VOLTAR ALGUMAS CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DO PROCESSO PROJETUAL DE EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS EM ALTURA Eduardo Jorge Felix CASTELLS Arquiteto, M.Sc. Sociologia, Doutor Engenharia de Produção, EGR/CCE/UFSC, Campus da Trindade, CEP 88040-900 Florianópolis (SC) Brasil - Correio eletrônico: [email protected] 1. INTRODUÇÃO 1.1 Considerando que o objetivo central dos artigos encaminhados ao Workshop é de dar subsidio a discussão sobre o processo de projeto, apresentam-se as seguintes questões: a1 Inicialmente, são retomadas algumas ponderações a respeito do entendimento usualmente dado em trabalhos científicos ao tema processo de projeto. b1 Posteriormente, são apontadas outras considerações que podem auxiliar no aprofundamento da discussão em pauta. As sim, é relacionada a seqüência de procedimentos usualmente seguida pelos arquitetos para o processo projetual, quando abocados à elaboração de projetos de edificações residenciais e comerciais em altura; 1.2 Objetiva-se, principalmente, trazer à discussão as especificidades do processo projetual tal como ele é praticado, alertando ao mesmo tempo para: a2 Contradições verificadas entre os princípios postulados para a Qualidade e certos procedimentos correntes na gestão de projetos de empreendimentos comerciais; b2 Simplificações excessivas do processo projetual usualmente presentes nas modelagens sistêmicas; 1.3 As questões aqui apresentadas já foram parcialmente desenvolvidas em trabalhos anteriores (Castells e Heineck 2001 e Castells 2001). 2. REFERENCIAIS 2.1 Processo de projeto Dos estudos realizados se destacam os efetuados utilizando como suporte referencial a Teoria da Qualidade. Os trabalhos produzidos concentram atenção em diferentes aspectos: seja na determinação da quantidade de etapas em que deve ser estruturado o processo de projeto e os conteúdos correspondentes a cada uma delas (Cornick 1991, Melhado 1994), seja na proposta de modelos de gerenciamento focalizando a seqüência de tarefas de projeto e os mecanismos de controle e circulação da informação (Austin et al.1994, Koskela et al.1997, Ballard 2000, Hammond et al.2000), seja buscando VOLTAR compatibilizar os avanços no processo construtivo com o desenvolvimento dos projetos (Huovila et al.1997); ou, ainda, tentando abarcar todos os aspectos envolvidos no processo (Picchi 1993, CTE 1994, Gray et al.1994) 2.2 Procedimentos e métodos de projetação Os trabalhos da área não fazem referência clara aos procedimentos e métodos de projetação efetivamente aplicados pelos arquitetos durante o processo de elaboração de projetos. Carência particularmente verificável em relação à fase inicial do processo projetual, o momento no qual o projetista lança um novo projeto (Melhado 1998, Ballard op.cit.). 2.3 Modelagens genéricas propostas Ao considerar que o projeto deve ser componente integrado ao ciclo de produção de um empreendimento, fica implícito que os métodos de elaboração de projeto são compatíveis e podem ser enquadrados dentro das metodologias de gerenciamento do processo de projeto, alimentadas basicamente pelas filosofias JIT, TQM, QFD, e NFP, mais divulgada como Lean Construction (Koskela 1992, Ballard 1994, Melhado 1998). Em trabalhos recentes elaborados por pesquisadores ligados ao IGLC são deixadas de lado as especificidades da atividade projetual; e se pretende enquadrar e avaliar a dinâmica do fluxo da atividade projetual com os mesmos parâmetros aplicados às operações de conversão que caracterizam a produção manufatureira (Koskela et al, op.cit, Ballard 2000a, Hammond et al.op.cit.). Confunde-se o processo de ideação e elaboração com o processo de gerenciamento. A atividade projetual chega a ser qualificada de caótica, imprevisível nos seus procedimentos, ou de alta variabilidade e improvisação, em especial referencia à fase inicial, momento de lançamento do projeto (Koskela et al, op.cit, Tzortzopoulos et al.1998). 