UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI WILLIAM SPINOLA SILVEIRA “REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: A TRANSIÇÃO DA CENA MUDA NO CINEMA BRASILEIRO.” SÃO PAULO 2010 WILLIAM SPINOLA SILVEIRA “REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: A TRANSIÇÃO DA CENA MUDA NO CINEMA BRASILEIRO.” Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno. SÃO PAULO 2010 S591r Silveira, William Spinola Representações de gênero: a transição da cena muda no cinema brasileiro / William Spinola Silveira. – 2010. 148f.: il.; 30 cm. Orientadora: Maria Ignês Carlos Magno Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2010. Bibliografia: f. 141-147. 1. Comunicação. 2. Representação. 3. Gênero. 4. Cinema Mudo. 5. Cinema Brasileiro. I. Título. CDD 302.2 WILLIAM SPINOLA SILVEIRA “REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: A TRANSIÇÃO DA CENA MUDA NO CINEMA BRASILEIRO.” Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno. Aprovado em: 28/09/2010 ____________________________________ Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno. ____________________________________ Profa. Dra. Sheila Schvarzman ____________________________________ Profa. Dra. Tânia Callegaro “... imagem é psique.”2 Carl Gustav Jung. 2 Segundo citação de: HILLMAN, James. Psicologia Arquetípica. São Paulo: Editora Cultrix, 1988, p. 10. Dedicatória Às mulheres da minha vida: Ana Maria e Fernanda. Agradecimentos Ao Mestre Marcello, o “Giovanni de Tassara”, que nos idos dos anos sessenta, deixava perplexas milhões de crianças brasileiras, a buscarem na sua imaginação como possível seria palitos de fósforos ganharem vida e, tal qual soldados, marchar, fiat lux., nas telas de TV em puro preto e branco. Sem saber que entre elas, eu estaria. Quiçá, daí, meu gosto curioso pela publicidade, pelo comercial, pelo filme. Ele que por Lilith se enamorou; a este feliz escravo da paixão e dos saberes, agradeço. Dos homens, falo de poucos, citando agradecido a Rogério Ferraraz, Luiz Antonio Vadico, Gelson Santana e Vicente Gosciola, sempre interessados, sempre disponíveis, corretos. Agradecer a Bernadette Lyra, igualmente devo. Ela que a todos ilumina generosa, com sua contagiante vontade e disposição pela vida e por dividir conosco o conhecimento, o degustar de saberes, atenta, despretensiosa. A ela faço unir Sheila Schvarzman , que tantos recursos me emprestou e conhecimentos ofereceu. Então, como a que montar trilogia, falar da professora Maria Ignês Carlos Magno, a me orientar caminhos, sem limitar horizontes e estilo. Que soube ler minhas dúvidas, partilhar as agruras e encaminhar meus parcos saberes, um obrigado muito especial. A esse conjunto de pessoas, chamado Mestrado de Comunicação, que desde a primeira vez, maravilhado, intui e nominei, a reconhecer como se raça fosse: a dos “Homus Amabiles”. Agradecer a todos, pelo nome de Ilka Moya, sua digna representante, o faço. De outra trilogia quero falar, em tom ainda mais alto A dos sempre amados. Menuxa, que na história buscou abrigo aos seus questionamentos e que sempre os partilhou comigo, quando apoio preciso; lá estava e estará. Abraço amigo, sentir irmã, saberes largos e profundos. A Zulmira e Albery , meus pais, por suas escolhas que me permitiram ser e me saber, meu olhar eterno agradecido. RESUMO: Esse estudo tem o objetivo de ampliar as discussões sobre as representações femininas em um dos campos da comunicação visual – o cinema –, aos fins dos anos de 1920 e início da década que se seguiria. Reconhece que, ao lado de documentários, filmes de ficção representam uma dimensão importante da vida social e dos próprios processos socioculturais de um determinado período. E, numa perspectiva multidisciplinar, propõe associar princípios da comunicação e da história ao enfoque de gênero, buscando identificar os fundamentos da construção cultural das diferenças entre os papéis do masculino e do feminino. Seu caminho será o de estabelecer recortes que mais bem definam as diferentes representações femininas em uma amostra qualitativa de filmes selecionados como indicadores do final de uma era técnico-narrativa. E, finalmente, procura identificar os propósitos dessas representações em um momento de importantes mudanças no cenário brasileiro. Palavras: Representação; Gênero; Cinema Mudo; Cinema Brasileiro ABSTRACT: This study has the objective of increasing the discussions on the feminine representations in one of the fields of visual communication the cinema - to the late 1920s and beginning of the decade that followed. Recognizes that, along with documentaries, fiction movies represent an important dimension of social life and of the socio cultural processes of a given period. And in a multidisciplinary perspective, it proposes to associate the principles of communication and history to the focus on gender, trying to identify the fundaments of the cultural construction of the differences between the roles of male and female. Its path will be to establish approaches that better define the different representations of women in a qualitative sample of films selected as indicators of the end of an age-technical narrative. And finally, attempts to identify the purposes of these representations at a time of important changes in the Brazilian scenario. Key-words: Feminine Representation; Gender: Silent Film; Brazilian Movies LISTA DE FIGURAS Braza Dormida 55 Figura Cena Descritivo Página 1 1 O cenário metropolitano 54 2 2 Figurino de protagonista 54 3 3 Questões 55 4 4 O passeio público 55 5 5 A busca 56 6 6 Na massa, as minorias. 56 7 7 Nas patas, a sorte. 57 8 8 Adornos 57 9 9 Compromisso pagão 58 10 10 Lembranças 58 11 11 Lembranças 59 12 12 Lembranças 59 13 13 Contornos 60 14 14 Contornos 60 15 15 Contornos 60 16 16 Classificado 61 17 17 Novas companhias 61 18 18 Em roda 62 19 19 Braços abertos 62 20 20 Pecados e pecadores 63 21 21 Pecados e pecadores 63 22 22 Pecados e pecadores 63 23 23 A força do bem 64 24 24 A escrita do mal 64 25 25 Mensagem 65 26 26 Escândalo 65 27 27 Desconhecido 65 28 28 Incondicional 66 29 29 Escapes 66 30 30 O valor da rosa 67 31 31 O brinde 67 32 32 Surpresa aos ouvidos 68 33 33 Aos olhos do dono 68 34 34 Corpo a corpo 68 35 35 Sobrevida 69 36 36 A César 69 37 37 Passaportes 70 Fragmentos da Vida 76 Figura Cena Descritivo Página 38 1 Indefesa 76 39 2 A tudo vê 76 40 3 Destino certo 77 41 4 Caçador e caça. 77 42 5 Dominador e dominada. 78 43 6 Em seus lugares 78 44 7 Agradecida 79 45 8 Dívida 79 46 9 Insucesso 80 47 10 Distância 80 48 11 Intervenção 81 49 12 A despedida 81 50 13 Apraz 82 51 14 Sinais 82 52 15 Doce utopia 83 53 16 A fé une, 83 54 17 revela, 84 55 18 relembra 84 56 19 reprime e redime. 84 Lábios sem Beijos 88 Figura Cena Descritivo Página 57 1 O cenário 88 58 2 complementação 88 59 3 O Tutor do comportamento feminino 60 4 Face a face, a protagonista 89 89 61 5 A reprimenda 90 62 6 O desafio 90 63 7 Apelo ao compromisso 91 64 8 Relações clandestinas 91 65 9 Paixão e aventura 92 66 10 Paixão e aventura 92 67 11 Zangadinho 92 68 12 Primeiro encontro 93 69 13 Espaços 93 70 14 Supremacia 93 71 15 Recuo 94 72 16 Entre mulheres 94 73 17 Decreto 95 74 18 O reencontro 95 75 19 Hiato 96 76 20 Surpresa 96 77 21 Limites 97 78 22 Permuta masculina 97 79 23 Namoro 98 80 24 Enamorados 98 81 25 Dúvidas 99 82 26 O beijo 99 83 27 Identidade 100 84 28 Dilema familiar 100 85 29 A tragédia 100 86 30 O drama 101 87 31 Vingança 101 88 32 Mentiras 102 89 33 O outro lado da moeda 102 90 34 Miragem 102 91 35 A confissão 103 92 36 A mensagem 103 93 37 O imaginário 104 94 38 Revelação 104 95 39 O real 105 96 40 Na direção 105 97 41 Espelho 106 98 42 A decisão 106 99 43 O resgate 107 100 44 Mais surpresas 107 101 45 Perplexa 108 102 46 Esperança 108 103 47 Certeza 109 104 48 Ao som das cascatas 109 105 49 Balelas 110 106 50 Nas coxias 110 107 51 Amor verdadeiro 111 Mulher 116 Figura Cena Descritivo Página 108 1 Defensivas 116 109 2 Ordem padrasta 116 110 3 Aparências 116 111 4 Prover 117 112 5 Entre olhos 117 113 6 À lida 118 114 7 Arrumar 118 115 8 Louças 119 116 9 Roupa lavada 119 117 10 Pernas 120 118 11 A focar 120 119 12 A espreita 120 120 13 Prazer sedutor 121 121 14 Olhares estrangeiros 121 122 15 Ombro amigo 122 123 16 Senhor dos sonhos 122 124 17 Frágil razão 122 125 18 Obscuro sedutor 123 126 19 A chantagem 123 127 20 Pálida resistência 123 128 21 Portas se abrem 124 129 22 Coração e alma 124 130 23 Seduzida 124 131 24 Acorde infeliz 125 132 25 Reação de rejeitado 125 133 26 Altar caído 125 134 27 Aos braços da mãe 126 135 28 Protegei 126 136 29 Braços atados 126 137 30 Sem eira, nem beira 127 138 31 Abraço amigo 127 139 32 Doação ímpar 128 140 33 Porto conhecido 128 141 34 Entre outros altares 129 142 35 Torpes olhares 129 143 36 Ledo engado 130 144 37 Altar. 130 145 38 Gastando sola 130 146 39 Entre Evas e Liliths? 131 147 40 Quarto de mulheres 131 148 41 Sem ilusão 132 149 42 Passaporte em bastão 132 150 43 Sem opção 132 151 44 Assim se espelha 133 152 45 Desmaio providencial 133 153 46 Providencial abraço 134 154 47 Falas 134 155 48 Fora de jogo 135 156 49 Amargores 135 157 50 Reconhecendo 135 158 51 Declaro 136 159 52 Felizes para sempre. 136 LISTA DE QUADROS Quadro I Censo populacional das cidades de Cataguases, São Paulo e Rio de Janeiro. 1920 p. 38 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO I Imaginário cinematográfico e representações de gênero. 1.1. As matrizes históricas 11 da representação feminina. 13 1.2. O cinema como fonte de estudo das representações femininas. 20 1.3. As representações de gênero no cinema. CAPITULO II 24 Uma tela em mutação: Alteração do cenário brasileiro. 2.1 30 Os desafios da modernidade: a mulher e a busca do controle social. 31 2.2. Os dados reais da situação: distribuição de homens e mulheres. 35 . 2.3 Recortes na historiografia do cinema nacional. CAPÍTULO III 44 Janelas de um tempo – Análises dos filmes. 48 3.1. a. BRAZA DORMIDA (1928) 52 3.2. b. FRAGMENTOS DA VIDA – (1929) 73 3.3. c. LÁBIOS SEM BEIJOS - (1930) 86 3.4. d. MULHER – (1931) 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS 138 FONTES E BIBLIOGRAFIA 141 ANEXOS Fichas Técnicas Completas dos filmes 148 INTRODUÇÃO A presente dissertação tem por objetivo primordial o estudo relacional de figura(s) feminina(s) em filmes de ficção produzidos em três distintos núcleos de desenvolvimento da produção cinematográfica nacional: as cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Cataguases (MG). Seu recorte temporal situa-se entre o final da década de 1920 e início da que se segue. Se sustenta na interdisciplinaridade, buscando em métodos da história, da psicologia social, da comunicação social e da antropologia, entre outras áreas do conhecimento, a construção de um arcabouço teórico indispensável para a decodificação de suas mensagens e possíveis leituras. A eleição do estudo de filmes de ficção ou de sucessivas imagens em movimento sustentadas por um roteiro previamente determinado pressupõe que a transmissão de mensagens imagéticas possa suprir, com sucesso, lacunas de comunicação em uma sociedade profundamente demarcada pelo analfabetismo e pelos altos números da imigração estrangeira. Nesse contexto, a representação física da mensagem pretendida associada à diversão, pois que o cinema tem em si mesmo esse objetivo, afigura-se como meio pedagógico ideal na construção de papéis de gênero, em um momento em que aos valores de uma acanhada sociedade rural se opunha uma efervescente e mal assimilada modernidade urbana. Reconhece-se, de imediato, que o cinema, sem excluir o imaginário, graças ao seu diferenciado e abrangente arcabouço físico traz, entre outras, uma nova dimensão estética, de olhar, de representação, de identificação, de espaço corpóreo e privado, de extracorpóreo e extradomiciliar. Ele escancara as portas do mundo à mulher analfabeta ou semianalfabeta, ilustrada nos limites do ser olhada sem se olhar, sem reconhecer seu corpo, suas expressões e suas necessidades. E, como se espelho fosse, permite desmistificar e encarnar o conceito reproduzido, desejado e aceito, dos papéis de gênero (o feminino e o masculino) nas diversas situações do cotidiano. No que se refere ao trabalho, por exemplo, ilustrava como era bem mais nítida a separação entre os sexos. Uma discutível afirmativa sobre as distintas e inerentes condições naturais ou inatas dos indivíduos definiu o espaço público como masculino e o privado – o domicílio – como o ambiente feminino. Algumas atividades ali realizadas, necessárias à reprodução diária da família, como lavar, passar, cozinhar e limpar, tomar conta dos filhos e os cuidados com a saúde foram entendidas como próprias das mulheres. Subtendia-se que elas as executavam por instinto, sem um necessário aprendizado e sem maiores esforços. Fechando o círculo do espaço doméstico, exaltava-se a figura do provedor. Naturalmente mais bem preparados para os desafios próprios da acirrada competição no mercado de trabalho, os homens eram encaminhados às escolas e/ou aprendiam enquanto realizavam as tarefas pertinentes a cada atividade. O exercício da profissão masculina foi assim valorizado. A escolha dessa última dependia, evidentemente, do estrato social ao que pertencia cada individuo. Não por acaso, entre as camadas sociais mais bem aquinhoadas, as famílias procuravam garantir para seus filhos o acesso a uma educação que lhes permitissem adotar o título de doutor, mesmo que esse tratamento fosse uma mera cortesia social. Essa era, apenas, uma diferenciação inicial que aqui se observava entre o gênero masculino e o feminino. Por serem criadas no interior do ambiente doméstico, sob a estrita vigilância materna e autoridade paterna, obedecendo a uma hierarquia de valores morais subscrita pelo catolicismo, subtendia-se que, sempre ocupadas, as mulheres jovens teriam seus naturais instintos sexuais controlados e sublimados. Tal exigência não se estendia de maneira tão rígida, porém, aos homens jovens de uma mesma família. Destes se perdoava, como se inevitável fosse, ou até mesmo se esperava, a iniciação sexual antes do casamento. Os jogos de sedução – o flerte, o namoro e o casamento – constitui, porém, um dos símbolos de uma sociedade urbana e, embora sujeito a regras de conduta, um espaço inerente à modernidade. Passo a passo, avanços e recuos, a escolha de seu cônjuge começa a ser realizada pelo indivíduo diretamente interessado. O amor torna-se uma emoção valorizada na constituição de uma nova família. No entanto isso não significa que, de imediato, a supervisão e aprovação paterna houvessem sido desprezadas. Longe disso. A seleção do (a) companheiro (a) não é feita ao acaso. Valorizam-se as redes de solidariedade, os laços familiares e as perspectivas de independência econômica do novo casal. E, para tanto, cabe a figura paterna garantir que a escolha deva ser realizada entre indivíduos do mesmo estrato social. Nesse sentido, a cidade oferece inúmeras oportunidades. Diferente dos limites estreitos de convívio social observados numa sociedade tipicamente rural, ela permite uma maior circulação de novos conceitos, novas ideias, e novos comportamentos. Evidencia o eterno confronto de definição de limites entre gerações sucessivas. O embate entre tradição e modernidade torna-se, aqui, muito mais acirrado. Assim o fazendo, oferece claras oportunidades de análise para um observador. E, dentre estas, utilizar filmes de uma época selecionada como a principal fonte documental de pesquisa permite a realização de um recorte cronológico que possa dar conta de alguns fundamentos e mudanças referidos anteriormente. Trata-se, em resumo, de discutir, via imagens contemporâneas em movimento, o significado de uma modernidade brasileira que se traduzia pela efervescência reformista de um período caracterizado pelas discussões sobre a especificidade nacional e pela necessidade de incorporar um enorme contingente de estrangeiros que mal falavam a língua portuguesa. E, ainda, marcado pelo fim do ciclo da economia cafeeira, pelo impacto da industrialização que se instalava, por sucessivas medidas de reformulação da paisagem urbana, notadamente nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e, na representativa Cataguases, a fechar um contexto de propositura de análise, pelo controle das massas populares que, na saída do campo para a cidade, se engajaram nesse processo, para o que se evidencia: “(...) quando em 1910, meus pais vieram residir em Cataguases, já encontraram uma cidade civilizada, de indústrias numerosas, comércio sólido, instruída e liberal. Havia uma liberdade política e religiosa de fazer inveja a outros municípios da Zona da Mata, 3 não menos importantes. (...)” . Cidade, tida e dita como interiorana, mas, cuja representatividade, quer ao modernismo, quer ao cinema 4, como se oásis fosse, possa iluminar nosso olhar sobre um Brasil que também se modificava fora dos grandes centros urbanos. E que, na área social, promovia intensos debates sobre a redefinição da família brasileira e, dentro dela, dos papéis sexuais de seus homens e mulheres. Consubstanciado pela promulgação do Código Civil, de 1916, esse novo ordenamento social encontrara suas raízes na sociedade patriarcal. Com poucas alterações substantivas, ele seria a matriz referencial do casamento indissolúvel, dos direitos e deveres do marido e da esposa, dos filhos, da distribuição da herança e de todas as outras questões relativas à constituição da família, entendida, então, como a célula primária e natural da nação. Uma ordem social fundamentada, em seu aparato jurídico, pela natureza e pelos papéis sexuais que ela teria determinado desde os tempos imemoriais para homens e mulheres. Em nome da família e de sua proteção optou-se pela manutenção da tradição milenar, definindo-se que, devido a características inatas como arrojo e força física, aos homens competiam o prover e o domínio. Às mulheres, “dóceis e frágeis”, cabia a submissão ao chefe do domicilio. Corresponderia esse modelo a uma legitima representação social? Ou seria ela uma construção histórica, fundamentada na natureza (fisiologia), que traduziria relações de poder? Ou teria sido este um meio adequado de interiorização de uma mensagem que, usando uma nova roupagem, reafirmava valores tradicionais? Para responder essas questões optou-se, de início, pela análise de filmes produzidos na terceira fase do cinema nacional (1922-1933), adotando-se a classificação de Paulo Emílio Salles Gomes, autor da primeira 3 RUFFATO, Luiz. Os ases de Cataguases: uma história dos primórdios do Modernismo. Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2009, p. 28. A citar declaração testemunhal de Humberto Mauro. 4 Que, em três de março de 1926, exibe “Na Primavera da Vida”, inaugurando o primeiro longa de direção de Humberto Mauro. tentativa de periodizar sua historiografia.5 Reconhece-se que questionamentos levantados por outros historiadores do cinema brasileiro sobre a pertinência dessa periodização, realizada sob a perspectiva da produção, apenas reforçam o seu caráter pioneiro. E, como tal, não impediriam a adoção desse marco temporal que era, evidentemente, o que melhor correspondia ao momento das profundas transformações sociais que a sociedade brasileira conhecia e que estão referidas anteriormente. No entanto, um balanço da produção desse período mostrou ser inviável a realização completa dessa primeira proposta. Um dos motivos foi a impossibilidade de recuperar todas as películas então produzidas, notadamente em função da precariedade do suporte físico utilizado na sua realização. Outro fator foi a opção pelo detalhamento de mensagens que, em alguns momentos, demandaram o exame de cada fotograma, formando uma sequência que mais bem pudesse dar conta de seus possíveis significados. A saber, o método de análise empregado e o volume de informações produzido acabaram por exigir uma redução no universo amostral a ser pesquisado. A solução encontrada passa, também, pela redução do período desse estudo. O ano de 1930 foi a data mediana de referência adotada, mas não a única, por sinalizar algumas das mais importantes transformações daquele momento. Sabe-se, em primeiro lugar, que naquela ocasião se encerrava o círculo da Primeira República ou da política do café com leite, a saber, a predominância paulista e mineira nos destinos da Nação. E ainda que, sob o impacto da crise da Bolsa de Valores de Nova York, de 1929, a economia brasileira sustentada pela exportação cafeeira entrava em profunda recessão. Ou seja, a sociedade brasileira, em seu conjunto, enfrentava desafios substantivos que acarretariam mudanças não menos significativas. O fundamental era definir permanências e modificações que esses fatos determinaram. 5 Ver GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Essa obra é composta por três ensaios. Panorama do Cinema Brasileiro: 1896/1966, escrito em 1966; Pequeno Cinema Antigo, de 1969; e Trajetória do Subdesenvolvimento, de 1973. No primeiro deles encontra-se uma proposta inicial de periodização da história do cinema no Brasil, ao mesmo tempo em que consagra a filmagem de Alfonso Segreto, em 19 de junho de 1896, como seu marco inicial. Para tanto, tornou-se necessário a eleição de uma amostragem qualitativa, representativa dos desafios e propostas modernizadoras do período. Baseando-se em Paulo Emilio Salles Gomes, Maria Rita Galvão e Jean Claude Bernardet6, pioneiros no estudo da história do cinema brasileiro, foi possível determinar, em primeiro lugar, que os núcleos de produção fílmica estavam, ao final da década de 1920, espalhados por várias regiões do país. E que esse era, também, o momento em que Humberto Mauro7, considerado pela crítica especializada como o diretor e roteirista que melhor associava ficção ao documentário, realizava as suas produções iniciais, em Cataguases (MG) e na Capital Federal. Dentre os filmes que, Humberto Mauro, dirigiu e roteirizou, destaca-se aqui “Braza Dormida”, de 1928, por permitir uma rica leitura da representação contida do interior em contraposição aos valores entendidos, então, como progressistas da cidade do Rio de Janeiro. Ou de uma situação de confronto entre o tradicional e o moderno, mediado pelos valores do trabalho e a intermediação dos mais velhos na educação dos mais jovens, resgatando o destino dos protagonistas, claramente caracterizados como pertencendo às camadas mais abastadas da sociedade. Dele também é a direção de “Lábios sem Beijos”, de 1930, cujo roteiro e produção inicial são de responsabilidade de Ademar Gonzaga.8 A cidade do Rio de Janeiro marcada pelo contraste entre símbolos da modernidade – o espaço público – e o tradicional – o recolhimento do ambiente domiciliar e de redes de solidariedade – é o lócus da produção. Distingue-se como marco referencial para os estudos de gênero por trazer uma mulher como o ponto focal do roteiro. Em torno dela, de suas amigas, familiares e rede de relacionamentos é que se definem os comportamentos sociais desejáveis nas relações amorosas entre jovens de “distinção” da sociedade carioca, tida como a Meca da moda da vida social brasileira. 6 Ver GOMES, op.cit.; GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do Cinema Brasileiro. São Paulo: Ática, 1975; e BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro. Metodologia e Pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995. 7 Não obstante reconhecer a sua importância para a historiografia do cinema brasileiro, uma análise específica da obra de Humberto Mauro, objeto de várias teses e dissertações, foge aos objetivos desse trabalho. Sempre que necessário, porém, aqui e nos capítulos que se seguem, na associação entre ficção e documentário, esse assunto será retomado. 