UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA – PPECO Herberth Lima dos Santos DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MOEDA: Notas Teóricas à luz da Economia Política do Desenvolvimento Natal/RN 2012 Herberth Lima dos Santos DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MOEDA: Notas Teóricas à luz da Economia Política do Desenvolvimento Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Economia da Universidade do Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia. Área de concentração: Economia Regional Orientador: Dr. André Luís Lourenço Natal/RN 2012 AGRADECIMENTO Embora este trabalho tenha contado com o apoio de inúmeras pessoas, peço licença para abrir mão de citá-las nominalmente. Mas não o faço por imaginar que meu esforço tenha se sobreposto a contribuição de algumas delas. Sem o auxílio de professores, amigos e parentes reconheço que não teria feito essa trajetória. Não lhes cabendo, no entanto, os possíveis erros, equívocos ou falhas que tenha incorrido ao chegar neste ponto. Algumas dessas pessoas tiveram uma importância decisiva. Quero crer que elas saibam o quanto sou grato por suas contribuições. Talvez, por consideração, fosse de bom tom apresentá-las neste momento, mas isso seria muito pouco. Espero, sinceramente, poder retribuir, hoje ou amanhã, de alguma forma, na mesma medida, quica, em maior dimensão, sua generosidade. No entanto, sei que muitas delas não o fizeram na expectativa de receber de minha parte algum tipo de retorno. Para a grande maioria, era normal e instintivo que assumissem o papel que lhes coube. É possível que nunca possa diretamente recompensá-las, mas a vida, creio nisso, poderá lhes ofertar toda bondade, paciência e ensinamentos que a mim foram oferecidos. Da minha parte, não sendo possível responder diretamente ao seu esforço, espero assumir essa importância na vida de outros acadêmicos. Dessa maneira, estaremos juntos no mesmo ciclo de construção do conhecimento mas também desenvolvendo afetividades. Mas tudo isso só tem importância quando lembramos que é apenas parte de algo mais complicado por ser complexo: nossas próprias vidas. Por isso, preciso agradecer outras tantas pessoas. Algumas delas tão importantes quantos as primeiras, outras, talvez, nem tenham percebido que seus pequenos gestos, sua participação coadjuvante garantiram que eu continuasse em pé diante dos inevitáveis obstáculos. Como diria o poeta: “no meio do caminho tinha uma pedra...”. Aos que estiveram comigo na academia, na vida, muito obrigado. Por fim, peço licença para pedir desculpas a cada uma delas por eventuais deslizes cometidos. Tenho certeza que a grande maioria de vocês se encontram nessas palavras. Que Deus os abençoe. RESUMO Este trabalho investiga o raio de manobra que Estados Nacionais e regiões possuem para a formulações de estratégias de desenvolvimento. Resgatando inicialmente o conceito de desenvolvimento como um processo conflituoso, a hipótese desenvolvida é que este apresenta condicionantes internos e externos, em que estes últimos possuem maior preponderância, revelada pelo papel desempenhado pela moeda. Nesse caso, pode-se apontar como subhipótese que os modelos de crescimento com restrição externa, fundamentalmente através do balanço de pagamentos, podem ilustrar o fato de que os países estão submetidos a interações econômicas internacionais que limitam a possibilidade de levar adiantes estratégias bem sucedidas de superação do atraso. Para o caso específico das regiões, aponta-se que a restrição externa continua sendo um elemento de constrangimento ao desenvolvimento regional, porém resgata-se as relações centro-periferia nesse contexto para discutir o papel da moeda e do sistema financeiro como explicação para as disparidades regionais de renda. No front interno, destaca-se a importância das estruturas sociais de acumulação como elemento de coesão interna necessário para a consecução de trajetórias de desenvolvimento exitosas. Aponta-se ainda para importância do Estado nesse processo resgatando algumas das principais contribuições teóricas da economia política do desenvolvimento, incorporando o conceito de globalização nos marcos teóricos apresentados. Essa construção em que o desenvolvimento depende da atuação de condições externas e internas, em que a moeda desempenha um papel fundamental serviu de orientação para as reflexões em torno do desenvolvimento regional. A tentativa foi de transplantar nossas considerações sobre o desenvolvimento em geral para tratar do caso das regiões. Finalmente, conclui-se pela maior confiança em relação a hipótese e sub-hipóteses de partida, o que levou a proposições de políticas econômicas. Palavras-chave: Desenvolvimento regional. Economia Política. Estruturas Sociais de Acumulação. Moeda. Restrição externa. ABSTRACT This work analyses the ability of National States and regions have to formulations development strategies. Redeeming the initial development concept as a conflictual process, the hypothesis is that it presents internal and external constraints, as the latter have a higher preponderance, revealed the role played by money. In this case, one can point to as subhypothesis that the growth models with external constraint, mainly through the balance of payments, may illustrate the fact that countries are subject to international economic interactions that limit the possibility of bringing acylating strategies well successful in overcoming backwardness. For the specific case of regions, indicates that the external constraint remains an element of embarrassment for regional development, but redeems itself the center-periphery relations in this context to discuss the role of monetary and financial system as an explanation for the disparities regional income. On the domestic front, we highlight the importance of social structures of accumulation as an element of internal cohesion necessary to achieve successful development trajectories. It points also to the importance of the State in the process rescuing some of the main theoretical contributions of the political economy of development, incorporating the concept of globalization on theoretical frameworks presented. This construction where development depends on the actions of external and internal conditions, where money plays a key role as a guideline for reflections on regional development. The attempt was to transplant our considerations on the general development to address the case of regions. Finally, we conclude by greater confidence in the hypothesis and sub-hypotheses of departure, which led to propositions of economic policies. Keywords: Regional Development. Political Economy. Social Strutures of Accumulation. Currency. LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADRO 1 – Estratégias e Políticas de Desenvolvimento (anos 1950-1960)................ 53 QUADRO 2 – Determinação das Estruturas Sociais de Acumulação.............................. 56 QUADRO 3 – Balanço Patrimonial da Economia de Dois Países.................................... 89 QUADRO 4 – Fluxo de Transações.................................................................................. 90 LISTA DE SIGLAS BC Banco Central BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BNB Banco do Nordeste do Brasil BP Balanço de Pagamentos CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe CEPG Cambridge Economic Policy Group GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDE Investimento Direto Externo IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada NE Região Nordeste do Brasil NEI Nova Economia Institucional PDE Princípio da Demanda Efetiva PIB Produto Interno Bruto PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PPC Paridade do Poder de Compra OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico SFC Stock-Flow Consistent SSA Estrutura Social de Acumulação STC Saldo em Transações Correntes SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 10 2 UMA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO.................................... 15 2.1 DEFININDO DESENVOLVIMENTO................................................................ 18 2.2 CONDICIONANTES EXTERNOS..................................................................... 24 2.2.1 Formação do poder interestatal............................................................................. 25 2.2.2 Moeda e restrição externa..................................................................................... 29 2.3 CONDICIONANTES INTERNOS...................................................................... 31 2.3.1 Rigidez estrutural.................................................................................................. 32 2.3.2 Centros internos de decisão.................................................................................. 34 2.3.3 Adoção de políticas seletivas................................................................................ 35 2.3.4 Instituições gerais, desenvolvimento específico................................................... 39 3 ESTADO E GLOBALIZAÇÃO........................................................................ 44 3.1 TEÓRICOS DO DESENVOLVIMENTO........................................................... 46 3.2 ESTRUTURAS SOCIAIS DE ACUMULAÇÃO................................................ 54 3.3 GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO................................................... 60 4 TEORIAS DO CRESCIMENTO DESIGUAL................................................ 73 4.1 RESTRIÇÃO EXTERNAS: Ortodoxia e heterodoxia......................................... 74 4.2 O MODELO DE THIRLWALL........................................................................... 81 4.3 O MODELO DE KALDOR................................................................................. 84 4.4 O MODELO DE GODLEY E LAVOIE.............................................................. 87 4.5 RESTRIÇÃO EXTERNA E DESENVOLVIMENTO........................................ 95 5 DESENVOLVIMENTO REGIONAL.............................................................. 99 5.1 RESGATE DA ECONOMIA REGIONAL.......................................................... 101 5.2 O DEBATE REGIONAL NO BRASIL............................................................... 106 5.2.1 A visão precursora do GTDN............................................................................... 108 5.2.2 Liberalismo e outros desenvolvimentismos.......................................................... 114 5.2.2.1 Outros desenvolvimentismos................................................................................ 115 5.2.2.2 A concepção liberal.............................................................................................. 116 5.2.2.3 Caminhando para o debate regional..................................................................... 117 5.2.3 118 O debate regional pós GTDN............................................................................... 5.3 NOVOS ELEMENTOS PARA O DEBATE REGIONAL.................................. 122 5.3.1 Restrição externa.................................................................................................. 123 5.3.2 O tratamento da moeda no espaço........................................................................ 126 5.3.3 A visão pós-keynesiana........................................................................................ 129 5.3.4 A relação centro-periferia: política e moeda........................................................ 134 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 142 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 147 10 1. INTRODUÇÃO As pesquisas sobre desenvolvimento parecem ter ganho novo impulso. Uma pesquisa no Portal de Periódicos da CAPES que liste os artigos publicados nos últimos vinte anos, e que coloque como assunto o desenvolvimento econômico, mostra que mais da metade foi publicada nos últimos cinco anos. Especificamente no Brasil, essa também é uma tendência perceptível. Como aponta Pochmann (2009), o controle sobre a inflação, associado a 25 anos de semiestagnação, aponta para a retomada dessa discussão. O que permite, por exemplo, que publicações façam afirmações no seguinte sentido: “Passados 14 anos (sic) do lançamento do Plano Real, a agenda econômica brasileira mudou. A discussão não se concentra mais nas estratégias para derrotar a superinflação (...). Hoje, a pauta do crescimento e do desenvolvimento de longo prazo ganha espaço” (PAIVA, 2008, p. 4). Na literatura percebe-se a construção de uma grande variedade de teses, o que demonstra a riqueza que o tema compreende. Trata-se evidentemente de uma questão interdisciplinar. A atenção a esse caráter pela comunidade dos economistas poderia evitar o seu tratamento tecnicista, ocupado apenas com a dimensão econômica. De fato, o desenvolvimento pode ser observado a partir de questões como: produtividade, transformação da estrutura produtiva, mudanças nos padrões de bem-estar social, condições de barganha do país ou região no tabuleiro político, entre muitos outros. Mas, em sua essência, o desenvolvimento diz respeito a um debate sobre o futuro, sobre os rumos de uma sociedade, suas metas de longo prazo e as escolhas políticas para atingi-las. O caminho a ser seguido nessa trajetória é um ponto de controvérsia tanto no seio da sociedade quanto entre os pensadores. Em um extremo, haverá a defesa da ideia convencional de que, orientados pela racionalidade, os homens através da ação individual conseguirão atingir seu objetivo. Outras abordagens apontarão para a necessidade de formulação de estratégias coletivas para a coordenação das ações individuais. A materialização deste debate assumirá a forma de uma discussão sobre a maior ou menor necessidade de interferência do Estado sobre os rumos das economias nacionais. E essa disputa não tem apenas um caráter teórico, posto que envolve os direcionamentos de toda a política econômica. Durante toda a década de 1990, por exemplo, a hegemonia liberal se propagou rapidamente por diversas economias emergentes, inclusive Brasil. Esse cenário levou muitos analistas a preverem um processo contínuo de redução do papel do Estado (p.ex., Ohmae, 11 1996). O que esses pesquisadores enxergavam era que o processo de aceleração da globalização, com atuação determinante do capital financeiro, limitava crescentemente a capacidade de ação dos Estados Nacionais, impondo limites à independência e autonomia dos lugares. Porém, mais do que supor que a capacidade de atuação de todos os Estados vem sofrendo uma trajetória necessariamente declinante, parece ser razoável entender que se trata de um processo elástico, no sentido de que pode se ampliar ou diminuir ao longo do tempo, para diferentes países; e que talvez seja mais importante compreender quais as forças que determinam esses movimentos dentro do sistema interestatal (WALLERSTEIN, 1995; ARRIGHI, 1997; FIORI, 1999). Este trabalho ocupa-se fundamentalmente dessa questão clássica da literatura desenvolvimentista: qual o raio de manobra que os Estados Nacionais e regiões possuem para a formulação de estratégias de desenvolvimento? A interpretação aqui desenvolvida é que a capacidade de alterar e operar esse raio de manobra representa o cerne do seu processo de superação do atraso. A partir dessa discussão a hipótese que nos ocupa é que o desenvolvimento está atrelado a condicionantes internos e externos, em que estes últimos possuem maior preponderância, revelada pelo papel desempenhado pela moeda. Nesse caso, pode-se apontar como sub-hipótese que os modelos de crescimento com restrição externa, fundamentalmente através do balanço de pagamentos, podem ilustrar o fato de que os países estão submetidos a interações econômicas internacionais que limitam a possibilidade de levar adiantes estratégias bem sucedidas de superação do atraso. Para o caso específico das regiões, aponta-se que a restrição externa continua sendo um elemento de constrangimento ao desenvolvimento regional, porém resgata-se as relações centro-periferia nesse contexto para discutir o papel da moeda e do sistema financeiro como explicação para as disparidades regionais de renda. Em outras palavras, a capacidade de levar adiante políticas nacionais e regionais de desenvolvimento depende da articulação de forças internas e externas. Porém, como desdobramento do próprio conceito de desenvolvimento incorporado ao trabalho, considera-se que as últimas têm uma capacidade de limitação que revela-se mais fundamental. No debate teórico, tal postura dispõe a perspectiva aqui adotada ao lado dos que não atribuem ao processo de desenvolvimento qualquer caráter automático ou natural. Pelo contrário, de saída se coloca tal processo como problemático, dependente de fatores frequentemente fora do controle dos atores sociais domésticos envolvidos, e que envolve tal grau de dificuldade que raramente obtém pleno sucesso (ARRIGHI, 1999). 12 O trabalho propõe que essa retomada da discussão sobre desenvolvimento precisa incorporar às questões de caráter puramente econômico as suas articulações com os componentes políticos. A bem da verdade, observa-se que alguns pesquisadores apontaram essa conexão (p.ex., HIRSCHMANN, 1958). Aqui, recupera-se parte dessas contribuições, no entanto, procurando construir, a partir de suas análises particulares, uma síntese que permita compreender a totalidade dos condicionantes apontados, mas com a introdução de novos elementos que possam superar algumas de suas aparentes deficiências. Mais precisamente, às observações de caráter macroeconômico são incorporados argumentos já desenvolvidos na economia política do desenvolvimento (BASTOS e BRITTO, 2010; FIORI, 1999, 2007a; FURTADO, 1986) para verificar como os componentes elaborados por esta se materializam naquelas variáveis. A tentativa então é fazer essa conexão entre a macroeconomia e o desenvolvimento, explorando da primeira as variáveis econômicas e extraindo do segundo seus componentes políticos. Porém, essa síntese sobre os condicionantes a partir de teorias particulares será utilizada não apenas para debater o desenvolvimento dos países, mas também para trabalhar nossa sub-hipótese, segundo a qual o desenvolvimento regional, mesmo em uma escala menor, também poderia enfrentar tipo de determinação similar, respeitadas as especificidades da escala em questão. A seguir apresenta-se a estrutura do trabalho apontando, desde já, o caminho escolhido para o desenvolvimento da hipótese e sub-hipóteses sustentadas. A primeira questão a ser discutida é exatamente a definição de desenvolvimento incorporada no trabalho. Sem prejuízo das questões de caráter técnico, ele é interpretado como um processo conflituoso de transformação estrutural; conflito esse que se manifesta tendo em vista as mudanças estruturais que ele enseja na economia, e que acabam por alterar seu perfil produtivo e distributivo. Desse modo, o desenvolvimento tende a provocar cisões, fusões ou alterações entre os diversos blocos de interesses envolvidos. Isso significa que o desenvolvimento envolve, como em Weber, uma relação de poder, e nos leva a discutir quais são os interesses que estão em jogo. De um lado, observa-se que os territórios nacionais, embora politicamente independentes, estão inseridos em uma ordem geopolítica na qual a disputa pelo poder tem um caráter desigual e desigualador. Portanto, os países estão submetidos a uma competição interestatal dentro de um sistema hierárquico, do qual derivam dos seus países centrais decisões e conflitos que determinam em larga escala sua dinâmica e, portanto, a abertura ou fechamento de “janelas de oportunidade” para as suas regiões periféricas. Por outro lado, adicione-se que internamente o desenvolvimento também implica desestabilização de 13 interesses (BRANDÃO, 2007b). Nossa suposição é que a oportunidade criada pelo raio de manobra inicial dado por aquele condicionante externo depende da visão interna hegemônica a respeito da trajetória de desenvolvimento a ser seguida pelo país (JESSOP, 2002). Nesse caso ganha importância o conflito entre ruptura e permanência no campo ideológico, pois determinante do tipo de política econômica mais próxima do curso que se queira seguir. Essas são, fundamentalmente, as questões envolvidas no primeiro capitulo. Como pode-se observar, o debate em torno da ação econômica do Estado tem especial relevância não só pelo arcabouço teórico apontado, mas em função da própria temática do desenvolvimento. As discussões levam dois pontos a serem destacados. A primeira aponta que dentro da definição de desenvolvimento como um processo conflituoso não se pode deixar de perceber que o Estado Nacional não é o guardião das boas políticas e intenções. Trata-se de um componente dentro de uma sociedade hierarquizada, com blocos de interesses distintos, que se entrechocam e que estão a todo o momento buscando posições de poder a fim de determinar políticas conformes às suas visões e agendas (ACEMOGLU et al., 2005). Isso deve exigir que esse conflito, ainda que temporariamente, seja apaziguado a fim de dar uma coesão interna, em que o Estado, em todas suas instâncias, é parte integrante, se conformando de tal modo que busque obter uma composição dos condicionantes internos e externos que favoreça o desenvolvimento econômico. Conforme será apresentado, a ausência dessa percepção foi uma das insuficiências da elaboração da teoria do desenvolvimento que emerge, principalmente, a partir de fins da década de 1950. A segunda questão observa que a discussão sobre a atuação do Estado ganha novo reforço quando a literatura econômica incorpora a ideia de globalização, com destaque para a intensificação do papel do capital financeiro. Em algumas visões (CANO, 2000; IANNI, 2004), esse processo se constituiria em impeditivo para que as forças internas pudessem levar adiante sua estratégia própria de desenvolvimento, de modo que parte das observações sobre os condicionantes internos perderia força. Não é essa a ideia explorada aqui. A globalização será interpretada dentro do processo de concorrência interestatal e que, portanto, não ocorre a despeito do papel do Estado mas sim em função da atuação de um Estado hegemônico, que fornece oportunidades diferentes aos países não desenvolvidos (FIORI 2007a; TAVARES e BELLUZZO, 2007). O segundo capítulo aborda a temática do Estado. Apontada a permanência do Estado como categoria relevante da discussão sobre desenvolvimento econômico, o terceiro capítulo retoma a discussão sobre o processo de concorrência interestatal nas trajetórias de desenvolvimento, de forma a demonstrar que, sendo concorrente, o desenvolvimento não ocorre a todo o momento, em todos os lugares. 14 Exatamente porque esse conjunto de forças não atua favoravelmente a todos os países e em todos os momentos, o desenvolvimento tende a ser desigual, articulando trajetórias econômicas divergentes. Finalmente, o quarto capítulo aborda a especificamente de questões relativas ao desenvolvimento regional. No entanto, a ressalva a ser feita é que este não se constitui num caso totalmente a parte do desenvolvimento “em geral”, mas sim em um caso que denota algumas significativas particularidades. Mas, como será possível observar, mesmo alterando a escala espacial, vários dos argumentos válidos na discussão sobre o desenvolvimento das nações são também válidos na explicação do desenvolvimento desigual, polarizado, que se verifica entre diferentes regiões de um mesmo território nacional. Especificamente, busca-se incorporar a discussão da desigualdade e desenvolvimento regionais partindo do pressuposto de que a complexidade desses fenômenos aceita argumentos em escalas distintas. Desse modo, a identidade sócio-espacial não seria resultado apenas de condicionantes internos mas, sobretudo, da articulação do espaço em suas diversas dimensões. 15 2. UMA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO No estrito campo da ciência econômica, as questões referentes ao desenvolvimento estão presentes desde seus primórdios, em que pese não haver uma sistematização específica dessa área na teoria econômica clássica. Mesmo no pensamento econômico pré-clássico, precisamente nos mercantilistas, é possível encontrar a preocupação de policy markers com os problemas relativos ao atraso econômico dos países, na qual as questões relativas à riqueza estão associadas ao poder e à competição entre os Estados, de modo que as relações econômicas internacionais representam uma dimensão fundamental do poder nacional. Na importância dada às relações comerciais com o exterior se antecipa não apenas o papel do desempenho do balanço de pagamentos, mas, em essência, a centralidade da questão da moeda e possibilidade de desenvolvimento desigual dos Estados Nacionais (BASTOS e BRITTO, 2010; FIORI, 1999). A economia política clássica ao se propor a explicar o movimento de longo prazo da acumulação capitalista, rejeita que o intercâmbio comercial possa ser elemento de geração de desigualdades. Muito pelo contrário, nessas visões, a expansão dos mercados implicaria um processo de universalização da riqueza. Nessa linhagem, é em Ricardo que encontra-se a defesa dos benefícios sobre o emprego e a eficiência alocativa da economia, a partir da especialização produtiva dos países em torno da utilização dos seus fatores de produção mais abundantes. No mesmo sentido, na teoria neoclássica há uma tentativa de despolitizar a economia, portanto, desconsiderando que do poder político territorial, naturalmente desigual, ou do sistema monetário derive alguma implicação econômica significativa sobre variáveis reais (FIORI, 1999). Porém, se o mundo das ideias responde aos acontecimentos, estes nas primeiras décadas do século XX indicavam que a hierarquia mundial, por exemplo, transitava para um processo de mudança de posições, facilmente identificável na passagem do sistema monetário internacional baseado no padrão ouro-libra, vigente entre 1819 e 1914, para o padrão ourodólar, após a Segunda Guerra. Entretanto, deve-se ressaltar sendo esse hiato de tempo preenchido com uma tentativa frustrada de resgatar o padrão ouro-libra após o fim da Primeira Guerra, o que já prenunciava que o centro decisório mundial seria remodelado (MEDEIROS e SERRANO, 1999). A Alemanha, mas principalmente, os EUA ascendiam geopoliticamente. Como contraposição a esse poder central americano constituíra-se na ex-União Soviética, seu 16 contrapeso ideológico. Países africanos e asiáticos livravam-se do julgo colonialista e demandavam políticas que dessem conta de suas novas posições no sistema mundial (BASTOS e BRITTO, 2010). Finalmente, verifica-se a consolidação nos países desenvolvidos de uma rede de seguridade social através da implementação de uma rede de instituições de bem-estar social (CHANG, 2004). Em resumo, a economia mundial que se erguera sob a égide da hegemonia liberal sucumbira, tudo somado abre-se a possibilidade de construção de um novo marco teórico, no qual haverá espaço para expressões tais como: planejamento, protecionismo comercial, políticas industrializantes etc. Esse cenário permite que no plano teórico se desenvolva de modo mais consistente uma literatura que ocupa-se de maneira mais concentrada nos determinantes econômicos, políticos e sociais das trajetórias de desenvolvimento, de onde se originam as contribuições de Rosenstein-Rodan, Nurkse , Rostow, Lewis, Myrdal, Hirschman e dos estruturalistas latinoamericanos, dentre os quais sobretudo, baseados nos estudos de Prebisch e Furtado, para citar, provavelmente, os de maior influência na literatura. Desenvolvendo visões sistêmicas (“causação cumulativa”), centrando-se em determinadas condições específicas (mercado interno, subemprego, escassez de poupança), estes autores procuraram fazer uma investigação sobre a assimetria econômica verificada entre os países, com ênfase sobre o problema da industrialização e da estrutura produtiva das nações periféricas. De modo geral, advertidos os riscos de tal generalização, esses autores apontaram os limites da validade dos princípios liberais vigentes para o tratamento das especificidades das nações atrasadas. Tendo em vista que a teoria neoclássica pressupõe a existência de escassez de mão de obra e a constatação de que nas economias subdesenvolvidas apresentava-se um excedente estrutural do fator trabalho concluía-se pela inaplicabilidade do arcabouço teórico liberal (BASTOS e BRITTO, 2010). Ainda no âmbito desses pressupostos, a crítica ao livre-comércio fundamentava-se, a partir das diferentes estruturas produtivas vigentes nas economias periféricas e nas economias avançadas, na contraposição entre os mercados de produtos primários e os industriais, respectivamente – os primeiros basicamente competitivos, com baixa elasticidade-renda e os segundos de natureza oligopólica com elevada elasticidade-renda, o que levaria a uma tendência de queda dos termos de troca dos países em desenvolvimento. Se desse arranjo não derivasse algum movimento de diversificação, previa-se que, caso prevalecesse o livre comércio, esses países estariam fadados à estagnação, prisioneiros de crises cambiais frequentes, já a brecha tecnológica geraria uma tendência ao déficit 17 comercial que, ao cabo, limita o financiamento externo da economia devido aos efeitos sobre o balanço de pagamentos. Balança comercial deficitária transformava-se em saldos negativos da conta de transações correntes que seria financiada pela conta de capitais com decorrente elevação da dívida, gerando um processo de estagnação econômica e dependência externa permanente. Dessa constatação deriva a defesa de uma intervenção do Estado nos fluxos de comércio da América Latina, como parte do esforço de industrialização, necessário à superação dos limites do balanço de pagamentos ao desenvolvimento mas cuja viabilidade exigia que se protegesse a indústria local (DELFIM NETTO, 2005; PREBSCHI, 1964; RODRIGUEZ, 2009). Bastos e Britto (2010) argumentam que o surgimento de um corpo teórico específico para tratar do desenvolvimento decorre de condicionantes históricos que engendram não apenas o aparecimento, mas a forma que essa teoria viria a assumir. Mas não parece que isso venha a ser uma especificidade das discussões acerca desse tema ou, de forma mais ampla, da teoria econômica. É quase intuitivo afirmar que, de modo geral, novos conteúdos e a partir daí as formas que assumem decorrem sempre do contexto histórico no qual estão inseridos. Desse modo que, o tratamento subsequente das questões relativas ao desenvolvimento também continuaram relacionadas a esses determinantes. Daí surgiram novas interpretações, seja através de um revisionismo crítico dos resultados alcançados na primeira etapa em que vigoraram na teoria e na prática as recomendações desse corpo teórico, seja na forma da contrarrevolução neoclássica a partir da ascensão do monetarismo frente ao intervencionismo keynesiano que vigorara nos anos inicias do pensamento desenvolvimentista. Assim é que aparecem novos programas de pesquisa com distintos enfoques metodológicos, alguns tomando como válidos os pressupostos neoclássicos e, portanto, enfatizando as virtudes do mercado autorregulado e outros optando por estender a validade do princípio da demanda efetiva para o longo prazo: modelo de Solow-Swan, os modelos de crescimento endógeno; os modelos kaldorianos, kaleckianos e aqueles liderados pelos gastos autônomos. Entre os extremos desse conflito teórico e, portanto, podendo estando mais ou menos alinhadas a cada uma dessas vertentes, desenvolvem-se visões que incorporam as contribuições da obra de Schumpeter ou que resgatam o velho institucionalismo de Thorsten Veblen, John Commons e Wesley Mitchel, de onde derivaram grupos de pesquisa como o neo-institucionalista, a nova economia institucional, o evolucionista e os regulacionista (BASTOS e BRITTO, 2010; CONCEIÇÃO, 2002; DELFIM NETTO, 2005). Conforme dito, se a história se altera, se o contexto ideológico muda e impõem a necessidade de que a análise possa adaptar-se às novas ênfases, inclusive renovando as 18 interpretações, não se pode negar, de forma absoluta, a permanência de conceitos outrora desenvolvidos. Nesse sentido é que na próxima seção procura-se apontar os principais traços analíticos da visão de desenvolvimento a ser utilizada neste trabalho. Do conceito de desenvolvimento derivado dessa discussão conclui-se que desenvolvimento sempre envolve uma relação de poder, que se manifesta em duas dimensões (interna e externa), mas que encontra-se oculta na hegemônica literatura econômica internacional, baseada num esforço de endogeneização das estratégias de superação do atraso econômico. As sessões seguintes tratam, então, dessas condicionalidades. Na primeira, rejeita-se a argumentação de que os territórios sejam adotados de todas as capacidades de levar adiante uma estratégia de superação do atraso, enfocando o papel das relações econômicas internacionais, isto é, a forma como se organiza a disputa pelo poder entre os Estados Nacionais; e, nesse sistema, como algumas economias periféricas conseguiram empreender trajetórias bem sucedidas de superação do seu atraso econômico. A segunda seção enfoca os condicionantes internos. Remetendo-se ainda a definição de desenvolvimento ao tomá-lo como um processo histórico e conflituoso recupera-se o conceito de rigidez estrutural, a fim de chamar atenção para a permanência de estruturas produtivas arcaicas em países e regiões atrasadas e, ainda, retoma-se o conceito de centros internos de decisão com o propósito de observar nesses processos de desenvolvimento, a luta de interesses entre os diversos grupos sociais. Por fim, aponta-se dois tipos de estratégias, que em momentos distintos foram recomendadas aos países, como possibilidade de superação do seu relativo atraso econômico. De um lado, a adoção de políticas seletivas e, de outro, a construção de instituições favoráveis ao desenvolvimento. As primeiras ficaram vinculadas a um papel mais intervencionista do Estado enquanto o discurso institucionalista foi capturado pela ortodoxia econômica. Em todo caso, a abordagem desenvolvida é que a sujeição de um país ou região num sentido ou em outro está vinculada aos condicionantes ilustrados previamente. 2.1 DEFININDO DESENVOLVIMENTO Numa linguagem estritamente econômica, compartilhada por grupos de pesquisa distintos, o desenvolvimento corresponderia a um processo de acumulação de capital relacionado com o progresso técnico que se expressaria na elevação da produtividade do 19 trabalho e aumento do bem-estar material da população (RODRIGUEZ, 2009). Numa versão mais ilustrada será dito ainda que se “caracteriza por uma conjugação de crescimento rápido e autossustentado, transformação da estrutura econômica, avanço tecnológico, progresso institucional e melhoria dos indicadores sociais” (CASTELAR, 2009, p. 10). Interpretar o desenvolvimento nesses termos obscurece como se dá o processo de acumulação e apropriação do excedente através desse aumento da produtividade. Por isso, recorre-se diretamente às contribuições de Celso Furtado, em que pese, não haver aqui, qualquer tentativa de sistematizar essas ideias, que, ademais, estão distribuídas em diversas obras. Na verdade, esse referencial é resultado da interpretação de que Furtado foi eminentemente um teórico do desenvolvimento. E como tal, rejeitaria qualquer visão mais estreita sobre o caráter da atividade econômica. Por visão estreita, leia-se, oferecer ao campo de estudo da economia tratamentos meramente economicistas. É esse o aspecto fundamental da visão de desenvolvimento a ser explorada neste trabalho, ou seja, a busca na obra “furtadiana” das raízes históricas das questões econômicas sem menosprezo ao arcabouço analítico. Portanto, constitui-se uma tentativa de combinar a realidade histórica com o abstrato, aceitar a técnica, mas não a compreender fora de um mundo de valores socialmente construídos. Furtado (1980) também corrobora com a afirmação de que o desenvolvimento referese a uma maior eficiência produtiva, decorrente do processo de acumulação e progresso das técnicas, que impulsiona a produtividade da mão de obra e cujo resultado para a sociedade será uma maior disponibilidade de bens e serviços, o que por sua vez, corresponderia a um aumento da satisfação das necessidades humanas. Portanto, desprovido de maiores complexidades, o conceito de desenvolvimento econômico corresponderia a um aumento do estoque de capital físico manipulado pelo estoque de capital humano elevando o nível de produção do trabalho gerando mais riqueza para a sociedade. Naturalmente para Celso Furtado, a questão não se encerra assim em termos tão singelos. Ao abordar os elementos de uma teoria do desenvolvimento econômico, Furtado (2008) aponta para o conceito de economia nacional, que englobaria um “sistema político” e um “sistema econômico”, o primeiro referente aos centros de decisão política, o segundo, ao conjunto de atividades econômicas (produção, consumo, acumulação, etc). O autor chama a atenção que o comportamento dos agentes que participam do sistema econômico traduz características da matriz estrutural em que estão inseridos, tais como o regime de propriedade, o controle da riqueza, dos fluxos financeiros e da informação etc. A despeito disso, esses elementos são considerados dados ou isolados na tradição econômica liberal, o que elimina as 20 relações de forças entre classes e grupos sociais. No entanto, são exatamente essas relações conflitais que determinam a própria conformação do direito de propriedade, do controle sobre os fluxos financeiros etc. Portanto, as decisões econômicas não estão isoladas do uso das formas de poder: “o estudo da economia tem suas raízes no conhecimento das estruturas sociais e na forma como nessas estruturas se geram as relações de poder” (FURTADO, 2008, p. 33). Desse modo, a ideia desenvolvimento corresponde a um processo conflituoso de mudança estrutural, que se manifesta internamente, no campo econômico, com alterações sobre o perfil produtivo e distributivo da economia, mas cuja influência se dá num processo global, alterando estruturas políticas e sociais nas sociedades em que esse movimento ocorre. Com efeito: ele [o desenvolvimento] se refere ao crescimento de um conjunto de estrutura complexa. Essa complexidade estrutural não é questão de nível tecnológico. Na verdade, ela traduz a diversidade das formas sociais e econômicas engendrada pela divisão do trabalho social. Porque deve satisfazer às múltiplas necessidades de uma coletividade é que o conjunto econômico nacional apresenta sua grande complexidade de estrutura. Esta sofre a ação permanente de uma multiplicidade de fatores sociais e institucionais que escapam à análise econômica corrente (FURTADO, 1986, p. 90). O desenvolvimento, portanto, só pode ser compreendido como um processo integral, “uma totalidade em movimento, a cujo movimento não é alheia a intencionalidade” (RODRIGUEZ, 2009, p. 626). E por ser intencional envolve conflitos, uma vez que, os agentes que o direcionam terão, na maioria das vezes, interesses divergentes no processo de mudança social e alteração política que essa visão capta nos processos de desenvolvimento. Furtado (1980) desenvolve uma cadeia de raciocínio que permite visualizar como se dá esse processo conflituoso. Diz ele que quanto mais racional for o comportamento do homem, dados os meios de que dispõem, mais facilmente obterá os fins que deseja. Comportamento racional corresponderia a comportamento eficiente e essa eficiência significaria maior progresso técnico. Para ser mais eficiente, o homem desenvolve técnicas que ampliam sua capacidade de utilização dos instrumentos. Essas técnicas se transmitem mediante um processo de acumulação e estão incorporadas tanto no homem, quanto nos instrumentos. O desenvolvimento da capacidade do homem para produzir implica um esforço inventivo e de acumulação, que assume a forma de aperfeiçoamento tanto do homem, como do seu aparelhamento. Mas a capacidade de invenção do homem, fruto da criatividade, não pode ser limitada ao seu caráter meramente tecnicista. 21 O controle sobre o progresso técnico permite a direção do sistema de produção, que ao final, é o que permite a apropriação do excedente. No mais, a busca sobre o controle do excedente consiste, na realidade, um esforço de implantação de um sistema de dominação social que interessa ao agente controlador, cuja posição está fundada na sua capacidade de assegurar a estabilidade da estrutura social mediante sua influência não apenas sobre a direção da atividade econômica mas que também se apresenta no campo político-social. Para Furtado (1980), avanço do progresso técnico consiste, sobretudo, na difusão de uma forma de viver. Para isso desarticular-se-á qualquer sistema de valores preexistente conflitante com a introdução das novas técnicas. Finalmente, o desenvolvimento das forças produtivas diz respeito a um conjunto de modificações estruturais, que tem lugar em certo contexto social e são a resultante da interação de agentes dotados de intenções e de capacidade inovativa, que participam da apropriação do excedente. As complexas sociedades surgidas do desenvolvimento do capitalismo comportam uma multiplicidade de atores e agentes que em parte são o produto da história de cada uma delas e, em parte, o fruto da forma e grau de diversificação assumida pelos sistemas produtivos. Estes agentes empenham-se em apropriar-se de parte do excedente social com vistas a ter acesso a posições de privilégio na estrutura de poder ou na escala de bem-estar. O avanço técnico permite não apenas que mais facilmente se obtenha os fins, como também aumenta a produção destes. Mas o incremento da produtividade a partir da incorporação do excedente ao processo produtivo é condicionado pelo sistema de valores representado pela estratificação social. A estrutura de estratificação é condicionante da base material do excedente porquanto determina o custo de reprodução de seu substrato humano; mas também, e, sobretudo, é condicionante das formas de apropriação e utilização desse excedente. Essas formas repercutem, positiva ou negativamente, sobre a própria produtividade do trabalho, retroagindo sobre as formas de estratificação social e orientando, enfim, o sentido da mudança social. O núcleo do problema reside, pois, nas estruturas de poder subjacentes a determinadas formas de estratificação social, que condicionam formas de produção, apropriação e utilização do excedente. Enfim, o processo econômico de reprodução do excedente explicita, em última instância, a dinâmica de reprodução da estrutura de dominação que lhe é subjacente (VIEIRA, 2007, p. 41). Veja-se o caso das necessidades humanas. Por exemplo, dada as possíveis combinações dos recursos disponíveis e os diferentes bens/serviços que podem ser produzidos, há que se considerar que cada contexto cultural acaba por definir aquilo que é essencial e o que é simples desperdício, ou seja, é a sociedade, que usufruirá da riqueza gerada pelo desenvolvimento, que definirá como essa riqueza se manifestará na forma dos 22 bens e serviços produzidos. A forma que esses recursos assumem e a sua utilização correspondem ao modo como os diversos grupos sociais participam do sistema de dominação social. Ao cabo, é o sistema de dominação social que define o limite das necessidades a serem satisfeitas (FURTADO, 1980). Os recursos acumulados dizem respeito àquilo que não se destina a atender as necessidades imediatas definidas pela sociedade, de uma forma ou de outra, ainda que prevaleçam padrões de consumo desiguais. A decisão sobre o que acumular reflete os valores que regem a sociedade. Logo, a teoria do excedente liga-se à teoria da estratificação social e, portanto, às forma de dominação que engendram as desigualdades na repartição do produto social. Ou seja, a organização social da produção tem suas raízes na apropriação e utilização final de um excedente extraído do trabalho. Enfim, a acumulação está intimamente ligada ao sistema de fins que presidem a vida social. As energias criadoras de uma cultura assumem a forma de recursos que são postos a serviço da coletividade visando reforçar estruturas de dominação social e, às vezes, pretendendo contestá-las. O controle das estruturas produtivas e a capacidade de operá-las constituem as bases do sistema de poder. As pressões, tanto para manter a estruturas de privilégios inerentes à sociedade capitalista como para modificá-la, operam convergentemente no sentido de impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas (FURTADO, 1980). A concepção de desenvolvimento de uma sociedade não é alheia a sua estrutura social e qualquer que seja a política de desenvolvimento, ela estará impregnada de algum viés ideológico. A proposição de Furtado se dá no sentido de demonstrar que as mudanças que se verificam em uma sociedade, originárias do seu processo de acumulação, estarão sempre relacionadas com os condicionamentos relativos à estratificação social e aos sistemas de dominação vigentes. Dessa forma, [...] o processo de desenvolvimento não transborda, não espraia, não entorna, não derrama, (em um certo sentido, “não se difunde”) ele precisa ser arrancado, tensionado, tirado à força, destruindo privilégios e constituindo novas estruturas de poder (...). Desenvolvimento é tensão. É distorcer a correlação de forças, importunar diuturnamente as estruturas e coalizões tradicionais de dominação e reprodução do poder. É exercer em todas as arenas políticas e esferas de poder uma pressão tão potente quanto o é a pressão das forças que perenizam o subdesenvolvimento (BRANDÃO, 2007a, p. 38). Aparentemente, nossa discussão inicial descuidou-se do tratamento referente à questão externa mas essa é uma visão aparente pois o processo de difusão do progresso técnico se dá de maneira irregular sob o comando das economias que produzem as inovações (FURTADO, 23 1992). Dessa compreensão é que Furtado (1980) concluirá que a economia capitalista tende a concentrar renda em favor dos países que tem a capacidade de desenvolver novas tecnologias enquanto que os países atrasados estão limitados a adaptar-se a esse processo. A conformação da relação centro-periferia, central no pensamento estruturalista da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), é em si resultante da propagação desigual do progresso técnico na economia mundial, que tal como já foi mencionado corresponde também a difusão de valores, no caso, os da civilização industrial, que penetram da mesma maneira sobre as estruturas sociais, reforçando a tendência à concentração de renda. Assim é que a evolução das economias periféricas está fortemente influenciada pelas modificações estruturais nas economias centrais, indicando a existência de assimetrias no sistema global. No mesmo sentido, Cepal1 (2002) apud Rodriguez (2009) concluirá que as economias nacionais estão inseridas num sistema que na sua essência caracteriza-se pelo seu desnivelamento, refletindo-se na concentração de capital e geração de tecnologia. Rodriguez (2009) trata dos mesmos problemas a partir de assimetrias que se apresentam na economia mundial, destacando as assimetrias tecnológicas e financeiras. Nosso objetivo até este ponto esteve concentrado em capturar a partir da obra de Celso Furtado, uma visão geral do desenvolvimento, que pudesse permitir enxergar esse processo como uma força totalizante que diz respeito não apenas às estruturas internas e aos jogos de poder que se manifestam nesse espaço mas, sobretudo, às forças externas, tendo em vista que o progresso técnico, base do processo de acumulação e desenvolvimento, advém de agentes que escapam às determinações de estratégias internas de desenvolvimento. Nesse sentido, os tópicos seguintes abordam os condicionantes dessas estratégias tanto no front interno, no qual se apresentam constrangimentos derivados da conformação estrutural de poder gerada historicamente como no espaço externo, delimitador das possibilidades de desenvolvimento. Esse último ponto será abordado a partir da conformação de um sistema de poder que envolve países, territórios e suas moedas. Trata-se do sistema interestatal. 