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O agregador da advocacia
Diretor: João Teives | Diretora Editorial: Fátima de sousa | Mensal | Ano V | N.º 63 | junho de 2015 | 15 euros
06
GILMAR MENDES
O ESTADO DA JUSTIÇA
NO BRASIL
O juiz do Supremo Tribunal Federal considera que é preciso combater a morosidade e defende uma reforma política no
país.
ESPECIAL
ARBITRAGEM
TRIBUTÁRIA
16
JORGE PEREIRA DA SILVA, DIRETOR DA ESCOLA
DE LISBOA DA FACULDADE DE DIREITO DA UCP
“OS RECRUTADORES
SABEM QUE OS
NOSSOS ALUNOS
SÃO DIFERENTES”
Portugal pode exportar modelo
para CPLP
RICARDO GAUDÊNCIO
Entrevista
Jorge Pereira da Silva, diretor da Escola de Lisboa da Faculdade
de Direito da Universidade Católica
“O mercado está ávido
dos nossos alunos”
Qualidade e solidez na formação de base, aposta na internacionalização e elevada
empregabilidade. Estes são os trunfos da Faculdade de Direito da Universidade Católica,
segundo o novo diretor da Escola de Lisboa, o constitucionalista Jorge Pereira da Silva.
Trunfos que – assegura – fazem com que o mercado esteja ávido dos alunos que saem da
instituição. E que explicam que, para o docente, a dicotomia entre ensino privado e público
não se coloque e muito menos a recorrente questão do excesso de cursos e licenciados.
16 advocatus junho 2015
Fátima de Sousa, [email protected]
“Temos uma
licenciatura que é
muito internacional
e prepara os alunos
para o mundo
global, mas não
podemos descurar
uma formação
sólida que os nossos
recrutadores também
exigem”
Advocatus | Assumiu a direção
da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade
Católica com que prioridades?
Jorge Pereira da Silva | Costumo dizer que tenho uma tarefa
particularmente difícil porque não
me posso queixar da herança que
me deixaram… O meu mandato
é, seguramente, de continuação
daquele que foi desempenhado pelos meus antecessores. No
essencial, há uma continuidade
entre as linhas estratégicas que
procuro prosseguir e aquilo que
se iniciou quando se converteu a
licenciatura em Direito numa licenciatura em quatro anos adaptada
ao chamado Processo de Bolonha.
As três principais linhas estratégicas são a consolidação da ideia
de que os alunos têm uma formação sólida naquelas que são as
matérias jurídicas essenciais, em
segundo lugar a internacionalização – somos, claramente, a licenciatura em Direito mais internacional em Portugal –, e, em terceiro,
manter uma relação fortíssima
com o mercado e um compromisso com a empregabilidade. Neste
último domínio, também temos
dado cartas, pois somos a licenciatura com uma relação mais dinâmica com a prática e que mais
a sério toma a empregabilidade
dos licenciados e dos mestres.
Advocatus | São estes compromissos que validam o célebre
slogan “Direito é na Católica”?
JPS | Para nós, Direito sempre foi
na Católica. Esse slogan apela ao
elo emocional entre os licenciados
e a escola. Tem, em larga medida,
a ver com o facto de sempre termos sido uma escola pequena na
dimensão, isto é, no número de licenciados – em Lisboa, formamos,
“Direito sempre foi na Católica. Esse slogan apela ao elo emocional entre os licenciados e a escola. Tem, em larga medida,
a ver com o facto de sempre termos sido uma escola pequena na dimensão, isto é, no número de licenciados – em Lisboa,
formamos, por ano, apenas cerca de cinco por cento dos licenciados em Direito”
por ano, apenas cerca de cinco por
cento dos licenciados em Direito,
o que é uma percentagem muito
reduzida se olharmos ao conjunto dos licenciados em Direito em
Portugal. Esta dimensão permite que os alunos tenham com os
professores e os colaboradores
uma relação muito próxima. Direito é na Católica e é para a vida.
Advocatus | Os três pilares estratégicos que mencionou acabam
por estar relacionados…
JPS | É verdade. Temos, efetivamente, uma licenciatura que é muito internacional e prepara os alunos para o mundo global, mas não
podemos descurar uma formação
sólida que os nossos recrutadores também exigem. Querem que
o licenciado em Direito seja capaz
de estar numa reunião com clientes internacionais, de viajar para
Londres, Nova Iorque ou Pequim
e desenvolver aí a sua atividade,
mas também querem que tenham
conhecimentos sólidos no tronco
“É notório que
os escritórios de
advogados são os
mais aguerridos
e competitivos na
captação de talentos.
