INTRODUÇÃO O objetivo deste livro é apresentar maneiras de produzir imagens a partir da reflexão sobre linguagens, obras e seu contexto de produção. Ele foi criado a partir de minha experiência com educação básica. As atividades propostas unem a idéia da análise da produção histórica à criação do aluno, estimulando a experiência estética, seguindo a teoria pragmatista de Dewey. São proposições que auxiliam a construção do conhecimento sobre as linguagens aqui desenvolvidas. Utilizo como referência metodológica a abordagem triangular, a partir das propostas da professora Ana Mae Barbosa. As atividades que selecionei para compor o corpus deste livro foram todas desenvolvidas em sala de aula e aqui se encontram as versões finais, com as devidas correções de percurso. Elas vão além dos simples exercícios e procuram desencadear reflexões sobre arte, cultura e sociedade. Procurei selecionar atividades que permitissem ao professor, de qualquer área, desenvolver projetos com artes visuais na sala de aula. Muitas delas trazem questões para a leitura de imagem, permitindo usá-las como instrumento para as mais diferentes reflexões, de acordo com o projeto do professor. As atividades foram criadas para um tempo mínimo de duas horasaula, de 45 minutos cada. Porém, a grande maioria pode deflagrar projetos por até um semestre, de acordo com as intenções e interesses do professor. Sendo assim, cabe ao professor escolher o melhor caminho. Espero que o compartilhamento de minha experiência com a arte seja um estímulo aos colegas professores para o trabalho com artes visuais, auxiliando os alunos a aprender a ler o mundo e a percorrer o caminho do sensível. ARTE PARA QUÊ? Vivemos em um mundo de visualidades. Cercados por imagens, viver nos espaços urbanos é deparar-se com múltiplos estímulos visuais. No entanto, os apelos visuais não se limitam a fronteiras geográficas. Veículos como a televisão e a internet fazem circular imagens em tempo real pelos mais distantes lugares. Isso faz com que uma cena acontecida no Japão possa ser vista no Brasil simultaneamente ao fato. Por isso, viver longe das cidades grandes é também se deparar com imagens as mais diversas. Os diferentes apelos visuais interferem na compreensão que se tem sobre o cotidiano e contribuem para formular idéias sobre lugares, culturas, acontecimentos. Nosso dia-a-dia está povoado de imagens da mídia, formas de propaganda, folhetos explicativos, fotografias, imagens da internet, jornais, enfim, há um número muito grande de formas visuais. Todas essas formas correspondem a maneiras de interpretar o mundo. São maneiras de se integrar ao tempo e ao espaço. As imagens postas em jogo no cotidiano instauram a necessidade de interpretação, isso porque são formas criadas a partir de certa cultura, dentro de uma ideologia, ou seja, não são neutras. A visualidade dos espaços coletivos – que se configura na arquitetura das cidades, dos povoados, das aldeias – está relacionada com as imagens dos outdoors, dos banners, dos cartazes de propaganda, dos letreiros das lojas, da organização das vitrines, dos veículos que trafegam, da paisagem bucólica. Essa visualidade é criada dentro de determinadas concepções. As cores e formas escolhidas para uma determinada imagem se relacionam com a cultura que lhe atribui sentido, isto é, a criação da imagem corresponde a uma tradição. Ao criar certa visualidade, está-se reiterando uma maneira de pensar. Quando um artista cria uma forma reverbera concepções do coletivo. A arte é parte material da cultura. Está submetida ao conjunto de valores sociais criados em torno de fazeres cotidianos. Sendo assim, o artista se vale da matéria-prima que lhe impregna as concepções sobre si e sobre o outro. A arte cria sentidos para ler o cotidiano, apresenta maneiras de superar o comum e aprofundar-se nas idéias sobre o convívio social. Ela é uma possibilidade de criar sentidos ao já posto, de 8 transcender a realidade, abrindo frestas para a imaginação criadora. Essa magnífica capacidade humana de imaginar permite alterar o cotidiano ou, pelo menos, encontrar espaços para compreender de outra maneira a realidade que nos cerca. No contexto educativo, o termo artes visuais substituiu a designação artes plásticas para nomear a grande área da visualidade. Isso porque a concepção ampliou-se de artes plásticas – que abrangia as belas-artes – para artes visuais, por incorporar várias manifestações visuais como: desenho, pintura, escultura, gravura e artes gráficas, vídeo, cinema, televisão, grafite, animação. Todas as maneiras visuais de expressão podem se enquadrar na rubrica artes visuais. Dessa maneira, na sala de aula, as propostas para o trabalho com artes visuais devem incorporar diferentes linguagens. Historicamente, a criação artística em sala de aula privilegia o desenho e a pintura. As formas contemporâneas que saem do papel – tais como objetos, instalações, assemblages – também fazem parte da grande área das visualidades e possibilitam uma maior liberdade de criação. Porém, ampliar a área de abrangência não significa abandonar a tradição da arte. A ampliação só terá sentido se for acompanhada de aprofundamento nos conteúdos e, conseqüentemente, na construção de conhecimento sobre arte. A obra de arte é a manifestação concreta dos significados que um determinado coletivo atribui ao viver em grupo, é a maneira de criar sentidos para o cotidiano. Ao criar uma determinada obra, o artista se vale da matéria construída socialmente. Como parte da cultura, a arte é a maneira de indicar os caminhos poéticos trilhados por aquele grupo. Criar uma obra de arte vai além da utilização da linguagem (desenho, pintura, escultura), vai além do domínio técnico, porque criar uma forma demanda reflexão, conhecimento sobre o objeto. Além disso, a obra de arte comunica idéias. Chama-se linguagem artística o veículo que possibilita dar forma à determinada idéia. As linguagens são constituídas de vocabulário próprio. Assim, o desenho tem a linha como vocábulo, e o conjunto de linhas utilizadas em direções diferentes, com intensidades variáveis, será o vocabulário dessa linguagem. Destarte, quando uma forma é criada a 9 partir de um jogo simbólico daquela linguagem, utilizando o vocabulário próprio, são criadas imagens (ou sons, ou movimento) passíveis de leitura, pois se constituem num conjunto de idéias organizadas em determinada forma. As imagens são parte do cotidiano e nossa relação com elas é imprescindível. Lemos os cartazes das lojas, o gesto do feirante enquanto mostra seu produto, o caminhar de um transeunte. Essas leituras compõem nossa maneira de pensar. Assim, as imagens, o movimento, os sons podem ser considerados formas não-verbais, passíveis de leitura, como textos (não-verbais). Para lermos textos não-verbais (não constituídos por letras) necessitamos de outras maneiras de interação. Essas outras leituras mobilizam a capacidade de compreender múltiplos significados, em relação no tempo e no espaço. É necessário saber ler a obra para poder atribuir sentidos a ela. Na sala de aula, a criação artística parte de linguagens. São as maneiras de transformar idéias em formas visuais. As reproduções deste livro têm caráter puramente didático e objetivo de estimular o estudo das artes visuais na sala de aula. Todas as imagens estampadas em preto e branco ao longo do livro foram reproduzidas coloridas no anexo, a partir da página 133. 10