8 As informações das revistas da época dão conta desse filme ser um projeto de Ademar Gonzaga. Face às dificuldades enfrentadas que inclui a substituição da protagonista, Humberto Mauro acaba por assumir as filmagens. Entre os selecionados, “Fragmentos da Vida”, produzido e roteirizado por José Medina, em 1929, realizado na cidade de São Paulo, outro símbolo nacional de progresso e modernidade. Antecipando os efeitos econômicos nocivos da crise da bolsa de Nova York, seu roteiro enfatiza a importância do trabalho e sua correlação com o exercício do destino masculino: o papel de provedor e protetor. E, em menor escala e por contraste, referenda o fado coadjuvante e redentor da figura feminina. Não por acaso, as cenas – em sua maioria – enfatizam o espaço público, pois a marginalidade é o correlato do individuo sem a dignidade do trabalho. A completar os propósitos desta dissertação, formando um quarteto de filmes, selecionou-se “Mulher”, de 1930, dirigido por Otávio Gabus Mendes e roteirizado por Ademar Gonzaga. Nesse, realizado no Rio de Janeiro e como o próprio nome indica, observam-se as agruras e desventuras da protagonista, sujeita aos desajustes econômicos e emocionais de uma família típica ou tipificada das camadas populares. Diferente das heroínas aqui analisadas, a associação entre a mulher e o trabalho explicita, aqui, as atividades domésticas realizadas no interior do domicílio, onde reina inconteste a figura lasciva do padrasto. As oportunidades de análise de papéis de gênero nos quatro filmes acima identificados devem permitir tornar mais clara as diferenças entre as representações das jovens das camadas populares e as dos estratos sociais mais favorecidos. Se das primeiras se exigia a execução de alguma atividade – o trabalho doméstico, pelo menos – para as segundas ficam evidentes o ócio e a busca de entretenimento. Em comum, porém, todos subentendem a necessidade de sujeição da figura feminina aos ditames do pai educador (representado, também, pelo tio ou pelo padrasto) ou do marido protetor. À figura de um homem que, permanentemente, a mantinha sob a sua guarda e tutela. Independente do contexto socioeconômico em que está inserida, a figura masculina está associada à realização de uma atividade produtiva. Quer seja exercendo atividades de direção ou supervisão, quer seja um profissional liberal ou, ainda, um trabalhador braçal é o trabalho que o personagem realiza que lhe garante o reconhecimento social entre os seus pares. A contrapartida, como se apresenta nas demais obras, é a ausência de significado: a indignação moral, a marginalização e os destinos trágicos como a prisão ou o suicídio. Entre estes cenários se apresentam diversas e enriquecedoras oportunidades de análise. Dentre atividades típicas do interior às realizadas na cidade foi possível encontrar, por exemplo, o trabalho realizado em vários setores da economia – nas tarefas rurais, urbanas e na prestação de serviços. E, é claro, reafirmam o reconhecimento social do trabalho masculino em detrimento das atividades femininas realizadas dentro de casa. Em nenhum momento as mulheres são explicitamente apresentadas como chefes do domicílio, como responsáveis por si e pelos seus. Embora, em alguns casos, possam ser as provedoras materiais da família, elas não são sequer consideradas ou reconhecidas como tal, nem por si ou por terceiros. Tais afirmativas, ainda que precoces, têm por objetivo reafirmar aqui a pertinência de adotar o enfoque de gênero – ou dos mecanismos de construção cultural da diferença entre os sexos – nos objetos da pesquisa aqui realizada. Se a fonte principal desse estudo são os quatro filmes supracitados, vale reafirmar que dados provenientes de artigos publicados em revistas especializadas e em jornais da época permitem uma melhor compreensão das mensagens explícitas e implícitas que eles transmitem. Tal cuidado, evidentemente, tem por objetivo evitar possíveis anacronismos. Definida a amostragem, privilegiando o seu caráter qualitativo, cumpria sistematizar, acatando críticas e sugestões provenientes do exame de qualificação, os parâmetros teóricos e históricos adotados nesta dissertação de mestrado. Ela será estruturada em três capítulos, seguidas das considerações finais, como se pretende explicitar nos próximos parágrafos. Na elaboração do Capítulo I – Imaginário cinematográfico e representações, partiu-se de condutos discutidos, analisados e reelaborados em estudos desenvolvidos no curso de pós-graduação. Esses encaminharam o entendimento da significância e do significado do imaginário na arquitetura da psique humana e sua práxis nos comportamentos e visões culturais. Explicitaram como mitologemas puderam traduzir ou deixar transparecer as imagens desejadas e demandadas em cada sociedade, em temporalidades distintas, desde as pinturas rupestres às telas de LCD. Buscou-se, assim, seu ethos na história, em particular na historiografia do cinema brasileiro e, no enfoque de gênero, a observação da construção das diferentes representações de papéis sexuais. O Capítulo II – Uma tela em mutação: alteração no cenário brasileiro se propõe a revelar, com inúmeras e complementares fontes de pesquisa, as possíveis “fotografias” dos cenários de um Brasil perturbado e reativo. 9 De um lado, enquadra as suas emergentes mudanças sociais, culturais, econômicas, jurídicas, políticas e, em especial, as de enfoque de gênero em suas representações do feminino e do masculino. E de outro, posterior, visita o meio cinema como fonte documental em que as interpretações dessas realidades foram armazenadas e trazidas à memória. O Capítulo III – Janelas de um tempo: análises fílmicas procura examinar evidências empíricas da construção cultural das diferenças entre os sexos nos quatro filmes supracitados: “Braza Dormida”; “Lábios sem Beijos”; “Fragmentos da Vida” e “Mulher”. Sustenta-se na fonte documental por excelência – o filme ou a imagem em movimento que traduz o conteúdo de um roteiro pré-determinado – associando seu estudo aos registros escritos que, ao longo de cada película, complementam a transmissão das mensagens visuais. Realiza uma análise baseada na seleção prévia de fotogramas que podem ou não formar quadros sequenciais, sendo que cada um deles foi, por convenção, chamado aqui de cena que possa ser contextualizada, por si só ou de forma agrupada, sem perder de vista a lógica narrativa do roteiro. Sob essa perspectiva, a pesquisa e a análise encaminham o estudo do cotidiano ou de uma redefinição do campo político, frente ao deslocamento de uma interpretação histórica baseada, preferencialmente, no poder das instituições publicas, da Igreja e do Estado, para a da esfera do privado e do domicílio.10 Em um momento de representação das camadas médias da sociedade brasileira o olhar romantizado de roteiros explicita e amplifica, 9 Segundo citação literal de Francisco Gracioso, Diretor-Fundador e Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, em aula inaugural da primeira turma de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing, da mesma escola, em março de 1981, dando conta de que “... é nesse cenário – perturbado e reativo – onde se multiplicam as possibilidades criativas”. 10 Ver MATOS, Maria Izilda S. de. Por uma história da mulher. 2ª Ed. Bauru (SP): EDUSC, 2000, p. 11. como se positivos fossem, valores e comportamentos, direitos e deveres, trabalho e ociosidade, entre outros atributos das camadas mais favorecidas. Em contraposição, aproximando-se de uma visão mais realista, as camadas populares são representadas graficamente em tela, como o negativo dessa mesma sociedade e traduzem a exigência de superação de seu lado mais obscuro. Duas perspectivas antagônicas e complementares que enriquecem a discussão e conformam nos papéis de gênero, um espelho pedagógico da modernidade pretendida. Capítulo I – Imaginário cinematográfico e representações de gênero. O cinema é um veículo de comunicação massivo, que funcionou e ainda funciona como propagador de um mundo idealizado, difundindo modos de ser, ter e comportar-se, a serem assimilados pelo senso comum de seu espectador tão rapidamente quanto forem se tornando mais desenvolvidas as tecnologias que o sustenta.11 Essa sua característica indiscutível – a reprodução de imagens em movimento – em seus elementos iconográficos e simbólicos, sonorizados ou não, torna o cinema um rico elemento de análise do ideário de modernização de determinados períodos. Disso decorrem algumas das primeiras aproximações para seu estudo: a definição do aparato tecnológico que o sustenta ou dos meios necessários ao registro de imagens. Não menos importante, de maneira concomitante, é procurar apreender a amplitude do impacto das representações que disponibiliza. Nesse sentido é possível verificar como modelos tecnológicos (e nesse caso específico – a produção cinematográfica), são capazes de conotar e auferir distintas significâncias e relevâncias em diferentes temporalidades e espaços.12 Tornam-se competentes, entre outras importantes concepções, para alterar em curtíssimo período cronológico (do ponto de vista da história como ciência), as percepções coletivas, aparentemente pétreas, tais como corpo, concreto, imaterial, mente. Na constatação, como se exemplo casual fosse, de que faz parte do imaginário coletivo contemporâneo uma percepção precípua de força e/ou de corpo, diferentes das interiorizadas no início da revolução industrial. Assim, hoje, potencializa a visão de redução do objeto, diversa da compreendida em um passado próximo, a se fazer superação e sublimação do potencial tecnológico sobre o concreto. O corpo e o gigantismo (simbólicos primários de força) perderam, nos tempos da pós-modernidade, da cibercultura 11 Ver CRUZ, Joliane Olschowsky da. Mulher na Ciência: Representação ou Ficção. São Paulo: ECA/USP, 2007, p. 23. Tese de doutorado. 12 Ver FELINTO, Erick. A Religião das Máquinas. Ensaios sobre o Imaginário na Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2005. e da virtualidade, tal significância em prol da transcendência. Ou, em outras palavras, quer-se ver na redução do corpo material do objeto – na miniaturização ou nanotecnologia – a expressão máxima da divindade tecnológica. Pois que, mesmo de forma utópica, a infinita redução poderia fazer com que um aparato tecnológico pudesse transcender sua parte material e, à maneira de um Pinóquio, humanizar-se.13 E, assim o fazendo, pode ser entendido, tal qual um... “... demiurgo que produz não apenas novos mundos e seres, mas que também pode se recriar indefinidamente. Do lado do corpo, igualmente se manifestam duas fantasias essenciais: desmaterialização e hibridação. A noção de que a consciência não necessita de uma materialidade para operar é incrivelmente libertadora”.14 Mais ainda, ousando conotar que a tecnologia e o objeto dela representante se tornem uno, visto que é o seu “invólucro protetor” 15 e que só por ele possa ser representada. Tecnologia essa que, igualmente, só é materializada e/ou tangibilizada na condição sine qua non da existência de um objeto. A torná-los uma coisa só, prisioneiros entre si na sua interdependência existencial, condição primária dessa análise. Passa, assim, a ser extensão do humano, similar a que McLuham 16 preconizara sobre os meios de comunicação. Que, em superior proposta afirmativa, a de que o homem enquanto criador ao se mesclar com o objeto tecnológico, agora humanizado e servil, pudesse se transformar em divindade e, como tal, eterno, a dominar e a escravizar, ao seu prazer e mando – Cronos. Essa é uma das intrigantes possibilidades de representação do humano: seu corpo, seus limites, suas realizações, suas fantasias e, entre tantas outras, suas infinitas possibilidades de expressão e de domínio nas telas dos cinemas. Singular simbiose entre tecnologia e imaginação transforma-se em matériaprima da história, propiciando, em diferentes geografias e temporalidades, 13 Ver SILVEIRA, William Spinola. Contribuições ao Imaginário Tecnológico. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2009. Monografia apresentada à disciplina Comunicação e Teorias do Contemporâneo, no Mestrado em Comunicação. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2009. 14 Ver FELINTO, 2005. Opus cit., p. 48. 15 Termo que define embalagem. Ver RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo. “Dicionário de Comunicação”. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1978, p. 178. 16 Ver MCLUHAM, M. Revolução na Comunicação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. tantas releituras da realidade construída quantas forem as intenções de seus criadores e os números de suas criaturas, sujeitos/objetos da diversão e da pedagogia. 1.1. As matrizes históricas da representação feminina. No desenvolver dessa pesquisa foi possível constatar, praticamente desde o seu início, que imagens e ideias estão intimamente relacionadas. Mudanças, comportamentais ou não, começam na formação de imagens; novas imagens mentais correspondem a ideias novas ou reforçam ideias tradicionais. Assim, como preconiza Cruz, é possível afirmar que por: “(...) imagens mentais entendemos as imagens que se formam no cérebro e só verificáveis por um único ator – o que as imagina. Tais imagens podem ser resultado da interação com o mundo através dos olhos, criadas no interior da mente que pensa, ou ainda um hibrido das duas operações, daqui para frente designada por representação. Dizemos que há comunicação quando o ator que imagina é eficiente em construir, na mente de um interlocutor, imagens semelhantes àquelas que estão em sua mente. Isto requer o domínio de um código específico por parte do emissor da mensagem, o ator que imagina. Para comunicar oralmente ou por meio da escrita o código é a língua partilhada pelos atores, além da tradução das imagens para esta língua”.17 Logo, como passo anterior ao estudo da imagem em movimento – o cinema, exterior aos indivíduos que são receptores das mensagens que ele transmite, torna-se imperativo um primeiro recorte epistemológico; trata-se de reconhecer as diferenças entre o processo de pensamento racional, próprio de cada indivíduo e sua representação e assimilação no âmbito do coletivo. Ou colocando em outros termos, sabe-se que: “cada cultura engendra e põe em circulação seu modo de ver, costumes, permissões e interdições através de representações 17 Ver CRUZ, 2007. Opus cit., p. 29. Grifos da autora. Embora se reconheça a importância de distinguir a diferença entre o processo de construção do pensamento individual para o do coletivo, diversidade que mais bem pode ser explicada pelas teorias da psicologia social, é nas representações sociais coletivas que se concentra o foco dessa análise. quase tangíveis, entendidas e partilhadas e ainda cuidadas pelos 18 indivíduos de cada grupo”. E para se estudar como as ideias são partilhadas socialmente em blocos de significado coerente e resistente a mudanças, a teoria das representações sociais é um importante referencial. Da psicologia social emerge, assim, a noção de representações sociais entendidas como um fenômeno, em seu aspecto dinâmico de mecanismos mentais mobilizados constantemente na função de isolar uma percepção sobre determinada coisa e de criar um sistema de conceitos que a explique – os sistemas de referência.19 Corrobora e complementa essa proposição geral trazendo-a para mais perto do objetivo dessa pesquisa, a afirmativa de Luiz Antônio Vadico referindo-se ao potencial imaginativo do cinema, como uma expressão própria da tecnologia, e para quem: “... como tudo que diz respeito ao Tempo, o imaginário criado a respeito destas viagens no cinema é constituído de fortes componentes sociais e históricas.”20 A este caldo somam-se as não menos significativas e substantivas análises de Alfred Adler, Carl Gustav Jung e James Hillman, que, entre outros, tornam a questão da representação ainda mais aguda ao fornecer alguns dos primeiros indícios de diversidade e ao conotar diferentes concepções metafóricas relativas ao homem e a mulher, desde os idos da antiguidade. “A consciência humana falha, de acordo com a psicologia baseada na alma, porque a natureza metafórica da alma tem uma necessidade suicida (Hillman1964), uma afinidade com o mundo das trevas (Hillman 1979 a), uma morbidez (Zigler 1980),...aquele sentido de fraqueza (Lopez-Pedraza, 1977,1982), de inferioridade (Hillman 1977c), de mortificação (Berry1973), de masoquismo 18 Idem, p. 31. Grifo da autora. Idem. A autora sustenta seu estudo adotando a teoria de representação social, apoiando-se em Moscovici, como se pode observar na p. 42 e seguintes. 20 Ver VADICO, Luiz,“ A „Viagem no Tempo‟ Através de Suas Mediações. Um Panorama sobre o Surgimento e Evolução do tema através da Literatura e do Cinema”. Texto disponível em http://www2.anhembi.br/publique/media/mestrado_comunicacao/viagem_no_tempo.pdf e acessado em 21/07/2008. Meu grifo. 19 (Cowan 1979), de escuridão (Winquist 1981) e de fracasso (Hillman 21 1972b) é inerente ao método metafórico em si.” Levando-se em conta esses recortes, observa-se, também, que as concepções metafóricas relativas ao gênero feminino teriam sido amalgamadas no contexto da família, sob o poder paterno que acompanha sempre a autoridade marital. Sua origem remontaria aos textos sagrados dos Vedas, Árias, Brâmanes e Sutras para os quais a família é considerada como grupo religioso sob a chefia paterna. 22 No contexto familiar, a mãe é uma figura relativa, concebida em relação ao pai e ao filho, delas reflexa, como que a requerer trilogia. Pouco, ou quase nada, se fala sobre a sua situação de mulher dotada de aspirações próprias que nada possa ter a ver com a do marido ou filho. Essa é a realidade social na qual ela foi inserida. Na qual a sua existência só é referendada à exata medida que se presta a complementar e/ou atender as significativas existências dos demais. A figura paterna, por sua vez, tem funções sociais e jurídicas plenamente reconhecidas. Encarregado de velar pela boa conduta dos membros do grupo familiar (mulheres e crianças) e, como o único responsável por suas ações frente à totalidade da sociedade, tem o direito absoluto de julgar e punir. Tais pressupostos também ficaram transparentes na cultura grecoromana 23 e na judaico-cristã. No primeiro caso, baseado na natureza, o legado aristotélico considerava que o homem personificava o divino – a forma – sendo sinônimo de pensamento e inteligência e a mulher o princípio negativo – a matéria – cuja única virtude era vencer a dificuldade de obedecer. 24 No segundo, dois textos bíblicos, minimizando o discurso igualitário de Cristo, 21 Ver HILLMAN, James. Psicologia Arquetípica. São Paulo: Cultrix, 1988, p. 47/8. Ver BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 25 e seguintes. Trata-se de estudo polêmico que procura desmitificar, sob ótica multidisciplinar, o caráter inato e natural do amor materno. Como tal, contribuiu decisivamente para os avanços de estudos políticos das diferenças entre o feminino e o masculino. 23 Idem, p. 29. Segundo Badinter, Aristóteles pensava que a menstruação era a matéria a que o esperma dava a forma. A inteligência, virtude da humanidade, só era transmitida, portanto, pelos homens. 24 Idem, p. 32. Em citação atribuída a Aristóteles. 22 também trouxeram sérias consequências para as mulheres. Do Gênesis sobressai a eterna traição feminina e sua responsabilidade pelo pecado original. Da Epístola aos efésios, a recomendação catequista de São Paulo pressupõe esclarecer a igualdade entre pessoas que não são idênticas, identificando uma hierarquia e convocando, gentilmente, as mulheres a se sujeitarem aos seus maridos.25 Essas concepções carregam, como se indissolúveis fossem, desde aqueles tempos imemoriais e pelos espaços dentro e afora, a eterna sina das mulheres. Traduzem suas mais pérfidas e terríveis virtudes, que pudessem transparecer dissimuladas, tal como em um retrato de Dorian Gray, se ousado fosse descortinar. Um quadro impuro e obsceno cujo olhar masculino devesse desviar e não pactuar. Pois que, o Masculino é o Espírito, a Montanha, a Luz 26, a Força, o Superior, o Destro. A se fazer repetir, inclusive, desde os vitorianos olhares, ao recitarem o Eclesiastes 25, entre outros versículos, que “toda maldade é pequena se comparada à maldade da mulher: que a sorte do pecador recaia sobre ela” e “foi pela mulher que o pecado começou, e é por causa dela que todos nós morremos”. 27 Ao reconhecer, portanto, as infinitas possibilidades de associação entre tecnologia e imaginário, o enfoque de gênero tornou-se uma exigência dessa análise, a se fazer filtro de sua visão construtiva, quando revisitadas foram as culturas que contribuíram na fundação do que fosse o entendimento das representações do feminino e do masculino. Fez-se necessário retornar aos idos dos períodos “Aurignaciano” e “Gravettiano”28 para assistir a uma visão de igualdade entre os sexos, aos tempos de preponderância da procriação e perpetuação da espécie humana. Um elemento fundamental para a melhor compreensão das diferenças que se seguiriam. 25 Idem, p. 35. “Roubada” de Lilith, que mantém uma ligação com a palavra grega law, que é relacionada com lux (latim), light (inglês), licht (alemão), dando uma idéia de luz, ou ver com uma visão penetrante, ver à noite, libertar-se da obscuridade. 27 Ver Bíblia Online Canção Nova, Eclesiástico 25. Os versículos 12 a 26 se referem, genericamente, aos necessários cuidados/precauções a serem tomados pelos fiéis no trato com a mulher. Texto acessado em 02/07/2010 e utilizado nos dias atuais. 28 O período Aurignaciano situou-se entre 34.000 e 30.000 a.C., evoluindo na Ásia Ocidental ao norte, à Mesopotâmia, ao Afeganistão e a Europa Ocidental. Cultura esta, que foi base da Gravettiana (30.000 a 25.000 a.C.), que se estendia ao sul da Rússia à Europa Central, percorrendo Espanha, França e Itália. Povos caçadores de mamutes e artistas, habitando em moradas ao ar livre. 26 E, ainda, voltar à remota era babilônica, contemporânea à primeira cidade, em geografia que fez rascunhar os escritos das prostitutas, filhas fecundas do anonimato, do agrupamento humano, das primeiras moedas, onde encontraram ventre e habitat. A navegar, então, entre os rios Tigre e o Eufrates, a caminhar pelos relevos gregos e romanos, territórios onde se fundam os alicerces da história e da tradicional cultura ocidental, aqui notadamente, as que fundamentaram a também chamada cultura brasileira em seu espectro mais amplo. E recuperar, em terrenos e tempos que se construíram as concepções iconográficas e psicológicas das primeiras mulheres, a saber, de Lilith e sua provável sucessora, mas certamente contradita Eva. Tratava-se de apreender imagens dos tempos primevos que puderam fazer conotar e desconstruir o que pudesse ser obsceno na figura de Eva; a ressaltar que obsceno, citando Hyde, é uma corruptela do vocábulo scena, que em seu significado literal é “fora de cena”, ou seja, aquilo que não se apresenta normalmente na vida cotidiana.29 Aquilo que se esconde ou que se encontra nos traços da personalidade de Lilith em suas diversas representações, oferecendo sustentação aos ditos de Jung – “...imagem é psique.”30 Assim, ao analisar as imagens das representações de um gênero, caberia uma leitura relacional dos pensares do seu dicotômico, tal e qual considerar o côncavo pelo seu convexo. A dualidade entre as figuras de Lilith e Eva não daria conta, porém, de novas necessidades de representações do gênero feminino na construção de seus inerentes papéis sociais. Embora muitos autores considerem e ainda ponderem que eles são essencialmente duais. “Nas representações da tecnologia podemos perceber o mito da natureza dual da mulher como mãe-virgem, neutra e obediente, 31 ou vamp-prostituta, ameaçadora e fora de controle”. 29 Ver RAMOS, Fernão Pessoa. Teoria contemporânea do Cinema. V. I e II. São Paulo: SENAC, 2005, p.18. Citando Hyde, 1973, p.12. 30 Segundo citação de: HILLMAN, James. Psicologia Arquetípica. São Paulo: Editora Cultrix, p.10 31 Ver HOLLANDA. Heloísa (org). 3. Quase Catálogo. Estrelas do Cinema Mudo. 1908-1930. Rio de Janeiro: Ciec, 1991, p.11. Uma observação redutora, pois o senso comum indica que a figura de mãe nem de longe pode ser considerada sempre obediente e, muito menos, neutra. Constituem papéis femininos que, como camisas de força, foram circunscritos pela supremacia masculina: o patriarcalismo – um conjunto de regras autoritárias aplicáveis a toda sociedade – e o machismo – a expressão individual dessa pretensa superioridade. E, paradoxalmente, sustentados pela efetiva participação das mulheres que, como mães e educadoras, se tornaram dentro do domicílio, retransmissoras de valores “naturais” de domínio e submissão previamente definidos pelo sexo do individuo. Séculos após com o advento do cristianismo, em meados dos novecentos, a imagem de Maria, a virgem que intermedia o sagrado e o profano, são reforçados como uma terceira via que, se não refunda a família, lhe confere os decisivos contornos do catolicismo. E, ao retomá-la, evidencia pela submissão aos desígnios do pai e a dedicação ao filho, uma santidade que a opõe a demarcar qual ferro quente, o diferencial dos pecados de Eva. Torna-se uma entidade fundamental, que houvesse catalisar ou servir ao pensamento autoritário da Igreja Católica e do Estado Nacional. Instituíramse, assim, pelo menos, uma tríade, de personas a cumprir seus diferentes papéis sexuais, sociais, culturais, políticos, e ideológicos. Constituíram arquétipos a serviço da manutenção do status quo masculino. Corroboram com esta trivial configuração de modelares imagens de mulheres que se prestariam fantoches, nas relações de poder pelo orquestrar masculino às assemelhadas, como que por um descuido, as três formas milenares de se relacionar com o mundo. Lilith, indo contra o mando masculino na busca de dominação e de poder, no questionamento/embate ao antropocentrismo de seu gênero oposto. Eva ou, como querem alguns, Pandora, a se esquivar, a evitar o confronto, na criação de um mundo introspecto, recusando a busca do conhecimento e acatando a responsabilidade pelas mazelas sociais. Por fim Maria, em direção às pessoas, na submissão, na busca de filiação, maternidade e afeição, elo entre o eterno e o mortal. Compuseram um cenário dinâmico que se fez alterar, em meados do século XIX, quando pensadores europeus, ofereceram visão a um novo direcionamento às representações femininas, ao se fazer observar, tal qual em citação literal de Peter Gay para quem, segundo Lecky: “(...) o culto medieval da Virgem Maria serviria para elevar a mulher „pela primeira vez‟ a sua „posição de direito, e a santidade da franqueza foi reconhecida, assim como a santidade da dor‟. A mulher „não era mais a escrava ou brinquedo do homem‟ e se elevou, através da Virgem Maria, em „objeto de homenagem 32 reverente‟. Em suma, „o amor foi idealizado‟”. Muda o olhar, porém, grandes mudanças dificilmente ocorrem de forma abrupta. Ainda convivem ditames, dando a entrever: “A notável abundância do século XIX, de pinturas, histórias e poemas descrevendo mulheres devoradoras de homens atesta o medo que permeava a cultura burguesa. Havia fêmeas destruidoras da potência, tomadas de empréstimo da mitologia (...) fatais como Dalila (...) desejosas de subverter o controle exclusivo dos homens na esfera pública.”33 Representações perturbadoras a exigir, finda esta dissertação, entre outras constatações, verificar se nos selecionados filmes e brasileiro cenário, se fizeram constituir como a trindade de personas imaginárias reunidas num único corpo feminino. Imagens que serão passíveis ver a seguir, as que como de melhor tom, Morin nominou Virgem, Vamp e Divina. Mulheres que serviram, neste ou naquele momento, tal qual um plano de diferentes formas aos roteiros dos mandatários a inundar o cotidiano. Representadas no cinema, sustentadas pela ficção ou pelo documentário, elas se prestam a ilustrar os ditames morais de uma sociedade sexualmente hierarquizada. 