Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
CARESTIA, MERCADO E PROLETÁRIOS
NO BRASIL NO SÉCULO XIX
Bruna Aparecida S. Miguel
Faculdade de História
Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
[email protected]
Resumo: Pesquisaram-se como os trabalhadores
livres e cativos reagiram à carestia que alastrou pelos diversos centros urbanos do Brasil em meados
do século XIX. Por meio de fontes primárias, secundárias e bibliográficas, buscou-se entender como os
atacadistas (denominadas convênios) exerciam seu
controle diante da distribuição alimentícia, pois
quando se pensava que havia falta destas mercadorias, o que realmente acontecia era o contrário.
Como resultados ficaram evidenciados os seguintes
pontos: a carestia ocorreu em diversas plagas urbanas no Império; especialmente os homens livres,
manifestaram-se de diversas formas contra a carestia; o mercado de consumo urbano estava regionalizado.
Palavras-chave: História Regional;Trabalhadores;
Carestia; Mercado; Brasil-século XIX
Área do Conhecimento: História – História do Brasil – FAPIC/Reitoria
Com o presente trabalho lançaremos nossos olhares para um Brasil da segunda metade dos
oitocentos, em que o fenômeno da carestia dos gêneros alimentícios se alastrou pelas diversas províncias deste vasto império. Pensar seus condicionantes e algumas de suas consequências, bem
como a reação dos trabalhadores – sejam eles livres ou cativos – a todo este momento de crise, é
nosso objetivo.
Nos tempos de carestia, mesmo em meio a
abundancia, a população, sobretudo, os grupos
menos abastados, enfrentavam dificuldades para
saciar suas necessidades alimentícias. Mas não se
restringindo a isso, pois o encarecimento afetou
também outros setores como, por exemplo, o preço
pago pelo aluguel e pela vestimenta. As receitas
das famílias já não eram suficientes para cobrir suas despesas.
A crise surtia efeito na rotina de vida das
pessoas nos vários centros urbanos do país. Estava
Profº. Dr. Artur J. R. Vitorino
Política e Fundamentos da Educação
Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
[email protected]
estampado nas primeiras páginas dos jornais que
circulavam pela Corte naquele momento, na edição
de 23 de janeiro de 1858 do Jornal do Commercio,
o redator manifestando-se sobre a situação de carestia, escreveu que: “O preço exagerado a que tem
subido nestes ultimos dias a carne verde [carne
fresca] augmenta de um modo tão lamentavel os
soffrimentos que a carestia de todo os generos alimenticios impõe desde muito á população [...]”. E
mais a frente no mesmo artigo, continua dizendo:
Tudo tem crescido de preço, ao mesmo
tempo que encarecem os generos alimenticios. Nós mal podemos explicar como vive um operário que ganha dous a tres mil
réis por dia, e que tem de sustentar mulher
e filhos. Calcula-se o que elle paga de aluguel pela casa em que mora, e ver-se-ha
que o que lhe fica é bem pouco; é apenas
o restrictamente indispensável para comer
e vestir. [1]
Nota-se que o artigo enfatizou a situação de
carestia a qual se encontrava os operários de meados do século XIX. Cabe, porém, ressaltar, que a
carestia não se deu unicamente naquele momento
em especifico. Há estudos que constataram a existência de carestia também nos anos 1820-1830 no
Rio de Janeiro. [2]
A carestia dos gêneros básicos à vida avançava, e não somente no Rio de Janeiro, como já
mencionado, mas também em diversas outras localidades do império, observou-se grande encarecimento de vários artigos necessários à vida: subiram
os preços dos aluguéis; das vestimentas; dos serviços e da mão de obra escrava e; sobretudo, dos
gêneros comestíveis. [3] Dificultando, assim, o acesso da população livre assalariada estes artigos.
A partir desta breve exposição, que nos remetem a uma imagem da problemática que se alastrava naquele momento, quais seriam as razões
para este fenômeno? Quais as consideráveis causas para a carestia?
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
Há um conjunto de fatores e demais elementos que se configuram num caráter explicativo
para tal acontecimento. Dependendo da natureza
da fonte, as causas da carestia se inclinavam para
um ou para outro eixo de justificativa. De acordo
com a interpretação de Artur Vitorino, era notado à
época que a carestia era o resultado direto da escassez de braços escravos para trabalhar nas lavouras [4]. Este tipo de concepção inundou a opinião circulante entre os contemporâneos. De acordo
com o Jornal do Comércio, um dos periódicos de
maior destaque na corte,
[...] a causa principal [da carestia] é permanente, e actuará amanhã, daqui a um, daquí á
cinco annos, com força sempre crescente, e
portanto o mal se agigantará com ella.
