Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) RELATÓRIO PROVISÓRIO DO ESTUDO SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO E INCLUSÃO LABORAL: O VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES POAT/80740/2013 OUTUBRO 2013 – JUNHO DE 2015 1 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Índice INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS Situação de sem-abrigo: múltiplas dimensões conceptuais e factores constituintes ....................... 5 Influência de fatores estruturais na situação de sem-abrigo ......................................................... ..10 Pobreza e exclusão social: entre novos e velhos problemas sociais……………………………………………..11 Processos de entrada, manutenção e saída da situação de sem-abrigo ………………………………………14 Trabalho como Prioridade de Intervenção ………………………………………………………………………………….21 METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA APLICADA Questionário por inquérito ………………………………………………………………………………………………………..26 Entrevista semi-estruturada ………………………………………………………………………………………………………27 Análise dos resultados do estudo quantitativo ………………………………………………………………………….29 Síntese dos resultados do estudo quantitativo ………………………………………………………………………….63 Análise dos resultados do estudo qualitativo …………………………………………………………………………….65 Síntese da análise dos resultados do estudo qualitativo …………………………………………………………….95 CONCLUSÕES GERAIS ……………………………………………………………………………………………………………………100 LIMITAÇÕES DO ESTUDO ………………………………………………………………………………………………………………101 RECOMENDAÇÕES ………………………………………………………………………………………………………………………..102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……………………………………………………………………………………………………..104 2 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) RESUMO A ausência de estudos científicos sobre as dinâmicas laborais e a problemática da situação de sem-abrigo em Portugal, assim como a perceção da complexidade e multidimensionalidade do fenómeno para uma efetiva compreensão científica e social do mesmo, encontram-se na base do estudo Situação de Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: o valor do trabalho e das relações realizado em Coimbra, Aveiro, Vila Nova de Gaia e Porto entre 2013 e 2015. Os resultados obtidos de dois estudos de vertente quantitativa e qualitativa, derivados da aplicação de 172 questionários e de 14 entrevistas em profundidade a pessoas em situação de sem-abrigo, permitem concluir que o trabalho constitui, para as pessoas que vivenciam esta situação, a principal ferramenta de promoção da autonomia e independência e, por conseguinte, de efetiva integração social. Acresce que os seus processos de mudança, assim como os seus objetivos de vida e perspetivas de futuro são construídos em torno da inclusão laboral. Por outro lado, as relações com os profissionais das instituições de apoio são destacadas como as mais influentes, caraterizando-se estes como as figuras mais significativas neste período das suas vidas. A percepção da indispensável participação ativa de diferentes interventores (políticos, sociais e comunitários) obriga a uma revisão transversal dos atuais modelos de intervenção assistencialista na senda da capacitação das pessoas em situação de sem-abrigo para uma efetiva inclusão social e laboral, através do desenvolvimento de estudos mais aprofundados e aplicação de programas de apoio específicos direcionados a diferentes grupos. 3 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) INTRODUÇÃO A evolução e complexidade da problemática de sem-abrigo em Portugal merecem a atenção de estudos científicos focados na compreensão da sua multidimensionalidade visando a aplicação dos seus resultados para a adequação e aperfeiçoamento das políticas sociais implementadas a nível local e nacional. Os parcos estudos nacionais sobre a relação da problemática e do valor do trabalho e das relações nas pessoas que experienciam a situação de sem-abrigo – uma vez que incidem maioritariamente em relações de vinculação (Barreto, 2000), caracterização da problemática (Bento & Barreto, 2002), percursos escolares (Bastos, 2011) ou doença mental nesta população em específico (Carrinho, 2012), para nomear alguns – vêm confirmar a necessidade imperativa de uma análise das perspetivas dos indivíduos em estudo no sentido de uma efetiva estruturação das metodologias de intervenção e definição de políticas sociais de combate ao desemprego e à exclusão social e laboral. Seguindo esta premissa desenvolveu-se um estudo inovador no panorama científico nacional ao possibilitar a análise dos valores do trabalho e das relações em pessoas que experiencia(ram) a situação de sem-abrigo, confluindo as vertentes quantitativa e qualitativa da investigação realizada. Deste modo, procurou-se compreender a relação entre os fatores conducentes e de manutenção da situação de sem-abrigo (dos quais se podem destacar as ruturas familiares e sociais e/ou o desemprego) e as perceções que as pessoas que vivenciam esta situação assumem sobre o trabalho e as relações interpessoais e, por fim, a influência de tais perceções na participação ativa dos atores em estudo na sua inclusão social e profissional. Respeitando uma abordagem holística e compreensiva do fenómeno, defendida por investigadores de diferentes áreas científicas (Pleace, 2000) e tendo em conta as diretrizes europeias e nacionais de combate à pobreza, exclusão social e desemprego, este estudo reconhece a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a influência do desemprego e a falta de ocupação laboral e formativa nas pessoas em situação de sem-abrigo, no contexto de exclusão social em que vivem e nas dificuldades de acesso a condições de vida dignas. Neste sentido e, procurando um robustecimento científico de influência prática, o estudo realizou-se em quatro cidades portuguesas: Coimbra, Aveiro, Porto e Vila Nova de Gaia, abarcando 172 pessoas em situação de sem-abrigo (144 homens e 27 mulheres) que participaram no preenchimento do questionário por inquérito e 14 pessoas na mesma situação que colaboraram através de um processo de entrevista. A aplicação dos questionários e a realização das entrevistas possibilitaram a mobilização de 20 instituições públicas e privadas que disponibilizam apoio social a pessoas em situação de sem-abrigo, exclusão social e pobreza, através da seleção de participantes e disponibilização de espaços para a administração dos instrumentos de investigação. 4 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) FUNDAMENTOS TEÓRICOS Situação de sem-abrigo: múltiplas dimensões concetuais e factores constituintes Assistiu-se, ao longo da primeira década do século XXI, a um interesse global crescente a nível académico e científico sobre a problemática da situação de sem-abrigo (Anderson, 2003). A sua compreensão obriga a olhar sob diferentes perspetivas todas as dimensões que constituem este fenómeno. Porém, a complexidade que lhe é própria dificulta esta tarefa, começando pela própria definição de sem-abrigo. No âmbito dos diversos trabalhos produzidos, permanece ainda a dificuldade em encontrar uma definição de sem-abrigo que englobe a diversidade de dimensões, fatores e mecanismos transversais às circunstâncias de cada situação, e, assim, a dificuldade em desocultar as causas estruturais do fenómeno, indo para além dos seus efeitos mais superficiais e visíveis. Este passo significaria avançar para além de atuais definições, baseada unicamente na ausência ou perda de habitação adequada. A discussão sobre o conceito atravessa todos os estudos existentes na área e a necessidade de clarificar este construto limita a própria compreensão na medida em que os diversos autores identificam diferentes medidas de análise e priorizam um fator sobre outro na explicação do conceito, de acordo com o enfoque do seu trabalho. De entre estes fatores, destacam-se a ausência de habitação (Muñoz & Vázquez, 1998; Bento & Barreto, 2002) como fator principal, não desvalorizando a importância de uma noção abrangente do conceito, uma vez que associado à ausência de habitação encontram-se diversas lacunas de direitos essenciais à dignidade humana. Outros enfocam a problemática no âmbito da exclusão social o que direciona a sua leitura para uma perspetiva em termos de intervenção social (Menezes, 2012). Paralelamente, a diversidade de fatores implicados na problemática em estudo espelha igualmente as dificuldades de definição de sem-abrigo, dada a sua complexidade e multiplicidade de dinâmicas e interações de diferentes elementos. As definições que os diferentes países ocidentais defendem refletem, na sua maioria, o panorama político e cultural da época que se subordina, por sua vez, às abordagens teóricas e práticas vigentes. No âmbito científico, as múltiplas (in)definições do construto de sem-abrigo, associadas aos locais escolhidos para recolha de participantes nos estudos (existe o risco de exclusão de aqueles que não frequentam esses locais ou não recorrem a serviços de apoio, o que dificulta uma noção exacta do número de pessoas em situação de sem-abrigo) e a outras caraterísticas relacionadas com a problemática e que condicionam o processo de recolha de dados (e.g. doença mental e dependência de substâncias psicoativas), conduzem a variadas limitações dos estudos existentes na área e dificultam a comparabilidade dos seus resultados (Vásquez & Muñoz, 2001). Estas condicionantes, associadas às diferenças entre as várias definições aplicadas (embora a construção 5 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) de uma visão mais completa só poderá surgir do esforço de congregar o que é complementar nessa diversidade), limitam a adequada caraterização e compreensão da população sem-abrigo e, consequentemente, dificultam a elaboração de planos estratégicos adequados e o desenvolvimento de instrumentos de intervenção e ação eficazes. Neste sentido, a clarificação do conceito de semabrigo e o entendimento da sua prevalência (Minnery & Greenhalgh, 2007) e dimensões subjacentes, são essenciais para que as estratégias de intervenção dirigidas a esta problemática possam surtir efeitos transformativos, isto é, atuantes ao nível das suas causas estruturais. Com o objectivo de abranger as diferentes e complexas situações de sem-abrigo e exclusão habitacional, a F.E.A.N.T.S.A. – Fédération Européenne d’Associations Nationales Travaillant avec les Sans-Abri desenvolveu uma definição de sem-abrigo (ETHOS1 – European Typology on Homelessness and Housing Exclusion) (FEANTSA, 2005) que considera as realidades analisadas em diferentes países europeus, especificamente no que respeita às diferentes situações de habitação. Neste sentido, a tipologia proposta pretende promover o debate sobre a problemática e servir de ferramenta de base para o desenvolvimento de políticas e trabalhos de investigação. A sua concepção abrangente baseia-se no pressuposto que a situação de sem-abrigo não é um fenómeno estático, mas sim um processo que afeta várias pessoas e famílias, em situação de vulnerabilidade, em diferentes momentos das suas vidas. Considerado um passo sem precedentes em Portugal, a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo – ENIPSA (2009) surgiu, em grande parte, pela insistência da União Europeia na necessidade em definir e implementar políticas especificamente direcionadas à população sem-abrigo e na importância de quebrar ciclos ineficazes de intervenções assistencialistas. Com a (tentativa de) implementação nacional da ENIPSA, a problemática de semabrigo emerge, finalmente, como objeto de discussão pública, em espaços institucionais e sedes políticas, num país onde o Estado teve, até então, um papel marginal no que toca a orientações políticas específicas nesta área. Este movimento permitiu o (re)equacionamento das estratégias de intervenção utilizadas até então, de forma geral pautadas por medidas fragmentadas, desarticuladas e com caráter de emergência, serviços prestados principalmente por instituições privadas de solidariedade social e Organizações Não Governamentais (Baptista, 2009). De fato, apesar do inegável desenvolvimento e expansão do sistema público de segurança social conquistado na segunda metade da década de 90, traduzido numa melhoria generalizada das condições de vida e da proteção social oferecida aos cidadãos (Gonçalves, 2002), do investimento do 1 São quatro as categorias da ETHOS: 1. Sem Tecto: pessoas que vivem em espaços públicos ou que pernoitam em abrigos de emergência; 2. Sem Casa: pessoas que vivem em acolhimento temporário. 3. Habitação Insegura: pessoas que vivem em situação de habitação precária (e.g. a viver com amigos ou familiares sem opção de habitação própria), arrendamentos ilegais e situações de violência doméstica; 4. Habitação Inadequada: pessoas que vivem em estruturas não adequadas para habitação (e.g. sem condições de habitabilidade). A sua definição considera as situações de sem-abrigo e exclusão habitacional, defendendo que a separação destas dimensões depende das abordagens que cada contexto nacional assume, podendo as situações de exclusão habitacional (habitação insegura e habitação inadequada) serem ou não consideradas como situação de sem-abrigo. 6 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Estado na construção de novos equipamentos, na criação de medidas e instrumentos políticos de combate à pobreza e exclusão, e do esforço de articulação entre políticas sociais e económicas (Capucha, 2002), Portugal não foi capaz de consolidar os progressos alcançados, nem em reverter o agravamento das desigualdades e dos problemas sociais que o continuam a marcar. A permanência desta situação (em cerca de 20 anos de criação de programas de luta contra a pobreza, a taxa de pobreza anual tem-se mantido na ordem dos 20%) permite questionar se “o problema não está no que se faz, mas no que fica por fazer” (Bruto da Costa, Baptista, Perista & Carrilho, 2012 p.197). Com a implementação da ENIPSA, Portugal estipulou uma definição oficial de pessoa em situação de sem-abrigo 2 influenciada pela abordagem da F.E.A.N.T.S.A. Logo, a ausência de habitação condigna está na base das suas linhas orientadoras de avaliação e intervenção, considerando a garantia do acesso à habitação como primordial para a redução do número de pessoas nesta situação, tal como preconizado na Constituição da República Portuguesa (1976) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Considerando a problemática como um processo abrangente, não limitado às pessoas que vivem na rua, e para o qual confluem diversos fatores (doença mental, desemprego, falta de habitação, problemas de ordem social, económica e familiar), a ENIPSA foca-se na importância de abranger diferentes atores sociais num funcionamento interventivo em rede. Com um plano de ação para o período entre 2009 e 2015, aponta a utilidade da articulação e potenciação dos recursos existentes como medida eficaz para evitar a sobreposição e duplicação de esforços e os seus efeitos perversos, principalmente no que respeita à manutenção e persistência da problemática (ENIPSA, 2009). Embora assuma uma abordagem dinâmica, esta Estratégia Nacional peca por não reconhecer as dimensões de habitação insegura e habitação inadequada (destacadas na ETHOS da FEANTSA) para uma avaliação e intervenção preventiva das efetivas situações de sem-abrigo. Ao não estabelecer critérios específicos para a definição de situações de exclusão habitacional duplica-se a exclusão daqueles que se encontram em graves situações de vulnerabilidade habitacional e social pois, uma vez que não reúnem as condições formais de integração em programas de intervenção, ficam condenados à invisibilidade perante as políticas sociais. Ao limitar a situação de sem-abrigo a situações de sem-tecto e sem-casa limitam-se igualmente as metodologias para levantamento estatístico representativo das situações a nível nacional e, por conseguinte, as directrizes interventivas que daí possam resultar. 2 A definição de pessoa sem-abrigo defendida pela ENIPSA (2009) estipula que uma pessoa, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condições socioeconómica e de saúde física e mental, é considerada em situação de sem-abrigo quando se encontra numa das seguintes situações: • sem tecto – vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário; • sem casa – encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito. 7 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Importa então compreender a complexidade e heterogeneidade da problemática da situação de sem-abrigo cujas causas e consequências se revelam muitas vezes indistintas. Embora a maioria das publicações nacionais e internacionais sobre a problemática incida sobre a caraterização da população, descrição das estratégias de (sobre)vivência na rua e as suas implicações políticas e sociais aplicando, tipicamente, uma perspetiva social ou psicopatológica (Snow & Anderson, 1987), ela é concordante no respeitante aos fatores sociais e individuais concorrentes para a situação de sem-abrigo. Destacam-se, entre eles, a pobreza, o desemprego e o abandono escolar associados a ruturas familiares, perturbações do comportamento aditivo e perturbação mental, o que reflete (e importa sublinhar) que a confluência de fatores de ordem social e individual esclarece o surgimento da situação de sem-abrigo, sendo que apenas um ou outro tipo de fator são insuficientes em explicar por si só a problemática. Como Nogueira e Ferreira (2007, p. 199) sublinham, podemos considerar que “a situação de sem-abrigo representa o final de um processo que se associa à pobreza mas que é distinto desta dado o número e dimensão das clivagens com os vários sistemas. O deficiente acesso aos sistemas e a existência de fissuras cada vez mais evidentes resultam de vários fatores produtores de risco de exclusão social. Por sua vez, estes fatores, individualmente ou por influência conjunta, provocam o aumento desta fratura (entre a pessoa sem-abrigo e os sistemas), num processo de bola de neve de dimensões cada vez mais complexas.” Assume-se então que a problemática de sem-abrigo encontra-se integrada no extremo do que é considerado exclusão social. A noção multidimensional de exclusão social de Rogers (1995 in Lúcio & Marques, 2010) reporta-se a diferentes dimensões, tais como: a) «exclusão do mercado de trabalho (desemprego de longo prazo); b) exclusão do trabalho regular (parcial e precário); c) exclusão do acesso a moradias decentes e a serviços comunitários; d) exclusão do acesso a bens e serviços (inclusive públicos); e) exclusão dentro do mercado de trabalho - ocorrência de um fenómeno de “dualização do processo de trabalho”: existem empregos ruins, de acesso relativamente fácil - que além de precários não geram um padrão de renda suficiente para garantir um padrão de vida mínimo; existem empregos bons, de difícil acesso, que geram níveis de renda e segurança aceitáveis; f) exclusão da possibilidade de garantir a sobrevivência; g) exclusão do acesso à terra; 8 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) h) exclusão em relação à segurança, em três dimensões: insegurança física, insegurança em relação à sobrevivência (o risco de perder a possibilidade de garanti-la) e insegurança em relação à protecção contra contingências; i) exclusão dos direitos humanos» (Rogers, 1995, apud Dupas, 1999: 20 in Lúcio & Marques, 2010). Nesta perspetiva, compreende-se que a exclusão associa-se diretamente à incapacidade de usufruir de direitos humanos básicos inerentes à dignidade humana e, por fim, à impossibilidade de exercer uma cidadania plena. Ressalva-se o valor do trabalho e do emprego, apontados na perspetiva de Rogers, no assegurar de bens e segurança necessários a uma vida digna de acesso e fruição de direitos humanos e constitucionais, além de se constituírem como elementos estruturantes da vida do ser humano. Invocando a posição da União Europeia relativamente à Estratégia Europa 2020, “Ter um emprego é provavelmente a melhor salvaguarda contra a pobreza e a exclusão, mas não é suficiente por si só para garantir uma diminuição dos níveis de pobreza ou a inclusão social. Serão necessários sistemas de segurança social e de pensões modernos, adaptados à crise e ao envelhecimento da população europeia, para assegurar um nível adequado de apoio ao rendimento e cobertura às pessoas temporariamente sem emprego. Lutar contra a segmentação ineficaz do mercado de trabalho constitui uma outra forma de melhorar a justiça social” (Comissão das Comunidades Europeias, 2009, p. 7). É nesta linha de atuação que o presente estudo reconhece a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a influência do desemprego e a falta de ocupação laboral e formativa nas pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, no contexto de exclusão social em que vivem e nas dificuldades de acesso a condições de vida dignas, apostando numa abordagem holística e compreensiva do fenómeno defendida por investigadores de diferentes áreas científicas (Pleace, 2000). Embora se desconheça a existência de mecanismos de associação causa-efeito do desemprego para a situação de sem-abrigo, constata-se que as pessoas nesta situação vivenciam múltiplos desafios e barreiras no acesso e dentro do mercado de trabalho, revelando maiores dificuldades que a população desempregada em geral devido à manifestação de um maior isolamento social e incapacidades de diversa ordem (Steen, Mackenzie & McCormack, 2012). Seguindo o pensamento sobre o impacto de experiências de exclusão social ou em situação de sem-abrigo, Paugam (2003) considera que a primeira constitui um processo marcado por diferentes fases, onde o indivíduo experimenta sucessivas ruturas: um distanciamento do trabalho, 9 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) frequentemente acompanhado por um afastamento da vida social, uma crise de identidade, problemas de saúde, em certos casos, uma rutura familiar, e, por vezes, numa última fase, a adoção de atitudes e comportamentos de resistência ao estigma social que os marca, encerrando-se sobre si próprios, incorrendo no risco de dessocialização. O autor designa este processo de desqualificação social, onde ao longo de 3 fases – fragilidade, dependência e rutura – a identidade da pessoa transmuta-se, em função da sua vivência da situação e, também, do tipo de relação estabelecida com os serviços de assistência a que recorre. Mais do que os efeitos da debilidade dos rendimentos ou da ausência de bens materiais, a desqualificação social é uma provação pela “degradação moral que representa, para a existência humana” (p.175), dada a humilhação de ter de recorrer ao apoio de outras pessoas ou de serviços de ação social para poder ter uma vida minimamente decente. Habitualmente, a situação mais extrema deste processo é associada às pessoas em situação de sem-abrigo, correspondente à fase da marginalidade. Os marginais estão desacreditados pelos seus fracassos, tendo de enfrentar quotidianamente a prova da reprovação social por essa “diferença vergonhosa” (p. 98). Influência de fatores estruturais na situação de sem-abrigo Na última década diferentes autores têm defendido uma “nova ortodoxia” (Pleace, 2000; Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010) com base no pressuposto que os fatores estruturais propiciam as condições de ocorrência da situação de sem-abrigo e que as pessoas mais vulneráveis a contextos sociais e económicos adversos apresentam problemas de ordem pessoal. Deste modo, a susceptibilidade às forças macro-estruturais pode explicar a elevada concentração de pessoas que apresentam dificuldades individuais na população sem-abrigo (Fitzpatrick, 2005). A situação de sem-abrigo atinge pessoas de ambos os sexos, de todas as idades, raça e etnia e proveniência. Tem-se assistido a um aumento generalizado em diversos países do fenómeno de “novos sem-abrigo”: famílias, crianças e jovens em situação de sem-abrigo (Minnery & Greenhalgh, 2007), fruto de diversos fatores de ordem individual, familiar, social, económico e também cultural, e que recentemente tem agravado as preocupações dos agentes sociais portugueses. Como pudemos verificar anteriormente, a situação de sem-abrigo é um processo evolutivo, caraterizado por diversas privações e ruturas que se iniciam muito antes da efetiva situação. Pelo contrário, tendo considerado a problemática como imóvel, os estudos científicos, estatísticos e sociais – que prevaleceram durante décadas – reportavam-se unicamente à contagem e caraterização das pessoas nesta situação. 