doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.04015
BOÉCIO: UM OLHAR DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
VALENTIM, Juliana Gregório (Fund. Araucária/PIBIC/UEM-GTSEAM)
OLIVEIRA, Terezinha (DFE/PPE/UEM-GTSEAM)
Introdução
Ao estudarmos a história percebemos o desenvolvimento da humanidade, considerando
as frequentes alterações nas formas de ser e de pensar as relações humanas, dando assim,
destaque aos acontecimentos históricos que não podem ser descartados, com a finalidade de
não corremos o risco de apreender um conhecimento descontextualizado. Afirma Políbio
historiador do século II a.c, que a história é uma forma de compreender o homem e a
sociedade, em sua totalidade, pois o passado, é a causa da situação presente da civilização.
As Histórias parciais, portanto, contribuem muito pouco para o
conhecimento do todo e para formar uma convicção quanto à sua
veracidade; somente pelo estudo de todas as particularidades,
semelhanças e diferenças ficamos capacitados a fazer uma apreciação
geral, e assim tirar ao mesmo tempo proveito e prazer da História
(POLÍBIOS, 1985, p.44).
Por isso, temos que conhecer o contexto global do pensamento boeciano, enfim sua
totalidade, pois o passado é a causa da situação presente da civilização segundo Políbio, só
assim podemos tirar proveito da História.
Temos como exemplo a Filosofia que, principalmente na Antiguidade e na Idade
Média, apresentava caminhos para educar os homens, no que diz respeito aos valores
morais e sociais de um povo. Podemos, portanto, vincular a filosofia aos estudos históricos
com a finalidade de compreendermos e obtermos novos conhecimentos.
Diante da importância da história e da filosofia para os estudos em Educação,
analisaremos a obra A Consolação da Filosofia de Boécio (480 – 525 d.c). Nela,
pretendemos compreender a influência do pensamento boeciano na formação humana no
início da Idade Média, correspondente ao período do século VI. Acreditamos que nosso
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estudo é importante para compreender como o pensamento escolástico, principiado por
Boécio, constitui-se relevante para sociedade medieval, consequentemente, a educação e a
formação do ser.
Com o objetivo de nos aproximarmos de Boécio, passamos agora a fazer algumas
considerações a seu respeito.
Anício Mânlio Torquato Severino Boécio nasceu em Roma aproximadamente no ano
de 480, filho de uma nobre família romana. Foi casado com Rusticiana que era filha do cônsul
Símaco e com ela teve dois filhos. Ele foi filósofo, poeta e homem do Estado. Boécio começou
a estudar desde cedo, durante muito tempo estudou as ciências, a literatura, a filosofia e
também estudos sobre matemática, música entre outros. “Ele pôde, em Roma, em sua luxuosa
biblioteca, dedicar-se por muito tempo e com toda tranquilidade aos trabalhos do espírito que
faziam parte de sua vocação” [...] (FUMAROLI, 1998, p. XIII). Foi leitor de Platão e
Aristóteles o que lhe permitiu com o tempo ser um intercessor entre as escolas gregas da
antiguidade tardia e as nascentes escolas medievais.
Boehner e Gilson descrevem Boécio como o último romano e também como
transmissor de um patrimônio fadado ao declínio:
Boécio é chamado o último romano e o primeiro escolástico.
Exprime-se assim, muito acertadamente, o seu papel intermediário. Ele
próprio, aliás, esteve plenamente consciente dessa tarefa. Compenetrado
de sua missão de transmissor de um patrimônio cultural fadado ao
declínio quis servir de educador daqueles povos ainda jovens e robustos
que, ignorantes do idioma grego, não tinham acesso para as obras de
Aristóteles e os diálogos de Platão. Alentava, ademais, o generoso ideal
de reunir numa síntese compreensiva as doutrinas de Aristóteles e Platão.