32 Ver LECKY, William E. H.. History of the rise and influence of the spirit of rationalism in Europe. Apud GAY, Peter. A experiência burguesa. Da Rainha Vitória a Freud. O cultivo do ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.305. 33 Ver GAY, 1995. Opus cit., p. 304. 1.2. O cinema como fonte de estudo das representações femininas. Dando sequência a esse estudo faz-se necessário retomar ao conceito primário de gênero que, por tal condição, é de vital importância à melhor análise da fonte documental aqui utilizada.34 Ressalta-se, assim, pelos ditos literais de Ana Maria Ramaglia, no introito de seu Capítulo 1. “Faces do gênero feminino” que “Gênero não se limita a sinônimo de sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito masculino ou feminino. Entendendo gênero fundamentalmente como uma construção social – e, portanto histórica – teríamos de supor que esse conceito é plural, ou seja, haveria variações de feminino e masculino... “35 E, ainda, reforça-se esse conceito na especial companhia de Morin que, ao referir-se ao „star system‟ surgido com o aparecimento do cinema, afirmou: “Grandes arquétipos polarizam o „écran‟. A virgem inocente e silenciosa, de grandes olhos crédulos, de lábios entreabertos ou gentilmente desdenhosos, a vamp, trazida das mitologias nórdicas, e a grande prostituta, trazida das mitologias mediterrâneas, simultaneamente distinguem-se e confundem-se no seio do grande arquétipo da mulher fatal. Entre a virgem e a mulher fatal desabrocha a divina, tão misteriosa e soberana quanto a mulher fatal, tão profundamente pura e destinada ao sofrimento quanto a jovem virgem”.36 Três representações complementares, renegam distintas, uma antagônicas aparente simplicidade e por e dão vezes conta da complexidade paradoxal da figura feminina na cultura cinematográfica. Como se três notas musicais fossem, a compor infinitas sinfonias. E, como tal, se transformam em uma rica fonte de observação social. 34 Parte substancial do conteúdo aqui apresentado foi anteriormente desenvolvida em monografia do curso de Pós-Graduação. Ver SILVEIRA, William Spinola. Relações de gênero no cinema: representações femininas e o imaginário social. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2009. 35 Ver RAMAGLIA, Ana Maria. A mulher urbana brasileira no mercado de trabalho conforme revistas Cláudia e Barbara. São Paulo: Anhembi Morumbi. 1999, p. 7. Dissertação de Mestrado. 36 Ver MORIN, Edgar. Les Stars. Paris: Ed. Galilée, 1984, p. 20. Meus grifos. Uma primeira aproximação do estudo das representações femininas no cinema exige, porém, estabelecer uma primária e, aparentemente, óbvia distinção. Diferente de outras fontes históricas trata-se, aqui, da análise de imagens em movimento, quase sempre sequenciais, que permitem tanto a captação da realidade como observada pela câmara – o documentário – ou como a elaboração de uma narrativa – a produção de um filme definido em função de inúmeros gêneros cinematográficos que compõem o conjunto fílmico atual. Dos curta aos longa metragens, os gêneros cinematográficos podem, vistos rapidamente, abranger categorias tão dispares como drama, ação, romance, comédia, animação, guerra, westerns, pornografia (hard e soft core), ficção científica, cults, entre outros, abordando temas díspares e, com o auxilio da tecnologia, não a extrapolar os limites da imaginação humana, mas, sim, definindo seu potencial plausível e momentâneo. Nesse cenário tão abrangente para maior clareza de análise, torna-se necessário estabelecer alguns elementos prévios de classificação. 37 Vista em três tempos, a história do cinema, à semelhança de outras divisões de temporalidade redutoras, se apresenta dividida em um período clássico, no qual a narrativa é linear – começo/meio/fim, a narração é atemporal e apresenta um roteiro lógico, transparente, calcado em arquétipos como bem versus mal, promovendo destinos extraordinários ao herói, um espetáculo demarcado e onisciente. Nele não cabem dúvidas, nem questionamentos. A mensagem é transparente, lógica e absoluta. Em oposição, os filmes do período moderno transitam por temporalidades definidas, ousam mostrar o improviso, as dúvidas, o relativo, o finito, o ambíguo, e o incerto. Cultuam o anti-herói e o ordinário. Não por acaso, sofrendo os efeitos arrasadores da destruição, o cinema europeu no pós-guerra confronta com o neo-realismo, alguns dos valores 37 Segundo, Schvarzman, “... os cortes cronológicos, ciclos ou denominações de período derivam (...) mais dos movimentos históricos, econômicos e até mesmo da história da arte do que propriamente fílmicos ou estéticos. Se de 1929 a 1945 se pode falar numa “Maturidade do Cinema Clássico”, é lógico que a datação, ainda que tome por base a passagem do mudo para o sonoro, a data coincide também com a Crise de 1929, da mesma forma que 1945, se marca o final da 2a. Guerra marca também o surgimento do neo-realismo”. Ver SCHVARZMAN, Sheila. Historia e historiografia do cinema brasileiro: objetos do historiador. Revista Especiaria. Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia, 2008, p. 9/10. intrínsecos ao pensamento clássico: honra, desapego, altruísmo e heroísmo estão entre os valores questionados. Indo além, no cinema pós-moderno observa-se a enorme influência da cibercultura ou, colocando de outra forma, como o cinema se apropria da sua representação. Uma afirmativa aparentemente simples que, segundo Meneses, se traduziu na procura de novos parâmetros e instrumentos de análise que articulam esforços da sociologia, antropologia, filosofia, semiótica, psicologia e psicanálise, comunicação, cibernética, ciências da cognição.38 Tempo e espaço tornaram-se dimensões redutoras da hiperrealidade almejada e como tal foram abandonados em função das novas possibilidades da destemporalidade e do desespaço. O cósmico – nova fronteira do conhecimento, vivência a superação das limitações humanas – é o referencial. Um breve levantamento dos recursos tecnológicos empregados na elaboração de um filme mais bem dá conta da distinção entre os três períodos supracitados. A iluminação avança do jogo de luzes, passando pelo contraste entre a luz e a sombra até chegar à escultura da luz. Das primeiras fitas magnéticas à digitalização, a captura das imagens concretas passou pela montagem, pelo corte até atingir a trucagem ou a inserção de imagens digitalizadas por computadores. A sonorização, por sua vez, evoluiu da função co-narrativa, passando pela de ambiente, até chegar ao imagético. Com o emprego da cibercultura a imaginação estabelece na indústria cinematográfica o limite da realidade plausível. Dada essa enorme diversidade, como diria Meneses, o tratamento do visual e, nesse caso, da cinematografia, exige integrar três modalidades de tratamento analítico: o estudo do filme ou documento visual como registro produzido pelo observador; o documento visual como registro ou parte do observável na sociedade observada; e, finalmente, a interação entre observador e observado.39 Tais cuidados se fazem necessários, pois não estão 38 Ver MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares”. Revista Brasileira de História. Vol.23, nº. 45. São Paulo: ANPUH, 2003, p. 12. Texto disponível em http://www.scielo.br/rbh. 39 Opus cit., p. 6. apenas vinculados à mudança social, ao dinamismo da vida social, às indústrias da ilusão, à comunicação de massas, e semelhantes.40 É o ponto de partida para temas vinculados à cibernética com as radicais alterações que introduziu, ao final do século XX, com a imagem virtual. Esta chamou a atenção para dois aspectos que certamente passarão a integrar, daqui por diante, toda proposta de estudo de imagem (e não apenas da virtual). Um deles é a necessidade de desvincular a problemática essencial da representação da existência de um referente empírico, à vista da existência de imagens figuradas sem referente.41 O outro aspecto é a obrigação, que fica patente, de dar atenção à construção da imagem, às condições técnicas e sociais de sua produção e consumo. São essas algumas das constatações que permitem Schvarzman afirmar que, “... no presente, o cinema antes visto com desconfiança ou desinteresse pelo historiador, por não passar de uma diversão popular, por construir justamente mundos autônomos, fantasiosos e de escape, ganha um outro relevo: é lugar das construções e projeções do imaginário, da aferição de sensibilidades e práticas sociais, lugar da representação”.42 Por sua vez, recorrer à história do cinema implica em analisar a mensagem realizando a critica interna e externa da fonte. em sua dimensão material, é possível determinar Estudada quais são as formas/tamanhos que a mensagem pode assumir; os elementos utilizados na sua confecção; as técnicas empregadas na sua fabricação, dando conta, portanto, dessa dimensão específica.43 Independente da forma com que a mensagem é produzida, ela traduz um universo simbólico – uma dimensão abstrata – abarcando signos, símbolos, conteúdos, sentidos, construção argumentativa, entre outros pressupostos. Falta, agora, melhor definir a oposição entre as representações femininas e masculinas, e como ela se apresenta ao olhar da indústria 40 Idem, p. 8. Idem, p. 8. 42 Ver SCHVARZMAN, 2008. Opus cit., p. 4. Meu grifo. 43 Ver SILVEIRA, William Spinola. O processo da comunicação. São Paulo: CEINTER, 2005. 41 cinematográfica. Seria ela conivente e/ou desafiadora? Melhor ainda, seria possível analisar imagens femininas e masculinas sabendo de antemão que suas identidades, independente da biologia, são culturalmente construídas? E que, assim sendo, se faria necessário cuidar para não cair na armadilha mais comum: o uso de termos antagônicos para expressar uma hierarquia de significados?44 1.3. As representações de gênero no cinema. Em sua obra mais conhecida, Gisela Bock desenvolve a tese de gênero como o campo primário no qual as relações de poder se desenvolvem. Ela baseia sua proposta na “di-vision du monde”, de Pierre Bourdieu e nas suas referências às diferenças biológicas, notadamente as que se referem à divisão do trabalho de procriação e de reprodução, operando como a ilusão coletiva mais bem fundamentada. 45 E em Maurice Godelier, para quem não é a sexualidade que assombra a sociedade, mas a sociedade que assombra o corpo sexuado, isto é, as diferenças relativas ao sexo entre os corpos são frequentemente invocadas como testemunhos das relações sociais, um fenômeno que não tem nada a ver com a sexualidade.46 Trata-se da legitimação do poder.47 Por outro lado, ao levantar a questão do estudo dos filmes realizados no período clássico da história do cinema faz-se necessário destacar, segundo escrito de Schvarzman que, enquanto fonte primordial de pesquisa, dois teriam sido os fatores que comprometem a sua utilização.48 O primeiro deles, é de ordem tecnológica: o uso do nitrato, material explosivo, como suporte fílmico, impedia sua conservação por períodos acima de seis meses. 44 Ver BOCK, Gisela. Challenging Dichotomies: Perspectives on Women‟s History. In OFFEN, Karen et allii (eds.) Writing women‟s history, international perspectives. Bloomington: Indiana University Press, 1991, pp. 1-23. Para essa autora, o estudo das relações dicotômicas permite definir a ausência de equilíbrio político entre homens e mulheres, pois aos primeiros foi reservado o universo da cultura, do público e do trabalho em contrapartida à natureza, ao privado e à família. 45 A autora refere-se à BOURDIEU, Pierre. Le Sens Pratique. Paris: Editions de Minuit, 1980, p. 246/247, 333/461, e especialmente p. 366 46 A referência pode ser encontrada em: GODELIER, Maurice. The Origins of Male Domination. New Left Review, 127, 1981, p. 17. 47 Idem, p. 44/45. 48 SCHVARZMAN, 2008. Opus cit., pp. 7/8. O segundo, deriva da ausência de interesse econômico e de reconhecimento do valor cultural de uma película.49 Se esses fatores comprometem a realização de uma análise exaustiva sobre a produção global do cinema clássico, a solução encaminha, nesse momento, para uma prévia definição de critérios de análise de alguns exemplares do período. Estabelece-se, em primeiro lugar, que a realidade sócio-econômica constituiu o pano de fundo sobre o qual, quer seja à maneira de escapismo ou de sustentação do status quo, os filmes foram produzidos. E que, ao final do século XIX e princípios do seguinte, o estágio e desenvolvimento do capitalismo privilegiaram a construção de identidades de gênero que mais bem condiziam com essa realidade. A família e os seus parâmetros de sustentação foram essenciais nesse momento. Nas palavras de Scott, ela era o ambiente natural que propiciava as qualidades de disciplina individual e o ordenamento necessário à saúde e a prosperidade da sociedade. As qualidades de um bom trabalhador, como ordem, assiduidade e pontualidade contrastavam com as do individuo de mau caráter, o turbulento, difícil de governar, preguiçoso, dissipado e imprevidente.50 Nesse ideário, o casamento e a formação da família eram incentivados, cabendo ao Estado à promoção de sua existência e bem-estar. O papel da moral era encontrar meios para cuidar e proteger a família como uma instituição natural, hierárquica e repressiva. 51 A figura da mulher era evocada em função de suas qualidades “naturais” e de sua “natural” dependência: a maternidade. E a projeção da ordem moral e social desejável se fez em termos bem definidos de diferenças sexuais, da divisão espacial entre a casa e o trabalho, da divisão física entre a força muscular do homem ligada à produtividade e a fragilidade feminina (física e moral) associada à maternidade e a domesticidade. 52 O reforço da família e, dentro dele, o tutelamento das mulheres baseavam-se 49 Segundo essa autora, apenas um pouco mais de 3.000 filmes, realizados entre 1894 e 1912, puderam ser resgatados por terem sido depositados como cópias em papel – fotografias – na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em Washington D.C., tendo em vista a preservação de direitos autorais. Idem, p. 8. 50 Ver SCOTT, Joan W. Gender and Politics of History. Revised Edition. New York: Columbia University Press, 1999, p. 130. 51 Opus cit., p. 133. 52 Idem, p. 162/4. em argumentos que as aproximavam de uma criança – censo moral deficiente, tendência exagerada à vingança e ao ciúme, histeria, pouca inteligência, entre outros – e só seriam neutralizados pela maternidade e religião que lhes daria exemplos de abnegação, paciência e altruísmo. É bem verdade que nada era tão linear assim. Como técnica o cinema vivenciou, pelas mãos e olhos de seus inovadores, a obviedade e a curiosidade própria da experimentação da reprodução, ora histórica em filmes épicos de curta metragem, nos de enunciação sacra ainda em 1896, ou mesmo nos de reprodução em cenários de peças teatrais conhecidas sob uma nova ótica, a da lente. Em enquadramentos básicos e fixos tal qual um olhar cativo do espectador, agora privilegiado ao centro do palco quando cortinas se abrem. A obra passava pela lente e não seu reverso. De forma especial pela rusticidez e simplicidade do aparelho de nome cinematógrafo dos irmãos Lumière que não apenas gravava as imagens, mas, igualmente, as projetava, a custo acessível de larga produção e reprodução; as pulverizava. Haveria também de, e não menos óbvia, buscar representar a estética do corpo e do sexo, mais como experiência cênica e estética e eventualmente pela trivialidade (em seu sentido vil), simplificação narrativa e custos de cenário, que pelo eventual produto mercantil que dele pudesse advir. Ver-se, rever-se, descobrir. Porém, e bem mais que isso, se trata de verificar de como a função educativa dos filmes foi fundamental, neste período. Que reforçava e abrangia todos esses paradigmas. A figura masculina é novamente reeleita, por excelência, como protagonista das mensagens pedagógicas a serem difundidas. A mulher assume a condição de coadjuvante. A “escada” e prêmio do e ao herói ou martírio e sina ao bárbaro vencido. Assim, saltam aos olhos a eterna disputa entre a civilização e a barbárie, entre a lei e desordem, entre o bem e o mal. Nesse contexto cinematográfico, onde as instituições são constantemente desafiadas, a mulher tem papéis muito bem definidos. Cabe a ela, naturalmente, fazer a distinção entre o bem e o mau e privilegiar a vitória do primeiro. Solteira e submissa aos pais, ela ajuda a mãe a cuidar dos irmãos e na realização das tarefas da casa e da propriedade em que vivem. Como recompensa é encaminhada a um namoro casto, ao casamento com o herói e ao subentendido, viveram felizes para sempre. As outras, as que questionam, conformam o outro lado do espelho, sem o direito a miragens. São as prostitutas, as doentes, as sofredoras, as que são abandonadas pelos bandidos, os únicos tipos de homens que por afinidade amoral, delas se aproximam. Longe, porém, de alcançar os níveis de desenvolvimento da indústria cinematográfica estrangeira, o cinema brasileiro se mantivera, na década de 20, com criação de sucessivos documentários institucionais. Para Bernardet, o grosso da produção do período. “(...) não era nem ficção nem longa-metragem, mas documentário e curta-metragem. O bloqueio do mercado levava os cineastas a se concentrar sobre o cinejornal e o que chamaríamos hoje de filme institucional: era basicamente essa produção que sustava os produtores, fazia circular algum dinheiro na área da produção, mantinha, bem ou mal, equipamentos e laboratórios, impedia que a produção brasileira sumisse completamente das telas, e desse ao publico alguma imagem cinematográfica de sua sociedade. O filme de ficção era antes uma exceção, o mais das vezes facultada pela produção documentária”.53 Logo não é estranho entender que enfrentando o impacto das restrições proibitivas do pós-guerra e o das profundas transformações socioeconômicas e culturais do período, as películas produzidas oscilam entre a preservação dos valores tradicionais da sociedade brasileira e sugerem, mais do que explicitam, novos modos de ver o mundo. Como o afirma Galvão, referindo-se ao cinema paulistano: “O cinema que se tem é de uma mediocridade atroz – medíocre nos meios, na forma, no conteúdo, na repercussão (ou na ausência dela). No entanto, o que é extraordinário, este cinema existiu. Importa pouco o mérito da questão, e entrar em considerações estéticas não teria o menor sentido”.54 53 Ver BERNARDET, 1995. Opus cit., p. 117. GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do Cinema Paulistano. São Paulo: Atica, 1975, p. 11. Neste estudo, um dos pioneiros sobre a historiografia do cinema brasileiro, a autora chama atenção para a pouca bibliografia então disponível. E destaca a imprecisão de citações, pois recorreu frequentemente, a recortes de jornais e revistas não datados e/ou com informações imprecisas de procedência. Daí o recurso às entrevistas com os agentes diretamente envolvidos como forma, também, de preservação da memória do período. 54 Os documentários, nos ditos de Schvarzman, se restringiam a exibição de atividades sociais e políticas – os rituais do poder - ou de imagens grandiosas e exóticas da natureza brasileira – o berço esplendido.55 Não por acaso, o momento político nacional atravessava um período de ruptura democrática: o Estado, Igreja Católica e empresariado industrial se aliaram para implantar o modelo de incorporação da classe operária previamente identificada por Joan Scott. Daí o rigor da censura prévia, a dificuldade de aprovação de roteiros, a rigidez da moralidade pública e o próprio papel secundário da produção fílmica nacional. Representam forças que mediam os confrontos entre os modelos que se constituíam acerca do feminino e o cotidiano de mulheres de carne e osso, com efeitos diferenciados, dependendo de cada contexto social. 56 Procuram reprimir as reivindicações femininas que começavam a levantar questões concretas e prementes sobre a sua situação subalterna. Elas lutavam por uma educação liberal e profissional, pelo direito ao voto e pela emancipação. Exigiam ser reconhecidas como chefes de domicílio, pois ao longo do tempo e na ausência de um marido, elas iam à luta e sustentavam suas famílias. Mas, esse era um aspecto da realidade brasileira que havia sido, até então, varrido para baixo do tapete. Esse era um momento de confronto. As primeiras reivindicações feministas tiveram por objetivo persuadir as mulheres descontentes com a “romântica” vida doméstica que “a verdadeira feminilidade era compatível com a participação na vida política e nas profissões liberais, antes que elas pudessem desacreditar dos sermões dos clérigos, políticos, antropólogos e editorialistas”.57 Forças antagônicas que estão a colidir com as demandas do ser e se fazer, ter-se e comportar-se mulher e que, como ondas de um tsunami, preconizam o confronto nos arrecifes do tradicional com a chamada modernidade e, dentro dela, de seus papéis de gênero. Modernidade esta, 55 Ver SCHVARZMAN, 2008. Idem, p. 11. Ver GONÇALVES, Andréa Lisly. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 40. 57 Ver GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória à Freud. A educação dos sentidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 157. 56 que tem um maior eco e que se faz eclodir por todos os meios e mensagens e, não menos, no cinema da época. Cabe, então, resgatar esse embate, a chegada dessa maré transformadora nas nossas praias e nos seus rochedos, nos anos aqui descritos, deste litoral até seus mais distantes rincões. Capítulo II - Uma tela em mutação: alteração do cenário brasileiro. Antes de revisitarmos o tecido tupiniquim, invadido e costurado mais que nunca por outras “tribos”, muitas “caiapós”58, cabe mesmo que em breve panorâmica, revisar o tempo em que esta visita se dará – uma década em ebulição. Falamos de mudanças em um momento clássico por excelência – uma sociedade rural e patriarcal que recentemente substituíra, sem incluir, a mão-de-obra escrava pelo trabalhador imigrante, em processo inicial de urbanização e industrialização – e, notadamente, de sua essencial representação de papéis distintos para homens e mulheres. A família, célula mater do tecido social, continuaria a ser apreendida agora, não diferente do passado, como a intermediadora natural de novas e desafiadoras relações. Negavam-se contradições, pois é inegável que “a partir de 1789, a vida das mulheres jamais seria a mesma...”59 e embora os reflexos dessa mudança tivessem se feito sentir ao sul do equador de forma retardatária, eles finalmente aqui chegariam, feito ondas, a exigir profundas transformações. E essas se manifestariam, também, na discussão do espaço e do lugar da mulher, evocando para tanto razões médicas, religiosas, jurídicas e políticas. Uma polêmica em torno dos limites, mas não do essencial, pois não se perdia de vista que “Quando o influente filósofo Filão, o Judeu, que viveu aproximadamente à mesma época que Cristo, interpretou a Queda do Homem e a expulsão do Paraíso como uma alegoria, considerou Adão a encarnação da razão, desencaminhada por Eva, a encarnação da sensualidade. Os grandes moralistas, (...). jamais puseram em dúvida que toda mulher é de fato uma eterna Eva. Não era necessário ser um misógino trovejando contra a mulher por considerá-la a fonte de toda corrupção moral para ver nela um poço de lascívia. E é exatamente assim que a mulher foi considerada através dos séculos – até o século XIX”.60 O que mudara não era esse pensamento conservador, mas contexto socioeconômico em que ele seria inserido. Em particular, nas condições 58 Caiapós, que tem por tradução literal: “o fogo que vem antes.” Ver GAY, 1995. Opus cit., p. 292. 