1 CEPAL. Globalización y desarrollo. Santigo do Chile, 2002. 24 2.2 CONDICIONANTES EXTERNOS O desenvolvimento sempre envolve uma relação de poder, que se manifesta em duas dimensões (interna e externa) mas que encontra-se oculta na literatura econômica internacional hegemônica, baseada num esforço de endogeneização das estratégias de superação do atraso econômico. Nos últimos anos a concepção de que a escala local tem poder ilimitado invadiu o debate sobre o desenvolvimento urbano e regional, no Brasil e no mundo. Muitas das diversas abordagens de clusters, sistemas locais de inovação, incubadoras, distritos industriais, etc. possuem tal viés. A banalização de definições como 'capital social, redes, economia solidária e popular; o abuso na detecção de toda a sorte de empreendedorismo, voluntariados, talentos pessoais/coletivos, micro iniciativas, ‘comunidades solidárias’; a crença em que os formatos institucionais ideais para a promoção do desenvolvimento necessariamente passam por parcerias “públicoprivadas”, baseadas no poder de “governança” das cooperativas, agências, consórcios, comitês etc., criaram uma cortina de fumaça nas abordagens do tema (BRANDÃO, 2007b, p. 38). A principal insuficiência teórica desses grupos de pesquisa está na ausência de determinações estruturais como fator condicionante das políticas destinadas à superação do atraso e elevação do bem-estar econômico. Há uma crença, que perpassa grande parte desses estudos de que os problemas decorrentes do subdesenvolvimento poderiam ser superados mediante o aproveitamento de vantagens relativas locais, que determinaria uma personalidade distintiva dos territórios, daí a afirmação de que “o local tudo pode”. Implícito nessa abordagem está a compreensão de que este empreendimento deve se ocorrer com base em um esforço coletivo que envolveria a construção de uma “rede de compromisso” entre os agentes supondo, portanto, uma harmonia de interesses frontalmente contrária à existência de conflitos no sistema de poder derivados da estrutura social, que impõem posições de privilégio quanto aos aspectos econômicos, políticos e sociais. A estratificação social não se constitui em um elemento decisivo do processo de desenvolvimento (BRANDÃO, 2007b). Além de supor que os territórios individualmente reúnem todos os fatores necessários à promoção do desenvolvimento, também se ignora o caráter desigual das relações internacionais ao supor uma homogeneidade do ambiente externo para todas as economias. Dito de outra maneira, as determinações locais surgem dotadas de uma excepcional capacidade de superar constrangimentos cuja origem encontram-se em forças externas ao espaço local (MEDEIROS, 2001). 25 Esta seção busca examinar especificamente como os condicionantes de ordem externa se apresentam nas economias periféricas, partindo da observação do processo de formação do sistema interestatal ou do modo como se organiza a disputa pelo poder entre os Estados Nacionais; e nesse sistema, como algumas economias periféricas conseguiram empreender trajetórias bem sucedidas de superação do seu atraso econômico, diminuindo o catching-up em relação aos países desenvolvidos. 2.2.1 Formação do poder interestatal A visão que incorpora as condições externas está explicitamente admitindo que das posições relativas dos países na ordem econômica internacional decorre sua capacidade de influenciar e ser influenciado, de impor ou apenas responder aos desafios que lhe são impostos. Medeiros e Serrano (1999, p. 120) ao constatarem a tendência de crescimento assimétrico entre os países observam que há uma polarização espacial que distribui desigualmente as oportunidades de aceleração do crescimento e que, portanto, se “(...) a diminuição significativa do atraso relativo dos países da periferia dependem de estratégias internas (...) o resultado final de tais projetos está fortemente associado, em cada período histórico, às condições externas”. A inserção geopolítica é determinante. Logo, a definição de políticas de desenvolvimento deve partir da observação de que o país está inserido num sistema de hierarquia dos Estados Nacionais, baseado na competição interestatal. Mas em que termos se dá essa rivalidade geopolítica mundial, que gera coalizões de poder e de onde se definem as estratégias de atuação dos Estados Nacionais? Fiori (2007a, 2008) se propõe a discutir a formação do sistema interestatal a partir da tese da “explosão expansiva”, em que ilustra que desde o “longo século XIII”, vigente entre 1150 e 1350, vem ocorrendo movimentos de expansão do “universo”, que consistem basicamente em um alargamento do sistema mundial que amplia suas fronteiras ao cooptar territórios até então excluídos. O que há de fundamental nesse processo é que seu impulso inicial é originado exatamente da pressão competitiva entre os Estados na luta pelo poder global, a fim de evitar perder e/ou ampliar posições de preeminência no sistema em que estão inseridos, criando um constante movimento de ordem e desordem, paz e guerra, expansão e crise econômica. 26 Portanto, desse processo conflituoso e competitivo é que são geradas posições de liderança e hegemonia, mas que são transitórias porque submetidas permanentemente à competição com os demais estados e economias nacionais. Considerando as dificuldades para acumulação dos recursos de poder necessários, ainda que alguns países tenham mudado de posição hierárquica, o pequeno núcleo das grandes potências mantém sua centralidade, até mesmo pelo fato de que a maior parte dos Estados nacionais não tem as características das grandes potências, mas é a partir desse centro que resultam decisões e conflitos que determinam a dinâmica do sistema, incluindo as “janelas de oportunidade” abertas para os estados periféricos. Essa ampliação das possibilidades de crescimento dos países “dominados” emerge da orientação geopolítica dos países centrais dentro do sistema interestatal, em função das rivalidades existentes entre estes, mas também do modus operandi do regime monetário internacional, porque permite ao país emissor da moeda de reserva mundial maior possibilidade de controle sobre o financiamento e expansão dos mercados (MEDEIROS e SERRANO, 1999). A partir dessa interpretação, os autores tipificam os processos de desenvolvimento em função do regime monetário internacional vigente em cada época, demonstrando uma inequívoca arquitetura montada a partir do centro que permite que alguns países superem sua condição de atraso. Por exemplo, no período compreendido entre 1889 até 1914, na vigência do padrão ouro-libra, conformam-se dois distintos processos de desenvolvimento, um impulsionado pelas exportações de alimentos e matérias-primas e outro alavancado pela indústria. No primeiro caso, ilustra-se a expansão de países como Austrália, Canadá, Dinamarca, entre outros. No segundo modelo, os Estados Unidos e a Alemanha consistem nos exemplos mais bem sucedidos. As nações agrupadas do primeiro grupo, que emergiram a partir do modelo agroexportador, se beneficiaram da complementaridade entre a produção de suas economias com a demanda oriunda das economias centrais. No entanto, essa condição particular só lhes era favorável nos períodos expansionistas da economia mundial. Às dificuldades decorrentes da situação do balanço de pagamentos da Grã-Bretanha eram enfrentadas com elevação da taxa de juros. [...] na periferia este mesmo movimento tinha o efeito exatamente inverso (...). Na fase ascendente do ciclo estes países se deparavam com demanda forte por seus produtos de exportação, termos de trocas favoráveis, juros externos baixos, e amplos influxos de capital externo. Por outro lado, na fase descendente sofriam simultaneamente um choque negativo de demanda por exportações, queda nos 27 termos de troca, aumentos na taxa de juro externa, além de tendência à saída de capital atraídos pelos juros altos ingleses e pelo risco de crise cambial na periferia (MEDEIROS e SERRANO, 1999, p.126). Portanto, essa relação entre a oferta de bens das economias periféricas e a demanda a partir do centro pode ser compreendida como condição necessária mas não suficiente, dados os movimentos cíclicos das economias capitalistas. Será necessário que esses países consigam se integrar financeiramente, garantindo os investimentos diretos e os empréstimos que permitirão aos países centrais obter controle sobre as fontes de alimentos e matérias-primas e aos países da periferia garantir “a construção da infraestrutura exportadora e a obtenção de equilíbrio no balanço de pagamentos” (MEDEIROS e SERRANO, 1999, p. 127). Ou seja, era preciso que os recursos externos fossem de magnitude suficiente para a obtenção dos saldos comerciais positivos verificados nos períodos de expansão, mas que essa fonte não cessasse nas fases recessivas da economia mundial, através da conta de capitais. Na ausência dessas condições, economia integrada do ponto de vista comercial e financeiro, alguns países que também se orientaram segundo o modelo de desenvolvimento voltado para fora não lograram os mesmo resultados que seus pares integrados. Conforme já se ressaltou a conformação do sistema interestatal ocorreu a partir de um quadro concorrencial entre os Estados na busca pela acumulação de poder. Os processos de desenvolvimento dos EUA e da Alemanha incidiram centralmente na conformação de poder entre os países. Essa mudança de posição hierárquica se deu na vigência de um padrão monetário ainda centralizado na moeda inglesa, a libra. Contraditoriamente é a liderança decorrente do controle sobre a moeda de reserva internacional e, por extensão, das finanças mundiais que permitiram o desenvolvimento do sistema financeiro nacional americano e alemão. Nesses dois países, o desenvolvimento industrial ocorre sob o protecionismo estatal. O tabuleiro do comércio e das finanças internacionais se organizava da seguinte maneira: os novos países industriais mantinham superávits comerciais, inclusive porque seu mercado doméstico era fechado, com a Inglaterra, que financiava seu déficit comercial através das demais contas do balanço de pagamentos. Além disso, para os ingleses havia a Índia e outras colônias com as quais mantinham elevados superávits comerciais e exerciam controle das relações comerciais e financeiras. A expansão americana e alemã ocorreu no momento em que dada a acumulação de recursos em seus territórios se permitem competir com o capital inglês financiando a aquisição dos bens industriais que produziam, garantindo dessa forma, a produtividade de suas indústrias nascentes mediante expansão dos mercados. 28 Será precisamente a montagem de redes comerciais e de pagamentos dos EUA e da Alemanha em torno de suas periferias que minará a função da Inglaterra de centro financeiro e entreposto mercantil da economia mundial. Com a transformação dos EUA em exportadores líquidos de manufaturas e com o crescimento acelerado das exportações alemãs para a Europa, a circulação da liquidez internacional começa a deixar de obedecer as características historicamente montadas pela Inglaterra e que serviram de base para o sistema de pagamentos baseado no padrão ouro-libra (DE CECCO2, 1987 apud MEDEIROS e SERRANO, p. 130, 1999). A transferência do núcleo da economia mundial da Inglaterra para os EUA, ao desfazer sua complementaridade com a periferia, dado o baixo coeficiente de importações americano, naquele período, limita o crescimento dos países ancorados no modelo de desenvolvimento voltado para fora. Além disso, o esgotamento desse arranjo também é resultado de crises, que desmantelam a integração financeira entre os países centrais e periféricos, envolvendo tentativas de restabelecer o padrão ouro-dólar após Primeira Guerra. Essa engenharia envolvendo países centrais e periféricos pode ser novamente identificada a partir do pós-guerra, já na vigência do padrão ouro-dólar, na reconstrução da Alemanha e do Japão, a partir dos interesses estratégicos dos americanos, que favorecem a construção de economias regionais, incorporando as demais economias dessas regiões. Como a Alemanha possuía uma taxa de crescimento maior do que a do restante da Europa ocidental, o déficit comercial que a maioria dos países europeus possuía com esse país não neutralizava o crescimento regional. A alta taxa de crescimento da economia e das importações alemãs junto com as baixas taxas de juros e ampla disponibilidade de crédito comercial intra-regional [sic] permitia que estes déficits fossem financiados com facilidade (...). Em relação aos países do sudeste da Ásia, a política dos EUA passou a ser a de construir uma dinâmica economia regional em torno do Japão. A diminuição das elevadas transferências unilaterais americanas para a Coréia do Sul e para Taiwan com a manutenção de elevadas taxas de crescimento regionais só seria possível com a criação de um amplo mercado externo para a exportação destas economias e amplo acesso ao financiamento internacional. A abertura do mercado americano e a construção de uma economia regional fazia parte desta estratégia (MEDEIROS e SERRANO, 1999, p.134). A ascensão alemã e americana em detrimento da hegemonia inglesa, no século XIX, em que pesem todas as circunstâncias que lhes foram peculiares, demonstra que por mais amplo que possa ser o poder da economia central, este não cerceia de forma absoluta as possibilidades de desenvolvimento de economias concorrentes. Veja-se, ainda, os diversos casos de “desenvolvimento a convite” capitaneados pela hegemonia capitalista americana dado o conflito com a União Soviética, que consistiu em não só permitir, como também promover o desenvolvimento dos países localizados em regiões de 2 DE CECCO, M. The Origins of Postwar Payments System. Cambridge Journal of Economics. 1979. 29 maior importância estratégica. Esse mecanismo permitiu a reconstrução da Alemanha em um projeto associado ao desenvolvimento da Comunidade Europeia, assim como o desenvolvimento a convite do Japão também esteve relacionado à construção de uma dinâmica regional. Coreia do Sul, Taiwan e China também seriam posteriormente alvos da estratégia americana. O que essas experiências parecem demonstrar é que o foco no desenvolvimento econômico por parte das nações está atrelado à construção de relações internacionais que o favoreça (MEDEIROS e SERRANO, 1999). Esses casos parecem indicar que quanto mais ampla a dimensão territorial maior deve ser a capacidade de integrar outras economias ou de criar complementaridades regionais, como foram os casos da Alemanha e do Japão. Em todas essas situações, a arquitetura montada a partir do sistema monetário está sempre relacionada com determinada conformação do balanço de pagamento entre os países, portanto, nesse sistema a moeda permite captar a montagem dessa estrutura. O papel da moeda será mais precisamente explorado na subseção a seguir. 2.2.2 Moeda e restrição externa A contribuição original da abordagem acima está no fato de que transfere para as relações de poder interestatal o processo de internacionalização ou globalização do capitalismo. Nessa visão não há a dissolução entre os Estados mas sim a imposição de interesses a partir de suas distintas posições hierárquicas no sistema mundial. Nega-se a ação do “capital em geral”, mas não rejeita-se a relação entre o expansionismo dos Estados e o desenvolvimento de suas economias nacionais (FIORI, 1999). É possível verificar certa análise de que as empresas transnacionais estariam se tornando cada vez mais “transnacionais” e, portanto, apátridas. O argumento geral se sustenta a partir da tese de que a economia mundial está se tornando cada vez mais sem fronteiras e globalizada e que neste processo estas empresas estariam desempenhando um papel cada vez mais importante, até mesmo de liderança nos processos de desenvolvimento. Uma visão alternativa consideraria que a maioria das empresas transnacionais possui uma base forte, em termos de ativos e atividades de produção, em seus países de origem, e a suposta redução recente na importância dos países de origem não foi nem uniforme em todos os países, nem em todas as indústrias. Segundo Chang (2007), pode-se demontrar que os 30 centros de decisão continuam localizados nos países de origem dessas empresas e que o processo de realocação tende a ter um caráter mais regional, visto que o deslocamento ocorre com base na ampliação das bases em países vizinhos. A questão é que o capital mesmo nos Estados líderes é designado nas próprias moedas nacionais, que consistem num instrumento de poder na luta pela supremacia econômica internacional. [..] todas as “moedas internacionais” foram sempre as moedas nacionais dos Estados “vencedores”. Por isso, pode-se dizer que existe uma hierarquia de moedas que corresponde, mais ou menos, à hierarquia de poder dos seus Estados emissores. Como também pode-se dizer que os sistemas monetários internacionais são um retrato bastante fiel da correlação de força existente, num determinado momento, entre as grandes potências (FIORI, 2008, p. 33). Embora as assimetrias, decorrentes do sistema de gestão política interestatal, possam assumir a forma de diferenças quanto ao poderio militar ou quanto ao controle sobre o progresso técnico, para os países periféricos, emissores de moeda fraca, atribui-se especial relevância ao sistema monetário internacional em função da percepção de que “o papel dos condicionantes externos aparece de forma objetiva no fato de que os países não emissores da moeda central tem sempre que enfrentar e resolver seu problema de balanço de pagamentos”(MEDEIROS e SERRANO, 1999). O fato é que essa condição estrutural impõem limites ao financiamento externo do desenvolvimento desses territórios captada pelos modelos de crescimento com restrição externa (os modelos de restrição externa serão explorados no capítulo 3). Os limites e possibilidades dados pela condição externa relacionam-se com os grupos ou coalizões de poder dentro de cada país. A esses grupos cabe perceber as contradições geradas dentro do sistema em que estão inseridos, considerar, desde sempre, a existência de um status quo internacional construído pelo país central e demais países que estão no núcleo desse sistema. Compreender a vulnerabilidade da economia é questão de domínio interno. Observe-se nesse ponto que tal percepção será sempre uma colagem de interesses dos agentes internos de poder e o comando internacional. A realidade das economias periféricas é condicionada pelas políticas das economias centrais e é a partir disso que deve se analisar as condições internas iniciais. Portanto, de um lado, há a estrutura interna e, do outro, mas complementado-a, o condicionante externo. Esclarecidos esses pontos devem ser elaboradas as estratégias políticas e econômicas que reforcem a prioridade nacional, cujas opções são 31 delimitadas pelas alianças de poder internas, decorrentes da apropriação dos canais de expressão e representação política. 2.3 OS CONDICIONANTES INTERNOS Indicar que nas trajetórias de desenvolvimento há condicionantes externos que tendem a limitar o êxito de estratégias locais em função da assimetria entre os países, sendo essa condicionada ao grau de apropriação do progresso tecnológico, ao poder derivado das armas e, finalmente, da posição que os países assumem do dentro sistema monetário internacional. Tudo isso não implica negar que há condicionantes internos, que estão atuando para o êxito ou fracasso dessas iniciativas (MEDEIROS e SERRANO, 1999). O próprio conceito de desenvolvimento ilustrado no item inicial não se sustenta sem que se façam considerações a respeito da dimensão interna. Naquele momento enfatizou-se o caráter social do processo de acumulação, que pode ser técnica, mas também representa valores, de tal modo, que a compreensão da dinâmica econômica não pode fugir da forma como se deu e como se altera o processo social. Nesse sentido, o desenvolvimento é, ao mesmo tempo, história e conflito. Para captar esses dois elementos, nessa seção procura-se abordar a ideia de “rigidez estrutural” e o conceito de “centros internos de decisão”. O primeiro capta o processo histórico de formação social, enquanto o outro diz respeito as rivalidades internas entre os diversos grupos de interesse da sociedade. Esse tratamento isolado tem um propósito apenas didático pois reconhece-se que há entre eles uma ligação estreita. Essa seção também procurará enfatizar as diferentes estratégias internas que estariam a disposição dos países periféricos a fim de superar essa condição. Por um lado, na abordagem desenvolvimentista identifica-se um problema estrutural nas economias subdesenvolvidas, cuja superação compreendia a atuação do Estado na economia, inclusive como agente produtor, se assim fosse necessário, mas também como indutor do desenvolvimento através de políticas econômicas de caráter discricionário, baseadas no protecionismo da produção doméstica. Por outro lado, sobretudo a partir da década de 1980, a medida que princípios da teoria desenvolvimentista foram sendo escanteados pelos policy makers na maioria dos países que os adotaram, registrava-se na teoria econômica mainstream a ênfase sobre a necessidade de 32 menor atuação do Estado, cuja ação interferiria no mecanismo de preços regido pelo mercado. Posteriormente, à economia neoclássica, incorpora-se o problema relativo às dimensões institucionais do desenvolvimento (IPEA, 2010). Na visão de Chang (2004), essa visão liberal, combina recomendações de “boas políticas” (abertura comercial, privatização, liberalização, desregulamentação, liberalização dos investimentos) associadas às “boas instituições” (democracia, Judiciário independente, proteção aos direitos de propriedade, burocracia “boa”, etc). 2.3.1 Rigidez estrutural Ainda que os condicionantes externos possam ser qualitativamente mais significativos, no que diz respeito as estratégias de desenvolvimento, não pode-se perder de vista que internamente também há determinantes desse raio de manobra, originalmente delimitados pela geopolítica mundial, que depende dos grupos mais bem situados hierarquicamente na sociedade e que por isso são capazes de subordinar as demandas dos demais agentes. Uma versão extremada dessa equação política é captada por Brandão (2007b) no que denomina processo de hegemonia, definido nos seguintes termos: [...] processo assimétrico em que um agente privilegiado detém o poder de ditar, (re) desenhar, delimitar e negar domínio de ação e raio de manobra de outrem (...). A hegemonia forja um bloco histórico (...) conformado por uma “aliança de classes de longa duração” com capacitação política de dar coesão e unidade a forças heterogêneas, mitigando/contornando suas contradições (...) luta para ter capacidade (...) de dar universalidade a seus interesses específicos (...) a falta de cidadania (...) eterniza classes (...) com pouca “consciência de classe (BRANDÃO, 2007b, p. 8486). No mesmo sentido, Cano (2000, p. 12) chama atenção para as “sequelas da violência, do autoritarismo civil e militar, da escravidão e da estrutura da propriedade da terra... [que] impregnaram nossas estruturas sociais”. Essas interpretações indicam um elevado grau de controle de um único bloco de poder que tende a conservar determinada estrutura produtiva e social no espaço que se queira delimitar. Ainda que apontem para um nível de irreversibilidade, reafirmam a importância das estruturas históricas e o sentido de sua permanência. 33 Mas, antes disso, Myrdal (1972) já propunha um conceito que captava essa tendência à rigidez das determinações estruturais ao sistematizar a ideia de círculo vicioso através do conceito de causação circular cumulativa, no qual chamara atenção para a “constelação circular de forças, que tendem a agir e a reagir interdependentemente, de sorte a manter um país pobre em estado de pobreza” (MYRDAL, 1972, p. 32). Nessa construção há uma tentativa de propor um “método mais objetivo de análise da mudança social...[no qual] o processo social tende a torna-se acumulativo e, muitas vezes, a aumentar, aceleradamente, sua velocidade”. Em que pese a tendência de que tal estado de coisas permaneça inalterável, Myrdal procura observar que existe a possibilidade de que esse processo social pode ser revertido mediante mudanças exógenas e que a atuação política planejada pode ser utilizada com a intenção de sustar o movimento cumulativo. A mudança em qualquer fator que afeta o círculo vicioso poderia modificar os demais fatores e assim desencadear: [...] um processo acumulativo de interação mútua, no qual a mudança em determinado fator seria, continuamente, apoiada pela reação do outro. Assim sucessivamente, de forma circular, todo o sistema se moveria na direção da mudança primária, de maneira cada vez mais ampla. Mesmo que o impulso original cessasse, depois de algum tempo, ambos os fatores teriam se alterado para sempre (...). A melhora de qualquer um deles [fatores] tenderia a ser seguida pela de todos os outros e assim direta ou indiretamente provocaria modificação cumulativa, com novas repercussões” (MYRDAL, 1972, p.39). Disso deriva a conclusão de que se a história tem alguma importância, o passado não deve se constituir na explicação eterna para o atraso presente e futuro ou, no fator limitante do desenvolvimento ad infinitum. Essa suposição implicaria crer numa inércia social absoluta que impediria o processo de transformação estrutural. Ainda que o desenvolvimento não seja a regra - no sentido, de que, nem todos os países estão invariavelmente fadados a alcançar níveis de satisfação e bem-estar socioeconômico elevados, é possível verificar naqueles países que se desenvolveram um processo de transição de estruturas arcaicas para uma configuração social mais desenvolvida, igualitária ou mesmo justa. Em todo caso, esse círculo vicioso apresenta, conforme Myrdal, elevada cumulatividade, de modo que o atraso persistente e duradouro amplia as dificuldades de rompê-lo, ainda que não o impossibilite. 34 2.3.2 Centros internos de decisão Furtado (1961) refletindo sobre a superação da estrutura colonial da economia brasileira observa a presença de dois movimentos que ocorrem naquele momento: de um lado, o deslocamento do centro dinâmico da economia para o setor industrial; do outro, a transferência dos centros de decisão. Esse último ponto reflete as distintas visões internas sobre inserção da economia local em relação à economia mundial. O conceito de centros de decisão está relacionado às relações de força entre as classes dirigentes do país. Especificamente, naquele momento, opunham-se classes ligadas ao setor externo, “afeitas a racionar em termos de economia de exportação de produtos primários”, e do outro lado, os líderes industriais, defensores das “indústrias ligadas ao mercado interno”, que na visão de Furtado gozariam de um “elevado grau de autonomia”. Por fim, chama atenção para o Estado, o “principal centro de decisões”, ao qual atribui “papel básico na consecução do desenvolvimento”. Embora essa visão pareça “carregar nas tintas”, seja porque atribui um caráter excessivamente “iluminista” a ser desempenhado pelo setor industrial, seja porque pareça ignorar a cooptação do Estado por esses grupos de interesse, permite extrair duas considerações quanto às estratégias de desenvolvimento. A primeira, mais geral, e talvez menos original, tendo em vista que a questão da falta de espontaneidade dos processos de crescimento já estivera presente na análise keynesiana e no tratamento do empresário inovador schumpeteriano, ainda assim, nega qualquer voluntarismo quanto ao alcance do desenvolvimento, na medida em que demonstra a necessidade de atuação de um agente capaz de transformar a estrutura produtiva. De qualquer maneira, quanto a questão da espontaneidade dos processos de desenvolvimento, é na obra de Celso Furtado que se demonstra o fato de que o subdesenvolvimento não consiste numa etapa do processo de desenvolvimento, portanto, não haveria nenhuma razão para supor que automaticamente os países subdesenvolvidos alcançariam, no futuro, os padrões das economias avançadas. A segunda questão, essa mais cara à elaboração deste trabalho, é indicar que a trajetória de desenvolvimento de um país, ainda que condicionada por fatores externos, está atrelada ao jogo de forças entre os grupos internos de poder e sua capacidade de ser orientador das políticas econômicas do Estado. Isso porque são esses centros de decisão que podem ampliar as possibilidades geradas a partir dos conflitos existentes no núcleo do sistema interestatal. Ou seja, dada a existência de certo grau de raio de manobra, ao abrirem-se as 35 “janelas de oportunidade”, a partir do centro do sistema interestatal, pode-se através das políticas de desenvolvimento, definidas pela articulação entre o núcleo do sistema e os centros internos de decisão, promover progressivamente um alargamento do raio de manobra inicial. A importância do conceito de centros internos de decisão é que capta toda a discussão inicial sobre o perfil ideológico do desenvolvimento ao que se fez referência quando se discutiu a sua própria definição. As questões relativas à apropriação do excedente, ao processo de acumulação, ao desenvolvimento das forças produtivas estão incorporadas nos centros de decisão porque este reflete a realidade social tanto como uma estrutura, que tem um maior sentido de permanência, quanto como um processo, portanto, dinâmico, passível de transformação. Assim, ainda que se tenha em conta a persistência, a cumulatividade e irreversibilidade na constituição desses núcleos de decisão e, até mesmo, da própria situação do atraso econômico, é exatamente do enfrentamento a partir de possíveis brechas, que derivam a transferência dos centros de decisão. Possibilidades que poderão ter, inclusive, origem externa, tal como no processo de superação da estrutura colonial no Brasil, no qual se verifica tanto uma redução da capacidade de importar, como uma situação de escassez de divisas dado o contexto da Grande Depressão de 1930, que permitiu o alijamento de grupos mais conservadores ligados ao setor externo frente aos grupos de perfil mais desenvolvimentista, que relacionavam um maior grau de autonomia mediante a internalização de setores industriais. 2.3.3 Adoção de políticas seletivas O deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira para o setor industrial permitiu a adoção no Brasil de mecanismos de política seletiva com forte intervenção do Estado, instrumentos já utilizados em outros países nos seus próprios processos de industrialização (Barbosa de Oliveira, 2003). No entanto, posteriormente a utilização desses mesmos instrumentos passou a ser alvo não somente de ataques, mas também interpretados como a própria causa do atraso econômico dos países periféricos (FRANCO 3, 1998 apud CARNEIRO, 2002). 3 FRANCO, G. A inserção externa e o desenvolvimento. Revista de Economia Política. Volume 18, n.3, p. 121-147. 1998. 36 Para substituir o modelo desenvolvimentista, as recomendações de política econômica procuraram resgatar o “velho” liberalismo, que identifica nas relações de mercado o impulso fundamental do processo de desenvolvimento. A essa visão, soma-se a abordagem da nova economia institucional que supõe que a evolução institucional amplia a eficiência desses mercados (MEDEIROS, 2001). Assim, o desenvolvimento seria simplesmente o resultado de “boas” políticas e incentivos “corretos”, o que corresponde, em larga medida, dotar a economia de instrumentos que permitam o livre funcionamento do mercado. Dada a impossibilidade de testar em laboratório os resultados de políticas alternativas, os economistas tendem a recorrer aos exemplos históricos para verificar como se deram as trajetórias das economias que conseguiram ultrapassar a barreira do atraso econômico. Chang (2004), por exemplo, realiza uma pesquisa histórico-comparativa sobre como os países desenvolvidos enriqueceram. Seu ponto de partida é verificar se no processo de desenvolvimento da Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Alemanha, Suécia, Japão, entre outras. De fato, é possível encontrar elementos que sustentem as recomendações atuais pró sistema de mercado/livre-comércio, o que se denominaria como “boas” políticas. Realizando um extenso levantamento de dados aponta-se a inconsistência entre esse discurso e as evidências empíricas do processo de desenvolvimento dos atuais países desenvolvidos. Nesse caso, sua conclusão é que essas nações, em trajetórias de catching-up usaram políticas industrial, comercial e tecnológica para promover o seu desenvolvimento. Contra isso, poder-se-ia argumentar que tais mecanismos foram colocados em prática em outras circunstâncias. A aceleração do processo de globalização, visto como uma força neutra ou natural que foi se impondo e, portanto, inevitável, levou à obsolescência das políticas nacionais porque as transformações ocorridas a partir da expansão dos mercados teriam eliminado as fronteiras territoriais e reduzido a soberania dos Estados nacionais, foi essa interpretação que tornou-se hegemônica (FIORI, 2000). Nesse sentido, para alguns, a alternativa seria a adoção de políticas locais de desenvolvimento, “o âmbito urbano-regional seria o marco natural da atividade econômica (...) é mais que o Estado-Nação, desbordado pelos processos de globalização e menos capaz de articular-se com a diversidade de atores” (BORJA e CASTELLS, 1997, p.250). Enfim, incorporou-se a suposição de que o Estado já não teria condições de exercer o papel estratégico que outrora teve diante das mudanças estruturais na economia mundial, com destaque para a maior integração e interdependência econômica (CHANG, 2003). 37 Mas analisando as experiências recentes, sobretudo de países asiáticos 4, percebe-se que as políticas de atração de empresas transnacionais envolveram não apenas a atuação estatal, mas a imposição de cláusulas contratuais sobre direitos de propriedade, apropriação tecnológica, exigências de conteúdo local, etc. Portanto, não parece haver nenhum tipo de contradição insuperável entre a atração dessas empresas e uma estratégia de industrialização, definida pelo Estado, com foco nas necessidades específicas de determinados tipos de indústrias no país anfritião (CHANG, 2003). A defesa dos instrumentos que se denominam como “boas” políticas traz também implícito o fato de que uma vez presentes esses instrumentos, os países que os adotam tornam-se receptores naturais de investimentos produtivos, ao mesmo tempo em que, na ausência desses mecanismos verificar-se-ia maiores restrições aos investimentos empresariais. Os países, então, estariam concorrendo uns com os outros quanto à atratividade dos negócios e essa disputa seria determinada pela criação de um ambiente pró-mercado através da adoção de políticas com esse viés. No entanto, excluindo-se os países mais pobres que não possuem dotação de recursos naturais ou cujos mercados internos são restritos, os demais países não podem ser vistos como meros receptores de investimentos, o que significa dizer que devem possuir algum poder de barganha, o que lhes permite conduzir uma política industrial seletiva. No que diz respeito às empresas transnacionais há que se considerar também que muitas delas estão envoltas em grande quantidade de custos irrecuperáveis que restringem a sua mobilidade. Finalmente, cabe observar a partir da experiência de países que adotaram políticas seletivas que, muitas vezes, essas empresas estão dispostas a conviver com políticas restritivas. O regime regulatório para as empresas transnacionais consistiria em uma das 4 No item 2.2 já chamou-se atenção para o papel da ordem geopolítica, cabe ilustrar o contexto internacional em que se deu esse dinamismo das economias asiáticas: “A acentuada valorização do iene decorrente do acordo do Plaza ocorrida em 1985, impulsionou um movimento de deslocamento industrial e produtivo do capital japonês para diversos países asiáticos com diferentes graus de industrialização. A valorização das moedas dos quatro tigres (Coréia, Formosa, Cingapura, Hong-Kong) no final da década bem como o término do tratamento preferencial concedido pelos EUA, conduziu a um movimento semelhante de deslocamento industrial e de subcontratação em países como Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas, ampliando e redefinindo a divisão regional de trabalho a partir de movimentos seqüenciais de investimento combinando substituição de importações e promoção de exportações. Ampliou-se e reforçou-se agora através do investimento direto, uma dinâmica regional de divisão do trabalho já em expansão nas décadas anteriores...Uma característica notável do dinamismo destas economias é o ritmo de crescimento das suas exportações manufatureiras e o grande superávit comercial com os EUA. Historicamente a direção exportadora asiática para a OCDE fez parte da estratégia americana do pós-guerra de ampliação de seus interesses econômicos e políticos na Ásia. A manutenção e ampliação deste superávit na última década e a expansão dos investimentos japoneses na região, ao lado do amplo financiamento externo, tem permitido à maioria das economias asiáticas crescer a taxas elevadas e financiar um amplo déficit comercial com o Japão fortemente concentrado em bens de capital. É esta dupla inserção, a de exportadores de manufaturas baratas para as economias da OCDE e a de mercado para os investimentos e as exportações japonesas de bens de capital - favorecida pela possibilidade de acompanharem alternativamente o dólar, que tem conferido amplo dinamismo regional, viabilizando elevadas taxas internas de investimento” (MEDEIROS, p.279, 1997) 38 considerações a respeito da escolha dos locais de investimento das empresas. (CHANG, 2003). No caso dos determinantes desses investimentos produtivos destaca-se a perspectiva de crescimento do mercado.A promoção do crescimento consistiria na forma mais eficaz para atrair IDE (investimento direto externo), reafirmando a relação positiva entre a taxa de crescimento do PIB e a taxa de investimento. Se a promoção do crescimento corresponde ao fator decisivo quanto à atratividade dos investimentos mais do que a adoção dos instrumentos supostos na tese das “boas” políticas, parece ser muito mais decisivo às questões relativas à conjuntura macroeconômica do país (MILBERG, 1998). Implicitamente no tratamento sobre a atratividade dos IDEs dadas as observações que estão sendo feitas neste trabalho, está se considerando sua importância no processo de crescimento das economias que conseguem atrair esses investimentos. Crescimento que estimularia o processo de desenvolvimento das economias periféricas. Nesse sentido, Nonnenberg e Mendonça (2004) analisando os determinantes dos IDEs em 38 países em desenvolvimento, no período 1975-2000, concluem que o PIB do país anfitrião tem efeito positivo sobre a entrada dos investimentos. No entanto, o IDE não consegue afetar o crescimento dessas economias. No mesmo trabalho indicam outros estudos que demonstram a importância de variáveis macroeconômicas, como tamanho do mercado doméstico e potencial de crescimento como determinantes para a atração de IDE. Reafirmando-se, então, que não é necessariamente a adoção de políticas “market friendly” que irão estimular o ingresso de investimentos. Para Chang (2004), o preponderante discurso do desenvolvimento sustentado nas “boas” políticas traz em si um elemento da atitude de “chutar a escada”, que refere-se à possibilidade de que os países desenvolvidos após trilharem o caminho do desenvolvimento esconderiam a forma como atingiram o topo dessa trajetória, o que significaria impedir que os demais a alcançassem e, ao mesmo tempo, garantir sua permanência nesse patamar. Essa atitude de “chutar a escada” remete à questão essencial da coalizão de poder. Dada a competição entre os Estados é razoável supor que os detentores de poder sejam defensores da manutenção do status quo. Porém, isso não implica em perfeita imutabilidade do sistema interestatal e na realidade, em alguns casos, a própria mudança pode se dar no sentido de ampliação do poder de um ou outro país central em detrimento dos seus concorrentes diretos. O desenvolvimento de alguns países ao longo do século XX patrocinados pelos EUA, país central no sistema interestatal, pode ilustrar essa situação (FIORI, 2008) 39 De qualquer modo, desde a década de 1990, a defesa mais radical do liberalismo tem sido repensada, mesmo por analistas mais alinhados ao mainstream acadêmico5, de modo que, na década seguinte, essa tendência não se arrefeceu 6. Os modestos resultados das economias que foram mais fiéis ao liberalismo econômico levariam a vigência de um pósConsenso de Washington, basicamente sustentado na possibilidade de implementação de políticas alternativas àquelas que originaram as sugestões de Williamson (DINIZ, 2007; BRESSER PEREIRA, 2007; FIORI; 2007b). 2.3.4 Instituições gerais, desenvolvimento específico O ponto fundamental no que diz respeito às instituições é que, de fato, nada funciona num vazio institucional, ou seja, sempre haverá instituições atuando num determinado espaço. E isso significa dizer que quaisquer que venha a ser o tipo de política adotada como estratégia de desenvolvimento, as instituições vigentes no seu entorno poderão atuar como seu complemento. Por exemplo, já se afirmou que a partir da década de 1980 verificou-se uma retomada de uma ordem liberal no mundo. No entanto, a atuação dessas forças liberalizantes não atingiram do mesmo modo as periferias da América Latina e da Ásia, pois países como Coréia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong usaram políticas comerciais e industriais seletivas. A propósito disso, algumas avaliações atribuíram o sucesso dessas políticas aos pré-requisitos institucionais vigentes nesses países, os quais não poderiam ser replicados com sucesso em outros países em desenvolvimento com infraestrutura institucional pobres. Por outro lado, ainda segundo essas avaliações, as economias do Sudeste Asiático (Tailândia, Indonésia e Malásia) atingiram um crescimento elevado sem a utilização dessas mesmas políticas seletivas e, portanto, poderiam proporcionar um melhor modelo para outras economias em desenvolvimento (CHANG, 2003). De fato, se os países em desenvolvimento estivessem diante da escolha entre a adoção de políticas industriais e comerciais seletivas ou políticas pró-mercado e se houvesse a garantia de que ambas geram os mesmos resultados, mas que as primeiras exigiriam pré- 5 Nesse sentido, Fiori (1999) destaca: East Asian Miracle (1993), pelo Bird; The Washington Consensus Revisted (1997), por John Williamson, entre outros. 6 Stiglitz (2001, 2002); Chang (2003, 2004, 2007). 40 requisitos institucionais que nas últimas fossem desnecessários, pouca dúvida haveria sobre qual a melhor escolha a ser feita. Mas não é esse o caso. Para nos limitarmos à discussão institucional, ignorando o debate sobre a eficiência das políticas, pode-se afirmar categoricamente que ambas haverão de exigir sempre a presença de determinadas instituições - no máximo, pode-se discutir então quais dessas instituições seriam mais facilmente intercambiáveis. Segundo Chang (2003), as experiências dos países da África Subsaariana mostram que o bom funcionamento dos mercados também exigem uma série de instituições, cuja construção é igualmente, senão mais, difícil do que as instituições necessárias para o sucesso das políticas comerciais e industriais. Portanto, seria mais correto afirmar que as instituições exigidas para o bom funcionamento dos mercados são apenas diferentes daquelas necessárias à implementação de políticas seletivas, logo, não poderia haver a presunção de que as instituições que dão suporte às políticas de mercado são mais simples ou de mais fácil criação do que aquelas necessárias para das suporte às políticas seletivas. No entanto, reconhecer o papel das instituições guarda uma longa distância em considerar a possibilidade de que a reprodução de determinados organismos vigentes em alguns países possam necessariamente desempenhar com a mesma eficiência em outros países a mesma função. E ainda há, de fato, que se reconhecer alguma causalidade entre instituições e desenvolvimento econômico não implica assegurar que este venha a ser resultado de um tipo específico de evolução institucional (CHANG, 2003; MEDEIROS, 2001). Mas essas interpretações – versando sobre a transferência de instituições vigentes em países desenvolvidos para os atrasados e o desenvolvimento como resultado da existência dessas instituições) acabaram sendo incorporadas por organismos, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Suas origens teóricas podem ser encontradas na Nova Economia Institucional (NEI), da qual seus principais divulgadores foram Douglas North e Oliver Williamson. Embora os autores pioneiros dessa tradição, os “velhos institucionalistas”, tenham dado origem a esse programa de pesquisa de modo a se opor ao pensamento neoclássico, na NEI haverá uma reaproximação com esse paradigma, tendo em vista sua vinculação com o individualimso metodológico (CHANG, 2004; HODGSON 7, 1998 apud GUEDES, 2000). A NEI introduziu o conceito de “custos de transação” a fim de explicar a presença de mercados imperfeitos, daí derivando a necessidade de implantar um pacote institucional que reduz tais “custos” (MEDEIROS, 1999). 