Entrevista João Ferreira Pinto, da João Ferreira Pinto Sociedade de Advogados Há sempre uma “impressão digital” Apesar da acelerada rapidez e do aparente “anonimato”, deixamos sempre uma impressão digital em tudo o que fazemos na net e a Cibersegurança Forense tem técnicas muito avançadas que permitem recolher prova suficiente de crimes como a violação dos direitos de autor na internet. O problema é a “transnacionalidade” destes crimes, defende João Ferreira Pinto, que nos últimos anos se tem dedicado aos temas do Direito Tecnológico e Digital. 6 advocatus agosto 2014 advocatus.pt “Os EUA protegem os cidadãos através da Constituição (agora digitalmente), complementada com determinadas leis específicas. A Europa acabou de criar a base com a ‘Constituição’ e os Direitos Fundamentais do netcitizen” Advocatus | Qual a importância que o Direito Digital tem vindo a ganhar na atividade dos advogados? Quais as “disciplinas” que estão na ordem do dia? João Ferreira Pinto | O Direito Digital tem uma importância crescente na atividade dos advogados, uma vez que os clientes “estão” cada vez mais “digitais” e, como tal, suscitam questões legais da Economia Digital, como, por exemplo, as relacionadas com websites, e-commerce, e-banking, mail marketing e reputação online. Advocatus | Em termos legislativos, Portugal está no bom caminho nesta matéria? JFP | Pela sua natureza “global”, estas matérias decorrem, sobretudo, de iniciativas legislativas da União Europeia (um “mercado interno digital” de 507 milhões de consumidores). Advocatus | Qual a sua avaliação sobre a regulação em matéria de Internet na União Europeia? É insuficiente? Está a melhorar? Será que algum dia se vai conseguir regular, de forma eficaz, este domínio? JFP | Creio que ao nível da União Europeia existe uma enorme atenção para a regulação da economia digital, de que a “Agenda Digital 2020” constitui um excelente exemplo. No entanto trata-se de um processo dinâmico de uma realidade que muda à velocidade de um click, pelo que a regulação é sempre muito sensível. Advocatus | Consegue-se ou não levar a tribunal alguém que viole direitos de autor na internet? JFP | Apesar da acelerada rapidez e do aparente “anonimato”, deixamos sempre uma impressão digital em tudo o que fazemos na net. Hoje em dia a Cibersegurança Forense tem técnicas muito avançadas que permitem recolher prova suficiente destes crimes. O problema coloca-se, muitas vezes, em termos práticos e em termos de custos da “transnacionalidade” destes crimes (por exemplo, o download pirata de filmes através de um servidor noutro continente). Advocatus | A decisão do Supremo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o “direito ao esquecimento” está a provocar leituras diferentes. Alguns media britânicos, por exemplo, “Tenho este feeling que as pessoas não receiam o big brother que vive nos smartphones que carregamos a toda a hora e para todo o lado” já contestaram a forma como a Google está a executar a decisão. Qual é a sua leitura? JFP | Trata-se de uma decisão que é, a vários títulos, legalmente surpreendente. Sobretudo por ser “arrojada” contra os Golias da internet (motores de busca como Google, Bing, Yahoo, mas também, por exemplo, Facebook, Google +) na defesa do Direito Fundamental à reputação digital e à proteção dos dados pessoais de cada netcitizen europeu. É tão substancial que ainda há muito por digerir, tais as proporções dos seus efeitos legais. É e será um marco jurídico, “antes” e “depois” do Acórdão Google. “Creio que ao nível da União Europeia existe uma enorme atenção para a regulação da economia digital, de que a Agenda Digital 2020 constitui um excelente exemplo” Advocatus | O que distingue a Europa dos EUA em termos de regulação do digital? JFP | Diria que os EUA protegem os cidadãos através da Constituição (agora