CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-19. A UFES E A REFORMA UNIVERSITÁRIA DA DITADURA: DOS ACORDOS MEC-USAID À REAÇÃO DO ESTUDANTES Alexandre Caetano Resumo Este trabalho procura analisar a reação do Movimento Estudantil (ME) diante da reestruturação acadêmico-científica da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), elaborada entre os anos de 1966 e 1968. Naquele período, o ME em todo o país se mobilizava e protestava contra os acordos celebrados entre o regime militar e agência norte-americana United States Agency International Developmet (USAID), para a efetivação da Reforma Universitária no Brasil. Pretendemos demonstrar que a Ufes foi uma laboratório dessa reforma e estabelecer até que ponto essas questões não passaram ao largo do ME local em função de sua ligação com a prática e as bandeiras defendidas pelo movimento nacional. Palavras-chave: Movimento Estudantil; Ditadura Militar; Reforma Universitária; Ufes; Acordos MEC-USAID. Resumen Este trabajo pretende analizar la reacción del Movimiento Estudiantil (ME) ante la reestructuración académico-científica de la Universidad Federal de Espírito Santo (Ufes), que tuvo lugar entre losaños 1966 y 1968. Enaquél momento, el ME se movilizabaen todo el país en protesta contra los acuerdos celebrados entre el régimen militar y la agencia norteamericana United States Agency International Developmet (USAID), para efectivizarla Reforma Universitaria en Brasil. Nuestra pretensión es demostrar que la Ufes fue un laboratorio de esa reforma y determinar hasta quépuntoestos temas no trascendieronel ME local em función de su vinculación com la práctica y las banderas defendidas por el movimiento nacional Palabras-clave: Movimiento Estudiantil; dictadura militar; Reforma Universitaria; Ufes; Acuerdos MEC- USAID. O Espírito Santo, como de resto todo o país, passou por profundas transformações durante a década de 1960, período conturbado da história do Brasil, marcado pela instalação da ditadura apóso golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 e que se prolongaria por 21 anos. Temos pesquisado vestígios da dinâmica e da organização estudantil, para tentar determinar até que ponto o Movimento Estudantil (ME) num Estado periférico como o Espírito Santo nos anos 1960, não foi caudatário do ME nacional, ignorando ou subestimando questões específicas que marcavam a conjuntura regional. Graduado em História pela Ufes. 2 Nossa perspectiva de estudo, baseada na visão de João Roberto Martins Filho (1987), e Marialice Foracchi (1977), procura se despir de qualquer tentação de dar ao ME o caráter épico que ele costuma receber em representações construídas por seus atores e mesmo em muitos dos estudos e pesquisas dedicados ao movimento do período que analisamos. Para Martins Filho (1987, p. 15) a “mitologia estudantil” é resultado de uma reprodução ilusória localizada na própria autoimagem elaborada pelas lideranças universitárias. Baseado no conceito de categoria social de Nicos Poulantzas, Martins Filho vê os estudantes como uma categoria social inserida na classe média, o que faz com que sua situação de classe se torne um fator fundamental na definição do caráter social de sua participação. Entre 1966 e 1968, a Ufes passou por uma reestruturação acadêmica afinada com os princípios da Reforma Universitária pretendida pela ditadura militar, ao mesmo tempo em que os estudantes se mobilizavam em todo país contra os acordos celebrados pelo governo brasileiro, através do Ministério da Educação e Cultura (MEC), com a agência norteamericana United States Agency International Developmet (USAID), que se tornaram conhecidos pela como acordos MEC-USAID.1 A reestruturação da Ufes mudou sua própria configuração física, que de uma federação de faculdades espalhados pela Capital, passou a se concentrar em apenas dois campi, em Goiabeiras e Maruípe Apesar da grande mobilização do ME contra os famigerados acordos MEC-USAID, instrumentos que contribuíram para que ditadura militar estabelecesse as bases para a Reforma Universitária, enfim efetivada com a edição da Lei nº 5.540, em 28 de dezembro de 1968, nos chama a atenção a falta de notícias acerca de mobilização estudantil contra o fato da Ufes ter sido um dos laboratórios da reforma universitária planejada pelo regime militar. Aliás, o que nos parece é que ME local não se deu conta da dimensão do processo de reestruturação que se desenvolvia dentro da Ufes, pois não se pode afirmar que ela tenha sido feita de forma oculta. Publicações feitas pelas entidades estudantis e os depoimentos de algumas de suas principais lideranças, mostram que eles tiveram conhecimento do que se passava naquele momento. É bem verdade que a discussão institucional sobre a reestruturação da Ufes aconteceu no Conselho Universitário e, na maior parte do período analisado, a representação estudantil 1 De acordo com Luiz Antônio Cunha e Moacir de Góes (O Golpe da Educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 26), os Acordos MEC-USAID cobriram todo o espectro da educação nacional, isso é, o ensino primário, médio e superior, a articulação entre os diversos níveis, o treinamento de professores e a produção e veiculação de livrosdidáticos. Entre 1964e 1968 foram firmados 12 acordos. 