Seu propósito era traduzir para o latim todas as obras deles e, na base de
uma série de comentários, demonstrar o acordo substancial entre os dois
filósofos. Basta relancear a obra de Boécio para darmos conta do quanto
pôde realizar e de quão longe a realidade dista do seu grandioso ideal
(BOEHNER e GILSON, 1970, p.210).
Vivenciou a dissolução do Império Romano, que começou a entrar em decadência por
volta de 476, quando a cidade de Roma se encontrava a mercê dos bárbaros e apoiados pelos
Impérios Bizantinos. Esta situação permaneceu por mais de quatro séculos até que Pepino III em
756 venceu os lombardos. Com a dissolução do Império Romano e com desaparecimento das suas
instituições, sentiu-se a necessidade de disseminar o pensamento cristão. ”É preciso saber que a
escolástica começou a formar-se desde o início da Idade Média [...]” (Nunes, 1979, p.243), Boécio
foi, portanto, um dos primeiros filósofos a defender a fé cristã trazendo como princípio norteador a
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herança clássica greco-romana, juntamente, com o pensamento cristão, porém, com o propósito de
evangelizar e converter os nômades á religião cristã, utilizando-se deste meio para educar os
homens daquele tempo. Assim, Boécio contribuiu com a constituição da escolástica como método.
[...] o surgimento desse opúsculo, no início do século VI, assinala o
nascimento da Escolástica, um método que iria marcar por quase mil anos
o pensamento ocidental e, séculos mais tarde, consubstanciar-se em sua
mais importante instituição educacional: as universidades (LAUAND,
2008, p.1).
Segundo Steenberghen, Boécio foi denominado como “o verdadeiro educador do
ocidente”:
A atividade política de Boécio não o desviou nunca da filosofia, de cujo
valor cultural ele claramente se apercebeu. O seu objetivo parece ter sido
colocar ao serviço da jovem civilização que desabrochava no reino gótico
os tesouros da sabedoria grega que pudera conhecer em Atenas. Tinha
querido traduzir para o latim tudo o que conhecia da Aristóteles e, sem
dúvida, de Platão e do platonismo [...]. Por isso, o papel de Boécio foi
capital como veículo da filosofia grega e sobretudo da lógica de
Aristóteles. Transmitiu também ideias estóicas, neoplatônicas e
agostinianas. A sua influência foi profunda durante toda a Idade Média;
foi o verdadeiro educador do Ocidente (s/d, p.54-55).
Entendemos nessa passagem, que alguns autores se assemelham entre si como
Boehner e Gilson (1970), Lauand (2008), Steenberghen que defendem e acreditam que a
ação de Boécio era educativa e notamos que ele deixou vestígios disto.
Deixou aos pósteros um rico depósito de termos e fórmulas, que serviram
para estimular, sempre de novo, o pensamento especulativo. O ideal
científico, delineado em sua obra, irá inspirar e orientar, de contínuo, os
esforços dos filósofos medievais em demanda de sua realização
(BOEHNER e GILSON, 1970, p.222).
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Ensino: Iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae,
feita na Itália no ano de 1385, em que Boécio leciona a seus alunos.
Fonte: (SAVIAN FILHO, 2010).
Por ser uma pessoa esclarecida, analisava, detalhadamente, a civilização romana na
qual ele se encontrava inserido, uma civilização que estava deixando de possuir características
fundamentais para a vida em sociedade, Boécio buscava respostas do que estava acontecendo
ao seu redor.
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Pode-se dizer que Boécio é o principal representante dessa sociedade
romana e de sua cultura, porém um representante relativamente mais
refinado. Manifestava, como se sabe, a consciência da missão urgente de
manter viva essa tradição, sobretudo porque constatava o atraso da
cultura latina comparada à do oriente grego. O mundo latino não tinha,
ainda, adquirido a possibilidade de um estudo sério, científico, da
filosofia, que parece ser apanágio dos gregos. Eis para onde tendem os
escritos de Boécio, o auxílio que eles devem fornecer (SAVIAN FILHO,
2005, p.28-29).