10 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Nos últimos anos verifica-se a emergência de uma abordagem de percursos (pathways approach), cuja aplicação tem surgido em distintos temas sociais, e que visa compreender os percursos de vida das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, as suas perceções e experiências, ressalvando que ficar sem-abrigo não é inevitável ou conducente a estados crónicos nesta situação (Mayock, Corr & O’Sullivan, 2008). A necessidade de perspetivar a situação de semabrigo como um processo permite compreender as diferentes fases da sua vivência, possibilita a análise dos fatores que influenciam esta mesma trajectória (Snow & Anderson, 1993) e que convergem para a complexidade dos processos sociais e económicos que reproduzem e mantêm a problemática, além de permitir a reflexão sobre a eficácia das respostas (Anderson, 2001) sociais, políticas e institucionais. Esta autora clama pela urgência de estudos sobre os processos e dinâmicas existentes na relação das trajectórias de vida com as experiências de habitação dos indivíduos que vivenciam a situação de sem-abrigo. A problemática de sem-abrigo agrega múltiplas dimensões relacionadas com doença mental, dependências e abuso de substâncias psicoativas, comportamentos violentos, trauma, isolamento social e familiar, problemas familiares e relacionais. Mantém-se a discussão sobre se estas dimensões se constituem como causas ou consequências durante o processo da situação de semabrigo. Para se atender à abrangência das dimensões constitutivas da problemática em causa, é necessário incorporar todos os fatores económicos, sociais e psicológicos subjacentes que potenciam e permitem a manutenção da situação de sem-abrigo (Vázquez & Muñoz, 2001). Pobreza e exclusão social: entre novos e velhos problemas sociais Definição e conceitos de pobreza A construção de uma análise compreensiva do fenómeno da situação de sem-abrigo implica atender às problemáticas da pobreza e da exclusão social, nomeadamente aos fatores e mecanismos que contribuem para a sua emergência e reprodução. Em primeiro lugar, importa esclarecer o que se entende por pobreza e exclusão social no contexto do presente trabalho. Dada a natureza multidimensional e multiforme destes fenómenos, existe uma grande diversidade de perspetivas e, consequentemente, de definições e conceitos associados que, quando vistos como complementares, permitem construir um quadro menos incompleto sobre os mesmos. No seguimento do trabalho de Bruto da Costa e colaboradores (2012), consideramos a definição de pobreza ali apresentada, enquanto “situação de privação resultante da falta de recursos” (p. 26), como sendo a mais adequada. Subjacente a esta escolha está o entendimento de 11 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) que a resposta à privação (situação de carência) não significa que a falta de recursos esteja resolvida, o que implica admitir a questão da dependência em relação às ajudas prestadas, enquanto fator potenciador da manutenção das situações de pobreza. A resolução da falta de recursos significa que a privação foi solucionada e que a pessoa adquiriu a capacidade de ser auto-suficiente em matéria de recursos, isto é, que passou a ter uma forma de sustento proveniente de fontes consideradas normais na sociedade em que vive (rendimentos do trabalho, capital e pensões de reforma ou de sobrevivência) (idem). Se, por um lado, a situação de privação está associada à satisfação de necessidades humanas básicas, por outro, atentar ao problema da falta de recursos implica considerar outras dimensões da vida humana como o direito à auto-determinação, a participação cívica, aspirações de realização pessoal, entre outras. Neste âmbito, Sen (2003) considera o fenómeno da pobreza não como um problema exclusivo da escassez de recursos mas, sobretudo, como a incapacidade da pessoa em ter acesso a eles, o que constitui uma carência de potencialidades, isto é, a falta de habilitação para aceder aos recursos e a incapacidade da pessoa em conseguir funcionar autonomamente e encontrar as condições ideais para concretizar o seu ideal de felicidade. Para o autor, qualquer esforço dos dispositivos económicos, sociais e políticos de uma sociedade, na criação de processos de desenvolvimento, deverá ser no sentido de reforçar e expandir as liberdades humanas, sejam elas associadas a aspectos mais concretos da vida (poder evitar privações como a fome, enfermidades evitáveis, por exemplo) ou liberdades ligadas ao enriquecimento da vida humana (literacia, acesso à participação política, à liberdade de expressão, etc.). Associar a liberdade à pobreza implica considerar esta última como uma “situação de negação de direitos humanos fundamentais” (Bruto da Costa et al., 2012, p. 22) e que a primeira apenas tem sentido quando as condições efetivas do seu exercício existem, pois a eficácia da liberdade como instrumento reside na interligação entre os diferentes tipos de liberdade, podendo um certo tipo de liberdade suportar e promover outros tipos de liberdade (Sen, 2003). Ao considerar outras necessidades da vida humana para além das necessidades de subsistência, impõem-se a distinção entre o conceito absoluto de pobreza e o conceito relativo de pobreza3. O primeiro tem que ver, sobretudo, com a definição normativa de um conjunto de necessidades básicas de referência, necessárias à subsistência física (Bruto da Costa et al., 2012), enquanto o segundo atribui maior ênfase sobre a “privação dos padrões de vida e de atividade próprios de uma dada sociedade (…) dos níveis de vida mínimos (…) comummente aceites” (Fernandes, 1991, pp.38-39). Aqui, é introduzida uma outra variável no entendimento acerca da pobreza e que remete para as dimensões sociais da existência humana, isto é, das relações do indivíduo com a sociedade em que se insere. 12 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Exclusão social: a marca de uma vulnerabilidade estrutural Numa perspetiva sistémica, consideremos o indivíduo como parte integrante de vários sistemas sociais interligados, com os quais estabelece relações: no domínio da sociabilidade (redes como a família, vizinhança, colegas de trabalho, etc.), no domínio económico (sistemas geradores de rendimentos, recursos financeiros e mercados de bens e serviços), no domínio institucional (sistema educativo/formativo, de saúde, emprego, habitação, cultura, justiça, etc.), no domínio espacial (nível de integração de um dado território) e no domínio simbólico (referências identitárias, construção da memória individual e colectiva) (Bruto da Costa et al., 2012, pp. 65-71). Estas relações são mediadas por trocas de recursos, e é neste sentido que a resolução da privação não garante que a situação de pobreza seja resolvida: a contínua ausência de recursos bloqueia a liberdade de ação da pessoa sobre o contexto a que pertence e, assim, a diferentes formas de exclusão social. A situação de exclusão é tanto mais profunda e severa quanto maior for a privação e a falta de recursos, ou seja, quanto maior for o número de sistemas sociais afetados. Por outro lado, a relação dos indivíduos com esses sistemas varia entre diferentes graus de exclusão e inclusão. Por exemplo, uma pessoa pode estar excluída a nível territorial ou espacial e, contudo, esse mesmo território ser fonte de referências identitárias positivas e de sentimentos de pertença que nutrem o seu bem-estar individual e as suas relações com outras pessoas. Neste sentido, a exclusão social constitui um processo que varia entre formas e graus mais ou menos superficiais ou profundos, um percurso de sucessivas ruturas na relação do indivíduo com a sociedade, nomeadamente com a família, relações afetivas e de amizade e com o mercado de trabalho e restantes sistemas (Bruto da Costa, et al, 2012). Fenómenos marcantes de pobreza e exclusão social não são caraterísticos da contemporaneidade. Mas, se na época da revolução industrial a pobreza das grandes massas de trabalhadores resultava da incapacidade destes em acompanharem o progresso, a nova pobreza deve-se ao próprio progresso económico, marcado pela precariedade do emprego, a desregulação do mercado de trabalho, a diminuição dos custos diretos (salários) e indiretos (impostos e contribuições) do trabalho. A nova pobreza reveste-se de um sentimento de “angústia individual resultante do risco de desemprego, da fraca implicação na vida coletiva, da perda progressiva da identidade profissional quando o desemprego surge e se prolonga” (Capucha, 1998, p.18,). Paradoxalmente, porque hoje prevalece o ideal de sociedades igualitárias, onde as desigualdades mais graves deixaram de ser admitidas como naturais, a pobreza tornou-se intolerável nas sociedades mais ricas, sobretudo quando estas “transformam o sucesso em valor supremo e onde domina o discurso sancionador da riqueza, a pobreza é o símbolo do fracasso social e traduzse, muitas vezes, em termos de existência humana, por uma degradação moral” (Paugam, 2003, p. 13 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 24), uma posição afetada de negatividade social no jogo das relações simbólicas entre os grupos sociais (Clavel, 1998). Ser pobre é ser portador de uma marca existencial que gera angústia para os outros, pois, num contexto atual marcado pela incerteza e pelo individualismo, reflete a possibilidade de perda do estatuto conquistado (Fernandes, 1991; Paugam, 2003). Esta reação, transporta o receio de queda no processo de desqualificação social, materializada numa segmentação social e económica crescente, geradora de um fosso cada vez maior entre os pobres e os não-pobres. O debate sobre a exclusão social é também um debate político, na medida em que deve procurar descortinar as causas socioeconómicas que estão na sua base, e, também, lançar o questionamento sobre de que forma a participação de cada um na economia simbólica das posições sociais, tecida numa trama de relações de interdependência, contribui também para a reprodução das situações de exclusão. Neste sentido, o sofrimento individual resultante da situação de exclusão social, é também socialmente produzido: um sofrimento social experimentado individualmente, sintomático de uma vulnerabilidade estrutural da sociedade (Soulet, 2007). Processos de entrada, manutenção e saída da situação de sem-abrigo Antes de mais, importa esclarecer que a conceção dinâmica de situação de sem-abrigo assumida neste estudo conflui com a definição defendida pela F.E.A.N.T.S.A., logo a utilização, neste relatório, do termo população sem-abrigo reporta-se a um grupo estatístico de pessoas definidas por caraterísticas comuns, neste caso, ausência de habitação permanente e condigna. Não se refere a uma marca identitária de um grupo social específico, distinto do resto da população, mas sim a pessoas que se encontram numa determinada fase das suas vidas e durante um determinado período de tempo em situação de sem-abrigo. Ao longo deste relatório, é referida a necessidade de uma abordagem mais compreensiva do fenómeno da situação de sem-abrigo e, simultaneamente, a análise até aqui feita tem revelado uma necessária leitura abrangente dos fatores estruturais e individuais que concorrem para a sua existência. Na última década, diferentes autores têm defendido uma “nova ortodoxia” (Pleace, 2000; Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010) com base no pressuposto que os fatores estruturais propiciam as condições de ocorrência da situação de sem-abrigo e que as pessoas mais vulneráveis a contextos sociais e económicos adversos apresentam problemas de ordem pessoal. Deste modo, a susceptibilidade às forças macro-estruturais pode explicar a elevada concentração de pessoas que apresentam dificuldades individuais na população sem-abrigo (Fitzpatrick, 2005). 14 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) A discussão sobre as causas e consequências da situação de sem-abrigo mantém-se patente em diversas publicações. Nas últimas décadas diversos autores têm procurado descrever as trajetórias mais comuns para a situação de sem-abrigo (Fitzpatrick, 2000; Anderson, 2001; Martijn & Sharpe, 2006), contudo as diferenças das amostras (jovens e adultos) estudadas não permitem obter conclusões claras sobre que trajetórias poderão potenciar a experiência nesta situação. Nesta secção são enumeradas trajetórias individuais comuns como possibilidades concorrentes para a situação de sem-abrigo, dado que se analisou anteriormente a pobreza e a exclusão social fatores estruturais. Apesar das metodologias e amostras diferenciadas nos diversos estudos, encontra-se algum consenso entre as diferentes publicações sobre os fatores que poderão potenciar o início de uma situação de sem-abrigo, destacando-se as perturbações mentais, o abuso de álcool e drogas, histórias de abuso na infância e adolescência e dinâmicas familiares disfuncionais. Porém, no que respeita à doença mental, não é consensual que a existência prévia de perturbações mentais tenha uma relação causal direta com a situação de sem-abrigo. Martijn & Sharpe (2006) defendem que não se deve excluir a doença mental como fator potenciador da situação de sem-abrigo, dada a elevada prevalência de perturbações psiquiátricas prévias nesta população nos diversos estudos sobre estas dimensões. Esta prevalência sugere que a maioria das pessoas experiencia, pelo menos, uma perturbação mental durante este processo (Buhrich, Hodder, & Teesson, 2000; Herman, Susser, Struening, & Link, 1997; Kamieniecki, 2001 cf. Martijn & Sharpe, 2006). Uma vez que cada fator per si não é sinónimo de risco imediato para a situação de semabrigo, torna-se premente compreender os arranjos de relações entre os diversos fatores que concorrem para potenciar o risco de desenvolvimento da situação. O estudo da temporalidade dessas relações ao longo da vida dos indivíduos poderá providenciar uma maior clareza neste sentido. O contributo de Martijn e Sharpe (2006) num estudo sobre percursos de jovens para a situação de sem-abrigo constitui um exemplo a ter em conta. Os autores identificaram 5 tipos de percursos prévios à situação: 1 - Abuso/Dependência de álcool e/ou drogas, trauma com ou sem problemas psicológicos adicionais; 2 – Trauma e problemas psicológicos (ausência de abuso de drogas e álcool); 3 – Abuso de drogas e álcool e problemas familiares; 4 – Problemas familiares com ou sem problemas psicológicos; 5 – Trauma. Os percursos 2, 3 e 4 representaram a maioria da amostra de participantes, o que demonstra, mais uma vez, que um percurso de vida anterior à situação de sem-abrigo caraterizado por ruturas, privações e abusos de diversa ordem aumentam o risco de desenvolvimento da situação. Os autores demonstraram igualmente que as vivências em situação de sem-abrigo amplificam as experiências traumáticas e os problemas psicológicos e de abuso de álcool e drogas. Embora a amostra deste estudo não seja significativa, os autores seguem 15 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) as sugestões de Craig e Hodson (1998 cf. Martijn & Sharpe, 2006) de analisar o papel cumulativo de fatores identificados e a sua relação na compreensão do risco para a situação de sem-abrigo. No mesmo sentido, o estudo de Chamberlain e Johnson (2011), sobre as trajetórias de adultos para a situação, sublinha que os percursos identificados no seu estudo - crise da habitação, rutura familiar, abuso de substâncias, doença mental e transição para a idade adulta – não são modelos causais, dado que estes percursos sofrem igualmente a influência de fatores estruturais e culturais que limitam as oportunidades dos seus atores. A crise da habitação reflete as dificuldades emergentes de uma conjuntura crítica a nível económico. O aumento do custo de vida inviabiliza a manutenção da segurança habitacional, alimentar, escolar, familiar e pessoal de pessoas que (sobre)vivem com rendimentos mínimos ou médios e que têm dificuldades em assegurar o pagamento da renda ou prestação da casa, a alimentação diária da família, os custos de educação dos filhos, entre outros. Acresce ainda o desemprego, cujo peso nesta trajetória é tremendo, colocando as pessoas numa posição financeira muito frágil que, na presença de um fator perturbador, poderá resultar em situação de sem-abrigo. Segundo os autores, a rutura familiar advém ou de ambientes onde domina a violência doméstica, cujas vítimas se vêem obrigadas a abandonar o domicílio para sobreviver às agressões ou proteger os filhos; ou de divórcios ou separações que, em alguns casos, resultam de pressões económicas. A terceira trajetória observada reporta-se ao abuso de substâncias em adultos cujos consumos se iniciaram no final da adolescência ou início da idade adulta e que se assumiam inicialmente como consumos ocasionais e recreativos. Contudo, quando os consumos se caraterizam por um padrão de abuso com efeitos ao nível do emprego (resultando em desemprego) e dificuldades em manter o padrão de vida anterior devido aos gastos permanentes com os consumos, o risco de ocorrência da situação de sem-abrigo é agravado. No que respeita à doença mental, as diferenças das experiências reportam-se à idade de surgimento da perturbação mental. A trajetória para a situação de sem-abrigo de adolescentes e jovens adultos (com idades inferiores a 25 anos) com perturbação mental advém da incapacidade das famílias de gerir os conflitos e os efeitos dos comportamentos desadequados que resultam, muitas vezes, na expulsão dos jovens de casa ou na fuga destes. Já nos adultos verifica-se um aumento do risco para uma situação de sem-abrigo quando a perturbação surge mais tarde (com 30, 40 ou 50 anos) e vivem dependentes do apoio de familiares, principalmente dos pais. Após a morte dos progenitores e perante a ausência de uma rede de suporte familiar mais alargada, a par com uma ou mais perturbações mentais, a ocorrência da situação de sem-abrigo torna-se comum para estes indivíduos. 