7 HODGSON, G. The approach of institutional economics. Journal of Economic Literature, v. 36, 1998. 41 Porém, não há fórmula simples de desenvolvimento institucional que os países possam importar e aplicar de forma a promover o desenvolvimento econômico. Dessa maneira, as instituições podem assumir formas funcionais diferentes, e, não exclusivamente aquelas desempenhadas nos países de origem. Nessa mesma perspectiva, deve-se apontar para o fato de que limitar as funções desempenhadas por uma instituição tanto facilita a sua captura por grupos de interesse, quanto negação do seu potencial, no sentido de ter um caráter multifuncional. Além disso, uma mesma função pode ser coberta por mais de uma instituição. Essa multiplicidade funcional das instituições faz com que a tarefa de construir uma instituição seja mais difícil, pois nega-se uma relação inevitável e simples entre uma função desejada e uma forma institucional específica (CHANG, 2003, 2004, 2007). A abordagem de desenvolvimento explorada neste trabalho pressupõe que as trajetórias tendem a ter um elevado grau de especificidade dada a forma como se articulam os grupos de interesses internos e sua relação com os condicionantes externos. Esse ponto de vista dificulta qualquer interpretação que pretenda universalizar mecanismos que foram desenvolvidos dentro de determinado contexto histórico sem que se façam diversas qualificações. Na abordagem institucionalista tradicional verifica-se uma tentativa de impor aos países periféricos a partir da perspectiva dos países desenvolvidos e orgãos multilaterais (como condicionante às políticas de auxílio financeiro aos países periféricos), um padrão global de desenvolvimento institucional baseado num conjunto muito específico de instituições. No entanto, essas tendem a ser mais consequência do que causa do desenvolvimento e, ainda que, em alguns casos, possam contribuir para a expansão econômica, sua importação deveria incorporar inovações específicas de cada país. De qualquer maneira, dada a escassez de recursos dos países em desenvolvimento, a implantação e manutenção dessas instituições pode mostrar-se demasiadamente onerosa, tendo em vista que os aspectos socioculturais de cada país podem dificultar a obtenção dos “nobres” objetivos que elas estariam programadas para gerar, pelo menos, a partir do que se suponha que tenham sido os resultados que proporcionaram aos países que inicialmente as implantaram. Nesse caso, aponta-se para o fato de que as instituições não funcionam no vácuo, mas interagem com outras instituições, formais ou informais, de modo que, a simples importação pode resultar em conflitos derivados da presença de outras instituições e valores morais locais ou mesmo pela ausência de instituições complementares àquela importada. Portanto, a transposição de uma institucionalidade não traz em si nenhuma garantia de que os resultados alcançados em países periféricos serão da mesma magnitude dos obtidos nos 42 primeiros países que as adotaram, supondo que, de fato, essa correlação é verdadeira (CHANG, 2004; 2007). Dialogando de forma mais direta com o a ideia de desenvolvimento aqui adotada, há que se considerar que a construção institucional envolve necessariamente um processo político. Isso significa dizer que o desenvolvimento das instituições não responde exclusivamente às questões de caráter estritamente econômico, mas também é resultado das mesmas determinações estruturais que envolvem os conflitos entre os grupos de interesse. O próprio "mercado" é resultado de um longo processo histórico, cuja existência não pode ser destituída do seu componente político, porque, ao fim, é este quem o regula. Como regra geral, pode-se depreender que não há um modelo de desenvolvimento institucional a ser seguido, ou seja, não há fórmulas. Ao longo do tempo, os países foram construindo os instrumentos que lhes pareceram necessários à obtenção do seu sucesso econômico. No que diz respeito estritamente às instituições foram ganhando conformação de acordo com as necessidades originadas do modo de produção, logo, alternativamente, pode-se argumentar que são as atividades econômicas desenvolvidas num território que vai exigindo a introdução ou reforma das instituições. Ao fim, o tratamento estritamente institucional acaba por não incluir os problemas relativos ao financiamento do desenvolvimento e às questões de caráter monetário originadas a partir do posição geopolítica dos países periféricos. Desse modo, não seria possível compreender o desenvolvimento de outra forma que não seja sem supor suposição que ele só ocorre quando a economia nacional está estrategicamente vinculada ao processo de concorrência entre os Estados Nacionais. Nossas conclusões parciais apontam para o fato que o aspecto dos condicionantes externos e internos, de fato, se verifica no processo de desenvolvimento. A análise desenvolvida aqui procurou demonstrar, por um lado, que o Estado Nacional é parte integrante de um sistema assimétrico de relações internacionais em que as nações buscam acomodar-se em posições hegemônicas; por sua vez, também apontou para as determinações internas, dada a presença dentro de um mesmo território nacional de posições e interesses divergentes. As questões em torno da adoção de políticas seletivas e sobre a presença de instituições também são passíveis de ser analisadas à luz desses elementos. Primeiro, deve-se ter em vista que, em alguma medida, a sugestão quanto a adoção de “políticas boas” e das instituições corretas podem ser apenas mais um componente daquele jogo assimétrico entre as nações. Segundo, quando o Estado escolhe as políticas que pretende adotar, essa não é uma 43 escolha alheia à organização dos seus conflitos internos, muito menos a base institucional em que essas políticas serão adotadas. Assim, parece-nos razoável interpretar que Estado é este que irá fazer parte de uma concorrência interestatal e absorverá as disputas internas que ocorrem no seu território. Essa discussão ocorrerá no próximo capítulo. 44 3. ESTADO E GLOBALIZAÇÃO Seja na análise do sistema interestatal e do processo concorrencial entre os Estados, seja na referência aos blocos de poder interno e na consecução de políticas industriais ou comerciais seletivas, as discussões acerca do processo de desenvolvimento trazem sempre subjacente o papel do Estado na economia. Não por acaso, aquilo que se denominou “teoria do desenvolvimento” e iria se desenvolver a partir dos anos 1950, na abordagem da maior parte dos seus autores chamara atenção à necessidade de intervenção estatal para a superação do problema da pobreza das nações. Essa é uma questão que há de resvalar na disputa teórica que envolve, de um lado, correntes liberais e, do outro, aquelas identificadas com a necessidade de maior intervencionismo estatal (BIELSCHOWSKY, 2000), como é o caso dos autores ligados à teoria do desenvolvimento. Estes, por sua vez, a partir da revolução keynesiana encontrariam um ambiente muito mais propicio à tese do Estado ativo e interventor, ainda que a obra de Keynes não se ocupasse de todos os problemas relativos aos países atrasados (BASTOS e BRITTO, 2010). Como esclarece Fiori (1999, p. 25), a teoria do desenvolvimento “acabou extravasando a revolução keynesiana e o plano estrito da economia ao incorporar progressivamente indagações e conhecimentos históricos, sociológicos e políticos”. Mas, muito antes da consolidação do desenvolvimento econômico como corpo teórico, já se assistira a discussão envolvendo a defesa de que o desenvolvimento repousava sobre a capacidade do Estado em promover políticas destinadas a esse fim. Embora “o pai do argumento da indústria nascente” seja List 8 (1983), que já ilustrara que “em face dos países desenvolvidos, os mais atrasados não conseguem desenvolver novas indústrias sem a intervenção do Estado” (apud CHANG, 2004, p. 14), nos autores mercantilistas já estavam presentes algumas das formulações a respeito de política “industrial”. Nesse sentido é que Reinert e Reinert (2005) apontam a adoção de políticas mercantilistas como um momento obrigatório na transição de economias pobres à riqueza, explicitando e relacionando-as a diversos contextos históricos desde a Inglaterra, a partir de 1485, até a Coréia, na década de 19809. A estratégia chinesa de desenvolvimento liderado pelo Estado a partir de fins do século 8 LIST, Georg Friedrich. Sistema Nacional de Economia Política. Coleção os Economistas, Editora Abril Cultura. São Paulo, 1983. 9 Ainda que chamem atenção que os princípios tenham incorporado alguma sofisticação ao longo do tempo, as doutrinas básicas permaneceriam, destacando, entre outras: monopólios temporários; proteção a atividades específicas em determinadas áreas geográficas; necessidade de um setor industrial diversificado; incentivos 45 XX (MEDEIROS, 2008) poderia ser mais uma ilustração desse processo de transição. O que corrobora a tese de que os mercantilistas, List, Smith e Ricardo, seriam todos autores nacionalistas quando suas considerações são interpretadas dentro do seu contexto histórico e não como proposições atemporais de política econômica, ou seja, defendiam aquelas que lhes pareciam mais adequadas aos seus países naquele instante em que as propunham (MEDEIROS, 2001). Mas, voltando-se aos mercantilistas, distintas interpretações sobre esses autores indicam a questão do Estado como central nas suas preocupações10. Na realidade, as próprias políticas às quais se fez referência anteriormente só podem ser empreendidas a partir da atuação estatal. O que remete aos teóricos do desenvolvimento, os quais como observa Fiori (1999, p. 26) desenvolvem seus projetos partindo “da defesa explícita de um Estado forte, intervencionista e protecionista”. No caso da produção intelectual desenvolvimentista, o que irá diferenciar esses autores quanto ao intervencionismo estatal serão as distintas análises sobre os problemas enfrentados pelos países atrasados. Cada diagnóstico determina o papel que o Estado irá desempenhar. Como já indicado, alguns deles desenvolvem visões sistêmicas, enquanto outros optam por centrar-se em condições específicas, daí decorrendo as diferentes estratégias de superação do atraso. Este capítulo está organizado de forma a compreender que papel o Estado tem a desempenhar no processo de transformação estrutural. Sua organização compreende uma seção inicial a fim de apresentar como os principais autores vinculados à “teoria do desenvolvimento” desenvolvem sua argumentação tanto no que diz respeito ao problema central enfrentado pelos países subdesenvolvidos, assim como a sugestão de atuação do poder público. A seção seguinte parte de uma suposição de que os autores desenvolvimentistas apresentam esse Estado em um vácuo político-institucional, ignorando as coalizões de poder que representa. Para dar conta dessa argumentação, recorre-se a uma linha de investigação marxista definida como estruturas sociais de acumulação. Tal abordagem procura incorporar as interações entre o poder político, as instituições e as estruturas materiais internas. A última seção contempla uma discussão mais recente sobre a relação entre Estado e economia, que aponta o processo de globalização como impeditivo para a execução de políticas capazes de fiscais e crédito direcionado; atividade manufatureira como geradora de empregos, promotora de expansão do PIB e solução para o problema do balanço de pagamentos; proteção de patentes, etc. 10 “a existência de um Estado forte era condição indispensável para a manutenção de uma política econômica com essa ênfase nacionalista” (SANDRONI, 1988); “Os mercantilistas foram os primeiros a tratar da questão [fonte da riqueza]. Esses autores ocuparam-se dos Estados nacionais criados nos séculos XVI e XVIII (FUSFELD, 2003); “os mercadores ajudaram a criar o poder do Estado e também a fortalece-lo” (GALBRAITH, 1989); “o Estado era uma criatura dos interesses comerciais conflitantes, interesses cuja única meta comum era a existência de um Estado forte” (ROLL, 1962). 46 promover o desenvolvimento. Nesse caso, recorre-se à argumentação inicial sobre o processo de concorrência interestatal para mostrar que este processo não ocorre a despeito do papel do Estado nos países centrais, e, no período recente, à revelia do Estado americano. 3.1. TEÓRICOS DO DESENVOLVIMENTO Se o desenvolvimento, no sentido apenas técnico, consiste em aumento da produtividade, uma das questões a ser explorada poderia partir da percepção de que esta tende a se diferenciar em relação aos desenvolvidos e não desenvolvidos. Para Lewis (1969) a especificidade dos países subdesenvolvidos decorre da oferta ilimitada de mão de obra presente nessas economias. Esse excesso de trabalhadores tende a ser empregado em atividades nas quais a produtividade “é ínfima, nula ou, inclusive, negativa”. Naturalmente, a essa baixa produtividade segue-se que os trabalhadores aí empregados tenham seus salários limitados a um nível mínimo de subsistência. Paralelo à essas atividades de baixa produtividade, desenvolve-se o setor capitalista no qual, a um salário pouco acima do nível de subsistência, a oferta de mão de obra é infinitamente elástica. Como o salário base da economia é definido pelo setor de subsistência, de baixa produtividade, a taxa de salário tende a permanecer constante ainda que se verifique expansão da produção com aumento da demanda por mão de obra – o setor de subsistência funciona como reservatório de oferta de trabalho, tendo como resultado o aumento da participação dos lucros na renda nacional. No começo do processo de desenvolvimento o setor capitalista é pequeno em relação ao setor de subsistência, implicando um baixo coeficiente lucros/renda nacional, o que, por sua vez, produz uma baixa relação poupança/renda nacional. Nos períodos subsequentes, o crescimento econômico permite a expansão do setor capitalista através da obtenção de lucros excedentes com aumento da poupança, que será reaplicada na forma de investimento, realimentando o processo de crescimento da renda nacional. A transformação prossegue até o esgotamento do setor de subsistência. O mesmo modelo é desenvolvido para o caso de economia aberta relacionando o setor de subsistência e o setor capitalista exportador nas economias subdesenvolvidas. A ineficiência do setor de subsistência explica sua baixa produtividade, gerando pouco excedente que impede a capitalização da agricultura. Os trabalhadores recebem só o suficiente 47 para a subsistência, o que permite que os preços sejam baixos. Um aumento da eficiência das indústrias de exportação favorece o consumidor estrangeiro (via preços mais baixos), pois como há excedente de mão de obra, sempre que se tenha aumento de produtividade, ela tenderá a ser repassada para os preços uma vez que os salários não sobem. Por outro lado, a “elevação da eficiência na produção de alimentos do setor de subsistência encareceria automaticamente os produtos comerciais de exportação” pois se observaria um aumento correspondentes dos salários, o que representa um aumento nos custos do trabalho para os dois setores (subsistência e capitalista). No modelo de economia fechada, o setor capitalista é responsável pelo processo de modernização da economia através do circuito: lucros excedentes → poupança → investimento → crescimento → lucros excedentes, de tal forma que esse esquema progressivamente elimina o setor de subsistência da economia. Nesse caso, pode observar adicionalmente que embora Lewis (1969) adote o esquema analítico da lei de Say (poupança → investimento), o mesmo resultado poderia é alcançado se admitirmos que maiores lucros impliquem em mais investimentos. No caso das economias abertas em que o setor dinâmico, de maior eficiência está no mercado produtor de alimentos para exportação, o aumento da produtividade é apropriado externamente, o que impede o funcionamento daquele circuito. Para que este venha a funcionar, Lewis (1969) defende que a proteção à indústria local para que essa ganhe competitividade frente às importações estrangeiras. O protecionismo estatal também esta presente na obra de Myrdal (1972) mas a sua defesa do papel do Estado na economia esta diretamente ligado à ideia de causação circular cumulativa, principal conceito desenvolvido na sua elaboração sobre o processo de desenvolvimento e que já foi abordado no item 2.3.1 deste trabalho. Sendo assim, cabe reafirmar que na sua visão cabe à atuação estatal “mediante interferências políticas planejadas e aplicadas” romper a cadeia de efeitos regressivos pois “as forças competitivas de mercado tenderão, em causação circular, a promover constantemente desigualdades regionais...[que] conterão o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, enfraquecerão a base de poder das medidas políticas igualitárias” (MYRDAL, 1972, p. 72). A defesa da atuação estatal pode ser apontada como um traço característico das interpretações desenvolvimentistas. E este argumento esteve, em geral, associado com a necessidade de industrialização. Para Rosenstein-Rodan (1969), por exemplo, este era o caminho necessário à superação da pobreza. Para tanto recomendava um grande esforço de industrialização que programe a instalação, simultânea, de diversos setores. 48 A necessidade de obtenção de investimento internacional dada a escassez de capital nessas regiões atrasadas impõe a participação do Estado como coordenador dos investimentos de longo prazo a fim de diminuir os riscos desse empreendimento de larga escala. A vantagem desse tipo de industrialização ampla e forçada derivaria das economias externas que seriam obtidas criando complementaridade da demanda local. Ou seja, porque há escassez de capital, porque há mão de obra subutilizada em outros setores, porque é preciso ampliar o mercado interno, por tudo isso a ampla industrialização proposta não prescinde do Estado. Como observa o autor, “a participação ativa do Estado na vida econômica é fator que precisa ser levado em consideração como um dado novo” (ROSENSTEIN-RODAN, 1969, p. 254). Nurkse (1969) também concordaria com a necessidade de industrialização dos países subdesenvolvidos ao observar que as exportações agrícolas destes não conseguiriam impulsioná-los economicamente. O entrave ao desenvolvimento, nesse caso, encontra-se no problema da formação de capital, tanto do lado da demanda, como da oferta (poupança). O problema da formação de capital do lado da oferta decorre da limitada capacidade de poupança dessas economias que “depende de um aumento inicial da produtividade e da renda real, pois o nível existente é muito baixo para permitir qualquer margem de poupança” (NURKSE, 2007, p. 64). O autor mostra a existência de um círculo vicioso em que a utilização do capital delimita o nível de produtividade que, por sua vez, determina a dimensão do mercado interno favorecendo a utilização do capital. Mas nos países atrasados a utilização do capital vê-se, no início, inibida pela pequena dimensão do mercado. Para que esse círculo se rompa se faz necessário que ocorra uma “aplicação de capital mais ou menos sincronizada numa ampla gama de indústrias diferentes (...) o resultado é a ampliação geral do mercado e, portanto, uma saída para o impasse” (NURKSE, 1969, p. 264). O autor relativiza a quem cabe o papel de romper esse círculo vicioso da pobreza, na medida em que afirma que “o crescimento equilibrado pode ser sustentado por planejamento governamental ou levado a cabo espontaneamente pela empresa privada”, sendo essa uma questão de método, de modo que “qualquer que seja o método adotado, a natureza da solução visada pode ser a mesma” (NURKSE, 1969, p. 265). Apesar dessas considerações aponta que enquanto o investimento privado decorre das perspectivas de expansão da demanda, o investimento estatal não exige tal condição. Portanto, este último poderia funcionar para “aplainar” o caminho para a concretização do primeiro. Uma terceira interpretação no campo da teoria do desenvolvimento será realizada por Rostow (1969). Em consonância com os demais autores, estabelece a mesma relação entre 49 industrialização e expansão econômica. Mas nesse caso, o desenvolvimento ocorre por etapas, destacando-se a “fase da decolagem”, definido como o momento em que “a taxa de investimento cresce de tal modo que aumenta o produto real per capita, proporcionando (...) transformações radicais (...) que mantém a nova escala de investimento, perpetuando, assim, a tendência crescente do produto per capita” (ROSTOW, 1969, p. 192). A fase da “decolagem” é precedida por um período longo, no qual são estabelecidas suas condições prévias e, em seguida, outro período de longa duração em que o crescimento torna-se normal e automático. De modo geral, essas condições consistiriam em investimentos em infraestrutura e mudanças na estrutura político-social, em que uma nova classe deveria substituir a elite tradicional. Nesse esquema, o Estado teria maior importância na transição entre o período inicial, em que se criam as condições, e o momento da “decolagem”, lhe cabendo realizar investimento em capital social fixo e inversões nos principais setores da “decolagem”. Nessa construção de Rostow, o subdesenvolvimento consiste apenas em uma etapa a ser vencida, de sorte que o desenvolvimento parece poder ser universalmente alcançado. Para Fiori (1999, p. 27), Rostow não faz mais do que retomar a mesma visão neoclássica ao propor o desenvolvimento como “processo natural, progressivo e linear de transição por etapas das sociedades atrasadas” recorre a “uma fórmula universalmente válida e capaz de orientar a ação de todos os planejadores estatais competentes”. Dentre as análises desses autores pioneiros da teoria do desenvolvimento, Hirschmann (1958) destaca-se por transferir as discussões técnicas a respeito dos recursos materiais abundantes e escassos nas economias subdesenvolvidas para abordar a dimensão política. Quando se chegou à compreensão crescente de que o retardamento econômico não pode ser explicado nos termos de qualquer ausência ou escassez completa deste ou daquele tipo humano ou fator de produção, voltou-se a atenção para as atitudes e sistema de valores, que podem favorecer ou inibir a aparição das personalidades e atividades requeridas (HIRSCHMANN, 1958, p.18). Nesse caso, uma vez que o desenvolvimento econômico se manifeste, os recursos que se julgam escassos tenderiam a se apresentar, assim depende menos desses e mais da capacidade de “provocar e mobilizar, com propósito desenvolvimentista, os recursos e aptidões que se acham ocultos, dispersos ou mal empregados” (HIRSCHMANN,1958, p.19). Essa tarefa caberia a um agente coordenador que reuniria todos esses elementos. Finalmente, entre esses primeiros trabalhos voltados a discussão do desenvolvimento, enfatiza-se o estruturalismo latino-americano tendo em vista que neste encontra-se parte da 50 proposta teórica que sustenta este trabalho. Para Furtado (1986, p. 113), a compreensão do desenvolvimento passa pelo reconhecimento do processo de aumento da produtividade, tendo em vista que: [...] à medida que cresce a produtividade, aumenta o fluxo da renda real, isto é, aumenta a quantidade de bens e serviços à disposição da coletividade (...). O aumento da produtividade física do trabalho é, essencialmente fruto da acumulação de capital, das melhorias técnicas que acompanham essa acumulação e do aperfeiçoamento no fator humano. A princípio, essa seria uma afirmação que poderia ser aceita por outros teóricos do desenvolvimento não alinhados com o pensamento estruturalista, mas observa Furtado (1986, p. 83) que: O estruturalismo econômico (...) teve como objetivo principal pôr em evidência a importância de “parâmetros não-econômicos” (...) O comportamento das variáveis econômicas depende em grande medida desses parâmetros, e a natureza dos mesmo pode modificar-se significativamente em fases de rápida mudança social (...) Essa observação é particularmente pertinente com respeito a sistemas econômicos heterogêneos, social e tecnologicamente, como é o caso das economias subdesenvolvidas. Com efeito, sem um conhecimento adequado da estrutura agrária não seria possível entender a rigidez da oferta de alimento em certas economias; sem uma análise do sistema de decisões (cujo controle pode estar nas mãos de grupos estrangeiros) não seria fácil entender a orientação das inovações técnicas; sem a identificação do dualismo estrutural não seria fácil explicar a tendência à concentração da renda. Como esses fatores ‘não-econômicos’ – regime de propriedade da terra, controle das empresas por grupos estrangeiros, existência de uma parte da população ‘fora’ da economia de mercado – integram a matriz estrutural do modelo com que trabalha o economista, aqueles que deram ênfase especial ao estudo de tais parâmetros foram chamados de ‘estruturalistas’. A aproximação apontada entre este trabalho e o arcabouço teórico estruturalista encontra manifestação mais evidente na utilização da concepção de um sistema econômico mundial baseado na relação centro-periferia, efeito da propagação desigual do progresso técnico. De sorte que o subdesenvolvimento não se constituiria simplesmente numa etapa do desenvolvimento ou em economias atrasadas em função da escassez de recursos, que uma vez adquiridos, permitiriam a superação do seu atraso. A propagação universal do progresso técnico, a partir dos países de origem para o resto mundo, tem sido relativamente lenta e irregular (...) No longo período transcorrido desde a Revolução Industrial até a Primeira Guerra Mundial, as novas formas de produção em que a técnica se manifestou incessantemente abarcaram apenas uma proporção reduzida da população mundial. Esse movimento iniciou-se na Grã-Bretanha (...) adquiriu impulso extraordinário nos Estados Unidos e finalmente abrangeu o Japão (...). Assim foram formando os grandes centros industriais do mundo, em torno dos quais a periferia do novo sistema (...) ia tendo uma participação escassa no aperfeiçoamento da produtividade. Dentro dessa 51 periferia, o progresso técnico só se dá em setores exíguos da sua imensa população, pois, em geral, penetra unicamente onde se faz necessário para produzir alimentos e matérias-primas a custo baixo, com destino aos grandes centros industrializados (PREBISCH, 2000, p.139) Os estruturalistas latino-americanos observavam que as economias periféricas teriam desenvolvido estruturas produtivas especializadas e heterogêneas, nas quais verificava a presença de um setor dinâmico (agroexportador) mas que se mostrava incapaz de difundir os efeitos positivos para a totalidade do sistema produtivo. Adicionalmente, verificariam que esse sistema tenderia a se reproduzir ao longo do tempo, já que observavam que as diferenças no tocante a difusão do progresso técnico e produtividade levariam por si só a uma diferenciação secular da renda favorável às economias centrais. Como aponta Prebisch (2000, p. 109), “a produtividade desses países [da América Latina] é muito baixa, porque falta capital; e falta capital por ser muito estreita a margem de poupança, em virtude dessa baixa produtividade”. Por sua vez, partindo dessa constatação permitiu-se a elaboração de outro elemento da análise estruturalista: a teoria da deterioração dos termos de troca, baseada nas “vantagens comparativas dinâmicas da produção industrial – ou das desigualdades comparativas dinâmicas da especialização em bens primários” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 28). Observava-se que os preços de exportação dos produtos primários tenderiam a apresentar uma evolução desfavorável frente à dos bens manufaturados produzidos pelos países centrais resultando na transferência dos ganhos de produtividade no setor primário-exportador para os países industrializados. É a partir dessas premissas que o estruturalismo irá apoiar “o desenho de um projeto e de uma estratégia de industrialização e desenvolvimento muito mais nítida e consistente do que se poderia deduzir dos autores anglo-saxões” (FIORI, 1999, p. 28). Como observa Bielschowsky (2000, p. 35), “os trabalhos da CEPAL eram fortemente policy-oriented. A ação estatal em apoio ao processo de desenvolvimento aparece no pensamento cepalino como corolário natural do diagnóstico de problemas estruturais de produção, emprego e distribuição de renda”. Portanto, através desses autores, que representam alguns dos mais destacados teóricos do desenvolvimento, percebe-se que a prerrogativa do Estado como agente ativo do processo de desenvolvimento nada tem de original. A mesma concepção estará presente no advento da ciência regional, preocupada especificamente com a homogeneização espacial das economias nacionais. Como aponta Richardson (1973, p. 12): 52 O desenvolvimento da economia regional como disciplina acadêmica foi acelerado por suas implicações de política (...) tem [se] tornado cada vez mais claro que as forças de mercado não resultam inevitavelmente em igualização [sic] da renda regional. Os movimentos de fatores podem ser desequilibrantes [sic]. Existe entre a revolução keynesiana, a economia do desenvolvimento e as teorias do desenvolvimento regional uma clara convergência de concepções teóricas, que se refletem nas políticas destinadas a enfrentar o problema das diferenciações espaciais, sobretudo do advento da economia regional até os anos 1970, como esclarecem Diniz e Crocco (2006). Nesse sentido, observam que até meados dos anos setenta as políticas regionais eram do tipo TopDown, preocupadas com a demanda e correção das disparidades inter-regionais, basicamente políticas de cunho keynesiano. Brandão (2007b) denominaria como uma das vias alternativas do debate regional e urbano, categorizando essas concepções de inspirações “keynesianas”, predominantes entre 1930-1975, para as quais seria possível realizar operações de engenharia social através de ações de planejamento. Mais explicitamente, tratava-se de recorrer à utilização de instrumentos, tais como incentivos fiscais e financeiros, subsídios, investimentos do governo e suas empresas estatais, etc, com o propósito de promover políticas discriminadas territorialmente (MATTOS11, 1998 apud BRANDÃO, 2007b). O que se via, nesse contexto, era uma notória influência da concepção macroeconômica sobre as interpretações acerca do desenvolvimento regional. O advento da macroeconomia keynesiana permitiu o enfrentamento da hipótese de correção automática através dos mecanismos de mercado 12. Essa abordagem acabou se disseminando na literatura do desenvolvimento e como seus autores se propunham não apenas ao diagnóstico dos problemas relativos ao atraso econômico mas também se direcionavam à formulação de estratégias e políticas destinadas a impulsionar o desenvolvimento regional, Diniz e Crocco (2006) apontam as suas versões mais destacadas, sintetizadas no Quadro 1. Porém, como aponta Fiori (1999, p. 26), o Estado dos desenvolvimentistas corresponderia a uma “dedução lógica ou num mero ente epistemológico requerido pela estratégia de industrialização, sem que se tomasse em conta a natureza das coalizões de poder em que sustentava”. Estes autores que argumentaram na defesa de um Estado intervencionista, o fizeram num vácuo político-institucional, de modo que ignoraram como os conflituosos grupos de interesse se relacionavam com a estrutura de poder estatal. Parece-nos 11 MATTOS, C.A. de. Evolución de las Teorias del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urbano Regional. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XII, n. 1, dez., 1998. 12 Embora nem todos os teóricos apresentados tenham efetivamente utilizado o arcabouço keynesiano. 53 que a abordagem das estruturas sociais de acumulação consegue dar conta dessas interações, esse é o argumento desenvolvido na seção a seguir. Quadro 1 - Estratégias e políticas de desenvolvimento (anos 1950-1960) CONCEITO Big-push DEFINIÇÃO Os principais motivos do atraso e escassez de capital deve-se a ausência de complementaridade da demanda local e a existência de um mercado de capitais inexpressivo. Para enfrentar este problema, é proposto um grande pacote de investimentos promovidos pelo Estado Pólos de crescimento Baseavam-se em uma racionalidade similar aos projetos Big-Push. A idéia central consistia na instalação, em regiões atrasadas, de uma indústria motriz que, através de seus efeitos a montante e a jusante se tornaria um pólo de crescimento e estimularia o desenvolvimento da região Prioridades para o setor industrial Em ambas as estratégias anteriormente citadas, como em várias outras, as políticas de desenvolvimento regional estiveram, em sua grande maioria, direcionadas ao setor industrial. Com isso, ficava clara a perspectiva, exposta nos trabalhos de causação cumulativa (Myrdal, 1957; Kaldor, 1957; Hirschman, 1958), de que para a superação das diferenças regionais era necessário também eliminar, ou pelo menos diminuir, as diferenças entre as estruturas produtivas das regiões, implicando um significativo processo de industrialização de regiões atrasadas. Como este processo não ocorreria naturalmente, a ação estatal se fazia necessária. Mecanismos de compensação para as regiões atrasadas Vários mecanismos de compensação para regiões atrasadas foram implementados, em conjunto ou não com as várias estratégias anteriores, sendo o mais comum o sistema de incentivos fiscais. O princípio básico aqui é utilizar o Estado para subsidiar a atração de empresas de forma a compensar as desvantagens locacionais em regiões atrasadas, fazendo com que o Estado garanta parcela da lucratividade de empresas. Neste contexto, a atração de investimento externo, através destes subsídios foi amplamente utilizada. Investimentos estratégicos do setor público A partir do entendimento da necessidade do gasto autônomo do Estado para garantir a obtenção do pleno emprego, várias estratégias de investimento estatal em regiões atrasadas foram desenvolvidas. Tais investimentos poderiam ser de gasto em infra-estutura ou mesmo na instalação de empresas estatais nestas regiões, quando a iniciativa privada não se dispunha para tanto. Restrições à localização de atividade em determinadas regiões Por fim, e não menos importante, em alguns casos foram utilizados mecanismos regulatórios para restringir a localização de atividades em determinadas regiões, em uma tentativa de evitar a concentração, especialmente em algumas cidades, e desviar tais atividades para outras regiões, como foi o exemplo clássico da política francesa, principalmente no que se referia a Paris Fonte: Diniz e Crocco, 2006 54 3.2 ESTRUTURAS SOCIAIS DE ACUMULAÇÃO A suposição desenvolvida neste ponto é que o conceito de estruturas sociais de acumulação dá uma coesão à atuação do Estado. Ao assumir a presença de condicionantes externos no processo de desenvolvimento já foi esclarecido que a atuação destes não impede que elementos de ordem interna também serão necessários para que as estratégias de desenvolvimento sejam bem sucedidas. De outro modo, as condições externas favoráveis não são alheias às interações entre o poder político, as instituições e as estruturas materiais internas ou, ainda, se o processo de desenvolvimento econômico pode ter um componente externo, este não vigora onde não estejam presentes condições internas para a acumulação de capital. Essa discussão será aqui referenciada com os aportes da “social structure of accumulation theory”(SSA): as can be depicted by SSA approach, the compatibility between the growth strategy of the dominant fractions of capital and the nation development can not be assumed and it is precisely the tension between them that explains the evolution and crisis of development strategies as hegemonic projects (MEDEIROS, 2011, p. 3). A teoria das estruturas sociais de acumulação representa um corpo teórico, desenvolvido nos anos 1970, a partir da produção acadêmica americana de economistas socialistas marxistas, com destaque para: David M. Gordon, Thomas E Weisskopf, Samuel Bowles, David M. Kotz, Terrence McDonough e Michael Reich. Sua preocupação básica está concentrada em explicar os longos ciclos de expansão e estagnação do capitalismo e encontram essa resposta através de um conjunto de instituições que denominam como “Estruturas sociais de Acumulação” (REICH, 2009). A hipótese assumida pelos autores ligados à SSA é que para cada fase expansiva do capitalismo exige-se a conformação de uma estrutura específica que permite a acumulação de capital, compreendida como a atividade microeconômica em busca do lucro e reinvestimento. Mas a obtenção dos objetivos microeconômicos só pode ser alcançada mediante uma decisão prévia de investimento por parte dos capitalistas. Estes, por sua vez, exigem taxas de lucro atraentes para investir, mas também um alto grau de confiança em relação aos seus investimentos. Sendo esta assegurada através de um conjunto de instituições que se mostrem, ao mesmo tempo, estáveis e favoráveis. Portanto, o argumento é que a acumulação de capital 55 necessita que se apresente um ambiente propício, assegurado pelas bases institucionais (LIPPIT, 2006; GORDON13 et al, 1982 apud KOTZ, 2006). Para explicitar tais bases institucionais, verifica-se nos autores ligados à SSA uma tentativa de separar dentro da estrutura social de acumulação, o que é típico da acumulação de capital, do que é da natureza institucional, ou seja, de um lado, as atividades empresariais em busca do lucro, e, de outro, o contexto em que estas ocorrem. Como aponta um dos seus formuladores: “the basic institutions of capitalism remain, while their specific form changes” (KOTZ, 1994, p. 87). Sendo que estas formas específicas são implantadas a partir de um conjunto particular de instituições. Trata-se de observar que a esfera das relações econômicas não é autônoma, mas parte de uma ampla rede de relações sociais com destaque para as relações de classe. Desse modo, as relações políticas (estruturas e relações que organizam a gestão do sistema sócio econômico) não podem parecer estranhas à análise econômica (MAVROUDEAS, 2006). Assim, procura-se endogeneizar os fatores ao invés de considerá-los como elementos externos ao processo de acumulação os colocam como condição essencial, de tal modo que a acumulação capitalista não é refletida apenas como um processo econômico, mas refere-se fundamentalmente a uma ampla gama de instituições econômicas, políticas e ideológicas. Na SSA, a definição do que se constitui como uma instituição é suficientemente abrangente, incorporando organizações bem definidas, como universidades, passando por algumas de caráter mais territorial, como os hábitos e costumes locais até questões mais amplas como as relações trabalhistas existentes em cada país (LIPPIT, 2006). A partir dessas considerações constatamos que cada processo de acumulação de capital é localizado no tempo em função das bases institucionais com que se identifica, sendo estas correspondentes à SSA, caberia então questionar como ocorre a sua determinação. McDonough14 (1994) apud Lippit (2006) busca em um único evento o ponto de partida a partir do qual se fundamenta suas características e estruturas. Kotz (1994) identifica um núcleo inicial de instituições, as quais moldam o desenvolvimento institucional subsequente. Outros rejeitam essas interpretações (Gordon15, 1980 apud Lippit, 2006) 13 GORDON, David M., EDWARDS, Richard e REICH, Michael. Segmented Work, Divided Workers. Cambridge: Cambridge University Press. 1982 14 MCDONOUGH, Terrence. Social Structures of Accumulation, Contingent History and Stages of Capitalism. In: KOTZ, David M., MCDONOUGH, Terrence, REICH, Michael (Eds.). Social Structures of Accumulation: The Political Economy of Growth and Crisis. New York: Cambridge University Press, 1994. 15 GORDON, D. Stages of Accumulation and Long Economic Cycles. In: HOPKINS, Terence K. e WALLERSTEIN, Immanuel (Eds). Processes of the World System. Beverly Hills: Sage.1980. 56 sugerindo que a integridade estrutural de uma SSA deriva de interações entre as instituições, ainda que tome cada uma delas como unidades independentes. E, finalmente, a interpretação de Lippit (2006) refuta as tentativas de privilegiar um núcleo de instituições ou um evento como responsáveis pela integridade estrutural de uma SSA (ver Quadro 2). Essa última abordagem embora não negue a influência de elementos exógenos, observa que há um longo espaço a ser ocupado pelos processos e lutas internos, inclusive daí originam-se as contradições que contribuem para o colapso de uma SSA, identificado como os períodos de crise econômica. Na realidade, novas instituições - isto é, novos hábitos, costumes e expectativas - não se estabelecem de modo instantâneo, são muito mais resultado de lutas e processos sociais, influenciadas por mudanças em outras instituições e eventos exógenos. E aqueles que não se considerem beneficiários das novas instituições se esforçaram para parar, desviar e transformar as mudanças em curso. Cada processo social é aqui distinto, sendo constituído pela interação local de outros processos sociais, cada um contendo em si qualidades muito diferentes e conflitantes, bem como influências e direcionamentos de outros processos que o constituem. Todos esses elementos se sobredeterminam mutuamente (LIPPIT, 2006). Quadro 2 – Determinação das Estruturas Sociais de Acumulação (Elaboração própria a partir de Lippit, 2006) AUTOR/ABORDABEM KOTZ: núcleo de instituições MCDONOUGH: única instituição GORDON: interação entre as instituições LIPPIT: sobredeterminação DEFINIÇÃO Conjunto principal de instituições é estabelecido no início de uma SSA, que interage com outras formas de instituições, contribuindo para a sua formação, de modo a constituir a integralidade da SSA. Exemplo: monopólio/capital financeiro, repressão dos sindicatos, política imperialista (início do século XX); negociação política pacífica, militarização da economia, ascensão americana (pós-guerra). Presença de uma única instituição ou evento, inclusive fator externo, como princípio unificador de uma SSA emergente. Exemplo: oligopolização (início do século XX), Segunda-guerra mundial (pós-guerra). Cada instituição corresponde a uma unidade independente mas que está sujeita a mudanças em função de alterações em outras instituições ou por força de agentes externos. Processo contínuo de formação e mudança institucional provocado pela interação entre: as contradições internas dentro das próprias instituições, as instituições, eventos exógenos, diversidade de processos sociais. 57 Mas, uma vez estabelecida a SSA se perpetua por um longo período de prosperidade. Em essência, duas razões podem ser apontadas para esse resultado: primeiro, há o fato de que na medida em que vai se estabelecendo geram-se mudanças favoráveis em instituições afins, o que amplia seus círculos de apoio; segundo, por sua natureza, instituições mudam lentamente, hábitos e costumes estabelecidos tendem a ser permanentes. Em todo caso, qualquer SSA entrará em colapso em função de contradições internas que surgem e a partir de forças sociais e instituições cuja sobredeterminação se dá no sentido da mudança. Essa fase entre o declínio e a formação de cada SSA tende a ser marcado por um período prolongado de lutas até que haja espaço para que um novo poder possa se consolidar. Fundamentalmente, é através desse jogo de formação e colapso da cada SSA que a teoria da estrutura social de acumulação vai explicar as ondas longas de expansão e estagnação das economias capitalistas (KOTZ e MCDNOUGH, 2010). Embora essa breve apresentação da teoria da estrutura social de acumulação tenha explorado seu caráter abstrato, sua construção está vinculada com uma tentativa de demonstrar a formação das SSAs a partir de contingências históricas. O que é feito através de uma periodização ou teoria de fases, que cria critérios, termos especializados e perspectivas analíticas que facilitam a sua localização no percurso histórico do capitalismo. Nesse sentido, Gordon et al. (1982) apud Lippit (2006) localizaram nos EUA a vigência de uma SSA entre 1840 e 1870, outra no período de 1890 até 1910, uma terceira compreendida entre os anos de 1940 e 1970 e, finalmente, uma versão mais contemporânea referente ao período de vigência do neoliberalismo. Seria demasiado prolixo explorar a formação e colapso de cada dessas fases, mas sugere-se brevemente explorar a SSA vigente nos EUA nos pós-guerra como mecanismo auxiliar ao entendimento sobre a sua caracterização e como fatores exógenos e elementos internos interagem para garantir sua integridade estrutural. Como observa Lippit (2006), embora uma SSA não possa ser especificada com precisão, tendo em vista que as instituições estão sempre em processo de formação e decadência, o padrão de crescimento das taxas de produtividade seria consistente com a presença de uma SSA no pós-guerra com duração de aproximadamente um quarto de século, seguido por seu colapso e à formação de uma nova SSA a partir de meados da década de 1990. 