Eis-ahi o que nos assusta.
A carestia de quasi todos os generos alimenticios provém da diminuição do trabalho; a cessação do trafego de Africanos deixou os lavradores privados de unico meio que tinhão até
então de haver braços para rotear seus campos... [5]
Este artigo deixa explícito que a causa da
carestia era a diminuição do trabalho, o qual, por
sua vez, diminuiu em virtude da cessação do tráfico
de escravos africanos e tudo isso acarretaria na
redução da produção. Por meio de sua artilharia
verbal, tenta convencer seu leitor de que não há
solução imediata, sendo assim o “mal” vai aumentar
cada vez mais. E vai assim, utilizando-se deste raciocínio explicando que é a diminuição de braços
que agrava a situação de carestia.
Contudo, a análise de fontes de outra natureza, verifica-se que estas questões apresentadas
pelos contemporâneos nos periódicos sobre os prováveis determinantes para tamanha carestia, não
atingiam ao cerne da questão. Contrariamente a
estas afirmações, mas sem negá-las em absoluto,
Sebastião Ferreira Soares, em suas Notas Estatísticas (1860), afirmou que a carestia não tinha como
causa principal a cessação do tráfico de escravos;
porque a agricultura não sofria por falta de braços
que pudessem ser empregados nos trabalhos, e
tampouco pela mortalidade dos escravos mortos
devida a cólera, cujo surto ocorreu no Brasil em
1855.
Tentando fornecer explicações às interpretações correntes, em linhas gerais Sebastião Ferreira Soares ressaltou que a sua incompatibilidade
principal era devido ao fato de que os diversos escritos de sua época eram desprovidos de qualquer
verificação pela estatística. Particularmente, ele
considerava que a estatística era como uma bússola que aponta para o desvendamento dos problemas administrativos. E completando esta afirmação,
concluía dizendo que sem esta importante ferramenta os escritores acabam criando uma falsa ideia
dos fatos. [6]
Para Sebastião Ferreira Soares, então, a
produção agrícola brasileira caminhava, sim, pelas
vias do progresso, pois os oito principais produtos
nacionais indicados na pauta das exportações brasileiras tiveram seus índices acrescidos mesmo
depois de interrompido o tráfico de escravo em
1850.[7]
Conforme as explicações fornecidas pelo
próprio autor:
[...] por quanto é evidente que a exportação
não teria augmentado se não houvesse maior
producção; e conseguintemente tendo augmentado a producção, segue-se que não existe até ao presente falta de braços no paiz para
se occuparem da agricultura, como se tem
querido incutir no espirito publico, com o fim
de fazer persuadir aos incautos que a cessação do trafico dos Africanos foi um mal para o
paiz... [8]
A cessação do tráfico de escravos não era
o principal fator que desencadeava a alta dos preços dos comestíveis, caso consideremos a argumentação de Soares. Ou ainda: diante de tais exposições, notamos mais um vestígio de que o encarecimento dos diversos produtos não estava vinculado à falta destes nos postos de comércio, mas a
sua gênese encontra-se numa outra esfera, e como
já escrevia Sebastião Ferreira Soares havia uma
causa latente à carestia: era o monopólio.
Pensar a questão da elevação nos preços
nos remete à análise dos diversos setores que circundam um produto, desde sua plantação/criação
até a sua venda. E a explicação dada para a situação de carestia não se encontra ou ao menos não
podia estar relacionada somente à esfera da produção, mas sim a presença de um outro fator: uma
manipulação dos preços exercida pelos comerciantes atacadistas e importadores.
Numa época em que os grandes lucros
provinham da monopolização de mercadorias e de
créditos, o desejo de enriquecimento rápido e a
qualquer custo levou comerciantes atacadistas estabelecerem uma rede de relações, as quais foram
denominadas na época como convênios. Na definição de Juliana Teixeira Souza, “Os convênios [...]
eram acordos feitos entre grupos de comerciantes
importadores ou atacadistas que dominavam um
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
determinado setor da rede distribuidora, com o objetivo de defender interesses comuns” [9], como por
exemplo, o controle dos preços. Estas associações
impediam a venda direta com os comerciantes varejistas.