60 Ver GAY, 1988. Opus cit., p. 111. 59 de trabalho e nas novas formas citadinas – um espaço de temor e liberdade – de intermediação entre homens e mulheres. Um enorme desafio foi delegado à inteligência nacional e ela abraçou uma discussão interminável sobre as causas dos desafios e das ameaças à família brasileira nesse momento de transformações modernizantes. Em busca de soluções e baseando-se em argumentos pseudocientíficos, a figura feminina representada no cinema, tornou-se o ponto central dessa polêmica. 2.1. Os desafios da modernidade: a mulher e a busca do controle social. O Brasil mudara profundamente ao romper o pacto político que sustentara por mais tempo que qualquer outro país das Américas, o sistema escravocrata. Buscava meios e medidas para, ao final do século XIX e nas décadas que se seguiriam, inserir-se no contexto das mudanças exigidas pelo sistema capitalista mundial. E essas não se restringiam a adoção de medidas relativas à sustentação de seu modelo econômico. Implicavam no controle autoritário da maioria da sua população que se encontrava à margem dos benefícios provenientes da economia cafeeira. Uma enorme massa populacional que, concentrando-se em poucos centros urbanos, abandonava os limites da pobreza e buscava alcançar os quadros da estabilidade financeira. As cidades, ao mesmo tempo em que propiciavam novas frentes de trabalho, surgiam como focos de rebelião que demandavam o controle social. Os casos de revolta popular contra a exigência de vacinação ensinaram a necessidade de emprego de força policial. As reivindicações por melhores salários, diminuição da carga horária e melhores condições de trabalho reforçaram a lição. Como ocorrera em países capitalistas do hemisfério norte, a solução do enfrentamento entre o capital e o trabalho passaria também, aqui, pelo controle das massas populares. E, para tanto, reservou-se às mulheres, um papel fundamental. Em torno delas se rediscutiu a família brasileira que se redefinia. Razões médicas, numa total demonstração de desconhecimento da fisiologia feminina, associavam o ciclo menstrual à histeria e reforçavam a necessidade masculina de controle das mulheres. Motivos religiosos, ignorando as altíssimas taxas de mortalidade no parto e valorizando o sofrimento como expressões do amor divino, associavam relações sexuais o império da procriação e impediam a adoção de medidas de controle da natalidade. Juristas, baseando-se na tradição aristotélica, no direito romano e no napoleônico, associavam a mulher a uma criança e a colocavam sob a tutela do pai e do marido. E, finalmente, razões políticas de uma sociedade excludente foram coniventes com a manutenção de aproximadamente metade de sua população fora dos quadros da cidadania. Após décadas de discussões, numa explicita situação de subordinação feminina, as relações no seio da família brasileira encontrariam, como o quer Ismênia Tupy, sua sustentação legal pela promulgação do Código Civil, de 1916, que: “(...) definira a família como formada pelo vínculo indissolúvel do casamento civil e estabelecera, numa ordem hierárquica, os direitos e deveres de maridos e suas esposas. Enquanto que àqueles conferira o status legal de cabeça do casal, a estas colocara sob a tutela do marido. Aos primeiros, determinara o controle dos bens e das pessoas que constituíam uma família; as segundas delegara o cuidado da prole e do marido. Reduzia-se ao domicílio o espaço feminino e ignoravam-se quaisquer outras formas de organização familiar”.61 Nesse contexto jurídico, que ecoará de maior tom nos anos próximos, como dito anteriormente, a figura da mulher era evocada em função de suas qualidades “naturais” e de sua “natural” dependência: a maternidade e o recinto doméstico. E a projeção da ordem moral desejável sobre o conjunto social se fez em termos bem definidos de diferenças sexuais, da divisão espacial entre a casa e o trabalho, da distinção fisiológica entre a força muscular do homem ligada à produtividade e a fragilidade feminina (física e moral) associada à maternidade e à domesticidade.62 61 TUPY, Ismênia S. Silveira T. Retratos femininos: gênero, educação e trabalho nos censos demográficos. 1872-1970. São Paulo: FFLCH/USP, 2003, p. 26. Tese de Doutorado. 62 SCOTT, 1999. Opus cit., pp. 162/4. O reforço da família e, dentro dela, o tutelamento das mulheres basearam-se, também, em argumentos médicos que subordinava a sexualidade feminina à maternidade, se sustentava em um vago discurso de origem cristã, e chegava às raias do absurdo, pois afirmava que “... para evitar a prostituição, a mulher deveria ser submetida a uma educação que incluísse princípios morais, que buscasse o fortalecimento do sentimento de pudor e que impedisse 63 a indolência, a vaidade e a ambição”. Esses requisitos aproximavam a mulher adulta de uma criança – censo moral deficiente, tendência exagerada à vingança e ao ciúme, histeria, pouca inteligência, entre outros – e só seriam neutralizados, segundo o “cientificismo” da época, pela maternidade e pela religião que lhes daria exemplos de abnegação, paciência e altruísmo. E, ainda, um pouco pela educação que prepararia um pouco melhor a futura esposa e mãe. Ainda, segundo Maria Izilda Matos, no período de referência desta análise “Os médicos viam a mulher como produto de seu sistema reprodutivo, base de sua função social e de suas características comportamentais: o útero e os ovários determinariam a conduta feminina desde a puberdade até a menopausa, bem como seu comportamento emocional e moral, produzindo um ser incapaz de raciocínios longos, abstrações e atividade intelectual, mais frágil do ponto de vista físico e sedentário por natureza; a combinação destes atributos, aliada à sensibilidade emocional, tornava as mulheres preparadas para 64 a procriação e a criação dos filhos”. Alguns manuais sexuais da época, escritos por médicos especialistas, dão melhor conta dessa visão “científica” das mulheres das camadas mais favorecidas. Para acalmar os homens, ingleses afirmavam que a mulher é naturalmente frigida e não tem o menor desejo de ser tratada como uma amante; alemães afirmavam que se uma mulher for bem-educada, o seu desejo sexual será pequeno, pois se assim não fosse, o mundo inteiro 63 SOIHET, Rachel. Historia das Mulheres. In CARDOSO, Ciro & VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.294. 64 Ver MATOS, Maria Izilda S. de. Delineando corpos. As representações do feminino e do masculino no discurso médico (São Paulo 1890-1930). In MATOS, Maria Izilda S. de & SOIHET, Rachel (org.). O corpo feminino em debate. São Paulo: UNESP, 2003, p. 114. seria um bordel e o casamento e a família seriam inconcebíveis. 65 E resumiam a questão sexual feminina afirmando que para a mulher a dócil subordinação ao sexo oposto é ao mesmo tempo fator biológico e social. Essa era uma questão secundária para o discurso religioso. O exercício da sexualidade determinava a constância do casamento no imperativo da procriação. Desvios dessa conduta eram entendidos como responsabilidade feminina. Para as mulheres se faziam discursos morais sobre a relevância da castidade e da virgindade que sublimavam a mais fundamental das necessidades humanas. A educação religiosa, manuais de devoção e de comportamento, indicações de leituras apropriadas completavam o quadro repressor. Subscrevendo este discurso moralizante da Igreja Católica aparece o Estado brasileiro da Primeira República e, juntos, enfrentaram o impacto cultural das profundas transformações socioeconômicas do período. E isso foi realizado promovendo um retorno às raízes tradicionais da sociedade brasileira. Logo, em termos políticos, a promoção da família e dos seus parâmetros patriarcais de sustentação tornou-se essencial naquele momento. Com esse ideário, o casamento e a formação da família foram incentivados, cabendo ao Estado a promoção de sua existência e bem-estar. O papel da moral cristã era encontrar meios para cuidar e proteger a família como uma instituição natural, hierárquica e repressiva.66 A especialização em mídia impõe, nesse momento, considerar a importância de se levantar e agregar a qualquer que fosse a análise, as suas características demográficas, sem as quais se faria nebuloso aquilatar as audiências neste universo. Outra exigência desta especialização faz, em paralelo, analisar que é no período de 1908 a 1911 que o cinema brasileiro, notadamente no eixo Rio/São Paulo, adquire massa crítica na cobertura, frequência e continuidade.67. As únicas estratégias de mídia que 65 Ver GAY, 1988. Opus cit., p. 117. Idem, p. 133. 67 O estudo da Mídia Comercial oferece o embasamento teórico aqui demandado, a saber, que meios com baixo nível de cobertura não possam se caracterizar ou exercer funções de comunicação de massa, senão de segmentos de públicos com perfis que o elitizem face à grande maioria. É a Cobertura, aliada à Frequência e a Continuidade que permitem a eficiência e eficácia de um meio para com o seu público. Aqui no caso o cinema quando, na década de 1920, a sua massa crítica lhe confere o status de meio de massa, mera questão de Audiência. 66 se quer ver na comunicação de massa eficiente, senão, igualmente, eficaz. Mas, que é no período de 1920, que consegue, de forma superior, oferecer respaldo a sustentação de mídia peninsular; as revistas especializadas, como Para todos, Scena Muda, Eu sei tudo, e Cinearte. Próprias ao atendimento de um público fiel e cativo, que não pudessem ver atendido suas demandas somente nos limites da tela e que permitissem afastar o pesadelo da miscigenação racial, dando guarida ao apelo de seus leitores que, assim, se manifestavam: “Quando deixaremos desta mania de mostrar índios, caboclos, negros e outras „avis raras‟ desta, infeliz terra, aos olhos do espectador cinematográfico? (...) Ora vejam se até não tem graça deixarem de filmar as ruas asfaltadas, os jardins, as praças, as obras de arte, etc., para nos apresentarem aos olhos, aqui um mestiço vendendo garapa em um purungo, acolá, um bando de negrotes 68 se banhando num rio, e cousas deste jaez”. Um apelo aflitivo ao abandono das raízes fundamentais do povo brasileiro - a miscigenação –, coincidente com pensamentos de supremacia da “raça” branca e que, não por acaso, se traduziu na adoção de hábitos e costumes europeizantes tendo, como exemplo, o uso de vestimentas não apropriadas ao clima tropical e produtos de beleza que transformaria as mulatas em pastiches do glamour cinematográfico. 2.2. Os dados reais da situação: distribuição de homens e mulheres. Um retrato distorcido da realidade, como demonstrado a seguir, pelos os dados do IV Recenseamento Geral da População Brasileira, de 1920, que indicam a presença de 30.635.605 habitantes no território nacional, divididos entre 15.443.818 indivíduos do sexo masculino e 15.191.787 68 Depoimento encontrado em na revista Cinearte, 28/04/1926, p.2 e recuperado por HOLLANDA, Heloísa (org). 3. Quase Catálogo. Estrelas do Cinema Mudo. 1908-1930. Rio de Janeiro: Ciec, 1991, p. 13. do feminino.69 Aproximadamente metade desse contingente ou 42,67% do total geral foram enquadradas nas faixas de 0 a 14 anos, permitindo a construção de uma perfeita pirâmide etária. A nacionalização forçada de imigrantes no momento da proclamação da República e que haviam sido introduzidos maciçamente no país durante os últimos cinquenta anos, distorceu os dados do contingente estrangeiro: apenas 5,11% do total. Os solteiros constituíam 69,58% do total da população, dado que comprova a juventude da maioria dos brasileiros, em um tempo demarcado pelo perfil de baixa expectativa de vida. Os números da instrução, por sua vez, indicam que 75,54% dos indivíduos eram analfabetos. Discriminado por sexo, esse total aponta a enorme discrepância entre a situação educativa privilegiada dos homens (35,82%) e o preconceito social inerente à educação das mulheres (80,10%), refletindo destinos pré-determinados: o espaço público ou o privado. Maior na discrepância ocupação/trabalho, pode ser pois 50,24% observada do quanto contingente à situação masculino foram reconhecidos como economicamente ativos e 90,58% do feminino foram, por sua vez, considerado como inativos. Tamanho contraste aponta uma evidência empírica fundamental: o preconceito de gênero no mundo do trabalho e a discriminação sexual na seleção de ocupações aferidas. 70 Dentre essas últimas se destacam as relativas aos setores primários e secundários da produção econômica. Eminentemente masculinas as tarefas realizadas na lavoura ou na criação de gado para o primeiro caso, e as atividades como pedreiro e mecânico para o segundo, são exemplos de trabalho realizado fora de casa. Foram, portanto, cuidadosamente aferidas. Como extensão do domicílio, tarefas como lavar, passar e cozinhar eram consideradas eminentemente femininas e pouco ou nenhum valor tinham no mercado de trabalho. 69 Como indicado no capítulo anterior, a especialização em mídia impõe o levantamento dos números reais da população a ser analisada. Os dados quantitativos aqui apresentados foram extraídos do “Quadro 3. Brasil. População Total por Sexo e Diferentes Especificações. 1920.” In TUPY. Idem, p. 100. Como afirma a autora, em solução de continuidade, dados sobre a “cor” e a religião da população, não foram aferidos nesse censo. 70 Idem, p. 102. Não obstante, a industrialização dava seus primeiros passos no país. E, a semelhança do que acontecera em outros países, ela descobriu que as mulheres eram cada vez mais úteis. A racionalidade e a complexidade da moderna economia capitalista que se instalava, demandou o trabalho de incontáveis mulheres das camadas populares. Além disso, “.. guiou as mocinhas como um rebanho aos escalões mais baixos dos serviços de escritório e de venda (...) As filhas do artesão e de pequenos comerciantes saíam de casa para trabalhar como 71 datilógrafas, contínuas, secretárias. Outros dados, também fundamentais, são os relativos ao total da população do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas cidades que melhor podem traduzir o ritmo alucinante das mudanças que a sociedade brasileira conhecia naquele momento, igualmente ponderando Cataguases. No primeiro caso, o então Distrito Federal, com 1.157.873 habitantes, apresentava índices masculinos ligeiramente maiores do que a média nacional. O segundo, por sua vez, com 579.033 pessoas, dando conta de sua futura vocação metropolitana, reunia mais de 1/10 da população do Estado. Por fim a cidade do interior mineiro com 62.206 habitantes, nominada de Cataguases. E, embora se reconheça que ela não alcança os patamares numéricos das duas primeiras, ela permite um legitimo contraponto ao entendimento dos limites do desenvolvimento da indústria cinematográfica no país.72 Cabe um quadro comparativo que permita a realização de uma rápida leitura dos universos, aqui, visitados. 71 Ver GAY, 1988. Opus cit., p. 135. Cataguases não era, evidentemente, a única cidade do interior que permitiria esse contraponto. Campinas, no interior paulista, também poderia ter sido escolhida para exercer esse papel. Não obstante, ela não acolhia nenhum diretor/roteirista do porte de um Humberto Mauro e a sua vivência na primeira cidade fez toda a diferença. 72 Quadro 1. Dados populacionais por sexo e nacionalidade. Cataguases (MG), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (DF). 1920. 1. Cataguazes (sede mais oito distritos) Brasileiros H M 30.505 29.733 Nacionalidade Estrangeiros Ignorada H M H M 1.215 739 8 6 Total Parcial H M 31.728 30.478 Total 62.206 2. São Paulo (sede mais 21 distritos) Nacionalidade Estrangeiros Ignorada H M H M Brasileiros H M 183.38 188.99 4 2 109.809 95.436 814 Total Parcial H M 598 294.007 Total 285.026 579.033 3. Rio de Janeiro (sede mais 25 distritos e 3 ilhas) Nacionalidade Estrangeiros Ignorada H M H M Brasileiros H M 442.42 475.05 4 7 155.130 83.999 753 Total Parcial Total H M 559.56 510 598.307 6 1.157.873 Fonte: Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio. Directoria Geral de Estatistica. Recenseamento do Brazil. Realizado em 1 de setembro de 1920. Volume IV – 6ª Parte. População. População do Brazil por Estados, municípios e districtos, segundo o sexo, o estado civil e a nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. da Estatistica, 1926, p. 545; 419; 304 a 307. Porém, para Sevcenko, o papel de metrópole-modelo no Brasil, irradiadora ao do desenvolvimento desenvolvimento do tecnológico capitalismo, recaía mundial sem associado dúvida sobre o “... Rio de Janeiro, sede do governo, centro cultural, maior porto, maior cidade e cartão de visitas do país, atraindo tanto estrangeiros quanto nacionais”.73 Embora longa, a citação que se segue é a que mais bem pode definir a associação da capital federal com a modernidade preconizada: 73 Ver SEVCENKO, Nicolau. A Capital Irradiante: Técnica, Ritmos e Ritos do Rio. In NOVAES, Fernando A. & SEVCENKO, Nicolau (orgs.). História da Vida Privada no Brasil. V.IV. São “O desenvolvimento dos novos meios de comunicação, telegrafia sem fio, telefone, os meios de transporte movidos a derivados de petróleo, a aviação, a imprensa ilustrada, a indústria fonográfica, o rádio e o cinema intensificarão esse papel da capital da República, tornando-a o eixo de irradiação e a caixa de ressonância das grandes transformações em marcha pelo mundo, assim como o palco de sua visibilidade e atuação em território brasileiro. O Rio passa a ditar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de espírito e as disposições pulsionais que articulam a modernidade como uma experiência existencial e íntima. É nesse momento e graças a essa atuação que o Rio se torna, com o formulou Gilberto Freyre, numa cidade „panbrasileira‟”.74 Dentro dela, o novo comportamento metropolitano substitui velhas condutas próprias de um passado agrário-exportador: o cigarro – produto industrializado instantâneo – em lugar do fumo de corda ou de pitar; o cafezinho pelo abandono do chá; ambos substituem rituais morosos e/ou coletivos dando conta da aceleração do tempo e de hábitos individuais. Refletindo essas mudanças, a própria paisagem do Rio de Janeiro se transforma. As reformas de Pereira Passos – resumidas pela imprensa no célebre episódio da “Regeneração” – foram acompanhadas da expulsão do centro da cidade de seus habitantes menos favorecidos dando inicio à favelização dos morros circundantes. A abertura da Avenida Central traçava uma nova geografia, com o “ ... eixo monumental do projeto regenerador, um grande boulevard moderno, aberto ao trânsito de bondes e automóveis, entre fileiras de vitrines de cristal e prédios de mármore em esplêndido estilo art-noveau, iluminação elétrica abundante e policiais, em impecável 75 figurino inglês, impondo o „circulez’ parisiense”. Retrato de uma harmonia ilusória, pois esse projeto de modernização compulsória ao mesmo tempo em que permitia atrair capitalistas, técnicos e imigrantes europeus, facilitava o controle pelo emprego da força bruta Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 522. Baseando-se em textos da época, esse autor faz uma primorosa reconstituição de hábitos e costumes no cotidiano da Belle Époque carioca. 74 Op. cit., p. 522. Meus grifos sobre características da modernidade carioca que também podem ser aplicadas ao cinema. 75 SVECENKO, Nicolau. Pindorama Revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo: Peirópolis, 2000, p. 61. Grifos do autor. de um enorme contingente de pobres, analfabetos, mal empregados ou subempregados. O apelo à modernidade sustentava-se em mensagens visuais impondo parâmetros físicos e representações distorcidas da realidade do povo brasileiro. Obras monumentais e espetáculos de massa tinham por objetivo arrancar o país do atraso, renegar o passado escravista e construir um novo consciente coletivo valorizando o trabalho. Referindo-se às competições esportivas que então ocorriam, mas podendo também aplicar suas conclusões ao papel cinema nessa sociedade em transformação. A de se assimilar às salas de exibição das principais urbes brasileiras como micros-Coliseus repaginados de Romas extemporâneas, Sevcenko afirma que: “Outra ilação interessante suscitada pelos espetáculos de massa, cada vez mais freqüentes, maiores e mais complexos, era o seu potencial de aliviar as pessoas da ansiedade aflitiva gerada num meio social marcado pela concorrência crescente e cada vez mais agressiva. Eles tendiam a catalisar o mal-estar das pressões, tensões e negociações cotidianas, o peso das decisões exigidas a cada momento e o preço das suas conseqüências, num mundo em que os prêmios e as punições dependem de um absurdo sistema de privilégios e exclusões, historicamente herdado, combinado com as incertezas de um mercado instável que cada vez mais decreta o destino das pessoas”. 76 O que se pretende aqui, de forma singela a complementar Svecenko, é trazer à tona o fato de que, este mesmo Rio de Janeiro possuía uma grande e forte realidade de multiplicidade racial quando, no período, se pode observar que significativos 20,65%77 de sua população é composta por imigrantes. Não menos das características de miscigenação muito particulares, senão únicas, advindas desde a chegada da família Real à capital deste país: o emprego maciço da mão-de-obra cativa que ali permaneceria após a emancipação. Mas, ainda assim, vale destacar que o destino de atração de povos estrangeiros repousa mesmo em São Paulo, cidade que carrega consigo enorme carga de diversidade cultural, produzida por povos dispares tanto 76 SEVCENKO, 1998. Idem, p. 579. Meus grifos. Os dados percentuais foram calculados a partir dos números absolutos do Quadro 1, apresentado acima. 77 quanto os italianos, os espanhóis, os “turcos” e os japoneses, em seus, hoje impensáveis, 35,45%78 de sua população, em 1920. Sem considerar seus, ainda, inúmeros indígenas, herança de seu passado colonial. Enquanto que, de outro lado, na mineira Cataguases, a brasilidade se faz denotar em quase absolutos 96,86%79 de seus habitantes, ávidos na defesa dessa identidade. Qual seja um pouco mais de 3% de não brasileiros, deva ser fonte de explicação de uma aptidão de uma cidade interiorana, típica em seus pensares de proclamar e difundir seus sonhos e ideários de brasilidade aos olhos de um país que lhes possa parecer ter sido invadido. São Paulo que concentrava o grosso da riqueza gerado pela econômica cafeeira transforma-se, em ritmo acelerado, com seus recursos aplicados em investimentos comerciais, industriais, financeiros e na especulação imobiliária. Entre 1920 a 1934, sua população duplica, ultrapassando a marca de 1.000.000 de habitantes. Os números da imigração internacional lhe dariam uma feição peculiar: assemelhava-se a uma colcha de retalhos cosmopolita, onde a maioria de seus habitantes não se comunicava em português. Uma cidade que mantinha, ainda, os antigos traços do pequeno povoado colonial, paupérrimo, de meados do século XIX, onde, até então, a ausência de recursos de sobrevivência afastara a presença masculina e formara uma população constituída basicamente de mulheres e suas crianças, mestiças de índios e brancos e, em menor escala, de mulatas.80 Sob o comando de Antônio Prado, medidas foram tomadas para transformar a capital do café em uma cidade moderna à altura de sua elite. Seu projeto, de inspiração parisiense, resolveria o “problema policial” das “(...) comunidades negras, concentradas em antigos quilombos do centro da cidade, nos Piques e na várzea do Carmo, (que) foram escorraçadas, abrindo espaço para um monumental projeto de reforma, centrado na perspectiva panorâmica do Vale do Anhangabaú”. 81 78 Idem. Ver Quadro 1. Idem. Ver Quadro 1. 80 SEVCENKO, 2000. Opus cit., pp.76/77. 81 Idem, p.63. 