3 naquele órgão colegiado foi formado por lideranças conservadoras. Mas nada impediria que as lideranças mais combativas levassem esse debate para o conjunto dos estudantes. As publicações a que tivemos acesso tratam de forma apenas informativa o processo que tramitava nos órgãos superiores da Universidade. Na vanguarda da luta contra a ditadura, com uma avaliação da conjuntura política nacional sobre uma crise insolúvel da ditadura militar (REIS FILHO, 1990), os setores de Esquerda parece não terem sido capazes de traduzir esse discurso para a análise de situações específicas, principalmente nos Estados periféricos, onde a mobilização era diferente de Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Naquela época, a representação estudantil no Conselho Universitário, de acordo com o estatuto da Ufes, era formada pelo presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e um representante estudantil eleito pelos estudantes.2 Borgo (1995, p. 74) registra que, em junho de 1966, a Ufes recebeu a visita de Rudolph Atcon, técnico do USAID e autor de um célebre relatório sobre a situação do ensino superior brasileiro, que recebeu o seu nome. Atcon foi posteriormente contratado para elaborar um plano de reestruturação da universidade. O Conselho Universitário aprovou através da Resolução nº 17/67, de 24 de junho de 1966, a criação de uma Comissão de Planejamento, destinada a proceder a reestruturação da Universidade, nos termos da Mensagem nº 06/66, do reitor Alaor de Queiroz Araújo, de 21 de junho de 1966. A senha estava dada para a contratação de Atcon. O artigo 2º da resolução estabelecia que caberia ao reitor a designação ou contratação dos membros que comporiam a Comissão, em número não superior a cinco pessoas, pelo período de dois anos. A poderosa Comissão de Planejamento foi presidida pelo professor Ivan Ramos de Medeiros e era composta ainda por Marcello Antônio Basílio, Stélio Dias e Manoel Ceciliano Sales de Almeida. Os dois primeiros, mais tarde, viriam a ser secretários de Estado da Educação, o primeiro de 1999 a 2002 e, o segundo, de 1979 a 1982. Dias também seria deputado federal por dois mandatos, primeiro pela PDS (1983 a 1987) e, depois pelo PFL (1987a 1991). Manoel Ceciliano de Almeidafoi reitor da Ufes de 1979 a 1982. Atcon apresentou o projeto de reestruturação em dezembro de 1966. O Plano de Reestruturação Acadêmico-Científica da Ufes, estruturado em cima da proposta do técnico do USAID, foi entregue aos membros do Conselho Universitário na reunião realizada em 04 de abril de 1967. O que nos chama a atenção para o “pioneirismo” da proposta da Ufes é que, 2 O DCE da Ufes foi criado em 1963 por estudantes ligados à posições de Direita e estava vinculado à estrutura da Universidade. Os estudantes ligados à Esquerda só viriam a conquistar o DCE em 1967. 4 posteriormente, mesmo sem as alterações feitas pelo Conselho Universitário, o projeto logo depois teve duas edições, uma no Rio de Janeiro e outra pela Universidade Federal de Santa Catarina (ATCON, 1967). Através da Mensagem nº 04/67, de 04 de abril de 1967, o reitor Alaor de Queiroz Araújo explicou que a nova estrutura acadêmico-científica se encontrava dentro do espírito que norteava a política para o ensino superior preconizado pela ditadura militar, através do Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembro de 1966, suplementado pelo Decreto-Lei nº 252, de 28 de fevereiro de 1967.3 É importante destacar que os dois decretos-lei foram editados depois que a Comissão de Planejamento havia sido criada pela Ufes e Atcon apresentado a sua proposta de reestruturação da universidade. Já a Comissão de Planejamento, através do ofício nº 111/67, de 31 de março de 1967, anexado à mensagem e lido na mesma reunião do Conselho Universitário, explicou como foi desenvolvido o trabalho de elaboração da nova estrutura acadêmico-científico. Seus integrantes assinalaram que o conhecimento prévio da estrutura vigente era parte fundamental de sua missão, a fim de que pudessem conscientes da problemática universitária, apresentar ao reitor e ao órgão máximo da Ufes, um plano calcado nas reais necessidades do meio em que a Universidade estava inserida e que viesse de encontro das aspirações dos universitários capixabas e da comunidade espírito-santense. Assim pensando, a Comissão de planejamento fez o levantamento estatístico de toda a Universidade desde o ano de 1962, compreendendo: demandas e oferta de ensino, inscrições nos vestibulares e matrículas nas primeiras séries, atendimento escolar e graduação, relação professor-aluno, etc. De posse desses dados, procedemos a minuciosa análise, através de estudos comparativos entre as unidades de ensino existentes, e entre a Universidade Federal do Espírito Santo e as suas coirmãs localizadas nos diversos pontos do país (ATCON, 1967). Para conhecer os custos reais da Ufes, a Comissão de Planejamento contratou o economista Enyldo Carvalhinho, para que fizesse um levantamento de todas as despesas da Universidade desde a sua federalização, em 1961, até o dia 31 de dezembro de 1966, permitindo estabelecer o custo médio aluno-ano por unidade do ensino. Prosseguindo o relato, a Comissão informa que, em paralelo ao trabalho de diagnose, encomendou ao “conhecido e renomado técnico Rudolph P. Atcon”, um anteprojeto de estrutura pedagógica, que após aceita por ela, passou a constituir o arcabouço do Plano. 3 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 04 de abril de 1967. 5 Sobre o trabalho do técnico Atcon, a Comissão de Planejamento procurou ouvir as vozes mais categorizadas desta Universidade, promovendo seminários com professores e alunos, a fim de que houvesse franco debate sobre a tese apresentada. Do minucioso estudo procedido pela Comissão e dos entendimentos havidos com o pessoal desta e de outras universidades surgiu a necessidade de alguns ajustamentos que, entretanto não alteraram as linhas mestras do anteprojeto elaborado pelo professor Atcon (ATCON, 1967). No final da mesma reunião de 04 de abril de 1968, o reitor Queiroz de Araújo determinou a distribuição do Volume I do Plano de Reestruturação Acadêmico- Científico para os integrantes do Conselho Universitário. O Plano de Reestruturação Acadêmico-Científica seria intensamente debatido na sessão de 10 de abril de 1967. Mas, para se ter uma ideia de como essa discussão se desenvolveu, talvez expressando