Na minha opinião,
o Centro de Estudos
Judiciários devia
fazer o mesmo para
captar os melhores
alunos para a
magistratura, porque
uma postura passiva
pode significar que
quem é mais ativo
acaba por captar os
mais competentes”
17 advocatus junho 2015
da licenciatura em Direito, isto é,
Constitucional, Administrativo, Civil, Penal, Processo. O difícil é conciliar as duas vertentes num período de tempo relativamente curto.
Por outro lado, esta relação próxima que se desenvolve com os alunos ao longo da licenciatura – os
professores conhecem os alunos
pelos nomes e os alunos escolhem as cadeiras em função do
docente – significa que podemos
empenhar-nos na empregabilidade
numa perspetiva que não é puramente quantitativa, definindo os
pares ideais entre aluno e recrutador. Posso dar um exemplo muito
simples: temos recrutadores que
preferem sempre os alunos com as
notas mais elevadas, mas também
remos recrutadores que, tendencialmente, preferem alunos com notas um degrau abaixo das mais elevadas. Essa colocação dos alunos no
mercado tem de ser feita com muito
cuidado, não apenas para garantir
que a taxa de empregabilidade é elevadíssima, mas que a relação é satis-
Entrevista
“Basta vir ao Job Shop
para perceber de
que o mercado está
ávido por conhecer
os nossos alunos, não
está saturado. Pode
estar saturado de
outro tipo de alunos
e de outro tipo de
formações, mas não
dos que formamos”
“Os nossos alunos são diferentes e os nossos recrutadores dizem isso muito claramente. Ao fim de alguns anos de
experiência, sabem perfeitamente onde devem continuar a investir e nós sentimos, da parte dos recrutadores com
quem trabalhamos, que os nossos alunos têm muito bom acolhimento”
fatória e benéfica para o aluno e para
o recrutador que vai apostar nele.
Advocatus | O mercado dos alunos
da Católica é maioritariamente o
da advocacia ou há apetência por
outras profissões jurídicas?
JPS | O curso de Direito e os próprios
mestrados proporcionam, cada vez
mais, uma formação de banda larga.
Mas é notório que os escritórios de
advogados são os mais aguerridos
e competitivos na captação de talentos. Na minha opinião, o Centro
de Estudos Judiciários devia fazer o
mesmo para captar os melhores alunos para a magistratura, porque uma
postura passiva pode significar que
quem é mais ativo acaba por captar os mais competentes. É certo
que o CEJ não pode contratar da
mesma maneira, mas nada o impediria de tentar atrair para os con-
“A existência de uma
licenciatura com um
perfil diferenciado
como esta é a nossa
arma concorrencial,
relativamente
sobretudo às
universidades
públicas. Não
sentimos concorrência
significativa por
parte de outras
universidades
denominadas
privadas”
cursos os alunos com mais talento.
Por outro lado, há empresas que,
hoje em dia, têm departamentos jurídicos fortíssimos que já competem
com as sociedades de advogados.
Ao contrário do que acontecia há
alguns anos, o advogado de empresa não tem um estatuto inferior e é
uma posição muito apelativa para
os nossos alunos. Ao longo da licenciatura, temos muitas clínicas
legais, muitos estágios de verão
realizados em empresas, designadamente bancos e consultoras.
Aliás, no Job Shop, que é a nossa feira de emprego anual, fazemos questão de ter uma oferta diversificada de recrutadores.
Advocatus | Voltando à internacionalização, em que moldes é promovida durante a licenciatura?
JPS | Durante a licenciatura, temos
18 advocatus junho 2015
o programa TLC – Transnational
Law Curriculum – que é estruturado de forma a permitir aos alunos
contactarem com professores de
faculdades estrangeiras, com outros ordenamentos jurídicos, com
outras metodologias de ensino. É,
de certa forma, um modo de terem
uma experiência internacional, pois
a aula que acontece aqui é idêntica a uma aula que decorre numa
universidade americana ou noutro
país europeu. Essa sempre foi a
nossa principal aposta em matéria de internacionalização – não
apenas expor os alunos a aulas
lecionadas em língua estrangeira,
designadamente em inglês, mas a
outras formas de lecionar e de praticar o Direito. Depois disso, podem
com grande tranquilidade fazer um
LL.M. nos Estados Unidos ou em
Inglaterra. Aliás, temos antigos
advocatus.pt
alunos espalhados pelo mundo a
exercer em escritórios de grande
dimensão em Madrid, Londres, Pequim, Genebra ou São Paulo.
