UD IX O PENSAMENTO EUROPEU DURANTE A IDADE MODERNA René Descartes John Locke Adam Smith Sir Isaac Newton Charles de Montesquieu François-Marie Arouet (Voltaire) 2 O PENSAMENTO EUROPEU DURANTE A IDADE MODERNA SÍNTESE “É rigorosamente verdade que alguns poetas, filósofos e autores de primeira grandeza fixaram substancialmente e deram “status” a toda a religião, educação, direito, sociologia, etc, do mundo civilizado atual, matizando e, muitas vezes, criando o ambiente do qual surgiram”. Os pensamentos dos grupos sociais foram elaborados por poucos estudiosos que difundiram seus valores e ideias. Assim tem acontecido desde tempos imemoriais. Durante a Idade Moderna, mais precisamente nos séculos XVI, XVII e XVIII, as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais estão fundamentadas em valores e ideias delas decorrentes, destacando-se, neste livro as: – do renascimento cultural e do passado greco-romano; – do entendimento dos conceitos de filosofia, ciência e religião; – do desenvolvimento de doutrinas filosóficas; – das manifestações culturais artísticas e científicas. Os séculos XVI, XVII e XVIII assinalam um período histórico compreendido entre o Renascimento e o Iluminismo; a evolução do processo histórico nesse período nos remete as seguintes considerações: – o início das grandes navegações no século XVI; – a instabilidade política decorrente das disputas pela hegemonia européia no século XVII – O “Século das Crises”; – a Revolução Intelectual que se consolida no século XVIII – o “Século do Iluminismo”; e – o início da supremacia inglesa na Europa. Dessa forma, o estudo do Pensamento Europeu da Idade Moderna considerará: as influências das culturas grega e romana; o pensamento medieval; o Renascimento Cultural; as principais doutrinas filosóficas; a Doutrina Social da Igreja e as Ciências e as Artes. 3 O Pensamento Europeu Durante a Idade Moderna Considerações iniciais Embora não haja concordância entre os historiadores, o início da Idade Moderna é assinalado pela tomada de Constantinopla pelo Império Turco Otomano, em 1453, sob o comando de Maomé II, da Dinastia Otomana. O momento do término da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea é referenciado pela Revolução Francesa, em 1789. As grandes transformações ocorridas entre os séculos XV e XVIII seriam consideradas absurdas e impossíveis pelos homens cultos do século XV. A insaciável curiosidade intelectual e a eterna busca por novos universos de conhecimento conseguiram despertar a curiosidade intelectual das pessoas para a descoberta do inusitado, o que dificilmente se poderia imaginar no final da Idade Média. O ciclo de mudanças ocorrido nas áreas geográficas que integravam a Civilização Ocidental, principalmente na Europa, foi surpreendente e gerador de um novo tempo de desenvolvimento do conhecimento humano, no período de apenas três séculos, conhecido como Idade Moderna, que precedeu a Idade Contemporânea. Grandes transformações políticas, econômicas e sociais, ocorreram nos séculos XV e XVIII, envolvendo o Renascimento Cultural, as descobertas científicas, o desenvolvimento de doutrinas filosóficas, a literatura e as artes. Na Idade Moderna, fatos históricos muito importante tiveram grande influência na evolução da humanidade. A Instituição do Estado Nacional, e as revoluções inglesas do século XVII, a Revolução Francesa e a Revolução Americana no século XVIII, o estabelecimento de impérios coloniais e as decorrentes disputas entre os estados Nacionais europeus pela hegemonia mundial, a invenção da máquina a vapor e do tear mecânico, a primeira revolução industrial e o desenvolvimento de doutrinas filosóficas foram alguns daqueles fatos. O estudo do pensamento europeu durante a Idade Moderna, abordará: – as influências das culturas grega e romana; – o pensamento medieval; – o Renascimento Cultural; – as principais doutrinas filosóficas; – a Doutrina Social da Igreja; - as Ciências e as Artes. Influências das culturas grega e romana O desenvolvimento cultural da Europa, no início dos Tempos Modernos, teve seu despertar no final da Baixa Idade Média; seu ponto de culminância foi o Renascimento, e a descoberta de novos universos de conhecimento, a partir das culturas grega e romana. O pensamento filosófico dos gregos teve em Sócrates (469 a. C. – 399 a.C.), Platão (427/428 a.C. – 348/347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) seus mais notáveis criadores; suas assertivas atravessaram os séculos e ainda são atuais. Passados mais de 2000 anos, Érico Veríssimo em sua obra Solo de Clarineta, II, 2. assim se refere à cultura grega: Foram eles (os gregos) os primeiros a criar um vocabulário adequado ao jogo das ideias abstratas – tudo isso sem perder o gosto pelos aspectos visíveis e plásticos do mundo. Realizando uma façanha maior e mais importante que a dos navegadores do futuro, desvendadores de novos continentes, os helenos descobriram o homem e o valor do espírito, assim legaram à posteridade a Ciência, a Filosofia, a Literatura, a Arte, a Tragédia, o Diálogo, a Democracia, em suma, o Humanismo. Érico Veríssimo (1905-1975) A Civilização Romana não se igualou à Civilização Grega no conhecimento filosófico e nas manifestações artísticas. Todavia, o desenvolvimento político foi 4 extraordinário e fez do Império Romano o pioneiro da Civilização Ocidental. Os romanos criaram a noção moderna de Estado, considerando-o como território cujos habitantes obedecem ao mesmo governo e à mesma lei; criaram, na Antiguidade, as bases da moderna divisão política dos Estados, por meio de uma divisão territorial, que considera os fatores fisiográficos e os costumes dos habitantes. século XIX) e a Inglaterra tiveram idiomas nacionais originários do latim ou com fortes raízes latinas. O Cristianismo foi a religião oficial do Império Romano, a partir de Teodósio I (346 – 395), e foi adotado por numerosos países europeus e americanos. O Código do Imperador Justiniano (244 - 311) – o Jus Civile (Direito referência para a elaboração das leis do Direito Civil), A influência cultural romana não se limitou à moderna concepção de estado; ela estendeu-se a formação dos principais idiomas europeus da atualidade, à adoção de uma convicção religiosa e à elaboração das leis. Para o latim, língua oficial do Império Romano, foram traduzidos pelos monges copistas os documentos que transcrevem, das fontes primárias, as civilizações antigas e as civilizações clássicas. Os estados nacionais europeus como, Portugal, Espanha, França, Sacro Império Romano Germânico (Itália e Alemanha, no foi adotado por países que integram a Civilização Ocidental. Civilização Ocidental: designação histórica dos países que, em suas raízes culturais, adotaram: o Cristianismo como convicção religiosa; línguas originárias do latim, como idioma nacional; e tem suas leis calcadas no Direito Romano (Código de Justiniano). Em sua grande maioria, os países que integram a Civilização Ocidental estão localizados na Europa, em áreas outrora pertencentes ao Império Romano do Ocidente, e Américas. A Civilização Ocidental foi, geograficamente, a área onde ocorreu a Revolução Intelectual dos séculos XVII e XVIII. 5 O pensamento medieval: Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino Durante a Idade Média, o pensamento filosófico da Civilização Ocidental teve em Santo Agostinho (354 – 430) e Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274) seus maiores escritores. Santo Tomás de Aquino Acervo de Wikimedia Foundation Santo Agostinho foi o criador da teoria da salvação do Homem pela graça de Deus, e ferrenho combatente das heresias. Santo Tomás de Aquino pregava que não havia conflito entre a fé e a razão. Tomismo, como ficou conhecido o pensamento de Santo Tomás de Aquino, transformou-se na filosofia oficial da Igreja. A Idade Média, com duração aproximada de um milênio, corresponde a metade da Era Cristã e é alardeada, injustamente, por alguns autores como “A Idade das Trevas”. A Idade Média representou o fio condutor do saber e da sabedoria que interligou o passado greco-romano representado por Sócrates, Platão, Aristóteles, Virgílio (70 a.C. – 19 a.C.) e Horácio (65 a.C. – 8 a.C.) à cultura medieval em que se destacaram Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Dante Alighieri (1265 – 1321) e Petrarca (1304 – 1374). 6 Renascimento Cultural O Renascimento teve início no final da Baixa Idade Média, no século XV e significou o início de um novo tempo para a Civilização Ocidental. O desenvolvimento cultural, típico da época, dependia da demorada publicação de livros; registros históricos afirmam que cinco copistas, trabalhando durante dois anos, produziam apenas duzentos volumes. A invenção do tipo móvel da imprensa, por Gutenberg em 1450, ampliou assombrosamente a produção de livros; entre 1450 e 1550 foram produzidos, na Europa, 10 milhões de livros que abordavam 40 mil títulos, editorados por centenas de impressoras, que publicaram milhares de exemplares. As publicações da época tinham conteúdo literário, artístico religioso e científico. Defendiam ideias renascentistas. Graças à difusão de livros impressos, o humanismo, o individualismo, o neoplatonismo, o empirismo, o nacionalismo e o hedonismo fundamentaram, no final da Idade Média e na Idade Moderna, o Idealismo, o Liberalismo, o Iluminismo, o Racionalismo, o Socialismo, os direitos políticos e as liberdades econômicas. Neoplatonismo: corrente de pensamento iniciada no século III, baseada nos ensinamentos do filosofo grego Platão (428/427 – 348/347). Das obras publicadas no início dos tempos modernos s mais importantes foram: - As Grandes Navegações (relatos das viagens de Cristóvão Colombo); - Reforma Religiosa Discurso à Nobreza Cristã da Nação alemã (Martim Lutero) e Princípios da Religião Cristã, (João Calvino); - Teorias Políticas e Econômicas O Príncipe (Nicolau Maquiavel) e Seis Livros a Respeito do Estado (Jean Bodin); e, Ciência. Da Revolução das Esferas Celestes (Nicolau Copérnico); A Nova Astronomia (João Kepler) e Estrutura do Corpo Humano (André Vesálio). O renascimento Cultural fundamentou as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas na Europa, no início dos tempos modernos, estão fundamentadas no Renascimento cultural. Isaac Newton Acervo da Wikimedia Foundation Uma citação de Isaac Newton (1643 – 1727), o mais destacado dos cientistas de sua época, reconheceu a importância dos renascentistas como Copérnico (1473 – 1543), Kepler (1571 – 1630) e Galileu (1564 – 1642) ao afirmar: “Se vi mais longe que outros homens foi por estar de pé nos ombros de gigantes”. (Copérnico, Kepler e Galileu). Platão Acervo da Wikimedia Foundation 7 As principais doutrinas filosóficas O Idealismo É uma doutrina filosófica que faz a realidade depender do conhecimento e considera a ideia e o pensamento a essência da realidade. Ideia: do grego ideia. Representação mental de uma coisa concreta ou abstrata. Muitos estudiosos afirmam que as primeiras manifestações do idealismo surgiram na Grécia, com Platão (428 / 427 a.C. – 348 / 347 a.C.). Na Idade Moderna, e após o Renascimento Cultural, surgiu o Idealismo com René Descartes (1596 – 1650) que foi sucedido pelos filósofos nascidos em território da atual Alemanha como Emannuel Kant (1724 – 1804) e George Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831). A concepção de Kant é fundamental. Ele traz o ideal a esta discussão: o pensamento imaginado do perfeito, portanto uma ideia abstrata, inalcançável, mas impulsionadora. Revolução Francesa e tinham a simpatia dos filósofos idealistas alemães. Daí, idéias de “liberdade, igualdade e fraternidade” encontrarem receptividade entre os idealistas alemães; nesse sentido, um fruto do idealismo, a Declaração de Direitos do Homem, que valorizou historicamente a Revolução de 1789, estimulou a Humanidade, com a expectativa de um novo tempo, em um mundo que seria mais próximo do Ideal. Todavia, o Período do Terror francês e o expansionismo de Napoleão, à custa de sangrentas batalhas feriram fortemente os ideais da Revolução francesa. Na medida em que se decepcionaram, os povos germânicos agravaram ódios históricos à França. Uma das consequências dessa frustração, foi a descrença dos alemães, em relação a Revolução Francesa, crescente e antagônica, levando à Guerra FrancoPrussiana(1870), à unificação da Alemanha ao predominínio dos Impérios Centrais germânicos, durante o século XIX, e até o final da 1ª. Guerra Mundial(1818), no início do século XX, e sob o efeito das restrições geradas a partir da derrota na guerra, acata uma filosofia política externamente autoritária que desdenhava a democracia, o regime parlamentarista e a liberdade individual e que levou à 2ª. Guerra Mundial, algo longe do idealismo do século XIX. O Racionalismo René Descartes Acervo da Wikimedia Foundation O Idealismo é, assim, uma doutrina filosófica, que procura aproximar a idéia (imaginação) do que seria perfeito. Certamente vem, deste pressuposto, a expressão: “o ideal é que”... As ideias dos filósofos idealistas ocorreram nas últimas décadas anteriores à O racionalismo decorreu, principalmente, da fusão do pensamento de René Descartes, do Humanismo do Renascimento e do pensamento filosófico de John Locke. Surgiu no início da Idade Moderna, com René Descartes (1596 – 1650), Bento de Espinoza (1632 – 1677) e Gottfrield Leibniz (1646 – 1716). Os racionalistas foram grandes matemáticos e utilizaram a razão − o que decorre do raciocínio − como o fio condutor da realidade. Os racionalistas defendiam a prevalência dos interesses coletivos evitando 8 assim os conflitos de classes existentes nas sociedades. O racionalismo cartesiano é abordado na obra de René Descartes – Discurso sobre o Método, onde demonstra como aplicar o método matemático na investigação de problemas científicos. Em sua obra, Descartes nega todos os conhecimentos tradicionais oriundos da Idade Antiga e Idade Média. Segundo René Descartes “a determinação de uma verdade não depende de ter sido ela anunciada pelas Sagradas Escrituras, por Santo Agostinho, São Tomas de Aquino ou declarada “ex cathedra” pelo Sumo Pontífice, mas de ser coerente em si mesma e acima de tudo, clara e precisa”. Para examinar uma proposição, observando o Racionalismo, Descartes recomenda quatro regras: “A primeira é “jamais aceitar como verdadeiro qualquer coisa que eu não reconheça claramente”. A segunda é: “dividir cada uma das dificuldades, em exame, em tantas etapas quantas foram possíveis e necessárias para sua solução adequada”. A terceira é: “conduzir seus raciocínios em tal gradação que, começando com assuntos mais simples e mais fáceis de reconhecer, e subir pouco a pouco, chegando passo a passo ao conhecimento de assuntos mais complexos”. A última é: “dividir a proposição em tantas etapas quanto enumerações tão completas, quanto for necessário e analisar cada uma delas”. entre católicos e protestantes, mal resolvidas pela Paz de Augsburgo, assinada em 1555. O Racionalismo Cartesiano é o principal pressuposto para o pensamento liberal; como doutrina filosófica, o Liberalismo afirma a primazia da liberdade nas atividades econômicas, na opção religiosa, nas questões políticas e nas atividades intelectuais. John Locke Acervo da Wikimedia Foundation O filósofo inglês John Locke (1632 – 1704), é cognominado “O apólogo da Revolução”. Sua obra, Dois Tratados de Governo, protagonizou importantes fatos ocorridos na Inglaterra no final do século XVII, como a deposição e execução de Carlos I, a República de Cromwell, a restauração de Carlos II, a deposição de Jaime II e a subida ao trono de Guilherme de Orange. O Liberalismo As primeiras ideias liberais surgiram na Baixa Idade Média contrapondo-se ao feudalismo e à servidão feudal, amplamente difundidas na Europa durante a Alta Idade Média. Nos primeiros séculos da Idade Moderna, a Reforma Religiosa agravou as relações políticas, entre os reinos europeus, que envolveram questões políticas e tensões Adam Smith Acervo da Wikimedia Foundation Adam Smith (1723 – 1790), natural da Escócia e destacado pensador de ideias 9 liberais, foi um dos preceptores do capitalismo moderno; em sua obra “Uma Pesquisa sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” , cabe destacar: – o combate ao rígido controle exercido pelo governo sobre a economia, por meio do mercantilismo; – a defesa da “produção de bens de consumo, à proteção à industria naval e à formação de uma poderosa Marinha mercante que levasse os produtos ingleses para o estrangeiro”; e, – “os conceitos de liberdade de pensamento e religiosa, a subordinação do Estado às leis e a propriedade privada”. No século XVII, a Guerra dos Trinta Anos convulsionou a Europa e sua causa inicial foi o conflito religioso agravado, posteriormente, por uma disputa pela hegemonia européia, envolvendo a Inglaterra, França e Holanda. A Paz de Westfália, designa uma série de tratados que encerrou a Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu, a liberdade religiosa para principados independentes da Germânia, mas seus súditos seguiram, obrigatoriamente, a religião de seus príncipes. Foi assim iniciada a liberdade religiosa na Europa. Em sua origem, o ideário do Liberalismo pregava a propriedade privada e o livre mercado; no plano político, os direitos do homem; o estado governado por leis e a ordem jurídica, propugnado, ainda, a liberdade de pensamento e a liberdade religiosa. Nos séculos XIX e XX, o liberalismo foi adotado em numerosos estados pelas democracias liberais, mediante a adoção das liberdades individuais, dos direitos civis e do estado de direito. Estado de Direito: “é uma situação jurídica, ou um sistema institucional, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até o Estado. O Estado de Direito é, assim ligado ao respeito da hierarquia das normas, da separação dos poderes e dos direitos fundamentais”. A forma democrática de governo e o liberalismo são como as duas faces de uma mesma moeda; a prática do liberalismo estabelece a linha divisória entre as democracias liberais e as não liberais, ou seja, as plebiscitárias, populistas e totalitárias. O Iluminismo O Iluminismo foi um movimento amplo, abrangendo filosofia, política, estudos sociais, economia e cultura. O movimento teve na filosofia racionalista seu principal esteio, ao defender o uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a emancipação. O centro das idéias e pensadores Iluministas foi a cidade de Paris. Perdurou na Europa entre o final do século XVII e o início do século XIX. Em geral, pode-se afirmar que o início do Iluminismo foi marcado por tentativas de incorporação do modelo de estudo dos fenômenos físicos, para a compreensão dos fenômenos humanos e culturais. Uma característica do Iluminismo era o Racionalismo. A fé, muito valorizada durante a Alta Idade Média, foi perdendo sua importância e, o uso da razão, traço característico do racionalismo e do iluminismo, ocupou os espaços cedidos pela fé. O movimento iluminista, a exemplo do movimento renascentista, também baseado no racionalismo, buscava valer-se da experiência vivida, para provar os conceitos ligados, até então, à fé. Tudo passou a ser questionado e buscou-se uma explicação na Natureza, para os fatos que sensibilizavam o conhecimento humano. Durante o século XVIII, conhecido como o “século das luzes”,o Iluminismo defendia ideias como tolerância e liberdade religiosa; separação da Igreja do Estado; aplicação dos conceitos iluministas às formas de governo, a negação do trono do 10 direito divino e a criação de governos conduzidos por déspotas esclarecidos. As luzes do Iluminismo brilharam nos movimentos de emancipação ocorridos nas Américas, inclusive no Brasil. Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa, nos anos que antecederam a Inconfidência Mineira, e na condição de filhos de famílias prósperas, estudaram na Universidade de Coimbra, que ratificava as teorias do Iluminismo. Nos países em que as mudanças iluministas foram praticamente adotadas, como na Inglaterra, com a constituição do Parlamento, ocorreram revoluções, sem violência sistemática. Todavia, na França, ocorreram transformações dramáticas e cruéis, protagonizadas por Jean d’Alambert (1717 – 1783), Charles de Montesquieu (1689 – 1755), Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), Denis Diderot (1713 – 1784) e François-Marie Arouet, famoso como Voltaire, seu pseudônimo (1694 – 1778). Montesquieu, em sua obra “O espírito das leis”, protagonizou o término dos governos despóticos e a separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário. Jean Jacques Rousseau, na obra “O Contrato Social” ou “Princípio do Direito Político” afirmava que a vida, a liberdade e a busca da felicidade são direitos do homem. François-Marie Arouet – Voltaire -, escritor francês de convicções liberais e exaltação patriótica, foi uma das mais brilhantes inteligências do século XVIII. Viveu na Inglaterra como exilado e criticou, com brilhantismo, os reis absolutistas e os sacerdotes. Diderot compôs o primeiro volume da Enciclopédia, datado de 1751, mas sua publicação foi proibida sob alegação de que destruiria a autoridade real e despertaria o sentimento de revolta. Ainda assim, a Enciclopédia foi publicada gradualmente e, em 1772, a divulgação foi concluída. A Enciclopédia fundamentou a Revolução Francesa, em obras publicadas por Montesquieu. Leitura Complementar O Iluminismo e a Inconfidência Mineira O Marquês de Pombal, no final do século XVIII, afastou das escolas do Reino de Portugal a Ordem dos Jesuítas, o que possibilitou a divulgação do Iluminismo em Portugal e, até mesmo, no Brasil. Na Inglaterra, o pensamento liberal de John Locke, e na França, as ideias de Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Diderot solaparam as bases filosóficas do Antigo Regime. Porém, na exata medida em que o condenavam, também desmantelavam as estruturas do colonialismo, inclusive as que vigoravam no Brasil, na época, a mais próspera colônia de Portugal. Em meados do século XVIII, era hábito das famílias ricas, na região mineradora, completar a educação dos filhos em Coimbra. Na histórica universidade portuguesa, o Iluminismo exerceu forte influência sobre o pensamento desses jovens, impulsionando-os a seu ideário, quando participantes da Conjuração Mineira. Igualmente, o Iluminismo influenciara o pensamento independentista nas colônias inglesas da América do Norte, e obtida a Independência dos Estados Unidos este fato despertou o sentimento de admiração e de exemplo a ser seguido pelas colônias de Portugal e Espanha, incentivando-as à busca de suas autonomias. Por ocasião da Conjuração Mineira, a conjuntura européia favorecia os movimentos contrários ao Colonialismo. Em Paris, um representante dos inconfidentes fez tratativas com Thomas Jefferson, que representava o governo americano na França. Todavia, os conjurados de Minas Gerais não receberam o apoio esperado. 11 O Socialismo Considerações iniciais O liberalismo econômico e a industrialização, fenômenos típicos do início do século XIX na Europa, concorreram para o deslocamento de grandes contingentes populacionais, de suas origens agrícolas para centros urbanos. À época, as cidades estavam despreparadas para acolherem populações numerosas, constituídas por camponeses desqualificados para o trabalho urbano, principalmente, em fábricas. A Inglaterra foi o país que, como berço da Revolução Industrial, mais enfrentou as profundas mudanças que ocorreram durante o século XIX, quando a consciência política e econômica de multidões de trabalhadores fora da participação nos benefícios econômicos, sociais e políticos decorrentes da industrialização e do que se poderia esperar do acúmulo de capitais, característico do capitalismo industrial. No entanto, o capitalismo industrial não apresentou, de imediato, soluções para as desigualdades sociais e econômicas criadas pelo crescimento da economia mundial e pela urbanização, decorrentes da Revolução Industrial e do capitalismo. Surgiram filosofias e novas teorias econômicas – algumas com soluções radicais - que apontavam aos trabalhadores a possibilidade de terem participação mais justa no crescimento econômico promovido pelo capitalismo. Assim, surgiu o socialismo, que pode ser entendido como “conjunto de doutrinas que visava uma reforma radical na organização das sociedades, por meio da coletivização dos meios de produção e do livre intercâmbio comercial”. A expressão socialismo se referia, também, “a teorias de organização econômica que tem em comum a propriedade coletiva dos recursos e dos meios destinados a produção e distribuição dos bens de consumo. O socialismo preconizava iguais oportunidades para seus integrantes”. São numerosas as concepções de socialismo e, entre elas, cabe destacar: o socialismo utópico, o socialismo científico, o socialismo cristão, a social-democracia, os socialistas revolucionários e os socialistas reformistas. Neste estudo, vamos nos concentrar em quatro: no socialismo utópico, o socialismo científico, o socialismo cristão e a social-democracia. Socialismo Utópico O Socialismo Utópico se caracteriza pela busca de soluções para as carências sociais por meio de caminhos que beiravam a fantasia e a irrealidade, e que, dificilmente poderiam ser alcançados. A idéia de um socialismo utópico teve bases que provinham da Grécia Antiga, desde quando Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) estudou as relações entre o indivíduo e o Estado. Segundo alguns pesquisadores, foi um dos primeiros pensadores da Antiguidade Clássica a preocupar-se com as relações entre as pessoas e os governantes Nos tempos modernos, outros pensadores aprofundaram essas relações, com preocupações sociais. Entre esses, Thomas More (1478 – 1535), Saint-Simon (1760 – 1825), Robert Owen (1771 – 1837), François Charles Marie Fourier (1772 – 1837), Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865) e Louis Blanc (1811 – 1882), filósofos coletivistas (pensadores com preocupações sobre os problemas da coletividade), são citados como os primeiros socialistas utópicos. Thomas More - Acervo da Wikimedia Foundation 12 Thomas More, foi o mais destacado desses pensadores, tendo escrito uma obra a que deu o nome de Utopia, uma fantasia literária em que descreve os horrores que assolavam as populações empobrecidas. Desse nome, vem a adjetivação da expressão Socialismo Utópico. Outro socialista utópico, John Brewer, assim descreve a Inglaterra, no final do século XV. “Carência de asilos, hospitais, e maus tratos grassaram por todo o país; o abandono dos pobres, que morriam como mendigos nas valas, enchendo o ar com febre e pestilência;... ruas exalando fétidos vapores de sobras de alimentos deteriorados... e a Justiça, orgulhosa de suas execuções e admirando-se de que o roubo proliferasse mais rapidamente que a forca”. As obras de Thomas More, Robert Owen e Saint-Simon, em diferentes séculos, revelaram reações às injustiças sociais e à pobreza generalizada existentes na Inglaterra e França, na época, potências européias. Os socialistas utópicos possuíam ideias comuns, a saber: – condenavam a existência da propriedade privada e a exploração dos pobres pelos que possuíam o controle sobre a produção de alimentos, das atividades comerciais e da produção industrial; – defendiam o coletivismo, a partir da propriedade comum dos bens; e – valorizavam a interdependência e a solidariedade na vida social; condenavam o individualismo e a competição. Os socialistas utópicos pretendiam expandir suas convicções ideológicas, mas existiam, entre eles, algumas divergências entre a persuasão, o emprego da violência e da revolução, tendo em vista a divulgação do socialismo. Os defensores da persuasão pretendiam divulgar o socialismo no âmbito das instituições democráticas e do parlamentarismo, o que implicaria no abandono da luta de classes; os eleitores aceitariam o sufrágio universal e a conquista do poder por meio das eleições. Assim, foi lançado o embrião do socialismo democrático. Na Inglaterra, o socialismo optou por ações políticas mais moderadas e era defendido pela Sociedade Fabiana, desde 1884. A ação política dos fabianos foi desenvolvida, junto aos eleitores, de forma persuasiva sem o uso da força ou de um regime ditatorial. O socialismo pregava o humanismo e a liberdade numa sociedade que não existiam o lucro e o egoísmo. Em 1901 os fabianos criaram o Partido Trabalhista e passados 23 anos, em 1924, tiveram significativa evolução, conforme assinala o quadro: Ano eleitoral 1900 1906 1910 (jan) 1910 (dez) 1918 1922 1923 1924 ... Cadeiras disputadas 15 50 78 56 361 414 427 514 ... Cadeiras obtidas 2 29 40 42 57 142 191 151 ... Votos alcançados 62.698 323.195 505.609 370.802 2.244.945 4.236.733 4.348.379 5.487.620 11.632.891 O socialismo utópico evoluiu para um movimento fundamentado em teorias filosóficas, econômicas e recebeu a denominação de socialismo científico. Socialismo Científico O emprego da violência e da revolução, tendo como elemento motivador a luta de classes e como objetivo, a tomada do poder, corporificou o socialismo científico que surgiu como reação à sociedade capitalista do século XIX. Os socialistas pretendiam modificar a sociedade por meio de violentas mudanças, visando à transferência dos bens de produção, pertencentes à burguesia, para os trabalhadores. Ao socialismo utópico foram integrados fundamentos filosóficos e econômicos do pensamento dos alemães 13 Karl Heinrich Marx e Friedrich Engels, para a formação do socialismo científico, seus idealizadores acrescentaram ao socialismo utópico os fundamentos do “O Manifesto Comunista de 1848” obra da autoria de Karl Marx. A expressão comunista refere-se à Liga Comunista, pequeno grupo de operários alemães ligados a Marx; não significa que seu conteúdo seja vinculado apenas aos partidos comunistas, que eram inexistentes na época e surgiram apenas no início do século XX. A obra “O Capital” faz a crítica da sociedade burguesa da época e, em sua fundamentação econômica, refere-se ao capitalismo industrial inglês no século XIX e deixa assim de considerar as profundas modificações do capitalismo no século XX. Os adeptos do marxismo interpretam “O Capital” sem chegar a um consenso e Marx prioriza o materialismo histórico. Ele é inaceitável para quem defende, na evolução do processo histórico, o papel das forças espirituais e, por conseguinte, da Fé e das religiões. As condições de trabalho nos Estados Unidos O socialismo científico pretendia adquirir aspectos revolucionários nos países industrializados como a Inglaterra, França, Itália e Estados Unidos, países em que a classe operária era muito numerosa e suas condições de trabalho e de vida eram precárias. A numerosa classe operária nos Estados Unidos tinha condições de trabalho terríveis. A obra “O Século Inacabado” da autoria de Willian E. Leuchtenbay, narra os padecimentos dos trabalhadores nos Estados Unidos nos seguintes termos: “O telégrafo, o rádio e o telefone retiraram do isolamento as pequenas comunidades rurais, mas o resultado da utilização de máquinas na agricultura foi o desemprego para milhares de pessoas que, com a crise, se deslocaram do campo para as cidades industriais, em busca de um emprego”. “Essa situação acarretou um crescimento populacional explosivo, estimado em 70%, também auxiliado pelo fluxo imigratório ocorrido na década de 1910, quando milhares de pessoas imigraram para o país e se instalaram nas cidades industriais, ou em regiões agrícolas do interior. Essa população não possuía serviços de água, gás, luz, esgoto e transportes urbanos; os estabelecimentos comerciais e as escolas eram inadequados para atender a todos. A qualidade de vida era péssima, e as doenças infectocontagiosas proliferavam com facilidade”. “Os estabelecimentos industriais instalados não ocuparam prédios planejados para tal fim. Velhas moradias, galpões improvisados e até mesmo cortiços foram transformados para o funcionamento de pequenas industrias que - embora sem nenhum conforto - produziam bens de consumo, como roupas, charutos, utensílios domésticos e bebidas”. “A Siderurgia - atividade industrial típica da época - absorvia numerosa mão-deobra. Nela, os operários cumpriam 12 horas diárias de trabalho, durante os sete dias da semana; e, para obter uma folga dominical de 15 em 15 dias, cumpriam um turno de trabalho de 24 horas, intercalado com alguns momentos para repouso”. “As condições residenciais dos trabalhadores eram péssimas. Moravam em prédios residenciais de seis andares, com apartamentos de quarto e cozinha, sem elevadores; os banheiros eram meros cubículos, com poucas privadas - em alguns andares do prédio - para atender aos inquilinos”. “A sociedade tinha tratamento desigual. Nos estados sulistas, onde se concentrava uma grande parcela de negros, as leis negavam a esses homens os direitos concedidos aos brancos; outras leis eram reservadas aos estrangeiros recém-chegados - particularmente os não protestantes e os 14 considerados não brancos, como os latinos e orientais. O mercado de trabalho também fazia sérias restrições para admitir pessoas que não fossem brancas, e essa circunstância conduziu um sem número de chefes de família ao desemprego e à marginalização social.” A Europa e a Ásia não eram muito diferentes, e em alguns aspectos piores, razão que levou armênios, alemães, escandinavos, chineses, japoneses, italianos, mexicanos, caribenhos, vietnamitas, africanos e refugiados da região dos Balcans a emigrarem para os Estados Unidos, na esperança de dias melhores. O movimento sindical na Europa Como já observado, nas primeiras décadas do século XIX, numerosos contingentes populacionais abandonaram o campo e transferiram-se para as cidades em fase de industrialização, sem conhecimento do trabalho realizado nas fábricas. Nas últimas décadas do século XIX, nos países europeus industrializados como França e Inglaterra, e na Alemanha, em vias de industrialização, impulsionados pelas idéias de proteção e melhores condições de trabalho, surgiram os primeiros grupos formados por profissionais de uma mesma atividade. Posteriormente, muitos desses grupos constituídos transformaram-se em sindicatos, que tinham por objetivo melhorar as insalubres condições de trabalho das fábricas. Os sindicatos que surgiram na Europa, em função de razões históricas, tiveram trajetórias diferentes, em função da estabilidade política que seus países desfrutavam, nas últimas décadas do século XIX. O sufrágio universal na Inglaterra Na Inglaterra, as organizações sindicais tiveram, entre seus objetivos principais, o exercício dos direitos políticos. Assim, por quatro décadas, e o sufrágio universal transitou, na Inglaterra, de forma gradual e segura, a saber: – em 1832: homens adultos tinham direito ao voto, desde que comprovasse seus rendimentos; – em 1867: operários passaram a integrar o eleitorado; – em 1884: trabalhadores rurais tiveram idêntico direito; – em 1918 (final da 1ª. Guerra Mundial): todos os cidadãos ingleses podiam votar; e, – em 1920: homens e mulheres com 21 anos passaram a exercer o direito de votar. Na Inglaterra, diferentemente de em outros países, o movimento sindical não foi radicalizado pelos socialistas devido a iniciativas tomadas pelos governantes. - Em 1924, foi criado o Partido Trabalhista. O sindicalismo na França Antecedentes Históricos Na Europa, durante a Baixa Idade Média, antes, portanto, do Renascimento, ocorreram fatos econômicos inovadores, como a utilização, em 1323, do primeiro alto forno destinado a fabricação de ferro. Os monges cistercenses conheciam técnicas industriais e agrícolas e seus mosteiros possuíam usinas cujas dimensões, muitas vezes, superavam a área construída do templo. Em Champagne, desde 1250, foram grandes produtores de ferro. Ainda no século XII, em território da atual Alemanha a cidade de Freiburg possuía 30.000, habitantes e sua fonte de prosperidade era a extração e fundição do ferro. Monges cistercenses: congregação religiosa católica, originária da Ordem dos Beneditos, fundada em 1115 por São Bernardo de Clairvaux. Observam a regra de São Bento de Núrsia, com maior 15 austeridade, e a prática de trabalhos manuais. Os monges cistercienses tem por propósito a busca da glória Deus, na Terra, pela santificação do monge. O Socialismo na França O movimento sindicalista francês foi retardatário em relação à Inglaterra, porque a França industrializou-se mais lentamente. Porém, outros motivos contribuíram. O retorno da Dinastia Bourbon ao poder, com Luis XVIII e, com ele, as práticas autocráticas, restringiram os avanços sociais, o que se manteve com os sucessores Luis Felipe, Luis Napoleão Bonaparte, e pelo Imperador Napoleão III. Também repercutiram nesse retardo, a instabilidade política decorrente da Revolução de 1848; a abdicação do Rei Luís Felipe; a derrota francesa na Guerra FrancoPrussiana, em 1870. Com a derrubada do Segundo Império, um dos seus líderes, Louis Blanc defendeu a reorganização da sociedade francesa em moldes socialistas e o escritor francês, Georges Soul (1874 – 1922) liderou iniciativas dos socialistas que se prolongaram até o início da Primeira Guerra Mundial. O estado autoritário na Alemanha Após a I Guerra Mundial, os ideários revolucionários da legenda “liberdade, igualdade e fraternidade”, conseqüentes da Revolução Francesa, transformaram-se em letra morta, na Alemanha. Entre as razões, destacaram-se a prolongada ocupação militar francesa; a exigência de pagamento de pesadas indenizações impostas pelo Tratado de Versalhes; e perda da região da Alsácia e da Lorena as quais, seriam o elemento motivador para, em nome da honra nacional, um grupo de alemães alcançasse o poder e criasse uma Alemanha autoritária, no século XX, cujas raízes estavam latentes em muitos séculos de história. Nos Tempos modernos, século XVIII, Johann Gottlieb Fichte (1762 – 1814) foi um dos filósofos alemães inspiradores da ideologia nacional socialista que preconizava um estado despótico e a superioridade racial dos alemães. Fichte atribuía o que considerava o fracasso da Alemanha de sua época, à fraqueza do governo e à decomposição do caráter germânico. Afirmava que a Alemanha necessitava ressurgir da destruição causada pelas conquistas napoleônicas e violentas modificações no mapa geopolítico europeu, promovidas pelo Congresso de Viena, em 1814. No século XIX, o Sacro Império Romano Germânico foi extinto e a unificação da Alemanha ocorreu em 1871. As instituições liberais e a vida parlamentar eram incipientes; a industrialização atrasou-se em relação aos países europeus, como a França, e a Inglaterra. Ainda assim os radicais conseguiram promover algumas manifestações que pregavam a necessidade de um movimento sindical mais intenso. Em 1869 foi criado o Partido Social Democrata, orientado pelos radicais socialistas marxistas. A unificação alemã processou-se, tardiamente, em 1871, e, até então, a “Alemanha” era uma designação geográfica e a futura nação era uma verdadeira colcha de retalhos constituída com o que restava do Sacro Império Romano-Germânico. 