79 Comunidades estas, que no dia-a-dia da lida a servir a cidade alta dos abastados e da sua, então, dita “elite”, contracenavam na memória recente com o percurso quase sempre feito a pé, na travessia das pinguelas improvisadas sobre as fétidas poças do vale do Anhangabaú. Gente do povo, gentis, que lamparinas à mão quando muito, ao cair à noite, uníssonos, pediam pela luz e pelo olhar de São João, pela sorte da chegada. Em um quase cântico/reza, donde penicilina não havia, a nomear pestilenta avenida central da vida paulistana. O furor modernista seria observado pela multiplicação de seus símbolos: parques, edifícios, automóveis, aviões, cinema, danças, esporte e formas agressivas de publicidade – dos cartazes aos outdoors, as vitrines panorâmicas e os gigantescos luminosos de neón.82 São Paulo veria se materializar a modernidade no duro concreto do Edifício Martinelli, que como um farol posto ao céu na luz do gigantismo, a todos iluminar e por todos se fazer ver. A catalisar um sentido de magnânima cidadania, que agora pudesse ser vivenciada, nutrida e partilhada entre todos os que na cidade viviam. E dele, como se reverso de uma Torre de Babel fosse, pudesse fazer motivo, uma unidade de sentir, o orgulho participativo de ter e pertencer, e o ser paulistano. Aproximando os diferentes estrangeiros que como se comum língua fosse ecoada, passa a não mais conotá-los como “inimigos” e a nomeá-los quando financeiramente bem sucedidos, simplesmente e igualmente paulistanos, entre si. Neste contexto, não se estenderia à adoção de uma solução de compromisso, no atendimento aos movimentos de mobilização social – as greves operárias – em busca de melhores condições de trabalho, alimentação e moradia. O progresso demandava absoluto controle das massas populares, pois que, mesmo na identidade de una cidadania, o miscigenar das diferentes camadas sociais e a divisão de poder, nem de longe se pretendia. Essa era a atitude típica da elite política em relação à população em geral, pois é preciso reforçar: 82 Idem, p. 62. “A riqueza da cafeicultura possibilitou a emergência da metrópole pujante de São Paulo, mas o grave desequilíbrio na distribuição das riquezas e das oportunidades de participação impediu o desenvolvimento da cidadania. A alocação geográfica da população já era reveladora dos desníveis sociais, com as elites assentadas sobre o topo seco e saudável das colinas, e o grosso da população acumulada nas planícies pantanosas, onde nenhum dinheiro público era gasto com obras de saneamento, higiene ou lazer. (...) „A questão social é uma questão de polícia‟, insistia em dizer Washington Luís”.83 Sob o comando de Paulo Prado, o emprego da força bruta e a violenta repressão policial e militar do período seriam temperados por um processo educativo que, no centro da cidade, ao mesmo tempo em que fixaria as raízes ideológicas da liderança paulista, promoveria eventos culturais complexos como a Semana de Arte Moderna (1922), envolvendo concertos, exposições, palestras e recitais.84 “Transforma-se o tabu em totem. Reconhecia-se no desenvolvimento da arte moderna que a civilização e a cultura brasileira eram sinônimos de moderno. Escapava-se da contradição criando uma arte autenticamente brasileira sem que para isso se tivesse que libertar 85 totalmente da Europa”. E seria nesse momento, ainda segundo Hollanda, em que o modernismo brasileiro encontraria ou inventaria a saída “antropofágica”, absorvendo elementos desejáveis do colonizador e eliminando os indesejáveis. Aqui e assim, neste tempo de perturbações reativas, quase senão canibais e caiapós, no fogo e na ebulição das mudanças de toda ordem, no seu provável clímax de mutações que se está a mirar os olhos sobre a tela. A ela se render e dela se apropriar, podendo resgatar, revelar e liberar da memória dos fotogramas, os odores de um espaço em seu tempo, a nos impregnar o espírito e a alma. E ser novo, sempre novamente, testemunha eterna da imaginação e da psique humana em sua história. 83 Idem, p. 97-98. Meu grifo. Idem, p. 88. 85 HOLLANDA, 1991. Opus cit., p. 23. 84 2.3. Recortes na historiografia do cinema nacional. Definido o panorama social cumpre realizar sua aproximação com o estudo da história do cinema no Brasil, distinguindo-se dentro dela, duas correntes complementares: a filmografia considerada propriamente nacional e a exibida aqui, cuja produção teria sido realizada em outros países. Aprofundando o assunto é possível constatar, notadamente para o período de referência, uma dificuldade inicial: os filmes nacionais teriam encontrado suporte técnico exclusivamente brasileiro ou dependeriam da importação de equipamentos – câmeras, tripés, lentes e filmes virgens, entre outros elementos – do estrangeiro. O recurso à pesquisa historiográfica propicia informações preciosas para resolver a questão. Verifica-se, em primeiro lugar que, em seu conjunto, a história do cinema brasileiro e no Brasil, é um campo de estudos ainda não devidamente explorado. Há muito a ser feito, discutido e definido. São poucos os balanços historiográficos totais sobre o tema. Entre os citados nesse estudo, se destacam aqui para efeito de síntese, os realizados por Paulo Emílio Salles Gomes86, publicado em 1980, e o de Jean-Claude Bernardet87, de 1995. Ambos críticos e cineastas e, professores do métier na Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo. Dada a importância histórica dessas duas contribuições, vale a pena relembrar que a periodização defendida por Paulo Emílio abrangia o período de 1896 – oficializando o nascimento da cinematografia nacional – e se encerrava em 1966, data em que sua proposta foi apresentada e que coincide com o apogeu do, então conhecido, período do Cinema Novo brasileiro. Exclui, evidentemente, os últimos 54 anos de sua história e a delimita a cinco etapas que correspondem aos períodos de 1896/1912; 1912/1922; 1922/1933; 1933/1949; e 1950/1966. Todos têm em comum um mesmo motivo para o seu encerramento: uma queda brusca na produção de filmes, pressupondo um interregno que antecipa uma nova retomada das atividades cinematográficas. Nos dizeres de Bernardet, trata-se de uma 86 87 Ver GOMES, 1980. Opus cit. Ver BERNARDET, 1995. Opus cit. historiografia baseada exclusivamente no critério da produção de filmes e que expressa um distanciamento entre a história cinematográfica e a história social.88 Outras observações emergem desses dois estudos. Em primeiro lugar, constata-se que apesar da concentração carioca e paulista ter dominado a produção fílmica brasileira desde sua origem, a realização de pequenos documentários e outras produções mais encorpadas alcançaram lugares díspares como Barbacena, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Juiz de Fora, Fortaleza, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Pouso Alegre, Recife, Salvador, São Luis do Maranhão e Uruguaiana.89 E, a esse grupo foi pertinente acrescer Cataguases, como um foco especial de se olhar. Mesmo sem aquilatar o volume total dessa produção, a sua extensão geográfica pode sugerir uma relativa facilidade no domínio de técnicas de filmagem, bem como custos financeiros relativamente baixos que parecem ter possibilitado o aprender fazendo. De qualquer maneira, a rápida divulgação dessa nova tecnologia – da imagem fixa (a fotografia) para a imagem em movimento (o filmograma) – dá mostras da evidente atração e fascínio que despertava em produtores e em um público ávido por novidades. Em seguida, é preciso ressaltar que traduzem uma filosofia que entende o cinema como sendo essencialmente realização de filmes. Pouco ou quase nada é dito sobre a tecnologia e os equipamentos utilizados na sua confecção. Noções sobre o comportamento do mercado – receptividade de filmes produzidos aqui ou no exterior, números de sessões e espectadores, por exemplo – só começam a surgir com o surgimento da Embrafilme, em meados dos anos 70, visando a reserva de mercado e a lei de exibição compulsória de filmes nacionais (notadamente os curtas- 88 Ver BERNARDET, 1995. Idem, p. 54. Esse autor reconhece que a periodização proposta por Paulo Emílio foi apresentada em texto encomendado pela editora Expressão e Cultura como obra de divulgação institucional. Daí a elaboração de um texto relativamente curto, de leitura fluente para convencer o leitor leigo da existência e interesse do cinema nacional (p. 55/6). Mesmo com essa ressalva, o interesse acadêmico por essa periodização, dá conta dos poucos estudos gerais sobre a historiografia do cinema brasileiro. 89 Idem, p. 55/6. metragens).90 Menos ainda é dito sobre a circulação de filmes – a sua exibição – bem como sobre o público que os assistia. Sabe-se da existência de um discutível recorte historiográfico em torno de roteiros e das possíveis preferências de enredo: os filmes criminais, os cantantes e os da revista de ano, nas primeiras décadas do século XX. 91 Todos têm em comum um caráter pedagógico: suprem a um custo acessível, em um país marcado pelo analfabetismo, o acesso a informações atualizadas, até então escritas e/ou procuram divulgar o gosto pela música erudita para as camadas populares. Dentre estes tipos, os dois primeiros se destacam. O terceiro teria conformado uma tentativa rapidamente esgotada de recuperar o prestígio decadente de um gênero já ultrapassado.92 Não é esse, porém, o caso dos outros dois tipos referidos acima. Embora vistos por alguns críticos como uma versão menor ou empobrecida do teatro, cujos preços salgados nem sempre permitia o acesso indiscriminado da população, tudo indica que os filmes cantantes atraíam um público ávido pela música.93 Antes da invenção da trilha sonora e seu acoplamento ao fotograma, era comum a projeção de “cenários” ao mesmo tempo em que, por trás da tela, cantores entoavam a melodia, normalmente trechos de óperas mais conhecidas. Não se sabe, porém, quem teriam sido esses cantores e qual teria sido a reação do público a cada um deles. O que parece ser de conhecimento comum era o fato de eles terem se constituído em uma oportunidade de barateamento dos custos de montagem de um espetáculo completo, em face da ausência de cenários, orquestra e demais pessoal especializado. Nos filmes criminais fica mais evidente a correlação entre o analfabetismo e o fascínio provocado pela transmissão de imagens que ilustravam o acontecido. Baseando-se, também, em pesquisa de arquivos da imprensa escrita – jornais e revistas do período – a historiografia do cinema 90 Idem, p. 27. Idem. Ver o ensaio III. De Recortes e de Contextos, contido na obra supracitada, pp.65 a 126. 92 Idem, p. 102. 93 Na ausência de estudos específicos sobre a correlação entre a frequência do público às salas de exibição, os primeiros levantamentos historiográficos buscaram, prioritariamente, informações sobre o tema em jornais e revistas da época. Em nenhum momento na literatura consultada foi levantada a hipótese que essas informações favoráveis possam ter tido encomendadas pelos próprios exibidores. 91 resgatou, embora sem distinguir entre filmes nacionais e estrangeiros, a existência de um filão expressivo do mercado de imagens macabras sobre a criminalidade. Não por acaso essa temática foi explorada em sua representação jornalística, teatral e cinematográfica. Daí o reforço ao entendimento de que o cinema não apenas desnuda a condição feminina às próprias mulheres e a sociedade, mas a descobre e ao descobri-la impõe um novo padrão estético que requer dela, ao mesmo tempo, um posicionamento distante e dinâmico, renegando o modelo engessado oferecido à mulher pelos ditames seculares. Por outro lado, convém lembrar que, diferente do que ocorre com as pesquisas realizadas sobre a história do cinema europeu, em seus primórdios a historiografia do cinema brasileiro se concentrou no estudo da produção. Assumiu, portanto, uma característica que Bernardet define como não natural, concluindo que: “Esse recorte impedia que se percebesse que o grosso da produção, nos anos 20, por exemplo, não era nem ficção nem longa-metragem, mas documentário e curta-metragem. O bloqueio do mercado levava os cineastas a se concentrar sobre o cinejornal e o que chamaríamos hoje de filme institucional: era basicamente essa produção que sustentava os produtores, fazia circular algum dinheiro na área da produção, mantinha, bem ou mal, equipamentos e laboratórios, impedia que a produção brasileira sumisse completamente das telas, e desse ao publico alguma imagem cinematográfica de sua sociedade. O filme de ficção era antes uma exceção, o mais das vezes facultada pela produção documentária”.94 Um reconhecido traço documental que predomina até mesmo na produção de filmes catalogados como pertencendo ao mundo da ficção e ao romance e que, evidentemente, torna essa fonte de pesquisa histórica ainda mais enriquecedora. 94 Ver BERNARDET, 1995. Idem, p. 117. Capítulo III – Janelas de um tempo – Análises dos filmes. Os condutos de produção e desenvolvimento do espetáculo cinematográfico quanto meio de representações sociais, se faz componente importante da análise aqui pretendida. Segundo Hobsbawm, como referencial de análise é possível observar o desenvolvimento da indústria cinematográfica, desde que se considere o cinema como uma atividade economicamente viável. No caso brasileiro, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, ele foi produzido em primeiro plano por imigrantes italianos e espanhóis, sem a presença visível de judeus, mas cuja realidade econômica se fazia similar. E, cuja leitura nos permite qualificar o público-alvo ideário às primeiras produções cinematográficas ao verificar que: “Eles eram, com mais freqüência, como nos EUA, pobres mais dinâmicos mascates judeus imigrantes, que teriam vendido com o mesmo entusiasmo roupas, luvas, peles, ferramentas ou carne se estes artigos tivessem parecido igualmente lucrativos. Passaram a produção para ter o que exibir. Seu público-alvo era, sem a menor hesitação, os menos instruídos, os menos reflexivos, os menos sofisticados, os menos ambiciosos intelectualmente, que lotavam os cinematógrafos...”95 Para comprovar essa hipótese, torna-se relevante, embora breve nesta dissertação, visitar a evolução do meio em aspectos que fizeram orientar os seus caminhos, até o período que se pretende focar. Inevitável visitar-se, para tanto, autores como Schvarzman 96, que mais bem dá conta de descortinar as trilhas percorridas nos grandes centros brasileiros, notadamente em São Paulo. Aqui, há de se perambular e se oferecer, mesmo que em plano geral, os moldes que historicamente se fizeram observar nos produtos cinematográficos e na sua interação com os seus diferentes cenários e públicos. Sejam eles físicos, ideológicos, políticos, técnicos, culturais, entre outros, na melhor capacidade analítica de buscar decodificar as mensagens propostas nos roteiros em questão. 95 Ver HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios, 1875 - 1914. São Paulo: Paz e Terra, 1988, p. 371/372 96 Ver SCHVARZMAN, Sheila. Ir ao cinema em São Paulo nos anos 20. In Revista Brasileira de História. Vol.25, nº. 49. São Paulo: ANPUH, Jan./June 2005. Texto digitalizado disponível in http://www.scielo.br/rbh Embora notório, há de se fazer constar que o espetáculo cinematográfico nascera, fundamentalmente, também aqui no Brasil, como um mero divertimento de frequentação popular e proletária, de forma especial, dirigido ao público masculino, aos analfabetos ou iletrados em sua maioria, na diária necessidade de minimizar as tensões de um período de incertezas. Ou, como outro lado da moeda, como exceção feita por inovadores de outras áreas do conhecimento, que procuram ver na técnica cinematográfica, uma nova e diferenciada possibilidade aos estudos de disciplinas tão dispares quanto medicina e física. Mas, semelhanças introdutórias do cinema no país, tal e qual as experiências relatadas mundo afora, não seriam, de início, díspares. Griffith e Eisenstein (entre outros e pós 1915), ao que se sabe e exatamente nesta mesma ordem, passam a serem referências de modelos de construção dos roteiros e do desenrolar da narrativa. Anunciavam novas possibilidades de atendimentos de públicos diferentes e diferenciados que exigiam não apenas maior sofisticação de conteúdo: incluíam a valorização do próprio local de exibição. Essas mudanças propõem que os locais de exibição se modifiquem, pois os simplórios galpões rudimentares das salas de projeção improvisadas, não atendiam mais as demandas de novos e ávidos públicos, como o feminino e, mais notadamente, as da chamada “distinção social”. Haveria o cinema de conquistar, de forma acelerada, como acelerada eram os quadros por segundos das manivelas dos anos do cinema mudo, espaços cada vez mais amplos e, em seguida, mais sofisticados. No primeiro caso, para o atendimento da ampliação quantitativa de espectadores, quer em faixa etária, quer em gênero e, num segundo, a buscar e a reter a frequência das diferentes camadas sociais. Assim, em São Paulo, se chegaria a meados dos anos 20, constatando que “(...) Havia 27 salas, oito delas no Centro, enquanto só no Brás havia seis, no Bom Retiro duas, na Mooca uma, no Cambuci uma e, na Vila Mariana, também uma sala. Em bairros de classe média como Paraíso, Bela Vista e Santa Cecília havia apenas uma sala. Portanto, pela localização das salas se pode perceber que o cinema era ainda em grande parte voltado aos bairros e ao público operário." 97 O cinema, diferentemente das concepções usuais da difusão de produtos, trilhava caminho inverso e ascendeu da dita mais humilde condição social às mais abastadas. Na contramão do usual e previsível, em uma sociedade repressiva e repressora, foi possível constatar que, devido ao seu sucesso junto ao público, “(...), em 1927 já são 35 salas, oito das quais no centro da cidade, sete no Brás, e uma em cada um destes bairros: Cambuci, Barra Funda, Liberdade, Vila Mariana e Perdizes (...) em 1925 ainda não eram claras as mudanças em curso; não se percebia o término de uma época, com a preeminência de imigrantes italianos como Staffa ou Pandolfi, nem se esperava que o espanhol Francisco Serrador tomasse a dianteira na adequação das salas aos novos padrões mundiais desenhados a partir dos Estados Unidos”.98 Evidente que sucesso do cinema atraiu a atenção dos críticos. Como bem aplaude e indica caminhos Guilherme de Almeida, voz da pragmática intelectualidade paulistana, em artigo ao jornal “O Estado de São Paulo”, em 8 de dezembro de 1929, para quem “(...) Com a sua primeira produção, Fragmentos da Vida, filme nacional que está sendo exibido na “Sala Vermelha” do “Odeon”, a Medifer demonstrou saber uma grande coisa, a principal coisa mesma de que precisa o cinema brasileiro: “Começar”. Começar com filmes curtos e baratos. Isto é essencial. Essencial película e gente, isto é, tempo e dinheiro (...)99 Demonstrava uma visão estratégica mercadológica apurada ao indicar um caminho que pudesse dar consistência ao crescimento do cinema nacional, a partir da produção de baixo custo que permitisse ampliar a quantidade produzida. Essa, por sua vez, reduzia os custos de produção, barateava o produto, ampliava os públicos e a frequência ao cinema, buscando na diversidade, a qualidade que haveria de se evidenciar a partir da própria 97 Idem. Idem. 99 Em documento D-1057/1.1, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Nacional. 98 experiência produtiva. Dava-se sustentação a uma nova era de comunicação de massas. Impõem-se, agora, considerar, mesmo que primário possa parecer, a origem da palavra comunicação, que do latim “communicare” busca tornar comum entre emissores e receptores seus repertórios. O cinema impõe novos repertórios, mas faz do cotidiano e do imaginário dos seus espectadores seu melhor roteiro. O que se quer analisar passa à margem dos propósitos conscientes de roteiristas e/ou diretores de representar ou não a mulher neste ou naquele papel, embora parte significativa de tais representações possa ocorrer neste nível. Mas, apenas independentes de e um tão somente, propósito levantar objetivo, pois suas representações que tais imagens ou posicionamentos que cada cena ou tomada oferece sobre a mulher, traduz ou busca traduzir igualmente as demandas subjetivas não só dos seus criadores, mas, também e eventualmente de forma ainda mais sedimentada, forte e significativa das demandas objetivas da sociedade, cultura, hábitos e costumes nela arraigados. Demandas de representação, presentes, não só de quem roteirizou, produziu ou atuou em tais filmes, mas, dos públicos que em suas expectativas, desejosos por ser e poder ver os ideários à sua própria representação e/ou a representações desejadas, na realidade e/ou no imaginário. Quer por homens e ou mulheres, quer sociedade, quer Estado, quer, ainda da Igreja, na manutenção dos status quo de cada gênero, pelo conjunto das instituições sociais em suas próprias necessidades representativas. Trata-se, finalmente, de buscar levantar no conjunto destas representações, aqui pesquisadas nos filmes: “Braza Dormida”; “Fragmentos da Vida”; “Lábios sem Beijos” e “Mulher”, as figuras desejadas ou demandadas por si ou por terceiros, a efetiva imagem que os filmes no final de uma era técnico-narrativa, aqui caracterizada como cinema mudo, teriam como desenho de mulher. A esculpir e a nos delinear, como se janelas fossem, os ideários de um período histórico, nas representações que se quer observar. 3.1. a. BRAZA DORMIDA (1928) – Ficha Técnica Parcial Gênero Drama romântico; Aventura Categorias Longa metragem / Silencioso / Ficção Material original 35mm, BP, 1.780m, 16q Data e local de produção Ano: 1928 País: BR Cidade: Cataguases Estado: MG Sinopse "Luiz, estróina carioca, é contratado por um usineiro mineiro para substituir o vilão Pedro Bento na gerência da usina. Apaixona-se por Anita, filha do usineiro. Cartas anônimas de Pedro levam o namoro, mantido em segredo, ao conhecimento do usineiro, que não aceita o casamento por não conhecer a família de Luiz e afasta sua filha da usina. Prossegue o namoro em segredo. Pedro, por vingança, dinamita a chaminé da usina. Pedro e Luiz enfrentam-se numa luta que leva à morte do vilão. O usineiro, que ficou sabendo da família de Luiz, autoriza o casamento". Termos geográficos Cataguases - MG; Rio de Janeiro - DF Companhia(s) produtora(s): Phebo Brasil Filme Produção: Barros, Agenor Cortes de; Domingues, Homero Cortes Argumento: Mauro, Humberto Roteiro: Mauro, Humberto Direção: Mauro, Humberto Locação: Cataguases - MG; Rio de Janeiro – DF100 100 Ficha Técnica Parcial, do filme “Braza Dormida”, retirado de documento disponível como Ficha Técnica Completa, em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis. exe/iah/? Isis Script=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=004841&for mat =detailed.pft#1 da Hemeroteca da Cinemateca Nacional, em 01.08.2010. Análise da Sinopse: A sinopse permite poucas, mas, importantes considerações ao nosso objeto análise. Dela temos como principal, um forte componente do parâmetro social imposto à mulher naquele momento/lócus, a saber: o aceite paterno à sua liberação pelo casamento. Tão ou mais significativo deste período, a perpetuar padrões seculares, é que tal liberação ocorre no mesmo nível social ao qual pretensamente pertence à heroína. Essa, por sua vez, só haverá de reconhecer e aceitar esta liberação após a aprovação dada pelo pai. E esse após, e tão somente após, se certificar que estará entregando/liberando sua filha para alguém de status social similar, superior e/ou a alguém que faça parte de sua rede de solidariedade. Entendia-se que o casamento era a proteção e garantia do nível social da mulher. Na ausência de herdeiros do sexo masculino o controle da fortuna familiar deveria ser passado para o marido da filha e sua seleção/escolha tornava-se a função primária do pai. E essa escolha se faria no interior do mesmo ambiente social. Qual seja: a condição de trabalhador, atribuído ao personagem Luiz, não é, por si só, condição suficiente para a sua aceitação e nem, possivelmente, necessária ao aceite. O reconhecimento das relações entre as famílias do pretendente e da pretendida é, porém, fundamental. Não menos importante à nossa análise o foco como protagonista ao gênero masculino, como centro ou núcleo em torno do qual gravita o desenrolar desta história. Na busca deste objetivo foram selecionadas, como demarcadores da “leitura” desta película, 37 (trinta e sete) cenas sequenciais, que se possam contextualizar. Sem perder de vista a lógica narrativa do roteiro, a seleção da amostra obedeceu, assim, critérios qualitativos. Não por acaso, por exemplo, foram eleitas cenas que podem dar conta das mudanças de cenário – a metrópole e o interior ou o urbano e o rural – e dos distintos comportamentos adequados a esses ambientes, como que a caracterizar as profundas mudanças que se sucedem pela urbanização de um lado em contrapartida aos enraizados padrões de moral e de comportamento institucionalizados à geografia do campo. Cena 1- O cenário metropolitano A legenda, autoexplicativa, prepara o espectador para a introdução de alguns elementos centrais do roteiro: a metrópole, o trabalho e ruídos do contingente humano. Cena 2 – Figurino de protagonista Do geral para o particular, um recorte identifica o personagem principal, pois que, com ares “Valentinos”, surge Luís, o herói, bem vestido e pensativo, a mandar engraxar os sapatos como bem exige os de sua estirpe, o não servil. Cena 3 - Questões Após as pagas, a provável única nota que ainda lhe sobra na carteira de couro dá, porém, a tônica e dramaticidade da cena. Ela se contrapõe ao apuro da vestimenta e permitem