Advocatus | Diria que há diferenças entre o ensino público do Direito e o privado?
JPS | Se não houvesse diferenças, a nossa faculdade não teria
o sucesso que tem. A existência
de uma licenciatura com um perfil
diferenciado como esta é a nossa
arma concorrencial, relativamente
sobretudo às universidades públicas. Não sentimos concorrência
significativa por parte de outras universidades denominadas privadas.
Como sabe, há uma certa discussão
acerca da natureza da Universidade Católica, que se situa um pouco
a meio caminho entre o público e o
privado, porque desempenha uma
missão que é de interesse público, mas, ao mesmo tempo, tem de
gerar os recursos suficientes para
desenvolver as atividades de lecionação e de investigação. Estou
convencido de que, verdadeiramente, na nossa área, a única universidade não pública que investe
em investigação é a Faculdade de
Direito da Universidade Católica.
E é um investimento forte e consistente ao longo de muitos anos.
A questão não é tanto saber se a
universidade é pública ou se é privada. Os nossos alunos são diferentes e os nossos recrutadores
dizem isso muito claramente. Ao
fim de alguns anos de experiência,
sabem perfeitamente onde devem
continuar a investir e nós sentimos,
da parte dos recrutadores com
quem trabalhamos, que os nossos
alunos têm muito bom acolhimento. Isso deriva da solidez da formação jurídica de base, mas, ao mesmo tempo, da janela que abrimos
para poderem trabalhar no mercado mais global, da flexibilidade que
isso lhes traz enquanto juristas.
Advocatus | Uma questão recorrente aponta para a existência de
cursos de Direito e de licenciados
a mais. Partilha desta opinião?
JPS | Devo dizer, com toda a sinceridade, que é a questão que menos
me preocupa. Porque formamos
apenas cinco por cento. E relativamente aos licenciados que formamos temos a garantia de que não
estão a mais em parte nenhuma.
Pelo contrário. Basta vir ao Job
Shop para perceber de que o mercado está ávido por conhecer os
nossos alunos, não está saturado.
Pode estar saturado de outro tipo
“o mercado tem mecanismos que permitem, relativamente a pessoas com formações menos sólidas, encaminhá-las
para outras profissões que não as profissões jurídicas mais exigentes”
de alunos e de outro tipo de formações, mas não dos que formamos.
De qualquer forma, acho que é típico das profissões reguladas e da
Ordem que as representa tentar
restringir a entrada de novos profissionais. Não acontece só com os
advogados. Relativamente à Medicina, já conseguiu perceber se há
médicos a mais ou não? Se calhar, o
problema não está no número, está
no perfil, na distribuição territorial,
na junção entre a oferta e a procura.
Além disso, o mercado tem mecanismos que permitem, relativamente a pessoas com formações
menos sólidas, encaminhá-las para
outras profissões que não as profissões jurídicas mais exigentes.
Advocatus | Mencionou o investimento em investigação. Em que
moldes acontece?
JPS | Estamos precisamente no
Católica Research Centre for
the Future of Law, uma designa-
“Durante este
período, que já
se chamou de
jurisprudência
constitucional da
crise, houve um
conjunto de decisões
em que o tribunal
tomou posições que
põem em causa a
sua jurisprudência
anterior, que era uma
jurisprudência de
contenção”
19 advocatus junho 2015
ção escolhida para contrariar a
ideia de que o Direito está sempre a reboque dos acontecimentos. Este centro é nacional, não
é apenas da Escola de Lisboa.
Candidatámo-nos ao financiamento da FCT – Fundação para
a Ciência e Tecnologia − e penso
que, em larga medida, ganhámos
porque o projeto era aliciante e
porque os curricula dos professores eram muito sólidos. Foi a
primeira vez que fomos avaliados e fomos classificados com
“muito bom”, tendo obtido um
financiamento muito significativo, superior aliás ao dos outros
centros das faculdades de Direito
que se apresentaram a concurso.
Sempre tivemos uma investigação
em Direito de grande qualidade,
mas era realizada de forma muito
individualista, com cada investigador a preparar as suas provas académicas. Hoje, o paradigma está a
mudar para uma investigação em
Entrevista
advocatus.pt
rede, em que os investigadores se
agrupam para desenvolver projetos
de maior fôlego e interdisciplinares.
O modelo compartimentado de investigação está também a ceder
lugar a outro que progressivamente incorpora outros saberes, por
exemplo da área da Economia, da
Gestão, das Ciências exatas e até
da Filosofia.
