Profª Doutora Louise Lage Organização da vida cotidiana das pessoas meios de produção e ao mercado situar o contexto sócio-histórico em que ocorre a formação das comunidades Tomamos como ponto de partida o surgimento do capitalismo, entendido aqui como um sistema sócio-econômico em que os meios de produção são de propriedade privada e pertencem a uma classe social que entra em contraposição a outra. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 O processo evolutivo do capitalismo pode ser dividido em três fases: capitalismo manufatureiro, que começa no século XVI, resultante das grandes navegações, e que estabeleceram a interligação marítima de todos os continentes; o capitalismo industrial, que tem início na Grã- Bretanha, no último quartel do século XVII, a partir da Revolução Industrial e inspira–se no liberalismo, requerendo a unificação de todos os mercados locais e nacionais, estabelecendo a competição livre; SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 e a transformação dessa economia de mercado em economia capitalista multinacional que tem como motor o desenvolvimento das formas produtivas e a eliminação das barreiras institucionais a livre concorrência. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 Paul Singer faz questão de enfatizar que este processo levou o capitalismo a assumir muitas de suas características atuais, como, por exemplo, o dinamismo tecnológico, a centralização do capital e a generalização (ou globalização) da economia. Mas o autor chama a atenção para uma importante característica do capitalismo: a instabilidade e a sucessão de crises – o chamado ciclo de conjuntura – que marca este sistema econômico desde o começo do século XIX, o que vai lhe dar a necessidade de flexibilidade, possibilitando a sua adaptação, chegando ao neoliberalismo, desencadeado no final da década de 80. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 O capitalismo, enquanto modo de produção, não existia no Brasil até 1888. Durante os três séculos como colônia, e mesmo na maior parte do primeiro século após a Independência, o modo de produção dominante era o escravismo colonial, ao lado de uma ampla economia de subsistência. No entanto, a colonização portuguesa do território brasileiro colaborou imensamente para a constituição de um mercado mundial, origem do capitalismo manufatureiro europeu. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 Somente na segunda metade do século XIX início de um processo de substituição de importações industriais. Na mesma época, começam a surgir as primeiras indústrias brasileiras, principalmente no ramo têxtil. Essas indústrias, no entanto, eram muito suscetíveis à concorrência estrangeira. Durante a Primeira República, o capitalismo brasileiro voltado ao mercado interno começou a desenvolver-se, provocando no Brasil uma espécie de período de aprendizagem industrial, durante o qual, ao lado das fábricas, se construíram vilas operárias. É também nesta época que surgem as principais manifestações de protesto e luta do movimento operário constituído predominantemente por anarquistas e anarco-sindicalistas. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 As primeiras três décadas do século XX foram marcadas pela constituição dos impérios industriais brasileiros e, depois da Primeira Guerra Mundial, começa a preocupação em torno da proteção da indústria nacional. Somente em 1928 o Parlamento aprova medidas de proteção à indústria nacional, levando a burguesia nacional brasileira a uma posição de destaque. A partir da Revolução de 30, o Estado deixa de depender do latifúndio e estabelece-se, então, o fim deste tipo de dominação. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1991 Em 1964, emergiu um novo regime político, que veio a regular as ações entre a coalizão dominante e as classes sociais subordinadas. Sob essa nova ótica, a concentração de capital se intensificou. Entre 1968 e 1973, em meio a estas condições, o Brasil experimentou altas taxas de crescimento, ficando conhecido como o período do milagre brasileiro. Também é neste período que surge um amplo movimento antiestatização, reação orquestrada pelo setor privado contra a expansão que o Estado operava no setor financeiro e na pressão sobre as fronteiras e articulações público-privadas na esfera produtiva. DUTRA, Joísa C. Retomando o debate: “estatização” e “privatização”. São Paulo. Indicadores Econômicos. agosto 1992. A partir de 1974, com a crise do capitalismo internacional, iniciou-se um processo de desaceleração da economia brasileira. O Governo Geisel apresenta o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), na tentativa de prolongar o processo de expansão industrial que se consolidava no país. Este programa baseava-se na convicção de que o Brasil era uma das poucas economias capazes de ascender ao bloco dos países desenvolvidos. Pretendia ainda viabilizar economicamente o país para que alcançasse, num curto espaço de tempo, altas taxas de crescimento, revertendo a desaceleração imposta pela crise mundial do capitalismo e superando o desequilíbrio das contas externas, bem como viabilizando a contenção do processo de alta inflacionária. Com o aumento da crise interna e externa, juntamente com as pressões e constrangimentos impostos pelos organismos multilaterais e bancos credores ao longo dos anos 80, à medida em que ficava clara a impossibilidade efetiva de pagamento da dívida externa, os Planos de Privatização foram sendo impostos, principalmente aos países da América Latina. O sistema