gastos com custeio e investimentos, além de adotar medidas para maximizar as receitas do FERMOJU e buscar novas fontes de receitas mais sustentáveis para esse fundo. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PROPOSTAS PARA FORTALECER A AUTONOMIA FINANCEIRA DO PODER JUDICIÁRIO NO CEARÁ Partindo da Teoria da Separação dos Poderes, este artigo reportou-se à autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário, enfatizando especificamente a realidade do Ceará. Considerando os gastos realizados com custeio e investimentos pelo Poder Judiciário no Estado, no período de 2003 a 2013, observa-se constante redução da participação dos recursos do Tesouro Estadual no financiamento desses gastos; e que tais dispêndios foram custeados com dinheiro arrecadado pelo FERMOJU, e especialmente, a partir de 2009, com os recursos tomados por empréstimos dos depósitos judiciais, uma fonte pouco sustentável, numa visão de médio e longo prazo. Considerando a impossibilidade de continuar utilizando os recursos dos depósitos judiciais, e objetivando assegurar uma maior autonomia financeira para o Poder Judiciário do Ceará, sugere-se um conjunto de medidas (Quadro 1) para aumentar as transferências dos recursos do Tesouro Estadual ao Poder Judiciário. Faz-se necessária uma recomposição das dotações orçamentárias desse Poder, na qual se redimensione a participação do Tesouro do Estado; elevar as receitas do FERMOJU; e para racionalizar as despesas e eliminar todas as formas de desperdícios, de modo a melhor equalizar as finanças 83 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ desse Poder, além da adoção das seguintes medidas identificadas pelo planejamento participativo realizado com os servidores da Secretaria de Finanças (SEFIN) e com o apoio da Secretaria Especial de Planejamento e Gestão (SEPLAG) desse Tribunal de Justiça para o ano de 2014. Para melhor sistematizá-las, elas foram agrupadas em quatro macro-objetivos para a área financeira. Quadro 1: Macro-objetivos e respectivas medidas para fortalecer a autonomia financeira do Poder Judiciário do Ceará MACROBJETIVOS MEDIDAS I - Tornar o TJCE menos dependente financeiramente do Poder Executivo: 1. Realizar o monitoramento continuado das receitas do FERMOJU junto às Serventias Judiciais e Extrajudiciais com base na Matriz de Risco e no planejamento previamente definidos. 2. Capacitar os servidores das Serventias Judiciais e Extrajudiciais para a aplicação das Tabelas de Custas e outros procedimentos de interesse da SEFIN. 3. Publicar a Resolução que trata do parcelamento dos débitos dos Cartórios junto ao Poder Judiciário. 4. Encaminhar à Assembleia Legislativa o projeto de lei que altera o Regimento das Custas, aplicando um percentual de 2% sobre o valor das causas, obedecendo os limites sugeridos pelo projeto de Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)14, 5. Implantar o Sistema Integrado de Controle do FERMOJU (SISUFERMOJU). 6. Implantar o Selo Digital, conforme cronograma já estabelecido. 7. Realizar licitação para a seleção do banco público para a gestão e remuneração da conta única dos depósitos judiciais a título de spread. 8. Buscar novas fontes permanentes para elevar as receita do FERMOJU. 84 O Desafio da Autonomia Financeira 10. Aprovar as alterações na Estrutura Organizacional da Secretaria de Finanças com base nos três macroprocessos (Receita/Execução Orçamentária/ II - Tornar os processos Contabilidade e Controle). da SEFIN o mais eficiente 11. Seccionar o Orçamento de 2014 do Tribunal de possível: Justiça por Secretaria e acompanhar os respectivos saldos orçamentários pelo uso do fluxo do sistema de pagamento. 12. Aplicar as boas práticas na gestão das despesas e implantar o sistema informatizado de controle III - Otimizar e racionalizar dos custos. os custos do TJCE: 13. Publicar o Provimento que torna permanente a Comissão de Racionalização dos Gastos no âmbito do Poder Judiciário do Ceará. 