58 Wolfson (1994)16 e Gordon, Weisskopf e Bowles17 (1996) apud Lippit (2006) identificam o núcleo das instituições que contribuíram para definição desse período: o acordo capital-trabalho e capital-cidadão; a Pax-Americana, a rivalidade intercapitalista silenciosa e o quadro financeiro favorável. O acordo capital-trabalho se caracterizaria por uma tentativa de divisão dos ganhos entre as classes em um ambiente econômico favorável, pois garantia-se aumento de salários reais e segurança do trabalho em contexto de estabilidade macroeconômica, moeda forte, preços baixos das matérias-primas e alta rentabilidade para as empresas. Essas são condições complementares sem as quais dificilmente alcançar-se-ia a relação de paz entre capitalistas e trabalhadores. O exemplo contrafactual apresentado por Lippit (2006) encontra-se na SSA formada durante as décadas de 1980 e 1990, período no qual o acirramento da concorrência internacional levou a uma busca por maior rentabilidade, concentrada na redução de custos com sacrifícios em termos de aumento de salários reais e estabilidade no emprego. O acordo capital-cidadão, também compreendido a luz da contingência histórica e das demais instituições que constituíram a SSA do pós-guerra, refere-se ao conjunto de instituições que regulam as relações entre os cidadãos e os capitalistas. A suburbanização da América e a prosperidade da década de 1950 criou um ambiente em que as aspirações individuais pareciam compatíveis com os fins lucrativos das empresas. Nesse caso, o Estado estava forçado a não comprometer a rentabilidade básica das empresas. O colapso deste acordo viria da percepção de que o consumo e a crescente produção se deram sem maiores preocupações ambientais, mas no momento em que a deterioração dos recursos naturais começa a apresentar-se, a opinião pública começa a exigir esforços a fim de limitar a atividade das empresas. Adicionem-se os movimentos pela igualdade racial e contra a Guerra do Vietnã, que levam a formação de uma geração de ativistas, e o resultado será uma legislação com maior regulamentação afetando os custos e a lucratividade das corporações. Por sua vez, a Pax-Americana reafirmava um mundo dominado pela hegemonia americana sob os efeitos da destruição experimentada pelos potenciais países rivais durante a Segunda Guerra. Mas beneficiou mutuamente os participantes ativos na economia mundial: a estabilidade da ordem econômica internacional deu ensejo a recuperação econômica do Japão, países europeus e dos tigres asiáticos. 16 WOLFSON, Martin H. The Financial System and the Social Structure of Accumulation. In: KOTZ, David M., MCDONOUGH, Terrence e REICH, Michael (Eds.). Social Structures of Accumulation: The Political Economy of Growth and Crisis. New York: Cambridge University Press, 1994. 17 GORDON, David., WEISSKOPF, Thomas E. e BOWLES, S. Power, Accumulation and Crisis: The Rise and Demise of the Postwar Social Structure of Accumulation. In: LIPPIT, Victor D. (Ed.). Radical Political Economy: Explorations in Alternative Economic Analysis. Armonk, New York: M.E. Sharpe, 1996. 59 Mas observa Lippit (2006, p. 17) essa seria uma situação em que “the development of an internal contradiction contributing to the collapse of a key institution and ultimately of the SSA of which it formed a key part”. Isso porque a recuperação daqueles países levou a aumento da concorrência estrangeira para as empresas americanas e o próprio regime de câmbio tornou-se tornando insustentável. Adiciona-se que internamente nos EUA verifica-se também um aumento da concorrência. Finalmente, quanto às instituições financeiras sua atuação no imediato pós-guerra, com taxas de juros baixas e estáveis, também já não cabia em um cenário em que outras instituições e o ambiente externo haviam mudado. Ainda que os componentes da SSA no pós-guerra possam ser apresentados de forma isolada não pode-se descuidar que eles devem, o tempo todo, se autorreforçar. Os acordos capital-trabalho e capital-cidadão significaram maior tranquilidade vigorando no mundo do trabalho e minimizava as ameaças de regulamentação, permitindo que as empresas americanas se beneficiassem da economia global em expansão, que a Pax-Americana ajudou a criar. Juros baixos e concorrência limitada no exterior exerciam efeito no mesmo sentido. Pode-se acrescentar o papel da teoria econômica como ideologia. O keynesianismo correspondeu ao crivo intelectual da “idade de ouro”, trazendo consigo a aceitação generalizada de um papel relevante a ser desempenhado pelo governo na economia. Os autores observam ainda nesse processo de sobredeterminação o surgimento da GuerraFria como mais um aspecto relevante (LIPPIT, 2006). A incorporação do conceito de estruturas sociais de acumulação nessa discussão sobre desenvolvimento tem como objetivo principal demonstrar a necessidade de coesão interna, em que pese a atuação de eventos externos, em um processo que envolve uma multiplicidade de forças (as contradições internas, como se observou, não impede a formação de um conjunto coerente para determinados períodos). Cabe atentar, especialmente nesse processo como o Estado, em todas suas instâncias, é parte integrante dessa conformação, se organizando de tal modo que permite a composição dos condicionantes internos e externos que favorecem o desenvolvimento econômico. Ademais, como se observou nos teóricos do desenvolvimento, implicitamente, interpretavam a atuação do Estado em um vácuo institucional. Essa discussão sobre o papel do Estado ganha novo reforço quando a literatura econômica incorpora a ideia de globalização. Para alguns autores, explicitados a seguir, esse processo se constituiria em um impeditivo para que as forças internas pudessem levar adiante sua estratégia própria de desenvolvimento. Assim na seção a seguir identifica-se a globalização dentro do processo de concorrência interestatal e que, portanto, não ocorre a 60 despeito do papel do Estado, mas sim em função da atuação desse Estado hegemônico, que fornece oportunidades diferentes aos países não desenvolvidos. 3.3 GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Na interpretação de Cano (2000, p. 13), a adoção de políticas seletivas que levaram países de estrutura produtiva basicamente primária para uma transformação estrutural com maior participação do setor industrial contou com um “excepcional grau de soberania nacional no exercício e manejo da política econômica do “desenvolvimento””. Nessa mesma leitura, as condições que permitiram essas ações já não se encontram presentes. “A crescente internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos do capital mundializado, de um modo geral, debilita os centros nacionais de decisão e comando sobre os destinos de qualquer espaço nacional” (BRANDÃO, 2007b, p.35). Diniz e Crocco (2006, p.27) também afirmam, no mesmo sentido, que de fato “as transformações contemporâneas vem impactando as escalas territoriais por meio da universalização do capital, especialmente do capital financeiro, estabelecendo uma hiperescala de circulação do capital, materializada pelo processo de globalização”. Nesse contexto, observam a emergência de teorias localistas baseadas no desenvolvimento endógeno. Ainda assim, não parecem ser tão céticos quanto à capacidade de atuação estatal, na medida em que nesse mesmo ambiente propõem que “uma política de desenvolvimento regional deve ser pensada e articulada em escala nacional”. Tratando especificamente do Brasil, apontam ainda que a incapacidade do governo em sustentar seus investimentos decorre de uma opção do governo em controlar o gasto público e gerar superávit primário. De qualquer modo, ainda que se façam muitas ressalvas sobre o significado da globalização, dada a massificação que o termo foi assumindo ao longo dos últimos anos, em geral, os autores que adotam a perspectiva apontada assumem que esse movimento explica o processo que “debilita ou mesmo anula as possibilidades de estratégias nacionais” (IANNI, 2004, p.89). Na perspectiva de Cano (2000, p. 37), a ideia de globalização como um processo de internacionalização de atividades econômicas, sejam elas de caráter financeiro, produtivo ou comercial, não teria um caráter novo, pois “a constituição do comércio internacional em bases 61 mais amplas” remontaria ao século XVI, enquanto em relação à internacionalização financeira já seria vigente “pelo menos desde o século XIX”. Portanto, não seria possível atribuir a redução da autonomia dos Estados hoje a processos que são mais longínquos, dado que para o autor mesmo depois que esses movimentos já se encontravam vigentes, os países subdesenvolvidos contaram com “maiores graus de liberdade em termos externos”, como ocorreu, entre 1929-1979. Dessa forma, é preciso considerar outras razões que levaram à abdicação da “soberania nacional, no desenho, na implementação e no manejo da política econômica” (CANO, 2008, p.27). Nesse sentido, o autor considera a globalização como uma intensificação mundial daquelas atividades (financeiras, produtivas e comerciais), analisando-as individualmente. A globalização comercial seria “nossa velha conhecida”, se constituindo numa “queda de braço entre um anão (nós) e um gigante (os desenvolvidos)” (CANO, 2000, p.38). Trata-se de revisitar a história do comércio internacional onde se opõem as estruturas produtivas especializadas em bens de capital e eletrônicos àquelas dominadas pela exportação de recursos naturais. Nesse caso, ainda ressalta-se o papel do Estado e o poder discricionário das suas políticas comerciais e instrumentos à sua disposição. Mas, não parece ser esse o movimento fundamental, pois o autor atribui à diminuição do papel do Estado ao conjunto de políticas denominadas como neoliberais, que se materializaram em reformas institucionais, produtivas, comerciais e financeiras. A questão para o autor é que essas mudanças se deram a fim de atender às questões postas pelas duas outras formas que a globalização viria a assumir (CANO, 2008; 2000). No caso da globalização produtiva, destaca-se o papel das empresas transnacionais. Uma vez adotado o receituário liberal com a consonância de “muitos governos e elites periféricas” que “aceitaram as novas regras do jogo”, o vácuo deixado pelo Estado é ocupado pelas decisões dessas empresas que passam a substituir as políticas industriais dos países periféricos - “onde, quanto, em que e como investir” (CANO, 2000). Em relação à globalização financeira, identificada como uma “intensificação da mobilização dos fluxos financeiros internacionais e de suas novas formas de manifestação” ressalta-se a “dependência financeira internacional dos países subdesenvolvidos” (CANO, 2000, p.37) em relação ao domínio do capital. Nesse caso, o autor é bastante explícito ao afirmar “a supremacia do capital financeiro sobre as outras formas de capital, impondo a quebra de soberania nacional de nossos países, para liberar seu movimento internacional na busca incessante da valorização” (CANO, 2008, p.27). 62 A força de atuação do capital também está presente nas considerações de Brandão (2007b, p.72) ao explorar o conceito de homogeneização. Na visão do autor, sobre tal conceito deveria repousar a ênfase da análise espacial. Refere-se à tendência do capital em homogeneizar as suas condições de reprodução, através da eliminação das principais diferenças espaciais a fim de criar um espaço unificado para a valorização do capital. Trata-se de gerar as condições mais adequadas para a sua reprodução ampliada. Nesse sentido, o capital seria homogeneizador na medida em que abarca os espaços mais remotos a um único domínio, impondo suas “determinações gerais mais imanentes”, buscando valorizar-se sem confinamentos regionais/espaciais e exercendo “seu controle universalizante, invadindo todos os âmbitos possíveis de sociabilidade” (BRANDÃO, 2007b, p. 73). Observe-se que o autor se propõe a explicitar um movimento típico comandado pelo capital em geral de tal modo que não circunscreve a homogeneização à ideia de globalização. Ainda assim, dado o “próprio caráter progressista do capital” apontado pelo autor, considerando sua análise, não se constituiria numa extrapolação inapropriada afirmar-se que a globalização, nos seus termos mais gerais, aceleraria o processo homogeneizador. Ainda que sem utilizar o mesmo conceito de homogeneização, Corazza (2006) expõe de forma direta a relação entre esse mesmo movimento do capital e a globalização financeira: [...] o desenvolvimento capitalista é impulsionado a partir do seu interior, pelo caráter expansivo da lei do valor e da valorização do capital, que procura romper todas as fronteiras e obstáculos com que se defronta. O desenvolvimento do capital tende a anular o espaço através da aceleração do tempo. Assim, do ponto de vista histórico, o desenvolvimento das relações financeiras internacionais ou da globalização financeira, não parece ser nem um processo aleatório, nem um processo politicamente determinado” (CORAZZA, 2006, p. 135). Trata-se de uma abordagem marxista da globalização, como ilustra Medeiros (2001, p.84), “ao longo de O Capital, Marx procura demonstrar o poder da acumulação privada sobre qualquer barreira exógena que se lhe anteponha”. De resto, nessa leitura “a acumulação é um processo essencialmente privado”, que toma “o capitalismo como um sistema em que as redes de poder estão inteiramente inseridas nas redes de acumulação e subordinadas a esta” (ARRIGHI, 1996 apud MEDEIROS, 2001, p.85). No entanto, Weber (1944) e Braudel (1987), entre outros, já ilustraram que a formação do Estado nacional é condição básica para o avanço do capitalismo. Barbosa de Oliveira (2003), também constata essa relação. Mas, mesmo nas abordagens marxistas, não se descuida que houve entre as relações mercantis e de poder uma aliança necessária à acumulação capitalista porém identifica-se esse momento como transitório. 63 Embora as economias nacionais tenham sido fundamentais para a consolidação e desenvolvimento do capitalismo (...) a formação do capitalismo...no seu desenvolvimento tende a transcender essas economias (...). O capitalismo é intrinsecamente mundial e seu desenvolvimento pleno significa a “desconstrução” das economias nacionais (...). [O capitalismo] forjou as economias nacionais para se consolidar e se desenvolver, mas seu desenvolvimento pleno significa também a progressiva desintegração das economias nacionais. A economia nacional representa uma fase intermediaria e transitória no desenvolvimento histórico de longo prazo do capitalismo (CORAZZA, 2006, p.142). Essa leitura marxista também é constatada, embora não corroborada, por Medeiros (2001, p. 83): Uma vez asseguradas as condições de dominação burguesa (...) o Estado não desempenhava mais, como no período de transição, qualquer função central na análise do desenvolvimento econômico, este movido inteiramente pela acumulação capitalista, impulsionada pelo processo de concorrência. Mas não parece ser esse o caso. A disputa interestatal nada tem de contingencial. O alcance do poder político dos Estados não se extingue nos limites de suas fronteiras territoriais. Esses dois primeiros pontos foram abordados nas considerações sobre os condicionantes externos do processo de desenvolvimento, discutidos no primeiro capítulo. Observa-se ainda que onde se vê uma aliança circunstancial, cuja expansão dissolve o poder político, considera-se que, conforme Tavares e Belluzzo (2007), Estado e mercado possuem relações orgânicas e constitutivas. Mas mesmo na abordagem marxista é possível encontrar autores que não ignoram “a luta pelo território econômico”, como é o caso de Hilferding (1985). Ao teorizar sobre o movimento de formação dos cartéis e trustes e a fusão entre o capital industrial e o capital bancário constituindo o que denomina como capital financeiro, chama atenção ao fato de que “o poder político era decisivo na luta competitiva de caráter econômico, e que para o capital financeiro, a posição do poder estatal é vital para o seu lucro” Hilferding (1985, p.311). O autor faz referência ao processo de exportação de capital a fim de obter lucros ou juros, mas com recursos que como observa Arrighi (1969, p.169) são resultados da opção das empresas em “manter líquidas ao menos parte de seu capital e deixar que a City, através dos bancos provinciais ou diretamente por seus corretores, cuidasse de investi-lo, sob qualquer local da economia mundial que prometesse os rendimentos mais seguros e mais altos”. Para isso, retomando Hilferding (1985, p. 302): [...] a exigência de todos os capitalistas interessados em países estrangeiros para que o poder estatal seja forte, cuja autoridade proteja seus interesses também no mais 64 longínquo rincão do mundo (...) que a bandeira de guerra [seja] vista por toda parte, para que a bandeira do comércio possa ser plantada por toda parte. Mas o capital de exportação sente-se melhor quando o poder estatal do seu país domina completamente a nova região (...). Dessa forma, a exportação de capital atua também em favor de uma política imperialista. Desse modo, especificamente no caso da Inglaterra, o Estado atua como um vetor de propagação dos interesses desse capital financeiro ou da City. Na visão de Strange18 (1988) apud Fiori (1997, p. 98) essa é a própria configuração do exercício da hegemonia inglesa que se sustentara a partir do “relacionamento privilegiado que se estabeleceu entre o governo inglês e o capital financeiro da City”. Mas o ponto de vista aqui defendido é que não há limites temporais para essas relações entre o poder do capital e o poder político, pelo menos não onde o capitalismo vigore; elas fazem parte de sua constituição. Braudel (1987) já explicitara que a natureza do capitalismo não prescinde do Estado19 e o faz distinguindo-o do que seria propriamente uma economia de mercado. Enquanto nesta vigora a concorrência, “lei essencial da economia de mercado”, o primeiro se caracteriza por suas trocas desiguais, em que seus participantes procuram “desembaraçar-se das regras do mercado tradicional, frequentemente paralisador em excesso”, tanto o seria que o denomina como “antimercado”. Por serem de naturezas distintas, “não são os mesmos mecanismos nem os mesmos agentes que regem esses dois tipos de atividade” (BRAUDEL, 1987, p. 42). Não por acaso, encontra na Alemanha do século XIV, em Paris no século XIII, nas cidades italianas do XII e mesmo na Índia e no Islã, “um grupo de grandes negociantes [que] se destaca nitidamente da massa dos comerciantes”, identifica-os como capitalistas e conclui questionando-se: “Será necessário dizer que esses capitalistas, tanto no Islã quanto na cristandade, são os amigos do príncipe, aliados ou exploradores do Estado?” (BRAUDEL, 1987, p. 39). No mesmo sentido, Arrighi (1996, p. 20) aponta que “a fusão entre o Estado e o capital foi o ingrediente vital da emergência de uma camada claramente capitalista por sobre a camada da economia de mercado e em antítese a ela”. A assimetria que Braudel identifica nas trocas desiguais que vigoram no capitalismo, Fiori (2007a) alinha a competição interestatal, pois os grandes “estados/economias nacionais” e os “grande predadores” possuem o mesmo objetivo: “a conquista sem fim de novas posições 18 STRANGE, Susan. States and markets. Londres: Pinter, 1988. “Assim, o Estado moderno, que não fez o capitalismo mas o herdou, ora o favorece, ora o desfavorece; ora o deixa estender-se, ora lhe quebra as molas. O capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando ele é o Estado.” (BRAUDEL, 1987, p. 43). 19 65 monopólicas e a reprodução contínua de relações desiguais e assimétricas”. Assim, Estado e capital estão unidos a fim de impor barreiras protetoras e por isso “se ajudam mutuamente”. Desse modo, conclui Fiori: “É quase impossível imaginar a existência de “territórios econômicos” que tenham sido conquistados sem uma aliança do capital financeiro com o poder político (...) nem que o capital financeiro possa impor seu império mundial (...) sem o apoio do poder político” (FIORI, 2007a, p. 45). Mais uma vez, Arrighi (1996, p. 13) destaca “o que impulsionou a prodigiosa expansão da economia mundial capitalista (...) não foi a concorrência entre Estados como tal, mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez maior do poder capitalista no sistema mundial como um todo”. Portanto, é nesses termos que a globalização aqui é interpretada. De fato, sua popularização deu margem à construção de diversas análises, cada uma delas enfatizando, ao gosto de quem a interpreta, os aspectos culturais, sociais, políticos ou econômicos; daí, não raro, haver algum tipo de imprecisão conceitual. Pela natureza deste trabalho privilegiam-se as questões econômicas envolvidas nesse termo. Nesse sentido, de fato, a globalização financeira poderia ser o termo mais adequado para caracterizar esse fenômeno a partir de fins do século XX. Isso porque se a globalização significa “unificação de espaços”, como propõe Carvalho (2008), esse mesmo termo poderia remeter a constituição da “economia mundo” europeia que se dá com a formação dos Estados Nacionais modernos através da articulação do circuito do capital mercantil no “longo século XVI” (Tavares e Belluzzo, 2007). Privilegiar o aspecto financeiro, nesse momento, significa admitir “um dos fatores que distinguem a rápida integração econômica internacional dos anos 1980 daquela que se deu um século antes é que, no caso presente, é o setor financeiro global que representa a força predominante do processo de globalização” (KREGEL, 2004, p.36). Para Carvalho (2008, p.14) trata-se de um “processo único, internacional, de formação dos preços dos ativos e, assim das taxas de juros”, enquanto a produção exige capital físico, o que denota alguma imobilidade espacial e temporal, o mercado de capitais global atuaria de forma ininterrupta com capacidade de resposta mais rápida às mudanças conjunturais, daí sua crescente variabilidade. Mas, mais uma vez, reafirma-se que “a maior integração entre mercados financeiros e de produtos teve implicações significativas para a autonomia de políticas nacionais e para os efeitos domésticos e globais de políticas econômicas nacionais” (KREGEL, 2004, p.52). Portanto, caberia ilustrar a globalização como um movimento politicamente determinado. Dessa forma, representaria muito menos o triunfo dos mercados sobre as 66 políticas e mais a imposição das políticas de um Estado sobre os demais numa estrutura já previamente hierarquizada (FIORI, 2007a). Não se trata de falar da atuação do capital em geral, mas sim das relações entre os Estados, de tal modo que a perda de autonomia será sempre referente a uma redução do poder relativo. Essas considerações não são feitas a fim de negar o impacto da globalização ou as relações de interdependência que surgem a partir daí, mas pretendem enfatizar o vetor político da globalização. Parece ser menos crível a possibilidade de desenvolvimento de um imperialismo comandado pelo capital, pois a “expansão e universalização do sistema capitalista” diz muito mais respeito ao processo de competição entre os Estados nacionais a fim de “garantir o controle de “territórios políticos e econômicos” supranacionais mais amplos do que os seus concorrentes” (FIORI, 2007a, p. 46). Finalmente, voltando ao ponto inicial, caberia resgatar quais razões de ordem política permitiram que num determinado estágio do desenvolvimento capitalista fosse dado aos países uma maior autonomia no comando de suas políticas econômicas e, na sequência, lhes fosse reduzida essa mesma autodeterminação. Como apontam Tavares e Belluzzo (2007), a chamada globalização financeira consiste numa das transformações provocadas pela “diplomacia do dólar forte” para enfrentar a vulnerabilidade do dólar, reafirmando-a como moeda de reserva e de denominação das transações comerciais e financeiras. No mesmo sentido, Braga e Cintra (2007) utilizam o termo “financeirização” (CHESNAIS, 1996) para caracterizar a supremacia do sistema financeiro americano, constituindo-se numa construção histórica a partir das relações entre o poder do Estado, do capital financeiro e da moeda fiduciária. A posição americana no pós-guerra era inconteste e foi sob a égide desse poder que se constituiu o padrão monetário internacional (Bretton Woods), o qual, na prática, tornava o dólar moeda-chave do sistema. Mas sua operacionalização se deu de modo que assegurasse o desenvolvimento capitalista tanto na Europa, quanto na Ásia, dada a Guerra Fria. Entre as ações desencadeadas a partir do governo americano a fim de estimular o crescimento dessas economias, destacam-se: mudanças nas paridades cambiais, que consistiam na manutenção do preço do ouro estável em dólar, mas com o apoio americano à promoção de desvalorizações das moedas dos demais países centrais a fim de aumentar sua competitividade externa; promoção de IDE; transferência de tecnologia; gastos militares no exterior; abertura do mercado de importações americano; ajuda externa direta e tolerância em relação às medidas protecionistas adotadas pelos países aliados (SERRANO, 2004). 67 Razões de ordem geopolítica explicam esse conjunto de ações. O cenário internacional na segunda metade do século XX foi dominado pela Guerra Fria entre EUA e URSS, havia uma ameaça permanente de “batalhas nucleares globais”, em que apenas o medo da “destruição mútua inevitável” impedia “um lado ou outro de dar o sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização” (HOBSBAWM, 1995, p.224). Para esse mesmo autor, “a Guerra Fria baseava-se numa crença ocidental (...) de que o futuro do capitalismo mundial e da sociedade liberal não estava de modo algum assegurado”. Nesse sentido, afirma que os objetivos do governo americano estavam muito mais destinados a evitar uma nova Grande Depressão do que a impedir a eclosão de uma nova guerra e os motivos para esse raciocínio poderiam ser facilmente encontrados na situação dos países europeus e do Japão no pósguerra: [...] os países beligerantes (...) haviam se tornando num campo de ruínas habitado [por] povos famintos, desesperados e provavelmente propensos à radicalização, mais que dispostos a ouvir o apelo da revolução social e de políticas econômicas incompatíveis com o sistema internacional da livre empresa, livre comércio e investimento pelo qual os EUA e o mundo iriam ser salvos (HOBSBAWM, 1995, p.228). Basicamente, portanto, como afirma Fiori (2007a, p. 88) é a “imposição das prioridades estratégicas da nova Doutrina da Guerra Fria” que explica o Plano Marshall e “todas as demais concessões feitas pelos EUA, com relação ao protecionismo dos europeus, em particular à retomada dos velhos caminhos heterodoxos das economias alemã e japonesa”. O sucesso dessas medidas visando a reconstrução dos países europeus e do Japão pode ser medido por razões objetivas, como a contínua redução do superávit comercial e de conta corrente americanos (SERRANO, 2004), pela aceleração do crescimento econômico (FRIEDEN, 2008) e pelo aumento da produtividade (HOBSBAWM, 1995; SERRANO, 2004) que diminuíram a distância relativa entres os demais países desenvolvidos e os EUA durante os denominados “anos dourados”, que começam no pós-guerra e vão até o início da década de 1970. Mas há outra maneira de enxergar o êxito dessas políticas, nesse caso, através de movimentos de contestação do poder americano por parte dos países que conseguiram se reconstruir economicamente. O “acúmulo de poder e riqueza” levou essas nações a “competir por mercados e territórios”, numa atitude de ameaça aos interesses americanos: 68 [...] acabara-se o espaço e o tempo da parceria virtuosa (...) desejavam retomar seus projetos nacionais de expansão territorial e econômica. Foi quando ocorreu a ruptura e o fim da “era de ouro” do crescimento capitalista, e terminou a “hegemonia mundial” exercida pelos Estados Unidos entre 1945 e 1973 (FIORI, 2007b, p. 90). O que deve ser observado é que “a própria extensão do sucesso da recuperação econômica dos demais países capitalistas e de seu crescimento via exportações não são explicáveis sem a postura francamente favorável da política econômica americana” (SERRANO, 2004, p. 187). A década de 1970 inicia-se sob o signo da crise econômica, “o crescimento diminuiu, os preços subiram, as recessões se proliferam e o desemprego aumentou” (FRIEDEN, 2008, p. 396). Crise também do sistema monetário internacional, dada a contestação da posição do dólar como moeda de reserva internacional. Mas a década termina com “a decisão do FED de subir unilateralmente as taxas de juros americanas em outubro de 1979 (...) uma resposta à investida de europeus e japoneses, tomada com o propósito de resgatar a supremacia do dólar como moeda de reserva” (TAVARES e BELLUZZO, 2007, p.125). Trata-se de uma mudança de orientação mais ampla destinada a “vencer a guerra fria, enquadrar os países aliados e retomar a liderança do bloco capitalista” (MEDEIROS e SERRANO, 1999, p.17). Do ponto de vista ideológico, há uma característica fundamental nesse movimento, que é o processo de transição no establishment americano, no qual Wall Street assume o papel de comando da política financeira ocupando o espaço anteriormente ocupado pelos “new dealers”. Assim “estavam definidos os interesses de classes e as bases ideológicas que orientariam o esforço americano de recuperação da sua hegemonia mundial” (FIORI, 1997, p. 115). Mas essa ruptura não se dá de forma instantânea, trata-se um processo que vai se configurando ao longo do tempo. Cabe observar que o objetivo dessa breve análise da economia americana é reafirmar o componente político do movimento da globalização. Nesse sentido, de acordo com Fiori (2007, p. 92), um passo decisivo para a globalização é dado ainda na década de 1950 com a criação do Euromarket, que operava em Londres, mas que era dominado por instituições americanas que, por sua vez, buscavam taxas de lucros mais altas e também escapar das regulações vigentes nos EUA. Na década de 1970 outras decisões são tomadas no mesmo sentido, como a inconversibilidade do dólar ao ouro, livre flutuação das taxas de câmbio, liberalização dos fluxos de capitais americanos (FIORI, 1997; TEIXEIRA, 1999 e SERRANO20, 2002 apud BRAGA e CINTRA, 2007). 20 SERRANO, F. Do ouro imóvel ao dólar flexível. Revista Economia e Sociedade. Campinas, v. 11, n. 2. 2002. 69 Porém, na década de 1980 ou, mais precisamente, a partir de 1979 que a estratégia americana de retomada do dólar como moeda internacional dá mais um passo decisivo nessa trajetória: “choque monetário-financeiro” com elevação unilateral da taxa de juros americana. Em 1979, Paul Volcker assume o comando do Federal Reserve (FED), banco central americano, sob o de governo de Jimmy Carter, o que já indicava a vitória conservadora na América na visão de Serrano (2004). Cabe observar que Volcker já fizera parte da assessoria econômica do governo Nixon, que fora eleito com o apoio da comunidade financeira e cuja equipe econômica “era radicalmente liberal” e para a qual “a desregulação dos mercados financeiros era o único caminho possível para aumentar o poder americano” (FIORI, 2007b, p. 93). A partir dali o processo de desregulamentação ganha maior profundidade dando origem aos “mercados de obrigação interconectados internacionalmente onde os governos passam a financiar os seus déficits colocando títulos da dívida pública nos mercados financeiros globais” (FIORI, 1997, p. 90). No campo político, a eleição de Ronald Reagan, em 1980, ao enfrentar o poder da classe trabalhadora, o movimento sindical e as forças progressistas (SERRANO, 2004) consagra “a reviravolta na organização e funcionamento do sistema mundial que vinha sendo elaborada, pelo menos por duas décadas precedentes. Pouco a pouco, o sistema mundial foi deixando para trás um modelo “regulado” de “governança global” liderado pela “hegemonia benevolente” dos Estados Unidos, e foi se movendo na direção de uma nova ordem mundial com características mais imperiais do que hegemônicas” (FIORI, 2007b, p.93). Para Arrighi (1996) forma-se uma nova aliança entre o poder do estado e o capital, na qual não havia espaço para a “frouxidão das políticas monetárias”. Na visão de Fiori (1997), o conservadorismo da política americana encontrará respaldo político também na Inglaterra (1979) e na Alemanha (1982) e estará associado à “revolução financeira global”, com destaque para políticas de desregulação e deflação. Nesse sentido é que Tavares e Belluzzo (2007) constatam que entre as transformações provocadas pelo fortalecimento do dólar está o avanço da globalização financeira a partir de uma contra revolução liberal-conservadora. Nessa nova ordem destaca-se a estratégia americana de enquadramento ideológico seja no campo econômico, financeiro ou político dos países aliados, notadamente os europeus e o Japão, que foram beneficiados anteriormente pela estratégia de desenvolvimento à convite. Tavares (1997, p. 29) chama atenção que este poder resulta de “uma visão estratégica da elite financeira e militar americana”, em que “seus sócios ou rivais capitalistas são compelidos, não apenas a submeter-se, mas a racionalizar a visão dominante como sendo a “única possível””. 70 Portanto, chegara-se ao fim a experiência de crescimento econômico daqueles países com o decisivo apoio do governo americano. Para Medeiros (2004, p. 139) “encerrava-se o crescimento compartilhado característico do “keynesianismo social” que caracterizou o capitalismo industrial nos pós-guerra”. Naturalmente, esse projeto é facilitado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, ou mais precisamente pelo que isso representou, ou seja, o fim da contestação do poder americano frente o poder da União Soviética. Como esclarece Mello (1997), a hegemonia americana no imediato pós-Segunda Guerra se deu num contexto em que o capitalismo enfrentava o socialismo real como ameaça potencial. Portanto, a queda do Muro representa o momento em que essa hegemonia poderia ser exercida sem que se vislumbrasse, ainda que momentaneamente, um novo bloco de poder que ameaçasse a posição da economia americana como centro dominante naqueles aspectos essenciais: controle sobre o progresso técnico, poderio militar e ordenamento do padrão monetário internacional. O novo padrão de relações entre os EUA e os demais países baseava-se no padrão dólar flexível reforçando o papel da moeda americana na economia mundial. O que pode ser evidenciado, por exemplo, pela participação do dólar nas reservas mundiais. Eichengreen e Mathieson (2000) analisando esse dado de 1989 até 1997 apontam que embora apresente uma queda no percentual de participação entre 1989-1991, desde 1992, a posição do dólar nas reservas globais do mundo teria aumentado continuamente. O perfil imperial da nova estratégia americana pós-queda do Muro, associando o padrão monetário baseado no dólar flutuante à abertura da conta de capitais impôs aos países não emissores da moeda de reserva mundial a subordinação da política macroeconômica à restrição externa, assim como levou ao conflito de interesses entre as economias e os capitais nacionais e a riqueza privada (MEDEIROS, 2004). A implicação natural desse processo é o impedimento de utilização das políticas fiscal e monetária como estímulo ao crescimento econômico. No mesmo sentido, Tavares e Melin (1997) argumentam que a adoção das políticas neoliberais implicou uma debilitação fiscal do Estado em função das elevadas taxas de juros levando a crescentes relações dívida/PIB. Finalmente, na década de 1990, a periferia “convidada” a participar da “festa” liberal. Para Fiori (1997) os países, agora denominados emergentes, aderindo ao projeto americano, seja por decisão própria, seja por “imposição dos mercados”. A convergência no campo da política econômica se deu através inicialmente dos esforços de negociação das dívidas 71 externas, sobretudo no caso latino-americano21, que foram condicionados às políticas e reformas liberais. A sujeição da periferia mundial à nova ordem econômica vigente seria consagrada num programa de estabilização e reforma econômica batizado como Consenso de Washington, que consistia em um plano de ajustamento das economias periféricas, no qual buscava-se impor uma estratégia de homogeneização das políticas econômicas (FIORI, 1997). De fato, nessa década, mediante a adoção de medidas como liberalização cambial e dos mercados financeiros privados, esses países passaram a receber “uma onda de capital financeiro internacional especulativo” (TAVARES, 1999). É a hora em que se universaliza a revolução neoliberal, promovendo por todos os lados a desregulação e a abertura das economias nacionais, permitindo que a globalização financeira alcance uma dimensão territorial sem precedentes, mesmo quando não inclua a maior parte dos estados nacionais. É a hora da incorporação dos estados menos industrializados (...) os estados mais frágeis e as elites mais submissas foram se resignando a compor esta nova realidade competindo pelos novos investimentos através de políticas cada vez mais agressivas de desregulação econômica e desoneração fiscal (FIORI, 1997, p.91). O sentido dessa breve digressão teve como objetivo ressaltar o caráter da globalização como um processo que articula o vetor político e o financeiro comandado por uma economia hegemônica. Mas como se ressaltou no capítulo anterior, os movimentos dessa mesma economia ocorrem dentro de um sistema de concorrência interestatal, ou seja, a sua posição dominante não é necessariamente permanente. Tavares e Melin (1997) apontam que as estratégias de dominação dos gestores da ordem hegemônica podem implicar perdas para os demais atores, como a incapacidade destes em desenvolverem suas potencialidades, o que, por sua vez, pode levar à promoção de políticas de resistência e/ou à construção de ordens regionais alternativas de poder político e econômico. Parece-nos que se a globalização for localizada historicamente a partir dos anos 1980 em função das liberalizações comerciais e financeiras além da revolução microeletrônica, como ocorre tradicionalmente, e que ela seria um impeditivo à execução de políticas de desenvolvimento, isso significaria que durante esse período não seria possível encontrar países que tivessem adotado estratégias bem sucedidas de desenvolvimento. Nossa hipótese é que aqueles que alcançaram, o fizeram porque os condicionantes externos e internos assim os permitiram. 21 Como esclarece Tavares e Melin (1997, p. 78), a periferia asiática tinha a seu dispor um maior raio de manobra “em função de sua inserção absoluta na esfera de influência dos EUA 72 Ademais, como afirma Polanyi (2000) as economias nacionais se movimentam entre o “princípio do liberalismo” e a “autoproteção social”. Este último, do ponto de vista da concorrência do sistema interestatal significaria “uma reação defensiva dos estados que decidem proteger seus sistemas econômicos nacionais, em situações de crise ou de competição desigual” (FIORI, 2007a, p. 60). Exatamente porque esse conjunto de forças não atua favoravelmente em todos os países a todos os momentos, o desenvolvimento tende a ser desigual, articulando trajetórias econômicas divergentes. Na tentativa de capturar essas trajetórias divergentes, o próximo capítulo aborda as discussões sobre convergência e divergência de renda presente nos modelos de crescimento econômico. Além de capturar a ideia de polarização, esses modelos parecem se aproximar da ideia de que os países se confrontam num sistema de concorrência em que suas moedas representam seu maior ou menor poder e, portanto, permitem que tenha maior ou menor crescimento, dada as restrições do seu balanço de pagamentos. 73 4. TEORIAS DO CRESCIMENTO DESIGUAL Conforme Medeiros (2001, p. 99), construiu-se na literatura econômica uma distinção entre os processos de crescimento e desenvolvimento. Esse esforço parece ter procurado enfatizar dimensões qualitativas relativas ao desenvolvimento que estariam ausentes nas trajetórias de crescimento. Nessa medida, se deu a construção de índices que procuravam captar dados acerca da expectativa de vida, educação, mortalidade infantil, entre outros. Mas para o referido autor essa distinção não se sustentaria, pois argumenta que há “estreita conexão entre o crescimento das magnitudes agregadas (produto, emprego, consumo, investimento) e as mudanças na sua composição (mudança estrutural) (...) no longo prazo (...) não há crescimento prolongado sem mudança estrutural”. Não por acaso, Jones (2000) utiliza dados de renda per capita como um indicador que sintetizaria o nível de desenvolvimento econômico, pois este estaria correlacionado com as demais medidas que pretendem medir a qualidade de vida. Ninguém, por outro lado, nega que a renda per capita tenha importante influência sobre o desenvolvimento, seja diretamente – pelo efeito sobre o consumo e bem-estar - quanto indiretamente, pela influência sobre os demais indicadores sociais. A partir deste ponto abre-se a discussão a respeito das teorias do crescimento. Às questões apresentadas nos capítulos iniciais é agora incorporada a análise macroeconômica. Com isso se pretende afirmar que no estrito campo das variáveis econômicas é possível observar tanto a operação do mecanismo de concorrência interestatal, como a importância da atuação estatal. A ligação sugerida é representada pelo papel da moeda, que se materializa através dos constrangimentos decorrentes do balanço de pagamentos, aos quais as economias periféricas estão recorrentemente expostas. A argumentação desenvolvida supõe que as contas externas do país apresentam um aspecto monetário decorrente dos efeitos da sua balança comercial mas também em função das finanças transfronteiras que atuam como limitantes à expansão econômica desses países atrasados. Nesse sentido nem todas as teorias do crescimento apresentam-se como adequadas às ideias expostas. Parte-se aqui do princípio de que o crescimento econômico e o equilíbrio automático do balanço de pagamentos, em condições de livre funcionamento das forças de mercado, geram um movimento tendencial das relações entre distintos recortes espaciais de 74 polarização, e não a convergência (THIRWALL, 2005). Assim, as teorias que advogam a convergência mostram-se inadequadas à reflexão proposta neste trabalho. De qualquer forma, opta-se por apresentar, ainda que de modo geral, quais os pressupostos e as hipóteses que são adotados naquelas abordagens que não consideram a presença da restrição externa como fator de inibição ao crescimento de longo prazo. Essa será a discussão da primeira subseção. A seguir, contemplam-se diretamente os modelos que incorporam os problemas decorrentes do balanço de pagamentos e que, a partir de suas conclusões, rejeitam a possibilidade de correção automática desses desequilíbrios pelas forças de mercado, logo, apontam para a necessidade de atuação do Estado. 4.1 RESTRIÇÃO EXTERNA: ORTODOXIA E HETERODOXIA As teorias neoclássicas e heterodoxas de crescimento procuram explicar as trajetórias de crescimento econômico a partir de bases distintas. Mesmo internamente, em cada uma dessas áreas, é possível encontrar diferenças significativas. Apesar dessa heterogeneidade alguns elementos são comuns nessas abordagens. Serrano (2011) aponta, por exemplo, que enquanto os neoclássicos possuem como características a determinação simétrica da distribuição funcional da renda por funções de oferta e demanda de fatores bem comportadas, e a tendência à plena utilização de todos os fatores de produção. A tradição heterodoxa, em oposição, parte do principio clássico do excedente para afirmar que na ausência de equilíbrio automático do mercado de trabalho e, portanto, na presença de desemprego involuntário, a distribuição da renda seria assimétrica (no caso, enviesada contra os trabalhadores). Por trás das características citadas que vigoram na tradição neoclássica há um fundamento a ser regiamente obedecido: trata-se do princípio da substituição, segundo o qual se organizariam as economias de mercado. De acordo com esta visão a quantidade utilizada de cada um dos fatores de produção responde inversamente aos seus preços relativos. Sob um regime competitivo (flexibilidade nominal e real), os preços relativos refletem a sua escassez relativa. A operação desse mecanismo permitiria, no longo prazo em condições competitivas, o pleno emprego dos fatores (SERRANO, 2011). Portanto, nestas condições o funcionamento flexível do sistema de preços impede a persistência de desequilíbrios tanto entre oferta e demanda quanto entre o crescimento dos diferentes fatores de produção. Assim, a taxa de crescimento do estoque de capital, bem como 75 a da demanda agregada (aquela que pode ser manipulada pelo governo através de instrumentos tradicionais como as políticas monetária e fiscal), não se constituem em constrangimento para o crescimento da economia. Da mesma forma, esse mecanismo parece explicar a hipótese de que em economias abertas, no longo prazo, o balanço de pagamentos não se constitui em um obstáculo às trajetórias de crescimento econômico. Fundamentalmente, os modelos heterodoxos se caracterizam por postularem que o motor do crescimento econômico está relacionado com a ampliação da demanda agregada, logo, são modelos em que a economia é “liderada pela demanda” (demand driven). Nestes, o livre funcionamento do sistema de preços tende a desencadear forças que operam no mercado de trabalho em sentido contrário. Assim, a resposta dos salários ao desemprego involuntário, por exemplo, coloca simultaneamente e operação forças de equilíbrio e desequilibradoras, não sendo possível afirmar a priori quais delas são mais fortes. Não haveria neste contexto razão teórica suficiente para se confiar na tendência automática ao equilíbrio dos diversos mercados. Ademais, não haveria evidência empírica suficiente para comprovar essa tendência ao equilíbrio. Portanto, várias restrições ao crescimento, ausentes na visão convencional, podem ser impostas. Ênfase especial à restrição externa e seus determinantes, em particular a especialização da economia, será dada nos modelos explorados. Nesse caso, admite-se que o Estado pode cumprir a função de romper com os possíveis pontos de estrangulamento ou restrições que se impõem ao crescimento. Cabe ilustrar, em maiores detalhes, de que forma o balanço de pagamentos se ajusta de tal modo que eventuais desequilíbrios não se constituem em impedimento ao crescimento, conforme a tradição neoclássica. O balanço de pagamentos, nesse caso simplificado, se restringe às transações correntes. Na vigência de um regime de câmbio fixo, o desequilíbrio externo deverá provocar variações nas reservas do BC. Haverá contrapartidas monetárias das operações de compra e venda no mercado cambial. Neste regime cambial a oferta de moeda local torna-se uma variável endógena, a depender da oferta e demanda por moeda estrangeira pelos agentes sob a hipótese de que não há operações de esterilização. Esse ponto é fundamental, pois se o governo esteriliza o impacto monetário do déficit ao recompor a base monetária, acaba por impedir o funcionamento do mecanismo que elimina o desequilíbrio externo. Sob essas condições, tome-se as relações entre a economia de dois países (Norte e Sul). Dada uma situação inicial de equilíbrio do balanço de pagamentos, admita-se que ocorra um aumento exógeno da demanda do Sul em relação aos bens produzidos no Norte. O Sul 76 passa então apresentar déficit comercial enquanto o Norte, superávit. Considera-se, nesse caso, que por rigidezes diversas não é possível compensar esses efeitos instataneamente. No mercado cambial, os efeitos desse desequilíbrio externo será um excesso de demanda no Sul e um excesso de oferta no Norte. Ao que se segue uma tendência de valorização e desvalorização cambial, respectivamente. Dado o regime cambial, o BC operará com venda de divisas no mercado deficitário, logo, recebe moeda doméstica dos agentes privados que desejam comprar divisas; ao entrar no caixa do governo, a moeda sai de circulação; cai a base monetária e, portanto, a oferta de moeda. No Norte, superavitário, o efeito é inverso. A partir daí o mecanismo de equilíbrio começará a operar através do nível geral de preços, pois onde houver excesso de oferta de moeda deverá também existir um aumento da demanda agregada. Por sua vez, no Sul, onde se apresenta um excesso de demanda por moeda, a operação se dará no sentido contrário. Se, no longo prazo, há perfeita flexibilidade de preços e salários, as variações da demanda que ocorrem nas duas economias não seriam capazes de se refletirem na produção e no emprego, seus efeitos seriam somente sobre os preços. Sendo assim, no Norte haveria aumento do nível geral de preços, o contrário ocorrendo no Sul. Essa movimentação provocaria efeitos na taxa real de câmbio: onde houve aumento de preços haverá uma valorização, e vice-versa. Dada a suposta validade da condição de Marshall-Lerner, a valorização leva a uma redução das exportações líquidas do Norte, enquanto o Sul passa a ter um novo aumento. Tais forças continuam a onerar até que estejam eliminados os desequilíbrios das balanças de pagamentos (modelo Mundell-Fleming [Fleming ,1962; Mundell, 1963]; Hume, 1752). López (2006), por sua vez, ilustra como a versão ortodoxa interpreta os efeitos de uma depreciação real sobre a produção num regime de câmbio flexível. Aqui um choque externo provoca uma depreciação cambial, a qual, considerando-se válida da condição de MarshallLerner, gera um aumento da competitividade do país, melhorando sua balança comercial 22. Dado que as exportações líquidas representam um componente da demanda agregada, a depreciação deve provocar um aumento da produção e do emprego. O autor chama atenção ao fato de que, nesse raciocínio, a redução dos salários nominais numa economia aberta teria o 22 Hicks, contudo, observou que em determinadas condições a formação de expectativas cambiais pode se tornar instável, levando à formação de bolhas especulativas. Neste contexto, a trajetória da taxa de câmbio passaria a ser controlada por fatores financeiros associados à conta de capitais e financeira, se afastando dos determinantes associados ao comércio internacional e se tornando incapaz de atuar como variável equilibradora do saldo em transações correntes. Vide Serrano e Summa (2012). 