16 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Por fim, a quinta trajetória destaca as tentativas de emancipação de jovens quando atingem a maioridade. A amostra de participantes desta trajetória é constituída por jovens adultos que provêm de instituições de acolhimento de crianças e jovens e que experienciaram situações traumáticas a nível familiar: negligência parental, abusos físicos e sexuais, toxicodependência dos pais e violência familiar, mas também de jovens que optaram por abandonar a residência familiar pelos mesmos motivos e/ ou devido a relações conflituosas com os progenitores ou outro adulto responsável por eles. Torna-se premente destacar os resultados de Chamberlain e Johnson (2011) que encontraram um número prevalecente de pessoas na última trajectória (32%). Opondo-se ao que comummente são consideradas causas da situação de sem-abrigo – as dependências de substâncias psicoctivas e a doença mental – as ruturas familiares constituem-se como fortes indicadores para uma vivência nesta situação. Verifica-se assim que a perda ou inexistência de relações interpessoais familiares protetoras influenciam, de forma determinante, trajetórias de vida que conduzem à situação de sem-abrigo. Manutenção e saída da situação de sem-abrigo O estudo dos fatores precipitantes e da sua conjugação nas trajetórias de vida serve como meio de compreensão dos processos de entrada na situação de sem-abrigo mas deve servir, principalmente, como plataforma de desenvolvimento de estratégias de prevenção. Um adequado sistema de prevenção da situação de sem-abrigo protegerá o indivíduo e/ou uma família de atingir o extremo da exclusão social e quebrar os ciclos permanentes de privações. Numa intervenção, quando já verificada a problemática, importa ter presente que a situação de sem-abrigo aumenta a probabilidade de desenvolver e/ou agravar perturbações psiquiátricas, problemas de abuso e/ou dependência de álcool e drogas, comportamentos criminosos, isolamento social, comportando um novo ciclo de vitimização. A compreensão dos fatores precipitantes e dos fatores agravantes – que também se constituem como de manutenção da situação de sem-abrigo – tem impacto nos resultados dos serviços de apoio à população nesta situação, não só ao nível do controlo dos riscos associados como na minimização dos danos decorrentes destas experiências. O processo de saída da situação de sem-abrigo (seja em situação de sem-teto ou sem-casa) é deveras difícil, não apenas pelo agravamento do ciclo de vitimização, como acima indicado, mas também pela marginalização, seja esta efetuada por terceiros ou pelo movimento de auto-exclusão dos próprios indivíduos. Este processo de marginalização encontra-se enraizado nas atitudes e comportamentos da sociedade em geral (Shier, Jones & Graham, 2010) que considera as pessoas nesta situação, principalmente quem pernoita na rua ou em espaços públicos, de forma negativa, 17 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) responsabilizando-as pela sua situação (Minnery & Greenhalg, 2007). Tais atitudes são transversais às diversas esferas da comunidade onde as pessoas em situação de sem-abrigo procuram integrarse, nomeadamente os proprietários de habitações para arrendamento e empregadores. A desconfiança existente e a recusa em arrendar habitações ou possibilitar oportunidades de emprego reforça a vulnerabilidade mantendo-se nesta situação indefinidamente, o que obriga a recorrer às instituições de apoio e/ou a centros de acolhimento. Em última instância, perpetua-se o ciclo de dependência e, por conseguinte, a indefinição do futuro das suas vidas. Por sua vez, a perceção destas atitudes induz as pessoas em situação de sem-abrigo à descrença numa melhoria das suas condições de vida, o que demonstra igualmente a descrença no sistema social (Pillinger, 2007) pela ineficácia e/ou inadequação das respostas. O apoio social existente é largamente insuficiente para permitir a autonomização habitacional, o que alimenta o ciclo perverso entre a falta de habitação e de trabalho, e a manutenção da situação. Para uma maior possibilidade de sucesso na saída da situação de sem-abrigo, e respetiva independência dos serviços de apoio, torna-se importante a obtenção de um meio de sustento que permita auferir um nível de rendimentos adequado à gestão e manutenção de uma habitação e estabilidade financeira [a par com a estabilidade de outras dimensões da vida humana associadas ao trabalho (Blustein, 2006) e à criação de um lar (Parsell, 2012)]. No entanto, as fragilidades sociais e pessoais associadas e a conjuntura socioeconómica atual não favorecem este processo. Em circunstância de obtenção de emprego, a inexistência de uma habitação agrava o processo de adaptação ao contexto de trabalho (tarefas e relações laborais) e consequente desempenho profissional. Por outro lado, a ausência de uma habitação permanente dificulta a procura e consequente obtenção de trabalho devido à instabilidade associada, nomeadamente no que se refere às dificuldades de satisfação de necessidades básicas de proteção, alimentação e segurança. A abordagem por percursos (pathways approach) emerge como uma perspetiva igualmente interessante em estudos sobre os processos de saída da situação de sem-abrigo, não apenas porque não é uma situação de caráter permanente mas também porque são identificados diferentes subgrupos, embora na mesma situação, com vivências distintas (Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010). Mercado de trabalho como factor de risco Paralelamente aos fatores de âmbito familiar e individual, acrescem os fatores de ordem social e económica que podem predispor à situação de sem-abrigo e atuar como factores de manutenção da mesma. 18 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Para a discussão dos fatores concorrentes para a situação de sem-abrigo, deve imperar uma perspetiva global que abranja factores de ordem estrutural (nível macro) e de ordem individual (nível micro) tornando mais clara a compreensão da complexidade do seu cruzamento. Anderson (2001) faz referência a diversos estudos (Anderson et al, 1993; Breugeland Smith, 1999; Burrows, 1997; Craiget al, 1996; Evans et al, 1994; Fitzpatricket al, 2000) que demonstram a forte associação da problemática ao desemprego, baixos rendimentos e pobreza. Segundo a autora, as dificuldades de pagamento das prestações (hipoteca ou crédito) da habitação são agravadas pelas circunstâncias de pobreza e desemprego, o que aumenta exponencialmente a probabilidade de ficar (em situação de) sem-abrigo. Os efeitos económicos desta situação dificultam a procura de emprego e o retorno à independência e estabilidade habitacional para jovens, adultos e famílias. A estrutura do mercado de trabalho e o sistema de emprego podem atuar como condições de vulnerabilidade. Por outro lado, as situações de inatividade por motivos de doença, deficiência, velhice, desemprego ou de precariedade de vínculos contratuais podem também originar ou agravar processos de empobrecimento. A condição dos indivíduos e famílias perante o trabalho é um dos aspetos que mais diretamente se associam ao problema da inclusão ou exclusão social, e que se refletem quer em termos da capacidade de participar na vida comunitária, como de obter rendimentos. O mercado de trabalho português é ilustrativo desta condição vulnerabilizante, uma vez que tem funcionado como fator de agravamento das condições de precariedade e exclusão social. As consequências desta situação prevalecem, quer sobre a geração que viveu as mudanças do mercado de trabalho do pós-25 de Abril, quer pelas gerações mais novas, que vivem outra fase de transformação do mercado de trabalho (Ferreira de Almeida et al., 1994). Algumas especificidades da história social, política, económica e cultural portuguesa recente contribuíram para a construção de um arranjo de fatores que constituíram condições de vulnerabilidade para muitas famílias e indivíduos. As mudanças trazidas pelos quadros legislativos laborais do pós-25 de Abril produziram uma reação no mercado de trabalho: a criação de postos de trabalho precários, de modo a contornar aqueles imperativos legais (relativos a despedimentos, segurança social, greve, salários mínimos, atualizações salariais e outros) e que resultaram no florescimento da economia subterrânea, na manutenção do trabalho infantil, na generalização dos contratos a prazo (14% do emprego total em 1988) e, para os trabalhadores com contratos permanentes, no problema dos salários em atraso, fenómeno marcante da década de 80, que teve enormes repercussões sobre o nível de vida de muitas famílias (calcula-se que cerca de 100 000 trabalhadores tenham sido afectados)4. Dada a pouca flexibilidade das leis laborais, esta prática foi responsável pelo empobrecimento de numerosas famílias, sobretudo em zonas industriais onde não 4 De referir que em 1984, 40% dos contratos eram a prazo no sector da construção civil, umas das áreas de maior actividade por parte de um grande número de homens em situação de sem-abrigo. 19 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) existia a possibilidade de criar meios alternativos de subsistência ou de fatores amortecedores (idem). À alternativa do desemprego surgiram também certos tipos de trabalho por conta própria, exercidos de forma isolada, em que o nível dos rendimentos obtidos, bem como as condições de trabalho, eram, de um modo geral, mais frágeis do que numa profissão por conta de outrem. Para além do desemprego e das situações de precariedade, o nível de rendimentos do trabalho e, em particular, dos salários, é uma questão igualmente decisiva. Estas constituem uma variável central no estudo da pobreza, uma vez que baixos salários acarretam dificuldades acrescidas na obtenção de bens e serviços para suprir as necessidades mínimas. Particularmente desfavorecidos encontramse os trabalhadores que auferem salário mínimo ou abaixo do mínimo e os desempregados por longos períodos de tempo constituem uma das categorias de maior vulnerabilidade à pobreza. Por fim, o trabalho infantil, fenómeno de dimensão nacional implicou para muitos a interrupção da formação e da escolaridade mínima obrigatória. Diretamente relacionada com as precárias condições de vida das famílias, é uma expressão visível do alastramento e reprodução geracional da situação de pobreza, uma vez que a repetência e o abandono escolar que lhe estão associadas condicionam a obtenção de níveis de qualificação mais elevados no mercado de trabalho, condenando, assim, os indivíduos à situação de trabalhadores indiferenciados (Ferreira de Almeida et al., 1994). Estas descontinuidades estruturais do sistema de emprego em Portugal (segmentação entre emprego estável e contratos de trabalho precários, entre economia informal e economia formal), são atravessadas pelas clivagens sociais produzidas pela inclusão ou pela exclusão do sistema institucional de proteção social, o que produz o risco de novos dualismos (Ferreira de Almeida et al., 1994). Entre a população empregada, os trabalhadores com contratos a termo certo apresentam uma taxa de risco de pobreza bastante superior aos que têm um contrato sem termo (OD, s.d.). De acordo com o Banco Mundial, em 2010 a taxa de Emprego Vulnerável em Portugal, ou seja, o número de trabalhadores com família não remunerados e trabalhadores por conta própria representavam 18% da percentagem total. Ao nível europeu, estima-se que 8.5% da população europeia trabalhadora é pobre (working poor), o que reflete a actual degradação do mercado de trabalho e a incapacidade do atual sistema económico em garantir a sustentabilidade do emprego (EC-DGESAI, 2011). Os dados até aqui apresentados traduzem o percurso de um conjunto de mecanismos relacionados com a organização do trabalho e permitem concluir que o acesso ao trabalho condiciona fortemente o risco de pobreza. Hoje, em Portugal o trabalho continua a não ser garantia absoluta de proteção, residindo o problema não tanto sobre os aspetos da precariedade no 20 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) trabalho, mas sobretudo devido ao nível baixo dos salários, factor principal da manutenção do nível de desigualdade no país (Bruto da Costa et al., 2012). Trabalho como Prioridade de Intervenção A fragilidade laboral intensificou-se nos últimos anos fruto da proclamada crise económicofinanceira, efeito dos processos macrossociais de ajustamento económico e de transformação do papel social do Estado, não só em Portugal, como na Europa que, nas suas dificuldades de resolução, agravam a pobreza e as necessidades das pessoas e famílias, cristalizando ciclos de dependência de apoios sociais e, consequentemente, a manutenção de situações extremamente vulneráveis. O desemprego e precariedade laboral assumem uma influência negativa tão vasta que afeta outras dimensões da vida do indivíduo e das famílias. Esta questão é particularmente incisiva quando se aborda a problemática de sem-abrigo. A complexidade do fenómeno transfere-se para a compreensão da relação entre o desemprego e a situação de sem-abrigo. As causas e os fatores de risco para cada uma das dimensões confundem-se num ciclo que se auto-reforça. A fragilidade financeira e social em que um indivíduo e/ou uma família se encontra com a perda de emprego(s) assoma o risco de ficar em situação de sem-abrigo, porém o desemprego per si não justifica a entrada nessa situação, uma vez que existem outros fatores concorrentes para o desemprego como doença mental, morte de um familiar ou divórcio/separação (Steen, MacKenzie & McCormack, 2012). É, portanto, difícil prever que situações de desemprego desencadearão em situações de sem-abrigo, uma vez que não é clara, através dos dados científicos existentes, a natureza da relação entre o desemprego e a situação de sem-abrigo. Pese embora a complexidade da relação entre estas duas problemáticas, a população semabrigo enfrenta dificuldades acrescidas no acesso ao emprego. As múltiplas barreiras pessoais, estruturais e societais dificultam a demanda por um emprego e, portanto, beneficiar da estabilidade financeira que lhe está associada, possibilitando a saída da extrema vulnerabilidade social. A maioria das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo encontra-se desempregada ou profissionalmente inativa, porém um número significativo trabalha de forma permanente ou por períodos curtos (FEANTSA, 2009). Este último grupo executa trabalhos sob condições precárias que não possibilitam uma estabilidade para a melhoria das suas condições de vida, nomeadamente ao nível da saúde (física e mental), habitação e identidade pessoal e social. O emprego já não é garantia de salvaguarda da pobreza ou exclusão social, principalmente quando a sua precariedade e/ou falta de qualidade impossibilita a saída de uma situação vulnerável ao nível da habitação e qualidade de 21 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) vida. Porém, a obtenção de trabalho com salário condigno é um dos passos fundamentais para a saída da situação de sem-abrigo e prevenir (re)entradas na mesma, aproveitando o capital humano e social dos seus atores. No sentido do que foi referido anteriormente, compreende-se que a evolução da pobreza e da vulnerabilidade social decorrente das mutações do mercado de trabalho influenciam negativamente as possibilidades de (re)inserção laboral. Acrescem ainda os estereótipos associados às pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo. A perceção pública, que se mantém desde o séc. XX, tem considerado as pessoas nesta situação como desinteressadas em trabalhar. Shier, Jones e Graham (2010) alertam para o efeito negativo das perspetivas estereotipadas e ancoradas em assunções não empíricas no alongamento do estigma sobre a população sem-abrigo. Este efeito impacta os recursos e a natureza das relações com os serviços de apoio e com a comunidade pelo controlo exercido por essas perceções e atitudes. Os autores sublinham a importância e necessidade de estudos focados nas perspetivas e perceções das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo para análise do impacto no self como forma de aprofundar o conhecimento sobre a problemática, uma vez que tem sido dominado por estudos (Anderson, Stuttaford & Vostanis, 2006; Anucha, 2005; Carrol &Trull, 2002; Freund & Hawkins, 2004; Goldberg, 1999 cf. Shier, Jones e Graham, 2010 ) sobre necessidades específicas de sub-grupos da população sem-abrigo (que são inevitáveis para a direccionalidade dos serviços de apoio) e caraterização das pessoas nesta situação. O estudo de Shier et al.(2010) sobre pessoas em situação de sem-abrigo e que se encontram a trabalhar emerge da necessidade de compreensão das interseções da problemática com a habitação, o mercado de trabalho e os serviços de apoio. A análise das perceções dos participantes permitiu a identificação de quatro temas primários: a perspetiva sobre o self e estar sem-abrigo, o impacto da situação na autoperceção, a esperança em situação de sem-abrigo e o significado de uma habitação permanente. Efetivamente, estar sem-abrigo produz um profundo impacto nas auto-representações das pessoas que a vivenciam, alinhadas com a perceção pública negativa. Estas conclusões acompanham os estudos de Boydell, Goering e Morell-Bellai (2000) e Parsell (2010) acerca das implicações da situação nas identidades pessoal e social, nomeadamente na observação de identidades desvalorizadas. A dupla estigmatização tem efeitos negativos nas perspetivas de futuro relativas à habitação e emprego e ao comportamento adoptado no local de trabalho que, na maior parte das vezes, passa por encobrimento da real situação social do indivíduo com receio de despedimento ou outras represálias originados dessa perceção pública. As pessoas que experienciam a situação de sem-abrigo confrontam-se com múltiplas e distintas dificuldades e necessidades que, por sua vez, dificultam uma eficaz inclusão laboral. Esta depende igualmente de diversos fatores: estado de saúde física e mental, suporte habitacional e alimentar estável, capacidade de auto-gestão, redes relacionais de suporte, entre outros. A 22 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) intervenção social que se tem vindo a observar globalmente foca-se em providenciar abrigo (em formato de quartos em pensões ou apartamentos, ou centros de acolhimento, no caso de Portugal), alimentação diária e acesso a serviços de saúde (no caso de pessoas com necessidades específicas de doença física, doença mental e dependências). Apesar de se constituírem como passos essenciais na intervenção, nomeadamente o abrigo, são insuficientes para a prevenção ou término da situação de sem-abrigo (Shaheen & Rio, 2007). O evitamento da situação ou de reentrada na mesma depende essencialmente da capacidade de auto-sustento que, por sua vez, apenas é possível através do trabalho. E este pode surtir efeitos benéficos no processo de saída da situação de sem-abrigo, mesmo que tal se realize numa fase ainda inicial, uma vez que, contrariamente ao estereótipo vigente, as pessoas que vivenciam esta situação manifestam desejo e vontade de trabalhar (idem) por todas as significações atribuídas ao trabalho. A par da salvaguarda das necessidades básicas de proteção, alimentação e abrigo, o acesso a um emprego que assegure um rendimento mínimo de subsistência deve constituir-se como uma prioridade nos planos de intervenção social, mesmo quando a situação é agravada por dificuldades específicas (doença mental, doença física ou dependências). A priorização das dimensões com necessidade de resolução mais urgente, consoante cada situação e escolha manifesta do indivíduo, sejam elas referentes a tratamentos de saúde ou dependências, não pode relegar para segundo plano a importância de (re)introduzir a pessoa no contexto de trabalho. Este processo de (re)inclusão laboral deve respeitar as suas competências, interesses e desejos profissionais através de uma participação activa na (re)aproximação ao mercado de trabalho, no treino de competências, na formação profissional, não se tornando mero recetor de programas de acompanhamento formativo e/ou profissional direcionado à população em geral, o que cria outras limitações ao acesso e manutenção do trabalho. Estes serviços do âmbito do emprego devem estar associados a uma perspetiva de intervenção integrada e sustentada com outros serviços de apoio. Shaheen e Rio (2007) esclarecem que o trabalho deve ser uma prioridade para a saída da situação de sem-abrigo, não através de um processo linear de retirada da situação (seja da rua ou de um centro de acolhimento) diretamente para um emprego a tempo inteiro e competitivo, mas que tal deve ser proporcionado o mais brevemente possível e não apenas como resultado da recuperação de dificuldades específicas. Neste sentido, os autores desafiam as entidades governamentais e os serviços de apoio social (públicos e/ou privados) a desenvolver programas interinstitucionais de emprego que os capacitarão com ferramentas de ação mais eficazes para a (re)inserção laboral. Num âmbito de (re)estruturação macro-sistémica, a F.E.A.N.T.S.A., na sua Recomendação aos Estados Membros da UE sobre o Acesso ao Emprego de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (2009), destaca a importância de fornecer o mercado de trabalho e os seus atores com diferentes metodologias e abordagens ocupacionais adaptadas às diferentes trajetórias em situação de semabrigo. A exigência de imediata integração no mercado de trabalho sem se atender simultânea ou 23 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) previamente às outras necessidades observadas e identificadas resulta em ineficácia da inclusão laboral. A promoção da empregabilidade afigura-se como uma via eficaz para uma efetiva inclusão que se constitui por atividades de desenvolvimento de competências e capacidades que visam, por sua vez, a conexão do indivíduo com a vida profissional. Estas atividades destinam-se a melhorias globais das suas condições de vida no que respeita à saúde, habitação e auto-perceção das suas capacidades profissionais e sociais. As múltiplas necessidades vivenciadas pela população sem-abrigo distanciam-na das políticas e dos organismos de apoio ao emprego pela inexistência de uma abordagem holística e individualizada, pelo que a F.E.A.N.T.S.A. sugere o desenvolvimento de estratégias de empregabilidade que apliquem esta abordagem, nomeadamente a abordagem de percursos (pathways approach). As políticas globais de emprego de cada Estado-Membro da UE devem incluir estratégias de empregabilidade direcionadas às populações mais vulneráveis, remetendo para a necessidade de articular os diferentes serviços e interventores: sociais, emprego, formação e saúde. Em simultâneo, recomenda-se a promoção de serviços de emprego apoiado no âmbito da economia social como as WISE (empresas sociais para a integração no trabalho) que disponibilizam apoio individualizado a pessoas em situações socialmente vulneráveis e com múltiplas necessidades, servindo, igualmente, como base de preparação para a (re)integração no mercado de trabalho global. Em Portugal têm surgido iniciativas inovadoras – e.g. WelcomeHome - baseadas nesta abordagem que visa o empowerment de pessoas em situação de sem-abrigo para uma futura e efetiva inclusão laboral em que os intervenientes sociais (instituições e profissionais) mantêm o suporte psicossocial. É ainda proposto que a União Europeia assuma, pela sua intervenção e influência, orientações específicas concernentes às populações com múltiplas desvantagens, nomeadamente através da promoção de medidas ativas e preventivas laborais para a sua inclusão no mercado de trabalho. Entre estas destacam-se a identificação inicial e progressiva das necessidades e aspirações de cada indivíduo e o desenvolvimento de planos de ação personalizados, assistência adaptada à procura de trabalho e acesso a informação sobre direitos e deveres, emprego apoiado, formação e educação principalmente a pessoas que ainda não se encontram preparadas para o mercado de trabalho formal e implementação de qualidade dos serviços sociais no apoio à inclusão. Enquanto não se reconhecerem as interações entre os factores estruturais (nível macro sistémico) e os fatores individuais (nível micro sistémico) e respetivas co-dependências, não será possível solucionar os problemas e dificuldades persistentes das pessoas em situação de sem-abrigo, não só de âmbito pessoal como social: a inacessibilidade à habitação condigna, escassez do mercado de trabalho, a insuficiência de recursos e a diminuição de fornecimento de serviços de apoio (Shier, Jones & Graham, 2010). Vázquez e Muñoz (2001, p. 9) resumem de forma clara as clivagens que se 24 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) criam com as vivências em situação de sem-abrigo e o consequente desencontro das necessidades sentidas e os serviços de apoio existentes: After the cut off point at which a person becomes homeless, it becomes exceedingly difficult to facilitate a return to his or her previous level in society. The social exclusion that comes with the homeless status is pervasive enough to impact upon almost all areas of one’s life. In this respect, housing and meals services are in no way sufficient to meet the real needs of this population. The present preventive services do not attempt to reintegrate the homeless into social life. The use and development of more complete, flexible preventative instruments or global reinsertion tools such as programs of assertive community training are ways to facilitate a solution to the problem of homelessness and focus on the reentry of the homeless into the society at large. 