o quadro de autoritarismo que vivia o país na época, o conselheiro Filemon Tavares disse que o plano não podia ser rejeitado, senão em pequenos detalhes, em virtude dos imperativos legais. A preocupação dele era qual seria a etapa seguinte da reforma.4 O conselheiro João Soares de Mello disse que o que fora apresentado como plano era, no seu entendimento, no sentido estrito, um organograma da futura Universidade, que estava consubstanciado na legislação vigente, restando ao Conselho Universitário apenas aprová-lo. O então presidente do DCE, Jorge Augusto Pires Encarnação, ligado a posições de Direita e estudante da Faculdade de Odontologia, fez um questionamento tipicamente corporativista, indagando como se faria a integração entre aquela unidade e a Faculdade de Medicina, embora dissesse que concordava com a integração entre os dois cursos para a execução de um trabalho em prol da Ciência e do desenvolvimento das duas faculdades. O representante estudantil também questionou os membros da Comissão de Planejamento sobre como ficaria a representação estudantil, pois embora o plano previsse que seria seguida a legislação em vigor, a mudança da Universidade seria radical e as leis, portanto, segundo ele, não seriam mais válidas para a Ufes.5 Além da demonstração de preocupação com a garantia da representação estudantil na nova estrutura, comum às posições das lideranças estudantis da direita liberal naquele período, a manifestação de Encarnação sobre a integração da Odontologia e Medicina, mostra também de onde vinham as maiores preocupações e resistências à propostas previstas no plano. 4 5 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 10 de abril de 1967. UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 10 de abril de 1967. 6 Os representantes estudantis ainda se manifestariam na reunião, mas sem questionar os fundamentos do projeto, seu formato ou os métodos usados para a sua elaboração. Uma importante colocação foi feita pelo presidente da Comissão de Planejamento, Ivan Ramos Medeiros. Segundo ele, embora os Decretos-Lei 55/66 e 252/67 tivessem sido publicados quando o plano já estava sendo impresso, a comissão tivera o cuidado de verificar se o mesmo estava de acordo com os dispositivos legais, chegando a uma conclusão “afirmativa”. O debate sobre o anteprojeto prosseguiria na sessão do dia 12 de abril de 1968 do Conselho Universitário,6 quando os membros da Comissão de Planejamento voltaram a responder aos questionamentos dos conselheiros, dessa vez acompanhados também do economista Enyldo Carvalhinho, que prestou assessoria à comissão. Na sessão seguinte,7 o conselheiro Ademar Martins, diretor da Faculdade de Direito, propôs que fosse nomeado um relator para o projeto do Plano e que fosse dado um prazo de 20 dias para o recebimento de emendas e sugestões, devidamente justificadas, que deveriam ser entregues por escrito ao relator. A proposta foi aprovada e o conselheiro Emílio Roberto Zanotti foi indicado para ser o relator do Plano. Aproximadamente três meses depois, o conselheiro Emílio Roberto Zanotti finalmente apresentou o seu parecer para o projeto e as 22 emendas apresentadas por diversos setores da Universidade.8 O maior número de emendas veio exatamente Faculdades de Medicina e Odontologia e expressaram a preocupação e resistência desses setores à integração dos dois cursos no Centro de Ciências da Saúde, proposta por Atcon. Com a eleição de uma nova diretoria do DCE, no final de maio, a representação estudantil havia mudado, sendo agora formada por Carlos Magno Gonzaga Cardoso, novo presidente da entidade, e Jorge Pires Augusto Encarnação, dessa vez como representante discente. Na reunião, os conselheiros definiram que o relatório sobre o Plano só seria discutido depois que fossem discutidos e votados os pareceres sobre as emendas. A discussão e votação das emendas começaram na sessão de 12 de julho de 1967 e se estenderam pelas reuniões realizadas nos dias 14 e 17 de julho de 1967, sendo que, na última data, foram duas sessões, uma pela manhã e outra à tarde. No debate e conteúdo de algumas emendas, mais uma vez se revela a preocupação dos professores das Faculdades de Medicina e de Odontologia com a integração das duas unidades num único Centro. A apreciação de três emendas, provenientes das duas faculdades, provocou uma acalorada discussão nas reuniões 6 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 12 de abril de 1967. UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 14 de abril de 1967. 8 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 12 de julho de 1967. 7 7 dos dias 14 e 17 de julho, quando elas acabaram sendo rejeitadas, por 10 votos a seis. Em síntese, elas tratavam da conservação das faculdades existentes na época. Respondendo à apreensão dos representantes das faculdades, em seu parecer sobre as emendas, o conselheiro Zanotti esclareceu que a implantação da nova estrutura da universidade deveria se processar de modo gradual e progressivo, em função dos meios propícios à sua execução. “As atuais Escolas e Faculdades serão mantidas no período de transição, devendo, entretanto, ser integradas gradativamente na nova estrutura à proporção que for executada a implantação” (UFES-DAOCS, sessão de 12 de julho de 1967). Na sessão da manhã do dia 17 de julho de 1968, ao fazer a justificativa de seu voto contrário às emendas, o presidente do DCE, Carlos Magno Gonzaga Cardoso, disse que votava a favor do parecer, sem qualquer desejo de apagar escolas ou diminuir a formação profissional de quem quer que fosse sendo favorável à preservação das peculiaridades profissionais de cada área profissional. Conhecido por suas posições moderadas, embora no DCE estivesse à frente de uma diretoria de esquerda, o líder estudantil afirmou que entendia que, na forma como se vinha processando