77 mesmo efeito de uma depreciação cambial, tendo em vista que, para uma taxa de câmbio nominal dada, a queda dos salários, ao levar a uma redução dos preços domésticos, implica desvalorização da taxa de câmbio real. Ironicamente, conclui o autor que “if a fall in money wages, and the consequent real depreciation of the currency, were indeed capable of bringing about an expansion of both employment and output, capitalist economies would be endowed with a very powerful built-in full employment mechanism” (LÓPEZ, 2006, p. 2). Assim, para que tal efeito fosse capaz de reconduzir a economia ao pleno emprego, seria preciso novamente supor que os efeitos equilibradores desencadeados pela redução salarial fossem mais fortes do que os desequilibradores. Mas, ainda assim, tal resultado seria restrito ao caso de uma pequena economia aberta: para o mundo como um todo não, um país aumentaria o emprego à custa de outro. A hipótese de que uma redução dos salários ao gerar uma depreciação real do câmbio tenha efeitos positivos sobre a renda também já fora posta em dúvida por Keynes (1996) e Kalecki (1991). Não por acaso, esses autores observam o funcionamento da economia segundo o princípio da demanda efetiva, que inclui a oferta agregada. Para Keynes (1980, p. 288) apud López (2006, p. 4) “mesmo que o equilíbrio seja restaurado, é à custa de uma redução grave e desnecessária no padrão de vida”. O mesmo autor coloca em dúvida a eficácia das depreciações cambiais como mecanismo de competitividade capaz de gerar aumento da produção e do emprego através da expansão das exportações, “no mundo moderno, onde os salários estão intimamente ligados com ao custo de vida, a eficácia da depreciação cambial pode ser consideravelmente reduzida”. Kalecki (1991) apud López (2006), por sua vez, chama atenção ao fato de que a depreciação da moeda, ao reduzir a participação dos salários na renda agregada, pode ter como efeito uma contração do consumo, da demanda agregada e portanto da produção, ao contrário do que conclui o pensamento convencional: […]even in such a case [in an open system] the reduction of wages does not necessarily lead to an increase in employment, and the prospects of raising the aggregate real income of the working class are even dimmer. (…) it is very likely that a reduction of wages will have an adverse effect on employment also in an open economy (Kalecki, 1991, p. 38). Além dessas evidências teóricas é possível arrolar alguns estudos empíricos a respeito da controvérsia sobre os efeitos de uma desvalorização da taxa de câmbio sobre o 78 crescimento. Kamin e Klau 23 (1997) apud López (2006) utilizam dados em painel para uma amostra de 27 países com diferentes graus de industrialização. Eles concluem que, no longo prazo, não há efeito contracionista, nem tampouco expansionista; porém, constatam o efeito contracionista da desvalorização no curto prazo sobre o crescimento. Nessa mesma linha, Missio et al. (2009) apresentam os trabalhos de Edwards24 (1986, 1989), Yiheyis25 (2006) e Kalyoncu26 et al. (2008). No primeiro são analisados 30 episódios de desvalorização totalizando 22 países em desenvolvimento. As conclusões são de que estas apresentam, no curto prazo, efeito negativo e, no longo prazo, efeito nulo sobre a produção. No artigo de Edwards, as evidências são pelo efeito contracionista. Essa é a mesma conclusão, no curto prazo, de Yiheyis (2006) ao considerar no seu estudo 20 países africanos. Finalmente, o último trabalho citado é realizado para um total de 23 países da OCDE e demonstra que a desvalorização tem impacto sobre a produção de nove desses países, com resultados contracionistas em seis deles. Por outro lado, Missio et al. (2006) destacam outros trabalhos em que a evidência empírica aponta para o efeito expansionista das desvalorizações cambiais. Esse é o caso, por exemplo, de Gylfason e Schmid 27 (1983), que registra expansão em oito países para uma amostra composta por dez nações (cinco desenvolvidas e cinco em desenvolvimento). Kim e Ying28 (2007) também apresentam esse mesmo resultado para vários países do leste asiático analisando dados anteriores à crise de 1997. Missio et al. (2006, p. 15) destacam ainda o estudo de Dollar 29 (1992) apoiado nos efeitos do câmbio sobre o produto via produtividade: “uma taxa de câmbio real competitiva (mais desvalorizada) incentiva o setor de bens tradables a investir na busca de inovações tecnológicas, o que resulta em uma maior produtividade para a economia como um todo”. O trabalho, compreendendo 95 países entre 1976-1985, indica que para países com menor renda per capita há uma maior expansão 23 KAMIN, S. e M. KLAU, M. Some multi-country evidence on the effects of real exchange rates on output. Working Paper. Basle: Bank for International Settlement, n. 48, 1997. 24 EDWARDS, S. Devaluation and Aggregate Economic Activity: An Empirical Analysis of the Contractionary Devaluation Issue. UCLA Working Paper, n. 412. 1986. _________. Exchange Controls, Devaluations, and Real Exchange Rates: The Latin American Experience. Economic Development and Cultural Change 37, p. 457–494. 1989. 25 YIHEYS, Z. The Effects of Devaluation on Aggregate Output: Empirical Evidence from África. International Review of Applied Economics, vol. 20, Issue 1, p. 21-45. 2006. 26 KALYONCU, H.; ARTAN, S.; TEZEKICI, S. e OZTURK, I. Currency Devaluation and Output Growth: An Empirical Evidence from OECD Countries. International Research Journal of Finance and Economics, Issue 14, p. 232-238. 2008. 27 GYLFASON, T. e SCHMIND, M. Does devaluation cause stagflation? Canadian Journal of Economics, vol. 16, p. 641-54. 1983. 28 KIM, Y. e YING, Y-H. An empirical assessment of currency devaluation in East Asian countries. Journal of International Money and Finance, vol. 26, Issue 2, p. 265-283. 2007. 29 DOLLAR, D. Outward-Oriented Developing Economies Really Do Grow More Rapidly: Evidence from 95 LDCs, 1976-1985. Economic Development and Cultural Change, p. 523-544. 1992 79 oriunda de um mix composto por liberalização comercial, desvalorização e manutenção da estabilidade cambial. Observa, portanto, que a controvérsia empírica sobre a relação câmbioproduto é suficientemente abrangente; no entanto, deve-se esclarecer que foge ao objetivo deste trabalho realizar uma apresentação mais significativa sobre essa literatura. No campo teórico, Serrano (2011) afirma que o ajustamento só poderia ocorrer, de fato, mediante desvalorizações e deflações de maiores magnitudes. A partir da observação de que essas alterações implicam em mudanças nos preços relativos seria preciso que os salários reais fossem plenamente flexíveis para absorver tais impactos. Mas, segundo o autor, considerando a atuação de alguma teoria assimétrica de distribuição, os salários reais seriam dados e, portanto, a possibilidade de ajustamento não seria possível. Como observa o autor, mesmo que se aceite possíveis variações dos salários, estas ocorrem dentro de certo limite, dada a noção de que existe um piso mínimo em função dos padrões sociais de subsistência. Acrescente-se ainda que quanto maior a desvalorização real, maior a queda do salário real e, portanto, do consumo dos trabalhadores. Além disso, as estruturas das taxas de lucro apresentariam, segundo Serrano (ibidem), certa estabilidade, ou, pelo menos, não apresentariam grandes divergências entre os países. Nesse caso, diferenças mais significativa de rentabilidade provocariam grandes fluxos de capital financeiro entre os países. Tendo em vista essas considerações, o autor chama atenção ao fato de que não há a perfeita flexibilidade de preços e salários que as versões neoclássicas tomam como pressuposto. A impossibilidade que a taxa real de câmbio possa vir a sofrer grandes variações a impede de exercer a função de variável de ajuste que permite o equilíbrio do balanço de pagamentos. Na interpretação de López (2006, p.6), essa impossibilidade decorreria da elasticidadepreço das exportações e importações, logo, da elasticidade da oferta e da demanda. “The trouble arises if supply capacities are limited either physically, because productive resources are specific and cannot be easily moved from one sector to another or if complementary resources (i.e. credit) are not forthcoming”. Mais precisamente, o que o autor coloca é que as restrições na oferta de insumos podem impedir que as exportações e a produção interna substitutiva das importações aumentem em termos reais de forma significativa e, portanto, ambas podem não responder adequadamente a uma possível expansão da demanda nos setores supostamente beneficiados pelo movimento cambial. Outras limitações seriam decorrentes do efeito colateral negativo da depreciação sobre os investimentos no curto prazo via expectativas; e, finalmente, haveria a possibilidade de um 80 aumento do endividamento das empresas com dívidas em moeda estrangeira. Nesse sentido, Missio et al. (2006) apresentam alguns trabalhos empíricos que testam a hipótese dos efeitos contracionistas de uma desvalorização através da redução do patrimônio líquido das empresas. Para o período de 1976-2003 a partir de uma amostra com 57 países, Bebczuk, Galindo e Panizza30 (2006) concluem que naqueles países onde a dolarização da economia ultrapassa determinado limite os efeitos tornam-se negativos. Os autores citam ainda o trabalho de Carneiro, Salles e Wu 31 (2003) que trata empiricamente da relação câmbio-crédito para a economia brasileira. Nesse caso demonstra-se que uma desvalorização cambial de 1% reduz em 0,35% o investimento via menor capacidade de endividamento da firma. Mas para os autores heterodoxos é preciso encarar o problema das elasticidades na discussão do comércio internacional em outra perspectiva. Como observam Missio et al. (ibidem, p.6), a literatura que busca questionar os efeitos expansionistas de uma desvalorização concentra sua argumentação nos efeitos redistributivos dos salários em favor dos lucros e no pessimismo das elasticidades. Nesse último caso, argumenta-se que “a resposta da demanda por exportações oriundas dos países em desenvolvimento é pouco sensível às variações nos preços (câmbio) ou ainda, que a elasticidade de substituição entre os insumos domésticos e importados é relativamente baixa, de forma que uma desvalorização cambial é incapaz de estimular o produto”. Keynes (1980, p. 288) apud López (2006, p. 3) já faria referência nesse sentido ao apontar que “in certain conditions of the elasticities involved, a depreciation in the rate of exchange may actually worsen the balance of payments”. Mais adiante serão feitas considerações especificas sobre os modelos de crescimento de Thirwall e Kaldor; no entanto, como observa Serrano (2011, p. 21), na abordagem desses autores e na de Prebisch, países especializados na produção de bens com baixa elasticidade renda “terão necessariamente que ajustar sua balança comercial limitando o volume de importações, reduzindo seu nível de atividade ou fazendo alguma substituição de importações”, de onde se conclui que “haverá restrição externa ao crescimento”. Sob tal perspectiva heterodoxa 32 apresenta-se a seguir alguns dos modelos de restrição externa. 30 BEBCZUK, R., Galindo, A. e PANIZZA, U. An evaluation of the contractionary devaluation hypothesis. InterAmerican Development Bank, Working Paper, n. 582, jul. 2006. 31 CARNEIRO, D. D.; SALLES, F. M. e WU, T. Juros, Câmbio e as Imperfeições do Canal de Crédito. Texto para Discussão, PUC-Rio, n. 480. 2003. 32 Deve-se acrescentar que nem todos os autores heterodoxos apontam que a hipótese de restrição externa seja decorrente das diferentes elasticidades-renda. No Brasil, por exemplo, Bresser-Perreira e Gala (2010, p. 667) rejeitam-na e consideram que os déficits em conta corrente teriam “causa mais simples e mais de mercado: a sobreapreciação crônica da taxa de câmbio decorrente da tendência à sobrevalorização cíclica da taxa de câmbio”. 81 4.2 O MODELO DE THIRLWALL O primeiro ponto a destacar em Thirlwall (1979) é sua filiação ao pensamento keynesiano, no sentido de que seu modelo é conduzido pela demanda; logo, rejeita o pressuposto neoclássico de que a economia opera ao nível de produto potencial no longo prazo. Assume, portanto, a validade do Princípio da Demanda Efetiva (PDE). Mas, dentre os possíveis obstáculos ao crescimento, o modelo desenvolvido por esse autor pode ser considerado o pioneiro e também o mais conhecido dentre aqueles que identificam na restrição externa o principal fator limitante à expansão econômica (CARVALHO e LIMA, 2009). Não por acaso, essa abordagem tem sido recorrente em vários trabalhos que procuram verificar a validade dessa hipótese na análise das trajetórias de crescimento dos países. (BÉRTOLA33 et al., 2002; JAYME Jr 34, 2003; SANTOS, LIMA e CARVALHO35, 2005; VIEIRA e HOLLAND36, 2008 apud CARVALHO e LIMA, 2009) Como observam Lourenço et al. (2011), a restrição externa aparece em Thirlwall (1979) como uma restrição do saldo comercial. O pressuposto é que o balanço de pagamentos é dominado, no longo prazo, pelo comportamento das exportações líquidas. Assim, exige-se que a taxa de crescimento das exportações deva ser, no mínimo, equivalente à taxa de crescimento das importações. Caso contrário, o crescimento do passivo externo líquido se tornaria insustentável. Nakabashi (2003, p. 9) sugere algumas razões para o papel central das exportações e importações no modelo. Afirma que o financiamento dos déficits em transações correntes através da conta capital, elevaria o risco de desvalorizações cambiais. Estas, posteriormente, teriam impacto negativo sobre novas entrada de capitais, o que forçaria a adoção de medidas de ajuste recessivas (inclusive levando o país a praticar taxas de juros mais elevadas), restringindo o crescimento. Em resumo, pode-se afirmar que as tentativas de crescimento além do limite permitido pelo saldo em transações correntes (STC) devem levar ao acúmulo 33 BÉRTOLA, L.; HIGASHI, H. e PORCILE, P. Balance-of-payments-constrained growth in Brazil: a test of Thirlwall’s Law, 1890-1973. Journal of Post Keynesian Economics, v. 25, n. 1, Fall 2002. 34 JAYME JR., F. G. Balance-of-payments-constrained economic growth in Brazil. Revista de Economia Política, v. 23, jan./mar. 2003. 35 SANTOS, A. T. L.; LIMA, G. T. e CARVALHO, V. R. A restrição externa como fator limitante do crescimento econômico brasileiro: um teste empírico. In: XXXIII Encontro Nacional de Economia – ANPEC, 2005, Natal. Anais...Natal, 2005. 36 VIEIRA, F. A. C. e HOLLAND, M. Crescimento econômico secular no Brasil, modelo de Thirlwall e termos de troca. Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 2, p. 17-46, ago., 2008. 82 continuado de passivo externo líquido e, eventualmente, a perdas de reservas internacionais e crises cambiais recorrentes, com consequências inflacionárias. Considerando que a exposição matemática do modelo de Thirlwall encontra-se amplamente disseminada na literatura econômica, se abstém de fazer essa apresentação formal, privilegiando suas implicações 37. O modelo apontará para a existência de uma taxa máxima de crescimento do produto real compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos. Considerando a maior relevância no saldo do balanço de pagamentos atribuído às exportações líquidas, é importante destacar os componentes que determinam as taxas de crescimento das contas do saldo comercial e de serviços. As exportações são função direta da taxa de crescimento do produto real do resto do mundo e da taxa de variação da taxa real de câmbio. Quanto às importações, a taxa de crescimento é função direta da taxa de crescimento da produção real doméstica e inversa da taxa de variação da taxa real de câmbio (LOURENÇO el al., 2010). Deve-se observar ainda que na validade da condição de Marshall-Lerner, o aumento da inflação doméstica em relação à externa irá diminuir a taxa de crescimento sustentável, que se torna função direta da taxa de variação da taxa de câmbio real. Porém, mesmo nesse caso seriam necessárias contínuas desvalorizações reais da moeda local, pois uma única variação representaria apenas uma mudança de nível das exportações e importações (LOURENÇO el al., 2010; NAKABASHI, 2003). Por fim, cabe considerar o efeito das elasticidades-renda da demanda por exportações e importações na taxa de crescimento consistente com a restrição do balanço de pagamentos: um aumento da elasticidade renda da demanda por importações a diminuiria, enquanto que uma elevação da elasticidade-renda das exportações elevaria a mesma. Adicionalmente, é preciso discutir o significado da aceitação ou não da condição de Marshall-Lerner e da hipótese de Paridade do Poder de Compra (PPC) no modelo. A primeira tende a ser mais observada nas economias que apresentem altas elasticidades-preço da demanda por exportações e importações. Na tradição ortodoxa aceitase a violação da condição de Marshall-Lerner no curto prazo, portanto, desvalorizações poderiam piorar o saldo da balança comercial; no entanto, no longo prazo, com a obediência dessa condição, a reação à desvalorização “normaliza-se”: as exportações aumentam, as importações diminuem e portanto o saldo comercial e de serviços passa a melhorar. Por outro lado, em parte da abordagem heterodoxa afirma-se que países mais atrasados tecnologicamente tenderiam a apresentar elasticidades-preço baixas mesmo para períodos 37 Neste trabalho utiliza-se, basicamente, Lourenço et al. (2010), mas pode-se acrescentar outros textos que também ilustram o referido modelo: Santos, Lima e Carvalho (2005), Nakabashi (2003), entre outros. 83 mais longos de tempo. Portanto, a violação de Marshall-Lerner implicaria que a g bp seria uma função inversa da taxa de variação da taxa de câmbio real. Em qualquer hipótese, seja da validade, seja da negação dessa condição no modelo de Thirlwall, a variação na taxa máxima de crescimento com equilíbrio de pagamentos exige contínuas valorizações ou desvalorizações reais do câmbio. Lourenço et al. (2010) consideram que a adoção da hipótese da PPC no modelo de Thirlwall (1979) se baseia em hipóteses frágeis, quais sejam: rigidez nos preços relativos verificada empiricamente; e menção a modelos teóricos, seja de concorrência perfeita, seja sob condições de oligopólio, que gerariam tal resultado. Os autores observam ainda a contradição entre a adesão de Thirwall à PPC e a crítica do autor à lei do preço único, fundamentação microeconômica da PPC. De qualquer modo, a adoção da PPC acaba implicando que as variações da taxa de câmbio são completa e exatamente compensadas por variações nos níveis de preços. Portanto, os efeitos de ganhos e perdas de competitividade decorrentes de valorizações e desvalorizações da taxa de câmbio são meramente temporários. No longo prazo, a taxa real de câmbio tende a permanecer constante. A taxa de crescimento com restrição no BP passa a ser determinada pelas elasticidades-renda da demanda das exportações e importações, dada a taxa de crescimento da produção real do resto do mundo. Nesse sentido, na interpretação de Thirlwall 38 (1997, p. 383) apud Gouvêa e Lima (2010, p. 1) “as diferenças de elasticidades-renda da demanda por importações e exportações entre países – os parâmetros que, em última instância, definem a intensidade da restrição – refletem as características de competitividade não preço dos bens e, portanto, a estrutura produtiva”. Adicionalmente, o modelo pressupõe que as elasticidades-renda da demanda seguem a hipótese da lei de Engel, de modo que a taxa de crescimento da demanda dos produtos básicos é inferior à da renda, o inverso sucedendo para o caso de produtos mais sofisticados. Portanto, a única maneira consistente de elevar a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio externo de um país é a mudança estrutural, no sentido de elevar sua elasticidade-renda da demanda por exportações e reduzir sua elasticidade-renda da demanda por importações (THIRLWALL, 2005 apud GOUVÊA e LIMA, 2010, p.1). Na concorrência interestatal essas considerações irão implicar num jogo assimétrico entre países ricos e pobres, dadas as diferenças entre as suas estruturas produtivas e as elasticidades-renda de suas exportações e importações. Partindo da tradição do pensamento 38 THIRLWALL, A. Reflections on the concept of balance-of-payments-constrained growth. Journal of Post Keynesian Economics, v. 19, n. 3, 1997. 84 cepalino, Lourenço et al. (2010, p. 10) apontam a vigência nos países pobres de vantagens comparativas na produção de bens agrícolas ou industriais de baixo valor agregado. Nesses países, a elasticidade das exportações tende a ser baixa mas, por outro lado, possuem elevada elasticidade de importações quanto aos bens produzidos nos países ricos, basicamente manufaturados de alto valor agregado. O que os permite concluir que o livre jogo das forças de mercado tende a ampliar a desigualdade da renda per capita entre os distintos países, “significando que o movimento tendencial das relações entre distintos recortes espaciais é a polarização e não a convergência”. 4.3 O MODELO DE KALDOR O segundo modelo de crescimento a ser explorado é o proposto por Kaldor (1970). Mais uma vez, o crescimento da economia é induzido pela demanda, mesmo no longo prazo. Destacando-se, particularmente, as exportações como o principal componente da demanda autônoma numa economia aberta. Conforme Freitas (2003), o autor se propõe a elaborar através de sua formulação uma explicação para as divergências entre as taxas de crescimento dos países. A partir do conceito de “causalidade cumulativa”, desenvolvido por Myrdal, Kaldor procura explorar a ligação entre as exportações e o crescimento do produto que desencadearia um círculo virtuoso de expansão da economia. Conforme a taxa de crescimento das exportações cresce, seu efeito sobre a demanda impulsiona o crescimento da produção, que gera ganhos de produtividade na indústria. Essa maior produtividade tende a se espraiar pelos demais setores da economia, gerando maior competitividade dos bens comercializáveis e, portanto, acelerando a taxa de crescimento das exportações, que desencadeará um novo processo de expansão da demanda, com efeitos sobre a produção e assim sucessivamente (BRITTO e ROMERO, 2011). Em termos formais, o modelo inicia-se a partir da seguinte equação: g = γx, (1) 85 onde “g” representa a taxa de crescimento do produto, “x” indica a taxa de crescimento das exportações e “γ” sendo a elasticidade do crescimento do produto em relação ao crescimento das exportações. Logo, o crescimento do produto consiste numa função positiva do crescimento das exportações39 (0 < γ < 1). Em que pese questionamentos contrários 40, Freitas (2003; 2009) interpreta que o modelo liderado pelas exportações idealizado por Kaldor como não apenas supondo que a economia seja conduzida pela demanda, como indica que o crescimento encontra um limite dado pela restrição externa, expresso por uma condição de equilíbrio do balanço de pagamentos. Desprezando os componentes financeiros e destacando o saldo comercial na conta de transações correntes, essa condição corresponde a ideia de que a variação no saldo das reservas internacionais seja igual a zero supõe, portanto, a igualdade entre o valor exportado e o total das importações. Mas a igualdade entre as exportações e importações pressupõe que duas condições sejam respeitadas: o orçamento governamental deve estar em equilíbrio e a poupança do setor privado deve ser igual ao investimento privado. A partir da satisfação dessas condições, Freitas (2003) chega a seguinte equação: g = x – gμ, (2) sendo “gμ” a taxa de variação do coeficiente das importações e (μ = M/Y). Dadas as equações (1) e (2) observa-se relações inversas entre γ e gμ, cuja implicação direta é que “a elasticidade de resposta ( ) da taxa de crescimento do PIB (g) à taxa de crescimento das exportações (x) tende a se reduzir quando o coeficiente de importações ( ) aumenta” (LOURENÇO et al., 2011, p. 19). Conforme Freitas (2003, p. 6), um aumento no coeficiente de importação implicaria numa taxa de crescimento das exportações maior do que 39 Medeiros e Serrano (2001, p. 106) observam que as exportações correspondem ao principal componente da demanda agregada em função tanto dos efeitos do multiplicador sobre o consumo, como acelerador sobre o investimento agregado, mas também através do “seu papel no financiamento e relaxamento da restrição externa ao crescimento é absolutamente central e estratégico para todos os países, com a exceção daquele que emite a moeda de circulação internacional”. 40 Blecker (2009) e Thirwall e Dixon (1979) apud Lourenço et al. (2011) adotam a perspectiva de que a abordagem kaldoriana estaria equivocada na construção da equação (1). Para esses autores é apenas através da demanda que as exportações afetam o crescimento. Portanto, recusam que a equação represente alguma restrição do balanço de pagamentos, argumentando que caso houvesse a equação traria algum tipo de referência ao comportamento das importações. Mas como observam Lourenço et al. (2011), se a economia é liderada pela demanda é preciso justificar o protagonismo das exportações frente aos demais componentes da demanda, como ilustra a referida equação. É nesse ponto que os autores cometem o erro na sua elaboração. Nesse sentido, Blecker (2009) sugere uma nova forma para a equação, de modo a incluir as variáveis supostamente ausentes. 86 a taxa de crescimento do produto para que esta seja positiva, por sua vez, “se o coeficiente de importação decresce, uma taxa de crescimento do produto positiva seria compatível com uma taxa de crescimento das exportações menor que a taxa de crescimento do produto”. Lourenço et al. (2011) argumentam ainda que uma vez que o coeficiente de importações se eleve, a demanda deve diminuir, assim como maiores serão as dificuldades para o financiar o balanço de pagamentos, esses dois fatores contribuirão para a redução do produto. Assim, concluem que Kaldor ao formular a equação (1) estaria contemplando também a restrição do crescimento via componente externo. Mas como o modelo rejeita implicitamente a PPC, logo após definir a função de demanda por exportações será necessário incluir o processo de formação dos preços domésticos, no qual se exclui os efeitos das variações cambiais. Nesse caso, as variações da taxa de câmbio não são compensadas por iguais variações nos níveis de preços. Os salários reais podem ser comprimidos indefinidamente por desvalorizações cambiais reais ou, alternativamente, variações cambiais afetam a taxa de crescimento das exportações, logo, a taxa de crescimento do produto. A expansão dos preços domésticos é definida como função das taxas de variação dos salários nominais, da produtividade do trabalho e do mark-up sobre os custos do trabalho. Considerando que os salários nominais e o mark-up são variáveis exógenas, a taxa de crescimento da produtividade será num componente chave do modelo. Kaldor estabelece uma relação estrutural entre esta e a taxa de crescimento da produção, através da seguinte equação: a = aa + λg (3) onde aa indica o crescimento autônomo da produtividade e λ (0 < λ < 1) corresponde ao coeficiente de Verdoorn, que expressa exatamente como o crescimento da produtividade responde a uma aceleração da taxa de crescimento da produção. A equação (3) ficou conhecida como “lei de Verdoorn” e dentro do modelo de Kaldor permite a existência de crescimento cumulativo: “crescimento do produto aumenta a produtividade do trabalho, reduzindo o preço dos bens domésticos que leva, consequentemente, a uma nova rodada de crescimento das exportações” (BRITTO e ROMERO, 2011, p. 9). Supostamente, então, seria possível concluir que a teoria consegue explicar porque a taxa de crescimento dos países não tende a convergir. Mas, como observam 87 Britto e Romero (2011), não é a simplesmente a relação entre produtividade e produto que explica por si só a polarização das taxas de crescimento dos países. O diferencial decorre exatamente dos distintos níveis do coeficiente de Verdoorn. Dixon e Thirlwall41 (1975) apud Brito e Romero (2011) chamam atenção ao fato de que dada a ocorrência de rendimentos crescentes de escala e a presença de bens com alta elasticidade renda da demanda na indústria, o impacto do coeficiente de Verdoorn tende a ser maior nesse setor. Kaldor42 (1975) apud Marinho et al. (2002, p. 6) explicita algumas dessas economias de escala que estariam presentes em países ou regiões mais desenvolvidas, a saber: mercados internos mais dinâmicos e maior capacidade exportadora que facilitam o crescimento das empresas, o que as permite obter ganhos crescentes de produtividade originários “do desenvolvimento das atividades produtivas, dos conhecimentos dos trabalhadores, das facilidades de difusão de novos conhecimentos, da existência de economias de aglomeração etc”. Como aponta Britto (2007), Kaldor, ao se referir às economias de escala, incorpora tanto os efeitos estáticos decorrentes do aumento da escala de produção frente à capacidade instalada, como também efeitos dinâmicos, nesse caso originários do processo de learning by doing. Uma vez aceitas essas constatações é possível afirmar que diferenças nos níveis de industrialização tendem a afetar o mecanismo que estimula o processo cumulativo proposto. Desse modo, Lourenço et al. (2011, p. 23) têm razão ao concluírem que “o círculo cumulativo (...) configura-se virtuoso para o país/região que dispõe de um maior parque industrial; em contrapartida (...) vicioso para aqueles (...) que apresentam estruturas produtivas menos diversificadas com as quais o primeiro transaciona”. 4.4 O MODELO DE GODLEY E LAVOIE O último modelo apresentado é o proposto por Godley e Lavoie (2007). O seu ponto de partida está numa suposta falha que os autores identificam na construção de um paradigma que se oponha à teoria neoclássica. A base de construção desse pensamento alternativo encontra-se naqueles autores associados basicamente a Keynes e Kalecki. No entanto, 41 42 DIXON, R., e THIRLWALL. A. P. A Model of Regional Growth-Rate Differences on Kaldorian Lines. Oxford Economic Papers, v. 27(2), p. 201-214. 1975 KALDOR, N. Economic growth and the Verdoorn law: A comment of Mr. Rowthorn's article. The Economic Journal, v. 85, p.891-896. 1975. 88 apontam que os modelos derivados dessas contribuições se ressentem da falta de coesão teórica, em que as principais variáveis econômicas são tratadas isoladamente, não oferecendo, portanto, uma visão global do funcionamento do sistema econômico. A partir dessas constatações, os autores se propõe, explicitamente, “to lay the foundations for a methodology which will make it possible to start exploring rigorously how real economic systems, replete with realistic institutions, function as a whole” (GODLEY E LAVOIE, 2007, p. 4). O resultado desse empreendimento resultará na construção dos denominados modelos stock-flow consistent (SFC). A análise macroeconômica que considera o comportamento interligado entre fluxos e estoques pode ser encontrada em trabalhos desenvolvidos por Tobin (1980, 1982) e, paralelamente, por autores ligados à “escola de Cambridge” através do Cambridge Economic Policy Group (CEPG). Essa introdução à apresentação do modelo tem como objetivo apenas situá-lo teoricamente, de modo que foge ao escopo do trabalho incluir maiores considerações sobre como se deu o processo de evolução dessa abordagem. Cabe apenas observar ainda algumas características mais gerais sobre os modelos SFC. Para Macedo e Silva e Dos Santos (2008), a vantagem dos modelos SFC está na possibilidade de desenvolver o arcabouço teórico keynesiano, ultrapassando a contradição entre o “longo-prazismo” ortodoxo e o “curto-prazismo” pós-keynesiano. Sarquis e Oreiro (2011, p.2) indicam que esses modelos se caracterizam pelo uso lógico e “completo de identidades contábeis que permitam que todos os fluxos tenham uma contrapartida correspondente em termos de variação de estoques e que toda a riqueza existente na economia seja inteiramente alocada entre os diversos agentes e setores da economia em consideração”. Pontualmente, Tobin (1982) apud Godley e Lavoie (2007) já apontara as principais características dessa abordagem, destacando: acompanhamento da evolução dos estoques ao longo do tempo; diversidade de ativos e taxas de retorno; modelagem das operações financeiras e de política monetária; inclusão da restrição orçamentária individual mas também para a economia com um todo. Todas estas características estão presentes na proposição de Godley e Lavoie (2007) a ser apresentada. A expectativa dos usuários de modelos desse gênero é que haja concordância quanto ao método, mas divergências entre os modelos específicos, sobretudo porque os resultados dependem das equações comportamentais que são associadas às equações contábeis. Godley e Lavoie (2007) apresentam diversos modelos com crescentes graus de complexidade a fim de torná-los mais realísticos. O modelo abordado neste trabalho será a primeira versão para economia aberta, portanto, mais simplificado. Nesta versão, os 89 resultados confrontam diretamente qualquer versão que pressuponha equilíbrio automático do balanço de pagamentos, sendo essa a principal questão a ser abordada nessa seção. A parte inicial dos modelos SFC consiste na construção de uma matriz revelando os agentes que estão inseridos no processo a ser analisado, assim como ilustrando seu estoque de riqueza e suas relações interdependentes. O pressuposto é que cada variável implica uma transação entre dois setores em determinados lugar e período de tempo. O modelo a ser apresentado consiste num modelo de economia aberta abordando as relações estabelecidas entre dois países, denominados Norte (N) e Sul (S). O quadro 3 indica o balanço patrimonial das famílias, governo e banco central (Bc) de cada país. As colunas 2 e 5 mostram a composição do portfólio das famílias dos países N e S, respectivamente, consistindo na escolha entre moeda (Hf) e títulos públicos (Bf). A soma dos dois representa o seu estoque de riqueza/patrimônio líquido (Vf). As colunas 4 e 7 representam o balanço do banco central em cada uma dessas economias. Este é o responsável pela emissão de moeda, e também adquirem parte dos títulos públicos (B bc), agregando-os ao seu estoque de ativos, aos quais se adiciona ainda um estoque em reservas de ouro (or.pg.xr). O valor das reservas em ouro é dado por uma quantidade física (or) multiplicado pelo preço do ouro (pg) expresso na moeda do país dominante, no caso, S. Logo, para N é necessário converter o valor de suas reservas, o que é feito através da multiplicação pela taxa de câmbio vigente (xr). O patrimônio líquido do Banco Central (BC) é sempre igual a zero, conforme Godley e Lavoie (2007, p.32): “This is because the profits of the central bank are always returned to the general revenues of government”. Finalmente, as colunas 3 e 6 indicam o comportamento do patrimônio líquido do governo, que pode ser positivo ou negativo, mas que sempre é resultado da evolução das finanças públicas ao longo do tempo. Quadro 3 – Balanço Patrimonial da Economia de Dois Países Famílias N (2) Moeda (+) HNf Títulos BNf (+) Governo N (3) N (-) B Reservas Ouro Estoque Riqueza Σ Bc N (4) Famílias S (5) (-) HNh (+) HSf BNbc BSf (+) (+) Governo S (6) S (-) B (+) or .pNg.xr N Bc S (7) Σ (-) HSf 0 (+) BSbc 0 (+) orS.pSg orN.pNg.xr + orS.pSg (-) VNf (-) VNg 0 (-) VSf (-) VSg 0 (-) orN.pNg.xr + orS.pSg 0 0 0 0 0 0 0 Obs.: Os estoques de ativos têm como entrada um sinal positivo (+) enquanto os estoques de passivos apresentam um sinal negativo (-). Fonte: Godley e Lavoie (2007) 90 Adicionalmente, deve-se esclarecer que uma vez definidos os estoques de riqueza é necessário compreender os fluxos financeiros gerados entre os setores. O Quadro 4 procura descrever as transações intersetoriais que estão implicitamente contidas no Quadro 3. Quadro 4 – Fluxo de transações País Norte Consumo Famílias (2) Firmas (3) (-) CN (+) CN Gastos públicos (+) GN XN p/ S (+) XN S Governo (4) BC (5) (6) (+) YN Juros Títulos Impostos ∆ Moeda ∆ Títulos r-1.BN-1 (+) rN .B 1 bc-1 (-) T N (-) ∆HNf (-) ∆BNf (+) T (+) 0 0 .xr 0 r-1.BNbc (-) IM (+) (-) YS r-1.BSf-1 0 S (-) r-1.B (-) r-1.BNbc- -1 (+) r-1.BSbc-1 1 (-) TS (-) ∆BNbc (-)orN.pNg 0 (-) GS 0 (+) ∆H (+) ∆B 0 S N N Σ BC (10) (+) XS N ∆ Reservas 0 (+) CS (+) YS (-) Resultado BC (-) CS Governo (9) .xr (-) YN (+) rN 1.B f-1 Firmas (8) (+) GS (-) IM PIB Famílias (7) (-) GN N X p/ N Σ País Sul (-) ∆HSf (-) ∆BSf 0 0 (-) rS .B 1 bc-1 0 (+) TS 0 S 0 ∆BSbc 0 (-)orS.pSg 0 0 0 (+) ∆H S (+) ∆B .xr 0 (+) rS 1.B bc-1 0 0 (-) Fonte: Godley e Lavoie (2007) Os agentes foram separados por países, de modo que as colunas 2, 3, 4 e 5 ilustram as famílias, produtores, governo e banco central de N, enquanto as colunas 7, 8, 9 e 10 indicam esses mesmos agentes para S. Mas deve-se observar uma coluna adicional (6) representando a taxa de câmbio inserida nas linhas referentes às exportações (X), importações (M) e reservas de ouro. Esse procedimento se justifica pela necessidade de que a soma dos elementos de cada linha seja igual a zero. Por uma simplificação do modelo, os agentes de cada país só podem adquirir ativos domésticos. Outra suposição mostrada nas colunas 3 e 8 é que apenas as firmas são responsáveis pelo comércio exterior, o que pressupõe a exportação e importação de bens intermediários ou que, na realidade, as empresas atuam como intermediários, ou seja, adquirem bens finais para posteriormente revendê-los aos consumidores. 91 Ademais, o Quadro 4 mostra um sistema contábil tradicional no qual cada entrada envolve uma contrapartida, ou seja, para cada ativo de um determinado agente haverá um correspondente passivo para outro agente. Estabelecidas as transações internas a cada economia e aquelas envolvendo as duas economias, pode-se partir para a construção formal do modelo. Godley e Lavoie (2007) consideram uma economia aberta de dois países com câmbio fixo. A renda nacional (Y) em cada uma dessas economias será denominada por: Y = C + G + X – M, onde C representa o consumo, G, os gastos do governo e (X – M), as exportações líquidas. Observe-se a partir da equação (1) que uma das hipóteses do modelo é a ausência do componente investimento e estoques de capital e de mercadorias. Em relação ao setor externo, supõe-se que as importações são função direta de Y: M = μY, em que μ corresponde à propensão a importar. As exportações são ajustadas de acordo com a taxa de câmbio, xr representa a taxa que converte os preços do país Norte em termos da moeda do país Sul, assim: XN = MS/xr XS = MN.xr, considere-se para as equações acima e todas as demais que as variáveis relacionadas ao país Norte tem um expoente N, enquanto que todas as variáveis para o Sul devem ter um sobrescrito S. O consumo das famílias é uma função da renda pessoal disponível (YD) e do estoque de riqueza no período anterior (V-1): C = α0YD + α1V-1, α0 e α1 são parâmetros do comportamento do consumidor. A renda pessoal disponível (YD) equivale à renda total (Y) subtraindo-se a arrecadação (T) mas com o acréscimo dos pagamentos do serviço da dívida (r-1 . Bh-1), nesse último também para o instante anterior : 92 YD = Y – T + r-1 . Bh-1, aqui “r” representa a taxa de juros e é uma variável exógena enquanto B h representa a dívida pública, os títulos emitidos pelo governo. Ainda em relação às famílias, o seu estoque de riqueza (V) é dado pelo volume de riqueza já acumulado (V -1) mais a diferença entre a renda pessoal disponível e o montante destinado ao consumo (C): V = V-1 + (YD – C). No que diz respeito à atuação do governo, o modelo considera os gastos (G) como exógenos, assim como a alíquota tributária (θ), enquanto a arrecadação (Y) é função direta de Y: T = θ (Y + r-1 . Bh-1). Finalmente, cabe mencionar a atuação do Banco Central (BC) ou, mais precisamente, o comportamento das políticas monetária e fiscal nesse modelo. Para isso considere-se inicialmente a demanda por moeda (Hh) e títulos (Bh) por parte das famílias: Hh = V – Bh Bh = λ0 + λ1 . r – λ2 . (YD), V V onde λ0, λ1 e λ2 representam o comportamento dos agentes na administração do seu portfólio. Com a construção do modelo, os autores partem para simular mudanças nas variáveis da economia desses países. Um dos casos considerados é o aumento da propensão a importar no Sul, que gera um aumento repentino na produção no Norte e uma correspondente diminuição na produção do próprio Sul. No entanto, esses níveis de produção não são permanentes. Para os autores há efeitos de feedback entre as regiões que levam essas economias para um novo estado de equilíbrio, tal que a produção torna-se constante. Nesse novo estado estacionário ou quase estacionário, como ressaltado, o Sul enfrenta uma situação de déficits gêmeos, comercial e fiscal, explicitado na seguinte equação: 93 G – T = M – X, isto é, um déficit orçamentário do governo é acompanhado por um déficit comercial equivalente. A causalidade é motivo de controvérsia na literatura e Godley e Lavoie (2007) consideram que a mesma se dá no sentido de que os déficits comerciais causam majoritariamente déficits no governo. Considerando que os autores rejeitam a abordagem do modelo Mundell-Fleming, no qual haveria um mecanismo endógeno de equilíbrio, qualquer excesso das importações sobre as exportações em cada um dos países deve ser coberto através das suas reservas, ou seja,esse déficit comercial é financiado pela perda de reservas. No país superavitário as reservas devem aumentar. Para o país que apresenta déficit deverá ocorrer um aumento da relação dívida pública/renda. E é essa expansão da dívida que permite falar em um estado quaseestacionário, tendo em vista que há variáveis que estão mudando. Vejamos então como se dá a atuação do BC. Uma vez que a taxa de juros é uma variável exógena no modelo, o BC busca mantê-la no mesmo nível ao operar sua carteira de títulos. Isso deve ser feito através de um mecanismo de compensação entre a variação das reservas e o estoque da dívida pública. No caso do país superavitário, o aumento das reservas tem como contrapartida uma queda contínua no estoque de dívida pública, isto é, a queda da dívida pública compensa o aumento das reservas que não for acompanhado por um aumento na demanda por moeda. Por outro lado, no país deficitário, a perda de reservas será compensada por um aumento do déficit orçamentário. O mecanismo de compensação do déficit orçamentário, remove toda a alavancagem que a perda de reservas supostamente exerceria sobre o sistema monetário, suposta na abordagem monetária do balanço de pagamentos. Não há uma “esterilização” deliberada da queda de reservas, e sim uma decisão do BC de estabelecer certa taxa básica de juros e operar sua carteira de títulos em conformidade a esta. O modelo acaba então incorporando um mecanismo de esterilização automática e endógena da base monetária. A “tese da compensação” afirma que alterações nas reservas cambiais serão geralmente compensadas por mecanismos endógenos que estão vinculados ao comportamento normal do BC e ao de outros agentes econômicos. Isto significa que o BC, para manter a taxa de juros definida, compensa a saída e a entrada de reservas através do estoque da dívida pública. No entanto, há um limite para essa perda de reservas, ou ainda, o BC só pode continuar perdendo-as enquanto elas existirem. Na ausência de transações internacionais 94 envolvendo capital privado e na vigência de regime cambial fixo, a única maneira de estancar a perda de reservas seria mediante a aplicação de políticas fiscais contracionistas ou protecionistas: a produção deveria ser reduzida até o ponto em que o equilíbrio do balanço de pagamentos seja restabelecido. Partindo do pressuposto de que as exportações são exógenas e que a propensão a importar não pode ser modificada, a única maneira de atingir o estado super-estacionário, para um país com um déficit comercial seria através da redução dos gastos do governo ou aumento da alíquota tributária. Na simulação em que os gastos do governo no país deficitário são reduzidos e simetricamente os países deficitários aumentam seus gastos, os resultados apontam que, de fato, deverá ser atingida uma posição comercial e fiscal equilibrada. O custo dessa política será que no novo estado estacionário, o nível de renda será menor em relação ao momento inicial se os gastos governamentais permanecerem constantes. Esse processo (queda na renda) será agravado se a variação nos gastos não for simétrica, isto é, se o país superavitário não reagir ao seu superávit comercial com expansão dos gastos, ainda que as posições de equilíbrio sejam atingidas. O principal obstáculo para esse tipo de decisão é o risco de recessão econômica, já que não se exerce nos países superavitários a mesma pressão para inflar suas economias. Pelo contrário, a possibilidade de um superaquecimento dessas economias e o consequente risco inflacionário são razões suficientes para a rejeição de políticas tais como o aumento dos gastos do governo ou redução de impostos. Outro padrão de ajuste seria através da taxa de juros. Numa economia real o aumento da taxa de juros desacelera a economia, reduz as importações, atrai capital estrangeiro e mantém ativos no mercado financeiro doméstico. Mas no modelo proposto, as taxas de juros não teriam essa eficiência. Porém os autores procuram explorar o papel da taxa de juros como variável de estabilização da economia. Inicialmente substituem a hipótese de taxa de juros dada para incorporar a ideia de que as taxas de juros reagem às variações nas reservas. Nesse sentido, o BC passa a ter uma função de reação em que há a necessidade de uma decisão discricionária e ação proposital do BC. Os autores procuram esclarecer que o aumento nas taxas de juros não é resultado da vigência de qualquer mecanismo de mercado espontâneo, mas uma escolha política das autoridades monetárias. A mudança na taxa de juros passa a responder negativamente às mudanças nas reservas de ouro. Mas a questão fundamental para os autores diz respeito ao efeito estabilizador da taxa de juros. Nesse sentido, apontam que os dados da sua simulação projetam um elevado grau de instabilidade. “The model becomes rather chaotic, and the results vary considerably from on 95 set or parameters to another. Sometimes the model explodes, sometime it converges to a quasi steady state...sometimes it seems to go nowhere” (Godley e Lavoie, 2007, p. 207). Dados os resultados quanto à taxa de juros, restaria a estabilização através da política fiscal mas, como indicam os autores, esta se ressente de uma clara assimetria na economia mundial, em que há uma pressão para que os deficitários façam contração sem que ocorra a mesma pressão para que os superavitários promovam expansão. Quando há um déficit comercial que leva à eliminação das reservas cambiais, exigem-se medidas que levem à redução das importações e ao desaquecimento da economia. A mesma urgência não se revela para o caso de países superavitários, nos quais os policy markers tendem a ficar satisfeitos com os resultados do saldo comercial positivo e excedente do governo. 