2.4 Especificidade metodológica As propostas de gerenciamento da Qualidade de Projeto ficam centradas no controle da informação (dados e fluxo, ou quê circula e aonde e quando deve circular), e na quantificação e qualificação de componentes (pecas gráficas com determinado nível de detalhamento, e documentação complementar contendo especificações). Porém, não se faz analise critica -e como conseqüência não ha avaliação possível-, de como se gesta o processo de ideação que termina por traduzir-se na informação concretizada nesses componentes gráficos; a começar pelo fato de que nem sequer se entra na lógica que governa esse processo de gestação. Viabilizar uma alternativa específica implica em contar com instrumentos metodológicos desenvolvidos para o design de arquitetura, preferencialmente destinados às fases iniciais, elaborados levando em conta a experiência e as práticas efetivas de projeto utilizadas pelos arquitetos nessa circunstancia e, ainda, considerando as particularidades do processo criativo inerente à elaboração projetual para tipologias determinadas. Estudos interiores à área do design e arquitetura identificam nessa fase de concepção o ponto crucial, no qual informação alfanumérica que veicula determinados requerimentos de programa é transformada em representações gráficas de espaços tridimensionais, VOLTAR apresentados como proposta de solução a tais requerimentos. Essa literatura alimenta as teorias da projetação em Arquitetura e Design (Archer 1971, Broadbent 1971, Jones 1971, Rapoport 1971, Alexander 1980, Lebahar 1983, Heath 1984, Maldonado 1984, Cross 1996, Norgbert-Schultz 1998; e a nível regional, Bonta 1971, Krüger 1986, Mahafuz 1995, Corona Martínez 2000). 2.6 Divisão em etapas do processo projetual Verificou-se que há uma tendência consagrada de dividir a elaboração e o gerenciamento do processo de projeto em duas etapas separadas e independentes. A primeira é atribuída à responsabilidade de um escritório autônomo, entanto que a segunda se resolve usualmente dentro do âmbito da própria empresa, ou através de novos contratos que ela faz para prestação de serviços com outros profissionais. Nesse ultimo procedimento, a ampla maioria dos escritórios elaboradores dos projetos originais não tiveram quase nenhuma participação. Em âmbito macro-regional, tendência similar já fora comprovada em pesquisas desenvolvidas em Rio Grande do Sul (Freut e Formoso 1993, Oliveira 1994, apud SEBRAE/RS 1996). 3. ESPECIFICIDADE DA ATIVIDADE PROJETUAL É feita aqui uma relação que não trata da atividade projetual de maneira genérica. Diz apenas a respeito da tipologia edifícios residenciais e comerciais em altura. Como resultado de extensa pesquisa (entrevistas com 42 profissionais de projeto), a relação a seguir apresenta a seqüência básica de procedimentos que se evidenciou rotina de projetação dominante: 3.1 Estudo de viabilidade A seqüência começa com um Estudo de Viabilidade, pré-figuração inicial que é a que melhor reflete os objetivos que orientam o empreendimento: na maneira que é usualmente efetuado, verifica-se que em vez de tentar otimizar a relação custo-benefício, porém sem deixar de procurar atender à plena expectativa da demanda e à responsabilidade social que cabe ao empreendimento na definição da morfologia urbana; o Estudo de Viabilidade só se preocupa pela formatação do modelo que permita o máximo de área construível, a despeito da Qualidade de Conformação do resultado (principalmente, da qualidade espacial e funcional das unidades, e da inserção no entorno urbano da volumetria resultante). 3.2 Programa de necessidades O Programa de Necessidades deveria ter avançado estado de definição antes de dar início à fase de projetação. Porém, o que se verifica na maioria dos estudos de caso é que ele é resultado de cruzar as demandas detectadas pelo mercado imobiliário para a zona onde será implantado o empreendimento, com o maior rendimento possível de planta informado pelo Estudo de Viabilidade; VOLTAR 3.3 Planta do pavimento tipo Verifica-se que há um número reduzido de alternativas de resolução para a planta do pavimento tipo, que se converte quase sempre na peça gráfica determinante do restante do projeto. As variáveis que limitam as resoluções possíveis estão dadas por: a- Máximo perímetro envolvente; b- Posição