25 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA APLICADA QUESTIONÁRIO POR INQUÉRITO Os objetivos primários da presente investigação foram aprofundados através da sua vertente quantitativa, tendo sido desenvolvido um instrumento de avaliação – questionário por inquérito que pressupôs a prosecução dos seguintes objetivos secundários: • Caraterização sócio-demográfica da amostra em estudo; • Análise dos percursos escolares, formativos e laborais; • Exposição dos fatores concorrentes para a situação de sem-abrigo e estratégias de (sobre)vivência na atual situação; • Caraterização das relações com diferentes figuras (familiares, amigos, colegas, profissionais e pessoas da comunidade) previamente e após a entrada na situação de sem-abrigo; • Análise das perceções de bem-estar, saúde (física e mental) e qualidade de vida; • Avaliação da gestão de emoções em situação de sem-abrigo; • Análise das especificidades das perceções atribuídas ao trabalho; • Avaliação das competências e relações em contexto laboral; • Enumeração das dificuldades de acesso ao trabalho; • Classificação do papel de atividades ocupacionais e formativas; • Avaliação do impacto da situação de sem-abrigo na identidade pessoal e social. • Avaliação do impacto da situação de sem-abrigo nas perspetivas de futuro, na definição de objetivos de vida e também na avaliação do apoio institucional local. Deste modo, o questionário por inquérito respeita estes objetivos estando dividido em 6 seções: Dados Sociodemográficos, Valor das Relações, Valor do Trabalho, Identidade, Perspectivas de Futuro e 5 Escalas de avaliação [Escala revista de Valores do Trabalho - EVT-R (Porto & Tamayo, 2003); Escalas de Afetividade Positiva e Afetividade Negativa – PANAS (Watson, Clark & Tellegen, 1988); Escala de Satisfação com a Vida – SWLS (Diener et al, 1985); Escala de Auto-Estima de Rosenberg – RSES (Rosenberg, 1965) e Escala de Solidão - UCLA, Loneliness Scale (Russell, 1988)]. Após a concretização deste instrumento, procedeu-se ao seu pré-teste, junto de 5 pessoas em situação de sem-abrigo, selecionadas previamente com a colaboração da Associação das Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel, nas suas instalações em Coimbra. Os participantes preencheram os questionários individualmente, solicitando pontualmente o apoio das investigadoras que se encontravam presentes. Após a discussão final conjunta sobre o questionário, os participantes consideraram o instrumento de compreensão fácil, embora sugerissem a reformulação de algumas 26 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) questões. Na versão original do questionário, introduziu-se o Questionário de Suporte Social, contudo observou-se que mais de metade dos participantes do pré-teste demonstraram dificuldades de compreensão e, por conseguinte em responder em conformidade, pelo que se optou pela sua exclusão do questionário final. Procedeu-se, de seguida, à reformulação final do questionário e ao estabelecimento de uma rede de contactos institucionais das cidades referidas que possibilitassem o acesso a pessoas em situação de sem-abrigo para colaborar no preenchimento do instrumento. Neste sentido, duas investigadoras deslocaram-se a diferentes instituições em Coimbra, Aveiro, Porto e Vila Nova de Gaia para apresentar os objetivos do estudo e desenhar um mapa de aplicações do questionário que se concretizou durante 5 meses, entre Maio e Setembro de 2014. Anteriormente ao preenchimento dos questionários, realizaram-se sessões de esclarecimento, individualmente ou em grupo, sobre o estudo e os seus objetivos, sublinhando a confidencialidade dos dados e a não obrigatoriedade em participar. Portanto, os questionários foram maioritariamente aplicados em contexto institucional, enquanto outros se efetuaram em contexto de rua, obtendo-se 172 questionários viáveis para análise estatística. Posteriormente, durante o processo de análise de dados, cada questionário foi introduzido numa base de dados utilizando, para o efeito, o SPSS – Statistical Package for Social Sciences, procedendo-se à análise estatística descritiva e univariada e multivariada da variância. ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA Paralelamente à vertente quantitativa da investigação, o estudo qualitativo visou uma análise aprofundada das trajetórias de vida dos participantes objetivando o enriquecimento da investigação, através de dimensões não contempladas no questionário por inquérito. Logo, o estudo qualitativo pretendeu: Compreender a trajetória de vida dos entrevistados, com enfoque nas vivências de infância e adolescência e nos processos de transição para a idade adulta; Apreender o percurso laboral e respetivas condições, nomeadamente as primeiras experiências de trabalho, as relações laborais e vivências de desemprego; Analisar o impacto da situação de sem-abrigo nas diferentes esferas do quotidiano (relações com os diferentes sistemas sociais, auto-perceções, avaliação do processo para a situação de sem-abrigo e mudanças ocorridas com a mesma); Reconhecer as perceções sobre os processos de saída da situação de sem-abrigo; 27 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Identificar objetivos e perspetivas de futuro relativamente às dimensões do trabalho e relações. Neste sentido, organizou-se um guião de entrevista biográfica semi-estruturada no qual se identificam as diferentes dimensões do percurso de vida. Concomitantemente à aplicação dos questionários, realizaram-se 14 entrevistas, em registo áudio, em Coimbra, Vila Nova de Gaia e Porto, igualmente em contexto institucional ou de rua, com durações variáveis entre 55 minutos e 5 horas e 15 minutos. Ressalva-se que previamente à realização das entrevistas, solicitou-se aos entrevistados a leitura e assinatura de consentimento informado. A transcrição de cada entrevista, após a sua fase de realização, possibilitou a análise de conteúdo clássica de cada uma, cujos resultados serão discutidos na secção seguinte. 28 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO A secção referente aos resultados do estudo quantitativo explana a caraterização da amostra de participantes e os dados estatísticos resultantes do tratamento em SPSS das respostas a cada um dos questionários. Os dados encontram-se apresentados de acordo com os segmentos do questionário: Dados Sociodemográficos, valor das relações, valor do trabalho, identidade, perspetivas de futuro e escalas de avaliação. Dados Sociodemográficos I. a) Idade: A amostra é composta por 172 participantes, 84.2% do sexo masculino e 15.8% do sexo feminino, com idades que variam entre os 20 e os 70 anos (M=44.30, S=11.18). b) Estado Civil: A maioria dos participantes é solteiro (54.4%) ou divorciado (32.7%). Quadro 1 | Estado civil Estado civil % Solteiro 54.4 Casado 2.9 União de facto 1.8 Separado 6.4 Divorciado 32.7 Viúvo 1.8 c) Descendência: Mais de metade dos participantes tem filhos (58.9%), sendo mais frequente a existência de filhos únicos, seguindo-se fratrias de 2. 50 40 30 20 10 0 1 2 3 4 5 6 Gráfico 1 – Número de filhos 29 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) d) Nível de habilitações: A maioria dos participantes frequentou ou concluiu o 3º Ciclo do Ensino Básico. Quadro 2 | Nível de escolaridade Nível de escolaridade % Não sabe ler nem escrever 2.3 Sabe ler e/ou escrever 7.0 1º-4º anos 28.1 5º-6º anos 17.0 7º-9º anos 31.6 10º-12º anos 10.5 Ensino superior 3.5 e) Abandono escolar e reprovações: Cerca de metade dos participantes abandona os estudos entre os 11 e os 15 anos de idade. 60 50 40 30 20 10 0 até 10 anos 11-15 anos 16-20 anos 21 anos em diante Gráfico 2 | Idade de abandono escolar Ao longo do percurso escolar 68.2% dos participantes abandonou os estudos e 65.9% apresenta pelo menos uma reprovação, maioritariamente no 1º Ciclo do Ensino Básico. 50 40 30 20 10 0 1 2 3 4 5 Gráfico 3 – Número de reprovações 30 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1º CEB 2º CEB 3º CEB Ensino Secundário Ensino Superior Gráfico 4 – Ano de reprovação Os participantes que abandonaram os estudos apresentam como principal motivo: Para trabalhar. Quadro 3 | Motivos de abandono dos estudos Motivos Os rendimentos da família não o permitiam % 26.6 Falta de motivação para continuar 15 Não era bom/a aluno/a 3.9 Para cuidar da família 9.8 Para trabalhar 47.1 Outro 18.4 f) Percurso de trabalho: 95.8% dos participantes refere ter realizado algum trabalho ao longo da vida, tendo começado a trabalhar em média aos 16.06 anos de idade (S=4.84; mín=5; máx=42). 67.1% realizou formação (pessoal e/ou profissional) ao longo da vida. Actualmente, 94% dos participantes encontra-se desempregado, a maioria há mais de 48 meses (4 anos). 31 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 até 12 13-24 25-36 37-48 mais de 48 Gráfico 5 | Tempo de desemprego em meses Dos 6% que se encontram a trabalhar, 71.4% está a trabalhar há 6 meses ou menos, 14.3% há 12 meses e 14.3% há 36 meses. g) Situação de sem-abrigo: Os participantes encontram-se em situações de sem-abrigo distintas. Quadro 4 | Situação específica de sem-abrigo Situação % A pernoitar na rua 3.5 A pernoitar em edifícios abandonados 5.3 A pernoitar em albergue 15.9 Num Centro de Acolhimento Temporário 33.5 Em casa de familiares 1.8 Em casa de amigos 7.6 Outra situação Mais do que uma das anteriores 31.2 1.2 Encontram-se, em média na mesma situação, há 29.27 meses. 60.3% encontra-se até há 12 meses em situação de sem-abrigo, enquanto 14.4% está nesta situação entre 13 e 24 meses e 25.3% há mais de 24 meses. 53.7% dos participantes encontra-se nesta situação pela primeira vez. A falta de rendimento, a rutura com a família e o desemprego são os motivos conducentes à situação de sem-abrigo mais frequentemente apontados pelos participantes. 32 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 5 | Motivos que levaram a situação de sem-abrigo Motivos % Ruptura com a família 40.8 Desemprego 39.6 Perda de habitação 22 Falta de rendimentos 42.3 Falta de apoio social 16.7 Abuso de drogas e/ou álcool 20.4 Saída da prisão 6 Doença física 6.5 Doença mental 5.3 Violência militar .6 Divórcio/separação 15.4 Morte de familiar 10.1 Dívidas 3.6 Não sei 1.2 Outro 6 Os participantes apresentam diversas formas de obtenção de rendimentos, sendo que a maioria é beneficiária do Rendimento Social de Inserção - RSI (53.6%). Quadro 6 | Formas de obter dinheiro Formas de obter dinheiro % Trabalho remunerado 7.2 Pedir dinheiro na rua 6.6 Pedir dinheiro emprestado 10.8 Arrumar carros 16.3 Pequenos trabalhos sem contrato 25.9 Trabalho ilegal RSI Outros subsídios estatais Pensão/Reforma Outro 1.2 53.6 3.0 7.2 13.4 87.3% dos participantes utiliza os apoios que as instituições da cidade disponibilizam, nomeadamente: 33 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 7 | Tipo de apoio das instituições que utiliza Apoio % Equipas de rua 21.9 Albergues 20.0 Centros de Acolhimento Temporário 33.1 Serviços de alimentação 45.5 Banhos públicos 19.5 Serviços de lavandaria 19.5 Serviços de vestuário 25.5 Atendimento para apoio social 31.8 Serviços de Psicologia 24.0 Apoio jurídico 9.1 Serviços de Saúde 41.3 Outro 6.7 A regularidade mais frequente da utilização dos serviços de apoio é diária. 70 60 50 40 30 20 10 0 Nunca Raramente Algumas vezes Quase todos os Todos os dias dias Gráfico 6 | Regularidade do uso de apoio h) Percurso criminal, de dependências e acompanhamento psiquiátrico. Apenas 13.6% dos participantes costuma consumir drogas, no entanto 44% costuma consumir bebidas alcoólicas. 34 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 50 45 40 35 30 25 Drogas 20 Álcool 15 10 5 0 Raramente Algumas vezes Quase todos os Todos os dias dias Gráfico 7 | Frequência de consumo de substâncias 51.2% dos participantes teve necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica ao longo da vida e 48.2% teve problemas com a justiça em algum momento da vida. II. Valor das Relações a) Importância das relações A relação com o pai e com a mãe é apontada com maior frequência como pouco importante (26.2%) ou nada importante (62.6%), respetivamente. A relação com amigos e a comunidade é apontada, mais frequentemente, como importante (41,5% e 34.7%, respetivamente). A relação com os filhos é predominantemente apontada como muito importante (43.5%). A relação com os profissionais das instituições de apoio é considerada como muito importante (50.9%) e importante (40.3%), assim como com os profissionais de saúde (41% - muito importante e 37.2% - importante). 35 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 8 | Importância das relações Nada Pouco importante importante Pai 8.6 26.2 Mãe 62.6 3.0 Importante Muito Não importante existe 11.7 12.3 61.1 15 21.6 54.5 Companheiro 2.5 4.4 10.8 19.0 63.3 Filhos 3.1 2.5 10.6 43.5 40.4 Irmãos 8.2 19.5 25.2 31.4 15.7 Avós 2.6 1.9 5.1 9.0 81.4 11.8 17.1 25.0 18.4 27.6 Amigos 5.0 12.6 41.5 24.5 16.4 Colegas de trabalho 5.4 10.1 16.9 10.1 57.4 Patrões/Chefes/Empregadores 5.2 6.5 17.6 12.4 58.2 Profissionais de saúde 5.8 5.8 37.2 41.0 10.3 Profissionais das instituições de apoio 1.3 3.8 40.3 50.9 3.8 Pessoas da comunidade 7.3 18.0 34.7 24.7 15.3 - 6.3 18.8 37.5 37.5 Outros familiares Outro Quadro 9 | Pessoas das relações com conhecimento da situação de sem-abrigo Sim Não Não sei Não Pai 21.0 11.1 1.9 66.0 Mãe 27.6 12.9 1.8 57.7 Companheiro 29.1 6.3 2.5 62.0 Filhos 32.5 20.0 8.1 39.4 Irmaos 55.4 21.7 5.7 17.2 5.8 8.4 3.2 82.6 Outros familiares 35.7 27.9 14.9 21.4 Amigos 56.5 17.5 10.4 15.6 Colegas de trabalho 23.7 15.8 3.3 57.2 Patrões/Chefes/Empregadores 19.2 13.2 5.3 62.3 Profissionais de saúde 56.9 19.6 9.2 14.4 Pessoas da comunidade 57.3 12.7 12.7 17.3 Outro 47.4 15.8 10.5 26.3 existe Avós 72.5% dos participantes afirma que as relações pessoais mudaram desde que se encontra na situação de sem-abrigo. 36 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 10 | Tipo de mudança das relações Piorou Não Melhorou mudou Não existe Pai 8.3 20.5 5.3 65.9 Mãe 7.6 20.5 16.0 56.1 Companheiro 3.8 14.5 22.1 59.5 Filhos 13.6 31.1 14.4 40.9 Irmaos 22.3 46.2 10.0 21.5 1.6 10.9 5.4 82.2 Outros familiares 12.5 46.9 11.7 28.9 Amigos Avós 10.1 46.5 24.8 18.6 Colegas de trabalho 4.8 25.6 10.4 59.2 Patrões/Chefes/Empregadores 6.5 20.2 10.5 62.9 Profissionais de saúde 3.2 47.2 35.2 14.4 Profissionais das instituições de apoio 3.1 43.3 46.5 7.1 Pessoas da comunidade 5.8 47.9 28.1 18.2 - 30 20 50 Outro b) Caraterização das relações: As relações com a mãe, o/a companheiro/a e os filhos são caraterizadas pelos participantes como muito boas (17.4%, 17.4% e 20%, respetivamente). As restantes relações familiares (pai, irmãos, avós e outros familiares) são caraterizadas, maioritariamente, como nem boas, nem más. As relações com os amigos surgem caraterizadas como boas (37.5%). As relações com os profissionais de saúde (49%) e das instituições de apoio são maioritariamente classificadas como boas (52.3%) e muito boas (20.9% e 32%, respetivamente) As relações com pessoas da comunidade são igualmente classificadas como boas (45%). 37 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 11 | Caracterização das relações Muito Má má Nem Boa boa,nem Muito Não boa existe má Pai 9.5 3.2 13.3 8.2 5.7 60.1 Mãe 4.3 3.7 8.7 13.7 17.4 52.2 Companheiro 1.3 1.3 7.1 9.0 17.4 63.9 Filhos 2.6 1.3 16.1 18.7 20.0 41.3 Irmãos 7.7 6.5 29.7 22.6 16.1 17.4 Avós 1.9 - 7.1 3.2 4.5 83.1 Outros familiares 7.9 2.6 30.5 26.5 7.3 25.2 Amigos .6 3.2 29.3 37.4 11.6 18.1 Colegas de trabalho .7 1.3 15.0 13.7 6.5 62.7 Patrões/Chefes/Empregadores .7 1.3 12.7 12.7 8.7 64.0 Profissionais de saúde 1.3 - 14.4 49.0 20.9 14.4 Profissionais das instituições de 1.3 - 7.8 52.3 32.0 6.5 Pessoas da comunidade .7 1.3 22.1 45.0 11.4 19.5 Outro 25 - - 12.5 - 62.5 apoio c) Apoio para a saída da situação de sem-abrigo Os participantes consideram-se a si próprios como tendo a principal obrigação de os ajudar a sair da atual situação – 75.9%. Os participantes consideram que quem realmente os pode ajudar a sair da atual situação são os profissionais das instituições de apoio – 62.5.%. Quadro 12| Ajuda Ter obrigação Poder Pedir de ajudar ajudar ajuda Eu 75.9 57.5 --------- Pai 6.1 6.6 4.5 Mãe 9.7 10.8 11.6 Companheiro 6.0 9.5 12.2 Filhos 4.2 5.4 4.5 Irmãos 9.1 11.4 18.7 Avós 2.4 1.8 1.9 Outros familiares 4.8 4.2 5.2 Amigos 4.8 9.6 29.7 Colegas de trabalho 2.4 1.2 3.2 Patrões/Chefes/Empregadores 3.6 3.6 2.6 Profissionais de saúde 12.0 16.1 17.4 Profissionais das instituições de apoio 45.2 62.5 60.3 Pessoas da comunidade 8.5 17.4 18.7 Ninguém 1.8 1.2 1.3 10.4 10.2 5.2 Outro 38 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) d) Percepção de bem-estar e saúde Quadro 13 | Percepção de bem-estar e saúde Muito Inferior Igual Superior Superior inferior Bem-estar quando comparado com Muito 10.4 29.9 38.6 14.6 5.5 16.5 28.7 13.4 31.7 9.8 12.3 22.7 26.4 30.1 8.6 4.9 25.6 34.1 26.2 9.1 22.3 30.1 12.7 24.1 10.8 outras pessoas Bem-estar quando comparado com antes de situação de sem-abrigo Saúde física quando comparada com antes de situação de sem-abrigo Saúde mental quando comparada com antes de situação de sem-abrigo Qualidade de vida quando comparada com antes de situação de sem-abrigo e) Emoções em situação de sem-abrigo Verifica-se um equilíbrio na frequência de emoções positivas e negativas, destacando-se: 33.7% dos participantes sente tristeza muitas vezes; 30.5% sente solidão e 28.2% sente desânimo muitas vezes; 30.1% sente esperança muitas vezes. Quadro 14 | Frequência das emoções Nunca Raras Algumas Bastantes Muitas vezes vezes vezes vezes 11.9 11.3 36.3 10.7 29.8 Tristeza 4.7 15.4 29.6 16.6 33.7 Alegria 5.9 26.6 36.7 14.8 16.0 Prazer 8.9 26.2 26.9 12.5 12.5 Desânimo 9.8 14.1 28.8 19.0 28.2 Felicidade 8.5 21.8 48.5 10.3 10.9 Esperança 6.1 14.7 27.0 22.1 30.1 Satisfação 8.5 21.8 48.5 10.3 10.9 Segurança 9.6 17.4 40.1 16.8 16.2 Afecto 12.0 16.2 32.3 16.8 22.8 Agressividade 34.7 31.1 20.4 6.6 7.2 Tranquilidade 7.1 18.9 32.5 19.5 21.9 Frustração 15.2 20.0 31.5 13.9 19.4 Optimismo 10.2 18.1 31.9 18.7 21.1 Ansiedade Confiança 6.0 17.4 32.9 21.0 22.8 Solidão 13.8 15.0 24.6 16.2 30.5 Desespero 21.3 21.3 27.8 8.3 21.3 39 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) f) Relações em situações de crise Em situações críticas, os participantes referem recorrer aos amigos (29.7%) e, principalmente, aos profissionais das instituições de apoio (60.3%). Em momentos difíceis das suas vidas, 67.5% dos participantes confia neles próprios e nos profissionais das instituições de apoio (47.1%). Quadro 15| Pessoas em quem confia em momentos difíceis % Em si mesmo 67.5 Pai 5.8 Mãe 10.5 Companheiro 14.5 Filhos 9.4 Irmãos 17.0 Avós 2.9 Outros familiares 4.7 Amigos 22.2 Colegas de trabalho 1.8 Patrões/Chefes/Empregadores 3.5 Profissionais de saúde 15.8 Profissionais das instituições de 47.1 apoio Pessoas da comunidade 10.0 Ninguém 2.3 Outro 9.3 g) Imagem social Quadro 16| Percepção da imagem que os outros têm de si Positiva Negativa Neutra Não existe Companheiro 24.8 6.8 8.7 59.6 Família 39.5 29.6 20.4 10.5 Amigos 52.8 8.0 23.9 14.7 Colegas de trabalho 24.4 5.1 10.9 59.6 Patrão/Chefe 22.7 4.5 10.4 62.3 Profissionais dos serviços a que recorre 70.2 5.6 18.6 5.6 Pessoas da comunidade 53.8 10.0 25.6 10.6 40 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) h) Efeito da situação de sem-abrigo nas relações 30.2% dos participantes considera que as suas relações seriam muito melhores se não estivesse em situação de sem-abrigo. 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Bastante Muito Gráfico 8 | Relações com outros i) Capacidade de criar relações novas 41.9% dos participantes considera não ter dificuldades em criar novas relações. 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Nenhuma Alguma Bastante Muita Gráfico 9 | Dificuldade em criar relações 41 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) j) Influência da situação de sem-abrigo no conhecimento das outras pessoas De acordo com os participantes, a situação de sem-abrigo permitiu conhecer melhor os outros: Nada (9.6%), Um pouco (32.9%), Bastante (28.7), Muito (28.7%). 