Atenas, Bruxelas e Lisboa Luís Silva Morais* “As propostas actuais para as mudanças no Tratado de Lisboa em vigor não me parecem muito úteis para um futuro próximo” Helmut Schmidt Dezembro 2011 Afirmar que a UE e a Zona Euro se encontram numa encruzilhada decisiva tornou-se quase tão banal como discutir a próxima Cimeira Europeia decisiva. A mais recente Cimeira Europeia decisiva não deixou, contudo, tudo na mesma, contrariamente ao que se possa pensar. Não resolveu a crise das dívidas soberanas na Zona Euro nem ofereceu sinais reais que permitam antecipar algum controlo sustentado dessa crise e da espiral perversa que a mesma gerou e vem alimentando reciprocamente uma nova crise dos sistemas bancários. Em contrapartida, criou novos elementos de divisão política na UE e pode ter posto em marcha o princípio de uma segmentação jurídica da UE (conduzindo a maior predomínio do método intergovernamental sobre o método ‘comunitário’, para utilizar uma qualificação mais próxima de Jean Monnet). Por uma coincidência pessoal, o autor destas linhas passou por Atenas alguns dias antes deste Conselho Europeu, antes de regressar, via Bruxelas, a Lisboa. O que é possível encontrar em Atenas por estes dias não tem qualquer correspondência com os inflamados relatos mediáticos. Não há (por ora) um colapso visível de serviços essenciais e dos intrincados fluxos que fazem a complexa vida urbana das nossas sociedades. Não existem também neste momento ruas permanentemente a ferro e fogo. É certo que existe um piquete de polícia de choque junto ao edifício do Parlamento, mas por estes dias é formado por jovens policiais que jogam às cartas e trocam piadas joviais. Existe, sim, uma espécie de surdo parênteses expectante associado a um profundo cansaço (quase inércia existencial, mesmo de camadas mais esclarecidas da população, que reconhecem o escasso alcance de mais movimentos de protesto). De regresso a Lisboa, sente-se - sem que tenhamos passado entretanto por tumultos sociais comparáveis aos já vividos na Grécia - cansaço quase idêntico e uma passividade expectante. Confusamente, mas com uma percepção em si mesma certeira, sente-se que a ultrapassagem da actual situação se encontra para além dos actuais decisores nacionais. Num país que é inegavelmente diferente da Grécia, o que é reconhecido pelas próprias vozes gregas mais esclarecidas mas parece contar pouco na actual voragem da crise, espera-se por uma alteração de rumo que possa vir de Bruxelas. De Bruxelas chegam as decisões do Conselho Europeu de 9 de Dezembro. Algumas são inegavelmente positivas, como o acréscimo de recursos do FMI, combinado com a aparente aceleração do novo mecanismo europeu de estabilidade. Outras não são necessariamente negativas, tudo dependendo da sua execução. A ênfase numa descentralização dos parâmetros de disciplina financeira através de regras nacionais pode ter virtualidades se não for aplicada de modo demasiado rígido. A grande omissão diz respeito a mecanismos que possam responder aos receios de insolvência dos Estados e à crescente falta de liquidez disponível para Estados da Zona Euro (que dissolve as fronteiras entre ‘sovereign illiquidity’ e insolvência, gerando um efeito de contaminação difícil de travar). Impor-se-ia avançar para alguma forma de ‘mutualização’ da dívida na Zona Euro, brilhantemente defendida por Helmut Schmidt em discurso feito há poucos dias no Congresso do SPD alemão (e que é possível tecnicamente compatibilizar com formas de limitação do ‘moral hazard’). Impor-se-ia também, com esse pano de fundo, criar um enquadramento que permitisse uma interpretação mais vigorosa por parte do BCE das suas responsabilidades em matéria de salvaguarda da estabilidade financeira da Zona Euro. Essa flexibilização da intervenção do BCE tenderá a produzir uma descida do valor do Euro, mas, como sustenta Martin Feldstein, essa pode ser precisamente a solução para atenuar os actuais desequilíbrios da Zona Euro sem alimentar a espiral austeridade-recessão. Por acção ou por omissão, a pausa expectante vivida em Atenas, Lisboa, Bruxelas e cada vez mais pela generalidade das populações europeias deverá terminar em 2012. Para o bem ou para o mal. _____________________________ Prof. da Faculdade de Direito de Lisboa Vice-Presidente do IDEFF 2