uma primeira interpretação dos olhares pensativos da cena anterior. Cena 4 – O passeio público Do personagem principal segue-se uma visão panorâmica de pessoas anônimas, dando conta do burburinho que caracterizava as calçadas do Rio de Janeiro, traduzindo crescimento, aceleração e a dinâmica da cidade. Uma quantidade expressiva de homens, denotando ser esse um espaço não feminino por excelência “contracena” com uma única mulher. Essa está acompanhada do marido e do filho, de maneira a caracterizar como o chamado sexo frágil devesse transitar na cidade: com a proteção do marido e na reconhecida condição materna. O seu vestuário – bolsa, broche, joias e chapéu – são símbolos de seu status social e sinalizam, senão proteção, mas o respeito e o distanciamento requerido, desejado e aceito. Cena 5 – A busca É neste espaço, a debruçar o olhar nas páginas de jornal na procura de uma solução para seus problemas financeiros que Luís é vislumbrado. Mas, o que lê, são chamadas ao imponderável. Cena 6 – Na massa, as minorias. Uma cena panorâmica do Jockey Club indica o local de busca de solução do problema financeiro do protagonista. Nota-se, aqui, em rara aparição, a presença de indivíduos “negros” em evidente condição servil. As mulheres, por sua vez, também em situação de minoria, surgem acompanhadas de homens “brancos”. Trata-se de uma clara e declarada distinção de grupos minoritários, tidos e mantidos em situação de inferioridade. Cena 7 – Nas patas, a sorte. É aqui que o protagonista busca, como derradeira sina, sua sorte nos cavalos a lhe oferecer redenção financeira que tanto almeja. A mulher, ao seu lado, sem maior identificação, configura uma mera ilustração de sua educação cavalheiresca. Cena 8 - Adornos Na busca de entretenimento e a dividir um mesmo espaço, as mulheres são representadas sempre acompanhadas de um par masculino como a lhes fornecer proteção e pertinência. Da cultura europeia elas importavam moda, figurino e estilo de vida. Adornos e joias buscam traduzir nessa mulher-reflexo o status social e financeiro do homem. Cena 9 – Compromisso pagão A sorte não sorriu a Luís que, num banco de praça, cede seu último fósforo ao parceiro ocasional, claramente caracterizado como pertencendo a um nível socioeconômico inferior. Lá, vendo no outro um espelho, Luís relembra. Cenas 10 a 12 – Lembranças Que agora é só, sem poder contar com o pai, pois se negara a seguir a trilha que este lhe abrira. Que não tem outra fonte de renda qualquer, que não a buscada pelo próprio suor, pois que a sorte parece, também, não lhe querer companhia. Cenas 13 a 15 – Contornos Na mesma praça, ele e seu parceiro eventual, estão a ver o caminhar despretensiosos de uma dupla de jovens mulheres. Esse último, um individuo de aparência comum vê surpreso, senão atônito e interessado, o arrumar das meias de uma das jovens a desvendar o contorno parcial de seu joelho. A cena atribui à mulher capacidade de, com gestos simples e naturais alterar os comportamentos e o raciocínio do homem comum, ao ponto de fazê-lo deixar queimar o paletó por ter a sua frente tal imagem, tirando-o “eixo”. Cena 16 – Classificado O jornal deixado no banco pelo homem comum, como que por destino, parece trazer uma oportunidade ao nosso herói. Cena 17 – Novas companhias Na entrevista, aprovado para a sua nova função de Gerente de Usina, Luís conhece Nita, sob o olhar sempre austero do pai zeloso. Salta aos olhos, uma possível interação entre os dois jovens personagens. Cena 18 – Em roda Não tarda para surgirem os primeiros encontros entre os dois, sempre às escondidas do olhar paterno. Cena 19 – Braços abertos E, em um deles, a heroína dança para o protagonista, como que a querer seduzi-lo pelos seus encantos físicos, plástica e demonstração da condição de aprovação, aceite e agrado. Cenas 20 a 22 – Pecados e pecadores Em outro passeio se dá o primeiro beijo do casal, entre os olhares e os perigos eminentes preconizados pela presença do vilão e da serpente, (uma provável alusão entre o não desejado em similar e explícito momento bíblico...). Confirmam analogias que permitam enxergar a heroína na condição antagônica de santa e pecadora, reforçando a tradicional visão dicotômica da mulher, ora como “Maria”, ora como “Eva”. Pois que, a visão de “Lilith” e quer suprimir, via de regra. Cena 23 – A força do bem A cobra, símbolo do pecado original, o herói mata com certeiro tiro, preconizando, quiçá, similar destino ao “vilão”. Com esse ato, é eleito protetor ideário de Nita, revela-se homem de boas intenções, o que faz dele uma assertiva se escolhido for, também, pelo pai da donzela. Cena 24 – A escrita do mal O vilão denuncia em carta anônima, como anônimos são os “Escariotes” o beijo às escondidas ao pai da heroína, a delatar em escrita. Cena 25 – Mensagem Severo, indumentária burguesa, típica do grupo identificado como “colarinho branco”, cujas mãos não foram feitas para a lida, em leitura atenta. Cena 26 - Escândalo Pois que possa induzir a uma visão de tentativa de sedução e defloramento, um crime sério, previsto em lei, cuja aplicação se estendeu, ainda, nas décadas que se seguiriam. Cena 27 - Desconhecido Nos dizeres paternos, não se aventa sequer a condição de namoro. O que se coloca em plano é o casamento. Não lhe conhecer a família intui o interesse em saber se é o pretendente digno de administrar seu patrimônio, se pertence ou não ao seu círculo social, se faz parte de sua rede de solidariedade, se o casamento será ou não do interesse paterno ao serem preenchidas tais condições. Os desejos da filha não são sequer aventados. E, assim, o seu pai, após ler as cartas que narram seu beijo às escondidas deixa bem claro as razões do porque não aceita o protagonista como noivo de sua herdeira. Cena 28 – Incondicional A heroína, como boa filha, acata as imposições paternas, sem a ousadia de arguições de qualquer ordem. Ela, aparentemente, está ciente e aceita a sua “incapacidade” feminina de não ser capaz de gerir os negócios da família, de não ser herdeiro masculino, direto, desejado pelo pai. Na sua condição de mulher lhe cabe, apenas, via um casamento autorizado, ser o elo com a próxima geração, ser a mãe do herdeiro idealizado. Cena 29 - Escapes Mesmo acatando a decisão paterna, ocasionalmente e às escondidas, eles continuam a se ver. Como no aniversário dela quando ele lhe dá uma rosa, fruto de uma roseira por ela plantada e, por seus cuidados, acalentada e nutrida. Cena 30- O valor da rosa Uma flor que demonstra ser, entre todos os demais e materiais presentes, o mais caro à heroína. Cena 31 – O brinde Sorrateiro, chega ao bar da usina o antigo gerente, que sagaz e a demarcar presença, de imediato, paga a todos uma rodada de bebida. Cena 32 – Surpresa aos ouvidos De repente, todos à volta com o ex-gerente se questionam sem saber o ocorrido, nem imaginá-lo. Sem saber que o agora sorridente vilão, as escondidas dinamitará a chaminé da usina, como vingança ao nosso herói que, aos seus olhos, tudo conseguia. Sem que ninguém dele possa desconfiar. Cena 33 – Aos olhos do dono Em carta Luís informa o usineiro e lhe pede presença. Cena 34 – Corpo a corpo A chegada do usineiro e de sua filha coincide com o combate de corpo entre herói e o bandido, pois que descobre o culpado pela explosão na usina. O vilão tomba morto após acidente, em melaço quente, em morte violenta. 35 – Sobrevida No evento, evidente, sobrevive herói. Cena 36– A César O protagonista demonstra com suas ações ser o protetor ideal do patrimônio da família da heroína. A esse fato se agrega o reconhecimento social igualitário entre as famílias. Assim o pai aprova o futuro genro, pois que de sua rede de relacionamento é filho e herdeiro. Cena 37 – Passaportes O beijo sela e encerra a sorte dos protagonistas como se o casamento fosse o passaporte libertário da mulher. Ela é merecedora deste fim à medida que foi capaz de obedecer aos mandos paternos, acatando e cumprindo o papel que dela se exige representar. A primeira consideração que se faz necessária sob a análise deste filme é que o seu título deveria ter sido “Flagrantes da vida mineira.”101 Isso terá dado conta do cenário regional de se adequar a uma realidade em choque entre o rural e o cosmopolita, nas tomadas realizadas nas locações no Distrito Federal. Teria reafirmado a distinção entre o ambiente da cidade e o de uma usina de cana-de-açúcar. Assim, para uma leitura ainda mais dirigida e oportuna, convém relembrar citação do roteirista/diretor: “O cinema que eu faço é o cinema das coisas do meu universo.”102 Na página e matéria da mesma legenda, ainda se faz ler. “Para o jornalista e crítico Ricardo Gomes Leite, Humberto Mauro, foi „o maior cineasta brasileiro de todos os tempos, pois que teve a qualidade de ser autodidata e de sempre ter trabalhado com recursos 101 Conforme Documentação – R- 1683/1, segundo levantamento de Jean Claude Bernadet, p. 03, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Nacional. 102 Legenda de foto, publicada na Folha de São Paulo, a 07 de Novembro de 1983, quando do falecimento de Humberto Mauro, sem autor da matéria nela identificável, conforme documento P.- 571/65, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Brasileira. quase artesanais, usando sua casa como estúdio e os membros de sua família como figurantes‟.” 103 Fica assim claro o ambiente e aos valores interioranos terem sido vistos em plano. O filme analisado em tomadas sequenciais; traz a afirmativa, de que a mulher possa assumir o papel de eminência responsável, a catalisadora, o ser capaz de separar, nutrir ou suscitar... o bem e o mal. Havemos de considerar que o filme de 1928, retrata personagens típicos de estrato social mais bem aquinhoado. Que de um lado busca sua própria identidade em associação com a importação dos figurinos, de todas as modas, estilos e costumes europeus, denunciando uma pretensa modernidade. Outro ponto importante em discussão no filme se refere à colocação de figuras e/ou signos religiosos. Essa é uma temática que parece acompanhar este roteirista, que faz uso da religiosidade como expressão importante na construção de suas mensagens Trata-se da utilização de símbolos de comum repertório e grande apelo à sociedade católica da época, como forma significativa na composição das representações desejadas/idealizadas e a servir de balizador da moral, atitudes e comportamentos que se quer sedimentar. Cabe destacar, que a figura masculina é o núcleo central da história. Personagem por onde permeiam as suas concepções criativas e/ou de mundo ideário das tramas tecidas pelo roteirista. A mulher por sua vez, como evidente fica ao longo das cenas analisadas, assume diversos papéis todos referindo uma representação préconcebida: Ela a filha obediente, a herdeira do patrimônio, é a “esposa” e a esperança de redenção. Ela não existe sozinha, seu destino se sustenta na complementação do outro. O que fica sugerido é o destino final de mãe. Que a ele, em maior ou menor tom, passam as demandas de um produtor/diretor, na busca da audiência às suas demandas pessoais em não clara, 103 Idem. mas, necessária, adequação ao atendimento das demandas da sua audiência pretendida. Pretender discuti-las aqui, não faz parte, contudo, deste estudo. Referendando este destino faço aqui ouvir a voz de Otávio Gabus Mendes, que, como correspondente da Revista “Cinearte”, manifesta em sua matéria “Drops de São Paulo” , faz eclodir “(...) o mais próspero ano até agora. (...) o nosso primeiro film, verdadeiramente, foi „Braza Dormida‟. ”104 E, ainda, que trata da representação de brasilidade, ao anunciar aos quatro ventos “Braza Dormida batem todos os films italianos até hoje feitos e não dá confiança á inúmeros films francezes ou allemães.” 105 104 MENDES, Octávio Gabus. In: C193001050201F010Drops – Disponível no Museu Lasar Segall. 105 Idem. 3.2. b. FRAGMENTOS DA VIDA – (1929) – Ficha Técnica Parcial Gênero Drama Categorias Curta-metragem / Sonoro / Ficção Material original 35mm, BP, 30min10seg, 870m, 16q, Sincronizado com discos Sinopse Na construção de uma São Paulo que "crescia desafiando as nuvens, levando nessa ânsia incontida o suor de operários humildes", um trabalhador cai de um andaime e à beira da morte pede para o filho trilhar o caminho da "honestidade, do trabalho e da honradez". O filho porém prefere tornar-se um vagabundo e tudo faz para ser preso afim de sobreviver. As pessoas, involuntariamente, lhe impedem a ação. Quando finalmente decide "tornar-se digno pelo trabalho", o vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação de roubo. (Material examinado) Termos descritores Literatura; Trabalho; Urbanismo; Polícia; Cidade; São Paulo – SP Descritores secundários Adaptação para cinema Termos geográficos São Paulo – SP Companhia(s) produtora(s): Rossi Filme; Medifer Produção: Rossi, Gilberto; Medina, José; Ferreira, Carlos Roteiro: Medina, José Estória: Baseada no conto <Soap> de <Henry, O.> Direção: Medina, José106 Análise da sinopse: Permite considerações relevantes às propostas de representação a se iniciar por “... suor de operários humildes...” como a qualificar o público ideário a quem o filme possa se dirigir e se querer representar/aculturar. A grande massa da população, especialmente a paulista, como ilustra Gabus 106 Ficha Técnica Parcial, do filme “Fragmentos da Vida” retirada de documento disponível como Ficha Técnica Completa, em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis. exe/iah/ ?Isis Script=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=005149&for mat=detailed.pft#1 da Hemeroteca da Cinemateca Brasileira, em 01.08.2010. Mendes em suas críticas a massa operária que frequenta os cinemas do bairro do Brás e que nos idos de 1929, buscava também na sétima arte, mais do que em qualquer outro meio, seus referenciais sociais, identificações e identidades, além e notadamente, a mais simples e pura diversão. Um tempo de quebra das bolsas internacionais que refletiam de modo brutal também ao sul do equador. Em roteiros que pudessem servir de espelho às suas próprias existências em realidades do cotidiano, na construção dos alicerces em concreto que se faria a metrópole. Cuja importância se fazia diretamente proporcional ao aceite massivo de sua significância comunicacional, que o cinema passara a ter. Ao elevar o adjetivo humilde a um status aceito se devidamente conjugado com o sujeito operário, pois é àquele a quem se reconhece, no sentido de concessão, pela construção física da cidade e que tem, em seu suor, sua redenção a humildade de quem haverá tal qual na Bíblia, na “transpiração do rosto”, a busca do pão de cada dia. Referendando-o condição social e oferecendo-lhe aceite. Por se tratar fundamentalmente de filme cujos personagens principais são do gênero masculino, não deixa de trazer em seus escopos significativos referenciais das expectativas de representações do gênero análise. Como podemos denotar em “... honestidade e do trabalho e da honradez...” adjetivações que pretendem qualificar o que possam ser considerados de marcante ao protagonista e, igualmente a se prestar à condução dos referenciais aceitos aos receptores da tela, de quaisquer gêneros. A delimitar que a honra aos humildes, só pudesse ser obtida por meio do trabalho honesto, trazia a forte ideologia da sociedade paulista da época que carecia de instrumental pedagógico na manutenção de sua estratificação social, que não a repressão física pura e simples e habitual, naqueles tempos da Paulicéia. Mais, a espelhar na mulher humilde, o seu homem igualmente humilde, devesse não somente possuir e louvar tais adjetivos, mas a exigi-los e acalentá-los em seus pares, como e mesmo que de forma policialesca, ser e reproduzir ao que a ela se concede, por missão social. A mantenedora dos adjetivos da honra, da honestidade e do trabalho, pois que deles, e consequentemente dela, dependeriam o sucesso e bem estar geral. Talvez, até de sua “alma”, posto que a Igreja e não só o Estado partilhasse da construção e reprodução, senão, da mesma cartilha ideológica, de similares, entre si. Cuja função, na defesa destes valores, haverá de exigir dela, mulher, posicionamento firme e forte (hipoteticamente, diferente da sua condição natural – frágil e indolente). Sem se deixar ceder aos apelos do coração e ou da “carne”, ou de demais privações, na demonstração suprema dos valores dos seus propósitos a bem de Deus, família e da sociedade que são seus desígnios. Na sinopse temos que o protagonista “... prefere tornar-se um vagabundo e tudo faz para ser preso a fim de sobreviver...” a fazer intuir pela recessão no período, não devesse ser justificativa aceitável ao abandono da busca do trabalho, honestidade e, por conseguinte honradez. Que o caminho mais fácil, como tornar-se vagabundo, não pudesse fazer parte das cogitações dos humildes, por mais dura e difícil que se apresentasse a realidade. Mas, qualifica a sociedade ao elevá-la a uma condição superior quando. “As pessoas, involuntariamente, lhe impedem a ação.”. A fazer imagem de uma sociedade que mesmo em sua forma involuntária, possa ser equânime e justa, acima do bem e do mal. Na exata medida que, em seu modelo natural (em suas virtudes maternais) busca impedir que seus membros, dela se percam por caminhos obscenos. A mesma sociedade que de um lado lhe oferece tempo para sua redenção, há de ser firme e rigorosa (tal qual o papel ideário da mulher junto à família) quando findo este prazo hipotético, senão imaginário e que faz, assim como dito na sinopse: “... o vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação de roubo.” Como que a oferecer ultimato aos que ainda indecisos são em seus posicionamentos. A obra, mesmo sendo uma adaptação ou tendo por base um escritor norte-americano, acaba por traduzir os anseios de metrópole sul-americana, pois que se fazia apropriada em um cenário sócio-político de inúmeras similaridades. O próprio aceite dessa adaptação, em seu tempo, é prova contundente dessa similaridade. Para tanto se dividiu o filme em 19 (dezenove) cenas para melhor análise, considerando os mesmos parâmetros dos demais filmes aqui em foco. Cena 1 - Indefesa Na pseudo proteção, aconchegada a enorme parede homogênea e impessoal, segue e a se “esconder” a Moça. Em plano geral assumindo e declarando a sua condição de fragilidade, na urbe de anônimos. No passeio público, só, a se expor a própria sorte, sem que algo similar a uma “burca” a ela se ofereça, a defendê-la e/ou a “libertá-la”. Este “ambiente” quer representar o hostil, pois que o homogêneo privilegia o igual, não a diversidade. O objetivo, não o subjetivo. O impessoal e não a pessoa, o anônimo, não a identidade. Igualmente hostil, dado o fato de que a personagem esta fora do seu local de domínio, que devesse ser entre quatro paredes, nos limites do “lar”. Fosse outro o sexo, não haveria tal “leitura”, nem proximidade ao muro. Cenário que não haverá de alterar, uma vez que “ar” em torno do enquadramento, não há. Cena 2 - A tudo vê A Lei se impõe e espreita o cenário, em primeiro plano. Na defesa, onisciente, da propriedade ao fundo. E o domina, pois que, nem “ar” há. Cena 3 - Destino certo Lei a querer vislumbrar os possíveis Malandros e Vagabundos. Estes lépidos se antecipam a lhe montar cena. Com a parceria involuntária da Moça, não a se “camuflar” de dignos cavalheiros, aos olhos desta mesma Lei que lhes daria acolhida e guarita nesta condição, mas, a de reconhecer, em nosso herói o atrevido. De tal forma que atingiria seu intento de ser preso e viver à custa do Estado. Assim, o Malandro, “tira” dela o muro a “quebrar” sua derradeira e tênue proteção e a limita a transitar entre e em meio aos seus confessos “caçadores”. A lhe impor caminho, feito presa sabida e costumeira. Cena 4 – Caçador e caça. Abordada cede, indefesa, a aproximação do Vagabundo a lhe tomar o braço e se entrega à sorte. Tendo por testemunha em plano de lateralidade, como se hiena fosse, o Malandro. Ao fundo figura alguma se demonstra embora possa se adivinhar. Podendo, ainda, se observar no Malandro, a filiação com o circo, em seus jeito e trejeitos superdimensionados, típicos do cinema mudo. Cena 5 – Dominador e dominada. Centrado o casal parece, pelo olhar baixo de subjugo da Moça, a aceitar a nova condição. Ele a anunciar domínio, ela submissão. Ao fundo, novos personagens, que pela profundidade do campo se tornam difusos em suas funções, propósitos e significâncias. A esta distância focal, “entende-se” que diferente será quando estiverem em plano aproximado. Cena 6 - Em seus lugares A tomada em plano geral reconstitui a história, oferecendo a cada personagem a dimensão (imagem) pretendida. O passeio é testemunho do poder do “braço” da Lei em sua função de teletela social. A “verdade” é estabelecida e a agora acompanhada moça, impede o intento do Vagabundo na busca de se fazer aprisionar. E, o Malandro, ganha novo status, pois que a desconhecidos se alinha a transparecer conchavo. Conchavo, que de forma equivocada possa se fazer, é tido a todos como subterrâneo. E o plano pretere o trio e confere predileção ao casal, pois que próximo da Lei. Cena 7 - Agradecida O sorriso anuncia e denuncia inesperado alívio, da grata figura. Cena 8 - Divida . Acompanhando a “fala” da personagem que anuncia o reconhecimento e aceite da ação do protagonista. Cena 9 – Insucesso Fala que se contrapõe ao olhar atônito dos “bandidos” que adquirem figura e significado em frustrado intento. Cena 10 – Distância O dedo aponta, denuncia e reconhece seus pretendidos algozes, agora imóveis. Cena 11 - Intervenção O texto solidifica a grata ação da moça ao seu defensor desavisado. Cena 12 - A despedida Ao fundo, o mundo não muda. O “mal” sobrevive em seu devido lugar, próximo aos malandros e distante dos gentis. Gentis como o casal em primeiro plano ou como o com eles se quer fazer identificar – o espectador. Um “Q” de circense, tal qual um “bufão” domina, ainda, o espetáculo, a declarar época. A gratidão reconhecida transpassa-se pelos dedos da mão, pelo olhar enternecido e pelo sorriso comedido de pretensão sincera, em despedida. Cena 13 - Apraz Do sorriso grato a querer se estender ao sorriso prazeroso. Cena 14 - Sinais Ainda e ademais, sinaliza a “virgem”, com corpo, sorriso e olhar, o possível “aceite” a tão terno herói que lhe salvou de sina indigna. Cena 15 – Doce utopia Como se sua honradez e honestidade, pudessem compensar a condição social (verdade econômica) e elevá-lo ao conceito de herói aceito, contrário ao seu destino. Papel que, por breve instante, toma como real o sonho Vagabundo. Observações: I - Cenas de 01 a 15 – Sequencia meio do filme que privilegia a participação da imagem feminina no contexto da representação. II - Cenas de 16 a 19 – Cenas finais da narrativa fílmica. III - Cena 18 – Sequencia das cenas finais se remete igualmente ao início da película na construção dos valores da personagem principal – o Vagabundo em suas memórias infanto-juvenis. Cena 16 – A fé une, O destino ainda reserva ao Vagabundo, o encontro na Igreja com sua musa, a lhe mudar o intento. Cena 17 – revela, Ao lado da moça ele se atenta de sua camisa rasgada, roupa puída, de seus sapatos rotos, a lhe trazer a sensação de inutilidade. Cena 18 – relembra, Relembra a última imagem de seu pai acidentado, a lhe transmitir suas derradeiras e preocupadas palavras sobre honestidade, trabalho e honradez. Cena 19 – reprime e redime. A apresentar o arrependimento, como única alternativa possível de alguém que em tantos erros incorreu. A análise das cenas sequenciais do filme “Fragmentos da Vida”, aqui proposta, se fez focar em momentos específicos, nos quais a participação feminina, embora secundária, se denota em melhor tom, expondo como protagonista o gênero masculino. A densidade desta análise permite e torna factível e clara a dicotomia entre masculino e feminino. Ela acaba por se fazer tradutora e lente das demandas exigidas, dos indivíduos da sociedade paulistana, notadamente os de baixa renda e ou de baixo nível de perspectivas laborais, em momento gritantes transformações. O roteirista e diretor, figura advinda do interior paulista, bem que aparenta querer se adequar as novas exigências da urbe cosmopolita, mas, acaba por manter, convicto, e as tradições, regeneradoras. Certo de estar, a exemplo de filmes anteriores, construindo representações que possam adequar o “velho” e o “novo”. Mesmo naquele momento paulistanos articulistas fazendo-se indignar pelo verbo, entre os quais, Octávio Gabus Mendes um dos grandes interlocutores do período, a gritarem em alto tom “ (...) E, ainda, é correcto, é decente, é bonito, estar mostrando o film sob um aspecto tão deprimente? Com gente tão suja. Com aspectos tão pouco hygienicos”. (...) Mas, será possível que não haja alguém que mostre film com gente ao menos soffrivelmente vestida? Os films paulistas, infelizmente, nos mostraram, até hoje, vagabundos, ladrões de gallinha, compradores de bonde, freqüentadores de ferros velhos 107 e de tinturarias suspeitas (...) “ Grita Mendes uma nova estética. A das avenidas e praças parisienses. Entre o ser e se fazer espelhar. Entre a tangibilidade e a utopia. Entre a realidade e o sonho de uma São Paulo desprotegida, pobre e realista. Despida dos padrões europeus e americanos, embora neles a queiram vestir. O trabalho liberta e faz o homem. Miragem apenas. Pois que lá se deixaram as ilusões de grande parte desta população, sem alternativa, que agora enfrenta a mais dura e diuturna realidade. A dos Lavapés. 