TEMPO REAL Edição de 23/07/2001, nº 09 CEBRI PROMOVE REUNIÃO INAUGURAL DA FORÇA-TAREFA MERCOSUL O CEBRI promoveu, no dia 16 de julho passado, a primeira reunião da “Força-Tarefa Mercosul”, voltada para discutir, em caráter regular e permanente, as perspectivas e possibilidades do processo de integração sub-regional, com ênfase em seus aspectos econômico-comerciais e político-estratégicos. A abertura dos trabalhos da força-tarefa, que conta com a representação de diversos segmentos da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos em processos negociadores no âmbito do Mercosul, foi feita pelo Representante Especial do Presidente da República para Assuntos do Mercosul, Embaixador José Botafogo Gonçalves. Relação entre Comércio e Desenvolvimento não é Obrigatória Durante a reunião, foram avaliados os atuais impasses e as perspectivas de longo prazo para o Mercosul. Formulou-se inicialmente um consenso no sentido de que o Mercosul é um projeto perene, de longo prazo, não determinado necessariamente pela atual crise que afeta a Argentina. Vários fatores foram mencionados para sustentar essa afirmação, dentre os quais: a) Perde força o axioma de que o desenvolvimento econômico seja uma função direta dos níveis de comércio. Desse modo, talvez seja possível alavancar alternativas de crescimento econômico sem a expansão duradoura e sustentada do volume de comércio intra-bloco, tal como se deu em toda a década de noventa. Se esse juízo for correto, os países do Mercosul poderão dispor de maior margem de manobra para implementar políticas de desenvolvimento independentemente das atuais divergências no tocante às suas políticas tarifárias. O Comércio pode ser um fator preponderante nas políticas de integração, mas não pode ser alçado à uma condição absoluta, uma vez que expansão do comércio não representou desenvolvimento para os países do bloco; b) Essa desvinculação entre comércio e desenvolvimento aumentaria a flexibilidade do Mercosul no sentido de possibilitar uma reavaliação das políticas tradicionais subjacentes ao processo de integração. Seria mais factível, nessa nova concepção, promover a expansão horizontal do bloco, mediante a incorporação de Chile e da Bolívia como membros plenos. O Chile teria abandonado, desde meados dos anos noventa, um projeto industrial autônomo, pretendendo sustentar a competitividade de sua economia nos segmentos primário-exportadores ao mesmo tempo em que busca fortalecer sua presença na área de serviços e investimentos externos. Diferenças na estrutura de tarifas entre Brasil e Chile tenderiam, nesse sentido, a atenuarem-se ou perderem a importância que hoje representam para as respectivas economias. Quanto à Bolívia, além de oferecer ao Brasil gás natural, seu principal item exportador, pretende expandir sua presença em nosso mercado com produtos de maior valor agregado. Em um e outro exemplo, portanto, a questão das disparidades tarifárias tenderia a assumir posição secundária num processo mais amplo de integração e harmonização. A Tarifa Externa Comum na Encruzilhada A perenidade do projeto Mercosul e sua relativa independência de uma Tarifa Externa Comum pode ser avaliada por outros fatores complementares: c) Numa relação necessária entre comércio e desenvolvimento, nossos parceiros do Mercosul tendem a perceber negativamente a atual estrutura da tarifa externa comum (TEC) como inadequada a suas necessidades, como fator de ineficiência produtiva e associada aos interesses industriais brasileiros. A Argentina, ao preconizar a necessidade de recuperação de seus instrumentos de política comercial, teria apenas explicitado uma reserva manifesta entre as economias menores do bloco. Como o Ministro Domingo Cavallo não dispusesse de opções nas áreas trabalhista, social, monetária e cambial, a única variável macroeconômica que poderia manipular seria a política tarifária, o que inspirou a política de ‘enpalme’, ou câmbio duplo, em detrimento de dispositivos do Tratado de Assunção. Buenos Aires está, nesse sentido, defendendo medidas domésticas destinadas a rever seus CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS – CEBRI Rua Dona Mariana, 63, Botafogo, Rio de Janeiro – RJ 22280-020 Tel. (021) 219-4467 a 69, endereço eletrônico [email protected] Presidente do Conselho Curador: Luiz Felipe Lampreia Diretor Executivo: Mário Marconini compromissos no âmbito do bloco, com vistas a aumentar a competitividade de sua economia e a reduzir os entraves concernentes