16 Eram numerosos os estados autônomos, reinos e principados que separados pelas tradicionais rivalidades, desconheciam o sentimento de unidade nacional. O nacionalismo alemão despontou com a unificação e vicejou com o vigor das sementes hibernadas. socialismo avesso à revolução e à luta de classes. Críticas ao socialismo São numerosos os críticos ao socialismo e, entre eles, John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, apontando três O Socialismo Cristão conceitos fundamentais que se confrontam com os preceitos socialistas: Movimento político e social ocorrido na Europa Ocidental e Central, em meados do século XIX, que pretendeu estabelecer a justiça social em nome dos fundamentos do cristianismo, especialmente dos princípios sociais proclamados pela Igreja católica, não aceitou, porém, os fundamentos ideológicos ou científicos do socialismo. Os grupos militantes do socialismo cristão raramente constituíram um partido. – “é impossível a um governo socialista planejar racionalmente uma economia complexa”; – “sem uma economia de mercado não poderá haver um sistema de preços baseado na oferta e na demanda”; – “apenas o livre mercado informa à sociedade sobre a aplicação racional dos recursos e uso mais produtivo dos bens de capital”. A Social Democracia Bens de capital: são bens ou serviços necessários à produção de outros bens de consumo ou serviços. Denominação de correntes políticas socialistas existentes desde o século XX nos países escandinavos. Trata-se de um “As experiências socialistas, do século XX, nos governos totalitários de Joseph Stalin, na Rússia, de Mao Tse-Tung, 17 na China, além de outras experiências na África e na Ásia, indicam que o socialismo terminaria sendo um sistema econômico em que um individuo ou grupo de indivíduos controla os membros da sociedade mediante a coerção e a compulsão organizada”. O Cartismo Apesar do desenvolvimento de atividades industriais, em particular, a produção de ferro, durante a Idade Média, a Primeira Revolução Industrial é, historicamente, a ocorrida na Inglaterra, no final do século XVIII, após a descoberta da máquina a vapor e desenvolvimento da fabricação de tecidos. O Cartismo, movimento social ocorrido na Inglaterra, no início da década de 1830, teve como propósito obter direitos políticos para a classe operária, como: sufrágio universal, voto secreto e participação dos operários no Parlamento. Os propósitos cartistas foram acolhidos pelos europeus e, em Portugal, adeptos do cartismo exerceram forte influência na Revolução Liberal do Porto e no Brasil. A Primeira Constituição Brasileira, a Carta Outorgada de 1824, estabelecia para o Brasil inúmeras propostas do Movimento Cartista como a: – adoção de uma monarquia parlamentarista; – existência de duas câmaras no Parlamento, constituídas no Brasil pela Câmara dos Deputados (eleita) e o Senado (por indicação do Imperador). O cartismo na Inglaterra Cartismo inglês sofreu forte rejeição na Inglaterra. Ainda assim, as Câmaras inglesas aprovaram a Lei de Proteção ao Trabalho Infantil, em 1833; a Lei de Imprensa, em 1836; a Reforma do Código Penal, em 1837; a Regulamentação do Trabalho Feminino e Infantil e a Lei de Jornada de Trabalho de 10 horas. O Cartismo serviu de bandeira para movimentos radicais promovidos pela classe trabalhista, entre as décadas de 1830 e 1840, que pretendiam estabelecer a luta de classes, visando `a distribuição de terras e bens de produção para os operários. No início da década de 1850, o cartismo ativista já não tinha expressão junto à classe operária inglesa. O Evolucionismo e o Transformismo O Evolucionismo é uma teoria que procura demonstrar que organismos vivos se modificam por um processo dinâmico natural, que se desenvolve atuando sobre as características biológicas dos seres vivos. Aplicável à Ciência Política, à Social, à Econômica, a teoria tem como comum esta característica da ser a evolção em fato natural. Ao mesmo tempo, ele levantou a idéia de que os organismos vivos estão em constante concorrência e, a partir dela, somente os seres melhores preparados às condições ambientais impostas poderiam sobreviver. Modificação gradual das características dos seres vivos na formação de novas raças e espécies. Também este conceito evolucionista é aplicável à evolução dos Estados, das Sociedades, da Economia e de outros organismos vivos da Sociedade, como Empresas e demais instituições. Os evolucionistas também se basearam em pensamentos da Grécia Antiga. Empédocles (490 a.C. – 430 a.C.), filósofo grego pré-socrático, precedeu os pensadores evolucionistas dos tempos modernos com sua teoria sobre os quatro elementos da Natureza: água, terra, ar e fogo, que vigorou até a época da química moderna. Entre os pensadores romanos destaca-se Titus Lucretius Carus (97 a.C. – 54 a.C.), escreveu “De rerum natura” (“Natureza das Coisas”) poema didático reconhecido como principal fonte da filosofia naturalista da Antiguidade. 18 Porém, o pensamento evolucionista não foi preocupação exclusiva dos pensadores clássicos, gregos e romanos, mas também dos árabes, persas e orientais e nos tempos modernos, continua a se desenvolver com outros estudiosos no Século XIX. Entre esses, Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744 – 1829) e Charles Robert Darwin (1809 – 1882). Lamarck fundou o Museu Nacional e História Natural, em Paris, e suas principais obras foram a Flora Francesa e a Filosofia Zoológica. ideias de Darwin. As repercussões desse conflito ameaçaram os avanços da Ciência, sempre que pareciam comprometer a ortodoxia de muitos teólogos. O evolucionismo passou a ser compreendido como: “Conjunto de doutrinas filosóficas que vêem na evolução a característica fundamental de todos os tipos ou formas de realidade e, por isso, o princípio adequado para explicar a realidade em seu conjunto”. “Quer se trate do desenvolvimento da Terra, da vida sobre a superfície, do desenvolvimento da sociedade, do governo, da indústria, do comércio, da língua, da literatura, da ciência, da arte, no fundo de todo progresso está presente sempre a mesma evolução que vai do simples ao complexo, por meio de mudanças sucessivas”. O Positivismo Charles Robert Darwin Acervo da Wikimedia Foundation Darwin é o mais famoso desses estudiosos. Criou a teoria denominada Darwinismo que considera a seleção natural como questão fundamental na evolução dos seres vivos. Em sua obra, A Origem das Espécies, explica que “as espécies não foram criadas independentemente uma das outras mas, como as variedades, derivam de outras espécies”. O evolucionismo de Darwin, também classificado como Transformismo, além da evolução das espécies, considera sua origem e variação, a superpopulação, a luta pela vida, a seleção sexual e a adaptação ao meio ambiente. O darwinismo afetou as concepções políticas e religiosas em alguns países europeus. As teorias, que revelavam uma nova tendência de pensamento sobre a Criação e a Fé Cristã, foram repudiadas pela Igreja Católica gerando, quando de seu lançamento, o que parecia ser um incontornável conflito entre a religião e as O positivismo surgiu no início do século XIX. Baseado em conceitos precedentes de um dos precursores do Socialismo, o filósofo francês Saint Simon e também contém um viés evolucionista, no que se refere às transformações da Sociedade. Como doutrina, foi idealizada por Augusto Comte (1798 – 1857). Trata-se de uma “doutrina filosófica, sociológica e política, fundamentada no conhecimento científico, única forma capaz de permitir o contínuo aperfeiçoamento da Humanidade”. A expressão Positivismo significa a existência de um espírito positivo que compreende a inteligência, os sentimentos e as ações políticas. Augusto Comte atribuiu à expressão positivo o significado de certo, real, relativo e simpático. 19 Auguste Comte Acervo da Wikimedia Foundation Segundo seu idealizador, o Positivismo seria a Religião da Humanidade, em substituição a Deus e teria como lema: “o Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim”, e mais, “viver às claras e viver para outrem”. O Positivismo incorporou alguns fundamentos Iluministas e propôs respostas para as graves questões sociais e econômicas decorrentes da Primeira Revolução Industrial. Acolheu o lema que simbolizou a Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. O Positivismo, no Brasil, foi adotado por importantes vultos que, em nossa História, tiveram ativa participação na Proclamação da República. Entre eles, cabe destacar: – o Coronel (depois General e 1º. Ministro da Guerra da República) Benjamim Constant Botelho de Magalhães, o escritor Euclides da Cunha, o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, Edgard Roquete Pinto, o filósofo Miguel Lemos, o filósofo e matemático Raimundo Teixeira Mendes, e inúmeros outros. Na Bandeira Nacional, criada para simbolizar a República Brasileira foi inserido o lema positivista Ordem e Progresso. Capela Positivista de Porto Alegre, RS Acervo da Creative Commons Os fundamentos e propostas apresentadas pelo Positivismo (negar à Ciência métodos investigativos da causa dos fenômenos naturais e sociais, emprestandolhes muito pouco caráter de utilidade e credibilidade às crenças religiosas), reduziram de forma sensível, o número de adeptos dessa doutrina. O anarquismo O anarquismo rejeita a autoridade em todas suas formas e defende a completa liberdade do indivíduo e de grupos associados à fraternidade. William Godwin (1756 – 1836) nascido na Inglaterra, foi um dos precursores moderno do pensamento anarquista. Uma de suas principais obras, Inquérito acerca da Justiça Política, ataca as instituições políticas da época. William Godwin Acervo da Wikimedia Foundation 20 Para seus adeptos, o Anarquismo se justificou pelo impacto desorganizador da 1ª Revolução Industrial, numa sociedade de artesãos e pequenas oficinas. Anarquismo: o significado coloquial da expressão anarquia (confusão, desordem, bagunça,...) não corresponde aos conceitos que compõem o pensamento anarquista. O anarquismo é definido como uma teoria política baseada na premissa de que todas as formas de governo interferem, necessariamente, na liberdade individual. Segundo alguns estudiosos, o anarquismo decorreu da radicalização das idéias do Iluminismo, levadas às últimas consequências. Um dos pensadores iluministas, Diderot, dizia: “não quero dar nem receber leis”. Embora o Anarquismo defendesse uma natureza de revolução, não acatava o objetivo de levar a formação de outro Estado que obrigasse qualquer tipo de autoridade ou poder coercitivo sobre a sociedade. As fábricas, as cidades e as moradias – as aliadas da injustiça social. A Revolução Industrial atraiu para as cidades industrializadas, multidões de pessoas em busca de melhores condições de vida como imaginavam existir nos centros urbanos. Na realidade, a vida nos centros urbanos era mais segura que nas povoações interioranas; todavia, o custo era inatingível para quem não tivesse um rendimento compatível. O despreparo profissional das pessoas que constituíam os contingentes populacionais egressos do campo para os trabalhos oferecidos nas incipientes fábricas e centros comerciais dos centros urbanos gerou sérias frustrações e repercutiu gravemente no agravamento da baixa qualidade de vida de seus habitantes. As pessoas que já viviam nas cidades, em sua maioria, trabalhadores e artesãos que ocupavam uma pequena oficina em galpões improvisados ou cortiços onde funcionavam pequenas fábricas que produziam bens de consumo como peças de vestiário, bebidas e cigarros, baixaram seu padrão de vida já muito carente. As moradias disponíveis eram péssimas e os serviços públicos como água, esgoto, luz e transporte, inexistentes: “uma família grande, nas classes mais baixas, tornou-se expressão comum de um grau de extrema miséria e desgraça”. Na Inglaterra, uma pessoa em sete recebia auxílio das taxas para a pobreza. Caracterizando um quadro severo de injustiça social e má distribuição das propriedades. A doutrina social da Igreja A Doutrina Social da Igreja é caracterizada por conceitos inscritos em encíclicas e pronunciamentos dos Papas e se baseia em pensamento multissecular com origem no início da Era Cristã. Destaca-se a Encíclica Rerum Novarum do Papa leão XIII (1810 – 1903) que data de 15 de maio de 1891. Encíclica: Carta solene, dogmática ou doutrinária, dirigida pelo papa ao clero do mundo católico, ou somente aos bispos de uma mesma nação. O papa Leão XIII, antes de assumir o papado, desempenhava a função de delegado papal na cidade de Perúgia, onde dedicou especial atenção à educação e a orientação social de seus fiéis. Prelado de ideias liberais foi muito inspirado pela filosofia de Santo Tomás de Aquino e após assumir o papado, em suas encíclicas, Leão XIII fundamentouas na teologia e no conhecimento das ciências. Segundo Leão XIII, o propósito da Doutrina Social da Igreja, em meados dos séculos XVIII e XIX, foi “levar os homens a corresponderem, com o auxílio também da 21 reflexão racional e das ciências humanas à sua vocação de construtores da vontade terrena”. Os valores que fundamentaram a Doutrina Social da Igreja foram: a Verdade, a Justiça e a Liberdade. Como Verdade, a Igreja afirmava que “a busca da verdade é uma tendência natural do homem”. Quanto à Liberdade pontificava que, “toda pessoa, criada a imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como livre e responsável”. A justiça era “sinônimo de respeito à dignidade humana; o que é justo não é determinado pela lei, mas pela identidade profunda do ser humano”. As encíclicas papais que fundamentam princípios e valores não consideram questões técnicas; não sugerem modelos de organização social e não propõem sistemas ou doutrinas econômicas. Em 1865, foi publicado o primeiro documento que trata de questões relativas à Doutrina Social da Igreja Católica. A Igreja não aprovava, em sua Doutrina Social, as ideologias totalitárias associadas ao comunismo e ao socialismo. Na prática do capitalismo, uma encíclica papal condenou a hegemonia das leis de mercado aplicadas ao trabalho humano porque contraria o que a Igreja preceitua como Justiça Social. A encíclica Rerum Novarum (Coisas Novas) defende a organização dos trabalhadores em sindicatos, a propriedade privada e ratifica o Estado como responsável pela defesa dos trabalhadores. Como consequência da incansável atuação de Leão XIII, foram criados em países europeus, partidos católicos na Alemanha, Bélgica e França que, por sua vez, passaram a influir nas ações dos governantes. interrompido. No século XVIII, triunfou a fé na razão humana. As ciências A Ciência moderna surgiu como decorrência do Renascimento e da Revolução Intelectual ocorrida na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Três livros assinalaram o início da publicação de obras científicas: – da autoria de Nicolau Copérnico, Revoluções dos Copos Celestes; – da autoria de André Vesálio, Estrutura do Corpo Humano; e – da autoria de Girolamo Cardano, A Grande Arte sobre as Regras da Álgebra. O apogeu das Ciências ocorreu no século XVIII e, em parte, se deve à obra científica de Isaac Newton (1643 - 1727). Cabe destacar, no campo do conhecimento científico do século XVIII, o início do estudo sistemático da Eletricidade, da Química, da Medicina, das Ciências Biológicas e o despertar das Ciências Sociais. Isaac Newton - Acervo da Wikimedia Foundation As artes As Ciências e as Artes Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, as Ciências e as Artes – enfim, o desenvolvimento intelectual – não foi A Pintura e a Arquitetura seguem a tendência do barroco. Na pintura barroca, os artistas procuram manifestar o desejo de ostentação e provocar as emoções de quem observa o quadro. Era proibida a exposição de figuras nuas em pinturas religiosas. 22 Roma foi o centro irradiador do barroco: seus artistas dedicaram-se, principalmente, à representação de santos e à construção de templos religiosos. Na França, no início do século XVIII, apareceu uma nova tendência denominada rococó (da palavra francesa “rocailles”), especialmente, na corte de Luís XIV, em Versalhes. O rococó manifestava a ostentação e a riqueza de detalhes. 23 UD X - CRISE DO ANTIGO REGIME E A CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO Bill of Rights Tomada da Bastilha Máquina a vapor - James Watt Posse de George Washington 24 CRISE DO ANTIGO REGIME E A CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO SÍNTESE O Antigo Regime foi um sistema de governo monárquico absolutista, típico da Europa, no início dos tempos modernos. No plano político, o soberano concentrava os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, baseado na Teoria do Direito Divino. A Sociedade estava dividida em três estados: o primeiro, o Clero; o segundo, a Nobreza e o terceiro, o resto da população. O Renascimento, que assinalou o início dos tempos modernos, criou novos universos de conhecimentos filosóficos, entre eles, o Humanismo, Racionalismo e o Liberalismo, que fundamentaram o Iluminismo e concorreram para modificar as relações entre governantes e governados. As Revoluções Inglesas do século XVII, a Revolução Francesa e a Revolução Americana promoveram o declínio do Absolutismo Monárquico e o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico. Associados à Revolução Industrial, tiveram como consequência a descoberta da máquina a vapor, do tear mecânico e de uma série de inovações que concorreram para iniciar a industrialização da Inglaterra, no século XVIII e, posteriormente, da Europa. O crescimento econômico da Inglaterra, durante a Era Vitoriana (1837 – 1901), a estabilidade política e a gradual ascensão da classe operária aos direitos políticos consolidaram a Inglaterra como potência hegemônica, assim como sua capacidade de influenciar, decisivamente, no século XIX, a consolidação do Capitalismo. 25 Revolução Inglesa Considerações Iniciais A partir do século XVI, a Europa foi sacudida pela eclosão de movimentos de caráter econômico, político-social e ideológico, que tornavam evidentes as tensões decorrentes da transição da economia feudal para o mercantilismo, fase inicial do Capitalismo. Os primeiros sinais concretos desse momento crítico da era moderna, surgiram na Inglaterra, no século XVII. Motivada por fatores de ordem política, econômica e religiosa, foi o único país europeu em que a luta contra o absolutismo consumou-se antes da Revolução Francesa. Um período de transformações profundas, conhecido por Revolução Inglesa, marcou o enfraquecimento do poder absoluto dos reis, cujas prerrogativas, em sua maior parcela, tiveram que ser transferidas ao Parlamento, dando origem ao regime parlamentarista de governo, vigente até os nossos dias. Constituindo-se em um único processo revolucionário, o movimento inglês teve início com a Revolução Puritana de 1640 e culminou com a Revolução Gloriosa de 1688. Antecedentes Históricos A Britânia era habitada pelos povos celtas desde o século V a.C, até ser invadida pelos romanos e anexada ao Império, em 43 d.C. Províncias romanas – século I Através do canal da Mancha, a Britânia tinha importantes ligações comerciais com os Belgas da Gália e, para Roma, isso representava uma ameaça a seus domínios na região. Com a conquista, tornou-se província romana regida por um governador. Desde o início, a nova província gerava em Roma uma sensação de insegurança, exigindo permanente presença militar. Contínuas revoltas impuseram a execução de grandes obras que facilitassem o acesso das legiões ao norte da ilha, razão pela qual foi construída uma ponte sobre o rio Tâmisa. As crescentes dificuldades romanas com os bárbaros no continente, durante o final do século IV e no século V, fizeram com que as legiões romanas, em 410 d.C, se retirassem da Britânia. Contudo, deixaram dentre outros legados, o cristianismo. Iniciada no século V, a cristianização da Europa prolongou-se até o século XI, com a conversão dos pagãos e de cristãos não católicos (Igreja Ortodoxa). Estimulados pelo Papa Gregório Magno (590-604), monges seguiram para a Britânia, onde os anglo-saxões foram convertidos. Outros sacerdotes partiram da Irlanda, que já fora cristianizada, para converter os bárbaros do norte da Inglaterra 26 e os pagãos da Escócia. Essas duas correntes evangelizadoras mais tarde entrariam em choque, visto que surgiriam pontos conflitantes em seus ensinamentos. Sem condições de se defenderem dos inimigos escotos e pictos, os habitantes Celtas, em 449 d.C, buscaram o apoio de tribos germânicas, em particular, os jutos, saxões e frísios, da Germânia setentrional, bem como os anglos, oriundos da região correspondente à atual Dinamarca. Os germânicos, por sua vez, agindo como invasores, estabeleceram-se nas áreas mais férteis do sudeste, construindo ainda mais vilas e aumentando a população local, a partir do século V. Egberto de Wessex Resultantes da fusão dos povos invasores, os anglo-saxões se estabeleceram no centro-sul da ilha, na região que corresponde, hoje, à Inglaterra, formando diversos reinos independentes. Sobrepondose aos demais, Egberto de Wessex, tornou-se o primeiro suserano sobre toda a Inglaterra. fortemente influenciada pelos dialetos dos anglos e dos saxões. Os anglo-saxões começaram a sofrer investidas dos normandos (vikings provenientes da Normandia – norte da França) desde o século VIII, mas somente em 1066, foram dominados por Guilherme, Duque da Normandia, que foi coroado Rei. A dominação normanda Guilherme I e os seus sucessores preferiram viver na Normandia e nos feudos franceses, muito mais rendosos. Para consolidar o seu poder na Inglaterra, os reis normandos construíram inúmeras catedrais e castelos e estabeleceram um método eficaz de cobrança. Com objetivos fiscais, Guilherme I determinou a elaboração do Domesday Book, um levantamento da população do reino. Nesse período, apesar do interesse da coroa na integração da elite normanda com os anglo-saxões, estes eram discriminados na atribuição de títulos e cargos governativos. As duas etnias mantiveram-se separadas, inclusive pela língua, já que os normandos permaneceram fiéis ao francês, que se tornou uma língua oficial da Inglaterra. Os celtas-bretões sobreviventes refugiaram-se no oeste (Gales), ao norte (Escócia) e na atual Bretanha Francesa. Os invasores não demonstraram qualquer interesse pela cultura local. Isso pode ser constatado pelo fato de que quase nenhum traço da língua celta pode ser percebido na língua inglesa, que foi 27 Durante a dominação normanda, deu-se intensa migração populacional do campo para as cidades. Londres, no fim do século XII, já possuía 20 mil habitantes. As cidades se formavam na medida em que o rei autorizava os senhores feudais a ter mercados em seus domínios. A partir daí o comércio se intensificou na Inglaterra. A paisagem, essencialmente, rural cedia lugar a ruas e estabelecimentos comerciais, peculiares das áreas urbanas. A Dinastia Plantageneta Em 1154, a dinastia normanda chegou ao seu fim, com Henrique II, primeiro governante da dinastia Plantageneta, assumindo o trono inglês. Dentre as medidas mais significativas de Henrique II destacam-se a promulgação do primeiro livro de leis e a adoção do julgamento pelo tribunal do júri. Seus filhos Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra, tornaram-se reis da Inglaterra. Ricardo Coração de Leão Início da Formação do Estado Nacional Inglês O Parlamento – Origem A Carta Magna Vem dos bárbaros que dominaram o norte da Europa e dos germânicos invasores do Império Romano, a tradição de se estabelecer uma assembléia popular representativa, visando a limitar o poder dos governantes e a garantir a preservação e a defesa das liberdades gerais. Na Inglaterra, essa tradição foi enfatizada por duas peculiaridades específicas: a instituição de uma assembléia, composta de membros eleitos dentre os “Cavaleiros do Condado” (Knights of the Shire) e burgueses oriundos das cidades e a existência de um documento que garantia direitos elementares e universais. O documento em questão era uma declaração, que foi arrancada ao rei João (1199-1216), irmão e sucessor de Ricardo Coração de Leão (1189-99), depois da revolta dos barões em 1215. Essa declaração ficou conhecida como “Carta Magna” (Magna Charta). A Carta Magna impedia que o Rei governasse sobre a propriedade pessoal e sobre a liberdade de qualquer cidadão, exceto em caso de autorização concedida pelos demais cidadãos de sua classe. Uma de suas disposições mais importantes, vetava ao Rei exigir contribuições financeiras dos súditos sem o seu consentimento prévio. Essa permissão resultaria de uma assembléia especial convocada com esse objetivo. 