Boécio iniciou sua vida política ainda jovem, foi senador de Roma, cônsul e, em
520, foi chefe do governo prestando serviço ao Reino de Teodorico, no qual, futuramente
foi preso em uma masmorra na cidade de Pavia, condenado e executado em 524, sob a
acusação de traição ao Império. “Seu amor incorruptível à causa da justiça valeu-lhe
numerosas inimizades” (BOEHNER e GILSON, 1970, p.209). Isso, porque ele defendeu o
senador romano Albino, que era acusado de manter correspondências secretas com o
imperador Justino e por conspirar contra o Reino de Teodorico. Foi no cárcere que Boécio
escreveu uma de suas principais obras “A Consolação da Filosofia” e esta foi uma das
obras mais lidas na Idade Média. Boécio, com toda a tradição que traz consigo, nos
convida a fazer dessa consciência trágica o início de uma conversão (FUMAROLI, 1998,
p. XXXVII).
O livro é composto por cinco capítulos, formado por um texto considerado
neoplatônico e que aborda assuntos que vai desde a felicidade, bem, mal, ética, Deus,
fortuna, destino, e entre outros.
O filósofo retrata suas lamentações referentes ao seu destino com a perda do poder
e do dinheiro, recorrendo à filosofia como um meio de entender o real sentido de sua vida.
Boécio tinha consciência que a única coisa que não havia perdido era a sabedoria.
Ao lermos sua obra percebemos o diálogo que Boécio estabelece com a Filosofia.
Um diálogo “verdadeiro”, marcado pelo conhecimento filosófico, por
dúvidas como a existência do bem, do mal, de Deus, da indagação se a
riqueza traz ou não felicidade, se a riqueza pertence ou não àquele que a
possui, pela questão da angustia da traição e da morte (OLIVEIRA,
2005).
Durante seu diálogo Boécio enfatiza a Fortuna dizendo que a mesma cria nas
pessoas uma felicidade, porém esta felicidade é inconsistente e passageira, portanto,
devemos ter a sabedoria de dosar nossos desejos pela Fortuna.
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Vós combateis numa batalha- e quão árdua é a batalha! – contra toda
forma de Fortuna para impedi-la de vos desmoralizar, se ela vos for
adversa, ou de vos querer corromper, se vos sorrir. Mantende-vos no
meio! Pra além dessa linha média encontra-se o desprezo da felicidade e
não a recompensa do esforço. Depende apenas de vós dar à fortuna a
forma que desejais (BOECIO, L. IV, C. XIII, §I).
Do ponto de vista do autor é o conhecimento que nos torna homens, que só este nos
pertence, de fato, que os bens materiais são mutáveis e que da mesma forma que os
adquirimos os perdemos.
[...] acaso achas de pouca importância o fato de esta severa e temível
Fortuna te revelar quem são teus verdadeiros amigos, distinguir franqueza
e a hipocrisia de teus companheiros e levar o que te foi dado por ela para
deixar apenas o que é teu? Porque preço buscarias adquirir esse
discernimento quando não estavas abalado pela Fortuna e te acreditavas
feliz? Agora, tu te queixas da ruína; contudo, encontraste por isso mesmo
tua preciosa riqueza: teus verdadeiros amigos (BOECIO, L. II, C. XV,
§II).
Boécio nos alerta que além dos bens materiais, os vícios também nos aprisionam
desde que não utilizemos nossa razão e que devemos ter a consciência da nossa
responsabilidade sobre nossos atos, afim, de alcançarmos nossa liberdade verdadeiramente,
porém, isso só será possível se estivermos unidos a Deus.