Tinham os negociantes papel de destaque,
pois eles eram os responsáveis pelo controle da
distribuição, auferindo grandes lucros pela especulação. Persistindo essa situação, enquanto que os
negociantes e comerciantes de grosso trato continuavam aumentando sua margem de lucro, o povo
sofria com os preços cada vez mais altos.
Delineava-se, assim, uma situação bastante
complexa: o problema do encarecimento desmedido se encontra diretamente ligado aos mecanismos
de distribuição e arrecadação de mercadorias, os
quais podem ser observados com o estabelecimento dos “convênios”. Partindo deste viés interpretativo, toda esta oscilação dos preços dos comestíveis
pode ser entendida por meio da análise das práticas
de monopolização das redes de abastecimento.
Outra forte evidência é a comprovação por Sebastião Ferreira Soares de que mesmo com os depósitos dos armazéns da cidade cheios, a monopolização não permitia que os preços das mercadorias
baixassem, ao contrário, continuavam abusivos.
Resumindo: o ponto chave está na ação dos atacadistas, pois era o comercio de grosso trato que dotado de mecanismos de controle do mercado que
agia com maior intensidade na manipulação da oferta de gêneros, visando sempre o lucro e os objetivos dos negociantes.
A carestia surtia reflexos nos hábitos de
toda a população. A necessidade e os obstáculos
que se posicionavam dificultando o acesso aos gêneros básicos da vida, possivelmente impulsionaram ações que manifestassem descontentamento
daqueles homens diante o quadro vigente.
No município da Corte, datado de 8 de janeiro de 1858, os três principais jornais circulantes
da época (Jornal do Commercio, Correio Mercantil e
Diario do Rio de Janeiro) tiveram os seus compositores tipográficos simultaneamente paralisados. Os
tipógrafos, em forma de protesto, se recusaram a
trabalhar porque os seus pedidos de aumento salarial não foram concedidos pro aqueles três jornais.
E no dia seguinte, nenhum exemplar do Jornal do
Commercio, do Correio Mercantil e do Diario do Rio
de Janeiro foi publicado e distribuído.
Somente no dia 10, como forma de indenização, assim chamado pelos compositores tipográficos grevistas, é lançado o Jornal do Typographos.
Um periódico de quatro páginas que circulou pelo
Rio de Janeiro por mais ou menos dois meses (com
este título até 12 de março). Este foi um dos episódios ocorridos nos tempos de profunda carestia, o
qual ficou conhecido e passou a ser denominado
como a Greve dos Tipógrafos.
O motivo alegado é apresentado na primeira página do primeiro exemplar impresso do Jornal
dos Typographos:
Em dezembro de 1855, a carestia dos generos
de primeira necessidade obrigou-nos a pedir o
augmento de nosso ordenado [...]
Em principio de dezembro de 1857, tendo esses generos conservado a mesma carestia,
senão augmentado, e tendo se elevado os alugueis de casas, os feitios de todas as obras,
e por consequencia de tudo quanto é necessário á existência; e considerando que nos era
impossivel sustentar as nossas familias, e apparecermos nas officinas decentemente vestidos como é uso da nossa arte, por isso que
temos de tratar, mais ou menos, com pessoas
de certa posição social, pedimos augmento de
ordenado, conforme fosse possivel ser nos
dado. Nesse momento qualquer quantia seria
aceita por nós, embora não satisfizesse nossas precisões.
Porém, mandou-se-nos esperar para o principio do anno, e então tivemos em resposta não
serião augmentados nossos salarios... [10]
Conforme as alegações tomaram a decisão
de paralisar as atividades nos jornais como forma
de manifestação e em defesa do que lhes era o mínimo necessário para viver com dignidade. Pois
tudo a sua volta havia aumentado de preço e seu
ordenado se tornava pequeno demais diante das
despesas da família.
Além de não conseguiam suprir adequadamente as necessidades de sua família com a alimentação e moradia, outra indignação exposta pelos compositores tipográficos era a respeito da impossibilidade de se apresentarem nas oficinas “decentemente vestidos como é de uso” de sua profissão ou “arte” para usar a mesma palavra apresentada no artigo publicado. O cargo referido exigia
certa preocupação com a vestimenta, e essa apreensão era oriunda de uma demarcação social, pois
assim evitavam de serem confundidos com os demais trabalhadores livres pobres.
Concluindo, a carestia acabou por envolver
as diversas dimensões da vida dos trabalhadores
não se restringindo apenas aos hábitos alimentares.
Neste caso, a dignidade e o status social da classe
tipográfica estavam também em jogo.