28 Tal fato ficou registrado na História como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), que foi travada entre França e Inglaterra, por razões políticas e econômicas e perdurou por mais de um século, alternando períodos de paz e de lutas intermitentes. O Rei João Sem Terra assinado a Magna carta Acervo da Wikimedia Foundation A Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes Apesar de tudo, a Carta Magna não foi respeitada por João e, tampouco, por seu sucessor Henrique III, que pretendia governar com plenos poderes. A Assembléia especial, o Parlamento, tinha como finalidade funcionar como autêntico mediador nas relações entre o monarca e o povo. Crescendo, progressivamente em relevância com Eduardo I (1272-1307), a instituição desdobrou-se em duas câmaras: a dos Comuns, constituída dos membros eleitos dos condados e das cidades e a dos Lordes, representada pelos grandes senhores e pelo clero. Esse Parlamento, contudo, naquela oportunidade, ainda carecia de representação popular, por não contar com plebeus em seus quadros. A Guerra dos Cem Anos Foi um fato histórico, de extrema relevância na formação dos estados nacionais europeus, que provocou profundas transformações na vida econômica, social e política da Europa Ocidental, nos séculos XIV e XV. Um surto de peste bubônica - “A Peste Negra”, como ficou conhecida assolou a Europa, no século XIV, matando milhões de pessoas, impondo uma trégua forçada de dez anos. O poderio inglês e a obstinação francesa em resistir, justificam a longa duração do conflito. Cumpre destacar que a pólvora foi pela primeira vez empregada em combate, na batalha de Crecy (1346), ao norte da França. O sucesso abriu caminho para as tropas inglesas ocuparem Calais e dominarem ambas as margens do Canal da Mancha, até 1358. Milhares de mortos em ambos os lados, rastros de destruição nas terras e pesadas perdas para a agricultura francesa, foi o que restou ao final da guerra. Em contrapartida, o rei da França tomou posse 29 das propriedades território francês. feudais inglesas em A guerra das Duas Rosas Rosa Vermelha dos Lancaster Rosa Branca Rosa Tudor dos York criada no término da guerra civil No período que teve início em 1453 e prolongou-se até 1485, a Inglaterra viu-se envolvida em um conflito interno. A “Guerra das Duas Rosas”, como foi chamada, originou-se de uma disputa dinástica entre a Casa de Lancaster (rosa vermelha), no trono desde 1399, e a Casa de York (rosa branca). Os combates foram muito sangrentos. Com a morte de muitos nobres, seus domínios passaram ao controle do rei, cujo poder ficou fortalecido. A vitória dos partidários do Rei, possibilitou a coroação de Henrique VII, em 1485, dando início à Dinastia Tudor. Henrique VII segurando a rosa de Lancaster Michael Sittow Acervo da Wikimedia Foundation De forma astuciosa, conseguiu manipular procedimentos legais e impor seus interesses à nação, uma vez que podia contar com recursos financeiros decorrentes dos territórios assumidos após a Guerra das Duas Rosas. As guerras “dos Cem Anos” e “das Duas Rosas” contribuíram para o enfraquecimento do poder dos senhores feudais e fortaleceram o absolutismo real, tanto na Inglaterra quanto na França. Os reis da Inglaterra foram, finalmente, obrigados a estabelecer-se nas ilhas britânicas, após a perda da posse de territórios continentais. Alguns historiadores apontam a Guerra dos Cem Anos como marco divisor entre a Idade Média e a Modernidade. Outros, no entanto, preferem identificar o mesmo marco, na tomada de Constantinopla pelo Império Turco Otomano, liderado por Maomé II (1432-1481). Ambas as correntes de pensamento coincidem em um ponto muito importante: o ano de 1453. Consolidação do Estado Nacional na Inglaterra Sob a égide dos Tudors, a Inglaterra vivenciou expressivo crescimento econômico. A monarquia absolutista unificou o país, dominou a nobreza e, rebelou-se contra a autoridade papal, criando o anglicanismo, igreja nacional inglesa. Sob esse aspecto, cabe lembrar que a importância de que o protestantismo desfrutou na Inglaterra, no período compreendido entre os anos 1520 e 1530, deveu-se mais à satisfação dos interesses pessoais de Henrique VIII (15091547), que no início de seu reinado era católico, do que à força das ideias que motivaram a reforma religiosa. Henrique VII obteve a aceitação popular sob a condição de que o Rei “vivesse do que lhe pertencia”, governasse com o rendimento de seus próprios Estados, além do produto de impostos alfandegários. 30 Henrique VIII A Reforma Protestante atingiu o seu clímax, na Inglaterra, durante o reinado de Elizabeth I (1558-1603). Seu governo foi bem sucedido em sua política conciliadora com os líderes protestantes que dominavam a Câmara dos Comuns, numa época em que a maioria do povo ainda era católica. guerra, sempre que possível, Elizabeth II conquistou grande prestígio em face da derrota imposta à Invencível Armada Espanhola, em 1588. A proteção dispensada à industria naval associada a monopólios comerciais possibilitaram atividades que levaram a burguesia a um rápido enriquecimento. O absolutismo real, contudo, começou a ser questionado. Passou a ser visto como um obstáculo, na medida em que sua ingerência dificultava o desenvolvimento dos negócios, particularmente, dos industriais, comerciantes e da gentry, como era chamada a nobreza progressista rural. As relações entre o monarca e seus súditos, na Inglaterra do século XVII, foram decisivas para o surgimento dos primeiros sinais da crise do Antigo Regime, isto é, da agonia do absolutismo. Revolução Inglesa: A origem do movimento Elizabeth I Em 1563, foram adotados os Trinta e Nove Artigos que compõem o texto básico doutrinário do Anglicanismo, fundamentado na combinação de ideias do catolicismo com outras inspiradas nos ideais reformistas. Por essa razão, a Igreja Inglesa tem seus rituais e organização semelhantes aos da Igreja Católica, ainda que sua base tenha forte conotação protestante. O Estado Inglês governado por Elizabeth I foi marcado por uma postura absolutista fortalecida por uma economia, essencialmente, mercantilista, características da base política e econômica do Antigo Regime. Não tendo se casado, a Rainha dedicou-se intensamente aos interesses do Estado. Apesar do seu empenho em evitar a Com a morte da Rainha Elizabeth I, que não havia deixado herdeiros, em 1603, seu primo Jaime I, Rei da Escócia (16031625), assumiu seu lugar, dando início à Dinastia Stuart, a segunda e última dinastia absolutista da Inglaterra. Jaime I Jaime I e, seu filho e sucessor, Carlos I governaram com base numa única 31 diretriz: estabelecer na Inglaterra, uma verdadeira monarquia absolutista. Ambos fracassaram. Reinado de Carlos I O reinado de Jaime I Carlos I (1625-1642) mostrou-se mais autoritário, intolerante e impopular. A exemplo de seu pai, os desentendimentos religiosos se tornaram mais exacerbados, em face das tributações. O reinado de Jaime I foi caracterizado por intensa perseguição religiosa. Convicto do direito divino dos reis, negava, aos súditos e ao Parlamento, quaisquer direitos que não fossem concedidos pela Coroa. A impopularidade do soberano, por ser escocês, tornou-se mais acentuada, na medida em que ele, visando ampliar o poder em suas mãos, buscou fortalecer o anglicanismo, voltando-se contra os católicos e os calvinistas (puritanos), conquistando a ira de boa parte do Parlamento. Os descontentes emigraram para a América do Norte, e deram origem à Comunidade Puritana da Nova Inglaterra. A primeira colônia inglesa em terras americanas, a Virginia, foi fundada em 1584 e, a exemplo das demais colônias que se formaram, posteriormente, no sul, visava a exploração comercial. Entretanto, a prosperidade só aconteceu no início do século XVII, quando a cultura do tabaco se tornou lucrativa. Os monarcas da dinastia Tudor, dispunham de muitos rendimentos e, por esse motivo, tiveram autonomia para governar sem precisar pedir, com muita frequência, a autorização do Parlamento. Jaime I, no entanto, no que se refere a economia, política e religião, enfrentou forte oposição do Parlamento. Essa relação tornou-se mais desgastada quando o rei decidiu, valendo-se de seus poderes, criar novos impostos e aumentar os que já existiam. Um dos sintomas daquela situação conflituosa pode ser constatado no fato de que o governo foi exercido sem o Parlamento no período compreendido entre 1611 e 1621. Carlos I Após assumir o poder, entrou em guerra com a França e com a Espanha. Necessitando de dinheiro, reabriu o Parlamento. Este, por sua vez, impôs ao Rei a assinatura, em 1628, da Petição de Direitos. Tal documento, em que era citada a Carta Magna, proibia o Rei de convocar o exército e de estabelecer novos impostos sem a aprovação do Parlamento. No ano seguinte, Carlos I voltou atrás e, novamente, dissolveu o Parlamento, dominado pela burguesia mercantil e a gentry, e identificada com o puritanismo (forma mais radical do calvinismo); deixou de convocá-lo durante onze anos, marcando um período que ficou conhecido como “Tirania”. Ainda em 1629, assinou a paz com a França e, em 1630, com a Espanha. Entre 1629 e 1640, Carlos I criou novos impostos e restaurou outros. Dentre os impostos restaurados pela coroa, destacamos o ship money, destinado à defesa do litoral inglês. Esse tributo era pago, anteriormente, pelas populações costeiras. Ao ser transformado num tributo nacional 32 anual, provocou o descontentamento entre todas as classes proprietárias. Em 1637, Carlos I ao recusar-se a pagar o ship money, um dos líderes do Parlamento foi julgado e condenado. Tal fato motivou uma revolta geral, em 1639/1640, contra o pagamento do imposto. Visando a restabelecer o poder e o prestígio da Igreja Anglicana, durante o reinado de Carlos I, foi revisto o valor dos dízimos e realizada a recuperação das propriedades pertencentes à Igreja. Procedeu-se, também, a reorganização da hierarquia do clero e o estabelecimento de um ritual solene para as cerimônias e demais cultos religiosos. Isso desagradou profundamente os puritanos. Novamente tentou-se impor o anglicanismo aos ingleses, escoceses e irlandeses, mas os puritanos e presbiterianos reagiram, tornando-se alvos de novas perseguições. Com uma política externa de aliança com a Espanha, de não envolvimento na guerra dos Trinta Anos, ao lado dos protestantes, de aproximação com o Papado (sua esposa francesa era católica), escandalizou a Nação que passou a considerá-lo cada vez mais ligado ao Papa. Por outro lado, sua política de colonização da Irlanda, ia de encontro aos interesses da burguesia de Londres, porque o Rei pretendia implantar naquela ilha um regime autoritário e feudal e organizar um exército poderoso. Reaberto em 1640, por força da necessidade, uma vez que Carlos I encontrava-se sem dinheiro e sem poder contar com tropas em que pudesse confiar, o Parlamento impôs condições para aprovar recursos propostos pelo Rei. Nova ameaça de dissolução deu origem a uma guerra civil, que durou sete anos. O processo revolucionário começou com a Revolução Puritana de 1642 e terminou com a Revolução Gloriosa de 1688. As duas fazem parte de um mesmo processo revolucionário, daí a denominação de Revolução Inglesa do século XVII. A Revolução Puritana A revolta de parlamentares puritanos e presbiterianos contra o absolutismo, foi o estopim para a deflagração do conflito. Guerra Civil, 1645 Na guerra civil deflagrada, confrontavam-se dois partidos políticomilitares. De um lado, os cavaleiros, que permaneceram solidários com o Rei Carlos I, apoiados pelo clero, pela aristocracia do norte e do oeste do País e pelos grupos favorecidos pelos monopólios reais. De outro, os Cabeças Redondas (assim chamados por não usarem perucas) que apoiavam o Parlamento, destacando-se a burguesia mercantil e o empresariado rural, na sua maioria puritanos e presbiterianos, liderados por Oliver Cromwell. Apesar dos reveses sofridos, os revoltosos venceram as tropas da monarquia. O rei Carlos I foi preso, julgado e decapitado em 30 de janeiro de 1649, a Câmara dos Lordes foi abolida e Cromwell proclamou a República, em 19 de maio daquele mesmo ano. Cromwell e a República Os primeiros anos de República foram conturbados. Cromwell invadiu a Irlanda e reprimiu uma rebelião contra seu governo e depois venceu o Exército Escocês que invadira a Inglaterra. Unificou, então, a 33 Inglaterra, a Escócia e a Irlanda numa só República, que ele chamou de Commonwealth. O novo regime implantado na Inglaterra, contava com um Conselho de Estado constituído de 41 membros supervisionados pela Câmara dos Comuns. A Restauração Carlos II, filho de Carlos I, ao tornarse rei em 1660, deu início à Restauração. Carlos II Cromwell A fim de proteger a produção inglesa, Cromwell promulgou vários decretos. O Ato de Navegação, assinado em 1651, determinava que a comercialização de mercadorias fosse realizada somente por navios ingleses ou dos países onde fossem produzidas. A medida impulsionou o capitalismo inglês, favoreceu a indústria naval e a burguesia mercantil, mas prejudicou a Holanda, que, em represália, declarou guerra à Inglaterra. Durante o conflito (1651 a 1654), Cromwell ampliou seus poderes encomendando uma nova Constituição que lhe conferiu o título de Lorde Protetor (1653), ao mesmo tempo em que era dissolvido o que restava do Parlamento. Derrotada a Holanda, em 1654, a Inglaterra tornou-se a maior potência marítima do mundo. Governando com poderes tão tirânicos quanto os da monarquia, Cromwell impôs aos ingleses uma ditadura que se prolongou até 1658, ano em que morreu e o poder passou às mãos de seu filho Ricardo. Sem pulso firme, o novo governante foi, facilmente, deposto em 1659, possibilitando ao Parlamento o restabelecimento da monarquia. O monarca prometeu dar anistia, restituir as terras sequestradas no tempo de Cromwell a seus antigos donos e reconhecer a competência do Parlamento em questões financeiras e fiscais. Além disso, aceitou imposições como, por exemplo, a de não ter exército permanente. Após ter vivido alguns anos na França, Carlos II teve fortalecida a sua preferência pelo catolicismo e pelo absolutismo. Com poderes limitados, ele se aproximou de Luís XIV, com quem se comprometeu a converter-se à religião católica e a estimular os ingleses a fazer o mesmo. Carlos II perseguiu puritanos e adeptos de outras seitas protestantes. Em represália, o Parlamento baixou, em 1673, a Lei do Teste (Bill of Test), documento que contestava o catolicismo e excluía os católicos dos cargos públicos. Além disso, a instituição do Habeas Corpus garantia direito de julgamento aos presos. Nesse contexto surgiram dois partidos: os whigs, contra o rei e próParlamento e os tories, defensores das prerrogativas reais. Em 1665, Carlos II teve que lidar com dois grandes problemas: uma epidemia de peste negra e um incêndio, de grandes proporções, em Londres. 34 A peste negra (1665-1666), matou um quinto da população de Londres, forçando a família real e sua corte a deixar a cidade rumo a Oxford. Em 1666, Londres foi atingida por um grande incêndio. O incêndio atingiu mais de 13.000 casas e 87 igrejas, dentre elas a Catedral de St. Paul. A crise interna gerada pela perseguição ao Parlamento, bem como a peste e o incêndio de Londres, desgastaram Carlos II, política e economicamente. A Revolução Gloriosa A morte de Carlos II, em 1685, fez subir ao trono seu irmão Jaime II. O novo soberano buscou restaurar o absolutismo e o catolicismo, punindo os revoltosos (whigs), aos quais negava o habeas-corpus, e indicando católicos para funções importantes. Em 1688, após o Rei ter batizado seu filho recém-nascido como católico, o Parlamento convocou Maria Stuart, filha mais velha de Jaime II e seu marido, Guilherme de Orange, governador da Holanda, para ocupar o trono. Foi um movimento pacífico. Enquanto Guilherme de Orange ocupava Londres com seu exército, Jaime II refugiava-se na França. Declarado o Trono vago, o Parlamento proclamou Guilherme e Maria, Rei e Rainha da Inglaterra. a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), baixada em 1689, que decretava: - o Rei não podia cancelar leis parlamentares e o Parlamento poderia dar o trono a quem lhe aprouvesse após a morte do rei; – haveria reuniões parlamentares e eleições regulares; – o Parlamento votaria o orçamento anual; – inspetores controlariam as contas reais; – o monarca deveria ser membro da Igreja Anglicana, não poderia organizar um exército sem autorização nem cobrar impostos. Os ministros passaram a tomar as decisões, sob autoridade do lorde tesoureiro. Funcionários passaram a dirigir o Tesouro e, em época de guerra, orientavam a política interna e externa. A Declaração de Direitos criava um novo pacto entre o Rei e a Nação. O monarca seria apenas um depositário do poder que, efetivamente, emanaria do povo, através de seus representantes eleitos. Fundamentava-se ali o princípio da monarquia parlamentar, consagrada na máxima de que “o Rei reina, mas não governa”, cabendo ao Parlamento, a função de governar de fato o País. Ainda em 1689, o Ato de Tolerância instituiu, na Inglaterra, a liberdade religiosa, apesar das restrições feitas ao catolicismo e ao judaísmo. Em 1694, formou-se a estrutura fundamental para o desenvolvimento do país: o Parlamento, o Tesouro e o Banco da Inglaterra. Jaime II Guilherme III e Maria II (16891702), os novos soberanos, tiveram de acatar Parlamento Inglês 35 Consequências da Revolução Inglesa A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema da época moderna, identificado com o Absolutismo. Abolida a monarquia absolutista na Inglaterra, após a Revolução Gloriosa, instituiu-se em definitivo, naquele País, o sistema parlamentarista de governo. A partir de 1688, o poder político na Inglaterra deixou de ser influenciado pelo catolicismo, muito embora, a Igreja Anglicana tenha guardado traços de organização e doutrinários semelhantes aos da Igreja Católica. Livre do controle imposto pela Igreja Católica, a nova sociedade inglesa se afigurava como um ambiente cada vez mais propício à difusão e fortalecimento dos princípios liberais defendidos por filósofos como John Locke (1632-1704) no século XVII e, no século XVIII, por Adam Smith (1723-1790). A Revolução Inglesa criou condições favoráveis à Revolução Industrial do século XVIII, abrindo o caminho para o avanço do capitalismo. Precursor da Revolução Francesa, o movimento inglês pode ser considerado a primeira revolução burguesa da história da Europa. Leitura Complementar A bandeira do Reino Unido, como a conhecemos nos dias de hoje, foi formada pela superposição de três estandartes. Inicialmente, o inglês representado por uma bandeira branca contendo a cruz vermelha de São Jorge, padroeiro do país, e o escocês, com a cruz branca de Santo André sobre fundo azul, se mesclaram em um único estandarte, com a união dos dois reinos, em 1606. Posteriormente, em 1801, a ele foi anexada a cruz vermelha de São Patrício, correspondente à Irlanda do Norte. O quarto componente do Reino Unido, o País de Gales, manteve a sua própria bandeira, com o dragão vermelho sobre fundo branco e verde. Adaptado do Almanaque das Bandeiras, de Marcelo Duarte, São Paulo: Editora Moderna Ltda, 2001. 