Quanto às almas humanas, são necessariamente mais livres quando se
mantêm na contemplação da inteligência divina, e menos livres quando
descem para juntar-se às coisas corporais, e menos livres ainda quando se
ligam à carne. E elas alcançam o fundo da servidão quando, levadas pelos
vícios, deixam de ter a posse de sua própria razão. [...] e essas almas são
perturbadas por uma servidão da qual elas mesmas são responsáveis,
sendo, de certa forma, prisioneiras de sua própria liberdade (BOÉCIO, L.
V, C. III, §1).
Boécio aconselha, aos homens de se tempo, a utilizar a razão para a conservação da
sociedade, com isso ele nos mostra que devemos fazer o mesmo. Devemos também
usufruir da sabedoria para fazer escolhas que por meio do livre- arbítrio nos podemos
julgar as coisas, e escolher conforme nosso desejo, consentindo que o homem aja com
liberdade.
E isso não acontece sem razão, pois, dado que todo juízo é um ato
daquele que o pronuncia, é preciso que cada um aja de acordo com suas
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próprias faculdades, e não pela influência de uma causa externa
(BOÉCIO, L. V, C. VII,§I).
Considerações Finais
Boécio foi um filósofo de um tempo de transição entre a Idade Antiga e a Idade
Média. Apreendemos que o contexto em que ele viveu e por seu grande interesse pelos
estudos, “pôde receber, portanto, dos melhores mestres pagãos ou cristãos da época, a mais
brilhante educação filosófica e literária” (FUMAROLI, 1998, p. XII), que foi possível à ele
ter um pensamento diferente frente aos demais homens da época. Vimos por tanto que o
pensamento o seu pensamento escolástico contribuiu para História da Educação Medieval
significativamente e, em decorrência disso, o ensino da Idade Média tornou-se tributário de
Boécio, pois seu pensamento foi base para à educação na Idade Média.
O reconhecimento de sua obra e de sua filosofia que é bastante profunda e
enriquecedora nos permite compreender o olhar que Boécio tinha para a construção do
pensamento educacional, a partir da dupla condição que passou a dominar seus
pensamentos, a fé e a razão.
Percebemos que Boécio teve a preocupação de unir a razão e a fé, na tentativa de
educar os homens e modificar seus pensamentos, com a intenção de construir uma
sociedade mais sistematizada. Utilizou-se de seu talento para escrever, comentar e traduzir
os textos clássicos, pois para ele a educação e o conhecimento era algo indispensável.
O que Boécio nos ensina, com tanta autoridade hoje como no século VI, é
que a única cultura fértil, oral ou escrita, é a que trazemos intimamente
em nós, são os textos clássicos inesgotáveis inseminados na memória e
cujas palavras tornam-se fontes vivas [...] (FUMAROLI,1998, p. XXIII)
Reconhecemos, assim, a importância do pensamento escolástico na época em que
se iniciou e a grande influência que exerceu na Idade Média.
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REFERÊNCIAS
BOÉCIO. A Consolação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BOEHNER, P.; GILSON, E. História da Filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes, 1970.
LAUAND, L. J. Boécio e o De Trinitate: Tradução e estudo introdutório. Disponível em: <
http://www.hottopos.com/convenit5/lauan.htm>. Acesso em: 08/09/2011.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
NUNES, R. A.C. História da Educação na Idade Média. São Paulo: EPU: EDUSP, 1979.
OLIVEIRA, T. Escolástica. São Paulo/Porto: Mandruá/Instituto Jurídico Interdisciplinar da
Universidade do Porto, 2005.
POLÍBIOS. História. Brasília: UNB, 1985.
SAVIAN FILHO, J. In: Escritos (Opuscula Sacra). São Paulo: Martins Fontes, 2005.SAVIAN
FILHO, J. A busca de unidade interior. 2010. Largura: 400. Altura: 554. 78kb. Formato JPG.
Revista Cult, São Paulo, ano 13, n. 143, p. 52.
STEENBERGHEN, F.V. História da Filosofia: período cristão. Lisboa: Gradiva, s/d.
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