Entretanto, apesar de se dedicarem nos
primeiros exemplares a explicar e justificar a ação
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
tomada, assim como os demais jornais da época,
tratavam de assuntos diversos do cotidiano. E não
por menos, não poderiam deixar de tecer seu parecer sobre a situação de instabilidade dos preços
das mercadorias e os reflexos disso sobre a população.
Como já citado anteriormente, as interpretações publicadas pelos tipógrafos iam mais a fundo do que somente aos assuntos inclinados às causas dos trabalhadores. Continuando ainda a análise
deste mesmo jornal, num âmbito mais abrangente,
se referindo as causas de carestia, nos últimos parágrafos de seu artigo, o escritor publicou estas afirmações:
Se o nosso mercado resente-se da falta de
braços, e essa causa natural influe de modo
directo no preço de certos generos, todavia
outros ha que superabundão no mercado, existem amazenados, e são postos em carestia.
A indole de nossas instituições não proporcionará um correctivo que, quando não cohiba
tão infame especulação, pelo menos atenue
seus resultados e tendências?
O interesse sórdido de meia duzia de homens
há de continuar a prevalecer em comparação
aos de uma cidade? O que valem esses homens em comparação de um povo!? [11]
Ao mesmo tempo em que, assim como diversos outros contemporâneos, consideram a falta
de braços para se trabalhar na lavoura como a causa para o encarecimento de diversos gêneros, também chamam a atenção para um outro fator que é a
existência de produtos que mesmo em grande
quantidade nos estoques dos mercados continuam
com os preços altos. Traz um novo elemento para o
debate, deixando vestígios de que outros elementos
também influenciavam e avolumavam a situação de
carestia.
Concluindo, a respeito das manifestações
do grupo dos compositores tipográficos. A criação
de um jornal próprio proporcionou aos acontecimentos que antes estavam somente na ordem particular
(entre o proprietário e o patrão) passam para a dimensão pública. Além disso, passaram a fornecer
ao público a sua versão dos acontecimentos, em
destaque para o presente artigo a questão da carestia.
Note que nem toda manifestação popular
de protesto estava atrelada à organização de greves e/ou motins. Neste caso, apesar de se tratar de
uma greve, esta se apresentou de forma bastante
particular, sem barulho ou violência, e deixou como
legado uma grande riqueza para a historiografia, o
que na época surtiu como reflexo da manifestação:
a criação de um jornal próprio.
Os comentários dos homens do povo publicados nos jornais, além de tornar pública a sua visão, trazem muitas informações a se considerar
quanto à interpretação do comportamento destes
frente aos momentos de crise, o olhar dos tipógrafos para a sua causa e de seu grupo, mas também
seu olhar sobre a própria crise em si.
Além do Rio de Janeiro, na Bahia também
foram encontrados indícios de reação por parte dos
trabalhadores aos momentos de carestia. Para provar que não somente no Rio de Janeiro foram encontradas ocorrências, mas também em outras províncias do império.
Os historiadores João José Reis e Márcia
Gabriela D. de Aguiar escrevem sobre o motim ocorrido em 1858 na Bahia, o qual passou a ser identificado pela frase: “carne sem osso e farinha sem
caroço”, um grito criado entre os manifestantes e
repetido por muitas vozes, vozes de quem sofria
com os preços abusivos da carne verde e da farinha
de mandioca, cuja distribuição se encontrava monopolizada. [12]
Estes dois casos - greve dos tipógrafos no
Rio de Janeiro e motim na Bahia - nos forneceram
vestígios de que estas inquietações surgidas reforçam a ideia de que a população não se manteve
apática diante os acontecimentos de seu cotidiano.
Como podemos notar diversos aspectos da
vida de um operário foi afetado pela carestia. As
manifestações da arraia miúda podem ser notadas
na imprensa, nas conversas, nas organizações de
greve e motins. Tratamos de dois exemplos maiores de possíveis reações, possibilitados oras pelas
fontes, ora pela bibliografia publicada sobre o assunto. Entretanto, estes não são os únicos, existem
diversos outros que, mesmo sem grandes vestígios
documentais, certamente significaram muito na vida
de um trabalhador.
Muito já falamos da existência de uma forte
carestia, sentida nas distintas áreas do império, que
influenciou, incentivou e até determinou uma multiplicidade de reações entre a população afetada,
diversas também foram as explicações fornecidas a
estes momentos de crise e outros vários foram
considerados culpados.