36 A Revolução Industrial As bases da Revolução Industrial Considerações Iniciais A Revolução Agrícola A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas que resultaram em profundas transformações no processo produtivo da Europa do século XVIII, tanto no campo econômico quanto no social. A Revolução Industrial implicou na utilização da máquina a vapor e do carvão; teve como consequências o aumento da produção, a expansão da atividade comercial e a substituição da produção artesanal pela produção fabril. O capitalismo comercial típico do mercantilismo foi substituído pelo capitalismo industrial. Quando o capital procedia das atividades comerciais, a maior parte do lucro cabia aos comerciantes e lucrava mais quem comercializava a mercadoria e não quem a produzia. Na fase do capitalismo industrial, o capital passou a ser gerado pela transformação de matérias primas em produtos manufaturados. Os artesãos deixaram de ser os produtores e foram absorvidos pelo trabalho assalariado, administrado pelos detentores dos bens de produção. Estimuladas pelos bons ventos soprados pela Revolução Gloriosa, na Inglaterra, ainda nos anos setecentos, essas transformações se concretizaram, na Europa, por uma combinação de vários fatores, dentre os quais destacamos: uma atuante classe de comerciantes, favorecida por um bem sucedido comércio ultramarino e um aumento populacional que garantia mercado e uma reserva de trabalhadores, para atender à demanda das fábricas em crescente desenvolvimento, apesar das péssimas condições de trabalho. Durante muito tempo, os grupos humanos buscaram os meios necessários à sua sobrevivência, deslocando-se de uma região para outra, como nômades, sem moradia fixa. Tal conduta encontra justificativa no fato de que, até o final do período Paleolítico, viviam na dependência da caça de animais e da coleta de frutos e vegetais, cuja disponibilidade variava de acordo com as condições climáticas e do terreno. Há cerca de 30 mil anos, a Revolução Agrícola ou Neolítica marcou o início da sedentarização do homem, isto é, sua fixação em uma região e a adaptação da mesma às suas necessidades, por intermédio do desenvolvimento de atividades produtivas. O despertar para a agricultura possibilitou a produção e o armazenamento de alimentos, criando condições favoráveis ao surgimento das primeiras vilas e cidades. Com o passar do tempo, o aumento progressivo da organização social permitiu a diversificação na produção e o incremento de práticas comerciais. O Desenvolvimento Tecnológico na Idade Média A palavra energia deriva do grego ergos, que significa trabalho. Na história da Humanidade, o desenvolvimento tecnológico sempre dependeu da energia, considerada como a capacidade de realizar trabalho, visando a gerar movimento, fundamental, desde a Antiguidade, à vida das sociedades humanas, que, avançando a cada século, desenvolveram processos de transformação, transporte e armazenamento de energia. No entanto, por muitos séculos, a energia para o trabalho proveio da força física dos escravos – normalmente, os 37 derrotados nas guerras – que, associada a dos animais domesticados. Outras naturezas de energia foram sendo introduzidas com o desenvolvimento tecnológico de cada época. Introduzida no século II a.C, para ampliar a capacidade de moagem de grãos, a energia hidráulica foi amplamente utilizada, no período medieval, na captação de energia: da água (azenha), para o acionamento de máquinas. O principal uso foi da energia dos cursos de água fazendo funcionar a máquina dos moinhos, girando a roda que transmitia movimento à mó, grande peça circular de pedra que moía os grãos com mais velocidade e força, aumentando a produção. O outro uso de energia hidráulica era o produzido pelo movimento das marés. No século XII, a energia eólia (dos ventos) surgiu como mais uma alternativa para fazer funcionar os moinhos, pelo movimento das quatro pás que faziam movimentar a “mó”. Dessa forma, o trabalhador medieval, tanto na cidade como no campo, contava com a energia dos moinhos, em suas diferentes formas de captação da energia, em complemento ou substituição à força de trabalho servil. Com a 1ª. Revolução Industrial, os e os avanços tecnológicos do século XVIII, foram muitas as inovações técnicas introduzidas na Europa Ocidental, entre os séculos IX e XIII, impulsionando a economia. A partir de 1708, o emprego do cavalo como força motriz foi um poderoso auxiliar na expansão da economia. A primeira invenção, nessa linha, foi a da máquina de semear puxada por cavalo, que possibilitou a mecanização da agricultura: não só por acelerar as atividades na lavoura, mas também, por facilitar o transporte de materiais pesados. Tamanha foi a importância atribuída à energia hípica, que a palavra cavalo passou a ser usada para denominar unidade de potência (“cavalo-vapor”, símbolo CV; “horse-power”, símbolo HP, ou simplesmente cavalo, como por exemplo, um “motor de 50 cavalos”). O Liberalismo de Adam Smith O economista escocês Adam Smith (1723-1790) foi um dos teóricos mais influentes do capitalismo moderno e responsável pela Teoria do Liberalismo Econômico. Seu livro Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776), é considerado uma das obras fundadoras da ciência econômica. Nele, estão definidos os prérequisitos para o liberalismo econômico e a prosperidade das nações, tais como o combate aos monopólios, a não-intervenção do Estado na economia, a livre negociação do contrato de trabalho entre patrões e empregados e o livre comércio entre os povos. Adam Smith Na opinião do autor escocês, o Estado era um fator de limitação à liberdade dos indivíduos e, portanto, deveria intervir o mínimo possível sobre a economia. Sem a intervenção do Estado, o progresso aconteceria por intermédio do capitalismo e da liberdade individual. O Pioneirismo da Inglaterra As bases da Revolução Industrial foram lançadas na Inglaterra do século XVIII, uma vez que sua economia havia crescido mais do que a de qualquer outro país da Europa, no período e era rico em carvão mineral e ferro, matérias-primas 38 essenciais para os notáveis avanços tecnológicos que marcariam aquele momento histórico. O liberalismo produziu a uma farta legislação incentivadora da propriedade individual, determinando o fechamento de campos, pastos e terrenos ociosos, para serem transformados em terras cercadas, usadas como propriedade privada, administradas por grandes proprietários rurais. Por outro lado, a burguesia inglesa, por sua vez, dispunha de capital suficiente para garantir o funcionamento das fábricas nas áreas urbanas. Esse quadro, e o aumento do efetivo de pessoas que passaram a dispor de recursos que lhes permitia produzir e adquirir bens oferecidos no mercado, levou ao êxodo rural. O êxodo do homem do campo para os centros urbanos em busca de trabalho nas manufaturas, proporcionava mão-de-obra abundante, apesar de nãoqualificada. Embora o trabalhador inglês não fosse bem remunerado, ainda assim vivia em melhores condições do que os demais trabalhadores europeus, devido ao mercado que se expandia para os produtos manufaturados na Inglaterra. Acumulando recursos desde o século XVI, por intermédio de intensa atividade comercial, a Inglaterra tornou-se polo irradiador do movimento que se alastrou pelo continente europeu, durante todo o século XIX. No ambiente do expressivo impulso pioneiro na produção industrial da época, revelava-se uma nova tecnologia para a captação de energia voltada para o movimento, com o uso da máquina a vapor. Tal foi possível, por ser a Inglaterra dotada de grandes reservas de minério de ferro e de carvão mineral. Valendo-se do carvão, Abraham Darby, em 1709, tornou viável o barateamento da produção de ferro. Com os grandes lucros obtidos, principalmente, a partir da ampliação do seu Império Colonial, em meados do século XVIII a Inglaterra exportava ¾ de sua produção para o restante da Europa. No início do período oitocentista, a América do Norte consumia 32% das mercadorias saídas dos portos ingleses. O carvão seria o grande propulsor do maquinário surgido no rastro das invenções que possibilitaram o progressivo aperfeiçoamento das técnicas de fabricação. Mina de Carvão – Londres A evolução tecnológica Para que as fábricas pudessem desenvolver seu trabalho de produção em larga escala, tornou-se indispensável o emprego de crescente uso de máquinas. No final do século XVII (1698), o inglês Thomas Newcomen consegue escoar água de uma mina de carvão, valendo-se de um motor a vapor. Primeiro setor a progredir com o desenvolvimento tecnológico, a indústria têxtil inglesa teve um impulso notável quando, em 1765, a máquina a vapor deThomas Newcomen, foi aperfeiçoada pelo escocês James Watt, passando a transformar energia térmica em trabalho mecânico. Somando-se a isso, a invenção de máquinas de fiar e teares, tornou possível melhorar a produtividade no processamento do algodão. Máquina a vapor – James Watt 39 Em 1764, James Hargreaves, carpinteiro e tecelão, inventa a fiadora “spinning jenny”, assim chamada em homenagem à esposa do inventor. Tratava-se de uma máquina de fiar rotativa, em condições de produzir, simultaneamente, dezesseis fios. Quatro anos depois, o barbeiro Richard Arkwright, inventa um bastidor hidráulico, que ele chamou “spinning-frame”, uma máquina de fiar mais avançada que a “spinning jenny”. Arkwright, em 1771, ainda iria introduzir o sistema fabril em sua tecelagem, ao acionar a sua máquina – já então conhecida como “water-frame” - com a força da água nas pás de uma roda. Os inventos de Hargreaves e Arkwright combinados, inspiraram Samuel Crompton, em1779, na concepção da “spinning mule”, capaz de produzir fios mais finos e resistentes, além de substituir uma considerável quantidade de operários na produção de tecido. Em conseqüência, o temor de serem dispensados de seus empregos, motivou a destruição de fábricas por trabalhadores, após a introdução do tear mecânico a vapor, em meados de 1780, na Inglaterra, por Edmund Cartwright. Outra invenção, de grande importância nos Estados Unidos da América foi o descaroçador de algodão. Inventado em 1793, por Eli Whitney, nos Estados Unidos da América, possibilitou que as plantações da Georgia, lavradas por escravos, se mantivessem lucrativas e capazes de atender ao aumento da demanda. Porém, para a Humanidade, os avanços nos transportes foram os que mais caracterizaram a transformação econômica vivida no globo, com a aplicação do vapor à engenharia do movimento. Em 1807, uma embarcação a vapor desenvolvida por Robert Fulton, em 1803, na Grã-Bretanha, podia ser vista navegando no rio Hudson, nos Estados Unidos. Ainda no século XIX, a Inglaterra já podia dispor de estradas de ferro com locomotivas a vapor, em face do invento de George Stephenson. Locomotiva a vapor Graças a essas máquinas, a rapidez na colocação dos produtos exigiu a ampliação das metas de produção de mercadorias. Os lucros dos donos de fábricas cresceram e motivaram o investimento na instalação de indústrias, criando um círculo virtuoso. As plantas fabris se espalharam rapidamente pela Inglaterra e pelo mundo, provocando mudanças profundas no modo de vida e na mentalidade de milhões de pessoas. A partir da 1ª Revolução Industrial, o mundo tornou-se mais veloz. A Industrialização na Europa Descaroçador de algodão – Pithead Apesar da expansão industrial européia, até 1850, a Inglaterra manteve-se em destaque dentre os países industrializados, porque, apesar de contarem com fábricas e equipamentos modernos, os demais países europeus não haviam desenvolvido, ainda, a tecnologia 40 empregada nas fábricas inglesas. Cada país se desenvolveu em ritmo diferente, em função de suas condições sócio-econômicas e culturais. Oficina de laminação Na Europa, o norte da França, o Vale de Ruhr, na Alemanha e alguns lugares na Bélgica, podiam ser considerados centros de desenvolvimento industrial com uma certa importância, por serem regiões mineradoras de carvão. A Expansão Industrial pelo Mundo Após 1830, a produção industrial se descentralizou da Inglaterra e se expandiu pelo mundo. A unificação da Alemanha decorrente da vitória da Prússia sobre a França na Guerra Franco-Prussiana, em 1870, provocou, naquele país, um surto de desenvolvimento industrial, particularmente no que se refere a produção de ferro fundido. Também, em 1870, a unificação política da Itália, efetivada nos mesmos moldes da ocorrida na Alemanha, favoreceu a industrialização no norte do País. Na Rússia, a industrialização se deu, somente, no final do século XIX. Embora já estivessem utilizando máquinas a vapor desde o final do século XVIII, os Estados Unidos a América só viria a ser reconhecido como país industrializado, após a Guerra da Secessão (1861-1865), com nítida distinção entre os estados do Norte e os do Sul. Por serem escravistas e essencialmente agrários, estes retardaram a acumulação de capital. Só após concluída a abolição da escravatura elevou-se a produtividade da mão de obra e a disponibilização de recursos estimulou a industrialização, principalmente no que se refere à produção de locomotivas, que teve um grande impulso com o desenvolvimento das ferrovias. A modernização do Japão que, após a assimilação da tecnologia do ocidente, passou a ser um dos mais desenvolvidos países do mundo, deu-se no início da era Meiji, em 1867, com o fim do sistema feudal e o estabelecimento da propriedade privada. A Segunda Revolução Industrial A partir de 1870, o mundo passou a vivenciar um período que ficou conhecido como Segunda Revolução Industrial. Caracterizada por uma série de progressos na produção industrial, em que novos inventos possibilitaram o aperfeiçoamento das tecnologias empregadas inicialmente. Esse período marca a ascensão da Alemanha e dos Estados Unidos ao patamar das potências industriais. Nos países industrializados, a população urbana tornara-se, a cada dia, maior do que a rural, valorizando a importância das cidades. No setor têxtil, os teares foram aperfeiçoados. O crescente emprego das estradas de ferro e dos navios a vapor, no provimento de transporte rápido, fizeram do aço uma matéria-prima de elevado valor na atividade industrial. Por essa razão, foram sendo desenvolvidas, progressivamente, técnicas que permitiram a produção de aço de excelente qualidade, a custos cada vez mais baixos. Ainda sobre a metalurgia, já no século XX, a indústria bélica obteve ganho significativo, com a descoberta acidental de cientistas da siderúrgica alemã Krupp, a respeito da fabricação de aço inoxidável. 41 Avanços nos campos da química, da eletricidade, da produção de petróleo e do aço, dentre outros, tornaram possível a construção de navios de aço movidos a vapor; o progresso da aviação; a produção maciça de bens de consumo; a refrigeração mecânica; a invenção do telefone, do rádio, do telégrafo sem fio e do cinematógrafo. A energia elétrica tornou-se indispensável para fazer funcionar as máquinas, iluminar as vias urbanas e as residências, bem como movimentar transportes urbanos mais sofisticados, como os bondes; os meios de transportes e de comunicações encurtaram as distâncias entre os povos. O motor de combustão interna estimulou a invenção dos automóveis, o seu permanente aperfeiçoamento e o desenvolvimento de diversas alternativas em combustíveis. A indústria química revelou-se um fator importante no campo fabril, tornandose responsável pelo fornecimento de matérias primas sintéticas, corantes, fertilizantes, plásticos, explosivos, além de outros produtos, aos mercados de todo o mundo. E ao final do Século XIX, a produção do petróleo corresponderia a um ponto de inflexão nas condições de vida no planeta, contribuindo para grandes feitos de evolução, porém estimulando crises, conflitos e guerras. A Classe Operária Na Baixa Idade Média, no início da atividade comercial urbana, o artesanato representava a única forma de produção industrial praticada. O artesão era proprietário da oficina e das ferramentas. Em alguns casos, os artesãos se organizavam em grupos e dividiam etapas do trabalho. Normalmente, entretanto, um mesmo artesão desenvolvia todas as etapas do processo produtivo, desde a obtenção da matéria-prima até à comercialização do produto acabado. Essas atividades eram realizadas em oficinas, muitas vezes precárias, mas sob seu controle, em suas próprias casas. Com o advento da Revolução Industrial, a produção em larga escala, os trabalhadores ficaram à margem do controle do processo produtivo. Na condição de operários, passaram a controlar, somente, o funcionamento das máquinas, cujos donos passaram a receber todos os lucros. Vivia-se, a partir de então, o capitalismo em pleno funcionamento. De um lado, a burguesia, detentora dos meios de produção; de outro, a força de trabalho, tratada por uma expressão que começava a ser repetida, para caracterizar os operários: - o proletariado. O liberalismo dos anos setecentos, motivador das transformações de ordem econômica, política e social, na Europa, responsáveis pela definição uma nova forma de regime, trouxera em seu bojo, também, mazelas para parcela da nova sociedade que se formara. As condições de vida do trabalhador haviam sido profundamente alteradas. O intenso deslocamento da população rural para as cidades, originara enormes concentrações urbanas, expostas as doenças causadas, principalmente pela insalubridade. Era comum os trabalhadores viverem em cortiços e terem que trabalhar até 80 horas por semana, em troca de uma remuneração aviltante. As dificuldades, vivenciadas no sistema fabril, começaram a ser estudadas e discutidas e, pouco a pouco, em conversas e panfletos, e em livros, os operários, homens e mulheres que compunham a sacrificada força de trabalho, foram adquirindo a consciência de classe, a noção de que faziam parte de um grupo de indivíduos com interesses particulares e distintos dos integrantes de outras classes sociais. A consciência das diferenças sociais resultante da Primeira Revolução Industrial A disparidade dos tipos de vida, a desigualdade dos recursos, acabam por 42 criar como que duas humanidades diferentes: de um lado, o capitalismo, industrial, financeiro, bancário, favorecido por disposições legislativas, e do outro, uma massa assalariada que a seu favor só tem a sua capacidade de trabalho físico, que não possui reservas nem recursos, uma mão-deobra não qualificada vinda diretamente do campo em busca de trabalho e que se vê obrigada a aceitar a primeira oferta de emprego que encontra. Introdução à História do Nosso Tempo: Do Antigo Regime aos nossos dias - René Rémond. O Movimento Operário O quadro inicial de dissociação entre dois grupos, cujas relações se caracterizavam por comando e subordinação, rapidamente evoluiu para antagonismo, motivando o surgimento de novas ideias, inspiradoras de doutrinas sociais e econômicas que priorizavam a valorização do trabalho e do indivíduo, em confronto com a realidade capitalista. Não eram idéias novas, pois os pensadores do Iluminismo e os principais enciclopedistas delas já tratavam desde antes da Revolução Francesa. Assim surgira o Socialismo, propondo uma sociedade igualitária, em que todos deveriam ter os mesmos direitos sobre a riqueza. O socialismo construía-se como fonte de inspiração da classe operária, na organização de um movimento para a defesa de seus interesses e satisfação de suas reivindicações profissionais. Sua essência traduz uma reação contra o individualismo, preconiza a subordinação do indivíduo ao interesse e às necessidades do grupo social. Tem como tônica a crítica do liberalismo individualista, que permite ao detentor da propriedade privada dos meios de produção, exercer domínio sobre os trabalhadores. Orientado por lideranças intelectuais socialistas, operariado era despertado para o conflito social, manifestando sua insatisfação de diferentes formas. O Movimento Luddita (1811-1812) Os conflitos começaram a surgir, com a falta de empregos, cuja culpa era imputada à máquina, que os substituía no mercado de trabalho, restringindo os postos de trabalho, em especial nas áreas urbanas. A primeira das mais importantes ações violentas, ocorreu quando alguns radicais desencadearam na Inglaterra, em 1811, um movimento em que invadiram fábricas e destruíram máquinas, sob a liderança de Ned Ludd. A severa reação governamental resultou na prisão, deportação ou condenação à morte na forca dos “Ludditas” como ficaram conhecidos os manifestantes. As “Trade Unions” Com o passar do tempo, na Inglaterra, os trabalhadores foram se conscientizando de que, na verdade, sem uma legislação que lhes desse amparo na reivindicação de suas necessidades, na luta pela igualdade jurídica, suas necessidades teriam que ser satisfeitas por tentativas violentas. . A organização em associações sindicais foi a solução. Denominadas “Trade Unions”, só obtiveram o reconhecimento de pleno direito em 1875, com a aprovação da chamada Lei do Patrão e do Operário. Mas não foi tão pacífica sua inserção na vida jurídica da Inglaterra. Apesar da Lei de 1875, os sindicatos tiveram que se engajar em algumas disputas, na conquista da plenitude dos direitos. Para tanto, organizaram-se politicamente, mas só nos anos 90 do século XIX, foi fundado um Partido Trabalhista, que conseguiria eleger candidatos, nas eleições de 1906. 