Leia aqui o discurso, na íntegra, de Rui Gomes da Silva: “Senhor Zsolt Németh, M. I. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Hungria, em representação de S. Ex.a. Primeiro Ministro Húngaro, Senhor Viktor Orbán, Senhor Secretário de Estado da Juventude e Desporto, Dr. Emídio Guerreiro, em representação do Governo de Portugal, Senhor Norbert Konkoly, M. I. Embaixador da Hungria em Lisboa, Senhor László Szatmári Juhos, Restantes Convidados, Caros Colegas da Direcção, da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal do SLB, Senhores Jornalistas, Caros Sócios: O Benfica celebra, hoje, os seus 110 anos de vida. Uma celebração que o destino impediu de ser devidamente comemorada. Desde logo, pelo luto - anunciado por um ano - que a morte de Eusébio da Silva Ferreira nos impôs, desde o passado dia 5 de Janeiro. Depois, pelo desaparecimento de Mário Esteves Coluna, no passado dia 25, a quem, neste preciso momento, o Senhor Presidente do SLB, os jogadores Campeões Europeus que o acompanharam e alguns nossos colegas da Direcção, prestam a última homenagem, em Moçambique, Dai a ausência, neste acto, do Presidente Luis Filipe Vieira, a quem se deve atribuir a responsabilidade máxima por esta homenagem a Béla Guttmann, treinador Bicampeão europeu, em 1960/61 e em 1961/62. Na verdade, se o luto nos faz lembrar, de forma permanente, a grandeza de quem, dentro de campo, se confundiu, durante anos, com a História do Benfica, não nos pode impedir de recordar que não nos esgotamos nesses anos de ouro, nem deixamos de continuar a ter a ambição que, desde Cosme Damião, faz de nós, desde há muito, o Maior Clube de Portugal e aquele que mais Sócios tem, em todo o Mundo. Esta homenagem a Béla Guttmann, com a inauguração da sua estátua, perpetuando a sua memória com a reprodução da imagem porventura mais conhecida e mais significativa da sua passagem pelo Benfica (exibindo as duas Taças dos Campeões Europeus, que, como Treinador, ganhou), estava agendada, desde há muito, para hoje, com o apoio do Senhor Embaixador Norbert Konkoly, que garantiu a presença, nos termos que antes constatamos, de um representante do Governo Húngaro, hoje confirmada na pessoa do Senhor Zsolt Németh, M. I. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Hungria. Uma homenagem devida há, pelo menos, 30 anos, mas que hoje assumimos com orgulho, e com o sentimento de estarmos a cumprir um desejo comum à esmagadora maioria dos sócios, dos adeptos e dos simpatizantes do SLB. O Senhor Embaixador não me levará a mal se eu aqui confessar que uma velha ideia de todos nós - benfiquistas - começou a ganhar forma com a surpresa de um convite seu, que me foi dirigido, a 19 de Junho, do ano passado, para uma reunião, na Embaixada, onde nos encontramos, os dois, a 26 de Junho. Desse encontro, e da reunião que se seguiu, a 8 de Julho, já no Estádio da Luz, com o Presidente Luis Filipe Vieira e com o Dr. Domingos Soares de Oliveira - a quem aqui deixo uma enorme palavra de agradecimento, extensível a toda a sua equipa de profissionais que, colaborando com ele, servem o SLB - passando pela fixação da imagem escolhida, a 7 de Novembro último, até ao dia de hoje, tudo foi acontecendo como o previsto, incluindo a confidencialidade (mesmo depois de a estátua ter chegado a Portugal, há cerca de mês e meio) exigida a uma homenagem com data marcada e com o empenho do próprio Governo Húngaro. Desde esse primeiro dia, pouco tempo após a 7ª final europeia perdida, depois das duas ganhas com Béla Guttmann, com o entusiasmo e o apoio do Presidente do SLB, contamos com a disponibilidade e o empenho de um grande escultor húngaro - László Szatmári Juhos - para ajudar nessa tarefa, com a coincidência de o seu filho - o Dr. Csongor Juhos - viver, há alguns anos, entre nós, onde, como Docente Universitário, pôde transmitir ao seu Pai, os sentimentos de quem, em Portugal, tem o Benfica como o seu clube do coração! Não se trata, por isso, de exorcizar nada nem ninguém, mas, antes, de homenagear o Treinador que confirmou, no princípio da década de sessenta, a fama europeia de um Benfica glorioso, herdeiro dos vencedores da Taça Latina de 1950. Béla Guttmann foi um homem que percorreu o Mundo, como jogador e como treinador, antecipando, ele próprio, os tempos desta "nossa" globalização, ao cruzar mesmo o Atlântico, para vencer no Brasil, depois de o ter feito na Hungria e na Áustria, e antes de o fazer em Itália e em Portugal. Venceu