Francisco Paulo Mendes: o fazedor de profetas Dawdson Soares Cangussu1 Não se pode falar no movimento literário do Pará, sem que o nome de Francisco Paulo Mendes venha em primeiro lugar. Ruy Barata2 Esta frase sintetiza o sentimento de gratidão afirmado e reafirmado de todo sempre ao intelectual que influenciou em grande monta a poética dos novíssimos paraenses. Estes não se cansaram nem se cansam em tecer comentários elogiosos a este sujeito magro, franzino, mas muito sábio. Para Benedito Nunes3 ele foi um fazedor de poetas. “Todos lhe ouvíamos a opinião, confiávamos no seu bom gosto, seguíamos o seu juízo crítico”. Havia um lugar em especial. Um espaço que possuía uma poética4, que possuía uma identidade e uma humanidade, lugar onde Mendes e os jovens poetas se reuniam para falar de literatura e de outros temas como crítica literária e política, visto que ele não separava política de literatura. Jovens como Max Martins, Benedito Nunes, Haroldo Maranhão, Ruy Barata, Paulo Plínio Abreu, Mário Faustino, juntos ao mais velho e considerado o mais sapiente, Mendes, se reuniam no Café Central, que ficava no hotel então chamado também de Café Central, situado à Avenida Presidente Vargas. Mendes não se cansava. Depois de lecionar o dia inteiro ainda tinha disposição para, todas as noites, ir ao Café Central para encontrar com os amigos e 1 Mestrando em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará. BARATA, Ruy. Entrevista dada ao Jornal Literário “José”, de Fortaleza. Transcrita no SL/ FN: 33. 3 NUNES. Benedito. Devoção à poesia. In. NUNES, Benedito. O amigo Chico: fazedor de poetas. Belém: Secult, 2001, p. 37. 4 BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 2 1 discutir seus assuntos prediletos. Ele era o foco das discussões, era quem tomava a frente. Todos os dias tinha algo novo para ensinar aos mais jovens. Mas de onde vinha tanto conhecimento? Visitando as memórias escritas acerca da vida do Chico, como era chamado por alguns, vimos o quão bela foi a trajetória intelectual desse homem que adorava o magistério. Nasceu por entre os livros. Quando garoto visitava a casa do avô materno João Affonso do Nascimento. Este era pintor, desenhista, escritor e dono de uma grande casa aviadora na Belém do Intendente Antônio Lemos. A partir daí Mendes começou a ter contato com a literatura e foi também onde iniciou seu gosto pela leitura. Com a morte do avô herdou uma vasta coleção de livros a qual foi aumentando no passar do tempo. Comprava muitos livros e também doava muitos àquelas pessoas que lhe demonstravam interesse real às letras. Era um incentivador, um fazedor de poetas e de estudiosos. E assim foi se construindo aquele homem das letras, polido e bem vestido, de ânimo anti-acadêmico e anárquico. Seja nas aulas nos vários colégios em que dava aulas, seja na Academia dos Novos, seja no Café Central, Mendes, crítico mordaz da literatura mal feita e da política excludente, influenciava, em suas falas, conferências e aulas, a geração que naquele momento nascia. Mendes era uma espécie de elo entre as duas gerações. Uma do final dos anos 30, da qual ele pertenceu e a nova, da qual faziam parte Max Martins, Haroldo Maranhão, Alonso Rocha, Jurandir Bezerra, Cauby Cruz, Mário Faustino e Benedito Nunes. Era um grande conhecedor da literatura contemporânea. Lia Valery, Rilke, Mauriac, Julien Green, Alain Fournier, Kafka, Bernanos, Kierkegaard, Paul 2 Lendsberg, Jacques Maritain, Berdiaeff, Sartre, Gabriel Marcel, Karl Jaspers e Martin Heidegger, Mallarmé, Baudelaire, além de Antero de Quental e Fernando Pessoa. Apreciava Rilke e o existencialismo, com os quais manteve intenso contato e, por conseguinte, influenciou a geração de Ruy Barata. Não escreveu muito, o que tinha a dizer dizia em sala de aula ou em palestras, conferências e nas reuniões no Café Central. Escreveu Raízes do Romantismo em 1944, como requisito do concurso para ingressar como professor do Instituto de Educação do Pará (IEP), e publicou alguns ensaios de