digitalmente), complementada com determinadas leis 7 advocatus agosto 2014 específicas. A Europa acabou de criar a base com a “Constituição” e os Direitos Fundamentais do netcitizen. E está agora a erguer um edifício que é um arranha-céus (Proposta de Regulamento Geral de proteção de dados pessoais), com um elevado padrão de defesa dos nossos dados, a ponto de o Wall Street Journal (WSJ) ter afirmado que somos os “polícias do mundo” nos dados pessoais. Advocatus | Há algum processo a correr (ou que já tenha corrido) em Portugal contra motores de busca? JFP | Sim, as ações judiciais de defesa da reputação online e da privacidade (verdadeiras ou falsas) são cada vez mais frequentes. A nossa legislação tem até respostas muito avançadas para estes casos, que são desconhecidas da maioria das pessoas (e até de alguns juristas…). Entrevista advocatus.pt “As ações judiciais de defesa da reputação online e da privacidade (verdadeiras ou falsas) são cada vez mais frequentes. A nossa legislação tem até respostas muito avançadas para estes casos, que são desconhecidas da maioria das pessoas (e até de alguns juristas…)” Advogado do “digital” João Ferreira Pinto, sócio fundador da sociedade de advogados com o mesmo nome, tem apostado na era do digital, tendo desenvolvido desde muito cedo um interesse pelo chamado Direito Tecnológico. Por exemplo, é pós-graduado em Direito da Sociedade da Informação (FDL, 1998) e Direito da Sociedade da Informação e Comércio Eletrónico (FDL, 1999), sendo também docente no IPAM – Instituto de Administração e Marketing, onde é responsável pelo módulo de Direito Digital, na Pós-Graduação em Marketing Digital. Licenciado pela Universidade Lusíada (1997) e inscrito na Ordem dos Advogados desde 1999, iniciou a carreira na Santarém Correia & As- sociados, onde permaneceu até 1998, tendo colaborado posteriormente com a Oliveira Ascensão & Associados e com o escritório L. Bigotte Chorão - Advogados. Entre 2003 e 2010, assumiu cargos de assessoria jurídica em diversos pelouros da Câmara Municipal de Lisboa e noutras entidades públicas (como a EMEL, EPUL, Gebalis e Polícia Municipal), lê-se no site da sociedade que fundou. Além das pós-graduações já referidas é pós-graduado em Prática Forense e Assessoria Jurídica de Empresas (UCP, 2001) e Atualização em Legística e Ciência da Legislação (FDL, 2005), tendo ainda frequentado diversos cursos de formação. Advocatus | Que tipo de problemas jurídicos é que são mais comuns quando se fala de redes sociais? Como é que se tem lidado com esses problemas em Portugal? JFP | Nas redes sociais, além dos crimes de usurpação de identidade e de roubo de perfis, surgem problemas de exposição ilícita da privacidade e da intimidade que são devastadores para a vítima (“a net não esquece”). Devemos ser responsáveis, tudo começa em nós próprios com o cuidado que devemos ter ao expor a nossa intimidade, da nossa família e dos amigos. Advocatus | No caso de aplicações como o Uber, fortemente contestada pelo sector dos taxistas, o que podem fazer os governos para as limitar? JFP | Há questões que não se resolvem por simples despacho do governo… Advocatus | A Google começou nos motores de busca e já vai nos carros sem condutor. É o verdadeiro “big brother”? JFP | Em certa medida sim. Graças 8 advocatus agosto 2014 “Nas redes sociais, além dos crimes de usurpação de identidade e de roubo de perfis, surgem problemas de exposição ilícita da privacidade e da intimidade que são devastadores para a vítima (‘a net não esquece’)” à nossa zelosa colaboração (grátis) é constantemente alimentado com os nossos dados pessoais 24/7 em todo o mundo. Por outro lado, a “internet das coisas” já não é ficção científica. Curiosamente, tenho este feeling que as pessoas não receiam o big brother que vive nos smartphones que carregamos a toda a hora e para todo o lado.