43 A Revolução Francesa Antecedentes Históricos Considerações Iniciais A Gália A Revolução Francesa foi um movimento social e político, que ocorreu no final do século XVIII, ao mesmo tempo em que a Europa vivia as transformações da Revolução Industrial. O movimento não foi um episódio puramente francês. Tinha ligação com outros movimentos. A Revolução teve por objetivo principal derrubar o Antigo Regime e instaurar, na França, um Estado democrático em que as leis garantissem os direitos de todos os cidadãos. Seus ideais políticos eram semelhantes aos da Revolução Inglesa, por terem sido desencadeadas contra o poder monárquico absoluto, com vistas a instituir uma forma republicana de governo. A exemplo da Revolução Inglesa, no século XVII, o movimento francês marca a ascensão da burguesia ao poder e a crise do Antigo Regime. Ideologicamente, a Revolução Francesa, também, foi fortemente influenciada pela Revolução Americana, uma guerra de libertação exterior, na sua essência, mas sem dúvida alguma, uma nova contestação dos fundamentos e das formas de governo. Além disso, impostos e relações sócio-econômicas eram questões de extrema relevância em ambos os casos. O atual território da França, abrange parte das terras da Europa ocidental que, na Antiguidade, eram habitadas pelos celtas. Os romanos chamaram de Gália toda a região, quando a ocuparam e incluíram como província, em 222 a.C. Sob Roma, a Gália desfrutou de uma prosperidade efetiva. Os romanos a cristianizaram, protegeram-na contra as invasões germânicas e fundaram grandes cidades, tais como Lyon, Arles, Toulouse, Bordeaux e Lutécia (Paris). 44 Os Francos O Idioma Francês Fracionado após a invasão dos visigodos, burgúndios e francos, no século V, o território da Gália só voltou a unir-se sob o reinado de Clóvis (481-511), que unificou as diversas tribos francas e expandiu seus domínios até os Pireneus. Dentre os povos germânicos que invadiram a Gália, os francos foram os únicos a exercer uma influência profunda e durável nos acontecimentos que marcaram a História ocidental. Com a ocupação da Gália por Júlio César, no século I a.C, os gauleses foram, progressivamente, abandonando a linguagem dos celtas e passando a adotar o latim, falado pelas legiões romanas. No século VII, o latim já se apresentava com inúmeras modificações devido à influência dos povos bárbaros de origem germânica e à inclusão de palavras derivadas do grego. O fato é que resta muito pouca influência dos celtas no francês atual. A maior parte do 45 vocabulário tem origem latina e germânica, em decorrência da língua dos francos. Um idioma próprio foi de extrema relevância para a formação do Estado e da identidade cultural da França. O reino franco passou por várias partilhas e repartições, já que os reis daquele povo dividiam sua terras entre os filhos, prática essa, geradora de muitos conflitos familiares. Temos nesse fato uma das origens remotas do sistema feudal. O analfabetismo foi um limitador na produção de registros escritos sobre os francos. Podemos afirmar, contudo, que duas dinastias se sucederam naquele reino: os merovíngios e os carolíngios. A Religião dos Franceses Um fato marcante para a dinastia merovíngia, foi o casamento, em 493, de Clóvis com a princesa burgúndia Clotilde, que era católica. Ao converter-se ao catolicismo, Clóvis estimulou seus guerreiros a seguir seu exemplo e abriu caminho para a influência da Igreja nos destinos dos povos do ocidente. Após sua morte, em 511, o reino foi dividido entre seus quatro filhos cujos descendentes, pelos dois séculos seguintes, trataram de expandir ainda mais o território dos francos. A Expansão do Reino dos Francos Em meados do século VII, seus domínios cobriam as áreas ocupadas, na atualidade, pela França, pela Bélgica, pela Holanda e por parte da Alemanha, desmembradas em três regiões. administradas por funcionários denominados “mordomos de palácio”. Um deles, Pepino, o Breve, ao depor o último rei merovíngio, em 752, deu início ao reinado dos carolíngios, governando até 768. O Renascimento Carolíngio Carlos Magno, filho de Pepino, o Breve, destacou-se como um grande líder da cristandade ocidental e pelo valor cultural inestimável de sua obra, o renascimento carolíngio, como ficou registrado na História. Carlos Magno e Pepino, o Breve Batismo de Clóvis Acervo da Wikimedia Foundation Além de dar continuidade ao processo de cunhagem de moedas (valendose do antigo sistema dos gregos e romanos) iniciado por seu pai, ele promoveu notável reforma na educação, resgatando o saber clássico por intermédio do ensino literário (gramática, retórica e dialética) e do ensino científico (aritmética, geometria, astronomia e música). Carlos Magno decretou, em 787, a restauração de antigas escolas e a fundação de novas, sob a responsabilidade dos mosteiros, em toda a extensão do reino dos 46 Francos. Estas escolas serviriam de base para muitas das universidades medievais. Carlos Magno deixou marcas na História da Europa Ocidental, tendo conseguido levar aos povos conquistados, a unificação religiosa pela conversão ao cristianismo. Além disso, expandiu seus domínios na tentativa de restaurar o território do antigo Império Romano do Ocidente. Coroado como primeiro imperador do Sacro Império Romano-Germânico, no natal de 800, pelo Papa Leão III, Carlos Magno reinou como soberano de todos os francos até 814. Após a morte de Carlos Magno e de uma disputa sucessória bastante conflituosa, o Tratado de Verdun (843) estabeleceu a divisão do império franco entre seus três netos, traçando os limites entre regiões que, mais tarde (século XIX), iriam dar origem à Itália, à Alemanha e à França, bem como do atual Estado do Vaticano. Feudalismo na Europa Ocidental Origens A lealdade ao monarca reinante e a concessão de terras era uma combinação comum na Gália merovíngia, em face do hábito dos governantes distribuírem propriedades aos súditos leais. Mas foi no decorrer do século VIII, sob a dinastia carolíngia, que a vassalagem (homenagem pessoal) e o benefício (concessão de terras), foram se fundindo. Associadas à ideia de honra, a partir do século IX, as doações tornaram-se arrendamentos condicionados à prestação de serviços juramentados. Beneficiados diretamente por Carlos Magno, uma classe de vassi dominici, vassalos do Imperador, era constituída por proprietários de terra local, que forneciam o núcleo do exército carolíngio. O sistema apresentava variações, como a dos vassalos beneficiários de príncipes, que por sua vez prestavam vassalagem ao soberano. 47 A Instituição do Feudalismo As imunidades legais que, inicialmente, eram privilégios exclusivos da Igreja, passaram a ser concedidas aos guerreiros servidores do trono. Os vassalos possuidores de imunidades ficavam protegidos contra a intervenção da corte sobre sua propriedade. Surgia daí a instituição do “feudo”, como uma terra delegada, investida de poderes jurídicos e políticos, em troca da prestação de serviço militar. Por ocasião da morte de Carlos Magno, as bases do sistema feudal já haviam sido lançadas e a unidade do império não demorou a ruir, mercê dos conflitos sucessórios e da regionalização da aristocracia, que outrora dera sustentação à estrutura política centralizada do reino dos francos. No final do século IX, os senhores rurais da Europa ocidental e da França, em particular, não dispunham de uma força armada permanente e contavam apenas com uma lenta capacidade de mobilização. Erigir castelos e fortificações foi a única alternativa que lhes restou no intuito de resistir a uma nova onda de ataques de bárbaros e consolidar o seu poder local. Cidade Medieval A fixação dos senhores regionais hereditários nas províncias e a submissão do campesinato a uma total servidão, marcaram o surgimento do feudalismo, sistema econômico que iria se consolidar por toda a Europa, ao longo dos dois séculos seguintes. Sistema Feudal A Formação da Monarquia Absolutista Francesa A Centralização do Estado Depois da partilha do império de Carlos Magno, em 843, a dinastia carolíngia permaneceu no trono por pouco mais de um século. A autoridade real, contudo, ao final do século X, era simbólica. Reduzira-se na medida em que se fortalecera o poder dos senhores regionais. Com a morte do último rei carolíngio, não havendo descendentes, Hugo Capeto, importante senhor feudal, foi eleito rei. Na eleição do sistema feudal, a vitória recaía sobre o Senhor de maior prestígio. A dinastia capetíngia conseguiu, após sucessivas eleições, estabelecer a hereditariedade da coroa, mas somente no século XII, o processo de centralização do Estado foi iniciado pelo rei Filipe II. Valendo-se da cobrança de impostos conseguiu organizar um poderoso exército. A vitória contra os ingleses, pelo controle do norte da França, possibilitou a ampliação da autoridade real diante dos senhores feudais. Foram sendo criadas, progressivamente, instituições jurídicas sob o controle de leis nacionais e a economia comercial foi beneficiada com a instituição de uma única moeda nacional. 48 A Formação dos Estados Gerais Em 1302, foi criada a Assembléia dos Estados Gerais, que era composta pelo clero (Primeiro Estado), a nobreza (Segundo Estado) e os pequenos proprietários de terra, a burguesia, os camponeses, os servos e os sans-culottes (Terceiro Estado), que correspondia a cerca de 96% da população. Sans-culottes era a denominação dada pelos aristocratas aos artesãos e outros trabalhadores que não usavam os elegantes calções justos que apertavam no joelho usados pela nobreza. A nobreza, contando com uma série de privilégios, rapidamente, adaptou-se à centralização, enquanto que a burguesia integrou-se ao Estado absolutista comprando cargos públicos, títulos de nobreza e terras. O absolutismo francês atingiu sua plenitude com Luís XIV (1643-1715), que ficou conhecido como o “Rei Sol”, a quem foi atribuída a expressão: O Estado sou eu. O Absolutismo Monárquico A supremacia da autoridade monárquica francesa, ao longo do século XIV, ainda sentiu-se ameaçada em face de disputas fiscais e territoriais com a Inglaterra, que resultaram na Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Ao final do conflito, contudo, as vitórias sobre os ingleses fortaleceram politicamente Carlos VII, que foi coroado rei da França. O Estado Absolutista francês consolidou-se no reinado de Luís XIII (1610-1643). O cardeal Richelieu, nas funções de Primeiro Ministro, empenhou-se em reduzir a autonomia dos nobres e tornar ilimitada a autoridade do rei. No campo econômico, visando fazer da França a maior potência européia, incrementou as práticas mercantilistas. Luís XIV Acervo da Wikkimedia Fundation Com a morte de seu Primeiro Ministro, a partir de 1661, sem admitir qualquer contestação, passou a exercer a forma de governo que marcou a Europa na Idade Moderna: a monarquia absolutista, que tinha como base econômica o mercantilismo e, fundamentada na teoria do direito divino, concentrava nas mãos do soberano todos os poderes do Estado. O Movimento Revolucionário Causas da Revolução Cardeal Richelieu Acervo da Wikkimedia Fundation Dentre os diversos fatores que concorreram para a eclosão da Revolução Francesa, podemos assinalar: – a grande influência do Iluminismo e da Revolução Científica; – As disparidades sociais; 49 – os excessos praticados pelo governo absolutista; e – a influência da independência dos Estados Unidos da América. A grande influência do Iluminismo e da Revolução Científica O Iluminismo e a Revolução Científica foram responsáveis pela mudança de mentalidade na Europa. A França viu surgir, no século XVII, o Iluminismo, corrente de pensamento que defendia o predomínio da razão sobre o misticismo. Dentre seus principais arautos destacaram-se: Voltaire (1694-1778), que defendia a liberdade de pensamento e batiase contra a intolerância religiosa; JeanJacques Rousseau (1712-1778), defensor da ideia de um estado democrático igualitário; Montesquieu (1689-1755), idealizador da divisão do Estado em três Poderes; Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), que juntos reuniram conhecimentos e pensamentos filosóficos da época em uma única obra: “A Enciclopédia”, divulgando os anseios da burguesia, em oposição ao absolutismo e à Igreja Católica. As disparidades sociais Voltaire Naquele país, os ideais iluministas atingiram o seu apogeu no século XVIII. Seus defensores inspiraram as críticas contra as estruturas políticas e sociais absolutistas e a maneira de conduzir a revolução liberal burguesa. Rousseau A sociedade francesa da segunda metade do século XVIII possuía dois grupos muito privilegiados: o Clero e a Nobreza, que além de contarem com isenção tributária, ainda usufruíam do tesouro real por meio de pensões e cargos públicos. Esses dois grupos oprimiam e exploravam um terceiro constituído por burgueses, camponeses sem terra e os “sans-culottes”, sobre os quais incidiam os impostos e contribuições. Os excessos praticados pelo governo absolutista Os elevados custos da Corte de Luís XVI, deixaram as finanças do país em situação difícil. Por outro lado, as riquezas eram mal distribuídas. O absolutismo e a concessão de privilégios prejudicava os interesses da burguesia ligada ao comércio e à manufatura. Este segmento, apesar de contribuir com recursos para o Estado, não tinha participação na sua administração e, portanto, clamava por amplas reformas. Como elemento complicador, o setor agrícola, por volta de 1780, estava em crise, devido às geadas que prejudicavam a produção alimentícia. As condições de 50 trabalho também não eram favoráveis e, por essa razão, os camponeses viram-se forçados a vender bens e instrumentos de trabalho como meio de sobrevivência. O êxodo no campo foi inevitável e, em consequência, deu-se o aumento populacional nas áreas urbanas, onde o trabalhador era explorado nas fábricas, vivia em condições precárias de salubridade e alimentava-se, basicamente, de pão preto. A quantidade de alimentos produzida era insuficiente e, o aumento do preço do pão estimulou um clima de revolta. Apesar do caos econômico e do descontentamento geral, a monarquia francesa do século XVIII não conseguia promover reformas necessárias à eliminação dos privilégios e à melhoria da vida no país. A influência da independência dos Estados Unidos da América Assim como o ocorrido na Inglaterra do século XVI e nas lutas pela independência norte-americana, a Revolução Francesa foi fortemente influenciada pelas ideias humanistas difundidas, na Europa, a partir do renascimento cultural característico do final da Idade Média, que direcionaram o homem moderno para um senso crítico mais elevado e para uma maior atenção às necessidades humanas. Leitura Complementar A revolução cujo objetivo real era abolir, por toda parte, as instituições da Idade Média, não explodiu nos países onde estas instituições, melhor conservadas, faziam sentir ao povo com mais força seu rigor e sua opressão. Ao contrário, naqueles onde menos se fazia sentir, seu jugo pareceu mais insuportável. No final do século XVIII, a servidão ainda não tinha sido completamente abolida em quase nenhuma parte da Alemanha e o povo continuava positivamente preso à gleba como na Idade Média. Quase todos os soldados compondo os exércitos de Frederico II e de Maria Teresa, eram verdadeiros servos. Havia muito tempo que nada semelhante existia na França. O camponês ia e vinha onde queria, comprava, vendia, negociava como queria. Vestígios de servidão não existiam mais na Normandia desde o século XIII. Na França houve ainda uma outra revolução, esta referente à condição do povo: o camponês não tinha tão somente deixado de ser servo: tornou-se proprietário rural, escapara por completo ao governo do seu senhor. Se o camponês não tivesse a posse da terra, teria ficado insensível a diversos encargos que o sistema feudal impunha à propriedade rural. Daí a razão dos direitos feudais terem se tornado mais odiosos ao povo da França que o de qualquer outro lugar. Adaptado do livro O Antigo Regime e a Revolução, de Aléxis de Tocqueville, São Paulo: Editora HUCITEC, 1989. A Revolução Burguesa A Assembléia dos Estados Gerais Luís XVI Quando Luís XVI convocou uma Assembléia dos Notáveis (1787), composta de integrantes da nobreza, do clero e da burocracia, para apreciar um projeto que 51 incluía o lançamento de um novo imposto sobre a propriedade da nobreza e do clero, a Assembléia não aprovou a medida e, não atentando para o fato de que seus privilégios dependiam do Absolutismo, pediu ajuda à burguesia para lutar contra a autoridade real. Desta feita, a Revolta da Aristocracia ou dos Notáveis (1787-1789) foi desencadeada, exigindo a convocação da Assembléia dos Estados Gerais, instituição que não era reunida desde 1614, para deliberar sobre o projeto de reformas. Pressionado pela crise econômica, o rei Luís XVI convocou a Assembléia dos Estados Gerais. evitar uma derrota, os representantes do Terceiro Estado, exigiram que o voto fosse emitido por cabeça. A Assembléia Nacional Constituinte As primeiras ações dos revolucionários deram-se quando, contrariados em suas pretensões, membros comissionados do Terceiro Estado, se autoproclamaram Assembléia Nacional Constituinte. Agitação nas províncias e camponeses declarando-se livres de suas obrigações feudais, deram início ao que culminou, em 14 de Julho de 1789, com a tomada da prisão da Bastilha, símbolo do poder real e depósito de armas, oportunidade em que foram libertados os presos políticos. Na sequência, a revolução no campo tornou-se mais violenta. Os camponeses além de saquear as propriedades feudais, invadiram e queimaram os castelos e cartórios, a fim de destruir os títulos de propriedade das terras. Sessão inaugural dos Estados Gerais, em Versalhes (1789) Acervo da Wikkimedia Fundation Após os trabalhos preparatórios, dentre eles, o registro, por escrito, das queixas das três ordens, a Assembléia reuniu-se em maio de 1789, no Palácio de Versalhes. O rei em seu discurso de abertura da sessão inaugural, fez questão de enfatizar que os assuntos a serem discutidos ficariam limitados à reorganização financeira do reino e ao sistema tributário. O desejo de limitar o poder real era comum aos três estados, mas o clero e a nobreza não tinham a menor intenção de aprovar as reformas propostas pelo Terceiro Estado, uma vez que pretendiam preservar seus privilégios. Por tradição, a votação não era feita individualmente, e sim por estados. Para A Tomada da Bastilha A violência das ações contra nobres, funcionários reais e a alta burguesia, iriam disseminar o medo por vários segmentos da população. Substituindo a flor-de-lis, símbolo da monarquia francesa, uma bandeira tricolor, passou a ser considerada a bandeira nacional e, em toda a França, foram organizadas unidades da milícia e governos provisórios. 