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Bastante Muito Gráfico 10 | Conhecimento dos outros III. Valor do Trabalho a) Significados de Trabalho As respostas dos 172 participantes à pergunta “O que é para si o trabalho” foram sujeitas a análise de conteúdo clássica, emergindo 5 dimensões comuns: 1. O trabalho como principal meio de sobrevivência e organizador da vida Exemplos de respostas desta dimensão: Q18 – “É algo de fundamental e indispensável para o ser humano subsistir”. Q56 – “É um bem necessário para toda a gente, se não há trabalho não há rendimento nenhum” Q59 – “O trabalho para mim é o pão da minha boca”. Q124 – “É tudo na vida, sem trabalho não se come, não se bebe, o trabalho é uma coisa essencial, ajuda a nós, às outras pessoas, ao país”. 42 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Q149 – “Fonte de vida, significa independência, estabilidade, sentimento de utilidade, sentir-me útil na sociedade” 2. O trabalho cumpre uma função de ocupação mental Exemplos de respostas desta dimensão: Q61 – “Ocupa a cabeça, o espírito e impede que andemos em más companhias. Gostava de poder trabalhar para ocupar a cabeça e melhorar a minha qualidade de vida.” Q68 – “uma ocupação salutar” Q77 – “Faz-me muita falta. O trabalho é um passatempo, evita o tédio.” Q133 – “Alívio porque não penso em mais nada e esqueço os problemas. Fico concentrado.” Q162 – “É importante porque é o meio de me distrair, fazer as coisas com gosto. Ajuda-me a sobreviver, sem o trabalho não sou nada. Para aprender mais.” 3. O trabalho é a base de dignidade e bem-estar pessoal Exemplos de respostas desta dimensão: Q1 – “O trabalho é gratificante (…) quando eu trabalhava andava satisfeito, parecia que tinha asas para voltar para casa, sabia que era dinheiro ganho com o meu suor” Q41 – “É saúde. E termos anos de vida.” Q83 – “Liberdade, significa dignidade do ser humano, faz parte do conjunto da vida. Dá uma sensação boa de liberdade. E dignifica o ser humano.” Q124 – “É tudo na vida, sem trabalho não se come, não se bebe, o trabalho é uma coisa essencial, ajuda a nós, às outras pessoas, ao país”. Q146– “É muito importante; é das coisas mais importantes a nível pessoa. Porque gosto de estar ocupado, não me sinto marginalizado.” 4. O trabalho como promotor do desenvolvimento pessoal e social Exemplos de respostas desta dimensão: Q25 – “É um local onde crescemos como pessoas e profissionalmente.” 43 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Q34 – “Além do prazer em ser útil ao meu país e ajudar a nossa economia é o garante do meu sustento e bem estar.” Q126 – “É uma qualidade de vida. É sentirmo-nos úteis. Estamos a contribuir para uma comunidade melhor e para garantir o meu sustento” 5. O trabalho como promotor de melhor qualidade de vida Exemplos de respostas desta dimensão: Q7 – “É uma coisa muito importante. Se uma pessoa trabalhasse não se encontrava na situação em como eu encontro” Q94 – “É um degrau para adquirir estabilidade sócio-económica.” Q96 – “Para mim era muito importante, para mudar a situação que me encontro e para ter uma casinha em condições.” Q118 – “Trabalhar é a única forma que ajuda a resolver os seus problemas, é como uma luz que te dá apoio e encorajamento, quando se está a trabalhar, a saúde é melhor, está-se activo.” Q151– “O trabalho para mim é mito importante porque sem ela não há dinheiro e não da para subir na vida.” b) Importância atribuída ao trabalho Cerca de 70% dos participantes considera que o trabalho é muito importante para si e para as suas vidas. 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Pouco importante Importante Muito Gráfico 12 | Importância atribuída ao trabalho 44 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 70.2% considera que o trabalho não serve apenas para ganhar dinheiro. A maioria dos participantes costuma sentir-se bem (41.0%) ou muito bem (47.6%) quando está a trabalhar. 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Muito mal Mal Nem bem, nem mal Bem Muito bem Gráfico 13 | Sentimentos durante o trabalho c) Percurso de trabalho Mais de metade dos participantes considera que as suas capacidades de trabalho foram bem aproveitadas (52.7), muito bem aproveitadas (32.7), nem bem, nem mal aproveitadas (10.3%) Mal aproveitadas (3.0%) e Muito mal aproveitadas (1.2%). 60 50 40 30 20 10 0 Muito mal Mal Nem bem, nem mal Bem Muito bem Gráfico 14 | Percepção do aproveitamento das capacidades 45 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Os participantes consideram que o seu percurso de trabalho tem sido Bom (45.6%), Muito Bom (24.4%), Nem bom, nem mau (20.6%), Mau 5.6% e Muito mau (3.8%). 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Muito mau Mau Nem bom, nem mau Bom Muito bom Gráfico 15 | Percepção da qualidade do percurso de trabalho d) Relações laborais e avaliação de competências A maioria dos participantes avalia as suas relações com anteriores colegas e chefes como boas, 60% e 58%, respetivamente. 70 60 50 40 30 Colegas 20 Chefes 10 0 Muito más Más Nem boas, nem más Boas Muito boas Gráfico 16 | Relações com anteriores colegas e chefes de trabalho 46 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 82.6% sente que se adapta facilmente a qualquer trabalho. 68.1% dos participantes gostaria que o percurso de trabalho tivesse sido diferente. 34% considera-se muito capaz e 29% bastante capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho. 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Bastante Muito Gráfico 17 | Capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho e) Trabalho e situação de sem-abrigo 47.2% considera que o que faz diariamente para arranjar dinheiro é uma forma de trabalho. 80.8% sente que é mais difícil arranjar trabalho por estar em situação de sem abrigo. Quadro 17 | Motivos que dificultam arranjar trabalho Nada Um pouco Bastante Muito Aparência física piorou 39.9 31.3 13.5 15.3 Saúde física piorou 50.6 20.4 14.8 14.2 Saúde mental piorou 54.3 23.5 14.8 7.4 Maior dificuldade em lidar com contextos 36.5 36.5 15.7 11.3 51.9 29.4 10.6 8.1 53.4 24.2 11.8 10.6 de trabalho Maior dificuldade em relacionar-se com chefes Perda de competências 47 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 47.9% sente que a situação de sem-abrigo obrigou a trabalhar em áreas diferentes da que gostaria. 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Bastante Muito Gráfica 18 | Dificuldades de regressar ao trabalho 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Muito má Má Nem boa, nem má Boa Muito boa Gráfico 19 |Ajuda dos outros para arranjar trabalho f) Importância da ocupação do tempo 57% considera que as atividades de ocupação do tempo são muito importantes para o seu bemestar psicológico e emocional. 48 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 60 50 40 30 20 10 0 Nada Um pouco Importante Muito Gráfico 21 | Importância dos tempos livres Quadro 18 – Avaliação da ocupação do tempo em situação de sem-abrigo Discordo Discordo totalmente Não Concordo discordo, Concordo totalmente nem concordo É muito importante para mim 3.5 1.8 2.9 32.7 59.1 4.1 8.9 6.5 43.8 36.7 4.1 9.9 11.1 38 36.8 13.8 21.6 13.8 33.5 17.4 8.2 23.5 13.5 32.4 22.4 3.5 5.8 6.4 43.3 40.9 ocupar o meu tempo a fazer o que gosto. Quando estou ocupado, não penso nos meus problemas. Passo os dias preocupado com a minha sobrevivência diária. Em situação de sem-abrigo é difícil ocupar o meu tempo a fazer outras coisas. Tenho muito tempo livre e poucas actividades para ocupar os meus dias. Os dias seriam mais fáceis de passar se tivesse com que ocupar o meu tempo. 55% considera a formação pessoal e profissional muito importante para as suas vidas. 87.3% sente que a sua vida teria sido melhor, se tivesse tido mais oportunidades de formação anteriormente. 49 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 60 50 40 30 20 10 0 Nada Um pouco Importante Muito Gráfico 22 | Importância da formação para a sua vida na área pessoal e/ou profissional. IV. Identidade a) Dificuldades diárias A maioria dos participantes manifesta ter nenhuma ou pouca dificuldade em providenciar alojamento, alimentação, segurança e bem-estar psicológico e emocional. Quadro 18 | Dificuldades como sem-abrigo Nada Um pouco Bastante Muito Alojamento 43.5 21.4 13.4 21.4 Alimentação diária 57.1 22.0 8.9 11.9 Segurança 40.8 31.4 11.8 16.0 Bem-estar psicológico e emocional 30.4 37.5 15.5 16.7 b) Análises pessoais em situação de sem-abrigo 42.0% vê-se a si próprio como uma pessoa sem abrigo. 86.3% considera que a situação de sem-abrigo permitiu conhecer-se melhor a si próprio. 70.2% sente que a situação de sem-abrigo levou a mudar a maneira de ser como pessoa. 50 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Bastante Muito Gráfico 23 | Mudança da maneira de ser 19.6% dos participantes considera que a sua vida não mudou por se encontrar em situação de sem-abrigo, 39.3% considera que piorou e 41.1% considera que melhorou. 82.6% sente que a experiência em situação de sem-abrigo fez desenvolver novas capacidades que desconhecia, das quais 72.3% são positivas, 7.4% são negativas e 20.3% nem positivas, nem negativas. 51.2% considera que é uma pessoa diferente das outras que se encontram sem-abrigo. 60 50 40 30 20 10 0 Positiva Negativa Nem positiva, nem negativa Não interessa Gráfico 24 | Opinião das pessoas em geral sobre quem está e situação de sem-abrigo 51 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) V. Perspetivas de Futuro a) Situação de sem-abrigo e futuro 35% sente que as vivências em situação de sem-abrigo alteraram bastante as suas expectativas. 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Gráfico 25 | Alteração das expectativas de futuro 33% sente, dentro de um mês, que a sua vida não será muito diferente da atual, mas 28% considera que será bastante diferente dentro de um ano. 35 30 25 20 15 Mês 10 Ano 5 0 Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Gráfico 26 | Expectativas de vida no futuro 52 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Muito mau Mau Nem bom, nem mau Bom Muito bom Gráfico 27 | Sente que será o futuro no geral b) Objetivos de vida 34% sente que os seus objectivos de vida mudaram bastante desde que se encontra semabrigo. 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Gráfico 28 | Alteração de objectivos de vida Cerca de 45% indica possuir mais objetivos de vida desde que se encontra sem-abrigo. 53 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Não tem Menos Mais Mesmos Gráfico 29| Objectivos actuais em comparação a antes de situação de sem-abrigo c) Saída da situação de sem-abrigo 33% avaliam o processo de saída como difícil, 20% como muito difícil e 29% como nem fácil, nem difícil. 35 30 25 20 15 10 5 0 Muito dificíl Difícil Nem fácil, nem difícil Fácil Muito fácil Gráfico 30 | Dificuldade para sair de situação de sem-abrigo 54 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) d) Avaliação do apoio institucional 42% consideram que as instituições ajudam muito a garantir alojamento, alimentação, higiene pessoal e vestuário, contudo 25% e 34% aponta que as instituições nada têm efetuado na reaproximação à família e na reinserção laboral, respetivamente. 45 40 35 30 25 1 20 2 15 3 10 5 0 Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Não utilizo serviços de apoio Gráfico 31 – Avaliação do apoio institucional 1. Alojamento, alimentação, vestuário e higiene pessoal, 2. Procura de trabalho e integração no mercado de trabalho, 3. aproximação à família, amigos pessoas da comunidade VI. Escalas e Correlações entre Variáveis a) Escalas de Afetividade Positiva e Afetividade Negativa - PANAS Os participantes revelam indicadores de afetividade positiva inferiores aos da população em geral. As mulheres experienciam mais emoções positivas (M= 38.75; SD= 7.09; p =. 029) que os homens. 55 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) b) Escala de Satisfação com a Vida – SWLS Os participantes manifestam menor satisfação com a vida (M = 11.61; SD= 5.76) comparativamente à população em geral . As mulheres apresentam indicadores mais elevados de satisfação com a vida (M= 14.36; SD= 6.41; p = .010) em comparação com os homens. c) Escala de Auto- Estima de Rosenberg– RSES Os participantes revelam um nível de auto-estima inferior ao da população em geral (M= 27.80; SD= 3.46). d) Escala de Solidão - UCLA Loneliness Scale Os participantes manifestam sentir mais solidão do que a população em geral (M= 50.42; SD= 7.49). Quadro 19 – Estatística descritiva dos resultados das escalas Total n M DP Alpha de Cronbach VT 144 41.81 7.22 .883 151 32.36 4.99 .737 138 56.66 9.55 .683 146 42.12 6.98 .861 Auto-Estima 152 27.80 3.46 .677 Solidão 155 50.42 7.49 .793 Afectividade 140 35.20 7.84 .828 140 25.64 8.37 .830 157 11.61 5.76 .862 Prestígio VT Estabilidade VT Realização Profissional VT Relações sociais Positva Afectividade Negativa Satisfação com a Vida 56 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 20 – Diferenças de resultados entre homens e mulheres Masculino VT Feminino n M DP n M DP t p 119 41.40 7.32 24 44.00 6.57 -1.62 .109 126 31.97 4.95 24 34.58 4.75 -2.39 .018 118 56.14 9.47 19 60.11 9.79 -1.68 .094 123 41.67 7.04 22 44.82 6.20 -1.96 .052 125 27.88 3.26 26 27.42 4.39 1.68 .095 130 50.32 7.57 24 50.88 7.34 -.330 .742 119 34.61 7.86 20 38.75 7.09 -2.21 .029 118 25.62 8.49 21 25.48 7.99 0.71 .94 131 11.13 5.49 25 14.36 6.41 -2.62 .010 Prestígio VT Estabilidade VT Realização Profissional VT Relações sociais Auto-Estima Solidão Afectividade Positiva Afectividade Negativa Satisfação com a Vida 57 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Não se verificam diferenças estatisticamente significativas entre os resultados das escalas aplicadas nas diferentes cidades. Quadro 21 – Diferenças de resultados entre cidades Coimbra Aveiro Porto n M DP n M DP n M DP F p VT Prestígio 62 41.79 7.10 10 39.0 11.62 70 42.29 6.63 .899 .409 VT Estabilidade 67 32.36 5.66 10 31.10 4.31 72 32.46 4.48 .322 .725 VT Realização Profissional 59 55.58 9.11 9 59.22 7.41 69 57.38 10.1 5 .892 .412 VT Relações sociais 64 42.44 6.81 11 39.64 11.21 70 42.24 6.37 .766 .467 Auto-Estima 69 27.71 3.81 12 27.92 2.94 70 27.93 3.20 .073 .930 69 50.06 8.82 11 50.27 4.13 74 50.84 6.56 .194 .824 Afectividade Positiva 62 33.81 7.89 9 38.78 6.30 67 36.34 7.64 2.708 .070 Afectividade Negativa 66 25.71 8.96 8 24.63 6.14 64 25.75 8.16 .065 .937 Satisfação com a Vida 69 11.68 5.69 13 11.38 4.79 75 11.57 6.03 .016 .984 Solidão e) Correlações entre variáveis Verifica-se uma correlação positiva entre os resultados relativos à afetividade negativa e a autoestima (r =.28; p <.01), ou seja, os participantes que experienciam mais emoções negativas revelam um nível mais baixo de auto-estima. Verifica-se igualmente uma correlação positiva entre os resultados relativos à afetividade negativa e a solidão (r =.24; p <.01), ou seja, os participantes que experienciam mais emoções negativas revelam sentir solidão mais vezes. 58 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Por outro lado, observa-se uma correlação positiva entre os resultados relativos ao nível de satisfação com a vida e a afetividade positiva (r =.28; p <.01), ou seja, os participantes que revelam um maior nível de satisfação com vida, experienciam mais emoções positivas. A correlação positiva entre o valor atribuído aos profissionais das instituições de apoio e a afetividade positiva (r =.20; p <.05), assim como com os indicadores da Escala de Auto-Estima (r= .20; p < .05) indica a influência positiva de uma relação de empatia e confiança com os profissionais nas vivências de emoções positivas e manutenção da auto-estima. A capacidade de responder eficazmente às exigências de um posto de trabalho revela ter uma relação direta (correlação positiva) com a afetividade positiva (r= .30; p<.01), ou seja, a vivência de emoções positivas influencia a motivação para um desempenho laboral eficaz. 59 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 22 – Matriz de Correlações 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1 Sexo 1 2 Idade -.113 1 3 Cidade -.001 .083 1 4 -.074 .133 -.041 1 -.025 .196* -.032 .868** 1 -.008 .141 .115 .807** .743** 1 -.044 .161 -.075 .915** .870** .761** 1 8 VT Prestígio VT Estabilidade VT Realização Profissional VT Relações sociais Auto-estima -.003 -054 .028 .190* .157 .162 .119 1 9 Solidão -.088 .025 .035 .271** .202* .249** .264** .104 1 10 Afectividade Positiva Afectividade Negativa Satisfação com a Vida -.076 .180* .196* .233** .175* .224* .275** -.042 .168 1 -.223** -.007 -.016 .062 .010 .187* -.030 .284** .237** -.105 1 -.143 -.207** -.014 .060 .035 .060 -.030 .059 .003 .275** -.234** 5 6 7 11 12 12 1 60 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Quadro 23 – Matriz de Correlações Valor das relações Afetividade Afetividade Satisfação Auto- Solidão com os profissionais positiva negativa com a Vida estima (UCLA das instituições de (PANAS) (PANAS) (SWLS) (RSES) Loneliness apoio Valor das relações com os PearsonCorrelation profissionais das instituições Sig. (2-tailed) de apoio N Afetividade positiva (PANAS) PearsonCorrelation Sig. (2-tailed) N Afetividade negativa (PANAS) Scale) 1 159 ,203* 1 ,019 134 140 PearsonCorrelation ,014 -,098 Sig. (2-tailed) ,875 ,266 134 132 140 -,061 ** -,234** ,459 ,001 ,007 148 133 133 157 * ** ** -,008 N Satisfação com a Vida PearsonCorrelation (SWLS) Sig. (2-tailed) N Auto-estima PearsonCorrelation (RSES) Sig. (2-tailed) N Solidão PearsonCorrelation (UCLA Loneliness Scale) Sig. (2-tailed) N ,199 ,275 ,405 1 -,406 1 1 ,018 ,000 ,000 ,922 141 129 130 147 152 -,041 ** ** ** -,366** -,418 ,414 -,299 ,625 ,000 ,000 ,000 ,000 144 134 133 148 143 1 155 *. Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed). **. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed). 61 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) 62 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) SÍNTESE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO Ao nível do percurso escolar dos participantes verifica-se uma prevalência de baixos níveis de escolaridade, pautado por insucesso e abandono escolar precoce que ditou um início laboral em idade jovem ou muito jovem. Do processo de entrada da situação de sem-abrigo destaca-se a existência de relações conflituosas e/ou instáveis no núcleo familiar, acompanhada de redes sociais frágeis é um dos maiores fatores que predispõem à situação de sem-abrigo, para a qual concorrem igualmente as dificuldades em obter rendimentos que possibilitem a autonomia e independência. No respeitante ao recurso a serviços de apoio verifica-se uma forte dependência dos serviços de apoio institucionais, principalmente no que se refere à satisfação das necessidades básicas: alojamento, alimentação e vestuário. Salienta-se que, ao longo da trajetória de vida as sucessivas ruturas com os diversos sistemas sociais potenciam a fragilização do indivíduo na capacidade de controlo do seu percurso podendo determinar vivências em situação de sem-abrigo e, consequentemente, uma maior dificuldade de acesso a recursos de autonomização. Já no que se refere ao processo de saída da situação de sem-abrigo verifica-se um forte sentido de responsabilidade dos próprios indivíduos para uma saída eficaz da atual situação, contudo reconhecem uma grande necessidade de apoio institucional através da figura do profissional. Quanto à dimensão do trabalho este emerge como a maior dimensão organizadora da vida, através da retrospetiva dos seus percursos de vida, mas também como o fator principal de saída da situação de sem-abrigo e estabilizador das suas vidas no futuro. As dinâmicas da dimensões do trabalho e da situação de sem-abrigo destaca que esta última dificulta o acesso ao trabalho, à habitação e a uma melhoria das relações pessoais, forjando (re)adaptações e competências não desejadas. Manifestamente observa-se uma forte necessidade de ocupação saudável do tempo, como ferramenta de resistência às vulnerabilidades das situações e como promotora do desenvolvimento de competências. A situação de sem-abrigo força a reajustamentos das identidades pessoais e sociais, das perspetivas de futuro e na definição de objetivos de vida. 63 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) No processo de saída da situação de sem-abrigo sublinha-se a importância dos profissionais das instituições de apoio como figuras mediadoras entre as políticas sociais e as mudanças práticas nas vidas de cada uma das pessoas em situação de sem-abrigo através da promoção da autonomia e independência, pelo acesso ao trabalho, habitação e à comunidade. A situação de sem-abrigo potencia vivências emocionais negativas, com impacto ao nível da auto-estima, criando um efeito de bola de neve. 64 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO Previamente às entrevistas, solicitou-se a colaboração de entidades públicas e privadas para a seleção de participantes e na disponibilização de espaços físicos, quando possível, para a sua realização. Procedeu-se ao esclarecimento individual dos objetivos do estudo e das entrevistas, salvaguardando a identidade e privacidade dos seus participantes, uma vez que as entrevistas obrigavam a gravação áudio. Para esse efeito, os entrevistados assinaram um Consentimento Informado sobre a sua participação no estudo qualitativo. Como já foi referido anteriormente, as entrevistas foram efetuadas ao longo de 5 meses, em concomitância com o estudo quantitativo, nas cidades de Coimbra, Vila Nova de Gaia e Porto. Em alguns casos, verificou-se a necessidade de repartir a entrevista em diferentes dias, dada a duração das mesmas. As 14 entrevistas apresentam uma duração com intervalos variáveis entre 55 minutos e 5 horas e 15 minutos. Seguidamente à conclusão da fase de entrevistas, procedeu-se à transcrição completa e à análise de conteúdo clássica (Bardin, 1977) de cada uma, possibilitando a estruturação de um esquema de categorias (incluindo subcategorias, unidades de registo e unidades de contexto) comum às entrevistas. Para cada um dos entrevistados, solicitou-se o preenchimento de uma ficha abreviada de caraterização sociodemográfica, cujos dados se apresentam de seguida, após o seu tratamento na base de dados em SPSS. I. Dados Sociodemográficos da Amostra As entrevistas foram realizadas a 9 homens (64.3%) e 5 mulheres (35.7%), com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos de idade (M=44.07, S=10.81). Na sua maioria são solteiros (n=10; 71.4%), dois entrevistados são divorciados (14.3%), um é casado (7.1%) e outro é viúvo (7.1%). Os níveis de escolaridade da amostra distribui-se entre o 5º e 6º ano de escolaridade (n=6; 42.9%), 1º e 4º ano de escolaridade (n= 4; 28.6%) e o 7º e 9º ano de escolaridade (n=4; 28.6%). Metade dos entrevistados (50%; n=7) tem filhos, sendo que a média de filhos é 2. No que se refere à situação de sem-abrigo, mais de metade (57.1%; n=8) encontra-se, pela primeira vez, nesta situação, sendo que, nos momentos das entrevistas, se encontravam nas seguintes situações: 65 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) • Centros de Acolhimento Temporários: 35.7% (n=5); • Outras situações (compreendem as situações de sem-casa, em que pernoitam em quartos pagos através do Rendimento Social de Inserção ou outro apoio estatal ou institucional): 35.7% (n= 5); • Albergues: 21.4% (n=3); • Edifícios abandonados: 7.1.