107 Idem. In: C193001050201F010Drops. 3.3. c. LÁBIOS SEM BEIJOS - (1930) – Ficha Técnica Parcial Gênero Drama romântico Categorias Longa-metragem / Silencioso / Ficção Material original 35mm, BP, 53min, 1.532m, 16q Data e local de produção Ano: 1930 Início de filmagem: 1930.03.20 Final de filmagem: 1930.08.31 País: BR Cidade: Rio de Janeiro Estado: DF Sinopse Após se conhecerem casualmente, Lelita e Paulo encontram-se outra vez durante uma festa. A resistência inicial não impede que os dois passem a se ver, nascendo entre ambos arrebatadora paixão. Certo dia, Lelita encontra sua prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa chamava-se Paulo Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar, de ter preparado a intriga e colocado Lelita contra ele. Depois de muita insistência e dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo a cumprir seu compromisso com Didi. Superando alguns percalços durante o caminho, Lelita e Didi chegam ao encontro com Paulo, onde se desfaz todo o equívoco. (Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 12.11.1930). Produção Companhia(s) produtora(s): Cinédia S.A. Produção: Gonzaga, Adhemar Argumento: Gonzaga, Adhemar Direção: Mauro, Humberto108 108 Ficha Técnica Parcial, do filme “Lábios sem Beijos”, retirado de documento disponível como Ficha Técnica Completa, em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/ da Hemeroteca da Cinemateca Brasileira. Análise da Sinopse A sinopse anuncia o propósito de propiciar ao espectador, especialmente o feminino109, o vivenciar encontros e desencontros amorosos da juventude, demarcando os limites do permitido – o flerte, o namoro e o casamento – e das ligações clandestinas. O cenário é a Capital Federal, marcada pela modernidade metropolitana que questiona identidades e comportamentos da sociedade brasileira, até então, notadamente rural. No embate entre os novos e os tradicionais hábitos e costumes, as relações familiares e das relações sociais, constituem a garantia de preservação da moralidade. A análise tem um caráter amostral e se apresenta dividida em 51 (cinquenta e uma) cenas como se faz aqui nominar e, em alguns casos, formam um conjunto de duas ou mais cenas, visando mais bem caracterizar os objetivos e identidades pretendidos. Ela se realiza, ainda, buscando preservar links que possam sustentar o desenrolar da trama, a fluência da narrativa e, eventualmente, apontar digressões na transmissão da mensagem principal. A seleção das cenas analisadas buscou demarcar os espaços em que os personagens principais transitam e convivem; as suas origens sociais e os ambientes que frequentam; o uso da escrita reforçando comportamentos almejados, bem como sua dramatização observada na interpretação de atores e atrizes. 109 Embora às chamadas “senhorinhas” tenha sido o filme, classificado como desaconselhável, pela censura da época – a Delegacia de Costumes e Jogos. Cena 1– O cenário Novos ares tomaram a cidade agora cosmopolita. Amplas calçadas e avenidas, arborizadas, traduzem padrão europeu de civilização. As mulheres transitam sozinhas e o ventar advinha novos tempos. Pois, que pelas calçadas e ruas, livres e soltas; elas caminham. Cena 2 – complementação Os automóveis e o “progresso” dominam o cenário da urbe. Essa sequencia conforma a apresentação do cenário: a cidade moderna, dinâmica, higiênica e segura, constituindo um espaço novo de intermediação entre os sexos. Algo original que é, poeticamente, reforçado pela presença do vento e da chuva, a indicar a necessidade de abandonar o ranço do passado e inaugurar comportamentos contemporâneos que permitem o transitar feminino sem a intermediação masculina. Cena 3 – O tutor do comportamento feminino Surge o tio, substituto da figura paterna e interrompe o trabalho para reprimir o comportamento da sobrinha, sem que a figura da protagonista seja vista, a advinha-la como um teaser110. Cena 4 – Face a face, a protagonista 110 “Literalmente provocador, estimulador. Em propaganda, o sentido é de pequenas mensagens de preparação da atenção para um lançamento.” Segundo FERREIRA, Izacyl Guimarães et al. Dicionário Brasileiro de Comunicação – Volume I – Mídia. Edições Mercado Global: São Paulo, 1977.p. 85. Ela registra a tentativa, mas mal interrompe sua atenta leitura. Cena 5 – A reprimenda A mensagem, explicita, parece querer decretar ser a sobrinha uma espevitada. E essa, pelos seus primeiros jeitos e trejeitos mostrados na cena que se segue, nos leva a crer na assertiva sugerida pelo tio. Cena 6 – O desafio As pernas femininas são, também, no início dos anos 30, objetos de cena. Chamam a atenção para os vestidos, agora mais curtos, que traduzem o ideal de modernidade, de identidade e de liberalidade/liberdade. Provocam o imaginário feminino e masculino e acaba por tornar cada vez menos obscena a exteriorização de um novo figurino plástico/estético condizente com a vivência urbana. E, evidentemente, parecem querer desdenhar de maneira acintosa o modelo anterior de comportamento social (a experiência e preceitos do tio). Cena 7 – Apelo ao compromisso Essa sequência evidencia o confronto entre o moderno e o tradicional, a necessária intermediação, quase sempre conflituosa, entre duas gerações sucessivas. Os modos, o trajar e o hábito da leitura da protagonista não conformariam comportamentos adequados aos mais experientes e demandariam a pronta intervenção protetora/correcional masculina. Configura uma exigência de uma firme e amorosa ação educativa definindo o espaço e os limites de liberdade feminina. Cena 8 – Relações clandestinas Enquanto isso nos braços de sua amante surge a figura do pretenso herói. Cenas 9 e 10 – Paixão e aventura Decreta em sequência Paulo, a desdenhar qualquer importância nesse relacionamento clandestino e fugaz de maneira a impedir que sua amante, Tamar, possa a ele atribuir/desejar. Cena 11 - Zangadinho Diz ela, como que a reduzir a importância de sua fala e de sua maneira de pensar. Essas cenas demonstram que ao herói, solteiro, ainda é permitido relações amorosas que não encaminham o casamento, sem que isso possa denegrir a sua caracterização. Estabelece uma clara distinção entre papéis de gênero perante a sociedade e, ainda, distingue amor e paixão. Cena 12 – Primeiro encontro Herói, que por destino ou acidente, adentra ao mesmo táxi da heroína em dia de chuva, como que se esse encontro inevitável fosse. Cena 13 - Espaços Exige sem sucesso a moça. Cena 14 - Supremacia É a fala do herói. Cena 15 - Recuo . Diz Lelita ao taxista, algum tempo após breve tentativa de conciliação. Não sem deixar clara sua independência para ir e vir, pois que tinha seu próprio automóvel e sabia dirigir. Falas como que a situá-la em pé de igualdade, mas que a obrigam a ceder permanência ao elemento masculino. O embate do primeiro encontro deixa claro uma relação de hierarquia entre os sexos. Em face de uma mulher sozinha e desconhecida, o herói se permite eleger o conforto pessoal acima dos imperativos do cavalheirismo. Ela, mesmo sendo incomum, acaba por ceder parcialmente ao imperativo de modelos prédefinidos e sedimentados, o que per si já se faz um importante diferencial nas relações de gênero expectativa para a época. Cena 16 – Entre mulheres Em casa, ao lado da tia e da prima, ouve o decreto da experiência ao narrar às controversas no trânsito da cidade grande. Cena 17 - Decreto Em contrapartida, a tia aconselha Lelita a seguir o modelo, aparentemente, calmo e obediente de sua sempre aquietada prima. Essas duas tomadas enfatizam uma típica relação de cumplicidade feminina, ao mesmo tempo em que, amorosamente amparada, a personagem principal é repreendida por sua tia por não conformar o modelo social estabelecido. Cena 18 – O reencontro Em meio a uma das muitas festas promovidas no seu círculo social, eles se reconhecem semelhantes e aproximados, como os protagonistas da sua própria história. Estão, agora, distantes de uma situação estressante, como a do táxi que os unira rapidamente pela primeira vez. Cena 19 – Hiato Ele, acompanhado, deixa a heroína só. Cena 20 – Surpresa Mas retornando breve à sua companhia, ele a surpreende, como que anunciando seu interesse. Cena 21 - Limites Ele a cerca a querer beijá-la. Ela nega. Essa, parece, será a tônica por bom tempo. Cena 22- Permuta masculina Insiste com a bela jovem o mancebo. O ritual do flerte implica na delimitação de espaços entre o proibido e o permitido. As respostas obtidas em cada estágio desse desafio determinam comportamentos e atitudes que o herói tomará em relação à heroína. Cena 23 – Namoro A resistência feminina instiga novos encontros, nos quais ele continua a buscar o beijo como intento e ela a recusá-lo como regra, sabida e esperada pelo espectador. Cena 24 – Enamorados Enamorados parece ser a palavra que melhor representa os sentires, mesmo sem beijos, quando em novos encontros. Cena 25 – Dúvidas . Questiona a moça, em novo encontro, ao jovem que a cativou. Cena 26 – O beijo E o inevitável beijo, em close, acontece em lábios que só ela sabe, intocados. Entre a juventude feminina, símbolo da modernidade carioca – relativa liberdade de ir e vir, de vestir e se comportar, de questionar os valores tradicionais de submissão e recato - os jogos de sedução não implicam em abandono de limites sociais pré-estabelecidos. Implicam, porém, em arejamento de discursos, espaços e valores nas relações humanas de um novo tempo. Há de se questionar o sentido pleno do beijo, de um lado o pretendido pelo roteirista, e por outro o que pudesse ser interpretado pelo receptor sobre o nível do envolvimento e aprofundamento das relações. Cena 27 - Identidade É o nome completo que Paulo dá a Lelita. Pois o sobrenome dele não era sua preocupação. Cena 28 – Dilema familiar Em casa novamente, a heroína descobre a prima desolada. Cena 29 – A tragédia . É o nome dos infortúnios de sua prima, pois que sumido está. Cena 30 – O drama Dias e mais dias, inconsoláveis, se arrastam para Lelita. Em trajes que exibem sua intimidade e evidenciam beleza, liberação e atração. Cena 31 – Vingança A ex-amante a fazer picuinha ao herói, diz ter dito a sua pretendida que era dela que Paulo gostava. Pois que por Lelita, Paulo procurava. E que, de igual forma, Tamar se sente “traída”. Cena 32- Mentiras . Mente a rejeitada ex-amante, como que uma “Lilith”, a conhecida de Lelita, fosse. Cena 33 – O outro lado da moeda O desespero o faz invadir a casa de Lelita; ela o quer expulsar, sem lhe ouvir. Cena 34 – Miragem . Decreta o jovem a querer justificar os seus gestos e intentos. Cena 35 – A confissão Ela aponta para seus próprios lábios e anuncia Cena 36 – A mensagem A protagonista acaba por desmistificar que a aparência de lábios pintados possa ser um passaporte à liberalidade masculina. Sugerir ou mesmo representar que a maquiagem possa ser assimilada, assumida e utilizada simplesmente como sinônimo de liberdade da expressão feminina. Cena 37 – O imaginário Ele, incrédulo, tenta a força tomá-la em seus braços, mas, algo maior o detém. Cena 38 – Revelação A sombra de uma cruz em uma parede, onde não devesse estar. Cena 39 – O real Atônito, imaginando ou não uma intervenção divina, o herói deixa Lelita, sem dizer palavra e vagueia pelas ruas em busca de respostas. Sem saber que era restos de uma pipa desgastada pelo vento a sombra do que o estarrecera. Cena 40 - Na direção Dias se passam e Lelita resolve que sua prima deve casar com sua paixão Paulo Morano, mesmo abrindo mão de seus sentires, em um claro altruísmo, digno de grande virtude. Virtude de uma grande mulher, capaz de dirigir seu próprio destino. Cena 41 – Espelho Célere percorre as ruas da cidade em carro importado, espelho do ideário da mais alta sociedade, sonho europeu, por quem sonha a juventude em tela. Cena 42 – A decisão . Decreta nossa heroína à prima. E, a verdade é que, o autor quer nos fazer crer que a prima de Lelita, cedera mais que um simples beijo. Algo inadmissível mesmo nestes ares de modernidade, onde só o casamento pudesse abrandar tal pecado da mulher. Cena 43 – O resgate Meio a evento providencial, eis que surge um “novo” personagem. Alguém com tempo suficiente de tirar suas luvas, arrumar a gravata e os vincos da calça antes de se propor a salvar duas jovens indefesas de possíveis bandidos de rua. Cena 44 – Mais surpresas De súbito, em meio a este evento providencial, eis que sua prima reconhece esse alguém, com grande e esfuziante alegria. Cena 45 - Perplexa Lelita tenta entender o fato e os sorrisos incontidos da prima. Cena 46 – Esperança Descobre que Paulo Morano ou é o homônimo de sua paixão ou está frente a frente a alguém que se faz passar por seu amado. Quem sabe, por Paulo Morano gozar de prestígio junto à sociedade carioca. Um fato que se segue nos levará a crer que a segunda opção possa parecer a mais apropriada. Cena 47 - Certeza O sonho de novo pode ser sonhado e vivenciado por Lelita. Cena 48 – Ao som das cascatas Mas, Lelita não é a única a sonhar. O dito Paulo Morano e sua prima trocam juras de amor eterno, próximos a uma pequena cascata. Cena 49 – Balelas Atesta o pretenso Paulo, convicto. Cena 50 – Nas coxias Mãos providenciais surgem e fecham o registro da cascata, a nos fazer acreditar que o jovem homem possa ser um “cascateiro” e sua prima, por ter pecado, não há de ter um belo e feliz futuro. Porque merecedora não é. Cena 51 – Amor verdadeiro. Lelita não tarda a encontrar o seu verdadeiro amor Paulo Morano. Em seus olhares a tradução da verdadeira e eterna felicidade que lhes reserva o futuro juntos. Nos sorrisos fáceis a permear os outrora lábios sem beijos, tão acalentados. O filme “Lábios sem Beijos” evidência a pseudo liberalidade dos novos tempos. Os ares de uma cidade que cresce e que ainda quer exaltar valores morais e de comportamento femininos tidos e mantidos como desejáveis, numa sociedade em transformação. “Lábios sem Beijos” apresenta, a mulher como protagonista e pressupõe uma era em que o valor da castidade não é sequer questionado. A modernidade feminina se traduz no conhecimento do parceiro antes do casamento, pode chegar a um beijo, mas não mais que isso. Privilegia a conduta, os comportamentos e as atitudes que se quer fazer espelhados à sociedade em geral. Um dos mais aguardados e premiados filmes brasileiros a se demonstrar um marco, como queria fazer entender a Revista Cinearte. Filme no qual Adhemar Gonzaga roteiriza a jovem e burguesa mulher brasileira da capital, a oferecer ditames de liberalidade e comportamentos. Não seria Carmem Santos, mas, Lelita, a protagonista. Porém, a mensagem era una, fosse qual fosse a estrela, embora o brilho de Lelita, ninguém, nunca, há de apagar. Trás o melhor da crítica nas revistas da época, aqui pesquisadas, a exemplo da matéria publicada no momento de seu lançamento, na Revista Cinearte111, cujo destaque de página dupla se faz denotar. 111 Página dupla na revista Cinearte, conforme documento c193010050242F00063.pdf , disponível no Museu Lasar Segall. 3.4. d. MULHER – (1931) – Ficha Técnica Parcial Gênero Drama romântico Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção Material original 35mm, BP, 70min, 1.856m, Sonorizado com discos Data e local de produção Ano: 1931 Início de filmagem: 1931.01.19 Final de filmagem: 1931.07.24 Cidade: Rio de Janeiro Estado: DF Produção Companhia(s) produtora(s): Estúdios Cinédia Produção: Gonzaga, Adhemar Argumento: Gonzaga, Adhemar Roteiro: Gonzaga, Adhemar; Mendes, Octávio Gabus Direção: Mendes, Octávio Locação: Exteriores filmados numa casa na Rua Vieira Souto, Rio de Janeiro; Antiga Embaixada da França, Flamengo – RJ Sinopse Carmem era cortejada por dois pretendentes, Milton e um aleijado, ambos meigos e carinhosos, ao contrário de seu padrasto, que a cercava de forma vil. Uma madrugada, depois de uma noite de espera, Milton a convida para um passeio ao Bosque Esperança; Carmem reluta mas, temendo um escândalo àquela hora, acaba aceitando, e no Bosque é seduzida por Milton. Ao voltar para casa de manhã, encontra o padrasto, que a esbofeteia e expulsa de casa por seu mau procedimento. Carmen desce o morro para a cidade em busca de Milton, mas chegando ao endereço que ele lhe dera descobre que era falso. Aí começa uma luta sem tréguas contra dois inimigos: a falta de emprego e os homens que a cercam com propostas infames. Quase vencida, Carmem desmaia de fome na rua e é socorrida por Osvaldo, que a leva para a casa do escritor Flavio Martins. Flávio amava Lígia e estava desesperado, pois naquele dia Ligia casava-se com Arthur. O escritor, tal como Osvaldo, de imediato sente-se atraído pela beleza de Carmem e a acolhe. A moça lá permanece por quase um ano e retribui os cuidados e gentileza de Flávio com um interesse e dedicação que acabam com seu desespero. Lígia, por seu lado, desilude-se com Arthur, pouco escrupuloso como médico e conquistador inveterado. Ao descobrir que o marido é amante de Lúcia, sua melhor amiga, quer vingar-se dele e procura o antigo namorado. Flávio se mostra indiferente; Lígia vai então à casa dele, donde Flávio acaba por expulsá-la. Vendo isto, Carmem percebe que o passado para o escritor estava morto e fica feliz, porque se apaixonara por ele. Porém na Biblioteca Pública Flávio casualmente conhece Helena, filha do editor Rafael Brandão, que encontra novamente no escritório do pai. Interessa-se por ela e pensa em casar-se, o que tornaria delicada a presença de Carmem em sua casa. Lígia surpreende um encontro de Helena e Flávio e de novo pensa em vingar-se, desta vez de Flávio, que a repelira: escreve uma carta anônima para Carmem contando o namoro. Desesperada, Carmem fala com Osvaldo, que confirma a informação; só lhe resta então deixar a casa, e Carmem se refugia na serra. Desconhecendo os seus motivos, Flávio se aborrece com a partida de Carmem; mas quando Osvaldo lhe conta o que aconteceu, compreende a dignidade do seu comportamento e parte à procura de Carmem, esquecendo Helena. Um mês mais tarde a encontra, e para os dois desafortunados finalmente chega a felicidade. (Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 13.10.1931)112 Análise da Sinopse A autoria deste filme opta por buscar retratar as parcas opções que são oferecidas à mulher das camadas sociais menos abastadas. Um oportuno e rico contraponto ao filme “Lábios sem beijos” do mesmo autor e roteirista, Adhemar Gonzaga. Em um cenário inicial que faz intuir o periférico da cidade que depois será mais bem focada na película, em caminho desejado quiçá, ideário, dos sonhos das mulheres de perfil igual ou similar. No longo início, introduz o espectador a identificar o mundo da protagonista em suas limitadas oportunidades, pois que longas são as funções do chamado “lar”. A lhe roubar 112 Ficha Técnica Parcial, do filme “Mulher” retirado de documento disponível como Ficha Técnica Completa, em: Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/? Isis Script=ia h/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=000071& format=detailed.pft#1 tempo, juventude e vida. E, ao identificar o universo da figura central da história, oferece no mais puro preto-e-branco, as funções expectativas que se oferecem a mulher “simples” de seu tempo/espaço. Delimitando, senão aprisionando, a mulher às funções domésticas e ao eventual atendimento das demandas masculinas, tidas ou ditas, nas representações da película, como animalescas. Próprias à maioria dos homens de igual classe. Que, apesar de berço infeliz, desprotegida em suas questões mais elementares, devesse manter a figura esperada da mulher, casca e virgem, evitando os desejos da carne e não ceder às tentações reconhecidamente mundanas. Notadamente, o filme propõe escancarar, como uma crônica da vida moderna, as questões que aparentemente melhor traduzam a realidade do contexto vivido pela mulher urbana, sem grandes aportes financeiros, sem perspectivas de trabalho que lhe dê sustento ou, mesmo sem o tutelamento de homem digno (capaz de lhe oferecer uma vida segura nos recantos da própria casa). E, se assim o faz, é porque pretende retratar uma demanda significativa de similares perfis, junto ao público potencial de consumir suas mensagens. Entre suas inúmeras virtudes, as imagens do filme “Mulher”, representam o dia-a-dia feminino da época em suas permitidas obrigações, limitada a servir a casa e aos ditos masculinos, mesmo que, como real provedora seja a mãe, igual destino lhe é reservado e aceito. Um labirinto de realidades a querer aprisionar os sonhos e a felicidade das senhoritas, repletas de expectativas libertárias. À que nome dá a obra, cabe a submissão, no pesadelo do cotidiano vivido pela personagem principal no início da trama. Este é o enfoque que de mais representativo às questões desta dissertação possam oferecer, no contexto de sua análise, nas 52 (cinquenta e duas) cenas que ao filme se fez desmembrar. Cena 1 - Defensivas A moça tenta distanciar o indivíduo que a ataca, enquanto a porta se houve o som de alguém chegando. Cena 2 – Ordem padrasta Manda o homem que pretende disfarçar o ocorrido dos olhos que irão entrar. Cena 3 - Aparências Como que a concordar com a ordem masculina, de que a opção pela aparência demandada e não a dura realidade, a mãe revelar. Cena 4 – Prover Chega a casa, aparentando ter trabalhado o dia todo e ainda se ocupando na busca de provimentos, a figura materna. Cena 5 – Entre olhos Os olhares trocados entre mulheres expõem o rigor das funções que lhe são exigidas e a ausência de esperança na mudança desta realidade cotidiana. Cena 6 - À lida Não há tempo para lamentações ou diálogos vãos, a casa espera pelas atividades das mulheres no rotineiro do dia-a-dia. Cena 7 - Arrumar Função após função, a mulher, as desempenha. Cena 8 – Louças A mão feminina é que ordena e atende as demandas do reduto masculino. Cena 9 – Roupa lavada Mãos de múltiplas e aparentemente infindáveis labores. Cena 10 - Pernas Não requer palavra. Cena 11 – A focar Atraem os olhares masculinos, como abutres a carniça. Cena 12 – A Espreita Aves de rapina. Cena 13 – Prazer sedutor Sonho de vista ser com outros olhos, a se iludir, alegra. Cena 14 Olhares estrangeiros Asas de outras paragens, a observar atentos. Cena 15 – Ombro amigo Ele sonha impotente, com o amor não correspondido. Cena 16 - Senhor dos sonhos . Pois que no sonho dela outro nome se faz ouvido. Cena 17 – Frágil razão Sonho pequeno, pobre e desvalido. Cena 18 – Obscuro sedutor A semelhança de caçador de emboscada surge o pretenso cavalheiro. Cena 19 – A chantagem Que faz denotar intento, sem que do espectador ainda se faça aceito. Cena 20– Pálida resistência “Talvez” com sabor de sim. Cena 21 – Portas se abrem Um sim, reticente, de quem parcas opções têm. Cena 22 – Coração e alma Diz o chantagista como se terno fosse. Cena 23 - Seduzida E ela cede. Cena 24 – Acorde infeliz E o acorde infeliz, ressoa como quebra da esperada sinfonia. Cena 25 – Reação de rejeitado Estupefato. Cena 26– Altar caido De “Maria” a “Eva”, por mero descuido. Cena 27 – Aos braços da mãe Busca perdão e refúgio. Cena 28 – Protegei Mesmo que lá não fosse o paraíso. Cena 29 – Braços atados Não tendo o mando, nem prerrogativas. Cena 30 – Sem eira, nem beira. Lá fora, em desconhecido mundo. Cena 31 – Abraço amigo Solidário na dor. Cena 32 – Doação ímpar A amizade tangível lhe oferece os recursos financeiros mínimos os primeiros passos de um desconhecido caminhar. Cena 33 - Porto conhecido Na busca de um referencial seguro. Cena 34 – Entre outros altares Uma possível leitura nos quer dar conta que os ritos de origem afros, tais quais os chamados, Candomblé, Umbanda e/ou mesmo Quimbanda, retratados na cena, pudessem ser de mérito ou de cultura menores. Cena 35 – Torpes olhares Um caminhar observado por distorcidos olhares. Cena 36 – Ledo engano O porto não era seguro. Cena 37 – Altar. Em nítida contrapartida, ao reduzir a importância e ou mesmo representatividade dos cultos ditos afros (anteriormente referenciados), quer-se aqui elevar a plano superior, as imagens e ícones da Igreja Católica. Cena 38 – Gastando sola O árduo caminhar. Cena 39 – Entre Evas ou Liliths? A dualidade de desconhecido lugar em companhia de obscura figura de mulher, induz o espectador à dúvida sobre sua identidade e do seu espaço, na única certeza de não se tratar de mais uma “Maria”. Cena 40 – Quarto de mulheres Ao ser questionada se houvera conseguido trabalho pela colega de quarto e de sina, ela retruca: “é muito bonita para esse