4.5 RESTRIÇÃO EXTERNA E DESENVOLVIMENTO A apresentação desses modelos esteve aqui à serviço das discussões apontadas nos capítulos anteriores. Nestes afirmou-se que a ideia mais simples de desenvolvimento o relaciona com aumento da produtividade. No entanto, acrescentou-se que essa definição, embora não esteja incorreta, obscurecia as razões de ordem política que estão incorporadas nesse processo. Mais precisamente, apontou-se que o desenvolvimento consiste em um processo conflituoso e competitivo porque envolve mudanças nas estruturas sociais e, portanto, nas relações de poder que, desse ponto de vista, se manifestam por uma disputa em alcançar posições hegemônicas. Mas, considerando que este conflito envolve blocos de interesses internos e também uma disputa interestatal, adotou-se como hipótese que o desenvolvimento apresenta condicionantes externos e internos em que aqueles teriam maior preponderância. Naturalmente, isso não significa que estas razões de ordem política não possam ser captadas através das variáveis econômicas. Exatamente neste sentido é que procurou-se apresentar os modelos de crescimento com restrição externa. Nesse caso, o balanço de pagamentos corresponde a representação de que os países que não são emissores de moeda central e, portanto, mais fracos diante do sistema de concorrência interestatal, haverão sempre de enfrentar o fato de que precisam resolver o problema de suas contas externas. O balanço de pagamentos aqui ilustra, simplesmente, que no desenvolvimento, a moeda sempre importa. 96 Os modelos apresentados se coadunam com a hipótese apresentada, em que pese suas diferenças, na medida em que ilustram que os países estão envolvidos, no comércio internacional, em um jogo assimétrico. Nos casos dos modelos de Thirlwall e Kaldor, essa caracterização nos parece explícita. O primeiro porque supõe distintos comportamentos das elasticidades-renda das exportações e importações que, por sua vez, refletem as diferenças no tocante as estruturas produtivas que envolvem países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Essa caracterização, caso não ocorra nenhuma interferência de um agente externo, tende a ser permanente, logo, implicando em um processo de polarização da renda em que os países pobres estariam condenados a esta situação. No caso de Kaldor, a mesma conformação produtiva irá aparecer através do mecanismo de causação cumulativa da produtividade sobre o crescimento da produção. Países desenvolvidos absorvem indústrias com maior conteúdo tecnológico, logo, apresentam maiores níveis de produtividade. Estes aceleram a taxa de crescimento do seu produto, o que, por sua vez, permite maiores incrementos na sua produtividade, que impactam novamente, a produção, e assim sucessivamente. No caso dos países atrasados, o mecanismo também será vigente, no entanto, sua indústria menos diversificada, com menores índices relativos de produtividade, apresenta restrito impacto sobre o crescimento do seu produto que, no ciclo seguinte, reflete-se em uma menor produtividade incorrendo essas economias em um círculo vicioso da pobreza. Godley e Lavoie, por sua vez, não apresentam uma caracterização explícita da estrutura produtiva dos países envolvidos no seu modelo. Mas cabe fazer duas observações que nos permitem aproximar sua construção com aquelas apresentadas nos demais modelos. O primeiro aspecto é que os déficits no Sul são decorrentes de um aumento inicial da sua propensão a importar, o que nos permite caracterizá-la basicamente como uma economia periférica. Essa extrapolação do modelo deriva da observação ademais apontada por diversos autores43 de que o crescimento dessas economias, logo, da sua renda, dada a sua produção industrial menos diversificada, acaba esbarrando em uma maior a propensão a importar - seja de bens de consumo, através da imitação dos padrões de consumo dos países ricos, seja pela necessidade de adquirir matérias-primas e bens de capital. Como apontam Medeiros e Serrano (2001, p. 118) essa percepção indica a necessidade de internalização da produção dos bens de capital “porque a menor propensão marginal a importar e elasticidade-renda das importações 43 Prebisch (1949), Furtado (1952), Kaldor (1978), entre outros. 97 permite que a expansão do mercado interno não esbarre rapidamente numa restrição de balança de pagamentos”. A segunda observação refere-se ao fato de que, desconsiderando as razões que possam ter levado ao déficit, são nos países periféricos que se verifica a presença de déficits crônicos na balança de pagamentos não apenas no que diz respeito à balança comercial mas também em relação ao pagamento de juros e amortizações. Esse argumento é apontado por Minsky 44 (1994) apud Amado (2007, p. 7), segundo o qual os déficits teriam como financiamento o acúmulo de dívidas de curto prazo mas, nesse caso, obtido através da manipulação da taxa de juros. Nessa interpretação, a fatura dessa dívida seria cobrada em movimentos especulativos “contra as moedas dos países deficitários, seguida de perdas de reservas externas e de depreciações de suas taxas de câmbio. Este processo seria crônico, implicando em prosperidade nos países credores à custa do empobrecimento relativo de seus vizinhos”. Assim, na nossa concepção, ao ilustrar economias superavitárias e deficitárias, o modelo de Godley e Lavoie acabaria por trabalhar nas mesmas linhas mestras do esquema centro-periferia. Ademais, são nos países periféricos que se apresentam as maiores dificuldades para o financiamento dos déficits externos. Na nossa concepção, os três modelos apontam para a ineficiência do livre funcionamento das forças de mercado em gerar o equilíbrio da balança de pagamentos exclusivamente via preços relativos, mesmo no longo prazo. Porém, mais do que a insuficiência empírica dos modelos tipo Mundell-Fleming, os modelos apontam que se houvesse a vigência do livre comércio entre os países, se reforçaria a tendência a uma permanente polarização da riqueza, com destaque para uma conformação heterogênea das estruturas produtivas dos países ricos e pobres, e consequentes graus diferenciados de elasticidade-renda da demanda para os seus bens comercializáveis. Finalmente, cabe apontar que a restrição externa apontada aqui consiste apenas na forma de manifestação das relações de poder. Sendo assim, não é possível ignorar o papel do Estado como agente que tem a capacidade de interferir nessa conformação. Mas, como foi observado, essa interferência acaba por envolver discussões de ordem política relativas à inserção externa do país dependente; e não apenas das suas relações internacionais, mas também da disputa entre suas estruturas internas. Assim é que nos permitimos observar que o desenvolvimento envolve condicionantes externos e internos. 44 MINSKY, H.P. Integração Financeira e política monetária. Economia e Sociedade. Campinas, n. 3, dez.,1994. 98 No entanto, essa discussão esteve, quase sempre, restrita ao atraso relativo entre as nações. Questiona-se em que medida essa mesma abordagem pode adentrar o campo das disparidades interregionais: como a partir dessa literatura é possível encontrar explicações que deem conta das distâncias relativas entre os níveis de riqueza, por exemplo, entre as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. O próximo capítulo ocupa-se dessa discussão acerca das diferenças de renda dentro de um mesmo espaço nacional. 99 5. DESENVOLVIMENTO REGIONAL Este capítulo irá tratar especificamente de questões relativas ao desenvolvimento regional. No entanto, a ressalva a ser feita é que este não se constitui num caso totalmente a parte do desenvolvimento “em geral”, conforme algumas particularidades. Mas, como será possível observar, mesmo alterando a escala espacial, muitos dos argumentos válidos na discussão sobre o desenvolvimento das nações são também válidos na explicação do desenvolvimento desigual, polarizado, que se verifica entre diferentes regiões de um mesmo território nacional. Especificamente, busca-se incorporar a discussão da desigualdade e desenvolvimento regionais partindo do pressuposto de que a complexidade desses fenômenos aceita argumentos em escalas distintas. Desse modo, a identidade sócio-espacial não seria resultado apenas de condicionantes internos mas, sobretudo, da articulação do espaço em suas diversas dimensões. Em termos teóricos aproxima-se muito mais dos argumentos expostos no estudo do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN, 2009), no qual defendese a necessidade de industrialização do Nordeste a partir da transferência de argumentos originalmente desenvolvidos para a estrutura das relações econômicas que envolviam países centrais e periféricos. Portanto, rejeita-se a hipótese de que os desequilíbrios regionais possam explicados apenas em função do próprio processo histórico de desenvolvimento de cada região. Como contraponto, pode-se apontar que na obra de Wilson Cano aceita-se esse tipo de argumentação, como o mesmo explicita em Cano (2008, p. 38): “a causa ou o agravante do atraso e da miséria das regiões mais pobres [reflete o fato de que cada uma das regiões] havia tido uma história e uma trajetória econômica específica, que lhes deixou uma herança cultural, demográfica e econômica”. Esse tipo de argumento, que busca na escala regional encontrar as explicações para as desigualdades, supõe que não há nenhuma causalidade decorrente da escala nacional ou interregional. Ressalte-se que embora essa explicação de caráter simplista negue os condicionantes externos, ela é positiva, pois apreende o conceito de região como algo mais do que um recorte geográfico ao introduzir uma perspectiva mais ampla, em que aspectos históricos e socioculturais também têm seu peso como fatores determinantes. Mesmo que se considere que cada unidade territorial traz em si uma herança construída a partir dos seus conflitos sociais internos e/ou das condições de preservação do poder de suas forças conflitantes, absolutizar sua importância como geradora do atraso 100 econômico implicar tornar “uniescalar” um processo que é resultado de múltiplas escalas das relações de poder. Se o processo de desenvolvimento no plano interestatal possui uma centralidade derivada das relações de poder internacionais, talvez possamos estender o fio condutor das relações de poder indicado por Fiori (2004, 2008) para uma escala diferente daquela que o autor aborda, tentando articulá-las no plano interno. Logo, o Estado Nacional não pode ser excluído dessa discussão, pois sob sua orientação, ainda que implícita, essa herança é construída, preservada ou alterada. Procura-se, então, resgatar a dimensão nacional na explicação das desigualdades regionais. Dadas essas considerações, pode-se apontar que enquanto a discussão anterior centrava-se no desenvolvimento como uma disputa entre os Estados Nacionais, deste ponto em diante o debate concentra-se no contexto regional. Sugere-se que embora o desenvolvimento nacional não implique na eliminação dos desequilíbrios regionais, não há planos regionais de desenvolvimento bem sucedidos que desconsiderem o contexto macroeconômico. O bom desempenho econômico das regiões é derivado não apenas da superação de barreiras internas, mas também da contribuição de condicionantes exógenos à região, assim é que o desenvolvimento regional prevê uma discussão prévia sobre a política nacional de desenvolvimento A adoção de políticas específicas voltados ao desenvolvimento das regiões traz subjacente o debate em torno da possibilidade ou não de convergência de renda quando o país entra em uma trajetória de expansão econômica. Caso aceite-se a hipótese de convergência haveria pouca justificativa para os esforços estatais cuidando das áreas economicamente atrasadas. O crescimento econômico, nesse caso, tenderia a espraiar-se por todo o espaço territorial pelas forças de mercado. Conforme será exposto, rejeita-se não apenas a possibilidade de convergência mas, adicionalmente, considerasse que o mercado, por si só, pode ser muito mais interpretado como um elemento de acentuação das divergências regionais de renda. De qualquer modo essa tentativa de transplantar argumentos desenvolvidos para uma determinada para outra tem seus riscos. A experiência de industrialização da região Nordeste do Brasil, que consistiu em uma tentativa de repetir nos espaços mais atrasados o desenvolvimento industrial de São Paulo que, por sua vez, permitira ao país modificar sua estrutura produtiva até então baseada na produção agroexportadora, é ilustrativa nesse sentido. Ainda que sob o risco apontado, a hipótese a ser sustentada é que o desenvolvimento regional também apresenta condicionantes internos e externos que podem explicar suas trajetórias divergentes ou convergentes de crescimento. Em consonância com as discussões 101 anteriores nossa hipótese é que, mesmo nessa perspectiva, a restrição externa continua sendo um elemento de constrangimento ao desenvolvimento regional e, ainda, procura-se resgatar as relações centro-periferia num contexto interregional ao discutir o papel da moeda como explicação para as disparidades regionais de renda. Nesse sentido, o capítulo está organizado em duas grandes seções. A primeira está organizada em função dos elementos tradicionais da literatura econômica sobre a questão regional. Procura-se fazer uma breve revisão da literatura a respeito das economias regionais. Em seguida, aponta-se apontar como essa discussão foi adotada no Brasil, marcadamente a partir do GTDN. Mas, nesse caso, observa-se que o debate regional se origina em um contexto que discutia os próprios rumos do desenvolvimento nacional, assim se fez necessário apresentar as principais visões envolvidas nessa controvérsia. Em seguida, apresentam-se interpretações conflitantes ao texto do GTDN. A segunda seção indica novos elementos que estão sendo incorporados na literatura à questão das desigualdades regionais. Inicialmente, apresenta-se como a restrição externa pode aparecer no contexto regional. Em seguida, adiciona-se o tratamento da moeda no espaço com destaque a contribuição dos autores póskeynesianos. Finalmente, tenta-se fazer a conexão entre os elementos políticos e as discussões de caráter técnico. 5.1 RESGATE DA ECONOMIA REGIONAL A preocupação dos economistas com a questão regional só iria amadurecer em meados do século XX. Aparentemente, as discussões sobre a problemática espacial pareciam ocupação específica dos geógrafos. O advento da Teoria do Desenvolvimento colocaria em destaque a existência das desigualdades de renda entre as nações. Concomitantemente às razões que levariam a sua criação, nos anos de 1950, começa a se desenvolver um campo de estudo que se ocuparia das regiões e das diferenças existentes entre elas, denominado “Ciência Regional”. Esse desenvolvimento conjunto não se constituiria em mera coincidência. Benko (1999, p. 14), por exemplo, ilustra a teoria econômica do desenvolvimento como um dos campos de domínio da “Ciência Regional”: “o problema regional relaciona-se (...) com a noção de disparidades econômicas...entre as diferentes regiões de um mesmo espaço nacional, tendo-se alargado mais tarde ao nível mundial, refletindo a dualidade entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos”. Desse modo, poder-se-ia afirmar que partem do mesmo 102 impulso inicial. Não por acaso, a discussão sobre as desigualdades entre as regiões num único espaço nacional acabaria por incorporar contribuições teóricas desenvolvidas originalmente a partir da reflexão sobre a existência de diferenças estruturais entre as nações. Apesar dessa consolidação relativamente recente haverá contribuições originais localizadas ainda no início do século XIX, com destaque a “Teoria da Localização Agrícola”, desenvolvida por Von Thunen. Posteriormente, os estudos de Weber, Marshall, Christaller, Losch, entre outros, também desenvolveriam uma série de conceitos explorados na “Ciência Regional”, cuja constituição atribuíra-se a Walter Isard e sua tentativa de “preencher...o fosso cavado...entre a teoria clássica da localização e as principais correntes da economia” (BENKO, 1999, p.47). A partir daí, o tratamento dos problemas relativos ao espaço construiria uma trajetória em que determinadas abordagens ganhariam maior consistência. Dentre elas, poder-se-ia destacar a preocupação com a localização das atividades econômicas, que versaria sobre a organização e a dispersão espacial das empresas e suas variáveis determinantes. Dedicar-se-ia, ainda, à relação entre as atividades produtivas e o crescimento econômico em determinado espaço e, no mais, empreenderia algum esforço na construção de soluções analíticas. Nesse caso, destaca-se o trabalho de Isard (1956), no qual a localização ótima dos empreendimentos seria correspondente ao ponto de minimização dos custos de transporte. Mas observe-se que na classificação proposta por Benko (1999) cada uma dessas correntes abriga também visões alternativas, como é o caso de Aydalot (1983) que propõe uma teoria de inspiração marxista a partir da divisão espacial do trabalho. Uma segunda perspectiva se concentraria em discutir a organização e estruturação do espaço ao abrigar temas ligados à urbanização e metropolização, meio ambiente, transporte e renda fundiária. Algumas dessas questões são discutidas, por exemplo, em Castells (1983). A terceira corrente discorreria sobre as interações espaciais, com destaque ao papel do comércio internacional e também interregional englobando, portanto, os fluxos migratórios e de mercadorias. Nesse contexto, torna-se relevante na análise regional a teoria da base de exportação, segundo a qual o crescimento econômico de uma região seria determinado em função dos seus termos de troca. A análise desenvolvida por North45 (1977) apud Lemos (1988) conclui que a expansão das exportações seria impulsionadora do crescimento não apenas pelo seu peso como atividade econômica mas também pelo efeito multiplicador sobre os setores destinados a atender a demanda interna. Trata-se de uma teoria de inspiração 45 NORTH, D. Teoria da localização e crescimento econômico regional. In: SCHWARTZMANN, J. (Org.) Economia regional e urbana: textos escolhidos. Belo Horizonte: UFMG, p. 333- 343, 1977. 103 keynesiana que incorpora na discussão regional algo sugestionado nos modelos de crescimento liderados pela demanda, ou seja, procura trazer para a discussão do comércio interregional algo suposto na percepção de trocas desiguais no contexto das nações estabelecendo, portanto, algum ponto de contato com os denominados “teóricos do desenvolvimento” (BENKO,1999). Por fim, a última família apontada por Benko (1999) refere-se à abordagem do “desenvolvimento regional”. Nesse campo também se verifica uma grande diversidade de trabalhos mas com destacado pioneirismo de Perroux (1950, 1955) em que apresenta o conceito de polos de crescimento. O ponto de partida é o fato de que o crescimento ocorre de forma polarizada, logo, desigual no espaço, surgindo a partir de um núcleo de atividades econômicas. Nesses polos se verificaria a existência de forças centrífugas e centrípetas dada a capacidade de difusão ou sucção do seu crescimento sobre o conjunto da economia. Utilizando outra nomenclatura (backwash effects e spread effects) Myrdal (1972) também chamaria atenção à existência de mecanismos cumulativos favoráveis e desfavoráveis do desenvolvimento de uma região sobre outras, assim como Hirschman (1958) que faria uso dos termos de trickling-down e polarization effects para ilustrar o mesmo mecanismo. Haveria espaço ainda para a ideia de desenvolvimento autocentrado, concepção que defende a necessidade de uma “revolução cultural” em que a periferia reconquistaria o poder sobre si para conseguir progredir; e, também, nesse campo será introduzido o conceito de desenvolvimento local abrindo espaço para outras derivações tais como desenvolvimento comunitário, endógeno, territorial etc. Cabe observar que Benko (1999) ao propor essas famílias de domínio da ciência regional agrupa autores de distintas correntes, o que lhe permite abordar desde visões mais conservadoras até construções alternativas ou críticas. Esse tipo de síntese de caráter mais geral, embora válido didaticamente ao permitir o contato superficial com uma grande quantidade de trabalhos, obscurece algumas de suas especificidades que, no caso de correntes tão diversas, são muitas. Portanto, as colocações a seguir têm o mesmo caráter genérico, logo, estão sujeitas ao mesmo tipo de observação. Entre os quatro eixos de análise propostos por Benko (1999), os três primeiros mostram-se claramente insuficientes para análise aqui empreendida - nem tanto pelo que afirmam, mas por aquilo que ignoram. De modo geral, essas análises partem de discussões parciais a respeito das diferenças espaciais. Quando, eventualmente, conseguem articular esses aspectos particulares com o desenvolvimento regional, em muitos casos, não compreendem que este, tal como o desenvolvimento em geral, envolve mais do que 104 determinações econômicas específicas mas que diz respeito a um processo em que essas decisões econômicas não encontram-se esvaziadas do uso das formas de poder. Veja-se o caso das abordagens sobre a localização das atividades industriais, que parecem assumir que a heterogeneidade espacial é um dado da natureza, e não uma construção histórica que depende de condicionantes exógenos e endógenos à região. As localizações interdependentes não refletiriam nenhum tipo de relação centro-periferia, seriam simplesmente resultados da importância relativa da mão de obra, transportes, economias de aglomeração etc., ignorando-se como se deram as distintas construções desses fatores no espaço a partir da interação entre os grupos de interesse internos e sua relação com determinantes externos. A visão de desenvolvimento explorada neste trabalho assume que mesmo que as regiões atrasadas apresentassem internamente alto grau de homogeneidade, ainda assim, não seria possível afirmar que o desenvolvimento ocorreria de forma convergente tendo em vista que não estariam submetidas a um ambiente externo homogêneo ou, mais precisamente, enfrentariam relações “internacionais” de caráter desigual. As construções teóricas a partir da teoria da localização, ocupadas com as determinações das indústrias no espaço, parecem ignorar esse ponto de vista. Ademais, esse determinismo técnico parece supor que as decisões empresariais quanto a localização de suas indústrias ocorreriam em um vácuo político interno. Nada mais ilusório, tendo em vista as políticas de atração de empresas adotadas por distintos países em diferentes momentos, já apontadas anteriormente. Mais uma vez, há que se considerar o Estado em sua totalidade, isto é, as interações entre o poder político, instituições e estruturas materiais internas e como esse todo é “convocado” a construir políticas nacionais e/ou regionais de desenvolvimento46. Recuperando o ponto de partida, argumentou-se que entre os domínios destacados por Benko (1999), a discussão sobre a localização das atividades econômicas, organização e estruturação do espaço e as interações espaciais seriam insuficientes quanto ao tratamento da questão regional, pois revelariam apenas discussões parciais. No último campo abordado - o desenvolvimento regional - no entanto, é possível encontrar maiores pontos de contato com a argumentação já desenvolvida, embora nem sempre no sentido de convergência de ideias. 46 Naturalmente, para as regiões, a questão política ganha novos contornos ao envolver agentes com eventuais interesses divergentes dentro de um mesmo espaço nacional, o que apontaria para outra questão: como esses grupos conseguem incorporar seus interesses na definição de uma política nacional de desenvolvimento. 105 Dada a abrangência de temas que estão incorporados, ocupa-se aqui de duas das questões mais relevantes da análise regional nesse último domínio. A primeira delas refere-se à discussão em torno da ideia de desenvolvimento polarizado e, portanto, a validação (ou não) da hipótese de convergência quanto ao efeito do crescimento das regiões centrais e sua repercussão sobre as áreas mais atrasadas. O segundo ponto está na sugestão de que o atraso regional decorre de especificidades internas, argumento que será extremado nas teorias de desenvolvimento endógeno. A questão inicial pode ser compreendida como pedra de toque da análise econômica espacial, pois a negação ou aceitação da hipótese de convergência implicaria a maior ou menor necessidade de intervenção para correção dos desequilíbrios regionais. O posicionamento que aponta a possibilidade de convergência considera que “polarização, desigualdade regional ou primazia são aspectos normais dos estágios iniciais do desenvolvimento, corrigidos por processos naturais (uma forma de feedback negativo) com a conquista do desenvolvimento” (ALONSO 47, 1968, p. 9 apud AZZONI, 1993, p. 17). Marques e Fochezatto (2012) apontam que a pesquisa empírica acerca da hipótese de convergência torna-se especialmente relevante nos anos 1990 com a incorporação de tipos diferentes de convergência: absoluta, condicionada e os clubes de convergência, como os autores observam, esta última sendo compatível com a permanência das desigualdades de renda e desenvolvimento, inclusive no longo prazo. Avançando na discussão, os autores através da análise de cluster procuram observar se nos últimos quarenta anos (1970-2000) houve redução ou aprofundamento das desigualdades regionais entre os estados brasileiros. Nesse sentido, a partir de um agrupamento macroregional, de um lado, Sul-Sudeste, e do outro, Norte-Nordeste, concluem para o período analisado que os grupos internamente diminuem sua heterogeneidade, porém a disparidade entre as macrorregiões teriam aumentado. Esse resultado aponta no mesmo sentido de outras análises que constatam a presença de clubes de convergência, como é o caso de Ferreira e Cruz (2008) a partir de uma base de dados municipal, no Brasil, entre 1991 e 2000; Moreira et al. (2010), também apontam a persistência de disparidades regionais no Brasil e Magalhães (2001) chega a conclusão no mesmo sentido quanto à convergência entre os estados do Sul-Sudeste porém com divergência dos estados nordestinos em relação às demais unidades federativas. De qualquer 47 ALONSO, W. Urban and Regional Imbalances in Economic Development. Economic Development and Cultural Change, v.17, n.1, out., 1968 106 modo, é possível perceber que qualquer revisão da literatura sobre o tema não chega a ser exatamente conclusiva, dependendo, em muitos casos, da metodologia empregada. O segundo ponto apontado acima refere-se ao advento das teorias que procuram explicar o atraso e sua superação a partir de forças endógenas. Diniz e Crocco (2006) observam que nos 1970 inaugura-se um período de contestação da eficácia da teoria e políticas alicerçadas no pensamento keynesiano. A partir daí combina-se a adoção de políticas direcionadas à melhoria nas condições de oferta, a busca por estabilidade monetária a qualquer preço, a redução do papel do Estado, a abertura comercial e a reestruturação produtiva. No espaço, essas questões repercutiram em uma mudança de dinamismo entre regiões que se desindustrializam e outras que começam a apresentar um desenvolvimento mais acelerado. Teoricamente, assiste-se à construção de teorias ora baseadas em aspectos institucionais, ora apoiadas na capacitação local. No mesmo sentido, Brandão (2007b) aponta, criticamente, que com o avanço da tese da globalização também ganharia corpo a importância das decisões nas escalas regionais e locais, perspectiva que encontra nessas escalas as explicações para os processos de transformação do espaço. Portanto, conclui-se nesse ponto que uma abordagem do desenvolvimento regional não pode circunscrever a analisar diferenças espaciais específicas. O desenvolvimento envolve uma unidade totalizante e, portanto, embora percebido a partir de aspectos econômicos, envolve a interação de outros elementos que, no fundo, tem sua origem no uso das formas de poder por agentes com interesses divergentes. Feitas essas observações de caráter geral sobre a escola da ciência regional, a seção seguinte aponta como essa discussão é incorporada no panorama do pensamento econômico brasileiro. Nossa intenção é verificar se entre análise intelectual e observação empírica há contribuições maiores a discussão regional. 5.2 O DEBATE REGIONAL NO BRASIL A questão regional no Brasil, quase sempre, esteve identificada com os problemas relativos ao atraso econômico do Nordeste (NE). Cano (1998) aponta que ainda no século XIX, o problema das secas nessa região já era objeto que ocupava governantes e intelectuais, de qualquer modo, “os resultados alcançados foram pequenos. Pois não podemos fugir à realidade que aí está: não obstante esse esforço, o Nordeste não encontrou o caminho do desenvolvimento” (FURTADO, 2009, p. 172). Pode-se afirmar que esse tratamento tinha um 107 caráter limitado, a “solução hidráulica” dificilmente seria capaz, por si só, de remover a fragilidade social característica da região. . É a partir dos anos 1950 que a problemática regional ganha mais consistência teórica e política no país. Na visão do GTDN, aos fenômenos naturais somaram-se questões de natureza econômica que estavam relacionadas com a política de desenvolvimento que se instalara no país. Segundo essa interpretação, o aprofundamento da industrialização no Brasil ocorria espacialmente em favor da concentração industrial no Centro-Sul, contribuindo para evidenciar a questão regional. Não por acaso, Araújo (2009) e Carleial (2009) apontam que o debate regional surge integrado com a discussão em torno do desenvolvimento do país e, portanto, no contexto da relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Matteo e Mendes (2011) argumentam que a análise espacial no Brasil está inicialmente vinculada ao que se denominou como abordagem do desenvolvimento regional conforme os campos de domínio apontado por Benko (1999.), e que só posteriormente absorveria as discussões locacionais. Esse tratamento inicial está vinculado à influência do pensamento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) na reflexão sobre desenvolvimento no Brasil. O que teria como resultado a transferência da visão estruturalista da economia mundial para a análise regional brasileira. Assim, a região nordestina seria caracterizada como uma área “deprimida e periférica” porém integrada nacionalmente a um “centro econômico dominante, no caso a região Sudeste, fundado em uma base industrial relativamente consolidada pelo processo de substituição de importações desdobrado desde a década de 1930” (FERREIRA, 2009). Ao mesmo diagnóstico, seguiu-se a mesma solução, isto é, a valorização da industrialização como proposta para a inserção do país na dinâmica da economia internacional seguiu-se a proposição de uma “política de industrialização em certa medida orientada pela substituição regional de importações “visando criar no NE um centro autônomo de expansão manufatureira” (CANO, 1998, p. 21). Assim é que será possível afirmar que na sua origem “a análise regional brasileira (…) não é pautada no tempo abstrato, mas atrelada a noção temporal e espacial concreta a partir de sua abordagem histórica, estrutural e regional” (MATTEO e MENDES, 2011, p. 266). Nesse sentido, é que pode-se concordar com Araújo (2009, p.35) ao apontar que “Furtado assume de frente o debate sobre a questão regional brasileira da época, com foco no Nordeste”. Esse pioneirismo não se limita as suas contribuições teóricas mas está vinculado, sobretudo, a participação ativa na elaboração de políticas públicas (Operação Nordeste, GTDN, Sudene), que não são mais do que o resultado de suas reflexões intelectuais. Ademais, 108 mesmo quando distante da atuação no campo político, o autor continuaria ocupado com o (sub)desenvolvimento nordestino. Ainda que, conforme Mendes e Teixeira (2004, p. 13) na obra mais divulgada de Celso Frutado, Formação Econômica do Brasil, seja possível identificar sua preocupação em “diferenciar regionalmente a formação “histórico-estrutural” econômica do Brasil” ou como aponta Carleial (2009, p. 49) destaque-se ali a “permanência da estrutura política, econômica e social que sustenta o complexo açucareiro”, o seu trabalho mais contundente a respeito da questão regional parece ser mesmo o resultado do GTDN. Como aponta Cano (1998, p. 21), o GTDN se constitui em “um documento que, à época de sua concepção, constitui peça excepcional em relação aos demais documentos programáticos regionais”. Tendo em vista o seu caráter precursor e a influência que exerceria sobre as concepções de política econômica que viriam a ser adotadas, a próxima subseção procura apontar a permanência ou negação dos diagnósticos e das políticas sugeridas naquele trabalho como possibilidade de rompimento com a trajetória dos desequilíbrios regionais no Brasil. 5.2.1 A VISÃO PRECURSORA DO GTDN É provável que o ponto de partida de uma discussão em torno das proposições do GTDN possa ser resumido dessa maneira: a problemática regional permanece como uma questão fundamental do desenvolvimento nacional? Nesse caso, dois pontos precisam ser observados: primeiro, o NE como região subdesenvolvida já não apresenta a mesma forma, ou seja, alguma dinâmica comandou a região durante as últimas décadas que ensejou transformações no seu cenário; porém, por outro lado, não parece que qualquer mudança que tenha ocorrido na região possa ter eliminado, de fato, os graves problemas que levaram a constatação de Furtado de que seria necessário dar atenção especial ao caso do NE na construção de uma política nacional de desenvolvimento. Segundo BNB (2012), nos últimos anos, a bem da verdade, o NE tem apresentado taxas de crescimento que acompanham os índices nacionais. Entre 2000 e 2010, apresentou uma taxa média de crescimento do PIB equivalente a 4,0%. No Brasil, a média para o mesmo período foi de 3,6%. Nos dez anos anteriores, a média nacional foi de 2,5% enquanto o crescimento médio do NE correspondeu a 1,8%. Ainda de acordo com BNB (2012), o comportamento da taxa média de crescimento do PIB per capita apresentou tendência 109 parecida. Enquanto o país apresentou um crescimento médio de 2,4% anuais, o NE apresentou um índice médio de 2,8%. A taxa de crescimento verificada para o país no período anterior foi de 0,9%, mesmo índice apresentado pela região nordestina. Esses dados revelam sua importância na medida em que o próprio GTDN apontava para os problemas decorrentes de um ritmo de crescimento da economia nordestina inferior ao que se verificava no Centro-Sul, chamando atenção para os efeitos cumulativos dessa tendência. Por outro lado, em que pese a expansão dos últimos dez anos, segundo BNB (2012), o PIB per capita médio do Nordeste (R$ 7,8 mil a preços de 2010) não atinge metade da média nacional (R$ 16,9 mil a preços de 2010). Outros dados poderiam ser elencados a fim de demonstrar o vigor da economia nordestina nos últimos anos. No entanto, o que se observa é que independente desses resultados minimamente satisfatórios, eles não conseguiram ainda alterar o profundo desequilíbrio regional que se apresenta há algumas décadas. Desequilíbrio que se constata quando observa-se que o NE concentra 59% dos brasileiros na linha de extrema pobreza, o que corresponde a 18,1% da população da região. Por outro lado, apenas 2,6% dos brasileiros que moram na região Sul podem ser denominados como extremamente pobres (BRASIL, 2011). Os dados educacionais apontam no mesmo sentido. De acordo com os dados da PNAD (IBGE, 2010), os brasileiros com 15 anos ou mais de idade tinham apenas 7,5 anos de estudo, tempo insuficiente para a conclusão do ensino fundamental. Porém, para os nordestinos o tempo de estudo para esse grupo correspondia a 6,7, enquanto no Sudeste a média atingia 8,2 anos. Para outros grupos, a desigualdade educacional também pode ser constatada: mais da metade da população analfabeta está no NE (52,1%); na população entre 18 e 24 anos de idade com 11 anos de estudo, a proporção de escolaridade no Brasil é de 37,9% mas no NE está abaixo de 32% enquanto no Sudeste atinge 44%. De modo geral, não restam dúvidas de que os indicadores sociais no Brasil continuam a apontar um forte desequilíbrio regional, de modo que pode-se concluir que as questões que motivaram a criação do GTDN continuam a exigir reflexões sobre a possibilidade de superação desse abismo socioeconômico que se apresenta entre as regiões brasileiras. O GTDN apresenta uma estrutura dividida em quatro grandes blocos de discussão, porém dois deles poderiam ser agrupados num único conjunto. A primeira parte procura sintetizar as relações entre o NE e a economia brasileira, chamando atenção para as disparidades e relações econômicas do comércio entre o NE e o Centro-Sul. No segundo bloco é apresentada a dinâmica da economia nordestina, analisando o papel exercido pelos 110 diferentes componentes da demanda (setor externo, público e industrial). A terceira parte contempla uma discussão mais específica sobre um dos aspectos fundamentais da economia nordestina naquele momento, o problema da seca. E, finalmente, no último bloco apresenta-se uma série de políticas a serem adotadas a fim de oferecer à região uma alternativa de crescimento econômico. Dessa organização é possível apontar que o referido documento reconhece a existência de condicionantes externos e internos ao processo de desenvolvimento, o que permite romper qualquer ilusão decorrente da ideia de que trajetórias de desenvolvimento podem se mostrar exitosas apenas em função de elementos domésticos. A passagem a seguir é ilustrativa dessa interpretação: A discrepância de ritmos de crescimento entre o Nordeste e o Centro-Sul encontra suas causas profundas em fatores reais, entre eles a disponibilidade relativa de recursos naturais, como água e terra arável. Contudo, a agravação do fenômeno, em anos recentes, deve-se ao fato de que a essas causas primeiras vieram adicionar-se outras, de natureza econômica, ligadas à própria política de desenvolvimento do país (GTDN, 2009, p. 97). Ao tratar dos elementos dinâmicos da economia do NE, o GTDN mostra que no período analisado esses componentes tinham, basicamente, origem externa. Primeiro, o próprio papel desempenhado pelo setor exportador, que é apresentado como o indutor do crescimento da economia nordestina naquele período. Em seguida, destaca-se a atuação do governo através do sistema tributário que, desde então, já apresentava um caráter regressivo no que diz respeito à arrecadação. Mas, do ponto de vista dos gastos, ele operava como mecanismo de transferência de renda, cumprindo porém apenas parcialmente a função de mecanismo corretor das desigualdades. Observadas as dificuldades decorrentes do crescimento com base nessas fontes, sugere-se a ideia de industrialização como alternativa para o Nordeste. Como comparação indica-se que a expansão da indústria no Centro-Sul utilizou o mercado interno como impulso dinâmico para a própria diversificação da produção industrial. Ainda na interpretação do referido documento somente o desenvolvimento industrial seria capaz de absorver o subemprego que o NE registrava. Mas esse esforço deveria ser acompanhado também de transformações no setor agrícola. Tal como o impulso industrial do Centro-Sul exigiu uma forte atuação estatal através dos subsídios cambiais e financiamentos governamentais, as proposições de política para a industrialização do NE também passavam pela necessidade de uma ação planejada, que 111 envolvia o governo federal e outras instâncias de governo. Percebe-se que os resultados previstos dependiam de uma coesão substantiva entre os diversos agentes envolvidos. Essa pode ser a pedra de toque da discussão sobre a industrialização prevista para o Nordeste. Furtado (2009, p. 177) já tinha clareza que a estratégia da qual fora o grande inspirador previa a união entre técnica e política. Como apontaria: “não existe plano de desenvolvimento sem política de desenvolvimento, e nenhuma política pode alcançar eficácia sem o apoio dos centros principais do poder político”. Na perspectiva apontada neste trabalho o GTDN, ao transplantar a relação centro-periferia estabelecida no pensamento estruturalista para as relações entre o NE e o Centro-Sul, procura demonstrar que essa dinâmica consiste, por si, em um obstáculo para a superação do atraso na região menos desenvolvida. E, ao que parece, a atuação da região central como condicionante da dinâmica na região periférica pode ser um elemento explicativo para o fato de que, na prática, a Sudene tenha se desvirtuado de suas intenções iniciais e tenha consolidado “a implantação da moderna indústria comandada por capitais de fora” (CANO, 1998, p. 22). Em última instância, sendo o desenvolvimento uma relação de poder talvez possamos afirmar que se, em algum momento, a articulação entre a técnica e a política permitira a emergência de uma instituição nos moldes como foi formulada a SUDENE, essa conexão, ao longo do tempo, perdera-se. Para Cano (1998), mesmo as proposições iniciais da SUDENE estariam fadadas ao fracasso. Na visão do autor, a proposta de criação de um centro de produção autônomo não poderia vingar naquela situação em que a acumulação de capital comandada por São Paulo já conseguira integrar o mercado nacional. Do ponto de vista da periferia, isso significava que as estruturas produtivas das diversas regiões deveriam obedecer a complementaridade interregional. A transposição do pensamento cepalino quanto à divisão internacional do trabalho para uma escala intrarregional foi baseada na interpretação de que a periferia se caracterizava pela produção de matérias-primas, enquanto o centro seria produtor de bens industrializados. Desse modo, o Nordeste, periferia, com menor aprofundamento de capital, precisava importar bens de maior valor agregado mas produzia bens que tinham de menor produtividade relativa. Esse contexto tendia