52 Bandeira da França A bandeira composta por três faixas verticais (azul, branca e vermelha, nessa ordem) representa a Revolução Francesa. O azul identifica o Poder Legislativo; o branco, o Poder Executivo e, o vermelho caracteriza o povo francês. As faixas com as mesmas dimensões, significam que a divisão do poder deve ser feita forma igualitária. A bandeira tricolor também simboliza o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. A Declaração dos Direitos do Homem Depois de suprimir todos os privilégios, as imunidades e os direitos feudais, a Assembléia Nacional redigiu e aprovou, em 26 de agosto de 1789, a “Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão”. Inspirada na “Declaração de Independência dos Estados Unidos”, o documento enfatizava que “os homens nascem e permanecem livres e têm igualdade de direitos”. A declaração traduzia os desejos das classes médias, predominantes na Assembléia e que lutavam por igualdade de todos perante a lei, acesso dos cidadãos aos empregos públicos, proteção contra prisões e punições arbitrárias, liberdade de expressão verbal e de imprensa, distribuição igualitária de impostos e a inviolabilidade da propriedade privada. Os ideais da revolução ficaram sintetizados nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Alegoria com os ideais revolucionários A Constituição Civil do Clero Diante das necessidades imediatas de recursos, foram confiscadas as terras da Igreja e, em 1790, a Assembléia promulgou a “Constituição Civil do Clero”, que subordinava a Igreja ao Estado e dava aos sacerdotes a condição de funcionários públicos. Essa atitude gerou protestos em parte do clero, rompimento das relações com a Santa Sé, em maio de 1791 e, iria provocar um levante de camponeses católicos, em 1793. Temendo por sua segurança, representantes da nobreza buscaram refúgio no exterior, planejando à distância organizar uma reação armada. Para tanto, contavam com o apoio de estados absolutistas, que viam no movimento revolucionário francês uma ameaça aos seus domínios. A Monarquia Constitucional Em 03 de setembro de 1791, a Assembléia Nacional votou a primeira Constituição do Estado, assumindo a condição de Assembléia Legislativa. Instituía-se, assim, a Monarquia Constitucional, em que o rei deixava de ser o senhor do Estado, para ser o seu primeiro servidor, devendo submeter-se à Nação e às leis. Apesar da limitação do poder real diante dos poderes Legislativo e Judiciário, a pessoa do rei continuava sendo considerada inviolável, sagrada e com direito a veto sobre as deliberações da Assembléia. 53 Estavam, assim, traçadas as linhas gerais para o surgimento, na França, de uma sociedade burguesa e capitalista no lugar da anterior, feudal e aristocrática. A situação do povo mais pobre, porém, pouco tinha mudado. Nas cidades a situação tornava-se cada vez mais calamitosa. A Proclamação da República A Constituição de 1791 garantia a liberdade comercial, o direito à propriedade privada mas, também, dividiu a sociedade por nível de renda. Os cidadãos ativos, eram os eleitores mais abonados, que podiam votar e ser votados; os passivos, eram como a maioria da população, pobres e sem direito a voto. Os pobres, portanto, não tinham muito o que comemorar, porque haviam sido mantidos à margem do processo eleitoral e sujeitos às agruras da fome. Demonstraram sua insatisfação por meio de motins e revoltas de toda ordem, tornando-se, com a repressão governamental, vítimas de verdadeiros massacres. Após uma mal sucedida tentativa de fuga da família real, em 1791, Áustria e Prússia, lançaram a Declaração de Pillnitz, manifestando apoio à restauração da monarquia francesa. A Assembléia considerou esta ação como uma intromissão direta nos assuntos internos da França e declarou guerra aos dois países, em abril de 1792. Diante da invasão do território francês, em agosto de 1792, pelas forças estrangeiras, o povo foi chamado a defender a revolução. Os inimigos internos foram responsabilizados pela situação e, entre 2 e 6 de setembro, suspeitos de atividades contrarevolucionárias foram violentamente massacrados, num episódio que ficou conhecido como o Massacre de Setembro. Verdun, última defesa de Paris, foi sitiada pelos prussianos. Sob o comando de Danton, Robespierre e Marat, o povo em armas passou a integrar a Comuna Insurrecional de Paris, a fim de opor-se ao invasor, ao mesmo tempo em que uma multidão exigia eleições gerais para a escolha de uma Convenção Nacional. Em 20 de setembro, as tropas revolucionárias francesas, famintas, maltrapilhas, mas motivadas pelos acordes da Marselhesa (o hino da revolução que viria tornar-se Hino Nacional Francês), venceram a Batalha de Valmy. Luís XVI e Maria Antonieta foram presos, sob a acusação de traição ao país. A esses fatos seguiram-se a abolição da monarquia e a proclamação da República. A Comuna no 9 Termidor do Ano II. Acervo da Wikkimedia Fundation A Primeira República A República recém criada, passou a ser conduzida pela Convenção, cuja organização foi realizada por intermédio do voto, com partidários de correntes distintas. Essas correntes ficaram assim representadas: Girondinos – Pertenciam à burguesia comercial e manufatureira. Defendiam o sistema republicano apoiado no liberalismo e na propriedade privada. Seus membros sentavam-se à direita do presidente da mesa da Assembléia e, por isso mesmo, foram considerados do partido da direita. Jacques Pierre Brissot: líder dos girondinos no processo da Revolução Francesa Acervo da Wikkimedia Fundation 54 Jacobinos ou Montanheses – Republicanos favoráveis ao sufrágio universal, eram representantes da pequena burguesia, dos profissionais liberais e das camadas populares. Ocupavam as posições do alto e à esquerda do presidente. Eram do Partido da Esquerda. Os Cordeliers, apesar de terem os mesmos objetivos dos Jacobinos, eram mais moderados e optavam por uma república centralizada; Montanheses, como eram também chamados, compunham a esquerda radical, representada pela pequena burguesia apoiada pelos sans-culottes, as massas populares de Paris. A execução de Luís XVI Robespierre: líder dos jacobinos no processo da Revolução Francesa Acervo da Wikkimedia Fundation Os da Planície ou do Pântano – Corrente integrada pelas alta e média burguesia. Seus membros não tinham corrente política definida e votavam conforme a ocasião. Ocupavam as posições centrais na Assembléia. A Convenção A Convenção, dirigida inicialmente pelos Girondinos, revelou-se politicamente contraditória, porque ao mesmo tempo em que combatia o absolutismo, mostrava-se conservadora ao procurar acordos com a nobreza, ao ser benevolente com o rei e ao posicionar-se contra os revolucionários mais radicais. A descoberta de documentos comprometedores, contra o rei, estimulou os Jacobinos a exigir a execução de Luís XVI, que foi consumada, na guilhotina, em janeiro de 1793. Os Jacobinos ou Essa medida extrema contra o rei provocou, no exterior, a criação de uma Primeira Coligação contra a França, reunindo a Inglaterra, a Prússia, a Espanha e a Holanda. Somando-se a isso, no departamento de Vendéia, no oeste da França, camponeses contra-revolucionários, instigados pela Igreja, pela nobreza e pelos ingleses, tomaram o poder local. Antevendo o perigo, a Convenção, a esta altura já dominada pelos jacobinos de Marat e Robespierre, tratou de criar órgãos, tais como o Comitê de Salvação Pública e o Tribunal Revolucionário. Na escalada extremista, os líderes Girondinos foram presos e guilhotinados. Contando, ainda, com o apoio do moderado Danton, a Convenção Jacobina ou Montanhesa, inaugurou o período ditatorial que entrou para a História como “o Terror”. O Terror Durante esse período, que durou cerca de um ano, entre 1793 e 1794, o governo revolucionário controlado pelos Jacobinos, suspendeu as garantias civis e, valendo-se do Comitê de Salvação Pública, perseguiu e assassinou seus adversários. A Convenção tratou, também, de reorganizar a estrutura administrativa do Estado e substituir o culto a Deus pelo culto à Razão 55 que, logo em seguida, cedeu lugar a outra religião que acreditava na imortalidade da alma. Georges Jacques Danton Acervo da Wikkimedia Fundation O regime do Terror chegava ao seu ponto final, tendo antes conseguido controlar a revolta na Vendéia e conquistado importantes vitórias contra a Primeira Coligação. Leitura Complementar Um novo calendário foi adotado pelo governo republicano, tendo início em 22 de setembro. Ele se dividia em 12 meses de 30 dias – que receberam nomes da natureza ou ciclos agrícolas –e, para completar os 365 do ano, os 5 dias restantes foram considerados feriados em homenagem aos sansculottes. Esse calendário não agradou aos operários e camponeses, porque ele aboliu o domingo, os dias santos e as festas cristãs. Com isso, os dias de descanso foram reduzidos de 52 para 41, o que favoreceu aos patrões. Esse sistema foi abolido em 1º de janeiro de 1806, durante o império, após 12 anos de duração. O que, a princípio, se afigurava como uma perseguição velada aos Girondinos, transformou-se numa caçada implacável a todo indivíduo apontado como sendo "inimigo" da Revolução, resultando em execuções maciças de milhares de pessoas. Alguns ESTAÇÕES MESES SIGNIFICADO antigos colaboradores, como Vindimário Mês da vindima (colheita de uva) Danton, também não OUTONO Brumário Mês da bruma (nevoeiro) conseguiram escapar 22/set a 20/dez Frimário Mês da geada (frimas, em francês) dos excessos de Nivoso Mês da neve Robespierre e INVERNO Pluvioso Mês das chuvas acabaram sendo 21/dez a 20/mar Ventoso Mês dos ventos levados à guilhotina. Germinal Mês da germinação Segundo David PRIMAVERA Floreal Mês das flores Thomson, no livro 21/mar a 18/jun Prairial Mês dos prados (prairie, em francês) Europe since Messidor Mês da colheita (messis, em latim) Napoleon, VERÃO Termidor Mês do calor (therme, em grego) aproximadamente,70 19/jun a 16/dez Frutidor Mês das frutas % das vítimas eram camponeses e trabalhadores urbanos. Dias de feriados dedicados aos sans culotes: de 17 a Graças ao episódio denominado O 21 de setembro Golpe do Nove de Termidor (09 de julho de (Fonte: L’État de la France pendant la Revolucion 1794), a alta burguesia (Girondinos) 1789 - 1799) reassumiu o poder, marcando o fim de qualquer participação popular no movimento. O Tribunal Revolucionário e o Comitê de Salvação Pública foram extintos e Robespierre foi executado na guilhotina, juntamente com mais de uma centena de Jacobinos. 56 O Diretório Em 1795, a Convenção elaborou uma nova Constituição que estabelecia que o Poder Executivo seria exercido por um Diretório, composto de cinco membros, o poder Legislativo funcionaria com um Conselho dos Quinhentos, encarregado da elaboração das leis e, com um Conselho dos Anciãos, com autoridade para vetar ou aprovar tais leis. Além disso, determinava a substituição do sufrágio universal pelo voto censitário, fazendo com que parcela significativa da população continuasse marginalizada. No governo do Diretório, sobressaíam os homens de negócios, financistas, camponeses proprietários, fornecedores do Exército. Esse grupo de pessoas que, de alguma forma, haviam se beneficiado com a Revolução, revelou-se corrupto e financeiramente incompetente. A crise econômica e a anulação de medidas sociais favoráveis ao povo, que haviam sido adotadas pelos Jacobinos, suscitou a eclosão de revoltas e conspirações, originadas tanto à direita (monarquistas ou realistas) quanto à esquerda (Jacobinos). Uma vez que os desejos da população e da burguesia eram divergentes, os sans-culottes, liderados por Graco Babeuf, tentaram organizar, em 1796, a Conjuração dos Iguais. Seus seguidores defendiam a igualdade de direitos e melhores condições de vida para o povo. Para eles, a igualdade só seria alcançada por meio da abolição da propriedade privada. A insurreição foi desarticulada e seus líderes foram condenados à guilhotina. Visando conter manifestações internas de oposição ao governo, bem como enfrentar o inimigo externo, materializado, particularmente em 1799, pela Segunda Coligação, unindo Inglaterra, Áustria e Rússia, a força armada foi amplamente empregada. Nesse segmento destacou-se a figura de Napoleão Bonaparte, que acumulou vitórias ao liderar o Exército Francês, no período em que o Diretório manteve-se no poder. Com o Estado em crise e a sociedade insatisfeita, não foi difícil ao general Napoleão Bonaparte consumar o golpe que, em 18 de outubro de 1799 (18 de Brumário), pôs fim à República Termidoriana, inaugurando a Era Napoleônica, sob o regime de Consulado. A Era Napoleônica No consulado, de acordo com a Constituição posta em vigor a contar de janeiro de 1800, o Poder Executivo deveria ser exercido por três cônsules. Na prática, contudo, quem detinha o poder era o próprio Napoleão, que fora eleito primeiro-cônsul da República. Revelando-se um grande administrador, Napoleão tratou de reorganizar as finanças do Estado e restabelecer as relações com os países vizinhos, tanto pela diplomacia quanto pela força das armas. Conseguiu, com isso, através de um plebiscito, tornar-se Cônsul vitalício, com o direito de designar seu sucessor. Napoleão Bonaparte Governando como um monarca, Napoleão apoiava a censura à imprensa, a ação violenta dos órgãos policiais e a neutralização da oposição ao governo, colocando em questão os ideais de 57 “liberdade, igualdade e fraternidade”, característicos da Revolução Francesa. Dentre suas realizações de maior importância, podemos assinalar, em 1804, a promulgação de um Código Civil, fundamentado no Direito Romano, que serviu de exemplo para outros Estados. Somando-se a isso, Napoleão promoveu a realização de obras públicas, adotou medidas de proteção à industria, desenvolveu o sistema educacional e fortaleceu a economia do país. Apesar de não ser a religião oficial, após entendimentos com a Igreja, o Catolicismo voltou a ser aceito na França, tendo na pessoa do Papa, o líder espiritual dos sacerdotes e devotos. Tratado de Fontainebleau Aclamado pelo povo francês, ao retornar pouco tempo depois, Napoleão esteve no poder por, aproximadamente, cem dias. Vencido na batalha de Waterloo, em junho de 1815, morreu em 1821, na ilha de Santa Helena, para onde foi exilado. O Império Ainda em 1804, por intermédio de um plebiscito, valendo-se do prestígio de que desfrutava junto à população, Napoleão foi coroado Imperador dos Franceses. Waterloo O Congresso de Viena Coroação de Napoleão Depois de envolver-se em inúmeros conflitos, que lhe garantiram a notoriedade como um grande general, Napoleão foi, finalmente, derrotado por uma coligação de todas as grandes potências da Europa, em 1813, na Batalha das Nações, em Leipzig. O Tratado de Fontainebleau, celebrado entre os países vitoriosos e Napoleão, marcou o exílio deste na ilha de Elba, em 1814, e a restauração da dinastia dos Bourbons no trono da França, com a coroação de Luís XVIII. A Era napoleônica, provocou transformações políticas e econômicas em toda a Europa. O Congresso de Viena foi uma conferência ocorrida entre o final de 1814 e meados de 1815, celebrada pelas potências que lutaram contra o Império de Napoleão, tendo como objetivos a redefinição das fronteiras políticas européias, o restabelecimento da ordem na França e a garantia da paz no continente europeu. 58 político da Europa, fazendo com que as fronteiras retomassem as configurações préexistentes a 1789; o liberalismo e o nacionalismo exacerbado passaram a ser a tônica do século XIX, a partir de 1815. Comparando a revolução francesa com a Revolução Inglesa, o sociólogo francês Raymond Aron (1905 — 1983), em sua obra O ópio dos Intelectuais, assim se expressou: Congresso de Viena Consequências da Revolução Francesa - A Revolução Francesa semeou uma nova ideologia na Europa. Foi a primeira revolução social da História a sedimentar a ideia de democracia e reformular o conceito de cidadania, forjando um novo modelo de governo e de sociedade. Seus princípios ultrapassaram os limites do território francês, inspirando a eclosão de outros movimentos, inclusive os que resultaram na emancipação das colônias ibéricas no continente americano; O feudalismo e o Estado absolutista tornaram-se coisas do passado. A autoridade ilimitada dos monarcas, os privilégios da nobreza e do clero, bem como as corporações deixaram de existir. A extinção da propriedade feudal e do sistema corporativo abriram espaço para o progresso dos pequenos e médios produtores, possibilitando o surgimento de novas classes sociais, a polarização entre capital e trabalho assalariado, criando condições para o progresso do Capitalismo na economia mundial; Camponeses e mulheres passaram a desfrutar de igualdade perante a lei; o divórcio definitivo entre a Igreja e o Estado tornou-se uma realidade; Com a derrota napoleônica, o Congresso de Viena reorganizou o mapa “A passagem do Ancien Régime para a sociedade moderna é consumada na França com uma ruptura e uma brutalidade únicas. Do outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra, o regime constitucional foi instaurado progressivamente, as instituições representativas advêm do parlamento, cujas origens remontam aos costumes medievais. Nos séculos XVIII e XIX, a legitimidade democrática se substitui à legitimidade monárquica sem a eliminar totalmente, a igualdade dos cidadãos apagou pouco a pouco a distinção dos "Estados" (Nobreza, clero e povo). As ideias que a revolução francesa lança em tempestade através da Europa: soberania do povo, exercício da autoridade conforme a regras, assembléias eleitas e soberanas, supressão de diferenças de estatutos pessoais, foram realizadas em Inglaterra, por vezes mais cedo do que em França, sem que o povo, em sobressalto de Prometeu*, sacudisse as suas correntes. A “democratização” foi ali (em Inglaterra) a obra de partidos rivais. (...) O Ancien Régime desmoronouse (na França) a um só golpe, quase sem defesa. E a França precisou de um século para encontrar outro regime que fosse aceito pela grande maioria da nação.” *Personagem da mitologia grega. 59 A Independência dos estados Unidos da América Considerações Iniciais O espaço físico correspondente ao território dos Estados Unidos da América na atualidade foi, durante milhares de anos, habitado por tribos nativas. Essas tribos pertenciam a uma grande variedade de grupos culturais que, segundo alguns estudiosos, teriam ali chegado provenientes da Ásia, valendo-se de uma ponte glacial no Estreito de Behring, situado entre a Rússia e o atual estado do Alasca. As estimativas sobre o contingente populacional da região, nos anos que precederam à chegada dos europeus, variam de um a mais de quinze milhões de nativos. A descoberta das Américas foi bastante estimulante ao espírito mercantilista que agitava a Europa do século XV. Era um novo mundo se abria para novas oportunidades de poder, riqueza e aventuras. Além do mais, a travessia do Oceano Atlântico se constituía em excelente rota de fuga para perseguidos pelo absolutismo europeu. Até tornar-se um Estado soberano, o território colonial inglês na América do Norte foi constituído por treze colônias que foram usadas e controladas, pela metrópole, para a exploração de recursos minerais e agrícolas não disponíveis na Europa. Além disso, mercê de sua política mercantilista regulada pelas Leis do Comércio e Navegação, a Inglaterra conseguia obter lucros expressivos com a cobrança de impostos e taxas sobre o transporte e a comercialização das mercadorias produzidas pelos colonos. Antecedentes Históricos A Colonização Os ingleses iniciaram o seu deslocamento em direção à América do Norte, no final do século XVI, época da expansão marítima, mas as primeiras tentativas de colonização do continente norte-americano falharam. A rainha Elizabeth I (1558-1603), que adotara uma política econômica essencialmente mercantilista, empenhou-se em expandir a atividade comercial privilegiando as Companhias de Comércio. Prestigiada pelo êxito conquistado contra Felipe II, da Espanha, por mais de uma vez, tentou organizar colônias em terras americanas. O sucesso veio com Sir Walter Raleigh, que realizou duas expedições ao litoral norte-americano, entre 1585 e 1589. Em homenagem à rainha Elizabeth, a Virgem, fundou a Virgínia, que foi abandonada pouco tempo depois. Chegada dos ingleses na América 1590 Ao assumir o trono, o rei Jaime I (1603-1625) concedeu autorização, às Companhias de Plymouth e de Londres, para promover a colonização na América, atuando ao norte e ao sul, respectivamente. Os colonos que vieram ao Novo Mundo não integravam um grupo homogêneo. Pertenciam a diferentes segmentos sociais e religiosos, distribuídos por diferentes partes da costa leste dos Estados Unidos, com interesses distintos. 