A PALESTRA Distintos convidados para o Segundo Fórum Internacional sobre Migração e Paz, colegas de trabalho, senhoras e senhores, bom dia! Tenho o grande prazer e a dupla honra de estar aqui em Bogotá, Colômbia, representando o Brasil e a educação, em um evento de caráter internacional que tem como tema de reflexão uma das mais importantes questões para a sociedade humana: Migração, convivência pacífica e independência: rumo a novas perspectivas de cidadania e democracia. Por isso felicito os organizadores e os patrocinadores pela viabilização deste evento. O primeiro Fórum sobre Migração e Paz, que ocorreu em 2009 na Guatemala, propôs a reflexão sobre as migrações, com a pergunta: Fronteiras - muros ou pontes? Considero que este segundo fórum constitui um tijolo a mais no processo de construção de pontes de paz. Na condição de educadora e integrante do grupo de trabalho, Atores estratégicos na promoção da coexistência pacífica no campo das migrações internacionais - Educação, Arte e Comunicação, tenho a responsabilidade de contribuir não só com os trabalhos do dia, mas também com os do evento e, acima de tudo, com a sociedade humana que está necessitada de ações efetivas que promovam um ambiente de convivência pacífica entre os povos. Em função do tempo disponível neste painel, minha exposição se fará com base em três aspectos, em minhas práticas e em meu compromisso social, esperando fazer com que a educação seja pensada como um processo de construção de pontes e não de muros entre fronteiras humanas e seus respectivos contextos. A interdependência dos processos educacionais e migratórios, obrigatoriamente envolve comunicação e arte, que serão desenvolvidos pelos meus colegas de painel. Primeiro aspecto: Migração - interculturas Por muitas razões, as migrações sempre fizeram parte dos processos sociais humanos. Uma dessas razões são as profundas desigualdades entre os níveis de desenvolvimento dos países, provocando o fluxo de seres humanos das áreas deprimidas para aquelas onde as condições de vida são melhores. A globalização em quase todas as áreas – economia, comunicação etc. - intensificou esse processo, aproximando as culturas em ritmo acelerado. Por consequência, não cabe mais definir uma população educacional como escolar em função da população do ambiente virtual de aprendizagem – cada vez mais heterogênea. Por isso a necessidade de se construírem pontes para se ultrapassarem esses obstáculos. Mas, para se construírem pontes, é indispensável a constância das margens de um lado e de outro. Comunidade migrante de um lado e comunidade de acolhimento do outro, cada uma com sua particularidade própria na riqueza da diferença. No âmbito do trânsito de pessoas em busca de melhores condições de vida, construir pontes, com a constância das margens, significa dizer que é importante o ser humano compreender o sentido de conhecer e respeitar as características culturais dos diferentes grupos sociais, os que acolhem e os que chegam ao território “estrangeiro”. As migrações levaram e continuam levando aspectos positivos para a área da educação. O mais evidente é a riqueza da multiplicidade cultural. O Brasil é o único país da América Latina cujo idioma oficial é o português. Um país de grandes diferenças regionais e intrarregionais. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a predominância é das culturas italiana, alemã e polonesa. Ilustro com alguns fatos da minha vivência: 1. Meu avô materno, filho de imigrantes italianos, foi preso por falar o idioma italiano em um bar. 2. Meus pais falaram sempre o idioma português com os filhos – somos nove irmãos – mas, entre os dois, falavam o italiano. Para não aumentar as profundas divisões sociais, a segregação cultural e os conflitos entre etnias, a sociedade humana precisa vencer alguns desafios, transformá-los em propostas a todos que estão decididos a fazer algo de concreto para um mundo de paz entre fronteiras: 1. criar políticas públicas que garantam o respeito à cultura, à língua, ao idioma do povo nativo e do povo migrante; 2. discernir valores culturais particulares entre as diferenças oriundas das condições socioeconômicas ou de relações de poder, o que quer dizer que valorizar a diferença não significa justificar a desigualdade econômica, tampouco práticas políticas que opõem, como diferentes, dominantes e dominados; 3. criar mecanismos para que os sistemas de ensino possam proporcionar um ensino equitativo e de elevada qualidade a TODOS. Se as migrações se dão pela desigualdade entre os níveis de desenvolvimento dos países e o fluxo é das áreas deprimidas para aquelas onde as condições de vida são melhores (muros), a educação não é a solução do problema, mas uma ponte importante, porque ela é fundamental para a integração e a promoção da empregabilidade. Segundo aspecto: Migração e Educação - muros ou pontes? As migrações, em sua essência, têm o propósito inicial da vida, mas, nas sociedades contemporâneas, é o de sobrevivência em outros nichos, como o econômico, o cultural, o de gênero, e outros. Portanto, as migrações promovem desenvolvimento que, por sua vez, cria tanto pontes quanto muros. Um dos muros é o imediatismo. Pelo imediatismo, o ser humano acabou exagerando na exploração do seu semelhante e do meio ambiente, eliminando o sentido do “cuidado” e do “respeito”. Com o tempo