a favorecer a região que apresentava maior grau de incorporação de progresso técnico enquanto na área de maior atraso econômico haveria uma tendência de “evasão de excedentes econômicos” (FERREIRA, 2009). Esse processo parece supor uma relação hierárquica entre essas regiões. Hierarquia cuja conformação é explicitada nessa 112 estrutura de comércio intrarregional mas que, no fundo, envolve a formação de um sistema de poder em que as regiões disputam espaço. Nesse conflito cabe papel fundamental ao Estado Nacional que é o agente essencial a ser “capturado” numa disputa intra-regional. Sabe-se que está sob a guarda da União, por exemplo, as políticas cambial, fiscal, monetária, que podem ser utilizadas como instrumentos da política de desenvolvimento. Mas esse Estado ao qual se faz referência deve abranger mais do que a esfera do Executivo. A disputa, em último caso, ocorre em função da ocupação dos espaços nos centros internos de decisão. A questão diz respeito a composição geográfica das coalizões de poder dominantes mas estes arranjos não refletem apenas interesses regionais pois quando se observa internamente as regiões, estas também apresentam seus conflitos de poder que contemplam, por exemplo, posições ideológicas divergentes. Desse modo, não é surpreendente que o processo de industrialização implique, por si mesmo, em um elemento de aprofundamento das desigualdades regionais. Se for possível falar em estruturas sociais de acumulação vigentes durante a industrialização brasileira, sua conformação parece ter imposto um arranjo institucional com força suficiente para que a acumulação tenha ocorrido segundo a forma que veio a tomar. O que não deve ser interpretado como se não houvesse outro jeito mas sim que a solução engendrada pelos conflitos de poder acabou por configurar essa situação. Cabe retomar o ponto de que uma estrutura social de acumulação é resultado não apenas de um processo econômico, mas é parte de um conjunto de relações sociais que explicam sua determinação. Como já foi apontado, a SSA é resultado de processos sociais diferentes e contraditórios que buscam estabelecer novas instituições que sejam favoráveis aos interesses dominantes. Nesse sentido, as proposições de Furtado e do GTDN podem ser interpretadas como um dos campos de força conflitantes, mas que não logrou sucesso na tentativa de promover mudanças que ensejassem as transformações desejadas. Talvez não seja surpreendente que tenha ocorrido algum processo de desconcentração produtiva como aponta Cano (2008), localizado no período entre 1970 e 2005, mas que não foi capaz de alterar o perfil da desigualdade existente entre o NE e o Centro-Sul. Nesse ponto pode-se ressaltar que mesmo a transferência de indústrias de regiões centrais para áreas de maior atraso econômico não é por si capaz de promover algo que o GTDN trazia na sua proposta, que vem a ser a formação de nova elite empresarial que traria em si o “espírito do desenvolvimento”. A esse respeito, deve-se observar que nessa proposta a constituição desse novo grupo estaria vinculada com a implantação de setores qualitativamente diversos dos até então existentes na região. Assim como a tese da transnacionalização das empresas no âmbito 113 internacional ignorasse a permanência de ativos chave nos países de origem dessas empresas, na desconcentração produtiva regional também é preciso observar que ocorre, muitas vezes, a instalação de empresas cujos principais centros de decisão permanecem fora das fronteiras da região. A última questão a ser observada é a pouca ênfase dentro do GTDN ao papel desempenhado pelas elites locais. Uma das características das estruturas sociais de acumulação é o seu caráter dinâmico, ou seja, ainda que tenham longa permanência estão sempre sujeitas a mudanças, exatamente porque são o resultado do embate de posições conflitantes. O que significa dizer que não há hierarquia ou poder daí decorrente que impeça de forma absoluta as possibilidades de desenvolvimento de economias concorrentes. Mas as possíveis “janelas de oportunidade” que venham a surgir da ruptura da SSA só podem ser aproveitadas a partir das visões internas sobre a inserção da economia local em relação à economia nacional. Neste ponto é que deve-se observar que as regiões não formam um corpo homogêneo de interesses e visões ideológicas. Internamente, também vicejam conflitos entre distintos grupos a fim de alcançar posições locais de proeminência. A partir desse conflito é que irão se estabelecer as elites locais, aquelas que comandarão os centros internos de decisão vigentes dentro de sua própria região. Caso aproveitem as possibilidades dadas por um raio de manobra inicial, podem acabar por ampliá-lo ou, no outro extremo, terminar por eliminá-lo. Nos dois casos, dessa interação entre as elites locais que emergem e os demais processos sociais é que se estabelecerá uma nova SSA, que pode ser menos ou mais favorável ao desenvolvimento regional. Constatar a importância da dinâmica interna das elites locais talvez pudesse corroborar interpretações como as já apontadas que explicam o atraso regional como resultado de elementos que refletem a estrutura social interna constituída através da herança do seu passado. Mas não é esse nosso propósito, o que se pretende afirmar que os possíveis raios de manobra que possam ser aproveitados por essas elites locais decorrem de fatores externos ou, mais precisamente, advém das relações que se estabelecem entre as regiões centrais e periféricas. E, conforme defende-se aqui, essas relações se materializam em fatores objetivos como a restrição do balanço de pagamentos, estruturas produtivas, etc. Portanto, não é possível ignorar os impactos regionais de um sistema econômico em que duas regiões se inter-relacionam mas apresentam diferentes níveis de industrialização e produtividade. Na região mais avançada é mais do que razoável supor a vigência de um mecanismo cumulativo do seu próprio progresso técnico e, portanto, crescente divergência de renda em relação a região periférica. Uma relação comercial entre essas áreas em que uma 114 delas é basicamente produtora de bens primários de menor valor agregado enquanto se caracteriza pela importação de bens manufaturados tende a gerar perdas em termos de intercâmbio, como aponta Ferreira (2009). A incorporação aqui do Estado Nacional deve-se ao fato de que qualquer alteração na sua estrutura produtiva implica em uma redefinição desses processos econômicos regionais, daí a relevância atribuída a disputa interregional por aqueles centros de decisão. Desse modo, em que pese as diferenças observadas entre as intenções e resultados quanto as propostas do GTDN não se pode negar a originalidade de tais concepções no tratamento das disparidades regionais. Conforme observado o debate regional no Brasil surge dentro de um contexto no qual a discussão girava em torno dos rumos do processo de industrialização do próprio país. O que dá margem a interpretações como a de Carvalho, F. (2011, p. 287), segundo o qual “o discurso hegemônico sobre o qual girou a polêmica regional nesse período não se deu através de uma argumentação “original”, mas, antes por uma forte “internalização” da discussão sobre as relações internacionais”. Essa constatação permite observar que o confronto das ideias desenvolvidas por Furtado envolveu, nesse período, muito mais uma discussão em torno dos rumos do desenvolvimento nacional do que uma análise especificamente regional. É nesse sentido que a próxima subseção procura apresentar as interpretações alternativas às proposições furtadianas sobre a industrialização brasileira. 5.2.2 LIBERALISMO E OUTROS DESENVOLVIMENTOS Ainda que se possa apontar que em algum momento as considerações oriundas da obra de Furtado tenham se sido hegemônicas dentro do pensamento econômico brasileiro, isso não leva a crer que, mesmo naquele período, outras interpretações não tenham encontrado espaço no debate do desenvolvimento nacional. Do mesmo modo, como Furtado pode ser apontado como o economista representativo de certas ideias dentro dessa discussão, outros autores também se tornaram expoentes de visões que apontaram caminhos alternativos para a economia nacional. De qualquer modo, como aponta Bielschowsky (2000, p.7), o “desenvolvimentismo”, do qual Furtado era um dos representantes, foi o conceito unificador do pensamento econômico no país dentro da discussão sobre o processo de industrialização e se consistiu na “ideologia de transformação da sociedade brasileira” a partir de um projeto econômico 115 baseado na concepção de que a industrialização permitiria ao país eliminar a pobreza e avançar economicamente. Essa concepção apontou ainda que não se podia abdicar do papel do Estado ou, mais precisamente, só séria possível alcançar o objetivo principal através do planejamento estatal. Portanto, foi em torno desse núcleo básico de ideias que ser organizou a reflexão econômica no país. Não necessariamente no sentido de referendá-las. Aqueles que as rejeitaram, em todo caso, estavam tomando partido dentro dessa discussão. Essa é a base que explica as argumentações desenvolvidas na subseção que segue, ocupando-se das principais oposições em relação aos argumentos de Furtado. No caso, também recorre-se aos autores representativos dessas visões. De qualquer modo, deve-se observar que as visões apresentadas, excetuando-se as proposições de Furtado, não seriam exatamente absorvidas no debate regional. Sua incorporação neste ponto do trabalho tem apenas o propósito de ilustrar as posições divergentes às de Furtado, tendo em vista na obra deste o tratamento das questões regionais ter se originado da sua análise já desenvolvida para o âmbito do desenvolvimento nacional. Isto é, se advoga a necessidade de industrialização do Nordeste o faz ao considerar que a expansão industrial, naquele momento, era o próprio sinônimo de desenvolvimento. Deve-se destacar, por fim, que esse é um debate menos acadêmico, embora sustentado em teorias econômicas, e mais politicamente engajado. 5.2.2.1 Outros desenvolvimentismos O desenvolvimentismo como conceito unificador do debate sobre a industrialização brasileira assumirá distintas acepções. O que significa dizer que é possível encontrar entre elas um denominador comum que consistia na defesa do processo de industrialização mas, ao mesmo tempo, apontar que indicavam caminhos alternativos para alcançar esse objetivo. Bielschowsky (2000) especifica três grupos dentro dessa corrente: desenvolvimentista público nacionalista; desenvolvimentista do setor privado; e, desenvolvimentismo não nacionalista. No grupo desenvolvimentista nacionalista, a industrialização é apontada aqui como capaz de superar a pobreza no país. Nessa estratégia haveria um papel decisivo a ser desempenhado pelo setor público e que envolveria protecionismo, planejamento e inversões naqueles setores em que a iniciativa privada se mostrasse ausente. Sustentava sua argumentação com base na ideia de indústria infante; na necessidade de fortalecimento do 116 mercado interno frente às crises econômicas; no pequeno tamanho do mercado mundial para a produção primária brasileira; e, finalmente, algo que Bielschowsky (2002, p. 89) aponta como uma ideia precursora que seria desenvolvida com mais sofisticação pelo pensamento cepalino, que consistia basicamente em observar que os déficits externos poderiam ter como origem a própria estrutura do balanço de pagamentos. Há um ponto interessante nas considerações de Simonsen, principal expoente da abordagem, que remete a uma discussão já apontada neste trabalho. Ao fazer referência ao Plano Marshall chama atenção ao fato de que ele condenaria os países da América Latina a uma condição de subdesenvolvimento na medida em que implicaria, nos termos que foram postos, em uma estrutura produtiva primária aos países latino-americanos. Pode ser um exercício forçoso, mas caberia indagar até que ponto internamente, a política nacional de desenvolvimento não envolveria estabelecer essa mesma relação EUA e América Latina para a dinâmica Centro-Sul e o Nordeste brasileiros. A corrente dos desenvolvimentistas não nacionalistas defendia uma posição relevante a ser desempenhada pelo capital estrangeiro já que percebiam a fragilidade do capital nacional. Esse posicionamento seria abertamente conflituoso com as demais abordagens desenvolvimentistas que, no mínimo, enxergavam com desconfiança a atuação desses capitais no processo de desenvolvimento nacional. Projetos de investimentos de maior envergadura poderiam ser assumidos pelo Estado mas esta deveria ser uma exceção. Mas são defensores do projeto de industrialização, inclusive apontando a necessidade de planejamento. 5.2.2.2 A concepção liberal Se, durante certo período, o “desenvolvimentismo” se constituiu na principal corrente do pensamento econômico brasileiro, os economistas liberais podem ser apontados facilmente como o seu principal grupo de oposição, logo, junto com aquela tornam-se correntes dominantes desse debate. Bielschowsky (2000, p. 33) indica como ponto básico de convergência entre os liberais, a ideia de que através do livre funcionamento dos mercados é possível atingir a maior eficiência econômica. Não obstante, os autores agrupados aqui não seriam, por definição, contrários à industrialização, em alguns casos, pode-se até mesmo apontar que defendem a necessidade de “alguma diversificação industrial” porém seriam contrários as políticas adotadas com esse objetivo. 117 Desenvolvimento, industrialização e Estado, - esses parecem ser os pontos principais de enfrentamento direto com as proposições que aparecem no GTDN que, conforme apontando, resulta de uma concepção do desenvolvimento nacional. Na corrente liberal, o problema da economia nacional não estava assentado no fato do Brasil ser um país primárioexportador. A agricultura, na sua visão, poderia ter um caráter tão próspero quanto a indústria, o que se exigia de ambas é que tivessem boa produtividade. Portanto, nessa interpretação, aquelas visões que explicavam o atraso econômico do país em função da dominante produção agrícola não percebiam que o problema não estava no setor e sim na baixa produtividade do mesmo. A transposição da tese estruturalista de deterioração dos termos para o campo das economias regionais foi um dos pontos chave da elaboração do GTDN. Gudin, principal nome da corrente liberal, por sua vez, não chegaria nem mesmo a reconhecer a validade daqueles argumentos na dinâmica da economia nacional. Na sua interpretação, o desequilíbrio permanente do balanço de pagamentos seria eminentemente provocado pela inflação, por sua vez, ligada a atuação do setor público. 5.2.2.3 Caminhando para o debate regional Como a abordagem do desenvolvimento regional no Brasil tem sua origem a partir de argumentos originalmente desenvolvidos no plano nacional, procurou-se fazer neste ponto uma recuperação das principais correntes que estavam refletindo sobre os rumos que o país deveria seguir para superar seu atraso econômico. A pouca ênfase à questão regional indica que para tais concepções, em geral, as suas proposições de política econômica com vistas ao desenvolvimento nacional teriam um efeito que se espraiaria por todo o território nacional. Nada mais enganador. A trajetória da economia brasileira mostra que se o país se industrializou, se a riqueza aumentou, esses fenômenos se deram de forma concentrada e desigual. De qualquer modo, pode parecer justificável que a maioria desses pensadores, dada a situação inicial estivessem, de fato, mais preocupados em fazer o país vencer os obstáculos para conseguir avançar para, quem sabe, depois observar os efeitos dessa expansão e, então, discutirem os seus impactos regionais. Ainda assim, é provável, mesmo nesse caso, que as propostas que viessem a desenvolver estivessem ligadas com as posições assumidas no debate 118 nacional. O que significa dizer que não seria razoável supor, por exemplo, que um economista liberal pudesse sugerir políticas intervencionistas, ainda que no plano regional. Conforme Bielschowsky (2000), entre todas essas abordagens foi o desenvolvimentismo não-nacionalista que acabou por prevalecer e dado que os problemas regionais estiveram longe de desaparecer, pelo contrário, pode-se concluir que tal concepção não dava conta da problemática regional. Mais recentemente, o país vivenciou um período de políticas mais alinhadas com as teses da corrente liberal e isso também não alterou a caracterização regional em favor da melhoria do bem-estar econômico das populações que vivem em regiões mais pobres e atrasadas. Portanto, conclui-se que embora nem toda política nacional de desenvolvimento traga explícita a problemática regional, esta só se resolverá através daquela, daí a necessidade de que na sua formulação caiba espaço para a discussão em torno do regionalismo. De qualquer modo, o caráter pioneiro das reflexões de Furtado gerará no plano intelectual a incorporação dessa problemática. A subseção seguinte procura apontar alguns pontos específicos do debate regional que se segue ao GTDN. 5.2.3 O DEBATE REGIONAL PÓS-GTDN Se o GTDN representa o ponto de partida da discussão regional no Brasil, de tal modo que já nasce como um clássico, outros autores desenvolveram trabalhos que também se tornaram-se referências básicas dessa temática. Esse é o caso de Cano (2008, 1998 e 1981) e Oliveira (2008). As interpretações dos autores parecem convergir em um ponto: a impossibilidade desenvolvimento autônomo do Nordeste. Nos dois casos, a crítica ao GTDN parte do pressuposto que, naquele momento, estava em marcha o processo de integração do mercado nacional, o que significava pouco espaço para experiências como a “criação de um “Centro Autônomo (Regional) de Expansão Manufatureira”” (CANO, 1998, p. 22). Mas as interpretações sobre esse processo de integração têm caráter distinto entre eles. No caso de Oliveira (2008, p. 141 e 149), sua definição de região é construída “sob a ótica da divisão regional do trabalho no Brasil, vale dizer sob a ótica do processo de acumulação de capital e homogeneização do espaço econômico do sistema capitalista no Brasil”. Utilizando um arcabouço teórico marxista, aponta que seu conceito de região está 119 fundamentado na estrutura de classes peculiar a cada forma que o processo de acumulação vem a assumir. A constituição de uma região está atrelada ao modo de produção capitalista e, em cada uma delas, “uma das formas de capital se sobrepões às demais, homogeneizando a “região” exatamente pela predominância e pela consequente constituição de classes sociais cuja hierarquia e poder são determinados pelo lugar e forma em que são personas do capital e de sua contradição básica”. Essa atenção dada aqui ao conceito de região utilizado por Oliveira (2008) leva em consideração que tal definição tem caráter fundamental quando cuida da sua interpretação para as razões que levam a emergência da SUDENE, vale a pena apontar que sintetiza o conceito, dessa maneira: Uma região seria, em suma, o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital e, por conseqüência, uma forma especial da luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição (OLIVEIRA, 2008, p. 148). Nessa construção, cabe ainda chamar atenção ao processo de homogeneização que aparece ao longo do referido trabalho. Oliveira (2008, p. 146) indica que as regiões se criam sob a subordinação da lógica de acumulação capitalista que irá promover uma homogeneização do espaço econômico. Mas, na visão do autor, isso não implicará em eliminação das diferenças regionais. Como adverte, “tal tendência quase nunca chega a materializar-se de forma completa e acabada, pelo próprio fato de que o processo de reprodução do capital é por definição desigual e combinado (…) não apenas aproveita as diferenças regionais reais, como as cria para seu próprio proveito”. Parece haver uma suposta contradição entre a homogeneização dos espaços e a suposição de que o processo de integração nacional não pode prescindir das diferenças regionais. Mas Oliveira (2008, p. 148) adverte que “a especificidade de cada “região” completa-se, pois, num quadro de referências que inclua outras “regiões”, com níveis distintos de reprodução do capital e relações de produção”, daí se originaria a “divisão regional do trabalho comandada a partir de São Paulo” (PACHECO, 1998, p. 25). Embora sob outra matriz teórica, Cano (1998, p. 22) também apontaria que “a acumulação de capital, com o comando a partir de SP, estava integrando o mercado nacional, condicionando-o a uma complementaridade interregional ajustas às necessidades ditadas pela acumulação daquele centro dominante”. E o que explica, por fim, a criação da SUDENE, no quadro desenhado por Oliveira (2008)? Parte dessa resposta pode ser encontrada na própria visão que o autor desenvolve para 120 a ideia de planejamento que, como apontado, foi um dos elementos principais do pensamento desenvolvimentista. O argumento básico do autor é que o planejamento se constitui num marco do sistema capitalista de produção e se desenvolve em função das relações de produção, sociais, que fundam o próprio sistema. Desse modo, “o planejamento num sistema capitalista de produção não é mais que a forma de racionalização da reprodução ampliada do capital” (OLIVEIRA, 2008, p. 140). No caso do Nordeste, essa intervenção “planejada” do Estado é interpretada como uma necessidade em função da exacerbação de conflitos sociais “que aparece sob as roupagens de conflitos regionais ou dos “desequilíbrios regionais”” (OLIVEIRA, 2008, p. 246). O autor identifica, inicialmente, um antagonismo que se estabelece dentro da própria região Nordeste que confronta as “classes dominantes locais” (burguesia industrial e oligarquia latifundiária) e as “forças populares”, destacando que embora ainda não tivessem conquistado “as alavancas do poder econômico (…) caminhavam no sentido do controle político e (…) estavam impondo sua hegemonia cultural” (OLIVEIRA, 2008, p. 244). O problema, continua, é que a “corrosão da hegemonia ideológica das classes dominantes locais vai aparecer como contraditória com o movimento de expansão do capitalismo monopolista no Centro-Sul” (OLIVEIRA,2008, p. 245). Portanto, a atuação das forças populares se constituiria numa ameaça à hegemonia da burguesia industrial do Centro-Sul. Nesse sentido, a questão central residiria na condução que o Estado daria a esse antagonismo. E assim, a interpretação de Oliveira (2008, p. 247 e 255) sobre a SUDENE é de que ela seria o mecanismo de eliminação dos “esquemas de reprodução próprios da economia do Nordeste por outros que têm sua matriz noutro contexto de acumulação” ou “a captura do Estado no Nordeste pelo capitalismo monopolista em expansão a partir do Centro-Sul”. Embora o GTDN represente muito mais as intenções do que os resultados das ações desenvolvidas pela SUDENE, Oliveira (2008) procura comprovar sua tese apontando, inclusive, passagens do referido documento, nas quais se fazem referência ao risco para a “unidade nacional” decorrente dos “desequilíbrios” entre as regiões no país e que, na realidade, ocultariam, na visão do autor, uma preocupação com o risco do antagonismo entre as classes. Mas não parece ser esse o caso. O destino que a SUDENE viria a tomar não encontraria respaldo no seu documento de origem. Ainda que esse desvirtuamento, como aponta Cano (1998), tivesse implícito no erro de interpretação, segundo o autor, sobre o processo que se desenvolvia nacionalmente. 121 Se “as políticas de industrialização regional acabaram por apoiar a implementação da moderna indústria comandada por capitais de fora” (CANO, 1998, p. 22), não era esse o propósito do que constara no GTDN. Ao se afirmar a necessidade de constituição de uma nova elite empresarial no Nordeste, a intenção não sugere que esta teria que se associar com a “elite burguesa industrial” do Centro-Sul mas que, na verdade, poderia disputar com esta os espaços nos centros internos de decisão. O que está implícito, por exemplo, na transposição do argumento centro-periferia para o debate regional. No mais, o bloqueio da formação dessa nova elite pode ser encontrado na própria dificuldade de penetração dentro desses núcleos decisórios. Essa discussão, por sua vez, aparece na argumentação de Cano (1998) ao discutir o que denomina como “equívocos e mitos na questão regional”. E nesse caso, direciona algumas críticas embora de forma indireta a formulação proposta no GTDN. Um desses ataques direciona a um conceito caro às formulações desenvolvimentistas, a ideia de planejamento, nesse caso, aplicado ao debate regional como medida de superação do atraso. Mas, menos do que criticar a constituição dos planos regionais, seu mal-estar está relacionado com a desconexão política dessas formulações. Nesse caso, sua advertência não deixa de ser necessária. Furtado já observara que a técnica não poderia descuidar da política, talvez planos regionais de desenvolvimento que tenham sido formulados a posteriori sob a influência do GTDN tenha incorrido nesse equívoco mas não nos parece que esse tenha sido o caso do referido documento. Qualquer nota sobre o desvirtuamento da SUDENE não pode descuidar que sua criação nasce da conjunção necessária entre os dois elementos supostos por seu formulador original. De qualquer maneira, esse é um ponto que deve ser destacado tendo em vista que hoje observa-se alguma disseminação de secretárias estaduais de desenvolvimento. Nas formulações desenvolvidas aqui tais órgãos só conseguirão alcançar aquilo que está inscrito na sua denominação quando houver articulação com o planejamento nacional e o êxito deste dependerá do raio de manobra originário da articulação interestatal. Ainda se contrapondo a leitura desenvolvimentista, Cano (1998) também procura criticar a solução para o atraso regional via expansão industrial. Para isso argumenta que esse tipo de análise desconsidera a presença de uma produção agrícola diversificada e intensiva em capital naquelas regiões que inicialmente desenvolveram seu setor industrial. Nesse caso, algumas questões poderiam ser postas: não foi a industrialização que permitiu aquelas regiões alcançarem um nível de desenvolvimento superior ao existente nas áreas atrasadas; a existência daquele tipo de agricultura significa que esta seria uma etapa necessária para o 122 avanço industrial; afinal, não seria em função da capacidade do setor industrial em incorporar progresso técnico, logo, maiores níveis de produtividade que leva a interpretação de que o pleno desenvolvimento do setor industrial se faz necessário? Naturalmente, essa exposição não procura dar conta de todas as vertentes do pensamento regional no Brasil. As variantes parecem ser originárias de muitas dessas concepções, as quais se acrescentará, posteriormente, a influência daquelas interpretações sobre a possibilidade de desenvolvimento endógeno, que acabam repercutindo na literatura econômica nacional, abrindo espaço, por exemplo, a conceitos como os de arranjos produtivos locais. Mas nossa visão é que essas abordagens, de modo geral, mesmo que incorporem a discussão política, a mesma não ocorre nos termos aqui propostos e, além disso, não atentam para a influência da moeda e do sistema financeiro na construção das desigualdades regionais. Essa será a contribuição da subseção a seguir que procura apontar que o desenvolvimento regional a restrição externa também apresenta condicionantes externos e internos que explicam suas trajetórias divergentes de crescimento. Aqui nos ocuparemos, exclusivamente, das restrições ao crescimento das regiões a partir de suas relações interregionais. Assim, em consonância com as discussões anteriores nossa hipótese é que mesmo nessa perspectiva a restrição externa continua sendo um elemento de constrangimento ao desenvolvimento regional e, ainda, procura-se resgatar as relações centro-periferia num contexto interregional ao discutir o papel da moeda como explicação para as disparidades regionais de renda. 5.3 NOVOS ELEMENTOS PARA DISCUSSÃO REGIONAL Conforme apresentou-se na seção anterior o debate regional no Brasil surge a partir de uma elaboração que procura introduzir internamente discussões que, naquele momento, pautava o próprio debate sobre o desenvolvimento nacional e sua relação com as economias externas. Talvez porque as orientações políticas adotadas supostamente com base nessas contribuições teóricas não obtiveram êxito no tocante a eliminação das desigualdades regionais, a literatura que se desenvolve a partir de então procura apontar a inadequação daquele arcabouço teórico. Em geral, procurou-se apontar que a inexistência de fronteiras políticas, de barreiras alfandegárias internas, de identidade monetária, nesse caso, em função da ausência de 123 instrumentos monetários regionais, tudo isso demonstraria a impossibilidade de discutir a questão regional a partir de problemas relativos ao balanço de pagamentos. A recente propagação de estudos teóricos e empíricos que incorporam o papel da moeda e do sistema financeiro no debate regional procura apontar que a presença de regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas dentro do mesmo espaço nacional consiste, por si só, em um elemento gerador de desigualdade em um processo de causação cumulativa. Nesse caso, o problema do balanço de pagamentos regional não apenas se constitui como um elemento que não pode ser desprezado, como precisa atentar para a possibilidade de restrição externa não apenas através do fluxo de mercadorias e serviços mas também em função da conta de capital. A partir desses pressupostos, esta seção apresenta inicialmente um modelo regional de restrição via balanço de pagamentos e em seguida introduz a literatura monetária regional, destacando, particularmente, o enfoque pós-keynesiano. Finalmente, na última subseção, dada a limitação do tratamento economicista para o tratamento de temas relativos ao desenvolvimento econômico, procura-se fazer o vínculo dessas discussões com as questões políticas. 5.3.1 RESTRIÇÃO EXTERNA A transferência de argumentos que vigorariam na relação entre as nações para as regiões no mesmo território não é, naturalmente, aceita mesmo entre aqueles autores que consideram que é possível afirmar a validade dos argumentos de uma relação centro-periferia a vigorar nas relações de comércio internacional entre diferentes países. Cano (1998), por exemplo, aponta que embora aceite que tal relacionamento desse tipo vigore nas economias nacionais, considera de difícil aplicação os mesmos argumentos para o comércio interregional. Nesse caso, não seria possível diferenciar as fronteiras internas em termos de medidas de política econômica, a exceção daquelas com esse claro objetivo, como é o caso das políticas de incentivo ao desenvolvimento regional. Lourenço et al. (2011, p. 1) não consideram que esse venha a se tornar um obstáculo “para que os efeitos de intercâmbio entre as regiões possam gerar configurações características de restrições de balanço de pagamento, impondo limitações à expansão de suas economias e desencadeando neste processo mecanismos de polarização entre as suas taxas de crescimento”. Será nesse sentido que serão 124 ilustrados os modelos de crescimento, a seguir, tendo em vista as relações comerciais entre duas regiões. Davidson (1994), a partir do modelo de Thirlwall (1979), ilustrará essa relação a partir de duas regiões, A e B. Considera-se, inicialmente, um aumento exógeno na demanda de A pelos bens produzidos em B em detrimento dos bens produzidos na própria região. Na presença de recursos ociosos em A, esses deverão ser utilizados para financiar seu déficit em relação à B. Verifica-se uma transferência de recursos dos bancos da região deficitária para as instituições de B. Na persistência do déficit, essa redistribuição dos saldos monetários entre as regiões poderá resultar em falta de liquidez para alguns dos agentes da região A. Excetuandose qualquer ação corretiva por parte do Estado, esse ambiente deve levar os agentes a promover a liquidação de seus ativos, o que provoca um refluxo de moeda para sua região que assim pode dar continuidade às suas atividades econômicas. Naturalmente, há um limite para esse financiamento, que será dado pela capacidade de A em obter recursos de B, isto é, transferência de ativos ou pela sua capacidade de fornecer garantias para o reabastecimento de suas instituições bancárias. Isto pode resultar na incapacidade de A em financiar seu déficit comercial. Nesse cenário de ameaça de falta de liquidez, os bancos devem começar a rejeitar fornecer crédito que financie o capital e o trabalho das indústrias presentes na região A. O prosseguimento desse mecanismo deve resultar em um período recessivo com aumento da taxa de desemprego, a tal ponto que o nível de renda em A não permitirá à importação dos bens produzidos em B, que também deve experimentar um processo recessivo dada a fraqueza da demanda por suas exportações. Ou seja, se a liquidez e as políticas de reabastecimento de capital não forem usadas a fim de financiar um persistente déficit de pagamentos interregional, a pobreza e recessão devem sujeitar as economias das duas regiões. Davidson aponta que longe de ser uma hipótese teórica, verifica-se já no século XIX, no oeste americano, o que denomina como “cidade fantasma” para ilustrar regiões que, dada a presença de déficits comerciais persistentes com o restante da economia americana, experimentaram períodos de ostracismo econômico. Esse tipo de resultado contraria o que afirma a lei das vantagens comparativas, segundo a qual cada região desenvolve alguma atividade produtiva na qual possuiria custos de oportunidade menores em relação as demais economias com as quais se relaciona. A validade da condição de Marshall-Lerner contribuiria para a impossibilidade de existência das “cidades fantasma”. O autor rejeita a possibilidade de que apenas o ajustamento automático pelas forças de mercado via contração da economia implicando, nesse caso, em desemprego e pobreza 125 possam ser as soluções possíveis para a correção dessas dificuldades. Ilustra que o Estado pode adotar ações compensatórias para a correção dessas dificuldades basicamente utilizando uma política monetária regionalmente diferenciada ou via política fiscal em que os gastos e a tributação podem ser acionados como instrumentos de transferência de liquidez e assim financiar a atividade produtiva nas duas regiões. Portanto, é a incapacidade de uma região em financiar seus déficits comerciais que podem resultar em redução da renda e aumento da taxa de desemprego, isto é, na ausência de reservas para fazer frente à demanda por produtos produzidos externamente essas economias podem enfrentar restrições ao seu crescimento. Logo, como afirmam McCombie e Thirlwall48 (1994) apud Lourenço et al. (2011, p. 6), “problemas econômicos regionais são problemas de balanço de pagamentos!”. Cabe constatar que dada tal afirmação deve-se depreender que considerando a conta do balanço de pagamentos como sendo dominada pela conta corrente e esta pelo saldo comercial, a aplicação desses modelos à escala regional também deve considerar que a restrição fundamental ao crescimento é dada pela capacidade das regiões em expandirem suas exportações. E neste caso, há que se considerar que o valor agregado dessa produção exportável. Porém, a aplicação do esquema centro-periferia quanto às desigualdades regionais mostra que regiões ricas e pobres apresentam distintas estruturas produtivas e delas decorrem diferentes elasticidades-renda de importação e exportação. Sugere-se assim que nas regiões periféricas desenvolvem-se atividades produtivas baseadas na produção de bens primários ou produtos manufaturados de baixo valor agregado, logo, com menor elasticidade das suas exportações. Por outro lado, apresentam elevada elasticidade de importações relativa aos produtos industriais de alto valor agregado, produzidos no centro. Essa conformação tende a se perpetuar caso deixe-se por conta do livre funcionamento do mercado a dinâmica do crescimento econômico e as contas do balanço de pagamentos, tendo como resultado a ampliação da desigualdade da renda entre essas regiões. A validade desse argumento é consistente com a polarização da renda, independente do recorte espacial sob análise, isto é, o argumento é aplicável aos países, mas também as regiões. A assimetria torna-se um elemento a vigorar no longo prazo dadas as estruturas produtivas e as elasticidades à importação e à exportação. 48 McCombie, J.S.L. e Thirlwall, A.P. Economic Growth and the Balance-of-Payments Constraint. Londres: Macmillan, 1994 126 Esse perfil das estruturas produtivas do tipo centro-periferia será incorporado nos modelos pós-keynesianos, explicitados na subseção a seguir, que relacionam o papel da moeda e do sistema financeiro sobre a persistência das desigualdades regionais. Mas antes recupera-se brevemente como a literatura econômica foi realizando essa associação entre moeda e desenvolvimento regional. 5.3.2 O TRATAMENTO DA MOEDA NO ESPAÇO A utilização de modelos de crescimento liderados pela demanda com restrição via balanço de pagamentos aplicados ao desenvolvimento regional aponta a importância dos desequilíbrios comerciais interregionais na permanência/construção das desigualdades regionais mas, ainda assim, não captam com precisão o impacto da esfera financeira sobre o desenvolvimento regional. Em que pese o tratamento dado à moeda por Keynes, a sua incorporação à questão regional se deu de forma relativamente tardia. Conforme apontado a seguir, será relativamente recente que essa imbricação se constituirá num substrato consistente da teoria econômica. Na realidade, como apontam Cavalcante et al. (2006, p. 295) “os trabalhos com caráter de pura economia regional (...) sempre se pautaram por modelos que encaram a moeda como neutra (pelo menos em nível regional) ou (…) tivesse uma perfeita mobilidade entre regiões”. Assim, os fluxos financeiros não seriam mais do que o reflexo das diferenças regionais e não causadores dessas desigualdades. É possível identificar algumas das razões que podem explicar esse atraso. A mais comum decorre do fato de que parte da economia regional tem como arcabouço teórico a economia neoclássica e nessa a moeda tem um papel neutro no longo prazo, portanto, sendo incapaz de afetar variáveis reais (CROCCO e JAYME JR., 2006). No máximo, a moeda poderia provocar fricções cujos efeitos seriam transitórios e, portanto, negligenciáveis. Nesse sentido, a moeda não poderia merecer um tratamento especial, pois não exerceria qualquer função que não fosse a de ser um instrumento de troca. Em todo caso, como aponta Chick e Dow (1988), para essa abordagem, mesmo as desigualdades regionais consistiriam apenas em efeitos temporários, de modo que no longo prazo as disparidades regionais seriam eliminadas, o que está suposto, por exemplo, na validade da hipótese de convergência. Mas, cabe observar que entre o domínio da economia neoclássica e o advento de estudos sobre o papel da moeda no desenvolvimento regional houve a revolução keynesiana. 127 O que se quer chamar atenção é exatamente ao fato de que já em Keynes a moeda fora apontada como um instrumento que, dado o ambiente de incerteza, a partir do qual os agentes tomam suas decisões, se constitui num tipo de ativo que pode ser retido ao garantir aos agentes maior flexibilidade exatamente nos períodos de maior instabilidade econômica. Conforme Paula (2006), esses são aspectos centrais que serão explorados na abordagem pós-keynesiana. A incapacidade dos agentes de prever o futuro a longo prazo, seja através de cálculos probabilísticos, seja como reflexo do passado, fundamenta a noção de não neutralidade da moeda, isto é, como representação máxima do poder de compra e liquidez imediata consiste num concorrente frente aos demais ativos, logo, afeta “as decisões de produção e de acumulação de riqueza” (PAULA, 2006, p. 185). No entanto, essas considerações não seriam imediatamente incorporadas à discussão regional pois haveria uma interpretação de que mesmo aceitando-se sua validade, esta estaria circunscrita ao espaço nacional. Richardson (1973) apud Dow e Fuentes (2006) mostra que essa é uma das razões para que se desconsiderem as variáveis monetárias e financeiras na discussão regional, ou seja, na ausência de instrumentos monetários regionais não haveria sentido falar em identidade monetária regional. Desse modo, a análise da problemática regional irá se ocupar de outras questões. Chick e Dow (1988) apontaram que parte da literatura interpretará as desigualdades regionais como um caso particular do comércio internacional. Nesse caso, as diferenças quanto às taxas de crescimento entre as regiões derivariam das distintas dotações e movimento de fatores, condições de mercado ou padrões de comércio, enfim, residiriam nas variáveis reais as explicações para a questão regional. Algumas abordagens procuraram incorporar ainda que de forma limitada a discussão financeira. Esse seria o caso da Teoria da Dependência, em que a existência de uma região central e outra periférica decorre da natureza dos recursos presentes em cada uma delas, porém suas posições relativas seriam reforçadas pelo poder financeiro do primeiro (AMADO, 1999). Segundo Crocco e Jayme Jr. (2006), no processo de causação cumulativa proposto por Myrdal (1972) os já citados backwash effects também sofreriam os efeitos dos fluxos financeiros, assim como também apontam que Perroux (1964) não ignoraria a moeda ao propor o conceito de espaço econômico. Observe-se que essas contribuições iniciais não ensejam a elaboração de alguma teoria mais consistente relacionando moeda e desenvolvimento regional. Já mostrou-se aqui que a partir dos anos 1970 a ciência regional ao encontrar um novo ponto de inflexão voltou-se para outras questões ainda ignorando as variáveis financeiras. 128 Mas, no final desse período será possível encontrar os primeiros trabalhos que procuram explorar de modo mais direto como as condições financeiras e a moeda podem impactar o desenvolvimento regional. A partir daí essa questão começa a ganhar contínuo destaque, a tal ponto que, como ilustram Crocco e Jayme Jr. (2006), nos anos 2000, já começam a surgir estudos que se ocupam de revisar a literatura que se construíra sobre o tema. Em linhas gerais, esses “surveys” mostram que a discussão aceita distintas abordagens. Cavalcante et. al. (2006), Dow e Fuentes (2006) apontam que no enfoque da questão moeda e regiões, os estudos utilizam variadas correntes do pensamento econômico (do neoclassicismo ao pós-keynesianismo). De sorte que as respostas encontradas também tendem a ser as mais diversas, ora rejeitando, ora confirmando a relevância das questões relativas à moeda no tocante as desigualdades regionais. O enfoque utilizado neste trabalho para essa questão se sustenta no arcabouço teórico pós-keynesiano. Nessa vertente retoma-se a análise de Keynes de que as modernas economias capitalistas devem ser vistas como economias monetárias de produção. Logo, assume-se a não neutralidade da moeda a partir de sua capacidade de influenciar as decisões dos agentes econômicos, no curto e no longo prazo. A possibilidade dos agentes reterem moeda como forma de preservar sua riqueza em momentos de incerteza, em que aumenta sua preferência pela liquidez, resulta na impossibilidade, segundo essa interpretação, de separação entre o lado real e o monetário da economia (CARVALHO, C., 2006). Essa visão é francamente contrastante com a abordagem tradicional para a qual a moeda não é mais do que um instrumento facilitador das trocas. Como observa Mollo (2003), na concepção neoclássica a moeda não se constitui em si em um objeto de desejo, logo, as variáveis reais não poderiam ser “contaminadas” pelas variáveis nominais. A hipótese assumida pelos autores pós-keynesianos de que moeda não é neutra e suas implicações no processo decisório dos agentes econômicos será então incorporada também no debate sobre o desenvolvimento regional. Nessa linha de investigação, de acordo com Crocco et. al. (2011), os trabalhos de Sheila Dow, explicitados a seguir, consistem na principal argumentação na discussão sobre a relação entre moeda e desenvolvimento regional. 