14. Realocar a área de trabalho da SEFIN para as novas IV - Valorizar o capital instalações já definida. humano da SEFIN: 15. Elaborar um plano de capacitação para os servidores da SEFIN no ano de 2014. Fonte: Planejamento Estratégico para o ano de 2014 elaborado pela Secretaria de Finanças (SEFIN) do Tribunal de Justiça do Ceará TJCE. Outras medidas poderiam ser adotadas para contribuir com o fortalecimento da autonomia do Poder Judiciário do Estado do Ceará, como por exemplo: a) estudar a possibilidade de definir na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de cada ano, o orçamento do Poder Judiciário do Ceará com base num percentual da Receita Corrente Líquida (RCL), a exemplo de outros estados da Federação, como o Paraná; b) incrementar a receita do Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário (FERMOJU) com a adoção das seguintes providências: i) além do monitoramento continuado das receitas do FERMOJU, elaborar material didático e realização de treinamentos para os servidores das serventias judiciais quanto à aplicação da legislação e dos cálculos sobre custas judiciais; e ii) acrescentar como receita do FERMOJU, 85 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ mediante lei, um percentual de 30% da arrecadação em execução fiscal (principal, multas, juros e de débitos inscritos na dívida ativa; c) elaborar resolução para formalizar o fluxo de trabalho entre o grupo de monitoramento das receitas do FERMOJU a cargo da SEFIN, com a Corregedoria Geral da Justiça do Ceará; d) elaborar cartilha explicativa dos cálculos das custas judiciais e das receitas do FERMOJU; e) elaborar uma Resolução que informe a concessão de gratuidade dos processos judiciais pelos magistrados à Corregedoria Geral da Justiça do Ceará. f) elaborar cartilhas sobre boas práticas de racionalização dos custos, bem como desenvolver campanha no âmbito do Poder Judiciário sobre estas boas práticas; e g) descentralizar o orçamento do Poder Judiciário, de sorte que cada secretaria seja a gestora na aplicação de seus recursos orçamentários, sob a coordenação da Secretaria de Finanças (SEFIN). Essas medidas poderão assegurar os recursos para uma maior autonomia do Poder Judiciário do Estado do Ceará, atendendo de forma satisfatória, a crescente demanda da sociedade por serviços jurisdicionais. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fonte, 1991. BARBOSA, Marília Costa. Revisão da Teoria da Separação dos Poderes. Revista Cient. Fac. Lourenço Filho, v. 5, nº 1, 2006. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 86 O Desafio da Autonomia Financeira constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 13 mar. 2014. CEARÁ, Constituição do Estado do Ceará, promulgada em 1989. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/lex/a_pdf/ constituicao_ce.pdf>. Acesso em 18 mar. 2014. CONTI, José Maurício – Poderes não são independentes sem autonomia financeira. Consultor Jurídico. Publicado em 27 de agosto de 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em 14 mar. 2014. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Petrópolis: Editora Vozes. Disponível em: <http://www.xr.pro. br/IF/LOCKE-Segundo_Tratado_Sobre_O_Governo.pdf>. Acesso em 14 mar. 2014. MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Nova Cultura, 2000, v. 1. GUEDES, Néviton. Tomemos a sério o princípio de separação de Poderes. Disponível em: <http://www.conjur.com. br/2013-jan-21/constituicao-poder-tomemos-serio-principioseparacao-poderes>. Acesso em 14 mar. 2014. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 87 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ SOUZA JUNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Da independência financeira dos tribunais estaduais e a separação dos Poderes. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/ artigo.asp?idArtigo=125>. Acesso em 13 mar. 2014. LEGISLAÇÃO Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964. Lei Federal nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997. Lei nº 11.891, de 20 de dezembro de 1991. Lei nº 12.643, de 4 de dezembro de 1996. Lei nº 13.480, de 26 de maio de 2004. Lei nº 14.415, de 23 de julho de 2009. Lei nº 14.605, de 5 de janeiro de 2010. Lei nº 14.916, de 3 de maio de 2011. Lei nº 15.145, de 04 de maio de 2012. Lei nº 15.406, de 25 de julho de 2013. NOTAS DE FIM Frase disponível na página da web: http://pensador.uol.com.br/frases_ de_rui_barbosa/3/ . Acessada em 12 de março de 2014. Para conhecer mais detalhadamente sobre a teoria da separação dos Poderes do Estado pode-se verificar em Dallari (1998: 215/222), Barbosa (2006), e Silva (2004). Segundo o artigo XVI dessa Declaração: “Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. Disponível em: http:// www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/mla_MA_19926.pdf. Acessado em 13 de março de 2014. 1 2 3 88 O Desafio da Autonomia Financeira Esta referência foi destacada no artigo em “Gestão pública no Poder Judiciário” de autoria de Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva, apresentado à Unisul Virtual para conclusão do curso de pós-graduação em Especialização em Modernização da Gestão do Poder Judiciário promovido pela Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A Constituição da República Federativa do Brasil está disponível na página web: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm. Acessado em 13 de março de 2014. O art. 20 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, determina a seguinte repartição dos limites globais do art. 19, da referida lei, que não poderá exceder os seguintes percentuais: II - na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo. Cabe destacar que o artigo 19, acima mencionado, tem a seguinte redação: Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminada: I - União: 50% (cinquenta por cento); II - Estados: 60% (sessenta por cento); e III - Municípios: 60% (sessenta por cento). Estas indagações estão no artigo “Da independência financeira dos tribunais estaduais e a separação dos Poderes”, disponível na página web: http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=125. Acessado em 13 de março de 2014. As decisões na quais se baseou o ministro Eros Grau foram as seguintes: Mandado de Segurança nº 23277, relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence (aposentado); Mandado de Segurança nº 22390, relatado pelo ministro Carlos Veloso (aposentado); Mandado de Segurança nº 23589, relatado pela ministra Ellen Gracie (aposentada); e na Ação Ordinária (AO) nº 1482, relatada pelo ministro Marco Aurélio. 4 5 6 7 8 89 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ A Constituição do Estado do Ceará, promulgada em 1989, está disponível na página web: http://www.dhnet.org.br/dados/lex/a_pdf/constituicao_ ce.pdf. Acessada em 18 de março de 2014. 9 O § 3º do art. 4º da Constituição do Estado do Ceará determina que “promover-se-á a descentralização física dos órgãos judiciários, sempre no propósito de estimular integração com as respectivas comunidades, para maior comodidade e presteza no atendimento ao jurisdicionado, com o estabelecimento de: I - tribunais de alçada em maiores núcleos populacionais; II - varas cíveis e criminais, distribuídas por distritos, bairros e aglomerados urbanos, sempre em contexto de áreas residenciais; III - implantação de juizados de pequenas causas em aglomerados urbanos mais populosos; IV - vara especializada, de entrância especial, em cada microrregião, localizada em uma das comarcas que a integram, com jurisdição em todos os seus Municípios, com competência exclusiva para questões fundiárias; V - juizado de paz, com atribuições específicas para conciliar ou dirimir conflitos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3656, reivindicando que essa Lei nº 13.480/2004 fosse declarada inconstitucional, tendo em vista a transferência para a conta do Tesouro estadual 70% dos depósitos judiciais e por ter permitido que esses recursos fossem utilizados para o pagamento de despesas do governo com segurança, defesa social