passou-se a perceber a necessidade de controlar a ação humana. Para isso foram criadas normas de convivência pacífica e de sustentabilidade do planeta e das sociedades humanas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos; as constituições de cada país; os estatutos para proteger crianças, adolescentes e idosos, os códigos que defendem o meio ambiente, e outros tantos mais. Nesse contexto, a educação tem um papel fundamental como ponte, não uma estrutura estática, mas uma estrutura viva, que possibilita uma travessia sem choques para a outra margem que leva a outros caminhos. Ela mostra a estrada, ensina a caminhar na vida. Os compromissos da educação formal, escolas e cyberespaços (Ambientes Virtuais de Aprendizagem) são vários e de grandes proporções. Deve-se pensar em práticas que atendam ao contexto atual, para uma sociedade humana globalizada economicamente, planetarizada pelas redes sociais de comunicação, multicultural, de dupla cidadania (de sua nacionalidade e do mundo). Os espaços de educação formal precisam perceber que o aluno das últimas décadas pertence à geração da imagem e dos botões, que viaja através deles e que, com isso, faz contatos com outras realidades. Os dois maiores desafios da sociedade humana do século XXI são as exclusões e a sustentabilidade ambiental. Por isso a educação formal precisa acrescentar ao seu currículo o desenvolvimento de atitudes sociais e ambientais de solidariedade e de respeito, como ponte importante para o diálogo entre as diversas culturas. As migrações fazem do Brasil um país plural, com diferenças regionais e intra-regionais, por isso a política educacional deve considerar essas diferenças para ter sucesso. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira possui entre suas características a flexibilidade para construção do Plano Político Pedagógico de cada sistema de ensino, de cada escola. No documento Parâmetros Curriculares Nacionais, entre os temas transversais está a pluralidade cultural. Subsídios pedagógicos foram publicados pelo Ministério da Educação em parceria com a UNESCO, como a Coleção Educação para Todos. Terceiro aspecto – Algumas experiências pessoais e contribuições As migrações promovem a convivência de diferentes culturas no mesmo espaço geográfico, e a história mostra que as oportunidades de se obterem credenciais acadêmicas para acesso ao mercado de trabalho são menores para os alunos oriundos de baixos extratos socioeconômicos e de minorias étnicas. São muros resistentes que, mesmo com os avanços consideráveis na área da educação, não se consegue derrubá-los. Por isso minha proposta, enquanto educadora, é de uma escola que contribua para o desenvolvimento de atitudes de respeito com o próximo e com o meio ambiente. Durante esses vinte e três anos de atuação na área da educação, tenho percebido as deficiências dessa área no Brasil. Na condição de aspirante à pesquisadora, acompanho a evolução dos processos educacionais em nível global. Apresentarei alguns trabalhos da minha atuação como professora de sala de aula, como gestora de escola, como coordenadora pedagógica e, hoje, como fundadora e diretora da Escola Brancca Maria, instituição que tem por base parcerias para cursos na modalidade a distância pelos argumentos que apresentarei a seguir. Fiz propostas de ações que testei e deram certo. As práticas pedagógicas devem ter argumentos por parte dos profissionais. Isso pressupõe formação inicial de qualidade bem como atualização permanente e voluntária, porque a função da educação formal e de seus atores muda com o tempo, com o contexto e com a história. As propostas de inserção das novas tecnologias na educação e a qualidade no processo educacional têm como propósitos a democratização do acesso à educação, o sucesso nos processos educativos das pessoas excluídas por qualquer fator e a diminuição da mais nova exclusão social, a exclusão digital. Na Educação Básica, é fundamental trabalhar as cinco dimensões do ser humano: cognitiva, emocional, comportamental, comunicativa e transcendente. Em todos os cenários, temos: o ambiente e os atores. Pois se os atores, humanos que são, fossem trabalhados nas suas cinco dimensões, no ambiente escolar, os resultados seriam bem mais positivos do que aqueles que os dados estatísticos apresentam. O clima escolar não seria de violência, não assistiríamos notícias como as de verdadeiras guerras nas escolas. Teóricos dizem que em educação não existem receitas. Discordo, porque deixo registrada aqui, hoje, uma receita para se trabalharem as cinco dimensões do ser humano na educação formal: a metodologia por projetos. Cito alguns dos muitos que desenvolvi. 