da torre de circulações verticais e/ou montantes de instalações e serviços; c- Organograma da planta da/s unidade/s: a área máxima admitida, a quantidade total de cômodos, a quantidade e relação pretendida entre quartos e banheiros, o sistema de fluxos entre circulações sociais, privativas e de serviço; constituem o conjunto das principais variáveis determinantes da conformação da/s unidade/s. Projetistas concluem que outros fatores de habitabilidade, como visuais, orientação e terraços, só são contemplados nos programas para empreendimentos de médio-alto e alto padrão; 3.4 Modelagem da volumetria Foi registrada a existência de apenas dois procedimentos projetuais básicos: a- O que opera de dentro-para-fora: a partir do estruturador vertical central, se resolvem os elementos suportados periféricos; b- O que opera de fora-para-dentro: projetistas que mostram preferência por volumetrias de geometrias puras, optam por definir o projeto a partir da envolvente externa; 3.5 Casos especiais Sítios com topografia acidentada, flexibilidade de planta como requisito de programa, situações de orla, área excessivamente reduzida ou forte disparidade na relação dimensional entre lados dos terrenos; são variáveis que alteram o quadro geral. 4. OUTRAS CARACTERÍSTICAS 4.1 Do processo projetual da tipologia Resultados da pesquisa e depoimentos mostram que a elaboração de projetos de edifícios residenciais ou comerciais em altura é uma classe de projeto com processo de resolução razoavelmente simples. Isto é assim porque, como parte dos condicionantes usualmente colocados, são referenciais iniciais de determinação espacial a planta do pavimento tipo junto com o princípio de máximo aproveitamento. Foi também verificada a presença de outro componente limitador, como conseqüência do condicionante anterior, e é que há um número reduzido de alternativas possíveis de composição projetual para abordar e encaminhar a resolução dessa tipologia. 4.2 Da divisão do processo de projeto em duas grandes etapas Às duas etapas correspondem duas classes de atividade dominantes. Isto vale tanto seja que se considerem os diferentes agentes intervenientes, quanto os modos de produção VOLTAR aplicados à elaboração e desenvolvimento de projetos em cada das etapas. Alguns pesquisadores afirmam que a primeira é uma etapa centrada na elaboração qualitativa, entanto que a segunda está principalmente destinada ao desenvolvimento quantitativo (Attoe op.cit.). Outros autores diferenciam as denominações das etapas do processo de projeto entre uma inicial de desenvolvimento global ou estratégico, e outra posterior de desenvolvimento específico ou tático; ou também entre uma primeira etapa de atividades integralizadas, e uma segunda de atividades divisíveis (Jones op.cit., Bonta 1976). 4.3 Do projeto como produto e como processo O projeto da primeira etapa é recebido pela empresa construtora ou incorporadora como um serviço ou projeto produto pronto, que deve responder a certas especificações e condições contratuais estabelecidas na oportunidade de sua encomenda. Esse produto, que na maioria dos casos pesquisados é normalmente desenvolvido ate um nível que quase não ultrapassa a qualificação de anteprojeto, entra na empresa construtora como um insumo, sem demasiadas definições particularizadas. Em outros termos, é só a partir desse momento que, dando inicio à segunda etapa, o projeto-insumo pode passar a ser considerado realmente como projeto processo, efetivamente integrado dentro do processo geral de implantação do empreendimento. 5. BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA ALEXANDER, C. et al. A pattern language/Un lenguaje de patrone. Barcelona, Ed. G.Gilli, 1980. ARCHER, B. La estructura del proceso de diseño, in Metodologia del Diseño Arquitectónico. p.153/222, Barcelona, G.Gilli Ed., 1971. BALLARD, G. Positive and Negative iteration in Design, in IGLC-8. 2000. BALLARD, G. Managing work flow on Design Projects, in CIB W96. Atlanta, 2000a. BONTA, J. Notas sobre el Simposio de Portsmouth, in El Simposio de Portsmouth. Buenos Aires, Ed. 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