a educação superior no país, osdefeitosdo plano eram superadospelas vantagens, posição que recebeu o apoio de Jorge Augusto Pires Encarnação.9 Por sua vez, o conselheiro João Luiz Horta Araújo, representante da Faculdade de Odontologia, que havia votado a favor das emendas e contra o parecer, justificou seu voto alegando que a extinção de escolas e faculdades propostas pelo plano feria frontalmente a lei. Uma posição que seria negada posteriormente quando, em dezembro de 1968, o Plano foi referendadopelo ditador-presidente da época, Marechal Artur da Costa e Silva. Antes da votação das três últimas emendas, ainda na sessão da manhã de 17 de julho, Carlos Magno Gonzaga questionou o relator do Plano, se existia algum prazo para a execução do mesmo, para que fosse possível “preparar” o meio estudantil e, caso fosse aprovado o plano, se as faculdades teriam obrigação de se adaptar a ele. Zanotti respondeu que havia um prazo a ser cumprido, que dependia da tramitação e aprovação do projeto nos órgãos superiores e que a adaptação das faculdades seria feita de modo gradual e progressivo. Na sessão do Conselho Universitário realizada na tarde de 17 de julho de 1967, os conselheiros aprovaram o parecer do conselheiro Emílio Zanotti favorável ao Plano de Reestruturação, com o voto contrário apenas do conselheiro João Luiz Horta Aguirre. O conselheiro justificou seu voto contrário, pela não aprovação das emendas apresentadas por 9 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão da manhã de 17 de julho de 1967. 8 sua unidade, a Faculdade de Odontologia e para ser coerente com o ponto de vista apresentado pela unidade. Por sua vez, o representante da congregação da Faculdade de Medicina, Thomaz Tommasi, pediu que fosse consignado em ata, por vontade do diretor da unidade, professor Affonso Bianco, que a mesma faria “incontinente” a implantação do Plano de Reestruturação, tão logo ele fosse transformado em decreto. Os dois representantes estudantis, Carlos Magno Gonzaga Cardoso e Jorge Augusto Pires Encarnação, votaram favoravelmente ao projeto. No geral, as emendas aprovadas foram cosméticas e não alteraram nada essencial no plano. Na mudança mais importante, os conselheiros aprovaram a emenda doconselheiro Nelson Abel de Almeida, que propunha que a supressão do Departamento de Educação do Centro de Estudos Gerais (CEG) e que fosse acrescentado o Centro Pedagógico (CP)aos Centros que seriam constituiriam. Foi definida, por exemplo, a mudança do nome dado por Atcon ao Centro de Ciências da Saúde para Centro Biomédico (CBM). O Centro de Educação Física e Esporte passou a se chamar Centro de Educação Física e Desporto (CEFD). O Centro de Ciências Sociais (CCS), por decisão do Conselho Universitário, recebeu o nome de Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE). Uma emenda proposta pelo professor Ademar Martins, definiu que o Centro Agropecuário, que ainda não existia, deveria ser localizado no interior, em cidade a ser definida, após estudos prévios, na época de sua instalação.10 O mais importante é que não há nenhum sinal ou referência de uma discussão mais profunda da parte do ME ou dos estudantes sobre o projeto.Em nenhum momento, os representantes discentes afirmaram ter trazido propostas discutidas com os estudantes. A discussão sobre o Plano de Reestruturação Acadêmico-Científica no âmbito da Ufesnão se encerrou em 1967. As lideranças estudantis teriam mais uma oportunidade de discutir e se contrapor a ele. O Conselho Universitário voltou a apreciar o projeto no ano seguinte, pouco mais de um ano depois de sua aprovação pelo colegiado. Na sessão de 30 de Julho de 1968, a primeira em que participava o novo presidente do DCE, César Ronald Pereira Gomes, militante de Esquerda ligado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR),11 o reitor Alaor Queiroz de Araújo levou ao conhecimento dos conselheiros, o conteúdo do 10 Já na década de 1970, o Centro Agropecuário seria instalado no município de Alegre, na região sul do Espírito Santo. 11 O PCBR foi formado no início de 1968, a partir de uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que defendia a luta armada. Seu principais dirigentes eram Mário Alves (brutalmente assassinado pela ditadura em 1970), Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender. 9 Parecer nº 360/68, da Câmara de Ensino Superior do Conselho Federal de Educação (CES/CFE), que decidiu que fosse baixado em diligência o processo relativo ao Plano de Reestruturação Acadêmico-Científico e a minuta de decreto que se encontrava anexado para sanção do Presidente da República. Além de César Ronald, no final de maio daquele ano, havia sido eleito como representante discente no Conselho Universitário, o estudante de Direito José Carlos Risk, que já havia participado de duas reuniões anteriores do colegiado. Mostrando que havia pressa na apreciação dos questionamentos e pedidos de esclarecimentos feitos pela CES/CFE, o reitor Alaor de Queiroz Araújo encaminhou para o Conselho, além do parecer e da minuta do decreto, a Mensagem da Reitoria nº 04/1968 e o relatório e voto do conselheiro Emílio Roberto Zanotti, definido com relator da matéria.12 Entre outras coisas, o parecer da CES/CFE questionava o processo de fusão das faculdades e a extinção dos mandatos dos então diretores das unidades. Também questionou o nome do Centro de Estudos Gerais (CEG), aspectos relacionados a existência do Conselho de Coordenadores de Carreira e a menção, no anteprojeto, da existência de órgãos suplementares, sem que fossem mencionados quais se pretendiam criar. Na introdução da mensagem enviada ao Conselho, onde já respondia a todos os pedidos de esclarecimentos feitos pelo CES/CFE, o reitor foi preciso: “Como Vossas Excelências poderão verificar, as observações feitas pelo Conselho Federal de