1. Arte e Cidadania Meu grande mestre, pedagogo, Paulo Freire, me ensinou que, para a educação ter sentido e função, é preciso saber juntar a rigorosidade cientifica à belezura da poesia. A arte, além dos critérios estéticos, amplia a linguagem. Por si só, ela é uma linguagem universal de comunicação, favorece um ambiente educacional socioafetivo. Alguns dos resultados: a) Galeria: Um local onde hoje estão expostas cópias das obras de Monet, Van Gog, Dali, Portinari e outros famosos, bem como obras originais dos alunos, tão famosos quanto, segundo eles. b) Antologia de Poesias, com lançamento e sessão de autógrafos. c) E-books, disponíveis na biblioteca do site www.branccamaria.com.br d) Teatros: diversos, com toda a equipe definida, desde diretor até figurinista, maquiador etc. 2. Cidadão Hoje e Sempre Com base no estatuto da criança e do adolescente, o tema girou em torno de direitos e deveres nas leis, no papel, e direitos e deveres efetivados por políticas públicas adequadas. Um dos resultados positivos foi o início do processo de construção das normas de convivência, na forma de “pactos”, no início de cada ano letivo, com participação de toda a comunidade escolar. Infringir regras significa infringir a regra construída pelo infrator, portanto, com as ações corretivas definidas por ele. 3. Natureza e Paz A necessidade urgente de se construir uma geração de paz, de solidariedade, a fim de se garantir a sustentabilidade do planeta. O referencial teórico central foi a Agenda 21, que propõe ações locais para resultados globais, além de chamar, à responsabilidade, todos e cada um para o meio ambiente e para as grandes exclusões, especialmente a fome e a pobreza. Os próximos, eu apenas citarei os títulos, sem argumentos. Esses ficarão por conta da imaginação de cada um de vocês: 4. Minha escola, minha cara 5. Qualidade de vida 6. Sala de aula viva 7. Rede social de comunicação 8. Interculturas 9. Clube da Árvore 10. Simulações Percebo que um dos fatores para efetivar praticas pedagógicas contextualizadas e, por isso, com significado é os profissionais da educação terem um olhar diferente para a sociedade, para a educação, para os alunos, para o ser humano, com o grande desejo de uma sociedade de paz com atores sensíveis, fraternos, solidários, justos. Minha atuação no ensino superior tem como argumentos: 1. A taxa de analfabetismo no Brasil que, se considerado o conceito de “analfabeto funcional”, chega a 33% de uma população de cerca de 193 milhões de pessoas. 2. As exclusões: condição econômica desfavorável, culturas inferiorizadas, pessoas com necessidades especiais, exclusão digital. 3. As redes sociais de comunicação e a geração virtual que mudaram os cenários e as funções da educação formal e de seus atores. Uma vez que a previsão é para que, daqui cerca de 10 anos, todo o conhecimento humano esteja disponibilizado em versão digital, não existe mais espaço para práticas pedagógicas arcaicas. Esta é a geração do Leitor Digital, Livro Digital, TV Digital, YouTube, FaceBook, Blog, Orkut, Webconferência, Biblioteca Virtual, Google Docs, Twitter, MSN, Torpedo. Com esse cenário, fundei e dirijo a ESCOLA BRANCCA MARIA Com a clareza de que, para uma sociedade, solidária, justa, de paz, é necessária a formação do ser humano, é fundamental que esta se concretize a partir da infância. A importância maior da educação está em formar, com os cursos de licenciatura, aqueles que, por sua vez, formarão agentes sociais. Participo de um projeto Anti-bullying, nas escolas públicas do Rio Grande do Sul, onde provoquei um projeto inter, multi e tansdisciplinar em uma escola, com alunos do sexto ano do ensino fundamental, com o tema gerador: a Biodiversidade. A provocação é culminar o projeto com a publicação de um documento/portfólio apresentado à comunidade, com dia festivo, de teatros, música, poemas. Seria o máximo da rigorosidade científica com a belezura da poesia. Esse projeto tem, entre as atividades, a construção e uso dos diversos espaços visuais e o uso de todos os recursos tecnológicos possíveis e disponíveis. Finalizo dizendo que, para superar conflitos como as exclusões e a violência, precisamos de pontes. Esse fórum não é mais um tijolo nessa construção, mas sim muitos tijolos. E a educação é a argamassa que junta os tijolos na construção dessas pontes. Reafirmo que as bases da argamassa são as várias teorias educacionais, com destaque para as teorias do meu mestre, Paulo Freire, com sua práxis de provocar reflexões importantes, entre elas, a de uma educação construída em função das novas formas de consciência humana: multi e interculturalismo que pressupõe solidariedade, cooperação e união. “Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo.” (Paulo Freire, 1996, p. 15 Pedagogia da Autonomia) As imagens são para refletirmos sobre a mola propulsora das grandes migrações: a POBREZA. A solução para evitar que as pessoas deixem sua pátria em busca de melhores condições de vida é a DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, e a educação é fundamental nesse processo de construção de novos caminhos de cidadania propostos por este fórum, como também a contribuição da Escola Brancca Maria que, com suas ações, participa da democratização da educação e da cidadania democrática. Em palavras de un haitiano que conheci em São Paulo vindo para Colombia, e que está preparandose para ser misionario scalabriniano: Todo migrante busca algo mais, busca a felicidade. Todos nós buscamos a felicidade, e necesitamos que ela seja realidade. Por isso, quero recordar nesta mesa algumas palabras do Diretor Executivo da Scalabrini Internacional Migration Network, Padre Leonir Chiarello, durante a abertura do primeiro forum em 2009, citando letra de música popular brasileira, de um compatriota falecido, Raul Seixas: “Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade.” Por tanto, finalizo dizendo que se juntamos esforços e ações, as pontes podem ser realidades e os humanos poderão encontrar a felicidade. Muito obrigada pela vossa atenção.