financeiro internacional buscou nos PP's a alternativa de recomposição de seus ativos latino-americanos, através da conversão da dívida em investimentos. O Programa Nacional de Desestatização, encaminhado pelo governo Collor, a partir de 1990, foi divulgado juntamente com o Plano "Brasil Novo" e apresentado à sociedade como uma peça-chave no ajuste fiscal pretendido. A estratégia utilizada foi alinhar o PND às demais medidas anunciadas pelo Ministério da Economia, associando-o a um programa mais amplo de saneamento financeiro do Estado. A idéia central era a de privatizar para 'contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças públicas do setor. Art.1º, inciso II da Lei nº 8031 de abril de 1990 Preponderava no Brasil dessa época uma forte tradição nacionalista, desenvolvida a partir do governo de Getúlio Vargas e consolidada nos governos seguintes, em especial durante o governo militar. O debate sobre o tema privatização só começou a avançar em direção à discussão pública quando segmentos sociais – como o empresariado e consumidores revelaram-se insatisfeitos com a atuação do Governo. Em 1985, em Cultura Brasileira e Identidade Nacional, Renato Ortiz já defendia a tese de que toda identidade é uma construção simbólica. Seu objetivo: explicar as diferentes maneiras como a identidade nacional e a cultura brasileira são consideradas, levando em conta o contexto sócioeconômico de nosso país. Na medida em que o capitalismo atinge novas formas de desenvolvimento, tem-se que novos tipos de organização de cultura são implantados, em particular a partir da década de 60. Ortiz acredita que a identidade nacional está profundamente ligada a uma reinterpretação do popular pelos grupos sociais e à própria construção do Estado brasileiro. Ortiz estabelece um parâmetro para a sua análise: para entendermos a especificidade da construção da realidade brasileira, precisamos levar em consideração dois elementos imprescindíveis : o nacional e o popular, isto é, a noção de povo ligada à problemática da construção de uma identidade dentro das fronteiras de uma geografia nacional. Portanto, para se pensar como se estrutura a cultura, é necessário levar-se em consideração a atuação do Estado brasileiro, que é um dos definidores da problemática cultural em nosso país. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo. Brasiliense. 1985 O crescimento da classe média e a concentração da população em grandes centros urbanos vão permitir ainda a criação de um espaço cultural onde os bens simbólicos passam a ser consumidos por um público cada vez maior, através de um mercado que incorpora tanto empresas privadas como as instituições governamentais. É também durante o período entre 1964 e 1980 que ocorre uma grande expansão e consumo dos bens culturais. É nesta fase ainda que se dá a consolidação dos grandes conglomerados que controlam os meios de comunicação de massa. Dentro deste contexto, um segundo aspecto: a preservação da cultura popular como memória nacional, como tradição e identidade. A sociedade contemporânea, para Ortiz corresponde a uma nova configuração da formação social que, certamente, possui suas raízes históricas, mas que hoje se consolida em um outro nível. Para o autor sociedade moderna é a nação industrial que confina a modernidade aos limites do Estadonação, classes sociais, estados, território, cultura e identidades, categorias que considera atualmente abstratas e que se aplicam apenas às realidades nacionais. Ortiz defende ainda a modernidade-mundo como um processo que rompe estas fronteiras e estabelece um mundo desterritorializado O espaço e a territorialidade tornam-se duas categorias que se articulam na contemporaneidade e que pertencem a um determinado tipo de civilização. Eles mantém uma relação estreita com a materialidade do mundo Podemos então dizer que o substrato econômico e tecnológico do capitalismo flexível é a condição necessária para a consolidação do processo de globalização. Para Ortiz, o espaço é um conjunto de planos atravessados por processos sociais diferenciados, onde a mundialização da cultura pode ser definida como transversalidade. Para ele, a primeira implicação da idéia de transversalidade é a constituição de territorialidades desvinculadas do meio físico. A idéia de transversalidade permite ainda pensar a centralidade e o enraizamento como outras duas categorias em desuso, principalmente porque a modernidade é a primeira civilização que faz de sua desterritorialização o seu princípio, privilegiando o deslocamento das relações sociais, o que, aliás, é uma das características deste novo contexto. Podemos então dizer, seguindo o raciocínio de Renato Ortiz, que globalização e localização não são apenas dois momentos ou duas faces de um mesmo objeto. São, simultaneamente, as forças propulsoras e as formas de expressão de uma nova polarização e estratificação da população mundial em ricos globalizados e pobres localizados. Portanto, a globalização também pode ser entendida como um processo de reestratificação mundial, em cujo curso está sendo construída uma nova hierarquia sócio-cultural que reproduz a si mesma e se dissemina por todo o planeta. Estabelece-se assim um novo contrato social, onde a reorganização no mundo do trabalho, em função da globalização, trouxe como conseqüência a necessidade de cada vez menos trabalho mas uma produção cada vez maior de bens e serviços. Em contrapartida, a integração sócio-material dos homens, por meio do trabalho aquisitivo, deixou de ser a única forma de organização social.