à gestão de seu regime cambial. Na prática, tais medidas estariam dando início ao processo de desmantelamento da TEC. O Paraguai decidiu recentemente impor tarifas médias de 10% numa extensa lista de produtos importados de seus sócios do Mercosul. Já o Uruguai tem-se mostrado cada vez mais inclinado a conferir prioridade à ALCA em detrimento do Mercosul; d) A agenda de negociações da ALCA e o aprofundamento de parcerias com a União Européia levaria a TEC a perder a importância prática que tem demonstrado desde a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, qual seja, a de apresentar a região como um bloco comercial compacto, que pudesse fortalecer sua posição negociadora diante dos mercados internacionais. Com a ALCA e o Acordo Mercosul - UE, as margens de preferências oferecidas pela TEC tendem a diluir-se e a perder importância no médio e no longo prazos. O problema, mais político do que técnico-econômico, seria o de permitir que uma certa homogeneidade tarifária pudesse ser gestada de fora para dentro e não a partir de uma coincidência de visões entre os países do Mercosul; e e) A questão, portanto, não seria propugnar pela consolidação da TEC, mas estimular fontes alternativas de desenvolvimento que preservem iniciativas soberanas de definir políticas comerciais externas. Dentre as possibilidades aventadas, falou-se muito em se instituir instrumentos regionais de financiamento à atividade produtiva nos países do Mercosul, mediante, por exemplo, a expansão regional da ação do BNDES ou de um fortalecimento e capitalização da Corporación Andina de Fomento (CAF) e do Fondo de Desarrollo Del Plata (Fonplata). Integração Física como pré-condição para as Integrações Política e Econômica A Força-Tarefa foi unânime em enfatizar o baixo grau de integração física entre os países sulamericanos, mesmo entre os países do Mercosul, o que constitui um obstáculo considerável, talvez o maior deles, às iniciativas políticas de integração. A precariedade das vias de comunicação, a ausência de uma interconexão energética, a inexistência de um fluxo de pessoas e serviços significativo para a economia regional, a multiplicidade de regulamentos e normas técnicas conflitantes, a baixa eficiência das práticas aduaneiras e a estrutura tributária descoordenada dos países do Mercosul revela a necessidade de uma integração de fato entre movimentos trans-fronteiriços que redundem em eliminação de entraves ao comércio, ao tráfego de pessoas, mão-de-obra, serviços e bens intangíveis. Sem investimentos decididos em infra-estrutura física o Mercosul e outras tentativas de integração regional padecerão da base necessária para a implementação de suas diretrizes políticas e econômicas essenciais. Questões e Debates - - Foi apontada uma virtual inexistência de política de desenvolvimento do Brasil num cenário pós-TEC, isto é, num cenário em que a maior parte do comércio exterior do Brasil, em termos de movimento e valor, esteja inserida em acordos de liberalização comercial, sobretudo a ALCA e o acordo Mercosul - UE. A necessidade de se pensar essa política se torna ainda mais premente na medida em que se reconhece, como foi feito na reunião inaugural da força-tarefa, que comércio e desenvolvimento não andam necessariamente juntos. O Brasil tem, portanto, que pensar seu modelo de desenvolvimento simultâneamente à avaliação das condições em que participará de blocos econômicos mais abrangentes que o Mercosul; Destacou-se a necessidade de uma estratégia ‘minimalista’ de curto prazo para o fortalecimento do Mercosul e a atenuação da crise gerada pelas reações argentinas à sua grave situação interna, que envolve quatro iniciativas: a) flexibilizar a TEC, sem abandoná-la por completo, realizando-se reformas tributárias e tarifárias que visem a harmonizar a realidade dos quatro países; b) aprofundar investimentos de infra-estrutura que compensem, pela maior eficiência econômica resultante, as perdas de coordenação resultantes da flexibilização da TEC; c) favorecer a integração setorial, mediante novos financiamentos e adoção de mecanismos de proteção temporária; d) estimular a expansão horizontal do Mercosul, mediante a integração da Bolívia e do Chile. CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS – CEBRI Rua Dona Mariana, 63, Botafogo, Rio de Janeiro – RJ 22280-020 Tel. (021) 219-4467 a 69, endereço eletrônico [email protected] Presidente do Conselho Curador: Luiz Felipe Lampreia Diretor Executivo: Mário Marconini