60 Vieram por uma gama variada de razões e, por isso mesmo, organizaram colônias com diferentes estruturas políticas, sociais, religiosas e econômicas. A política colonialista inglesa não foi aplicada igualmente nas suas colônias da América do Norte, em razão dos diferentes sistemas de produção que nelas se desenvolveram. Nas colônias do norte, que formavam a Nova Inglaterra, e nas colônias do centro, desenvolveu-se um modelo de colônia de povoamento. Nas colônias do sul, desenvolveu-se o modelo de colônia de exploração. Colônias de Exploração As colônias ditas de exploração, estavam voltadas para o enriquecimento da metrópole, que usava a produção local para alimentar o mercado internacional. Com base na grande propriedade rural e na lavoura extensiva, esse modelo de organização social empregava a mão-deobra escrava na produção agrícola de exportação. As colônias do sul dependiam essencialmente de suas relações econômicas com a metrópole, para onde exportavam seus produtos tropicais, como algodão e tabaco e, de quem compravam, obrigatoriamente, manufaturados e outros produtos. O primeiro assentamento inglês permanente na América, foi Jamestown, um entreposto comercial, fundado em1607, em terras cedidas à Companhia de Londres, na antiga região da Virgínia, que viria a tornarse importante núcleo urbano de exploração. Colônia da Virgínia Voltando ao controle da metrópole, em 1624, essa região rapidamente iria desenvolver uma florescente economia decorrente da cultura do tabaco, que encontrou um mercado favorável na Inglaterra. Valendo-se, inicialmente, da mão-de-obra européia, a lavoura do tabaco passou a empregar, sistematicamente, o trabalho servil, a partir de 1619. A Virgínia foi pioneira na introdução da mão-de-obra africana na agricultura colonial. As colônias do sul lucraram muito com o comércio escravo e de peles. A cultura do arroz, por sua vez, só foi introduzida na América Inglesa por volta de 1690. Nos mesmos moldes, foram fundadas, ainda, as colônias de Maryland (1632), as Carolinas do Norte e do Sul (1663) e a Georgia (1732). Colônias de Povoamento A colonização do norte foi iniciada por um grupo de refugiados puritanos, ingleses na sua maioria. Em 1620, fundearam na Baía de Plymouth, a bordo do navio Mayflower, e se estabeleceram em uma região que ficou conhecida como Nova Inglaterra. Desembarcaram na América do Norte em busca de um bom lugar para se estabelecer e viver com suas famílias, livres da perseguição político-religiosa que tiveram que enfrentar na Europa. 61 O Puritanismo foi uma versão inglesa do Protestantismo de Calvino, desenvolvida por uma comunidade de protestantes radicais, no século XVI. Defendiam a Reforma na Igreja Anglicana. Na opinião do pensador francês Alexis de Tocqueville, em sua obra A Democracia na América, o Puritanismo poderia ser visto, igualmente, como uma teoria política ou como uma doutrina religiosa. A eles uniram-se, em 1691, os colonos de Massachusetts, também puritanos. Esses colonos provocaram uma série de conflitos devido à sua intolerância religiosa e a seu autoritarismo, suscitando com isso, a fundação de novas colônias. Desta feita, foram surgindo, sucessivamente, as colônias de Rhode Island (1636), Connecticut (1636), New Heaven que iria unir-se à de Connecticut (1638) e New Hampshire (1639). As terras do norte não eram muito férteis devido do frio, razão pela qual os imigrantes realizaram uma colonização de povoamento, em que prevaleceram a agricultura de subsistência em pequenas propriedades; uma razoável atividade comercial, principalmente com produtos do mar; mão-de-obra, essencialmente livre e produção, em geral, para o consumo do mercado interno. Cumpre registrar, também, o desenvolvimento da construção naval, aproveitando a madeira, abundante nas florestas temperadas daquela área. A ocupação da região central da América inglesa só foi, efetivamente, concretizada, a partir de 1674, quando os holandeses (Companhia das Índias Ocidentais) foram expulsos de Nova Amsterdã, que os ingleses rebatizaram como Nova York, por ser propriedade do Duque de York. Este, por sua vez, ao ceder parte de suas terras, possibilitou a fundação da colônia de Nova Jersey. Em 1681, William Penn, líder dos Quakers, estabeleceu-se com seus seguidores na região onde se originaria a Pensilvânia. Mais ao sul, Penn iria formar a colônia de Delaware, nas proximidades do rio de mesmo nome. Os Quakers representavam um grupo religioso criado na Inglaterra, por George Fox, em 1647, como uma dissidência da Igreja Anglicana. Rejeitavam qualquer organização clerical, viviam em recolhimento e pregavam a prática do pacifismo, da solidariedade e da filantropia; recusavam-se a pagar dízimos à igreja oficial, a prestar juramento diante dos magistrados nas cortes ou a homenagear autoridades, inclusive o rei. Os Quakers dispensavam lideranças ou mediações, porque consideravam Cristo sempre presente, quando “amigos” se reuniam. Por acreditarem na manifestação de Deus por meio de uma voz interior, consideravam que todos os crentes eram ministros em potencial. À semelhança dos colonos do norte, pequenos e médios proprietários, refugiados políticos e religiosos (protestantes calvinistas) instalados ao centro, formaram pequenas propriedades baseadas no trabalho livre e no artesanato. Havia tolerância para o desenvolvimento de alguma atividade industrial, desde que não competisse com o comércio metropolitano. As terras eram cultivadas por seus proprietários, familiares e alguns empregados. A principal cultura de exportação, no final do século XVII, era a do trigo. Com a intensificação do comércio, não demorou muito e a região já conseguia escoar o excedente da produção para os mercados do sul. Os produtos agrícolas das colônias do norte e do centro eram, também, produzidos na Europa. Isso estimulou o comércio da metrópole com essas colônias e viabilizou o desenvolvimento de uma economia livre da exploração mercantilista inglesa. A administração colonial inglesa na América foi organizada, inicialmente, de forma regional diferenciada. Em algumas colônias o governador era escolhido pelo 62 voto dos colonos, que elegiam, ainda, as assembléias locais; em outras, era o rei quem nomeava o governador. Havia, também, aquelas em que os governos eram designados por seus proprietários. No século XVIII, no entanto, quase todas as colônias pertenciam à Coroa. As Relações Colônia – Metrópole A Guerra dos Sete Anos e seus efeitos A Guerra dos Sete anos foi um conflito que envolveu diversas monarquias européias na luta pelo controle de territórios destinados à exploração colonial. Uma das frentes dessa guerra diz respeito à disputa entre a Inglaterra e a França com o apoio da Áustria, pelo controle comercial e marítimo das colônias das Índias e da América do Norte. Envolveu,também, a disputa por territórios situados na África, Ásia e América do Norte. Por sua abrangência, foi o primeiro conflito a apresentar dimensões mundiais. Durante o século XVII, era comum as restrições impostas pela metrópole serem burladas. Os colonos realizavam livremente o comércio, não só na costa leste americana, quanto no exterior. Essa liberdade foi a grande responsável pelo fortalecimento de um espírito autônomo e pela consolidação das formas diferenciadas de exploração do território norte-americano. Os problemas tiveram início com a vitória dos ingleses e suas colônias norteamericanas contra a França e seus aliados algonquinos (nativos que habitavam o nordeste da América do Norte), na Guerra dos sete Anos (1756 - 1763). Ao final da guerra, os domínios ingleses na América tornaram-se muito maiores. Ao assumir o Canadá, cedido pela França, a Inglaterra viu-se diante do problema de ter que controlar, além das colônias pré-existentes, grandes planícies povoadas por tribos selvagens e milhares de católicos franco-canadenses. Além do mais, os franceses que ainda dominavam a Louisiana e a foz do rio Mississipi, continuavam a se constituir em uma ameaça. Era um expressivo aumento de despesa, que deveria somar-se aos gastos com a guerra. A vitória impunha, de imediato, a manutenção de tropas estacionadas na América, da ordem de 10000 homens, aproximadamente. Tornava-se, portanto, imperioso, a obtenção de recursos junto às colônias, com vistas à segurança das mesmas. A Inglaterra começou, então, a mudar seu comportamento em relação a seus domínios na América, passando a intensificar sua política econômica mercantilista. Mostrando-se intolerante com o não cumprimento do Pacto Colonial, adotou medidas que se propunham a conter a autonomia e frear o crescimento econômico das colônias. Quando o governo inglês resolveu fazer valer as disposições do Pacto Colonial, os prejuízos causados com aplicação de impostos e com outras medidas coercitivas, provocaram uma situação de conflito que iria resultar na ruptura definitiva das relações colônia-metrópole. A Nova Política Tributária aplicada às Colônias A Lei do Açúcar Contando com o total apoio do Rei Jorge III (1760-1820), o governo inglês além de exigir que as colônias sustentassem o exército, supostamente estacionado para a sua defesa, pôs em prática a nova política tributária estabelecendo, por intermédio da Lei das Receitas, que ficou mais conhecida como Lei do Açúcar, em 1764, que os colonos deveriam pagar taxas sobre a importação do açúcar e dos derivados da cana. 63 A Lei do Selo Em 1765, foi criada a Lei do Selo, que taxava todos os documentos jurídicos. Essa medida foi revogada, no ano seguinte, após intensos protestos. A Lei sobre Receitas Em maio de 1767, o ministro inglês Charles Townshend conseguiu convencer o Parlamento a aprovar uma Lei regulando tributos aduaneiros sobre importações americanas de vidros, tintas, chumbo, papel e todos os tipos de chá, com o propósito de elevar receitas. A Lei do Chá Em 1773, com a finalidade de impedir o contrabando e comercialização de chá holandês, responsável pela redução a quase dois terços das vendas do produto pela Companhia Inglesa das Índias Orientais, o ministro Townshend conseguiu a aprovação para a Lei do Chá. Por intermédio dessa lei, o governo britânico concedeu, àquela companhia de comércio, o monopólio da distribuição de chá para as colônias. As Companhias das Índias Orientais foram três organizações distintas, de origens francesa, holandesa e inglesa com objetivos comerciais no sudeste da Ásia. Thomas Paine – francos opositores da dominação colonial – os colonos norteamericanos começaram a reagir contra a presença inglesa nas Treze Colônias. O fato de ter um exército estacionado em seu território, repercutia na mentalidade colonial do século XVIII, como um símbolo de tirania. Para os colonos, os ingleses não confiavam neles e valiam-se do pretexto da necessidade da defesa, para mantê-los sob controle. Mas foi o projeto de taxação o principal responsável pelos protestos e pela atitude hostil que se fez sentir, mais intensamente, contra a metrópole. A questão crucial era a rejeição ao direito do Parlamento taxar as colônias. Os colonos não contavam com representação no Parlamento Britânico e, por esse motivo, não admitiam terem que pagar impostos, por decisão daquele órgão. Apesar de reconhecerem a autoridade da Coroa, os coloniais não se consideravam vinculados ao Parlamento e sim às assembléias regionais. Denúncias de atos atentatórios às liberdades, praticados pelos ingleses, abriram caminho para o conflito. A historiadora norte-americana Barbara W. Tuchman, em seu livro A Marcha da Insensatez, enfatiza que a manifestação colonial contra os impostos de maio de1767, talvez não fosse tão agressiva, se Townshend não tivesse destacado no preâmbulo da Lei, que a mesma se propunha a aumentar as rendas a fim de ajudar no custo da defesa das colônias, diminuir o montante das despesas com administração da justiça e cobrir os gastos da Casa Real. A Reação Colonial Sentindo-se prejudicados pela Lei do Chá, um grupo de colonos reagiu com violência. Na noite de 16 de dezembro de 1773, vestidos como índios, lançaram ao mar todo o carregamento de chá de três navios da companhia que estavam ancorados em Boston. O episódio ficou conhecido como Festa do Chá em Boston. Inconformados com tais desmandos e inspirados no pensamento de John Locke e A Represália Britânica A Festa do Chá foi considerada um caso de traição, por tratar-se de ato de guerra contra patrimônio da Coroa. Em represália, o Parlamento Britânico com o apoio de Jorge III, no ano seguinte (1774), aprovou medidas coercitivas contra Massachussetts, que os colonos consideraram Atos Intoleráveis. 64 Por tais Atos, o porto de Boston deveria ficar fechado para qualquer tipo de comércio. Esta situação permaneceria em vigor até que fosse realizado o ressarcimento dos prejuízos causados à Companhia das Índias Orientais e aos agentes alfandegários, assim como estivessem asseguradas “a paz e a obediência às leis”. Além disso, os colonos rebelados seriam submetidos a um tribunal na Inglaterra e a colônia de Massachusetts seria ocupada por tropas inglesas. Em caso de recusa de apoio em instalações aos militares, eles ocupariam casas familiares, tabernas e outras construções. A Coroa impunha, ainda, um novo governador para Massachussetts. A medida que mais provocou ira e ressentimentos, contudo, foi a Lei de Quebec (1774), que estendia as fronteiras do Canadá até o rio Ohio, preterindo as reivindicações territoriais da Virginia, além de outras colônias. A Lei formulava, também, os termos do governo civil no Canadá, consignando o direito do Parlamento à cobrança de tributos, o julgamento sem júri, nos moldes franceses e a tolerância com a religião católica, professada por 95% dos canadenses. Apesar de alertado sobre as prováveis e nefastas consequências das medidas coercitivas, o Governo inglês manteve-se irredutível. A reação norteamericana não se fez esperar. A convocação para um congresso obteve, rapidamente, a adesão de doze colônias. atentatórios aos direitos das colônias e, portanto, pretendiam a revogação das medidas restritivas impostas pela Coroa. A unidade evidenciada no Congresso se afigurou, para a Inglaterra, como mais uma demonstração de traição. Na medida em que a crise nas relações metrópole-colônia se tornava mais intensa, a ideia de união anglo-americana, baseada na igualdade de direitos, se fortalecia entre os pensadores progressistas ingleses, como por exemplo, Richard Price e Thomas Payne. Apesar disso, a opinião predominante na Inglaterra não admitia a hipótese de unir-se à América e considerava o conflito como ponto de honra para fazer valer a supremacia da Coroa. O Governo Britânico alheio à lógica e aos seus próprios interesses, manteve uma atitude repressiva. O Segundo Congresso Continental O Segundo Congresso Continental reuniu-se novamente na Filadelfia, em 10 de maio de 1775, tendo como objetivos o rompimento com a metrópole a conquista da soberania. O único caminho encontrado foi o da guerra, tendo George Washington, um fazendeiro, na condição de Comandante-emChefe das forças rebeldes. Para isso, contaram com o apoio da Espanha e da França, que visava recuperar as perdas com a Guerra dos Sete Anos. O Processo de Independência O Primeiro Congresso Continental O Primeiro Congresso Continental, realizado em setembro de 1774, na Filadelfia, contou com 56 membros, representantes de todas as colônias, exceto a Georgia. Este congresso não tinha, ainda, caráter separatista. Seus membros consideravam todos os atos do Parlamento relativos às colônias, desde 1773, Guerra da Independência dos EUA No ano seguinte, em 10 de maio de 1776, Richard Henry Lee, da Virginia, apresentou uma resolução propugnando pela 65 independência, por acordos estrangeiros e pela formação de uma federação americana. Em 4 de julho de 1776, Thomas Jefferson, auxiliado por Benjamin Franklin, Roger Sherman e John Adams, redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Esse documento, inspirado no pensamento iluminista, marcou o início da Revolução Americana, que iria arrastar-se, ainda, por mais seis anos, durante os quais seriam celebrados, pelos antigos colonos, tratados de aliança com a França, Espanha e Holanda. No dia 19 de outubro de 1781, numa cerimônia histórica em Yorktown, o exército inglês capitulou diante das tropas francoamericanas lideradas por Washington. A paz foi definitivamente selada com o tratado de Paris, assinado em setembro de 1783, quando a Inglaterra reconheceu a independência das Treze Colônias. A Constituição dos Estados Unidos A Constituição dos Estados Unidos foi discutida e aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia, entre 25 de maio e 17 de setembro de 1787, data de sua promulgação. O documento foi elaborado tomando por base a fusão das propostas das duas tendências políticas: os Republicanos, liderados por Thomas Jefferson, defensores da ampla autonomia das antigas colônias e os Democratas que, assim como George Washington, pensavam na organização de um poder centralizado e forte. Em 30 de abril de 1789, George Washington foi empossado como primeiro Presidente dos Estados Unidos da América. George Washington assume a presidência dos EUA Com acentuadas características iluministas, a Constituição americana garantia o direito à propriedade privada, defendia os direitos individuais do cidadão, mas não acabava com a escravidão, que só foi abolida, nos Estados Unidos, em 1863. Somente em 1870, foi aprovada a Emenda XIV da Constituição norte-americana, com a seguinte disposição: “1. Todas as pessoas nascidas e naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas a sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e dos estados em que residem. Nenhum Estado poderá fazer ou criar qualquer lei que crie privilégios e imunidades para cidadãos dos Estados Unidos; nenhum estado poderá privar qualquer pessoa da vida, liberdade e propriedade sem o devido processo legal; nem negar para quaisquer pessoas em sua jurisdição a igual proteção das leis”. Consequências da Revolução Americana A Revolução Americana marcou o início de uma série de revoltas coloniais. Pela primeira vez na história da expansão européia, uma colônia conquistava sua independência por intermédio de um movimento revolucionário. Proclamação da Constituição 1791 66 A criação de uma federação de estados A Revolução Americana tornou possível a criação de uma federação de estados dotados de uma grande autonomia, mas regidos por uma única constituição que estabelecia os direitos individuais dos cidadãos, definia os limites dos poderes dos diversos estados e do governo federal, e estabelecia um sistema de equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo a impedir a supremacia de qualquer deles, além de outras disposições inovadoras. O novo Estado era uma democracia por princípio, explicitado nas palavras iniciais da Constituição: “Nós, o Povo”. Essa democracia foi acompanhada por um grau inigualável de liberdade política e prática, que viria a ser exaltado na obra do filósofo francês Alexis de Tocqueville, “A Democracia na América”. A tolerância religiosa Com a tolerância religiosa consignada na Constituição, a república americana foi o primeiro país a não ter uma Igreja estabelecida pelo Governo. A guerra fez com que os governos britânicos olhassem os territórios coloniais sob um novo enfoque, levando-os a passar grande parte do século XIX, empenhando-se em proporcionar às colônias o máximo de liberdade possível, de modo a não onerar os cofres ingleses e se manterem livres da ameaça de uma repetição da guerra americana. Os americanos, por sua vez, apressaram-se em consolidar a nova república e expandir o seu território. Inspirado nos pensamentos iluministas, o sucesso norte-americano teve influência significativa na Revolução Francesa (1789) e nas que vieram a eclodir posteriormente, tanto na Europa quanto na América do Sul. 67 68