% (n= 1). Mais de metade dos entrevistados (71.4%; n=10) refere utilizar os serviços de apoio institucional, tais como: • Albergues: 21,4% (n= 3); • Centro de Acolhimento Temporário: 21.4% (n=3); • Serviços de alimentação: 21.4% (n=3); • Serviços de lavandaria: 28.6% (n=4); • Apoio em vestuário: 14.35 (n=2); • Apoio social: 28.6% (n=4); • Serviços de Psicologia: 35.7% (5); • Apoio jurídico: 14.3% (n=2); • Serviços de saúde: 42.9% (n= 6). Os entrevistados que recorrem aos serviços de apoio indicaram que este recurso é diário (64.3%, n= 9), sendo que 14.3% (n= 2) recorre algumas vezes a esses serviços. No que respeita a comportamentos de consumo de substâncias psicoativas, a maioria dos entrevistados (92.9%; n= 13) refere não consumir drogas, apenas um entrevistado indica que consome drogas algumas vezes. Já no que respeita ao consumo de bebidas alcoólicas metade dos entrevistados (50%; n=7) assume o seu consumo, sendo que 66.7% (n= 4) o faz algumas vezes, 16.7% (n=1) consome todos os dias e também 16.7% (n=1) apenas bebe raramente. Do grupo de entrevistados que consome bebidas alcoólicas, quatro (28.6%) indicam que, num dia normal de consumo, bebe 1 a 2 copos. Apenas um entrevistado refere consumir 6 copos ou mais num dia, menos que uma vez por mês e outro entrevistado refere que esse número de bebidas só o faz uma vez por mês. Já ao contrário dois entrevistados referem que nunca consomem esse número de bebidas. Por fim, metade dos entrevistados (50%; n=7) necessitou de ajuda psiquiátrica ao longo da sua vida, contudo a apenas 30% (n=3) foi diagnosticado uma perturbação mental, nomeadamente depressão (21.4%; n=3). A maioria (71.4%; n=10) indica não ter tido qualquer problema com a Justiça ao longo da sua vida. 66 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) II. Resultados da Análise de Conteúdo Da análise de conteúdo individual das entrevistas emergiram 12 categorias comuns que vão encontro das dimensões contempladas no guião de entrevista. Encontra-se de seguida um esquema simplificado de cada categoria, onde se identificam as subcategorias. CATEGORIA 1 CATEGORIA 2 CATEGORIA 3 CATEGORIA 4 CATEGORIA 5 CATEGORIA 6 TRAJECTÓRIA DE VIDA E ACONTECIMENTOS SIGNIFICATIVOS CONTEXTOS RELACIONAIS PERCURSO ESCOLAR FORMAÇÃO OCUPAÇÃO DE TEMPOS LIVRES TRANSIÇÕES DE TRABALHO Subcategorias Subcategorias Subcategorias Subcategorias Subcategorias 2.1. Principais figuras significativas positivas 3.1. Auto-imagem como aluno/a 1.2. Vivências da adolescência e juventude 2.2. Relações negativas e rupturas com as diferentes figuras familiares 3.2. Significado da escola 1.3. Etapas de autonomização e independência 2.3. Relação com os sistemas institucionais 1.4.Relações potenciadoras vulnerabilidade idade adulta 2.4. Redes de sociabilidade e de suporte 1.1. Experiências traumáticas de infância de em 1.5. Condições socioeconómicas de vida desfavoráveis 2.5. Relação com o espaço e o território 3.3. Abandono dos estudos 4.1. Avaliação e valor atribuído à formação 4.2. Experiências de formação em situação de sem-abrigo 5.1. Formas de ocupação do tempo em situação de semabrigo 5.2. Formas de ocupação do tempo prévias à situação de sem-abrigo 5.4. Importância da ocupação do tempo em processos de mudança Subcategorias 6.1. Percurso de trabalho prévio à situação de semabrigo 6.2. Significações atribuídas ao trabalho 6.3. Relações em contexto de trabalho 6.4. Auto-avaliação das competências profissionais 6.5. Vivências das situações de desemprego 6.6. Acesso ao trabalho em situação de sem-abrigo 67 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 6 CATEGORIA 7 CATEGORIA 8 CATEGORIA 8 CATEGORIA 9 TRANSIÇÕES DE TRABALHO (Cont.) PERSPECTIVANDO O FUTURO VIVÊNCIAS EM SIUTAÇÃO DE SEMABRIGO VIVÊNCIAS EM SIUTAÇÃO DE SEMABRIGO (Cont). PROCESSO DE SAÍDA DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO Subcategorias Subcategorias Subcategorias 6.7. Experiências de trabalho em situação de sem-abrigo 7. 1. Objetivos de vida prévios à situação de sem-abrigo Subcategorias 6.8. Perspectivas futuras acerca de trabalho 7.2. Objetivos de vida atuais (em situação de sem-abrigo) 7.3. Crenças no futuro 8.1.Experiências em situação de semabrigo 8.8. Reconstruções das visões sobre o outro 8.2. Percepções sobre a situação de semabrigo 8.9. Necessidades identificadas em situação de semabrigo 8.3. Imagem construída da pessoa sem-abrigo 8.4.Relações em situação de semabrigo 8.5. Processo de entrada na situação de sem-abrigo 8.6. Processos de não identificação com a imagem social dominante da pessoa em situação de semabrigo 8.10. Mudanças percepcionadas com a situação de semabrigo 8.11. Vivências emocionais em situação de semabrigo 8.12. Vivência do estigma social 8.13. Estratégias de sobrevivência em situação de semabrigo Subcategorias 9.1. Avaliação do apoio institucional durante a situação de sem-abrigo 9.2. Motivação intrínseca para a saída da situação de sem-abrigo 9.3. Atribuição da responsabilidade no apoio para a saída da situação de semabrigo 9.4. Dificuldades de acesso à habitação e emprego 9.5. Mudanças percepcionadas na saída da situação de sem-abrigo 8.7. Autoconhecimento em situação de semabrigo 68 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 10 CATEGORIA 11 CATEGORIA 12 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SAÚDE, DOENÇA MENTAL E DEPENDÊNCIAS CONTEXTOS DE VIVÊNCIAS PARENTAIS Subcategorias Subcategorias Subcategorias 10.1. Imagens dominantes do Self ao longo da trajectória de vida 11.1. Vivências de perturbação mental ao longo da trajectória de vida 10.2. Autorepresentações actuais 11.2. Vivências de perturbação mental em situação de semabrigo 12.1. Sentimento de competência parental 12.2. Vivências de afastamento/ separação dos filhos 11.3. Abuso e dependências de substâncias psicoactivas: drogas e álcool 11.4. Percurso criminal 69 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Os seguintes quadros possibilitam uma descrição detalhada das subcategorias e respetivas unidades de registo. CATEGORIA 1 SUB CATEGORIAS 1.1. Experiências traumáticas de infância TRAJECTÓRIA DE VIDA E ACONTECIMENTOS SIGNIFICATIVOS 1.2. Vivências da adolescência e juventude UNIDADES DE REGISTO 1.1.1. Sofrer/assistir a maustratos e violência doméstica 1.1.2. Vivências de abusos sexuais 1.1.3. Vivências de abandono dos pais devido à toxicodependência dos mesmos 1.1.4. Memórias positivas associadas à infância 1.1.5. Impacto do conhecimento de se ser criança adoptada 1.1.6. Abusos psicológicos durante período de institucionalização 1.2.1. Mudanças dos sistemas nucleares de protecção 1.2.2. Início do percurso de abuso e dependência de substâncias (drogas e álcool) 1.2.3. Alterações da dinâmica familiar, individual e escolar devido ao divórcio dos pais Frequência das Unidades de Registo 5 Descrição da Subcategoria 4 2 4 2 Abrange diversas experiências vivenciadas no período da infância e criadoras de sofrimento psicológico e emocional e consequentes traumas revividos ao longo do percurso de vida. Incluem-se situações de violência doméstica na família; abandono, negligência e abusos sexuais, físicos e psicológicos por parte dos pais/progenitores e em regime de acolhimento institucional; toxicodependência dos pais; institucionalização em criança e impacto do conhecimento de se ser uma criança adoptada. 2 4 2 Engloba situações geradoras de stress e angústia na família, como divórcio dos pais e alterações do núcleo familiar protector (substituição ou ausência de figuras cuidadoras) e alteração comportamental dos indivíduos durante a fase da adolescência, nomeadamente comportamentos de risco assumidos no abuso e dependência de substâncias (drogas e bebidas alcoólicas). 1 70 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 1 TRAJECTÓRIA DE VIDA E ACONTECIMENTOS SIGNIFICATIVOS (Cont.) SUB CATEGORIAS 1.3. Etapas de autonomização e independência 1.4. Relações potenciadoras de vulnerabilidade em idade adulta 1.5. Condições socioeconómicas de vida desfavoráveis UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo 1.3.1. Maternidade/Paternidade 1.3.2. Serviço militar 1.3.3. (Re)Início da actividade profissional como medida de autonomia e independência 1.3.4. Ausência de estrutura familiar na aprendizagem da gestão da vida diária 1.3.5 Investimento em relação amorosa como forma de saída de casa 1.3.6. Abandono da casa do núcleo familiar marca início de vida independente 2 2 1.4.1. Necessidade de refúgio e protecção institucional do agressor 1 1.4.2. Abuso de confiança por parte de cônjuge 1 1.5.1. Vivência de situações de privação na infância 7 1.5.2. Situações de privação e outras dificuldades marcantes na vida adulta 1.5.3. Percepção sobre a actual situação de crise 2 Descrição da Subcategoria Reporta a diferentes momentos de emancipação dos entrevistados que inclui maternidade/ paternidade em idade jovem (18/20 anos), relações amorosas intensas (uniões de facto/casamento), tropa, independência resultante de trabalho remunerado, independência da família e autonomia total (por ausência de controlo de figuras familiares). 1 1 1 3 4 Abrange as situações reportadas pelos entrevistados de relações abusivas (violência conjugal e abuso de confiança) que resultaram em ruptura relacional do casal e proporcionaram momentos de grande vulnerabilidade social. Reporta circunstâncias de privação na infância e juventude, indicadoras de reprodução de situações de pobreza do contexto familiar dos entrevistados. São referidas as dificuldades que, ao longo da vida, conduzem à manutenção da situação de vulnerabilidade sócio-económica, como dificuldades de acesso ao mercado de bens e serviços (alimentação, vestuário, habitação, etc.) e aos sistemas geradores de rendimento. É também registada a opinião dos entrevistados que, na qualidade de cidadãos, reflectem e avaliam sobre os efeitos da actual situação social, económica, política e cultural do contexto local onde vivem e do país. 71 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 2 SUB CATEGORIAS 2.1. Principais figuras significativas positivas CONTEXTOS RELACIONAIS 2.2. Relações negativas e rupturas com diferentes figuras familiares 2.3. Relação com sistemas institucionais UNIDADES DE REGISTO 2.1.1. Pessoas da família consideradas como influentes e marcantes nas suas vidas 2.1.2. Pessoas consideradas como significativas nas suas vidas 2.2.1. Relações com as figuras parentais marcadas pela instabilidade ou ausência de afeto 2.2.2. Distanciamento emocional na relação com o núcleo familiar 2.2.3. Inexistência de laços afectivos na família 2.2.4. Separação/Divórcio 2.2.5. Ruptura relacional com familiares 2.3.1. Influência nefasta do sistema institucional no percurso de vida 2.3.2. Profissionais como figuras de suporte Frequência das Unidades de Registo 11 3 5 4 1 Descrição da Subcategoria Abrangem-se nesta subcategoria as pessoas (familiares e outros) com quem os entrevistados estabeleceram vinculações afectivas cuja influência se estenderam ao longo do seu percurso de vida, pelo seu carácter protector e afectivo. Abrange a qualidade negativa de relações com diferentes elementos da família que se caracteriza por inexistência de laços afectivos, instabilidade ou distanciamento emocional na relação com os pais e irmãos. Engloba ainda situações de rupturas nas relações dos entrevistados, nomeadamente com figuras familiares (pais ou outras figuras cuidadoras) e com pessoas com quem mantinham relações amorosas ou estiveram casados/as e que exerceram uma influência negativa nas etapas seguintes das suas trajectórias de vida. 7 5 2 6 Agrupa as relações dos entrevistados com os diferentes organismos públicos, nomeadamente o sistema institucional de apoio e protecção social, através das relações estabelecidas com os diferentes profissionais, considerando-se a influência destes nas estratégias de coping das suas situações de vulnerabilidade social. Os profissionais assumem um papel protector e afectivo para os entrevistados influenciando as oportunidades percepcionadas de melhoria das circunstâncias de vida. 72 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 2 SUB CATEGORIAS 2.4. Redes de sociabilidade e de suporte CONTEXTOS RELACIONAIS (Cont.) 2.5. Relação com o espaço e o território UNIDADES DE REGISTO 2.4.2. A integração na comunidade local como factor de suporte 2.4.2. Importância de estabelecer relações de empatia com profissionais de serviços institucionais de apoio 2.5.1. O sentimento de pertença ao lugar como factor de bem-estar 2.5.2. Percepção da cidade como lugar de maior acesso a apoios e oportunidades Frequência das Unidades de Registo 2 3 2 2 Descrição da Subcategoria Identifica os círculos sociais dos entrevistados e a influência dos mesmos em momentos de tomada de decisão e situações de protecção e apoio, como pessoas da comunidade e de serviços públicos e/ou privados e os grupos de amizades. Agrupam-se as percepções dos entrevistados sobre a sua relação com os territórios em que vivem, ou viveram, e a medida em que estes constituem um factor relevante para as decisões dos entrevistados, quer pelo sentimento de pertença a um lugar e às suas gentes, quer pela presença de infrasestruturas e equipamentos, associados a mais oportunidades e melhores condições de vida. 73 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 3 SUB CATEGORIAS 3.1. Auto-Imagem como aluno/a 3.2. Significado da escola PERCURSO ESCOLAR 3.3. Abandono dos estudos UNIDADES DE REGISTO 3.1.1. Percepção negativa do desempenho escolar 3.1.2. Percepção positiva do desempenho escolar Frequência das Unidades de Registo Reporta-se às auto-avaliações dos entrevistados sobre o seu desempenho escolar e respectivas competências de aprendizagem. 3 4 3.2.1. Escola como fonte de segurança 3.2.2. Perspectiva positiva da escola 3.2.3. Impacto da revolta pessoal no percurso escolar 3.3.1. Desmotivação para a continuação do percurso escolar 3.3.2. Influência negativa de grupo de pares 3.3.3. Influência de acontecimentos significativos no percurso escolar 3.3.4. Desejo de autonomia financeira 1 3.3.5 Início da actividade laboral para apoiar a família 2 4 Agrupam-se as significações atribuídas à escola, nomeadamente como um local de refúgio e segurança durante a infância e adolescência ou pelo contrário como um espaço punitivo. 1 3 2 1 São indicados pelos entrevistados os motivos que os conduziram a desistir de prosseguir os estudos: desmotivação, influência do grupo de pares, desejo de trabalhar pela respectiva autonomia financeira e instabilidade familiar. 1 74 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 4 SUB CATEGORIAS 4.1. Avaliação e valor atribuído à formação PERCURSO DE FORMAÇÃO 4.2. Experiências de formação em situação de semabrigo UNIDADES DE REGISTO 4.1.1. A formação académica e/ou profissional percebida como factor promotor de ascensão social e de melhor qualidade de vida 4.1.2. Crítica ao sistema de cursos de formação 4.1.3. Crítica ao sistema de cursos de formação 4.2.1. Vantagem da realização de cursos de formação profissional 4.2.2. Realização de cursos de equivalência de habilitações escolares 4.2.3. Inadequação do sistema de cursos de formação em relação às necessidades e condicionantes de estar em situação sem-abrigo 4.2.4. Cursos de formação como fonte alternativa de rendimento Frequência das Unidades de Registo 7 Aqui agrupam-se os diferentes graus de importância atribuídos aos cursos de formação, destacando-se, por um lado, as suas vantagens para o percurso profissional e por outro, as suas limitações, onde se contemplam algumas críticas ao seu funcionamento. 4 1 1 2 1 Engloba as experiências de formação dos entrevistados enquanto se encontra(va)m em situação de sem-abrigo, apontando as vantagens dos cursos para o currículo e (re)integração no mercado de trabalho, a par da equivalência a níveis de escolaridade e também situações de inadequação do sistema de formação em conflito com as necessidades da situação de semabrigo. 2 75 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 5 SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO 5.1.1. Realização de actividades de voluntariado de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade 5.1. Formas de ocupação do tempo em situação de semabrigo OCUPAÇÃO DO TEMPO LIVRE 5.2. Formas de ocupação do tempo prévias à situação de semabrigo 5.3. Importância da ocupação do tempo em processos de mudança Frequência das Unidades de Registo 1 5.1.2. Actividades sociais e lúdicas 5 5.1.3. Realização de actividades de desporto 5.1.4. Actividades ocupacionais em regime de acolhimento institucional 5.2.1. Convívio social em espaço da comunidade 5.2.2. Actividades lúdicas 1 Abrange as actividades ocupacionais que os entrevistados realizam em situação de sem-abrigo, que varia desde a realização de voluntariado a outras actividades de lazer. 2 1 Reporta-se às actividades mencionadas pelos entrevistados ao longo da sua vida, destacando determinados períodos, como durante a adolescência. 3 5.3.1. Importância da ocupação do tempo para o processo de recuperação de dependências 5.3.2. Influência das actividades ocupacionais no bem-estar psicológico 2 Agrupa as diferentes atribuições de valor à ocupação do tempo com actividades que, não só possibilitam a ocupação da mente, mas também a reorganização das suas circunstâncias de vida. 2 76 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 6 SUB CATEGORIAS 6.1. Percurso de trabalho prévio à situação de semabrigo TRANSIÇÕES DE TRABALHO 6.2. Significações atribuídas ao trabalho UNIDADES DE REGISTO 6.1.1. Primeiras experiências de trabalho em idade precoce 6.1.2. Primeiras experiências de trabalho na adolescência 6.1.3. Diversidade de áreas de trabalho ao longo do percurso profissional 6.1.4 Múltiplos motivos de saída do trabalho (abandono do posto, despedimentos, falências, etc.) 6.1.5. Influência das perturbações de adição no percurso de trabalho 6.1.6. A crise económica como causa da dificuldade em arranjar trabalho 6.1.7. Insegurança laboral como factor vulnerabilizante 6.2.1. O trabalho serve para adquirir experiência e conhecimentos 6.2.2. Trabalho como fonte de rendimentos 6.2.3. Trabalho como forma de ocupação mental 6.2.4. O trabalho possibilita a autonomia e independência 6.2.5. Trabalho como fonte de bem-estar Frequência das Unidades de Registo 5 7 8 19 Agrega as descrições das primeiras experiências de trabalho dos entrevistados, que se concretizaram em idade precoce e na adolescência em diversas áreas tais como restauração, trabalhos manuais, desporto, vendas e indústria. Seguidamente, apontam-se os diferentes tipos de trabalho realizados (restauração, construção civil, agricultura, limpezas, transportes, comércio e indústria) e os motivos de saída dos mesmos (falências das empresas, despedimentos, doença, dependências, entre outros). Destaca-se ainda a influência dos comportamentos aditivos no desempenho laboral, assim como a estrutura do mercado de trabalho atual na estabilidade da vida dos entrevistados. 3 1 3 1 3 7 Abrange as diferentes concepções de valor do trabalho dos entrevistados, relacionadas com a aquisição de experiência e conhecimento profissional, ocupação da mente, fonte de rendimentos e de bem-estar pessoal e também como base de autonomia e independência. 4 3 77 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 6 SUB CATEGORIAS 6.3. Relações em contexto de trabalho 6.4. Auto-avaliação das competências profissionais TRANSIÇÕES DE TRABALHO (Cont.) 6.5. Vivências de situações de desemprego Frequência das Unidades de Registo UNIDADES DE REGISTO 6.3.1. Características de personalidade percebidas como promotoras de bom ambiente laboral 6.3.2. Relações positivas em contexto laboral 6.4.1. Características pessoais que beneficiam o desempenho profissional 6.4.2. Capacidade de aprendizagem e adaptação a novas funções 6.5.1. Sentimento de inutilidade associado à ausência de trabalho 6.5.2. Dificuldade de ocupação eficaz do tempo 6.5.3. Sentimento de impotência e falta de controlo sobre a própria vida 6.5.4 Importância das redes de suporte para ultrapassar as dificuldades resultantes da situação de desemprego 6.5.5 Desemprego como sinónimo de privação material 5 6 7 Engloba as avaliações dos entrevistados da qualidade das suas relações com colegas e chefes, qu primaram pelo respeito, considerando que as suas caraterísticas de personalidade possibilitaram o desenvolvimento de boas relações laborais. Os entrevistados revelam as imagens que têm de si como trabalhadores e no cumprimento das suas tarefas laborais, sejam as actuais ou passadas, revelando serem cumpridores e ativos no seu posto de trabalho. 2 5 4 Abrange as vivências emocionais dos entrevistados durante os períodos em que não realiza(ra)m trabalho profissional e as dificuldades inerentes à ausência de rendimento. 