Educação não afetam (grifo nosso) a estrutura do Plano encaminhado pela Ufes, o que vem demonstrar o acerto da decisão desse Egrégio Conselho em aprovar o referido Plano”.13 O interessante na mensagem do reitor Alaor de Queiroz Araújo é que ele revela, pela primeira vez, que um conselheiro do próprio CFE, Valmir Chagas, havia sido convidado pela reitoria a vir à Vitória para analisar o Plano de Reestruturação Acadêmico-Científico, tendo em vista o papel decisivo dele nas medidas de reestruturação das universidades promovidas pela ditadura. O conselheiro, a pedido de Araújo, elaborou o esboço do decreto para servir de orientação, quando da apreciação do mesmo pelo CFE. O objetivo seria facilitar a aprovação do plano. Resta-nos dizer que o brilhante parecer do órgão superior da educação no país constitui para a Universidade Federal do Espírito Santo motivo de grande júbilo, já que as sugestões feitas, por não afetarem a estrutura proposta, demonstram que esse Egrégio Conselho Universitário procurou, 12 13 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 30 de julho de 1968. UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 30 de julho de 1968. 10 dentro da legislação que renova as Universidades Brasileiras, dar a nossa Universidade uma estrutura moderna e funcional (UFES-DAOCS, sessão de 30 de julho de 1968). Em seu parecer, o relator do processo relativo ao pedido de diligência feito pelo órgão federal, conselheiro Emílio Roberto Zanotti, que no ano anterior, havia relatado o Plano, também destacou que as considerações feitas pelo relator por isso propôs a aprovação na íntegra da mensagem do reitor Alaor de Queiroz Araújo. Na discussão que se estabeleceu, até porque o anteprojeto de decreto nunca havia sido discutido no Conselho Universitário, foi aprovada por maioria a proposta do conselheiro João Soares de Mello para que fossem suprimidos os parágrafos do artigo 6º do anteprojeto. O parágrafo primeiro, por exemplo, previa a fusão das unidades a partir de quando, em cada caso, expirasse o mandato dos diretores de cada faculdade e determinavaquais deles concluiriam o mandato como diretor de cada Centro criado com a fusão das escolas da estrutura antiga. Já o parágrafo quarto, previa a nomeação provisória de diretores do CEG e do CPe que o diretor da Fafi concluísse o mandato como diretor do primeiro. Os conselheiros aprovaram, também por maioria, a proposta do conselheiro Céphas Rodrigues de Siqueira, que alterava o caput do artigo 5º do anteprojeto do decreto, que previa que seriam desvinculados de setores específicos de conhecimentos os cargos de magistérios constantes no quadro único de pessoal da Ufes. Mais uma vez, nesses casos, estavam em jogo interesses pontuais e específicos das corporações das faculdades então existentes. O conselheiro Siqueira também propôs que o nome do CEG fosse alterado para Centro de Estudos Gerais Básicos (CEG-B), mas a proposta foi rejeitada pela maioria. Ao final da discussão, por unanimidade, com o voto dos representantes estudantis, o plenário do Conselho Universitário decidiu que as novas propostas apresentadas para o anteprojeto de decreto, fossem encaminhadas ao CFE como “sugestões”, com uma justificativa mais precisa do motivo de ter sido escolhido o nome do CEG. Na sessão seguinte do conselho, foi lido o expediente da reitoria que seria enviado ao CFE, redigido de acordo com a decisão tomada pelo colegiado na reunião anterior e contendo os esclarecimentos da Universidade ao Parecer nº 360/68. O presidente do DCE, César Ronald, propôs que cópias do expediente fossem distribuídas aos conselheiros, para que pudesse ser 11 estudado por alguns dias. A proposta foi aprovada pelo plenário e foi definido um prazo de sete dias para a análise.14 Finalmente, na sessão realizada em 19 de agosto de 1968, que não contou com a presença de César Ronald, substituído pelo vice-presidente do DCE, José César Leite, que durante aquela gestão participaria de reuniões do Conselho Universitário com mais frequência do que o titular15, o expediente foi aprovado à unanimidade. No entanto, os conselheiros Romualdo Gianórdoli, da Faculdade de Odontologia, e o representante estudantil José Carlos Risk, expressaram-se, segundo a ata, contrariamente à redação do parágrafo terceiro do artigo 3º do anteprojeto de decreto, que previa que o CBM resultaria da fusão das faculdades de Odontologia e Medicina.16 Mais uma vez, como havia acontecido com as duas diretorias anteriores do DCE, mesmo tendo uma orientação mais clara à Esquerda, a começar pelo próprio presidente, não há nenhum indicativo de que tenha havido algum debate ou discussão mais aprofundada sobre o projeto junto aos estudantes ou mesmo entre as entidades estudantis. É bem verdade que, pode-se até relevar que, dessa vez, a tramitação foi rápida e singular. Mas e o acompanhamento do processo de reforma por parte dos estudantes? Entre os dias 03 e 10 de junho de 1967, o Diretório Acadêmico (DA) da Fafi realizou a I Semana Estadual dos Estudos, exatamente no período em que o Conselho Universitário aguardava emendas para a votação do Plano de Reestruturação. Como resultado do evento, o DA produziu uma revista cultural, contendo as teses apresentadas e aprovadas na semana sobre Mercado de Trabalho, Papel dos Centros de Estudos, Exames de Suficiência, Faculdade de Filosofia e Realidade Nacional. Não há nas 70 páginas da revista, uma única citação sobre o projeto de reestruturação da Ufes. Não se pode dizer o mesmo quanto às referências aos Acordos MEC-USAID. Na tese sobre o Mercado de Trabalho,17 apresentado pelo Centro de Estudos Pedagógicos, ao lado de uma crítica à estrutura socioeconômica brasileira, “completamente ultrapassada historicamente” e ao sistema educacional, dominado por escolas particulares, afirma-se que a situação estaria mais seriamente ameaçada e se agravaria, não somente no plano estadual, mas também 14 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 12 de agosto de 1968. É preciso lembrar que César Ronald foi preso na fracassada tentativa de realizar um congresso clandestino da UNE no município de Ibiúna (SP), em outubro daquele ano, e não retornou mais para Vitória. Ao ser libertado, ele entrou na clandestinidade e ingressou na luta armada. 