“Estou convencido de que, verdadeiramente, na nossa área, a única
universidade não pública que investe em investigação é a Faculdade de
Direito da Universidade Católica. E é um investimento forte e consistente
ao longo de muitos anos”
Advocatus | Em que medida é
que está orientado para o futuro?
JPS | Os próprios temas são temas a olhar para o futuro. Senão
vejamos. Já ninguém duvida que
grande parte do desenvolvimento
da economia portuguesa vai passar pela economia do mar. Outro
exemplo é o da justiça intergeracional, que é um problema transversal à sociedade portuguesa,
com questões no domínio do ambiente, da segurança social ou da
dívida pública. Este é, claramente,
um tema central do século XXI.
O século XX foi, essencialmente, um século em que as grandes
questões, as grandes lutas políticas se ligaram à justiça social, à
redistribuição da riqueza entre pessoas que viviam no mesmo lapso
temporal. Mas o século XXI já está
a evidenciar problemas de justiça
entre gerações. É notório no mercado de trabalho, com gerações
mais velhas a terem uma estabilidade a que as gerações mais no-
vas não podem aspirar. É um domínio muito transversal em que é
fundamental o Direito intervir, mas
em que são necessários conhecimentos de múltiplas áreas, pois o
Direito sozinho pouco pode fazer.
“A justiça
constitucional tem de
ter muito presente
que do outro lado
está o legislador
democraticamente
legitimado e que tem
uma prerrogativa de
avaliação das leis,
sendo que, muitas
vezes, não é possível
no momento em
que são feitas saber,
por exemplo, se são
excessivas”
TC tem sido demasiado rigorista
Constitucionalista, Jorge Pereira
da Silva entende que há lugar para
ajustamentos à lei fundamental
do País, no sentido de a atualizar. Assim acontece sobretudo
no domínio do Estado social, que
considera excessivamente regulamentado. Ou no domínio da organização judicial, no sentido de
reforçar a legitimação democrática
da máquina judicial. Há domínios
em que – diz – a realidade se encarregou de matizar um pouco
o alcance das normas constitucionais, nomeadamente as de
teor económico. Defende a este
respeito um maior debate sobre
uma questão que tem estado em
cima da mesa – a inclusão do limite ao défice e à dívida na Constituição. Pelas implicações que
tem, carece de maior discussão.
Muito discutida tem sido a atuação do Tribunal Constitucional
e Jorge Pereira da Silva é uma
das vozes críticas. Não critica o
modo de composição do tribunal
e afirma-se mesmo favorável à
existência de uma instância com
estas funções, mas tem assumido
uma postura crítica relativamente a algumas decisões recentes.
“Tenho lido com cuidado as decisões do Tribunal e deteto em
algumas delas incongruências
que são significativas”, resume.
“Durante este período, que já se
chamou de jurisprudência constitucional da crise, houve um conjunto de decisões em que o tribunal tomou posições que põem em
causa a sua jurisprudência ante-
rior, que era uma jurisprudência de
contenção, em que se concedia ao
legislador um crédito de confiança
quando não era possível a priori
saber qual ia ser o resultado da
aplicação da legislação apreciada.
Mas o tribunal tornou-se progressivamente mais exigente, aplicou
os diferentes testes dos princípios
constitucionais de uma forma cada
vez mais rigorista e, por esse caminho, poucas são as medidas legislativas que resistem”, argumenta.
Na opinião do professor, “a justiça constitucional tem de ter muito
presente que do outro lado está o
legislador democraticamente legitimado e que tem uma prerrogativa de avaliação das leis, sendo
que, muitas vezes, não é possível
no momento em que são feitas
20 advocatus junho 2015
saber, por exemplo, se são excessivas”. Nessas circunstâncias,
o Tribunal Constitucional, “reconhecendo, porventura, que as
medidas podem não ser as ideais,
deve abster-se de se pronunciar pela inconstitucionalidade”.
“Acho que o Tribunal Constitucional tem um histórico de trabalho
notável, tem uma jurisprudência riquíssima, muito sólida, mas neste
período, em que foi confrontado
com muitas medidas legislativas
de austeridade, foi demasiado rigorista, demasiado exigente com
o legislador nalgumas decisões,
antecipando, de certa forma,
aquilo que, do meu ponto de vista, devia ser um juízo do eleitorado nas eleições subsequentes”,
conclui.
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os recrutadores sabem que os nossos alunos são diferentes