5 5 2 78 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 6 TRANSIÇÕES DE TRABALHO SUB CATEGORIAS 6.6. Acesso ao trabalho em situação de semabrigo (Cont.) 6.7. Experiências de trabalho em situação de semabrigo 6.8. Perspectivas futuras acerca de trabalho UNIDADES DE REGISTO 6.6.1. A situação de sem-abrigo não é impeditiva de conseguir trabalho 6.6.2. Estigma social como obstáculo para trabalhar 6.6.3. Factores que dificultam o acesso ao trabalho (aparência, idade, falta de recursos e espaços adequados) 6.7.1. Os trabalhos realizados caracterizaram-se pela instabilidade e/ou precariedade 6.7.2. Trabalhar na instituição social que apoia pessoas em situação de semabrigo 6.7.3. Situação de sem-abrigo como potenciadora de abuso/discriminação no trabalho 6.8.1. Problemas de saúde que inviabilizam um futuro de trabalho 6.8.2. Desejos de um trabalho que possibilite a independência 6.8.3. Proactividade na procura de trabalho 6.8.4 Auto-avaliação de capacidade actual para trabalhar Frequência das Unidades de Registo 3 4 Agrupam-se as diferentes perspectivas sobre o acesso ao trabalho enquanto vivenciam a situação de sem-abrigo. Enquanto uns consideram que a situação em si não limita as oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, outros explanam as dificuldades sentidas devido ao estigma social associado. 4 2 Reporta-se a experiências de trabalho que os entrevistados executaram enquanto se encontra(va)m em situação de sem-abrigo, apontando situações de abuso e exploração laboral. 2 3 3 3 Mencionam-se as expectativas dos entrevistados em relação ao seu futuro profissional, desde total descrença a desejo de trabalhar de forma honesta e (re)obter independência e autonomia, uma vez que sentem as suas competências profissionais ainda válidas. 3 9 79 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 7 SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO 7.1.1. Realização pessoal 7.1. Objectivos de vida prévios à situação de semabrigo PERSPECTIVANDO O FUTURO 7.2. Objectivos de vida actuais (em situação de semabrigo) 7.1.2. Realização material Frequência das Unidades de Registo 1 1 7.1.3. Indefinição de objectivos de vida 3 7.1.4. Realização profissional 3 7.2.1. Objectivos de autonomização e independência 7.2.2. Desejos de realização profissional 7.2.3. Obtenção de um espaço que garanta privacidade e segurança 7.2.4. Mudança intrapessoal 7.2.5. Ter trabalho para poder ajudar a família 7.2.6. Ter tranquilidade Nesta subcategoria os entrevistados identificam os objetivos que foram desenvolvendo ao longo da sua trajetória de vida, previamente à situação de sem-abrigo e que se organizam por uma indefinição ou por realização a diferentes níveis. 9 5 6 Agrupa os diversos objectivos que os entrevistados apontam como orientadores dos seus percursos, destacando os propósitos a nível profissional, pessoal e familiar (reunião com os filhos, por exemplo). A necessidade de saída da situação de sem-abrigo focaliza as suas metas de autonomia e independência, assim como as mudanças intrapessoais neste processo. 3 1 2 80 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 7 SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO 7.3.1. Descrença num futuro melhor 7.3. Crenças no futuro PERSPECTIVANDO O FUTURO 7.3.2. Desejos de (re)encontros familiares 7.3.3. Esperança cautelosa de mudança positiva 7.3.4. Auto – confiança como força motriz para a mudança Frequência das Unidades de Registo 3 3 Aqui agrupam-se as crenças manifestas dos entrevistados quanto ao seu futuro, crenças que se caracterizam por esperança e mudanças positivas ou por alguma incerteza. Destaca-se a importância de reencontros familiares num futuro próximo. 4 5 (Cont.) 7.3.5. Desejos de mudanças sistémicas 7.3.6. Esperança e atitude positiva como forma de resistência 1 2 81 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 8 SUB CATEGORIAS 8.1. Experiências em situação de semabrigo VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO 8.2. Percepções sobre a situação de sem-abrigo UNIDADES DE REGISTO 8.1.1. Impacto emocional dos primeiros momentos em situação de semabrigo 8.1.2. Dificuldades de adaptação às vivências (em regime institucional) 8.1.3. Vivências com tecto (apoio de amigos e familiares) 8.1.4. Singularidades das vivências sem tecto (em situação de rua) 8.2.1. Comparação de situações com teto e sem teto 8.2.2. Necessidade de se estudar aprofundadamente a problemática 8.2.3. A situação de sem-abrigo obriga a uma desvalorização de dias festivos 8.2.4. Impacto psicológico das vivências em situação de sem-abrigo 8.2.5. Necessidade de ajuda externa/rede de suporte para a saída da situação de sem-abrigo 8.2.6. A concepção negativa sobre as pessoas em situação de sem-abrigo pode ser esclarecida através de divulgação de informação Frequência das Unidades de Registo 12 11 1 Congrega as diferentes experiências dos entrevistados em situação de semabrigo, nomeadamente a descrição da primeira vez nesta situação e as suas vivências em situação de sem-tecto (pernoitando na rua ou em edifícios abandonados) e/ou sem-casa (em regime de acolhimento institucional), sendo patente o impacto da sensação de desproteção e o medo associados a estas vivências, as dificuldades de adaptação ao regimes e ambientes de acolhimento institucional. 22 4 2 1 Incorpora as visões construídas sobre a problemática da situação de semabrigo, partindo das suas próprias experiências. São abordadas as percepções sobre os outros que se encontram na mesma situação, a necessidade de compreender de forma mais aprofundada as dimensões pessoais em cada experiência e de se estruturar uma rede de apoio para uma saída eficaz da situação de sem-abrigo. 3 4 1 82 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 8 SUB CATEGORIAS 8.3. Imagem construída da pessoa semabrigo VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO (cont.) 8.4. Relações em situação de semabrigo UNIDADES DE REGISTO 8.3.1. A diferença entre quem luta contra a situação e quem se acomoda 8.3.2. Demarcação dos outros em situação de sem-abrigo Frequência das Unidades de Registo 4 4 8.3.3. O outro em situação de sem-abrigo precisa de apoio psicológico 8.3.4. Estar sem-abrigo é estar livre 2 8.3.5. Solidariedade entre quem está sem abrigo 1 4 8.4.1. Necessidade de isolamento em regime de acolhimento 8.4.2. (Re)aproximação à família 2 8.4.3. Ausência de contacto familiar 4 8.4.4. Criação de relações de amizade em regime de acolhimento com pessoas na mesma situação 8.4.5. Ocultação da situação de sem-abrigo perante os familiares e outras pessoas Alude às ideias (re)construídas pelos entrevistados sobre as pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, partindo da sua própria experiência nesta situação, ou seja, os entrevistados descrevem as suas percepções sobre o outro que também se encontra sem abrigo. Alguns justificam a diferença entre si e os outros baseado na forma como vivenciam a situação, outros consideram a necessidade de olhar aprofundadamente aos problemas de cada um e outros apontam ainda as características convergentes de quem está sem abrigo. 1 Nesta subcategoria menciona-se o estado actual das relações dos entrevistados com as diferentes esferas relacionais: família, amigos e colegas (aqui considerados como pessoas que partilham a mesma situação), classificadas como ausentes ou aperfeiçoadas. 4 6 83 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 8 SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO 8.5.1. Vítima de violência doméstica VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO 8.5. Processo de entrada na situação de semabrigo 8.5.2. Choque pela morte de um filho 8.5.3. Separações/Divórcio 8.5.4. Exigência das autoridades de protecção de crianças e jovens 8.5.5. Perda do emprego Frequência das Unidades de Registo 2 1 3 Abrange os diferentes contextos conducentes à situação de sem-abrigo (seja para uma situação de sem-tecto ou para acolhimento institucional), destacando-se as situações de violência doméstica, rupturas relacionais e familiares e perda de emprego. 1 1 8.5.6. Conflitos na família devido à dependência alcoólica (cont.) 8.6. Processos de (não) identificação com a imagem social dominante da pessoa sem abrigo 8.5.7. Auto-responsabilização pela situação de sem-abrigo 8.5.8. Problemas incapacitantes resultantes da dependência do álcool 8.6.1. Quem é sem-abrigo faz disso um modo de vida 8.6.2. Identificação hesitante 8.6.3. Sem-abrigo é quem vive na rua 8.6.4. Ser sem-abrigo é apenas não ter casa 1 3 1 1 4 3 Esta categoria apresenta duas posições opostas reveladas pelos entrevistados quanto às suas identificações com a imagem social dominante sobre quem se encontra sem-abrigo. Por um lado, há quem se considere uma pessoa semabrigo, embora com resistências, contudo a maioria rejeita identificar-se como uma pessoa sem abrigo, apontando diferentes motivos: sem-abrigo é um modo de vida, sem-abrigo é quem vive na rua (por oposição a quem se encontra acolhido institucionalmente) ou ser sem-abrigo significa unicamente não ter casa 2 84 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 8 SUB CATEGORIAS 8.7. Auto – conhecimento em situação de sem-abrigo VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO (cont.) 8.8. Reconstruções das visões sobre o outro UNIDADES DE REGISTO 8.7.1. Maior controlo na tomada de decisões 8.7.2. Descoberta de novas competências 8.7.3. Benefício da situação de semabrigo para o auto-conhecimento 8.7.4 Maior compreensão sobre as desigualdades sociais 8.8.1. Avaliação das outras histórias de vida no sentido da valorização da própria 8.8.2. Desconfiança no outro em situação de sem-abrigo 8.8.3. Resistência em conhecer as outras pessoas 8.8.4. Aproveitamento da situação de sem-abrigo para benefício próprio 8.8.5. Mudança percepcionada no comportamento do outro Frequência das Unidades de Registo 1 2 Agrupa as alterações que os entrevistados sentem na sua pessoa durante as vivências em situação de sem-abrigo. Referem a forma como esta experiência possibilitou mudanças nas suas acções, pensamentos e auto-imagens. 5 2 1 1 Reporta-se às novas configurações que o outro assume através do olhar dos entrevistados com base nas suas experiências em situação de sem-abrigo. As histórias de vida dos outros permitem reequacionar a própria trajectória ou, pelo contrário, a tensão das situações de sem-abrigo não possibilita o investimento em “conhecer” o outro. Por fim, menciona-se a descoberta de uma realidade de exploração da situação para benefício próprio. 1 1 1 85 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 8 SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO 8.9.1. Necessidade de espaço privado 8.9. Necessidades identificadas em situação de semabrigo VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO (cont.) 8.10. Mudanças percepcionadas com a situação de sem-abrigo 8.9.2. Necessidade da presença do outro, de reconhecimento e de afeto 8.9.3. Necessidade de apoio familiar 8.9.4. Necessidade de preservação da imagem 8.9.5. Necessidade de acesso a recursos para a satisfação de necessidades básicas 8.9.6. Necessidade de acesso a informação sobre os serviços de apoio existentes 8.10.1. Perda da estabilidade e autonomia financeiras 8.10.2. Degradação da saúde (física e psicológica) 8.10.3. Reforço da motivação para a prossecução dos objectivos de vida Frequência das Unidades de Registo 2 12 3 Engloba as necessidades sentidas pelos entrevistados em situação de sem-abrigo: tais como a privacidade (nas situações em que se encontram em regime de acolhimento), o apoio de um amigo ou da família e o acesso a recursos. 1 6 1 2 6 Abrange as alterações sentidas em diferentes esferas da vida dos entrevistados: estabilidade financeira, saúde física e mental. 2 86 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 8 SUB CATEGORIAS 8.11. Vivências emocionais em situação de semabrigo VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO 8.12. Vivência do estigma social (cont.) UNIDADES DE REGISTO 8.11.1. Sentimento de revolta pela separação familiar 8.11.2. Sentimento de vergonha 8.11.3. Luto pela vida anterior à situação de sem-abrigo 8.11.4. Instabilidade emocional 8.12.1. Discriminação no acesso ao trabalho 8.12.2. Sentimento de revolta/injustiça pelo impacto da discriminação social 8.12.3. Imagem negativa errada associada à situação de semabrigo 8.13. Estratégias de sobrevivência em situação de semabrigo 8.13.1. A poupança e a privação como estratégia 8.13.2. Recurso a serviços institucionais para garantir a satisfação de necessidades básicas 8.13.3. Recurso a construções precárias e abrigos precários Frequência das Unidades de Registo 1 2 Reporta-se às diferentes emoções vivenciadas em situação de sem-abrigo, desde a revolta, vergonha e instabilidade emocional. 1 2 1 Apontam-se as percepções dos entrevistados acerca das suas vivências em situação de sem-abrigo sob o estigma social dominante acerca das pessoas sem-abrigo. 7 4 1 4 2 87 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 9 PROCESSO DE SAÍDA DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO SUB CATEGORIAS 9.1. Avaliação do apoio institucional durante a situação de semabrigo UNIDADES DE REGISTO 9.1.1. Empatia e esforço percepcionados no profissional responsável pela gestão do caso 9.1.2. Comparação entre os serviços de apoio de diferentes instituições 9.1.3. Sentimento de falta de empenho e esforço das instituições de apoio 11 1 6 9.1.4. Importância de supervisionar os apoios prestados 4 9.1.5. Efeitos da sobreposição dos serviços 1 9.1.6. Desadequação e insuficiências das respostas prestadas pelo sistema institucional 9.2. Motivação intrínseca para a saída da situação de sem-abrigo Frequência das Unidades de Registo 9.2.1. A auto-estima e o sentido de dignidade como factores de resistência psicológica para a saída da situação de sem-abrigo 9.2.2 Experiências em contexto institucional geram motivação para a saída da situação 9.2.4. Diligências realizadas para sair da situação de sem-abrigo Agrega as apreciações realizadas pelos entrevistados sobre o desempenho e empenho das instituições no apoio à sua situação em particular e na problemática em geral, apontando críticas à estrutura do sistema institucional que na sua perspectiva se encontra desadequado e é ineficaz. 8 8 Agrupa as percepções dos entrevistados quanto à sua motivação no investimento para o processo de saída da situação de sem-abrigo. Verifica-se uma auto-responsabilização pela gestão da motivação, considerando-se como principais atores nessa transição. 1 1 88 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 9 PROCESSO DE SAÍDA DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO SUB CATEGORIAS 9.3. Atribuição da responsabilidade no apoio para a saída da situação de sem-abrigo (cont.) 9.4. Dificuldades de acesso à habitação e emprego UNIDADES DE REGISTO 9.3.1. Necessidade de apoio familiar para uma saída eficaz da situação de sem-abrigo 9.3.2. Influência do poder político e civil para a facilitação do processo 9.3.3. Propostas para os problemas da pobreza e exclusão social 9.4.1. Rendimento insuficiente para uma habitação autónoma 9.4.2. O acesso a emprego depende das redes de sociabilidade 9.4.3. Discriminação no acesso à habitação 9.4.4. Discriminação no acesso ao emprego Frequência das Unidades de Registo 3 7 Abrange as figuras a quem os entrevistados atribuem um papel de responsabilidade e apoio para o sucesso na saída da situação de sem-abrigo, tais como figuras familiares, profissionais de instituições sociais e o Governo português. 3 1 2 São enumerados os constrangimentos que os entrevistados vivenciam no acesso à habitação e a emprego para uma efectiva saída da situação de semabrigo, tais como rendimentos insuficientes e vivências de discriminação, quer pela própria situação de sem-abrigo, quer pela idade para trabalhar. 1 1 89 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 9 SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO 9.5.1. Reconstrução da identidade pessoal PROCESSO DE SAÍDA DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO 9.5. Mudanças percepcionadas na saída da situação de semabrigo 9.5.2. Reconfiguração das relações familiares 9.5.3. Sentimento de pertença como pilar da saída eficaz da situação de sem-abrigo 9.5.4. Papel primordial das próprias experiências no apoio a novas saídas da situação de sem-abrigo Frequência das Unidades de Registo 2 1 1 Aborda as alterações em diferentes aspectos relacionais que se proporcionam com a saída da situação de sem-abrigo: a percepção de mudanças internas ao nível do Self, mudanças na relação com outras pessoas em situação de sem-abrigo, com familiares e nas vivências do quotidiano. 4 90 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 10 CONSTRUÇÕES DA IDENTIDADE SUB CATEGORIAS 10.1 Imagens dominantes do Self ao longo da trajectória de vida 10.2. Autorepresentações actuais UNIDADES DE REGISTO 10.1.1. Auto-imagens negativas 10.1.2. Percepção de uma auto-imagem positiva 10.2.1. Auto-representações positivas 10.2.2. Ambivalência nas autopercepções Frequência das Unidades de Registo 6 Agrupam-se as imagens pessoais que os entrevistados desenvolveram durante a sua infância e adolescência. 3 9 Abrange as auto-imagens actuais dos entrevistados, tendo em conta as vivências ao longo da vida. 7 91 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 11 SAÚDE, DOENÇA MENTAL E DEPENDÊNCIAS SUB CATEGORIAS 11.1 Vivências de perturbação mental ao longo da trajectória de vida 11.2. Vivências de perturbação mental em situação de semabrigo UNIDADES DE REGISTO 11.1.1. Desenvolvimento de perturbação depressiva em momentos críticos 11.2.1. Apoio de medicação psiquiátrica em situação de sem-abrigo 11.2.2. Pensamentos suicidas/tentativas de suicídio em situação de semabrigo Frequência das Unidades de Registo 2 3 Abrange as experiências dos entrevistados relacionadas com perturbações mentais ao longo da sua trajectória de vida, nomeadamente episódios depressivos em momentos críticos. Abarca as situações mentais diagnosticadas e apoiadas com medicação psiquiátrica, além da manifestação de pensamentos suicidas. 3 92 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 11 SAÚDE, DOENÇA MENTAL E DEPENDÊNCIAS SUB CATEGORIAS 11.3 Abuso e dependências de substâncias psicoactivas: drogas e álcool (cont.) 11.4. Percurso criminal UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo 11.3.1. Antecedentes familiares de dependências 5 11.3.2. Percurso de abuso/dependência de substâncias 7 11.3.3. Dinâmicas relacionais desfavoráveis durante os períodos de dependência 3 11.3.4. Adições durante a situação de sem-abrigo 2 11.3.5. Tratamentos a dependências em situação de sem-abrigo 5 11.4.1. Situações conducentes à entrada na prisão 3 11.4.2. Tráfico de substâncias psicoactivas como forma de sustento 1 Reúne as experiência dos entrevistados relacionadas com abuso e dependência de drogas e álcool ao longo da sua trajectória de vida e durante a situação de sem-abrigo, tendo igualmente em conta as dinâmicas relacionais e os períodos de tratamento de dependências. Junta os períodos que os entrevistados descrevem de realização de comportamentos criminosos que os conduziram ao cumprimento de penas de prisão efectiva. 93 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CATEGORIA 12 CONTEXTOS DE VIVÊNCIAS PARENTAIS SUB CATEGORIAS 12.1 Sentimento de competência parental UNIDADES DE REGISTO 12.1.1. Filhos como organizadores da vida da mãe 3 12.1.2. Auto-imagem de pai como sustento da família 1 12.1.3. A maternidade como fonte de sentido para a vida 1 12.1.4. Vivência de gravidez em situação de sem tecto 1 12.2.1. Mães e filhos institucionalizados mas separados 12.2. Vivências de afastamento/ separação dos filhos Frequência das Unidades de Registo Reporta-se às avaliações que as entrevistadas possuem do seu desempenho como pais, descrevendo-se como esforçadas, preocupadas e dedicadas. 1 12.2.2. Necessidade de reestabelecer papel de mãe 2 12.2.3. A perda dos filhos como fonte de desalento 9 Agrupa as situações de separação dos filhos por ordem judicial ou do sistema de protecção de crianças e jovens, revelando-se a separação familiar como a maior fonte de sofrimento. 94 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) SÍNTESE DA ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO Destacam-se as experiências marcantes na Infância e Adolescência pela prevalência de experiências traumáticas de infância e adolescência e respetivas repercussões na trajetória de vida, nomeadamente sofrer/assistir a violência doméstica na família, abusos sexuais, situações de privação e mudanças nos sistemas nucleares de proteção. Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise: E14 –“O meu pai era alcoólico também, e gastava o dinheiro todo… Pagava o que devia, gastava o dinheiro todo e era pouco pa[ra] casa. Derivado a isso era porrada todos os dia… Não faltava… Fome, porradinha não faltava… Porque ele era alcoólico, qualquer coisa, era sempre…”(…)Cheguei a fugir de casa porque ele batia muito… Batia a mim, batia à minha madrasta. Já quando era a minha, a minha falecida mãe, era igual.” E12 – “Eu acho que a minha vida deu uma grande cambalhota a partir dos 12 anos, uh… porque aos 12 anos fui violada…(...) E fui… quando eu fui violada aos 12 anos, uh… foi por um senhor, um lavrador, já tinha quase 60 anos na altura… Depois daí, a minha vida foi dando aquelas cambalhotas. Andei em psicólogos, o meu pai [es]teve preso… Uh… esse indivíduo também [es]teve preso 7 anos, e prontos. E02 - “Os meus pais eram… eram, como é que eu hei-de dizer, ele era, era empregado da Câmara de Gaia, Nas águas, e a minha mãe era… era doméstica. Lá andamos, um dia ela morre, e eu fui para um colégio, porque ele não me podia aturar que eu nessa altura era fresco. Fui para o colégio, passado um ano morreu ele, do colégio fui para o meu tio.” A nível relacional os pais e avós são identificados como as figuras significativas com maior influência nas perceções dos participantes sobre a sua trajetória de vida, quer como figuras de afeto quer como figuras perturbadoras e conflituosas. Os profissionais das instituições de apoio, durante o processo da situação de sem-abrigo, assumem um papel de relevo, não apenas como figuras de autoridade e poder de decisão sobre as suas próprias vidas, como de suporte psicológico e afetivo. Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise: E5 - Os meus pais, porque sempre foram o meu par, sempre me ajudaram em tudo, me encaminharam sempre para o bom caminho, sem pensaram na minha profissão, sempre me encaminharam e o meu pai então era uma pessoa muito experiente na área dos negócios, no 95 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) emprego e sempre me acompanharem. Sempre foram as pessoas muito importantes, para mim foram os meus pais.” E01 – “(…)amor, carinho, atenção, coisa que eu nunca tive com a minha mãe… da minha mãe ou do meu pai. Eh… porque o meu pai só foi nosso pai, é só nosso pai de sangue, também já não o vejo há mais de quinze anos, nem… confesso que nem saudades sinto dele.” E01 - “(…)tive dez meses lá no Lar de S. H. e pus M. H. à… Foi uma homenagem que eu dei ao Lar de S. H., pus o nome de M. H.. Depois quando eu fui para o meu plano de autonomia, quando ia para o meu plano de autonomia eh… eu tinha uma relação muito grande com as irmãs, porque aquilo era dirigido por irmãs, eh…”; “Eh… sim, portanto a doutora L. é gestora do meu processo, não é o doutor J., é a doutora L.. E é assim, gosto muito dela, eh… ela tem uma personalidade forte, mas tem de ser mesmo assim. Eh… e desabafo muito com ela, passo muito tempo no gabinete com ela, e é uma pessoa sensível, que tem coração.” Os participantes perspetivam a escola como um espaço de proteção e competência, considerando que a continuidade dos estudos possibilitaria um percurso de vida mais ajustado e com melhores condições de estabilidade. Embora atribuam importância a aprendizagens formais em idade adulta, os participantes manifestam críticas à estrutura formal dos cursos de formação, principalmente pela inadequação às suas necessidades e percurso de vida. A ocupação do tempo com atividades sociais e lúdicas influencia positivamente o bem-estar pessoal. Relativamente às conceções de trabalho, este é apontado como a principal fonte de rendimento e, consequentemente, como a base fundamental de autonomia, independência e bemestar mental, ao promover o sentimento de pertença e utilidade social e laboral. Ao invés as situações de desemprego produzem um impacto negativo que, pela sua persistência, conduzem a uma maior fragilização psicológica e a um aumento da vulnerabilidade social que, por sua vez, é perpetuada pelas situações de exploração laboral e de dificuldades de acesso ao trabalho, sustentadas no estigma social associado às pessoas em situação de sem-abrigo. Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise: E5 – “É importante porque me ocupa o tempo, me distrai, porque me sinto valorizado, porque sou uma pessoa dinâmica, sou dinâmico e isso ajuda-me muito na auto-estima, estar ocupado. E no ramo que eu gosto então.” 96 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) E12 – “O importante é a gente viver a nossa vida e suportarmos a nós, as nossas despesas, sermos independentes de toda gente, uh, e a maior tristeza que a gente pode ter é a gente não conseguir e não termos esse trabalho e a gente ter que ser obrigado a ser dependente de alguém. Isso é… E eu sinto, eu neste momento não estou dependente de nada nem de ninguém, eu estou dependente de mim. Eu se fizer dinheiro ali, como; se eu não fizer dinheiro ali, eu não como, tenho que ir às carrinhas. (…) Eu, se tivesse trabalho, eu não pedia nada a ninguém. Eu também tenho o meu orgulho. Eu se tivesse um emprego, podia ter a certeza que eu ignorava a Segurança Social a cem por cento, porque aquilo é tudo uma mentira, é tudo uma fachada.” E8 – “Nunca tive problemas com patrões… Uh, pronto, uns mais agradáveis, outros menos. Uns mais simpáticos, outros menos mas, por norma, quando chegava ao fim do mês, eles cumpriam e eu também fazia por cumprir. Nunca fui despedido, [o] que é uma coisa boa que eu tive comigo, [que] foi sempre nunca dar oportunidade aos patrões… para me despedir, porque eu, ao dar a oportunidade a um patrão pa[ra] me despedir, estou-me a fragilizar a mim próprio. Uh, [es]tou a demonstrar que não sou um bom operário.” E8 – [Desemprego] “Sinto-me inútil. Uma coisa que não serve para nada. Porque eu sinto que não sirvo para nada, uh…” A obtenção de um trabalho remunerado que possibilite autonomia e independência é o mais destacado, uma vez que se consideram aptos para reingressar no mercado de trabalho. Os participantes consideram que a responsabilidade pessoal e a auto-confiança são os fatores primordiais para a mudança das suas atuais situações, contudo manifestam uma esperança cautelosa quanto à mesma. Quanto a objetivos de vida, a realização profissional surge como o principal objetivo que os participantes desejam alcançar, como sinónimo de autonomia e independência, paralelamente à obtenção de um espaço (casa) seguro. As vivências em situação de sem-abrigo, seja sem teto ou sem casa, são diversificadas, contudo destaca-se o impacto emocional e psicológico dos primeiros momentos e as dificuldades de adaptação a contextos desprotegidos (no caso da rua) e às dinâmicas dos regimes de acolhimento institucional. A fragilidade ou a ausência de relações protetoras dificultam a criação ou reestruturação de redes de suporte estáveis que viabilizem uma saída eficaz da situação de semabrigo. O estigma social é vivenciado diariamente pelos entrevistados refletindo-se na crescente dificuldade de acesso a recursos para a satisfação de necessidades básicas, sendo que revelam processo de resistência psicológica às imagens sociais dominantes num espaço de proteção da identidade. 97 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise: E10 – “(…)que nós tamos a falar dos sem-abrigo, que não têm emprego que… nem querem trabalhar ou, muitas vezes sa… são… que são lhe oferecidas oportunidades e eles recusam, e as pessoas o… que geralmente dizem: “Ah, não querem, deixa-os andar.” Mas é assim, nós p’ra percebermos um semabrigo, temos que ir ao fundo do problema dele, temos que ir ás raízes. Porque, se ele não quer, porquê? no que é que ele deixou de acreditar? Nele próprio, em quê? Qua… qual é que foram os traumas que ele passou? Então, ajudá-lo a resolver, porque não se começa a fazer uma casa pelo telhado. E se queremos ajudar os sem-abrigo nestas casas, seja aonde for, temos que começar pelo princípio. Ouvi-los, tentá-los compreendê-los, e mais importante que isso, tentar que eles se compreendam a eles próprios e se aceitem a eles próprios. E a partir dai, garanto-lhe a si, que o mundo começa a ser melhor. E os sem-abrigo, se calhar, começam a desaparecer, porque começam a ter mais força e a ac… acreditar: “ Pera aí, isto não f… a vida não é… não é só assim.” E se começam a ter mais gosto neles próprios, e quando uma pessoa começa a ter mais auto-estima, necessariamente começa a… a s… a lutar por ele próprio. (…) Pronto, depois e é assim, será… se calhar, as pessoas… os sem-abrigo, hoje em dia, isto… isto no merca… mesmo no mercado laboral são… são tão esta… est…est… estigmatizados, que eles próprios ac… acabam por acreditar ne… que ne… nesses estigmas que as pessoas lhe apontam, e pois acabam por… isto é… quase um… é quase um vi… um ciclo vicioso. E não querem porquê? porque acreditam que não conseguem dar um passo mais á frente, eles tão ali e não saem dali, porque a… as pessoas… eles acreditam, porque muitas pessoas também o fazem acreditar que é mesmo assim, e eu acho que, pa acabar com os sem-abrigo ou pa acabar com a discriminação social, devíamos ouvir…” E8 – “Olhe, uma pessoa entrando numa situação de sem-abrigo é a mesma coisa que ir a um fundo de um poço. JMS - Porque é muito difícil sair. Uma pessoa quando cai a um fundo do poço… Levantar, sabe? Se não tiver alguém capaz de lançar uma corda para ele se agarrar à corda e subir para cima, morre no poço. E o sem-abrigo se não tiverem… Se não tiver um alguém capaz… Uh, também de… Oh pá, de o segurar, fazer tirar de uma situação coisa, pá. À medida que os anos vão passando, o semabrigo envelhece muito mais rápido, muito mais! Depois envereda por… para… Uh, para… Como é que hei-de dizer? Para se andar com a cabeça… Oh pá, à roda, para se andar em desequilíbrio. Não é preciso muito. Ir, basta ir ao Pingo Doce… Um alcoólico… Uma pessoa começa a beber uns copos e, enfim, por 0,80€ compra um pacote de vinho e pronto, fica com a cabeça perturbada, uh, para esquecer certos e determinados problemas e anda… E anda sistematicamente… Sistematicamente diariamente - dia após dia, mês após mês, ano após ano, e anda nisto. Se não tiver um alguém capaz de dizer assim: “Vamos levantar esta pessoa”, é complicado… É muito complicado.” A construção de relações de confiança com os profissionais das instituições de apoio tem uma influência positiva na motivação das pessoas em situação de sem-abrigo para a vivência de processos de mudança. Contudo, os entrevistados reconhecem a insuficiência e inadequação das respostas existentes mas também criticam a ausência de esforço e empenho para a inovação e avaliação eficaz das mesmas. Apontam portanto os decisores políticos e a sociedade civil como coresponsáveis na facilitação do processo de saída da situação de sem-abrigo, considerando que este começa em si mesmos através da auto-confiança e motivação. 98 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Exemplos de Unidades de Contexto que fundamentam esta análise: E10 – “Olhe, uh é assim, sem querer julgar ou criticar, eu penso que as instituições ou... ou, pronto as entidades que acolhem sem-abrigos e tudo o mais, sim senhores fazem bom trabalho e tudo o mais, mas em todas elas falta-lhe algo essencial, que é aquilo que eu já disse: é... é para com... porque háde reparar, mesmo aqui em C. isso passa-se, e não há ninguém que não possa... que possa dizer o contrário é que, a nível de sem-abrigo, os que vêm p'ra aqui já tiveram no F., do Farol vão pa C. A. e da C. A. vêm p'ra aqui, é um ciclo vicioso. Ou seja, nas... nas instituições haveria de haver organismos - se calhar não é culpa das instituições, mas... mas sim do próprio... pronto, do próprio sistema, que é mesmo assim - havia de haver um tempo disponibilizado p'ra... pa... pa cada utente, p'ra trabalhar o utente, prepará-lo p'ra uma reinserção. E prepará-lo p'ra uma reinserção, não... não é só arranjar-lhe trabalho. Isso não lhe vale de nada quando a pessoa em si, não está resolvida emocionalmente, ou se... os seus traumas, ou seus problemas continuam e persistem. Não basta meter aqui uma pessoa, tar aqui 6 meses, arranjar trabalho e "Vai lá... vai lá á tua vida." Isso não é ajudá-lo, porque ele vai acabar, mais cedo ou mais tarde, ir parar ao mesmo sistema. Ou seja, o que falta nestas casas - não tou a falar desta, tou a falar em todas - é ir ao fundo do problema com cada um.” E11 - “(…)acho que as assistentes sociais se calhar deviam ir mais vezes para o terreno, porque muita gente tenta também em desespero… porque lá está, se as pessoas não tem regras, não tem horários, não tem nada, a assistente social diz para ir lá a uma consulta às duas da tarde e vão para lá e estão lá uma tarde inteira à espera para ser atendidas, as pessoas não voltam mais. Porquê? A maior parte dessas pessoas que já são sem-abrigo, já nem rendimentos têm nem nada, dizem assim: “Vou para lá fazer o quê?”. As pessoas já vão a primeira vez com uma esperança, se falas a essas pessoas para se sentar uma tarde inteira, muitas vezes para uma consulta que, se calhar até quem a vai atender não vai saber falar com a pessoa, não vai entender o que a pessoa vai transmitir, muitas vezes desmotiva o próprio sem-abrigo a lá voltar. Porque o sem-abrigo é sem abrigo, o sem-abrigo tem uma coisa, ele não tem nada a perder.(…)” A predominância de imagens pessoais negativas construídas ao longo da infância e adolescência dão lugar a processos de sobrevivência identitária em situações de grande vulnerabilidade, através de imagens positivas ou ambivalentes. O recurso a apoio psiquiátrico durante a situação de sem -abrigo é destacado por alguns participantes, assim como um percurso de abuso e dependência de substâncias psicoativas (antes e durante a situação de sem-abrigo). As mães em situação de sem-abrigo identificam os filhos como os principais elementos estruturantes das suas vidas, vivenciando a sua perda e/ou separação com grande sofrimento emocional. 99 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) CONCLUSÕES GERAIS A análise efetuada dos resultados dos estudos quantitativo e qualitativo permitem concluir que efetivamente, o trabalho constitui, para as pessoas em situação de sem-abrigo, o principal fator promotor de bem-estar pessoal e social, enquanto gerador de sentimentos de utilidade. Constitui-se também como promotor da auto-estima, sendo a principal ferramenta de autonomia e independência. Por outro lado, a vulnerabilidade decorrente da situação de sem-abrigo potencia situações de abuso e de exploração no trabalho que, ocorrendo frequentemente de forma ilegal, colocam a pessoa numa posição ainda mais desprotegida. As experiências marcantes ao longo da trajetória de vida (especialmente na infância e adolescência) produzem efeitos potencialmente devastadores, por vezes mais do que a própria situação de sem-abrigo, verificando-se a cristalização de diferentes formas de resistência psicológica como forma de sobrevivência (incluindo a proteção da identidade). Situações de privação na infância e juventude decorrentes de um histórico de pobreza na família, quando associadas a dificuldades múltiplas ao longo da vida, potenciam situações de vulnerabilidade socioeconómica no futuro (ciclo vicioso que condiciona a capacidade de acesso ao mercado de bens e serviços e aos sistemas geradores de rendimento). As relações com familiares (especialmente com pais e filhos) produzem uma forte influência na capacidade de avaliação do percurso de vida, nas referências identitárias e na definição de objetivos de vida. Os profissionais das instituições de apoio adquirem um papel decisivo: protetor, afetivo e de grande responsabilidade na construção da mudança, tornando-se nas principais figuras relacionais estáveis. A capacidade de resposta em intervir em períodos de transição (momentos marcantes de dificuldades) pode ditar a diferença na prevenção da entrada em situação de sem-abrigo e, também, na saída. Além do apoio na resolução da situação de privação, é apontada como fundamental a necessidade de reconhecimento humano e de valorização da pessoa em situação de sem-abrigo, como fonte de perseverança e de esperança na mudança. Na qualidade de cidadãos, as pessoas nesta situação demonstram grande capacidade de reflexão e avaliação sobre os efeitos da atual situação social, económica, política e cultural do contexto local onde vivem e do país. A prevalência de uma imagem negativa sobre as pessoas em situação de sem-abrigo reforça o estigma e alimenta uma cultura de exclusão, produtora de mecanismos concretos de bloqueio à integração destas pessoas. 100 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) LIMITAÇÕES DO ESTUDO À natureza exploratória deste estudo que procurou seguir uma perspetiva holística e compreensiva da problemática de sem-abrigo, associam-se diversas limitações inerentes à metodologia utilizada em ambos os estudos que, por sua vez, dificultam a generalização dos resultados à população sem-abrigo no geral. Desta forma, destaca-se que no estudo quantitativo, o questionário aplicado era extenso, demorando, em média, 45 minutos a preencher, além da necessidade de apoio no seu preenchimento devido a questões de difícil compreensão. Verificou-se uma amostragem reduzida de mulheres e de pessoas em situação de sem-teto, pelo que esta amostra não é representativa da população em estudo. No que respeita ao estudo qualitativo, houve necessidade de repartir as entrevistas em fases de realização, o que conduz a momentos diferenciados e, consequentemente, estados de humor que possam ter influenciado a colaboração nas entrevistas. Uma vez que é um estudo exploratório não se especificaram múltiplas dimensões que caracterizam estas situações extremas e assim analisar um nível mais fino das relações entre as mesmas. O número de entrevistas realizadas é reduzido, pelo que seria importante efetuar mais entrevistas com o objetivo de aprofundar a análise de conteúdo. Por fim, a maioria das entrevistas foram realizadas em contexto institucional o que poderá resultar num fator condicionante na colaboração autêntica dos entrevistados. 101 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) RECOMENDAÇÕES Com base na análise e discussão dos resultados do estudo, considera-se que as recomendações emergentes devem contemplar transversalmente diferentes níveis sistémicos que agem na e para a problemática da situação de sem-abrigo. Portanto a nível macro-sistémico, verifica-se uma dupla necessidade de maior investimento dos poderes políticos em políticas de prevenção das situações de pobreza e uma urgência de desenvolvimento de políticas integradas (habitação, solidariedade social, emprego, economia) de combate à exclusão social e, em particular, à situação de sem-abrigo. Para tal, é imprescindível o envolvimento contínuo de decisores e atores políticos, sociais e civis na problemática através de ações concertadas entre os núcleos de investigação, política, sociedade e comunidade. Paralelamente, torna-se indispensável uma revisão transversal dos modelos e estratégias de intervenção social desde a prevenção ao acolhimento e reinserção comunitária: social, habitacional, laboral e relacional e que se deve efetuar através da abertura e facilitação das instituições de apoio, públicas e privadas, no acesso aos recursos da comunidade local, possibilitando a sua ação nos processos de inclusão social. Já ao nível meso-sistémico importa aprofundar a articulação e cooperação interinstitucional no sentido de adequar as respostas sociais existentes às necessidades de diferentes tipologias de situação, passando por uma maior flexibilidade no funcionamento das instituições para uma melhor resposta às especificidades de cada situação, sobretudo em momentos de transição. A comunidade local surge como um recurso deveras essencial na promoção da inclusão social, investindo-se em campanhas de sensibilização e consciencialização para a desconstrução simbólica da problemática, principalmente do estigma social associado às pessoas em situação de sem-abrigo. Numa vertente mais direcionada aos interventores nesta problemática, incentiva-se o desenvolvimento de programas específicos, nomeadamente: • Programas (individuais e em grupo) de apoio psicológico para a capacitação pessoal e profissional: O acompanhamento e aconselhamento psicológico imediato torna-se imperativo para minimizar o impacto psicológico e emocional de uma situação tão fracturante como é a situação de sem-abrigo. Neste programa estariam estipuladas diferentes vertentes de capacitação: pessoal, relacional, social, profissional e comunitária com o objectivo de promover uma autonomia mais sustentada e articulada com uma rede de suporte. • Programas ocupacionais comunitários de cariz cultural, artístico e de participação cidadã ativa, que promovam a ocupação profícua do tempo e o estabelecimento de relações: 102 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) Assumindo as pessoas em situação de sem-abrigo como agentes ativos nestas atividades (tendo como referência o Grupo Uma Vida como a Arte do Porto), estes programas visariam a criação de iniciativas de diferente ordem (cultural, artística, comunitária e de cidadania) com o mínimo de intervenção institucional, reservando a esta unicamente o papel de apoio. • Programas de informação sobre as estruturas de apoio social a pessoas em situação de semabrigo: Ao longo do estudo observou-se que, nas primeiras noites em situação de sem-teto ou semcasa, as pessoas não têm conhecimento da rede social e institucional de apoio, pelo que uma informação sucinta e específica poderá ajudar nesse sentido (e.g. desdobrável/brochura). • Programas de informação junto da comunidade e rede de empregadores, transformando-os em elementos facilitadores de processos de mudança: Visando a desconstrução de ideias socialmente construídas e enraizadas sobre as pessoas em situação de sem-abrigo e assumindo-as como pessoas com competências profissionais e sociais, estes programas seriam executados pontualmente em contexto comunitário e empresarial. • Programa de mediação social e comunitária, destinado a pessoas em situação de semabrigo: Aproveitando o capital humano que as experiências em situação de sem-abrigo possibilitam, este programa visaria a dotação de competências de mediação entre as instituições sociais e as pessoas que se encontram nesta situação, promovendo uma maior integração social, facilitação dos apoios e criação de emprego no mercado de trabalho social. • Programas de supervisão e apoio a profissionais com vista a orientar e aprofundar as relações dos próprios e de outros atores com pessoas em situação de sem-abrigo: A formação e supervisão contínua das ações dos profissionais nesta problemática possibilitariam uma adequação e apoio em tempo útil das respostas existentes promovendo-se uma comunicação melhorada e participada na análise conjunta das dificuldades, constrangimentos e soluções para a diversidade de situações. Por fim, sugere-se o desenvolvimento de estudos mais específicos e em contextos diferenciados que possibilitem a análise das vivências das mulheres e de pessoas em situação de sem-teto, como também de possíveis diferenças entre as zonas rurais e urbanas e entre as cidades do litoral e interior do país. 103 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Albuquerque, L., Bomba, T., Marias, I., Rodriques, C. & Matos, G. (2002). Distribuição de rendimentos e condições de vida. In Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento – Ministério do Trabalho e da Segurança Social. (2002). Portugal 1995-2000. Perspectivas da Evolução Social, (pp. 67-85). Oeiras: Celta Editora. Ali, S. (2013). Poverty, Social Class, and Working. In Blustein, D. (Ed.), The Oxford Handbook of the Psychology of Working (pp. 3-18). New York, NY: Oxford University Press. Anderson, I. (2003). 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