16 UFES-DAOCS. Livro de atas das sessões do Conselho Universitário. Sessão de 19 de agosto de 1968. 17 CENTRO DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. O mercado de trabalho. Revista Cultural Fafi. Vitória, n. 01, 1967. 15 12 nacional, com a adoção do plano MEC-USAID. “O dito acordo não somente visa colocar a educação totalmente nas mãos de particulares, mas mais do que isso, subordinar-nos a uma cultura alienígena” (CENTRO DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, 1967, p. 19). O plano de luta proposta na tese, fala em “revogação do Acordo MEC-USAID". Na tese sobre a importância dos centros de estudos, apresentado por um grupo de alunos do Centro de Estudos de Letras, propõe-se como meta “Pugnar por Reforma Universitária que atenda às nossas necessidades e colabore o desenvolvimento nacional”. Também se propõe a denúncia da política educacional do MEC, como “política que visa elitizar cada vez mais as Escolas Superiores” e a luta contra o acordo MEC-USAID, o Plano Atcon e “qualquer tentativa nefasta ao interesse nacional”. Outra proposta é a formação de comissões de estudos sobre a reforma universitária.18 Na tese apresentada pelo então estudante de Pedagogia da Fafi, Renato Viana Soares (1967), sobre os exames de suficiência, há mais uma referência genérica ao Acordo MEC-USAID. Entre as medidas que, segundo Soares, tinham como objetivo o “desincentivo” a formação de professores, estava a transformação de colégios oficiais em fundações, o que subordinaria a educação nacional aos Ford e Rockfeller, segundo ele, como já estaria subordinada ao acordo MEC-USAID. A tese Faculdade de Filosofia e realidade brasileira, apresenta a proposta de que alunos da Fafi se unissem aos demais estudantes brasileiros, que denunciavam a Reforma Universitária proposta pelo governo, uma vez que ela foi elaborada sob a aprovação e dependência de um governo estrangeiro (Acordo MEC-USAID) e “obediente ao Plano Atcon, que tem como características – privatização, elitização, alienação e afastamento do estudante da vida nacional, tolhendo seu direito de participação”.19 Isso quando se discutia na Universidade um projeto de reestruturação elaborado pelo mesmo Rudolph Atcon! O DCE da Ufes, em agosto daquele mesmo ano, lançou o jornal da entidade, portanto, depois que o projeto de reestruturação já havia sido aprovado pelo Conselho Universitário. No entanto, ele é tratado de forma meramente informativa, sem nenhum tipo de crítica ou uma análise mais aprofundada sobre seu conteúdo. As páginas centrais do jornal são dedicadas à uma entrevista do reitor Alaor de Queiroz Araújo, que fala, entre outras coisas, sobre a reforma da Ufes e a participação estudantil, a cidade universitária e o Acordo MEC-USAID. 18 19 IMPORTÂNCIA dos Centros de Estudos. Revista Cultural Fafi, Vitória, n. 01, 1967 p. 29-30. FACULDADE de Filosofia e realidade nacional. Revista Cultural Fafi, Vitória, 1967, p. 61. 13 Ao ser perguntado sobre até que ponto o acordo MEC-USAID influiria na reforma da Ufes, Araújo afirmou que ele foi iniciado depois que a universidade havia começado os estudos para a elaboração dos Planos de Reestruturação Acadêmica-Científica e Física, e antes dos Decretos-lei 53/66 e 252/67. A esta altura já estamos com o projeto de Estrutura Acadêmico-Científico pronto e aprovado pelo Conselho Universitário. O Plano de Estrutura Física concluído e em fase de execução com os pavilhões a serem construídos no Campus em concorrência pública e outras providências a serem tomadas, como a reforma administrativa. Tudo agora feito com um mínimo de recursos financeiros e com o pessoal da nossa própria universidade. Assim, não vejoa como o Acordo possa influir, substancialmente, na Reforma da Universidade Federal do Espírito Santo, mas acrescento que, qualquer recurso que vier para somar a esse trabalho que, graças a Deus, já reputo irreversível e gigante, será bem recebido (CARDOSO; PIGNATON, 1967, p. 5). O curioso é que, ao referir a aspectos básicos da reestruturação da Ufes, o reitor destacou exatamente pontos básicosque fundamentaram a Reforma Universitária da ditadura, como a necessidade de evitar dispersão e duplicaçãode recursos e meios e a estruturação em departamentos. O ponto básico para a reforma da universidade seria a estruturaçãodos campos básicos do conhecimentohumano, de maneiraindependente do controle das carreiras, ao mesmo tempo em que os integre em si de tal forma, que cada campo ajude o desenvolvimento todos demais, enquanto todos, em conjunto sirvam [ilegível] às finalidades da Universidade. Isto, decididamente, processadoe equacionado, vai permitir, entre outras coisas, economizar os recursos materiais e humanos da Universidade, [ilegível] e concentrando todos os serviços afins num só lugar [ilegível) todos os professores do mesmo campo numa mesma unidade e todos os estudantes que vão cursar determinadas disciplina na unidade correspondente ao seu campo (CARDOSO; PIGNATON, 1967, p. 4). Outros pontos nos chamaram atenção no jornal do DCE, cuja edição foi apreendida ainda na gráfica pela Polícia Federal. Uma nota faz referência à uma conferência proferida na Ufes pelo conselheiro do CFE, Valmir Chagas. Como vimos anteriormente, Chagasfoi convidado pelo reitor para analisar o Plano de Reestruturação Acadêmico-Científico e, posteriormente, elaborou o esboço do decreto para a apreciação do mesmo pelo CFE. É