crítica literária no Suplemento Literário da Folha do Norte e na Revista Encontro em 1951. Nas palavras do poeta e professor João de Jesus Paes Loureiro5, Mendes “não quis escrever nenhuma obra. Não se queria autor no sentido livresco e acadêmico. Era o texto de si mesmo. Um texto a se escrever na eternidade inquieta de uma vida. Como numa página do tempo. Nesse tempo universal de uma Belém que ele escolheu para viver”. Dissemos que Mendes era um exímio conhecedor da literatura contemporânea e que era admirador do existencialismo. Em Notas para uma Conferência sobre a poesia Contemporânea6, Francisco P. do Nascimento Mendes tece alguns comentários sobre aspectos da literatura existencialista, os quais podem ser vistos na literatura da “Turma do Central”, denominação dada pelos próprios jovens poetas que freqüentavam as reuniões no Café Central. 5 LOUREIRO, João de Jesus P. Relembranças do Chico Mendes. In. NUNES, Benedito. O amigo Chico: fazedor de poetas. Belém: Secult, 2001, p. 140. 6 MENDES, Francisco P. Notas para uma conferência sobre a poesia contemporânea. In. Suplemento Literário da Folha do Norte, n° 28. 3 Para Mendes “essa poesia nos desprende do mundo físico e da realidade para nos oferecer uma realidade superior, por assim dizer, mais autêntica”. 7 Uma realidade buscada no psicológico para desvendar todos os mistérios da existência, que não está no mundo real, mas no mundo supra-real, que para ele, é o mundo do poeta contemporâneo. Esse mundo absorveria tanto os fenômenos do mundo exterior quanto do mundo interior. E ressalta: “E, para conseguir isso, para fundir em si todos os elementos do mundo exterior e do mundo interior e uma expansão da alma humana poética deve o poeta praticar uma liberdade total do espírito, uma expansão do eu, que não restringe mais as suas fronteiras e tende a dilatar-se até o infinito”.8 Quando observamos a poesia da Geração de Max Martins fica claro que tiveram contato com esse tipo de teoria literária. Dá para imaginar isso sendo discutido às mesas do Café Central? Dá para perceber o quanto esses jovens foram influenciados pela fala confiável de Francisco P. Mendes? Não há duvidas quanto a isso. A influência de Mendes é notória. É inegável a presença, no grupo do Suplemento, de poemas com “idéias absurdas, desejos obscuros, sentimentos aberrantes, os sonhos e os desvarios, toda uma confusa, mas fervilhante vida subterrânea do nosso ser”. 9 Max Martins10 não esconde a satisfação de ter convivido e aprendido tanto com Mendes. Ele era o líder das discussões. “Ali ele tomava seu chá com torradas e 7 Ibidem. Ibidem. 9 Ibidem. 10 MARTINS, Max. Por ouvir dizer. In. NUNES, Benedito. O amigo Chico: fazedor de poetas. Belém: Secult, 2001, P. 76. 8 4 ensinava-nos literatura, falava sobre artes plásticas, da poesia de Rilke, do simbolismo, do modernismo, de romances, teatro e questionava tudo”. Mendes sempre estava se renovando, se colocando a par das novidades do universo das letras e sempre ligado às questões de seu tempo. (...) “o Mendes político, de olho sempre posto na polis, muitas vezes manifestando indisfarçável malestar, irritação frente aos desacertos sociais, culturais, políticos, o Mendes nunca reacionário, jamais atrasado, jamais retrógrado”.11 Era muito admirado também como professor, sobretudo, por causa de sua habilidade em fazer correlações entre campos artísticos díspares. Para Tupiassu12 Mendes era... “um homem para quem as tarefas do conhecimento sempre se constituíram verbo em eterno gerúndio. O fazendo, o construindo, o ensaiando num movimento de idas e vindas, superfície, profundeza, atentando aos lídimos sentidos de humano, comprometendo-se com a cadeia maior de saberes dispostos em benefício a uma acepção mais vasta da vida, a vida com poesia, a vida com vida”. Não separava a vida da teoria. Para ele elas eram imbricadas. Acreditava que, sem o acesso à cultura e ao conhecimento, dificilmente os homens teriam os instrumentos cognitivos para pensar de maneira totalizante sobre as razões da injustiça e da desigualdade. Esses ensinamentos foram de alguma forma sendo transmitidos e ensinados àqueles jovens que com ele reuniam-se nas noites no Café Central. Em meio às torradas e aos cafés e chás, a Turma do Central compartilhava suas experiências literárias e políticas, nas quais Mendes era o centro de onde saiam as críticas mais 11 TUPIASSU, Amarílis. Mestre, meu mestre querido! In. NUNES, Benedito. O amigo Chico: fazedor de poetas. Belém: Secult, 2001, p. 107. 