e sistema penitenciário. Mantendo com o Judiciário apenas 30% dos depósitos, para fins de constituição de um fundo destinado a liquidar os depósitos judiciais. A Adin tinha como relator no STF o ministro Celso de Mello. Segundo a OAB, essa lei agride vários dispositivos constitucionais. Dentre eles, os artigos os artigos 5º, incisos XII e LIV; 22, I, da Constituição Federal. Informação obtida na página web: http://www.oab.org.br/noticia/23722/adin-da-oab-sobrelei-de-depositos-judiciais-espera-decisao-desde-2008. Acessada em 17 de março de 2014. Dentre as providências adotadas por esta norma, alterou a Lei nº 13.480, de 26 de maio de 2004, bem como a Lei nº 12.643, de 04 de dezembro de 10 11 12 90 O Desafio da Autonomia Financeira 1996, que instituiu o Sistema Financeiro da "Conta Única de Depósitos Sob Aviso à Disposição da Justiça" no Poder Judiciário do Estado do Ceará.. O Fundo Estadual de Segurança dos Magistrados (FUNSEG) foi criado pela Lei nº 15.145, de 04 de maio de 2012, com a finalidade de suprir, implementar, captar, controlar e aplicar recursos financeiros destinados: I - à implantação e manutenção do Sistema de Segurança dos Magistrados; e II - à estruturação, aparelhamento, modernização e adequação tecnológica dos meios utilizados nas atividades de segurança dos magistrados. Constitui receita desse Fundo, de acordo com a o art. 4º dessa lei: I - de 3 a 6% (três a seis por cento) do produto da arrecadação das custas judiciais, percentual a ser definido em ato da Administração do Tribunal, na forma do art.9º desta Lei; II - créditos consignados no orçamento do Estado e em leis especiais; III - doações, contribuições em dinheiro, valores, bem móveis e imóveis, que o FUNSEG venha a receber de organismos ou entidades nacionais e estrangeiras; IV - rendimentos de depósitos bancários e outras aplicações financeiras de suas próprias contas; V - até 100% (cem por cento) dos rendimentos obtidos a título de spread das contas de precatórios judiciais, destinados ao Tribunal de Justiça do Estado (art.8º-A da Resolução CNJ 115, de 29 de junho de 2010), percentual a ser definido em ato da Administração, conforme o art.9º desta Lei, inclusive com relação aos saldos já acumulados na data de vigência da Resolução do CNJ 115; VI - produtos das multas contratuais, cauções ou depósitos que reverterem a crédito do Poder Judiciário, oriundas das despesas realizadas pelo FUNSEG; VII - receitas provenientes da alienação de bens e materiais inservíveis, adquiridos mediante doação ou com recursos do Fundo; VIII - 20% (vinte por cento) do produto da utilização do aluguel e instalações dos Fóruns do Poder Judiciário Estadual; IX - os recursos provenientes das multas por ato atentatório ao exercício da jurisdição, nos termos da legislação processual; X - outras fontes de financiamento, definidas em lei. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou em 2011 um grupo de trabalho para tratar da uniformização de custas processuais. Este grupo apresentará proposta de projeto de lei, estabelecendo parâmetros para 13 14 91 PODER JUDICIÁRIO DO CEARÁ a fixação de custas a ser encaminhado ao congresso nacional. Estudo realizado em julho de 2010 pelo CNJ mostrou que em estados mais pobres as custas são mais elevadas, prejudicando o acesso a justiça Na uma proposta a cargo do CNJ o limite máximo de cobrança das custas é de 100 (cem) salários mínimos. Para maiores informações verificar na página web: www.cnj.jus.br. No caso do Ceará, com esse objetivo, foi criada uma comissão de colaboradores da SEFIN, sob a coordenação do Dr. Roncalli Maranhão, servidor do Tribunal de Justiça do Ceará. A aplicação dessa medida, conforme simulações realizadas, implicaria em um aumento das receitas das custas em cerca de 73% (setenta e três por cento). 92 Esta obra foi composta em Minion Pro e impresso em papel 24 kg. Impressão e acabamento no Departamento Editorial e Gráfico Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em Fortaleza/CE, dezembro de 2014.