provável que o conselheiro já estivesse na Capital capixaba com esse objetivo. No mesmo jornal, o DCE publicou, na íntegra, a Carta de Princípios do XXXIX Congresso da UNE, realizado clandestinamente num convento em Vinhedo (SP), que reafirma a luta contra o acordo MEC-USAID e a Reforma Universitária da ditadura. Outra matéria, sobre a Semana do Estudante Secundário, realizada pela União Municipal de Estudantes Secundaristas (Umes) 14 de Vitória, faz referência à uma conferência organizada pela entidade com o então senador Mário Martins (MDB-RJ), que falou sobre os acordos do Brasil e os Estados Unidos que, segundo a publicação, revelavam a invasão estrangeira que o Brasil estava sofrendo e a “nossa total subordinação a interesses estranhos" (GOMES, 1967, p. 2). Mas antes mesmo que oPlano de Reestruturação Acadêmico-Científico fosse aprovado, o jornal do DA da Fafi, em março de 1967, entrevistou Stélio Dias, integrante da Comissão de Planejamento, para falar sobre a Reforma Universitária. O tom da entrevista mais uma vez é apenas informativo. Dias é questionado se a reestruturação da Reforma Universitária iria resolver o problema do ensino superior e se existia um padrão de reforma para todos os Estados. Mas sobre o conteúdo da reestruturação da Ufes, as perguntas se referiam apenas à futura situação da Fafi. Não há questionamentos sobre processo, que nem sequer foi criticado. Mas e as lideranças doME diante da reforma e de sua posição contra os acordos MECUSAID? Questionado sobre sua posição no Conselho Universitário, Carlos Magno admite que votou a favor do plano de reestruturação da Universidade, mesmo contrariando a posição de vários grupos que haviam apoiado sua eleição para a presidência do DCE. Eu fui dos responsáveis, vamos dizer assim, pela modificação desse negócio. Hoje eu até revejo um pouco essa posição, talvez o voto tenha sido realmente errado, não só pelo problema político, mas porque talvez não fosse ideal essa situação de centros. Mas também não sei se o melhor era o esquema de faculdades, falando em termos de reestruturação. Sinceramente não sei. Rever é fácil, vinte anos depois, não é? (GONZAGA, 1995). O então estudante de Economia e diretor do DCE na gestão de Carlos Magno, Antônio Caldas Brito, garante que houve discussão sobre o projeto e joga a responsabilidade em cima do expresidente da entidade. Ele diz lembrar-se dessa discussão no movimento, mas pondera que as lideranças estudantis não teriam conseguido popularizar aquela bandeira, porque havia um apoio muito grande da imprensa naquele momento à influência norte-americana.Ao ser perguntado se o movimento não tinha tido a dimensão da reforma, Caldas Brito insistiu que ele não teria tido é força. Além disso, segundo ele, Carlos Magno era uma liderança conciliatória, que não teria levado a discussão para a diretoria, porque sabia que a posição da maioria, que era ligada à posições de Esquerda, seria contrária. Sobre o voto favorável dos representantes estudantis mais combativos na discussão de 1968, quando o plano havia retornado à Ufes, Caldas Brito atribui a posição à possíveis pressões 15 que eles estariam sofrendo, diante do ambiente repressivo que se vivia na época, se referindo especificamente à César Ronald. Eu acredito que ele deve ter recebido pressões muito fortes para ter votado isso, porque sabia que nós, diretoria do DCE, sempre fomos contra. Uma das principais bandeiras do movimento. Acho que eles receberam uma pressão muito grande para votar favorável e o César, apesar de ser uma liderança combativa muito forte, não sei se teve consciência da amplitude e de que podia ser realmente essa reforma do MEC-USAID (BRITO, 2012). Já o ex-presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), José Cipriano da Fonseca, garante que os estudantes fizeram manifestações contra os acordos MEC/USAID e procuravam falar sobre ele, mas não se lembra de ter ouvido falar sobre a presença de Rudolph Atcon no Espírito Santo. Com relação à votação feita pelo Conselho Universitário, ele disse que a mesma deve ter acontecido no final de 196720, quanto ele já estava mais afastado do movimento de massas, já que fazia parte do Comitê Central do PCBR e estava engajado mais na organização do partido. No entanto, ele corrobora em parte a versão de Caldas Brito sobre Carlos Magno. Eu me lembro de que houve uma fase de queimação muito grande com Carlos Magno e a própria esquerda começou a pichar. Talvez seja em função disso aí, agora eu não me lembro. Só lembro que houve uma fase em que ele entrou em desgraça com a Esquerda. Eu acho que deve ser por isso. Me parece até que houve caso de agressão em reunião. Mas eu não me lembro de ter tido uma discussão específica sobre a vinda desse americano (FONSECA, 1995). O então estudante de Odontologia e ex-vice-presidente da UEE, Perly Cipriano, que foi principal quadro do PCB até 1967, quando viajou clandestinamente para a União Soviética, diz que os estudantes ligados à esquerda detectaram a presença de Rudolph Atcon no Estado, mas que não tinham a dimensão dos acordos MEC-USAID, apesar dessa ser uma das principais bandeiras da categoria. Ele se lembraapenas da resistência que havia em relação à mudança das faculdades para o campus de Goiabeiras (CIPRIANO, 1995). Por sua vez, Domingos Freitas Filho, que era ligado à Ação Popular e foi presidente do DA da Fafi em 1968,21 diz que em sua faculdade, os estudantes tinham preocupação em estudar documentos relativos à Reforma Universitária da ditadura e com os rumos que o ensino iria 20 Na verdade, como expusemos anteriormente, o Plano de Reestruturação Acadêmica-Científico foi aprovado pelo Conselho Universitário da Ufes em julho de 1967. 