12 Ibidem, p. 109. 5 contundentes e as poesias mais fundadas. Possuía muitas leituras, conhecia muitos poetas nacionais e estrangeiros e isso lhe tornava o mais sabedor entre os demais. Mendes se considerava um dos novos, mas não rejeitava os ensinamentos da Geração de Murilo Mendes. E clamava: “Um dos nossos deveres, dever dos Novos, é tirar do esquecimento e reabilitar todos aqueles dos quais recebemos a herança literária do Pará e que foram, como nós somos hoje, fiéis à divina religião da poesia”13. Diferente de Cléo Bernardo (SL/ FN: 45), o qual afirmou que: “a geração modernista do Pará é uma geração liberta. Não teve orientadores e mestres ou verdadeiros amigos. Desajudada realizou o seu ideal, combatida traçou as suas diretrizes; errando aqui, indecisa ali, acertando acolá, mas sempre guiando solitária o seu destino e inteligência, a sua esperança e inquietação”. Dá para perceber que as discussões no Café Central eram quentes, cada um querendo defender sua posição. Aliás, uma coisa que essa geração mais nova não tolerava eram as críticas dos chamados passadistas. E isto já pôde ser visto em outro tópico. Havia um desencontro, em alguns momentos, das preferências estéticas, o que causava um verdadeiro alvoroço nas reuniões lítero-político-sociais. A respeito dessa nova poesia contemporânea que estava sendo produzida pela geração de Benedito Nunes, Mendes (SL/ FN: 76), como crítico literário que era, ressaltou que “o crítico permanece na expectativa. E, se é certo, esta poesia que está sendo ultimamente criada entre nós é a expressão autêntica e exata do nosso espírito e da nossa vida, aceitemo-la e nos esforcemos por compreendê-la. Todo poeta novo é um novo profeta: anuncia uma nova idade. E é na palavra dele que nós depositamos a nossa esperança”. 13 MENDES, Francisco P. Prefácio para Jacques Flores. In. FLORES, Jacques. Vespasiano Ramos, 1942. In. Benedito Nunes. O amigo Chico: o fazedor de poetas, Belém: Secult, 2001, p. 166. 6 Mesmo sendo profetas Mendes não poupava críticas. E essa nova geração de ‘profetas’ caminhou muito sob as rédeas do Chico. Então, fazendo um trocadilho com Benedito Nunes, podemos dizer que Mendes era um fazedor de profetas, posto que, essa nova geração paraense de poetas, foi, como estamos frequentemente endossando, bastante influenciada e, de certo modo, direcionada, no que tange à poética, por Francisco Paulo Mendes. A presença deste homem na vida destes jovens foi condição sine qua non para o sucesso da poética dos novos do Pará. Este, por assim dizer, tem um vínculo histórico com a literatura paraense, vínculo que dificilmente será negligenciado devido a sua importância histórica e cultural. À guisa de compreender qual foi a contribuição de Mendes com relação à literatura paraense de 45, caímos num problema, o qual seja o de encontrar não só uma contribuição, mas várias, o que torna árduo e, por conseguinte, incompleto o nosso trabalho, visto que é difícil traçar todo o panorama por qual caminha a influência do Chico à Geração nova da qual ele mesmo fez parte. Talvez, numa outra oportunidade, essa continuação possa ser retomada. O que não faltam são coisas a falar desse advogado, poeta, ensaísta, professor e outras coisas mais, quem, na pena de Ruy Barata, em 1947, era “um dos críticos e ensaístas mais brilhantes do Brasil e se ainda não ganhou a proporção a que a sua inteligência faz jus, se deve unicamente à natural pequenez do meio, aliada à sua já tão proverbial timidez e modos” (SL/ FN: 33). 7