Há outra questão que também se faz presente a todo este universo a que viemos escrevendo, aqui chamada de “questão dos estrangeiros”,
discutiremos sobre a existência ou não de um conflito étnico no mercado do império do Brasil.
Temos nas obras bibliográficas, historiadores como, por exemplo, Maria Beatriz Nizza, que
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
considera que os homens livres nacionais concorriam no mercado de trabalho com os estrangeiros,
sobretudo, com os portugueses. Desta maneira, os
conflitos surgiriam quando os primeiros se vissem
em desvantagem em relação ao segundo. [13]
Artur Vitorino em seu artigo “Mercado de
trabalho e conflitos étnicos em meio a escravidão:
portugueses e africanos no Rio de Janeiro, 18501870”, também escreve que nesse município os
estrangeiros de origem lusitana sofreram com os
desprezos dos nacionais, além de que eram sempre os alvos de hostilidades populares. No trecho
destacado, diz que “o desembarque de muitos imigrantes portugueses na capital do império, principalmente a partir dos anos 1850 em diante, vai alimentar ainda mais o sentimento lusófobo que já
existia em terras brasileiras” [14], e que para entendê-lo seria preciso analisar desde os tempos de
colônia, mas neste momento nos concentraremos
aqui na possibilidade de um conflito entre estes dois
grupos nacionais.
Encontramos vestígios de uma possível
desvantagem. Na obra “Esboço, ou primeiros traços
da crise commercial da cidade do Rio de Janeiro
em 10 de setembro de 1864”, de Sebastião Ferreira
Soares, há uma tabela [cf.: Tabela 1] datada de
1864, com dados numéricos sobre a quantidade de
casas de comércio, fabris e industriais administradas por nacionais ou estrangeiros, com destaque
para os portugueses. [15]
Sebastião Ferreira Soares argumenta dizendo que nos tempos de colônia o comercio no
Brasil era exercido quase que exclusivamente pelos
filhos da metrópole. Mas mesmo passados 42 anos
desde sua independência política, o império do Brasil ainda concentrava em certas regiões a maioria
das casas de comércio sendo encabeçadas por
portugueses. O município da corte é um exemplo
disso, pois para a data de verificação e montagem
deste esboço, o autor contabilizou como sendo
1.373 nacionais e 4.813 portuguesas, estes primeiros estavam numa desvantagem de mais de 3.400
estabelecimentos, isso sem contabilizar as propriedades das outras nacionalidades. Situação semelhante também acontecia na província do Pará, o
qual possuindo um total de 959 casas comerciais,
sendo que 574 delas estavam nas mãos de portugueses, conforme observamos na tabela. Este fato,
de acordo com a interpretação de Sebastião Ferreira Soares, indicava que o comércio brasileiro não
havia se nacionalizado completamente.
Provincias
Municipio da
Côrte
Rio de Janeiro
Bahia
Pernambuco
Rio Grande do
Sul
Maranhão
Pará
S. Paulo
Minas
Ceará
Parahyba
Alagôas
Sergipe
Espirito Santo
Rio Grande do
Norte
Piauhy
Paraná
Santa Catharina
Matto Grosso
Goyaz
Amazonas
Soma
Nacionaes
Portuguezas
Outras
Nações
Total
1.373
4.813
1.038
7.224
2.810
2.538
1.685
2.232
918
1.029
257
357
173
5.299
3.813
2.887
1.614
964
1.231
3.809
1.086
328
3.476
4.703
1.333
356
702
564
351
473
574
776
813
115
138
185
76
74
46
57
381
89
36
25
16
10
24
1.605
959
4.633
5.605
1.484
519
903
650
449
112
15
3
130
378
395
36
110
5
42
419
547
435
77
87
599
399
500
64
23
75
50
151
25
4
573
600
118
25.202
13.566
4.057
42.825
Tabela 1. Esboço, ou primeiros traços da crise commercial da cidade do Rio de Janeiro em 10 de setembro de 1864
Ao que os estudos e fontes indicam, existiu
um conflito entre portugueses e livres nacionais,
mas que merecem melhor atenção. Aqui, nosso
intuito foi o de apenas aguçar o leitor e sinalizar ainda que brevemente esta questão também inserida
ao contexto da carestia dos gêneros alimentícios.