129 5.3.3 A VISÃO PÓS-KEYNESIANA A visão abordada nesse ponto trata exclusivamente de considerações extraídas de Dow (1982, 1987a, 1987b) e Chick e Dow (1988). Ao pioneirismo de introduzir o referencial póskeynesiano na análise regional deve-se acrescentar a incorporação de outros conceitos já desenvolvidos na temática do desenvolvimento. Como aponta Amado (1999), estes artigos resgatam a dinâmica de um sistema do tipo centro-periferia baseado na diferenciação das estruturas produtivas vigentes em cada uma dessas regiões. Adicionalmente, utilizam a teoria da causação cumulativa para mostrar que o sistema financeiro pode dar origem a círculos viciosos que reforçam as diferenças regionais. Dow (1982) na classificação da literatura monetária proposta no survey de Dow e Fuentes (2006) está inserido no grande grupo dos trabalhos que discutem as finanças regionais a partir da suposição de existência de multiplicadores monetários regionais. A incorporação desse aspecto significa que dadas as relações econômicas entre as regiões, basicamente fluxos de mercadorias e serviços e os fluxos financeiros, haveria bases monetárias regionais distintas. Especificamente procura-se demonstrar os efeitos de alterações na base monetária nacional sobre as regiões, dividindo estas em uma região desenvolvida e outra não desenvolvida. Esse distinto padrão de desenvolvimento teria reflexo sobre a preferência pela liquidez e propensão a importar, de tal modo, que a transmissão do crescimento da base monetária nas áreas de maior desenvolvimento seria mais expansionista do que naquelas regiões mais atrasadas. Conforme Cavalcante (2006), este trabalho foi o primeiro a introduzir tais parâmetros comportamentais (preferência pela liquidez, propensão a importar) no contexto da análise sobre a transmissão dos choques monetários. Ainda na classificação proposta por Dow e Fuentes (2006), Dow (1987a, 1987b) e Chick e Dow (1988) estão inseridos na discussão sobre disponibilidade de crédito, que conforme os autores apresentam não apenas trabalhos com arcabouço teórico pós-keynesiano mas também análises neoclássica e novo-keynesiana. Não por acaso, indicam ainda, a existência de paralelos nas análises das teorias novo e pós-keynesiana. Assim, as análises de Dow partem de alguns pressupostos do modelo novo-keynesiano descrito por Moore e Hill (1982) porém introduzindo modificações importantes. O primeiro novo aspecto a ser introduzido é o conceito de preferência pela liquidez. Conforme já foi descrito por Keynes (1996) em períodos de maior incerteza, quando os riscos aumentam, isso deve provocar um aumento da preferência pela liquidez. Considerando a 130 existência de segmentação dos mercados financeiros regionais, Dow (1987a) aponta que empresas menores com atuação distante dos centros financeiros teriam maior dependência das instituições financeiras locais, que para emprestar recursos além de sua capacidade precisam recorrer a empréstimos obtidos junto às instituições nacionais, naturalmente incorrendo em um spread elevado. Nesses casos, como não há garantia de disponibilidade imediata de crédito, haveria uma tendência para que nessas áreas houvesse maior preferência pela liquidez. Como aqui a oferta e demanda são relevantes, os agentes (tomadores de empréstimos e instituições bancárias) teriam um comportamento caracterizado pela obtenção de ativos nacionais. Isto implicaria uma queda no preço dos ativos (dada a sua reduzida demanda) e também reduziria o multiplicador bancário regional. O resultado seria uma menor disponibilidade de crédito gerando uma situação tal como a prevista por Moore e Hill (1982) de demanda insatisfeita. Outra alteração é que Dow trata a moeda como endógena, o que, associada à preferência pela liquidez, altera o sentido da causalidade prevista no modelo original. Naquele, alteração na renda regional levaria a mudanças em relação ao montante de depósitos e créditos regionais. Agora, a interpretação é que alterações na confiança dos agentes em relação ao desempenho da economia, captadas através da preferência pela liquidez, acabam por levar a variações endógenas no crédito regional o que, por sua vez, provoca variações na renda regional. A distinção fundamental dos dois modelos decorre do sentido da causalidade entre a determinação da renda regional, da demanda e da oferta de crédito. Moore e Hill (1982) consideram que a renda regional determina a demanda e o tempo de retenção dos depósitos, o que, dada as reservas, estabelecem o volume de crédito local e de investimento externo. Nesse caso, como a oferta de crédito local é insuficiente para atender a demanda local à taxa de juros determinada no mercado nacional, haverá empréstimos captados de instituições externas. Na interpretação keynesiana, o processo surgiria pela constatação de que a oferta de crédito regional é determinada pelo comportamento no período anterior e sua insuficiência é complementada pelos empréstimos externos. Nesse caso, a criação de depósito seria consistente com a renda regional. A lógica keynesiana seria de que o estado de confiança dos agentes na economia é que acaba determinando a preferência pela liquidez, o que leva a mudanças endógenas quanto ao crédito regional e, por fim, a renda regional. Outra questão a complementar a discussão refere-se à estrutura financeira institucional. Considera-se que em um sistema marcado pela presença de agências mais segmentadas a oferta de fundos será perfeitamente elástica desde que a taxa de juros regional seja mais elevada do que a nacional (spread), logo, o volume de empréstimos não estará 131 limitado a base regional de depósitos. O problema, segundo Dow, é que mesmo que a base regional de depósitos baixa não implique uma oferta regional de crédito menor, ainda assim ela pode gerar um comportamento mais cauteloso por parte dos agentes com maior preferência pela liquidez gerando constrangimentos para a extensão dos empréstimos bancários regionais. Dow (1987a) ocupa-se basicamente em ilustrar como as variáveis financeiras vinham sendo incorporadas em modelos econômicos regionais. Procura então, naquele que interpreta como o mais consistente alterar algumas questões chave a fim de modificar sua base monetarista incorporando o conceito de preferência pela liquidez. Dow (1987b) avança nessa discussão e propõe algo que denomina “teoria da moeda e desenvolvimento regional”. O primeiro ponto é identificar as características de duas regiões, denominadas centro e periferia. A primeira abrigaria atividades industriais e comerciais bem estabelecidas, inclusive o centro financeiro da economia nacional. Na periferia se verificaria uma atividade produtiva mais concentrada em produtos primários ou produção manufatureira básica. O domínio da região central poderia ser explicado pelo grau de produtividade prévio obtido por questões que passam desde economia de escala até influência e poder político. Do ponto de vista da teoria da causação cumulativa, a vantagem inicial do centro, espaço de primeira acumulação de riqueza, criaria uma dependência da produção da periferia em relação às finanças do centro. Inicialmente Dow procura estabelecer as relações entre centro e periferia através de variáveis reais. Assim, aponta que a atividade produtiva da área periférica destina-se à exportação para o centro, porém chama atenção ao fato de que essa produção tende a ser ofertada em mercados de preços flexíveis. Em contraste, os produtos do centro têm sua oferta associada aos mercados oligopolistas fix-price. Assim, as receitas da periferia seriam sensíveis à conjuntura no centro e, por isso, tenderiam a ser altamente variáveis. Ademais, o nível de emprego na periferia também é vulnerável em relação ao grau de penetração de filiais das empresas do centro. De modo que, qualquer recessão a se verificar na região central poderia implicar uma redução da demanda pelos produtos produzidos na periferia, assim como resultaria no risco de encerramento das atividades daquelas filiais. Há efeitos positivos dessa relação, seja na forma de demanda por exportação, seja na possibilidade de transferência de conhecimentos, tecnologia e serviços para a periferia através das filiais das indústrias do centro. Mesmo assim, Dow aponta que essa relação ocorre no sentido de promover a dependência da periferia em relação ao centro. 132 Esse cenário seria determinante para que os ganhos obtidos nas economias periféricas estivessem sujeitos a grande volatilidade. Haveria sempre o risco de ganhos elevados em períodos expansionistas mas de grandes perdas em períodos recessivos. Assume-se que esses mecanismos que normalmente se apresentam de forma geral sejam mais intensos na periferia do que no centro, onde a formação de expectativas tenderia a ser mais estável em função do próprio ambiente. Isso significa que nos períodos de boom haveria grandes influxos de capital para financiar projetos de investimento na periferia mas, do mesmo modo, qualquer percepção de formação de expectativas otimistas demais poderia gerar uma fuga de capitais ainda maior. Portanto, a periferia seria mais propensa a crises de produção. A esse cenário, Dow irá incorporar mecanismos que demonstrarão o papel desempenhado pelas finanças na determinação da trajetória de desenvolvimento regional (AMADO, 1999). Ao incorporar o conceito de preferência pela liquidez nesse esquema centro-periferia, observa que nas regiões periféricas tal papel tende a ser maior. Duas seriam as explicações possíveis. Nessas áreas haveria famílias, empresas e instituições de menor renda e que, portanto, tenderiam a ter maior risco de crédito para fazer frente a suas despesas. Este risco aumentado, por sua vez, tornaria o crédito limitado e/ou caro por causa do risco de inadimplência associado, o que reforçaria preferência para deter ativos mais líquidos (com baixo risco de perda de capital). Adicione-se aí que as implicações das diferenças regionais na variabilidade de renda: maior a variabilidade de renda, maior preferência pela liquidez. Ainda que em determinada situação o rendimento médio seja elevado, o risco de crises graves recorrentes aumenta o risco para empréstimos de médio e longo prazo. Por sua vez, a região central deve apresentar ativos mais líquidos, pois a presença do centro financeiro permite acesso mais direto aos mercados, garante maior volume de negociação e de instrumentos financeiros. Mesmo numa situação em que os ativos da periferia sejam negociados no centro financeiro, o afastamento, a escassez de informações sobre os tomadores e o volume relativamente baixo de negociação destes ativos contribuirá para mercados mais fracos em relação aqueles que operam com ativos do centro. Como os agentes da periferia têm maior preferência pela liquidez, tenderão a manter os ativos líquidos do centro, reduzindo ainda mais o preço dos seus próprios ativos e aumentando a incidência de perda de capital sobre eles. Como aqui tanto a oferta, quanto a demanda importa, cabe observar o comportamento das instituições nesse cenário. Antes de tudo, pode-se afirmar que os bancos devem tornar o crédito mais prontamente disponível para o centro do que para a periferia. Os bancos típicos para regiões periféricas vão preferir manter reserva em excesso e restringir os empréstimos 133 locais, isso pode significar uma desvantagem competitiva que poderá levar a um processo de concentração bancária. Conforme já especificado, em Dow (1987a), mesmo que os bancos nacionais que operam na periferia não tenham a mesma necessidade de maior liquidez que os bancos locais, os fatores relacionados com a maior preferência pela liquidez na periferia, isto é, a estrutura da economia real e a ausência de informações sobre a indústria local devem significar uma menor disponibilidade de crédito para a mesma. Do ponto de vista dos fluxos de capitais observa-se que os influxos de capitais para a periferia para investimento direto são atraídos pelo crescimento de suas indústrias, como resposta ao aumento da demanda por seus produtos no centro. Estes fluxos, porém, serão revertidos abruptamente logo que o crescimento desacelerar. Em todos os momentos, empresas, instituições financeiras e famílias da periferia irão preferir manter ativos do centro com maior liquidez em relação aos ativos da periferia. Os moradores do centro, por sua vez, têm menor necessidade de liquidez, mas podem satisfazer eventuais necessidades dada a aquisição dos seus próprios ativos. Dow indica que a situação acaba caracterizando um paradoxo, pois na medida em que os agentes da periferia mantêm ativos de sua própria região, tentativas na periferia de alcançar maior liquidez durante uma fase recessiva devem causar uma queda no preço dos ativos periféricos. Isso porque essa busca por maior liquidez é acompanha por maior dificuldade na venda dos seus ativos, o que significa que esses agentes incorreram em perdas de capital. De modo que, essas tentativas de manter líquido devem causar efeito exatamente oposto ao esperado. No centro, o efeito é o inverso. Numa situação em que os moradores da periferia mantêm ativos do centro como fonte potencial de liquidez, a sua necessidade não deve causar uma queda nos preços desses ativos, tendo em vista que a riqueza da periferia, por definição, corresponde apenas a uma pequena proporção do total nacional. Além disso, como aponta Dow, o propósito de liquidação tende a ser destinado para pagamentos ao centro, o que criaria uma demanda adicional pelos produzidos na região central, favorecendo os seus preços. A autora esclarece que: A importância deste comportamento financeiro é fundamental. Sua influência sobre o padrão de desenvolvimento regional exacerba tendências de desenvolvimento desigual. Não é apenas uma questão de investidores periféricos enfrentando maior dificuldade na aquisição de crédito, embora isso possa ser grave o suficiente em si mesmo. É o comportamento de todos os setores da periferia que tende a enfraquecer o valor dos seus ativos e, ao mesmo tempo, tende a reforçar os ativos do centro. Isso não só promove disparidades na avaliação da riqueza nas duas regiões mas também influencia negativamente a disposição dos produtores periféricos em investir em novos bens de capital ao mesmo tempo que reduz sua capacidade de obtenção de crédito (DOW, 1987b, p. 85, tradução nossa) 134 Ainda que se considere que haverá fluxos de capitais do centro durante fases de crescimento econômico na periferia a fim de financiar o desenvolvimento que de outra forma não poderia ocorrer, sabe-se que a volatilidade dessa disponibilidade de crédito aumenta ainda mais a dependência da periferia. Além disso, a atração exercida pelos mercados financeiros do centro é de tal magnitude que os fundos periféricos, que poderiam ter sido disponibilizados para financiar o investimento interno, são desviados para fora da região. Os investimentos diretos do centro na periferia acrescentam ainda mais elementos à dependência da periferia. Essa lógica do sistema financeiro tende a reforçar a estrutura centro-periferia da economia nacional, perpetuando os níveis de desigualdade. Esse processo deve implicar uma tendência à concentração bancária e industrial. Nesse sentido, o rompimento desse círculo vicioso passaria pela necessidade de atuação de uma agente externo, o Estado, com o propósito de “gerar fluxos constantes de financiamento das regiões centrais em direção às regiões periféricas, e isto só é possível com uma política econômica integrada que compatibilize as políticas monetária, fiscal e industrial” (AMADO, 1999, p. 222). Portanto, o tratamento das desigualdades regionais não pode ignorar as características que vigoram a cada momento no sistema financeiro, sob o risco de aprofundar essas disparidades. Não se considera, de antemão, que os elementos ilustrados possam ser mais importantes que outros já consagrados na discussão sobre o atraso de determinadas áreas dentro de um mesmo território nacional. O que afirma-se é que os mecanismos derivados dessa discussão não podem ser desprezados na construção de políticas que pretendam romper com uma configuração histórica de atraso e modernidade presente em diversos espaços nacionais. Mas essa literatura monetária regional mesmo na vertente pós-keynesiana que incorpora a influência exercida através da moeda e do sistema financeiro ainda apresenta uma limitação quando a discussão volta-se ao desenvolvimento econômico regional. Basicamente, observa-se a ausência de conexão com as questões políticas que estão implícitas, por exemplo, na relação centro-periferia. A próxima subseção procura fazer essa ligação. 5.3.4 RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA: POLÍTICA E MOEDA A discussão desenvolvida nos capítulos anteriores procurou demonstrar que o processo de desenvolvimento é condicionado por fatores internos e externos, em que estes últimos 135 possuiriam maior preponderância, o que pode ser observado, em última instância, pela restrição externa ao crescimento. Neste capítulo, nosso objetivo é indicar que esses condicionantes externos e internos também atuam, ainda que em escala diferente, sobre o desenvolvimento regional. Nesse sentido, a discussão sobre o papel da moeda e do sistema financeiro em uma escala regional foi feita a fim de apontar como a restrição externa dos modelos macroeconômicos pode ser incorporada ao debate regional. No entanto, cabe observar que esse paralelismo ocorre em bases distintas. Nos modelos heterodoxos apresentados, a restrição externa é resultado de conformações de estruturas produtivas entre os países com correspondentes graus diferenciados de elasticidade-renda da demanda gerando um processo de polarização da riqueza caracterizado por uma configuração do tipo centro-periferia. Nestes modelos a moeda ainda tem um papel apenas acomodativo em relação ao fluxo real de mercadorias. Outros autores pós-keynesianos ainda que concordem quanto a presença de distintas estruturas produtivas procuram apontar que a moeda e as diferentes preferências pela liquidez em cada região se constituem, no mínimo, como agravantes para as desigualdades regionais. Seu efeito seria ampliar o caráter mais instável das economias periféricas, repercutindo sobre variáveis reais tais como a taxa de crescimento e o nível de emprego. De qualquer modo, em que pese a contribuição original dada pelos pós-keynesianos para a questão regional, essa visão ainda está circunscrita a um debate essencialmente macroeconômico. O que, na visão explorada neste trabalho, é insuficiente para a discussão mais geral aqui proposta sobre o desenvolvimento regional. Isso porque, conforme apontado, a inteireza desse processo só pode ser captada quando nela se incorpora a discussão das questões de natureza política. Embora centro e periferia possam ser caracterizados por sua estrutura produtiva, nosso ponto de vista é que essas categorias se constituem como uma construção também política. Vale lembrar que o conjunto das atividades econômicas, que engloba o perfil produtivo de cada região, não pode ser desvinculado das questões relativas aos centros de decisão política. Na realidade, nestes é definida a estrutura sobre a qual aquelas atividades irão se desenvolver. Sendo assim, como incorporar as questões políticas nessa conformação centro-periferia em que distintas estruturas produtivas e a moeda acabam reafirmando as desigualdades regionais? Um caminho possível para responder essa questão talvez pudesse partir da própria definição de desenvolvimento que já foi apontada no primeiro capítulo. Se no âmbito das atividades econômicas o desenvolvimento se manifesta com uma alteração no perfil produtivo 136 e distributivo, no campo político também leva a um movimento de mudanças quanto às estruturas políticas e sociais, o que torna o desenvolvimento um processo conflituoso porque capaz de alterar as relações de força e poder entre as classes de agentes. Mas conforme também ilustrou-se, essa dinâmica não diz respeito apenas as estruturas internas envolvidas, isto é, quando se trata do desenvolvimento de uma região não são apenas aqueles agentes que estão inseridos neste território local que afetam e são afetados por esse movimento de mudança, isto é, forças externas à região também atuam no sentido de permanência ou ruptura. Nesse caso, como aqueles condicionantes externos e internos podem ser reinterpretados agora numa dimensão regional? Um primeiro aspecto que pode ser observado é que postular a existência de uma relação similar à do tipo centro-periferia dentro do território nacional implica admitir uma relação hierárquica entre as regiões, o que as envolveria, implicitamente, em um quadro concorrencial pelo acúmulo de riqueza e poder. Dentro dos marcos territoriais de uma nação essa rivalidade tende a se concentrar no modo como os dominantes agentes políticos locais conseguem afetar os rumos do processo de acumulação em escala nacional ou, em outros termos, a forma como conseguem transplantar a sua própria ideologia do processo de desenvolvimento para a ideologia do processo nacional de desenvolvimento. Esse embate entre as regiões na luta por posições nos centros internos de decisão definidores das políticas nacionais de desenvolvimento tem como objetivo alcançar, manter e ampliar posições de preeminência dentro do Estado Nacional em discussão. Há neste ponto uma tentativa de transplantar o marco da discussão da concorrência interestatal para o espaço da disputa interregional. Porém, enquanto na primeira alguns aspectos dessa rivalidade se apresentam de forma explícita como, por exemplo, através de políticas cambiais e comerciais, no âmbito de uma mesma fronteira territorial os eventuais instrumentos de política econômica que uma região pode lançar mão são insuficientes para se constituírem numa estratégia regional robusta de desenvolvimento, daí a importância da influência sobre os centros de decisão do poder central. No marco teórico aqui desenvolvido é o Estado Nacional o ente estatal responsável, em último caso, pela estratégia nacional de desenvolvimento que irá através da diversidade de políticas adotadas, gerar em conjunto aos mecanismos de polarização já citados. O que está se afirmando nada mais é do que uma disputa por parte dos agentes em fornecerem a orientação política, logo, a estrutura sobre a qual se organizam as atividades econômicas desenvolvidas neste território. Nessa altura, pode parecer demasiado alertar ao fato de que o Estado Nacional não é o guardião das boas políticas e intenções, trata-se de mais um componente dentro de 137 uma sociedade hierarquizada com blocos de interesses distintos que se entrechocam e que estão a todo o momento tentando alcançar posições de poder. Naturalmente, as posições hierárquicas não são de natureza imutáveis porém deve-se reconhecer que a hegemonia conquistada por uma região central não tende a ser rompida de maneira abrupta, levando em conta que os mecanismos de acumulação também atuam de forma polarizadora (MYRDAL, 1972). Mas cabe chamar atenção que também não se aceita aqui que as políticas econômicas sejam tão somente a representação dos interesses de uma região que consegue alcançar preponderância nos espaços do governo nacional. Não há razão para supor que as lideranças nacionais se ocupem apenas de defender interesses regionais privados. Há que se considerar que as elites nacionais podem sim ocupar-se com o desenvolvimento nacional de forma geral, aplicando, inclusive, políticas regionais em função do próprio interesse nacional, ignorando as forças políticas locais dominantes. Nesse sentido, a forma de organização do poder central, governo federal, e sua articulação com os poderes locais é determinante para que se abram eventuais “janelas de oportunidade” para as regiões periféricas. Em governos de coalizão parece nos razoável supor uma maior possibilidade de romper com a condição de atraso, a depender, é claro, da natureza da coalizão. Talvez não fosse o caso, por exemplo, se essa coalizão for capitaneada pelos setores financeiros das regiões hegemônicas aliados à fração rural mais atrasada das oligarquias regionais. Portanto, aqui ganha preponderância como os grupos dominantes locais fazem uso desses possíveis espaços de abertura dentro do poder central. Acrescente-se ainda que essa elite local também tem capacidade de forjar relações além dos limites do território nacional respaldando, por exemplo, a orientação geopolítica das regiões centrais dentro do espaço nacional. Nem sempre o interesse dominante local é conflituoso com os interesses dominantes de outras regiões, isso porque mesmo dentro de uma única região eles não são homogêneos. Isto é, determinado tipo de orientação nacional ao favorecer uma região de forma mais geral pode eventualmente ser capaz de ter o apoio político de outras regiões desde que os agentes dominantes destas também possam obter algum benefício de caráter privado ainda que em prejuízo dos interesses gerais da região que representam. Em outras palavras, em uma região internamente haverá sempre de existir uma rivalidade entre distintos grupos que procurarão impor-se como dominante. Desse modo, a ênfase na disputa interregional não deve obscurecer que internamente as regiões também apresentam elementos que contribuem para sua posição de domínio ou subordinação. 138 Regiões periféricas, assim como nações atrasadas, carregam historicamente as seqüelas do seu passado - práticas arcaicas que acabam por contaminar as suas estruturas políticas e sociais. Esse é caso, por exemplo, no Brasil, da vigência em determinadas regiões mais atrasadas da prática do coronelismo, definição de LEAL (1997) para apontar a estrutura das relações político-sociais da Primeira República. Embora tenha sido utilizado, originalmente, para descrever um fenômeno de especificidade histórica, o conceito seria utilizado, amplamente, nas ciências sociais para descrever como, ao longo do tempo, se dá o domínio privado da política local em regiões atrasadas. Naturalmente, vai além das pretensões deste trabalho oferecer uma visão abrangente do coronelismo ou dos novos enfoques produzidos por outros autores a partir da obra de LEAL (1997). De qualquer modo, parece necessário para subsidiar o caráter de rigidez estrutural das regiões periféricas apontar alguns dos seus elementos mais marcantes. Entre eles destaca-se exatamente o fato de que corresponde em si a uma articulação entre o novo e o antigo ou, mais precisamente, uma tentativa de permanência de estruturas arcaicas em um contexto de mudança. A emergência da Primeira República implicara num movimento de expansão do poder estatal com maior importância dos governos estaduais como unidades de decisão política e, ao mesmo tempo, um processo de decadência socioeconômica dos senhores rurais. Daí se forma um compromisso de cooperação entre os proprietários rurais e a estrutura emergente de poder do Estado. Dessa composição resulta uma estrutura estatal petrificada, resistente às mudanças em que se restringe o espaço para posições divergentes. A partir dessa característica fundamental desenvolvem-se outros pontos que irão definir o coronelismo: “o mandonismo, o filhotismo, o falseamento dos votos, a desorganização dos serviços públicos locais” (LEAL, 1997, p. 41). Supostamente, a urbanização seria um elemento que permitiria a ruptura com os elementos característicos do coronelismo, no entanto, o que se verifica é que mesmo no Brasil urbano a não eliminação da pobreza deu ensejo a construção de estruturas mais complexas, mas não menos sufocantes de dominação. Práticas clientelistas de compra de votos, a face mais visível do coronelismo, continuaram a vicejar. Na realidade, vigora um ciclo vicioso em que a miséria abre espaço para os casos de abuso do poder econômico e cooptação de eleitores por meio de prestação de favores o que, por sua vez, alimenta o subdesenvolvimento dessas regiões. Não se deve, portanto, subestimar a capacidade dos “coronéis” de se adaptarem aos novos formatos da estrutura material de que são partícipes. Ainda hoje são as extensas relações que mantêm com o poder central que permite a manutenção das oligarquias regionais 139 através do direcionamento de recursos e nomeações federais. Mais esse poder local, que deriva do forte poder central, forja regionalmente alianças com o eixo econômico, quando não se confunde com o mesmo, com vistas à manutenção do seu status quo. Desse modo, a ocupação dos espaços regionais sob influência dos “coronéis” possui caráter bastante amplo perfazendo diversas instâncias de poder, que vão do Poder Judiciário aos meios de comunicação, construindo um sistema de compadrio em que a reprodução da pobreza tende a favorecer a obtenção dos seus interesses privados. De qualquer maneira, se o processo de desenvolvimento, se a constituição da relação centro-periferia tem na política sua origem fundamental, neste âmbito, apesar de certa estabilidade, não se pode tomá-la como irreversível. A discussão em torno dos centros internos de decisão procurou demonstrar a possibilidade de alteração nos eixos de poder. Parece-nos que, dada a rede de aliados construída no espaço regional, o seu rompimento apenas em função das disputas locais apresenta maior dificuldade, a relação de forças no âmbito local seria notadamente desigual. Desse modo, parece razoável supor que a extinção das oligarquias locais, do coronelismo e suas práticas passa pela necessidade de romper com a sua principal fonte de poder: as relações de benesses com o governo federal. Ao próprio Estado Nacional caberia dar nova configuração a sua relação com as instâncias locais a fim de quebrar a rigidez estrutural vigente no espaço regional. Nesse caso, teríamos a atuação de uma agente externo à região que, através de suas ações, poderia desencadear um processo cumulativo no sentido contrário ao círculo vicioso que envolve a pobreza e as arcaicas estruturas político-sociais. A atuação estatal seria o impulso original desse movimento que se alimentaria, posteriormente, da potencialização do conflito entre as classes dirigentes internas à região. Aponta-se aqui que a superação do atraso regional passa, necessariamente, por mudanças nas relações estabelecidas entre o poder político, as instituições e as estruturas materiais internas à região. Qualquer brecha na disputa interregional que signifique a abertura de “janelas de oportunidade” só viceja se as condições internas assim o permitirem. E neste ponto cabe inserir no debate regional a teoria da estrutura social de acumulação. Ora, a interpretação de que a relação centro-periferia tem suas origens em bases políticas não desconhece que a mesma revela-se nas atividades produtivas desenvolvidas nas distintas regiões e que, portanto, objetivam a acumulação de capital. O que significa dizer que as atividades empresariais nas regiões periféricas também reivindicam uma coesão institucional que garanta a estabilidade necessária para os seus investimentos. Sabe-se que essa coesão é resultado de processos e lutas que ocorrem internamente às regiões, 140 caracterizadas por uma multiplicidade de forças com visões conflitantes e que buscam influenciar processos sociais e instituições a fim de se estabelecer como estrutura social dominante. O apaziguamento temporário desses conflitos internos, em associação com os elementos externos, conforma um conjunto coerente que permitem então que se estabeleçam o modo de organização econômica nessas regiões. Em síntese, a tese exposta é que o desenvolvimento regional também ocorre a partir de uma composição de condicionantes externos e internos. Externamente, as regiões em função da limitação dos instrumentos que estão a sua disposição para promover políticas regionais de desenvolvimento se envolvem numa disputa interregional a fim de ocupar os espaços de poder no governo central, afinal, é o Estado ou através da captura das suas diretrizes políticas que se enseja aquela conformação centro-periferia no território nacional. Por outro lado, no front interno, também há uma confrontação de interesses que levará determinado grupo a alcançar proeminência diante dos demais, ainda que essa posição não seja permanente. Dependendo da sua capacidade de persuasão esse movimento pode ser mais ou menos pendular entre as visões que reforçam as atividades produtivas periféricas e aquelas mais progressistas. O desafio do desenvolvimento regional passa, então, por um momento desestabilizador em que as forças pela continuidade e pela ruptura terão que se confrontar. Conforme já indicado, dentro de cada região os grupos apresentam um poder desigual, de tal modo que, tende a necessitar de um condicionante externo desencadeador desse processo. Na nossa visão, essa tarefa apesar da “globalização” continua sob o comando do Estado. Naturalmente, há que se considerar que qualquer estratégia regional de desenvolvimento supõe a elaboração prévia de uma política nacional de desenvolvimento, o que implica verificar quais as possibilidades desse Estado Nacional em empreendê-la dada a conformação geopolítica na qual está inserido. Portanto, o ponto de partida retorna ao conflito interestatal porque dele deriva a autonomia do governo central em promover aquelas políticas que favorecem o desenvolvimento e que ampliam, na medida em que são adotadas, a sua própria autonomia. Porém isso não é suficiente ou não pressupõe que haverá convergência regional de renda e daí a necessidade de inserção dos interesses regionais na construção dessa política nacional de desenvolvimento. Mas essa política regional precisaria se dar sob novos marcos, mais precisamente precisa levar em consideração o papel desempenhado pela moeda na construção das desigualdades regionais. De modo geral é recorrente na literatura regional que as propostas de políticas passem pela necessidade de atuação estatal. Isso ocorre mesmo nas denominadas teorias de 141 desenvolvimento endógeno, em muitos desses casos, enfatiza-se a cooperação entre os agentes locais, suas instituições e as políticas de governo. Não raro, elenca-se a premência de políticas creditícias específicas para os negócios locais. A incorporação da moeda e do sistema financeiro na interpretação pós-keynesiana não foge desse esquema. Aqui, o Estado também é o elemento fundamental que permite quebrar a lógica privada do sistema financeiro. Dificilmente poderia ser diferente, dado o controle do poder central sobre a política monetária do país. Enquanto a literatura tradicional reivindica, simplesmente, a adoção de determinadas políticas industriais, a ênfase sobre elementos como incerteza, preferência pela liquidez, moeda e sistema financeiro dos autores pós-keynesianos traz à tona a necessidade de que em apoio a esta se incorpore também uma política monetária regionalmente diferenciada (o significado dessa proposição será explorada na conclusão do trabalho). Enfim, as observações apontadas aqui indicam que o enfrentamento do problema regional envolve questões diversas, o que, do ponto de vista das políticas regionais de desenvolvimento significa que na ausência dessa percepção pode-se incorrer em medidas inócuas quanto à eliminação das desigualdades regionais. Não bastaria simplesmente industrializar-se, por exemplo, sem que se cuide das questões políticas que estão atreladas a estrutura econômica das regiões. Política que envolve interesses internos à região, externos à região mas ainda no âmbito do território nacional e aqueles oriundos de origem externa ao próprio país. Tudo isso aponta para o inevitável conflito de interesses, na medida em que o desenvolvimento implica em um processo de ruptura e desestabilização de uma ordem vigente. A rigidez estrutural presente nas regiões não podem ser considerada alheia a uma cadeia de intencionalidade, portanto, políticas regionais de desenvolvimento ao serem adotadas devem envolver novas intenções para alcançar seu objetivo principal: eliminar as disparidades regionais de renda, crescimento e bem-estar econômico. 142 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS No início deste trabalho apontou-se para a retomada da discussão em torno do desenvolvimento. Dada a diversidade de discursos presentes na academia, e também em outros meios, torna-se importante retomar algumas das observações já apontadas pela economia política do desenvolvimento. Neste sentido é que procurou-se resgatar o conceito de desenvolvimento, sobretudo a partir das contribuições de Furtado. O argumento desenvolvido neste ponto teve como objetivo absorver uma definição em que a natureza conflituosa deste processo fosse evidente. E assim, cuidou-se de revelar como esse antagonismo se apresentava. De um lado, verificou-se que internamente o desenvolvimento tenderia a opor os diversos blocos de interesses internos que procurariam alcançar distintas posições de poder a fim de determinar o tipo de estratégia política a ser encampada pelo Estado. Por outro, observou-se que esse Estado Nacional é parte integrante de um sistema assimétrico de relações internacionais em que as nações buscam posições de poder. Nesse sentido, países periféricos tenderiam a uma posição subordinada, cujo raio de manobra seria derivado das possibilidades abertas em função das disputas e estratégias definidas a partir dos países centrais. Nos dois casos, na análise do sistema interestatal, na referência aos blocos internos de poder, o papel do Estado seria determinante. A primeira constatação mostrou que embora a literatura do desenvolvimento tenha percebido a relevância da atuação estatal, não teria captado os aspectos institucionais dos quais esse Estado é parte integrante. Essa observação levou-nos a incluir no corpo teórico deste trabalho a análise das estruturas sociais de acumulação, para que fosse possível demonstrar a necessidade de coesão interna entre a multiplicidade de forças que estão presentes nesse jogo de poder. E nessa conformação, o Estado seria parte integrante, logo, não poderia ser interpretado como um agente indiferente aos interesses manifestos. Por outro lado, foi preciso capturar o processo de globalização nos termos do sistema de concorrência interestatal. Essa preocupação revelou-se, sobretudo, dada a noção corrente de que a integração financeira e comercial, por si só, é um elemento que exclui a possibilidade de consecução de estratégias nacionais de desenvolvimento. Essas primeiras observações indicaram os condicionantes externos e internos ligados, respectivamente, ao jogo assimétrico entre as nações e às estruturas de poder internas. Procurou-se trazer para essas discussões - mais afeitas à economia política do desenvolvimento - a contribuição da teoria macroeconômica, a fim de justificar porque 143 considera-se aqui que as forças externas possuem maior preponderância quanto aos obstáculos para a superação do atraso econômico e da pobreza. A nossa indicação, nesse caso, foi que a restrição externa apontada pelos modelos de crescimento heterodoxos corresponde à própria materialização dos condicionantes externos. A nossa constatação é que as nações - que não a emissora da moeda mundial - cedo ou tarde terão que enfrentar os limites colocados ao crescimento pelo seu balanço de pagamentos. Essa construção em que o desenvolvimento depende da atuação de condições externas e internas, e no qual a moeda desempenha um papel fundamental, serviu de orientação para as reflexões em torno do desenvolvimento regional. A tentativa foi de transplantar nossas considerações sobre o desenvolvimento em geral para tratar do caso das regiões. A mesma noção de centro-periferia que já havia sido incorporada quando da construção do GTDN foi aqui resgatada para tratar dos embates regionais. O significado dessa observação foi assumir que há uma relação hierárquica entre as regiões. A questão apontada foi que embora a ideologia do processo nacional de desenvolvimento não represente em sua completude os interesses regionais, afirmou-se que os blocos dominantes em cada região buscam alcançar posições de poder dentro dessa estrutura nacional a fim de delimitar os rumos do desenvolvimento nacional. Porém, se a relação centro-periferia já havia sido observada dentro dos limites territoriais de uma mesma nação, a contribuição original dos pós-keynesianos foi aqui incorporada para demonstrar que mesmo nessa escala, a moeda continua exercendo um papel determinante. À estrutura produtiva diferenciada típica daquela relação somam-se agora os conceitos de incerteza e preferência pela liquidez, contribuindo para aprofundar desigualdades regionais. Nossa discussão da questão regional não descuida ainda de recuperar outro ponto comumente observado para explicar o atraso econômico: a permanência de estruturas arcaicas, referentes não apenas ao perfil produtivo, mas abarcando questões de ordem político-social. Dentro da síntese construída inicialmente, essa questão foi tratada com a introdução da discussão dos condicionantes internos a um único espaço regional. Nesse caso, observou-se que as forças de permanência detêm um amplo controle sobre as mais diversas instâncias de poder, dificultando a atuação das eventuais forças de ruptura que possam existir internamente. A descrição acima, baseada nas principais questões levantadas ao longo deste trabalho, aponta no sentido de aumentar o grau de confiança relacionado à nossa hipótese de partida: o desenvolvimento está atrelado a condicionantes internos e externos, em que estes possuem 144 maior preponderância, com destaque para o papel exercido pela moeda, inclusive no concernente ao debate regional. Aumentando, igualmente, nossa confiança nas sub-hipóteses apresentadas. Primeiro de que os modelos de crescimento com restrição externa, fundamentalmente através do balanço de pagamentos, podem ilustrar o fato de que os países estão submetidos a interações econômicas internacionais que limitam a possibilidade de levar adiantes estratégias bem sucedidas de superação do atraso. E, para o caso específico das regiões, que a restrição externa continua sendo um elemento de constrangimento ao desenvolvimento regional em um contexto de relação centro-periferia, com destaque para o papel da moeda e do sistema financeiro como explicação para as disparidades regionais de renda. Neste sentido caberia finalmente apontar alguns aspectos de políticas que pudessem dar conta dos fenômenos apontados. Destacando que a síntese ora resumida esteve a serviço de elencar novos elementos para as discussões regionais, as propostas apresentadas a seguir circunscrevem-se aos problemas das desigualdades nesta escala. A percepção do papel da moeda nesse debate leva a uma primeira proposição referente a adoção de políticas monetárias regionalmente diferenciadas. Essa diferenciação resultaria em depósitos compulsórios fixados de acordo com as características regionais. Se nas áreas periféricas verifica-se que o sistema financeiro exige maiores níveis de reservas na forma de depósitos voluntários, a redução dos compulsórios poderia permitir um maior multiplicador monetário nestas regiões. Adicionalmente, um controle regional sobre a expansão da base monetária também poderia servir como incentivo para a redução da restrição financeira que marca o perfil das áreas subdesenvolvidas. Ademais, os modelos de crescimento quando aplicados ao espaço regional ao considerarem as exportações como o principal componente da demanda autônoma sugerem basicamente políticas de estímulo às exportações. Do ponto de vista regional, não bastaria observar a correlação entre a expansão das exportações e crescimento da renda mas que a geração de um círculo virtuoso dependeria da expansão da produção de bens de maior produtividade e alta elasticidade-renda. O que poderia ser um convite à adoção de políticas de deslocamento de empresas para as regiões mais atrasadas através de incentivos de capital e subsídios à mão de obra (McCombie e Thirwall, 1994). Adicionalmente, dada a validade do PDE, não pode-se deixar de observar a atuação estatal como estímulo a demanda agregada através, por exemplo, de investimentos em infraestrutura que, de qualquer modo, tenderiam a potencializar as primeiras políticas sugeridas. Mesmo no caso de estímulo às exportações não deve-se descuidar que depende de 145 variáveis exógenas, basicamente exige-se um cenário externo favorável. Em situação contrária, uma alternativa seria a adoção de estabilizadores fiscais automáticos para as regiões. O tratamento das finanças regionais no modelo pós-keynesiano apresentado também nos parece sugerir a adoção de certos critérios quanto à política industrial mas que apresentam dificuldades quanto à sua operacionalização. Seria o caso, por exemplo, de maiores incentivos destinados às empresas regionais em prejuízo de filiais de firmas “estrangeiras”, eventualmente, através do favorecimento das empresas locais no fornecimento de bens e serviços a serem adquiridos pelo Estado. A preocupação nesse caso volta-se aos possíveis vazamentos de recursos quando da contratação de produtores “estrangeiros” à própria região, que tendem a ocorrer pela necessidade de transferência de parte dos lucros obtidos na periferia para suas matrizes localizadas nas regiões centrais. Acrescente-se que as empresas locais, pela proximidade com a região, podem construir uma base de informações mais consistente sobre o comportamento regional. Este último aspecto também precisaria ser considerado em relação à estrutura do sistema bancário, com estímulo a um subsistema formado em bases regionais. Tal construção talvez possibilitasse maior permanência de recursos na forma de ativos regionais. Em todo caso, deve-se observar que essas medidas precisam ter um efeito estruturante, portanto, duradouro. O objetivo, ao fim, é dar suporte a superação do atraso mediante alteração na estrutura produtiva das regiões atrasadas. Não se trata apenas de fornecer incentivos apenas às empresas, mas deve-se observar o seu aspecto político. Considerando a observação já apontada de que nas áreas periféricas o poder econômico tende a estar alinhado com as arcaicas estruturas político-sociais, é necessário mais do que simplesmente oferecer suporte financeiro. É preciso que este, ao estimular a atividade produtiva, possa ser um elemento desestabilizador do bloco de interesse hegemônico interno. Portanto, a construção de uma política regional de desenvolvimento que passe pela adoção de uma política industrial com fins de transformar a estrutura produtiva deve estar em conformidade com uma política monetária específica. A especificidade desta deve-se a necessidade de constituição de um subsistema financeiro regional que forje internamente novas elites políticas e econômicas alinhadas com a nova estrutura produtiva caracterizada por elevados graus de produtividade. Este trabalho se constituiu como uma pesquisa de perfil teórico. Deste ponto de vista, considera-se que suas principais limitações possam ser encontradas no fato de que poderia optar por um maior enfrentamento das suas principais questões com outras abordagens de 146 caráter divergente. De qualquer modo, a confiança na hipótese desenvolvida aponta muito mais no sentido de aprofundamento de suas conclusões, incorporando quando possível estudos empíricos que possam auxiliar na observação, sobretudo, das questões referentes às finanças regionais mas, quando tratar-se de desenvolvimento, sem descuidar das questões de ordem política. Finalmente, acrescentaríamos que se o desenvolvimento não se estende de forma uniforme entre as regiões dentro do território nacional, o atual resgate dessa temática não pode abrir mão de discutir as questões referentes ao desenvolvimento regional sob o risco de aprofundar as desigualdades entre as regiões. E, neste caso, talvez tenha se mostrado que não é possível simplesmente ignorar as implicações decorrentes do balanço de pagamentos, inclusive no âmbito regional. Esse esforço foi desenvolvido pelo GTDN porém foi ao longo do tempo tem sido rejeitado pelas mais diversas correntes do pensamento regional, quase sempre, baseando-se na suposição de que na ausência de fronteiras políticas e/ou na crença do desenvolvimento endógeno não precisaria ser levado em consideração. Acreditamos aqui, muito mais, na necessidade de aprofundamento de suas implicações. 147 REFERÊNCIAS ACEMOGLU, D.; JOHNSON, S. e ROBINSON, J. Institutions as the fundamental cause of long-run growth. 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