21 A Ação Popular (AP) era uma organização de esquerda católica, formada em 1963, que evoluiu para o maoísmo. Em 1971, passou a se chamar de Ação Popular Marxista Leninista (APML) mas, em 1973, organização aprovou a fusão com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A minoria, que não aceitou a fusão, manteve a sigla até 1982, quando um congresso decidiu pela dissolução da APML. 16 tomar, com a implantação do sistema de créditos e outras consequências dos acordos MECUSAID. Mas Freitas reconhece que, 90% dos estudantes, inclusive as lideranças, não haviam lido nada sobre os acordos MEC-USAID e sequer sabiam do que se tratavam. A gente, que era ligado à AP, principalmente o pessoal da Fafi, procurava organizar grupos de estudos sobre a reforma, trazia palestrantes, realizava seminários e propunha disciplinas na estrutura da reforma universitária. Começamos a trabalhar contra o projeto de reforma universitária dentro dos conselhos e todas as instâncias da universidade (FREITAS FILHO, 1995). O ex-dirigente estudantil, hoje professor aposentado da Ufes, diz que teria sido dispensado da representação estudantil de sua faculdade, exatamente porque os estudantes haviam começado a trabalhar dentro de todas as instâncias, contra a implantação do projeto de reestruturação. De acordo com Freitas, quem trabalhou mesmo na elaboração do plano dentro da universidade, foram Stélio Dias, Marcelo Basílio e Manoel Ceciliano de Almeida. O Atcon mesmo pouco aparecia. Essas eram as pessoas que estavam preparando sua cama, para depois irem para Houston (EUA) fazer o seu doutorado e voltar. Um assumiu a Universidade e o outro virou um político bastante conservador. Aliás, os três sempre foram conservadores (FREITAS FILHO, 1995). Renato Viana Soares, então aluno da Fafi e dirigente estudantil do PCB, foi outro que disse que houve resistência por parte dos estudantes. Para Soares, o plano de reestruturação foi um projeto piloto de reforma universitária dentro dos planos dos acordos MEC/USAID. Mas, segundo ele, ao contrário do que aparenta, o movimento teria reagido e, na época, denunciado o Plano Atcon, realizando inclusive debates sobre o mesmo. Soares disse que tinha uma cópia do plano e também contou que Rudolph Atcon não ficou no Espírito Santo. Ele veio e fez um contrato com a universidade. Era um piloto, fazer o campus de Goiabeiras e o detalhe chegou até à disposição das salas de aula. No CCJE, até recentemente, as salas ficavam de costas uma para a outras, para evitar qualquer tipo de aglomeração estudantil. Foi adotado o sistema de crédito e, está lá no plano dele, para quebrar o espírito de turma e de solidariedade entre os estudantes. E vai por aí afora, a instituição do ensino pago, acabar com a representação estudantil, tudo isso, naquela época, eram as teses que ele levantava (SOARES, 1995). A nova estrutura proposta pelo Plano de Reestruturação Acadêmico-Científica da Ufes seria referendada pelo presidente-marechal Costa e Silva, através do decreto nº 63.577, de 08 de novembro de 1968, 20 dias antes da promulgação da Lei 5.540/1968, que impôs a Reforma 17 Universitária da ditadura. Como podemos perceber, a Universidade capixaba já estava sintonizada com ela. A partir da promulgação do decreto, a Ufes ganhou uma estrutura semelhante a que tem hoje, com nove centros: CEG, CCJE, CBM, CP, CEFD, Tecnológico (CT), Artes e Agropecuário. Nos anos 1990, o CEG viria a ser dividido em dois outros: de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) e de Ciências Exatas (CE) e os Centros Pedagógico e CBM tiveram as denominações alteradas, respectivamente, para Centro de Educação (CE) e Centro de Ciências da Saúde (CCS).22 Como demonstramos, o Plano de Reestruturação Acadêmico-Científico da Ufes foi elaborado por um técnico do USAID e possui o espírito da Reforma Universitária promovida pela ditadura. Mais do que isso, podemos afirmar que, como foi elaborado antes mesmo da promulgação dos decretos-leis que orientaram a reestruturação das universidades federais brasileiras, que a Ufes foi de fato um laboratório para a reforma. Não por acaso, a estrutura prevista no projeto é até hoje, 45 anos depois de sua promulgação, a coluna vertebral da Universidade. Os depoimentos e documentos que conseguimos reunirparecem confirmarnossa hipótese de que as lideranças estudantis, mesmo as mais à esquerda, não tiveram a dimensão de que Ufes era um laboratório da reforma universitária da ditadura. O Plano de Reestruturação Acadêmico-Cientifico, que acabou sendo aprovado com certa facilidade, foimesmo uma estrutura elaboradanas bases dos odiados acordos MEC-USAID. Entretanto, é bom frisar, não pretendemos aqui fazer um julgamento, muito menos qualquer condenação, das lideranças estudantis daquele período, até porque entendemos que eles cumpriram um importante papel na resistência contra o regime militar e na luta pela redemocratização do país. O que pretendemos é lançar as bases sobre a capacidade da Esquerda de fazer uma análiseespecífica sobre a realidade local fora do contexto nacional, especialmente em Estados periféricos como o Espírito Santo.A bem da verdade, os fatos demonstrariam que a própria leitura da conjuntura nacional se mostraria equivocada. Referências 22 Diga-se de passagem que essa era a denominação original proposta no projeto de Atcon, mas que foi alterada pelo Conselho Universitário quando da votação do plano de reestruturação. 18 ALMEIDA JR., Antônio Mendes de. Movimento Estudantil no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981. ATAS do Conselho Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo. ATCON, Rudolph P. Proposta para a reestruturação da Universidade Federal do Espírito Santo. Florianópolis: Imprensa Universitária da UFSC, 1967. BORGO, Ivantir A. UFES: 40 anos de história. Vitória: UFES, SPDC, 1995. BRITO, Antônio Caldas. Entrevista concedida a Alexandre Caetano, Vitória, 2012. 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