em todos os Países onde treinou as equipas que escolheu (ou que o escolheram) e, em 1959, soube interpretar o desejo, a capacidade e a vontade de ganhar de quem, então, dirigia o SLB. A sua forte personalidade, o seu carisma, a sua persistência, a exigência que punha em tudo quanto fazia, a sua capacidade de organização, mas, também, o modo muito especial e humano como lidava com todos e cada um dos jogadores das equipas que treinava, fizeram dele o melhor continuador de um Benfica que se profissionalizara, nos anos anteriores, na senda dos grandes clubes mundiais. Para esse êxito, muito contribuiu a sua simplicidade de processos, a sua clareza de opções, a sua capacidade de transmitir o que desejava para ganhar! Quem, de entre os apaixonados pelo futebol, não recorda o “Passa, repassa e chuta.”? Ou a máxima bem actual de “Se a bola é nossa, desmarca; se a bola não é nossa, marca.”? Como a linearidade de pensamentos como “Primeiro marcar golos; depois tentar não os sofrer.” Ou, numa atitude de total voluntarismo e de recusa de um determinismo que muitos teimam em lhe atribuir: “Quando se está em dia não, luta-se pela sorte; quando se está em dia sim, basta aproveitá-la.”? Entre 1959 e 1962, ganhou dois Campeonatos Nacionais, uma Taça de Portugal e duas Taças dos Campeões Europeus. Mas, para além de ser um vencedor por natureza e de ter assumido o futebol como campo privilegiado de aplicação de princípios estratégicos e desenvolvimentos tácticos, Béla Guttmann percebeu, como poucos, o que - então, como hoje - é e representa o SLB, em Portugal e no Mundo. São célebres as suas afirmações sobre o Benfica, desde logo aquela que serve de enquadramento a esta homenagem e que constará na base desta sua estátua: “Só quem está cá dentro do Benfica é que pode saber o que é a mística … Não há nenhum clube do mundo que possua mística igual à do Benfica.”! Mas Béla Guttmann definiu, de uma forma ímpar, a natureza do que significa "ser do Benfica", quando afirmou “A sua massa associativa? Chove? Está frio? Faz calor? Que importa? Nem que o jogo seja no fim do mundo, entre as neves da serra ou no meio das chamas do inferno, eles aí vão, por terra, por mar, por ar, eles aí vão os adeptos do Benfica, atrás da sua equipa. Grande incomparável massa associativa!” Ou o sempre sublinhado "amor à camisola", quando declarou “Nunca encontrei jogadores que sentissem tanto a camisola, como os do Benfica.”! Ou, ainda, como foi capaz de perceber e antever muito do que se haveria de passar, décadas depois, no futebol português, quando, de forma peremptória e premonitória, declarou “Contra o Benfica, todos valem ou fazem por valer, o dobro daquilo que efectivamente valem. É uma guerra santa”. Esta é, assim, uma homenagem a um Homem que marcou o Benfica e a que o Governo Português, na sua pessoa Sr. Secretário de Estado - cuja presença e respectivo significado agradeço - e o Governo Húngaro se associam. Um Homem que chegou a Lisboa invocando a inadaptação ao tempo da cidade de onde vinha, com o misticismo que as sucessivas dúvidas (até sobre a data do seu nascimento) sempre adensaram, que ganhou tudo o que havia para ganhar, que saiu e voltou, para voltar a sair, com toda a carga emocional de uma das coisas mais normais no futebol! Uma homenagem que o Sr. Embaixador Norbert Konkoly ajudou a concretizar e a que o Senhor László Szatmári Juhos deu forma, volume e vida para além do bronze. Uma homenagem a Béla Guttmann pelo que fez, pelo que ganhou, pelo que disse e pela capacidade que teve de transformar sonhos em realidade! Outros saberão, também, no futuro - que começa sempre no momento seguinte aquele em que nos encontramos - cumprir esse destino! Um destino que, no caso do SLB, como sempre sublinha o Presidente Luis Filipe Vieira, nos obriga a vencer. Sempre na defesa de valores éticos e de uma dimensão moral, que pode e deve coexistir no desporto, como em tudo, tão bem sintetizada noutra afirmação de Béla Guttmann, quando dizia que devemos sempre procurar "Um sistema para os homens e não homens para um sistema.”! Com tudo o que isso representa, no futebol, como na vida, que, mesmo num dia de luto, de duplo luto, não nos impediu, de, em nome do Presidente do SLB, dos órgãos sociais do Clube e da esmagadora maioria, senão a totalidade, dos Sócios, aqui prestarmos homenagem a uma das suas maiores figuras, nestes 110 anos de História que hoje se completam: Béla Guttmann! A todos, muito obrigado”.