Após a pesquisa e suas constatações, concluímos: a carestia sentida nas várias províncias do
império do Brasil pode ser entendida, sobretudo,
por meio da análise dos mecanismos de distribuição e arrecadação de mercadorias, cuja chave para
o entendimento encontra-se na ação dos atacadistas. E esta carestia passou a afetar a vida dos trabalhadores, e não somente no que diz respeito a
alimentação, mas diversas outras instâncias da vida, desembocando em inúmeras conseqüências.
A terminar, a constatação de semelhantes
acontecimentos em distintas áreas poderia estar
relacionada ou ser um indício de uma interligação
do mercado? Quando nos referimos ao comercio de
gêneros alimentícios, Pedreira considera a criação
de uma teia de abastecimento para a capital do im-
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
pério. Outro estudioso, Marcondes tece uma análise
sobre o comércio interprovincial e ressalta a importância deste na integração de várias regiões.
Todas estas observações a respeito da carestia, da história do abastecimento, das relações
comerciais, das inquietações e das vozes do povo
nos momentos de crise nos leva a dizer que o Rio
de Janeiro era o centro de um comércio entre províncias e que especialmente nessa interrelação
deslumbrava-se um mercado regionalizado e potencialmente intenso no sentido de configurar um
mercado interno no Brasil a partir da segunda metade do século XIX.
REFERÊNCIAS
[1] “A Carestia”, Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 23
jan. 1858 A grafia segue conforme o original.
[2] CAMPOS, Pedro Henrique Pereira. Nos Caminhos da
Acumulação: negócios e poder no abastecimento de carnes
verdes para a cidade do Rio de Janeiro (1808-1835). Rio de
Janeiro: Alameda Casa Editorial, 2010. p. 94.
[3] Para uma análise dos gêneros alimentícios, ver:
SOARES, Sebastião Ferreira. Notas estatisticas sobre a
producção agricola e carestia dos generos alimenticios no
Imperio do Brazil. Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J.
Villeneuve e Comp. 1860. / Sobre o preço do escravo na
Bahia (1780-1860).
[4] VITORINO, Artur J. R. Carestia em meio à fartura: a fome
como negócio no Brasil Urbano nos anos de 1850. IN: VIII
Congresso Brasileiro de História Econômica e 9ª Conferencia
Internacional de História de Empresas, 2009, Campinas, SP.
VIII Congresso Brasileiro de História Econômica e 9ª Conferencia Internacional de História de Empresas, 2009.
[5] “A Carestia”, Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 23
jan. 1858.
[6] Sebastião defende fielmente a ideia de que sem a estatística não se pode concluir com exatidão sobre o progresso ou
decrescimento produtivo do país. Para maiores esclarecimentos, ver: Introducção. IN: SOARES, Sebastião Ferreira.
Notas estatisticas sobre a producção agricola e carestia dos
generos alimenticios no Imperio do Brazil. Rio de Janeiro,
Typ. Imp. E Const. de J. Villeneuve e Comp., 1860.
[7] SOARES, Sebastião Ferreira. Notas estatísticas... op.
cit... p. 123.
[8] SOARES, Sebastião Ferreira. Notas estatisticas... op. cit.
p. 121.
[9] SOUZA, Juliana Teixeira. A Autoridade Municipal na Corte
Imperial: enfrentamentos e negociações na regulação do
comércio de gêneros (1840-1889). Tese de doutoramento,
UNICAMP/IFCH, 2007. p.52.
[10] “Os typographos das folhas diarias ao publico”. Jornal
dos Typographos. Rio de Janeiro, 19 jan. 1858, p.1.
[11] “O povo e a imprensa”. Jornal dos Typographos. Rio de
Janeiro, 28 jan. 1858.
[12] REIS, João José; AGUIAR, Márcia Gabriela D. de. Carne sem osso e farinha sem caroço: o motim de 1858 contra a
carestia na Bahia. Revista de História, São Paulo, n. 135,
dez. 1996.
[13] SILVA, Maria Beatriz Nizza. Análise de Estratificação
Social: o Rio de Janeiro de 1808 a 1821. São Paulo, USP,
1975, p. 98.
[14] VITORINO, Artur J. R. Mercado de trabalho e conflitos
étnicos em meio à escravidão: Portugueses e africanos no
Rio de Janeiro, 1850-1870, Cadernos AEL, Campinas, 2009.
p. 43.
[15] SOARES, Sebastião Ferreira. Esboço, ou primeiros traços da crise commercial da cidade do Rio de Janeiro em 10
de setembro de 1864. Rio de Janeiro, E. & H. Laemmert,
1865. p. 24.
Download

visualizar resumo expandido