emprego” dizem uns “ preciso de uma garota mais moderna”, outros. Cena 41 – Sem ilusão Como se os trabalhos estivessem todos em poder de decisão dos homens, a dar-lhe , quase sempre, as mesmas vazias desculpas : Cena 42 – Passaporte em bastão A colega lhe dá um batom, como se pudesse significar o passaporte para a solução dos seus problemas financeiros. Cena 43– Sem opção Enquanto a sua porta lhe bate a senhoria e lhe pede o quarto, alegando ser mais necessitada que ela. Pois que dado a sua avançada idade, não lhe caberia outras fontes de renda, tais como essas cenas possam se intuir. Cena 44 – Assim se espelha Assim ela acata o destino e passa o batom entre um misto de realidade e contragosto. Cena 45 – Desmaio providencial Simula um desmaio em via pública ao ver um homem de boa aparência e declarado status. Socorrida por ele, enquanto outros desconfiam de seus verdadeiros intentos. Cena 46 – Providencial abraço Em seus braços o cavalheiro a acolhe e a coloca em um sofá de sua casa. Ele pede a seu mordomo e a seu amigo, que dela cuidem enquanto há de voltar a cumprir o seu destino. Cena 47 – Falas O amigo lhe pede mais explicações Cena 48- Fora do jogo Cena 49 - Amargores Diz o amigo, quase a se embriagar, pois que Lygia a noiva de outrem parece ser sua paixão. Cena 50 - Reconhecendo Após passar os olhos por sobre todo o perfil da jovem deitada, o bêbado, tenta reanimá-la com o seu drinque. A partir desta cena, que demarca o encontro inicial, o herói da história, irá se revelar, vindo para resgatar a protagonista de sua amarga sina. Uma vez que estão, amplamente delineadas as representações mais significantes da personagem feminina no filme, recorta-se aqui a análise sequencial. Reforçando que até as cenas finais, em breve seguir, o conteúdo pretende, mais que representar a mulher e seu universo referencial, oferecer uma trama de encontros e desencontros amorosos, próprios a trama do entretenimento pretendido. Cena 51 – Declaro Ao fim do filme, o herói se declara a heroína, cujas virtudes foram reconhecidas e a faz merecer seu amado protetor. Cena 52 – Felizes para sempre. O beijo final, encarnando, o ainda sonho feminino do “príncipe encantado”. O filme “Mulher”, trás como protagonista o gênero que estampa o título, e, como que um documentário, oferece olhar privilegiado ao universo doméstico e às agruras da grande maioria da população da época. Aborda mulheres, interioranas ou semi-interioranas que negavam conflitos de gênero e mantinham valores patriarcais; analfabetas ou semianalfabetas, que buscam se adequar aos modelos “libertários” de uma modernidade que se adivinhava. A tipificar as funções femininas ditas “naturais” de forma especial, quase que didático, a lhe construir referenciais de mundo. Elege uma heroína que só, sem eira nem beira, sem a presença protetora de um homem, sofre o destino das que “pecaram”, a se embater em um mundo eminentemente masculino. Ela, cujos sonhos possam ser reconhecidos comuns a todas as jovens, em busca do seu “príncipe” e do “felizes para sempre”. Essa é a trama do roteiro de Adhemar Gonzaga, a se contrapor e a complementar, com outro título de sua autoria, “Lábios sem Beijos”, configurando a possibilidade do sonho feminino. Nele, ainda, se faz denotar como comum parece ser então, os preceitos de religiosidade a intermediar o que possa obsceno ou moral, errado e correto, triste e feliz, a perdição ou a salvação. A catequese católica oferece possibilidades de redenção à mulher que senão casta, ainda defende princípios tidos como alicerces da moralidade, comportamento, atitudes e costumes, de uma sólida sociedade magnânima, pois capaz de lhe oferecer guarita, mesmo nesta condição. E, em contrapartida, dá um tom abjeto ao homem de baixa renda ou desempregado, de baixa qualificação, índole, “belezas” e intentos duvidosos. Sua identidade é o trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste trabalho foi contribuir na incansável pesquisa que se fez e se continua a se desenvolver sobre o cinema como meio de representação e de documentação histórica. Constitui um elo, entre tantos que visam analisar e unir as diferentes facetas das construções de gênero neste período histórico mediado pelas lentes da cinematografia. A eleição das questões de gênero como vitais dá a convicção, de que esse olhar tem uma profunda capacidade de focar a realidade tal como ela se apresentava nos filmes analisados. A eleição de diferentes dicotomias analisadas em cada período histórico é capaz, de revelar objetivamente, e não menos subjetivamente, os jogos de poder que se embatem na sociedade analisada. Não apenas e tão somente entre o gênero masculino e feminino, entre o público e o privado e igualmente, e por seu intermédio, entre as eventuais e distintas camadas sociais. Capazes de auferir a significância deste ou daquele lócus, desta ou daquela entidade, quer religiosa, quer institucional, quer mitológica, quer temporal, estas podem influenciar e definir os papéis de gênero em suas mais diversas representações. A seleção dos filmes aqui analisados seguiu um propósito objetivo. Primeiro o de ponderar, na época, as diferentes representações do masculino e do feminino. Ora, no primeiro caso, como protagonista em Braza Dormida e em Fragmentos da Vida de outro: o masculino. Obtem-se, assim, um perfil das camadas mais abastadas da sociedade e outro lado a de posses inferiores. Por contraponto e complemento analítico, observam-se as especificidades do gênero feminino, enquanto interlocutor da história, quanto em seus papéis e demandas, a se fazer, a se querer ou a se representar na condição social como quer “Mulher” ou na que se faz projetar em “Lábios sem Beijos”. Faz-se importante ressaltar que a dinâmica da construção deste trabalho, acabou por privilegiar, quer nas chamadas análises das sinopses de cada filme, quer a cada cena ou conjunto de cenas, elementos que possibilitaram melhor compreender as representações masculinas. Estas serviram para melhor delinear a esperada submissão feminina em uma sociedade de fortes traços patriarcais. Compreende-se então a importância do uso sistemático de temáticas e/ou ícones religiosos, cumprindo papéis, que valorizem a submissão feminina. Sob a dinâmica da religiosidade jaz sob a o perfil humano de uma sociedade tida e dita como católica: a brasileira do início do século XX. Ferramenta de roteiristas, crentes ou não, que se fazem querer em histórias representar e de mensagens divinas para este intento se apropriar. Às mulheres, “dóceis e frágeis”, resta a submissão ao chefe do domicilio. Correspondendo esse modelo a uma legitimada representação social da época. Poucas seriam naquele momento as mobilizações femininas em busca da cidadania, raras seriam as Lelitas. Reconstroem-se a história, fundamentada na natureza, que traduziria relações de poder. E, tem-se no cinema, um meio adequado de interiorização e de difusão de mensagens que, usando outra roupagem, reafirmava valores tradicionais, não sem aventar outros e também em hábitos, comportamentos e atitudes, pois que o novo o faz demandar. Aos olhos da produção cinematográfica e conveniente, ceder ao público feminino em poucas das suas demandas reprimidas, no intento de tê-las e mantê-las espectadoras e cinéfilas. Melhor ainda, agora seria possível analisar imagens femininas e masculinas sabendo de antemão que suas identidades, independente da biologia, são culturalmente construídas e a partir delas se fazer uso na elaboração de mensagens também cinematográficas. E que, assim sendo, não se cairia mais em armadilhas comuns, desde que assim o repertório do seu público alvo não exigisse. Não competia ao cinema ser desafiador. Naquele momento desafiar valores dos relacionamentos entre homens e mulheres não pudesse ser seu principal objetivo, que era fundamentalmente o da própria sobrevivência. Cabe ainda, findo o horizonte desta dissertação, entre outras constatações, considerar que nestes filmes e cenários analisados, se constituiu trindade de personas imaginárias reunidas num único corpo feminino. A mesma que Morin; de forma similar, notadamente nominou de Virgem, Divina e Vamp, como, de melhor tom, procurou-se colocar em ação, nas telas imaginárias e reais deste estudo. Mulheres que serviram, neste ou naquele momento, tal qual um plano de diferentes formas aos roteiros dos mandatários a inundar o cotidiano. Representadas no cinema, sustentadas pela ficção e/ou pelo documentário, elas que se prestaram a ilustrar os ditames morais de uma sociedade ainda sexualmente hierarquizada, que pelo corpo humano se assombrava. Como se quis verificar do início ao seu término. Uma tríade, trivial de mulheres que a todos os imaginários se prestam e que inundam as telas como a vida, neste ou naquele papel, amante, mãe ou deusa, uma trindade evangelizadora dos papéis de gênero, de nem sempre eterna submissão: As Evas, as Marias e as Liliths. FONTES E BIBLIOGRAFIA - fontes impressas Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio. Directoria Geral de Estatistica. Recenseamento do Brazil. Realizado em 1 de setembro de 1920. Volume IV – 6ª Parte. População. População do Brazil por Estados, municípios e districtos, segundo o sexo, o estado civil e a nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. da Estatistica, 1926. Roteiro do filme “Braza Dormida”, conforme documento R.1683/1, 1º Original descrito por Jean-Claude Bernardet, em fevereiro de 1983, disponível na Hemeroteca da Cinemateca Brasileira. Roteiro do filme “Fragmentos da Vida”, conforme documento 1707/1, da Hemeroteca da Cinemateca Brasileira. Periódicos disponíveis na Hemeroteca da Cinemateca Brasileira: SOUTO, Gilberto. Alguma cousa sobre “Braza Dormida” – o film da Phebo Brasil. Revista Frou-Frou, abril de 1929, p.87, conforme nomenclatura P19/41. LEITE, Ricardo Gomes. Se Humberto Mauro não fosse mineiro. O Estado de Minas, dez. 1977, conforme nomenclatura P.571/72. ARAÚJO, Inácio. O olhar simples de um poeta. Folha de São Paulo, 07/11/83, conforme nomenclatura P.571/65. Outros documentos da Hemeroteca identificação de autoria: da Cinemateca Brasileira, sem .D.1057/1-1. José Medina: EXEMPLO REGENERADOR e FRAGMENTOS DA VIDA; . D.1057/2-1. “FRAGMENTOS DA VIDA”. Periódicos disponíveis nas páginas do site do Museu Lasar Segall, em: htpp//www.museulasarsegall.com.br MENDES, Octávio Gabus. In: C193001050201F010Drops Página dupla na revista Cinearte. Conforme documento c193010050242F00063.pdf . - livros/teses/artigos BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. BERGER, J. & LUCKMANN, S. A construção social da realidade. São Paulo: Cortez, 1982. BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro. Metodologia e Pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995. BOCK, Gisela. Challenging Dichotomies: Perspectives on Women‟s History. In OFFEN, Karen et allii (eds.) Writing women‟s history, international perspectives. Bloomington: Indiana University Press, 1991. BOURDIEU, Pierre. Le Sens Pratique. Paris: Editions de Minuit, 1980. CASTELLS, Manuel. 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Texto disponível em http://www2.anhembi.br/ publique/media/mestrado_comunicacao/viagem_no_tempo.pdf ANEXOS ANEXO I a.BRAZA DORMIDA – Ficha Técnica Completa Outras remetências de título: BRASA DORMIDA Categorias Longa-metragem / Silencioso / Ficção Material original 35mm, BP, 1.780m, 16q Data e local de produção Ano: 1928 País: BR Cidade: Cataguases Estado: MG Data e local de lançamento Data: 1929.03.04 Local: Rio de Janeiro Sala(s): Pathé Palace Exibição especial: 1928.10.26; 1929.02.08; 1929.02.22; 1929.02.25 Local exibição especial: Rio de Janeiro; São Paulo; Belo Horizonte; Belo Horizonte Sala(s): Santa Helena; Glória Circuito exibidor Exibido em Belo Horizonte a 17.04, no Glória e a 20.04.1929, no Floresta. Exibido em Ponte Nova - MG, no Palácio, sem especificações de datas, segundo Cinearte de 07.08.1929. Exibido em Juiz de Fora - MG, no Ideal, segundo Cinearte de 11.09.1929. Exibido em São Paulo de 03 a 04.04.1929, no República; de 06 a 07.04, no Avenida; a 07.04, no São Pedro; de 09 a 10.04, no Santa Helena e no Coliseu; de 11 a 12.04, no Triângulo e no Olímpia; de 13 a 14.04, no Cambuci; a 16.04, no Central e no Paraíso; de 17 a 18.04, no São Paulo; de 19 a 20.04, no Marconi; a 23.04, no Espéria; de 26 a 27.04, no Colombinho; a 02 e 04.05, no Fênix; a 07.05, no São José e no Moderno; a 22.05, no Glória; e de 19 a 20.09, no América. Sinopse "Luis, estróina carioca, é contratado por um usineiro mineiro para substituir o vilão Pedro Bento na gerência da usina. Apaixona-se por Anita, filha do usineiro. Cartas anônimas de Pedro levam o namoro, mantido em segredo, ao conhecimento do usineiro, que não aceita o casamento por não conhecer a família de Luis e afasta sua filha da usina. Prossegue o namoro em segredo. Pedro, por vingança, dinamita a chaminé da usina. Pedro e Luis enfrentam-se numa luta que leva à morte do vilão. O usineiro, que ficou sabendo da família de Luis, autoriza o casamento". (Material examinado) Gênero Drama romântico; Aventura Descritores secundários Usina de açucar Termos geográficos Cataguases - MG; Rio de Janeiro - DF Produção Companhia(s) produtora(s): Phebo Brasil Filme Produção: Barros, Agenor Cortes de; Domingues, Homero Cortes Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Universal Pictures do Brasil S.A. Argumento/roteiro Argumento: Mauro, Humberto Roteiro: Mauro, Humberto Direção Direção: Mauro, Humberto Fotografia Direção de fotografia: Brasil, Edgar Direção de arte Cenografia: Ciodaro, Paschoal Desenhos de letreiros de apresentação: Figueiredo, Silvio de Locação: Cataguases - MG; Rio de Janeiro - DF Identidades/elenco: Ney, Nita (Anita Silva) Soroa, Luis (Luis Soares) Serrano, Máximo (Máximo) Fantol, Pedro (Pedro Bento) Franco, Rosendo (Empregado antigo) Real, Cortes (Sr. Carlos Silva) Ciodaro, Paschoal (Amigo de Carlos Augusto Barros) Mauro, Haroldo (Torcedor do Jockey Club) Godoy, Juca de (Torcedor do Jockey Club) Conteúdo examinado: S Fontes utilizadas: Material examinado CB/Descrição plano a plano MRG/MGEF PESG/HMCC Cinearte Fontes consultadas: CS/FCB JCB/OESP MAM/78 ACPJ/I HH/FEB Selecta EOQ/ASM AV/ICB ACPJ/CB: 1906-1968 Embrafilme/CMHM JN/Manivela MAM/Retrospectiva Humberto Mauro Observações: "10 partes", segundo JCB/OESP. Exibido em sessões especiais a 26.10.1928, para a distribuidora, sem indicação de local; a 08.02.1929, para as <Empresas Reunidas> e a 22.02.1929 para o Presidente do Estado de Minas Gerais. <Fantol, Pedro> é o pseudônimo do Dr. <Toll, Van>. PESG/HMCC afirma que os letreiros originais foram alterados pelo distribuidor, a Universal. Selecta de 21.11.1928, comenta favoravelmente a entrega da distribuição da fita à Universal Pictures. Selecta de 13.3.1929, p. 43, apresenta uma crítica da fita, relativa a apresentação no Pathé Palace, Rio de Janeiro. Cinearte de 23.11.1927 e de 21.03.1928 acrescenta ao elenco Bruno Mauro, Ben Nill, Lelita Rosa e Carmem Violeta. A mesma fonte, em 02.05.1928, anuncia que Nita Ney substituiu Thamar Moema por motivo de doença. No número de 28.11.1928 afirma que o ator Máximo Serrano fez o papel de "Pedrinho". A 30.01.1929, 29.07.1931 e 25.05.1932 acrescenta ao elenco Silvio Schnoor, Chico Soroa, João Pacheco. Críticas positivas de: J. Canuto de Almeida, reproduzida do Diário de São Paulo; de Pedro Lima e Otávio Gabus Mendes, nos números de Cinearte de 20.02, 27.03 e 24.04.1929, respectivamente. Cine-romance publicado em A Scena Muda de 07.03.1929, n. 415. Ilustrações: O Estado de São Paulo, 26, 27, 29 e 31.03 e 03.04.1929. Fotografias: Selecta, 04.07, 11.07, 01.08 e 19.12.1928; A Scena Muda, 03.01 e 07.03.1929; Cinearte, 22.02, 11.04, 13.06, 20.06, 27.06, 18.07, 25.07, 01.08, 05.09, 26.09, 17.10.1928; 13.02, 27.02, 30.10.1929; 30.04, 11.06, 29.10.1930; 29.04.1931; Álbum de 1929; JN/Manivela. Disponível em:http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript= iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=004 841&format=detailed.pft#1 ANEXO II b.FRAGMENTOS DA VIDA – Ficha Técnica Completa Categorias Curta-metragem / Sonoro / Ficção Material original 35mm, BP, 30min10seg, 870m, 16q, Sincronizado com discos Data e local de produção Ano: 1929 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP Data e local de lançamento Data: 1929.12.06 Local: São Paulo Sala(s): Odeon - Sala Vermelha Circuito exibidor Exibido em São Paulo de 06 a 08.12, no Odeon - Sala Vermelha; de 10 a 12.12, no Roial; de 11 a 12.12, no Odeon - Sala Azul; de 12 a 15.12, no BrásPoliteama; de 14 a 15.12, no Capitólio; de 18 a 19.12, no Mafalda e de 19 a 20.12, no Santo Antonio e no Astúrias, todas as datas referem-se ao ano de 1929. Sinopse Na construção de uma São Paulo que "crescia desafiando as nuvens, levando nessa ansia incontida o suor de operários humildes", um trabalhador cai de um andaime e à beira da morte pede para o filho trilhar o caminho da "honestidade, do trabalho e da honradez". O filho porém prefere tornar-se um vagabundo e tudo faz para ser preso afim de sobreviver. As pessoas, involuntariamente, lhe impedem a ação. Quando finalmente decide "tornar-se digno pelo trabalho", o vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação de roubo. (Material examinado) Gênero Drama Termos descritores Literatura; Trabalho; Urbanismo; Polícia; Cidade; São Paulo - SP Descritores secundários Adaptação para cinema Termos geográficos São Paulo - SP Produção Companhia(s) produtora(s): Rossi Filme; Medifer Produção: Rossi, Gilberto; Medina, José; Ferreira, Carlos Argumento/roteiro Roteiro: Medina, José Estória: Baseada no conto <Soap> de <Henry, O.> Direção Direção: Medina, José Fotografia Operador: Rossi, Gilberto Identidades/elenco: Ferreira, Carlos (Operário e vagabundo) Roussy, Alfredo (Malandro) Aremar, Áurea de (Moça) Medina Filho (Vagabundo quando criança) Conteúdo examinado: S Fontes utilizadas: Material examinado CB/Descrição plano a plano MRG/CCP JCB/OESP Fontes consultadas: ACPJ/I CS/FCB AV/ICB MAM/78 Cinearte JN/Manivela Observações: "4 atos", segundo Cinearte. Fotografias: Cinearte, 08, 15 e 29.01, e 05.11.1930. Ilustrações: O Estado de São Paulo, 06.12.1929. <Roussy, Alfredo> era o nome artístico de <Riskalla, Farid>. CS/FCB inclui no elenco <Cesaroni, Remo>. Indicações de noticiário em MRG/CCP, p. 294. Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/? IsisScript = iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=005 149&format=detailed.pft#1 ANEXO III c.LÁBIOS SEM BEIJOS – Ficha Técnica Completa Categorias Longa-metragem / Silencioso / Ficção Material original 35mm, BP, 53min, 1.532m, 16q Data e local de produção Ano: 1930 Início de filmagem: 1930.03.20 Final de filmagem: 1930.08.31 País: BR Cidade: Rio de Janeiro Estado: DF Data e local de lançamento Data: 1930.11.10 Local: Rio de Janeiro Sala(s): Império Circuito exibidor Exibido em São Paulo em 1931: de 09 a 15.02 no Rosário; a 12 e 13.03 no Santa Cecília; a 14 e 15.03 no Roial e no Mafalda; a 31.03 no São Pedro e no Cambuci e a 08.04.1931 no São Paulo. Exibido em Curitiba a 08.09.1931, no Avenida e no Santa Cecília. Exibido em Manaus a 18.09.1931, no Popular. Exibido no Paramount de São Paulo, segundo Cinearte de 05.1.1930, sem especificar datas. Exibido no Império de Porto Alegre, segundo Cinearte, 03.12.1930, sem especificar datas. Sinopse Após se conhecerem casualmente, Lelita e Paulo encontram-se outra vez durante uma festa. A resistência inicial não impede que os dois passem a se ver,nascendo entre ambos arrebatadora paixão.Certo dia, Lelita encontra sua prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa chamava-se Paulo Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar, de ter preparado a intriga e colocado Lelita contra ele.Depois de muita insistência e dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo a cumprir seu compromisso com Didi. Superando alguns percalços durante o caminho, Lelita e Didi chegam ao encontro com Paulo, onde se desfaz todo o equívoco (Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 12.11.1930). Gênero Drama romântico Prêmios Melhor filme brasileiro, Jornal do Brasil, 1930, Rio de Janeiro - DF. Produção Companhia(s) produtora(s): Cinédia S.A. Produção: Gonzaga, Adhemar Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Paramount Filmes Argumento/roteiro Argumento: Gonzaga, Adhemar Direção Direção: Mauro, Humberto Assistência de direção: Barreto, Francisco Fotografia Direção de fotografia: Mauro, Humberto Câmera: Serrano, Máximo Direção de arte Letreiros: Mucillo, Arlindo Dados adicionais de direção de arte Maquiagem: Max Factor Locação: Tijuca, Rio de Janeiro - DF Identidades/elenco: Rosa, Lelita (Lelita) Morano, Paulo (Paulo) Vianna, Didi (Didi) Cavalieri, Gina (Gina) Moema, Tamar (Tamar) Guimarães, Augusta (D. Perpétua) Rosário, Alfredo (Tio Rosário) Murilo, Décio (Apaixonado de Didi) Serrano, Máximo (Apaixonado de Gina) Gonzaga, Adhemar (Atropelado) Mauro, Humberto (Malandro/namorado de D. Perpétua) Lea, Leda Oliveira, Renato de (Datilógrafo do Tio Rosário) Violeta, Carmem Eugenio, Carlos Martins, Luiz Gonzaga Villar, Ivan Lima, Fernando Ramon Kito, Martins Gonçalves, Antonio Paes Queiroz, Godofredo Figurante(s): Montenegro, Celso(Convidado na festa de Gina) Conteúdo examinado: N Fontes utilizadas: AG/50 CIN Cinearte JCB/OESP EOQ/ASM, 08.10, 12.11.1930; 01.03.1931; 01 e 15.03 e 19.04.1932 SVC/P, citando O Jornal, 08.09.1931, Manaus CEPA/CBCP, citando O Dia, 29.03.1930, Diário da Tarde e Gazeta do Povo de 08.09.1930 e A República, de 11.04.1930, Curitiba Fontes consultadas: CS/FCB AV/HM ACPJ/I AV/ICB MAM/Retrospectiva Humberto Mauro Selecta, 04.06.1930, p. 14 FSN/PHCB ACPJ/75 ACPJ/CB: 1906-1968 JN/Manivela Embrafilme/CMHM Observações: AV/HM e ACPJ/I informam que <Morano, Paulo> colaborou com Humberto Mauro na fotografia. CS/FCB, AV/HM e A Scena Muda acrescentam ao elenco <Torá, Marisa>, e CS/FCB acrescenta <Mendes, Otavio Gabus>. Cinearte, nos números de 04.06, 11.06, 18.06.1930; 29.07.1931 e 16.11.1932, indica no elenco, respectivamente, <Guimarães, João Antunes> e <Almeida, Joaquim de>; <Soroa, Luis>; <Danilo, Julio> que foi substituido por <Murilo, Decio>; <Roberto, Luis> e <Marina, Glória>. Em 06.08.1930 a fonte informa que <Moema, Tamar> teria feito também o papel de "vampiro" no filme. Em 26.02 e 12.03.1930, a mesma fonte informa que <Gonzaga, Adhemar> e <Mendes, Otavio Gabus> dirigiriam o filme, o que foi desmentido em 26.03.1930, quando se confirmou a vinda de Humberto Mauro de Cataguases para ser o diretor. Críticas em Cinearte, 31.12.1930, 18.02.1931 e 13.01.1932. Resumo do filme em Cinearte, 15.10.1930. A mesma revista em 11.04.1932 menciona problemas que surgiram com a <Empresa Gaudio> devido ao fato de o filme ser mudo. AG/50 CIN: "de acordo com a <Delegacia de Costumes e Jogos> - <Gabinete de Investigações, Censura Teatral e Cinematográfica> - a película é imprópria para menores e senhorinhas". A mesma fonte informa que este "foi o primeiro filme com denominação de Produção <Cinédia> ", já filmado nos estúdios de São Cristovão. <LÁBIOS SEM BEIJOS> teve em 1929 uma versão inacabada, sob a direção de <Gonzaga, Adhemar>. Ver também este título em 1929. Em 23.09.1931 Cinearte comenta que o filme está correndo o norte do país com grande sucesso no Pará. Fotografias: Cinearte, 23.04; 21.05; 04, 11, 18, 25.06; 02, 16, 30.07; 06, 27.08; 03, 10.09; 01, 15, 22, 29.10; 05 e 12.11.1930. Selecta, 18.05.1930, p.14. A Scena Muda 08.10 e 12.11.1930. AG/50 CIN, p.50-51. Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/ ANEXO IV d.MULHER – (1931) – Ficha Técnica Completa Outras remetências de título: ASILO DE AMOR Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção Material original 35mm, BP, 70min, 1.856m, Sonorizado com discos Data e local de produção Ano: 1931 Início de filmagem: 1931.01.19 Final de filmagem: 1931.07.24 Cidade: Rio de Janeiro Estado: DF Data e local de lançamento Data: 1931.10.12 Local: Rio de Janeiro Sala(s): Capitólio Circuito exibidor Cinearte de 12.08.1931, informa que filme foi exibido antes do seu lançamento nos estúdios da Cinédia, provavelmente a 30.07.1931. A mesma revista (23.12.31, 27.01, 10.02, 30.03, 06 e 13.04 e 24.08.1932) indica a exibição nos cinemas Éden de Niterói, Roial, Meyer, Madureira, Fluminense e Roma do Rio de Janeiro, e ainda em Recife, na Bahia e no Pará, sem indicação de salas. Lançado em Curitiba a 14.03.1933 no Avenida. Exibido em Belo Horizonte a 16.06.1984, na sala Humberto Mauro, na Mostra de Filmes Recuperados Sinopse Carmem era cortejada por dois pretendentes, Milton e um aleijado, ambos meigos e carinhosos, ao contrário de seu padrasto, que a cercava de forma vil. Uma madrugada, depois de uma noite de espera, Milton a convida para um passeio ao Bosque Esperança; Carmem reluta mas, temendo um escândalo àquela hora, acaba aceitando, e no Bosque é seduzida por Milton. Ao voltar para casa de manhã, encontra o padrasto, que a esbofeteia e expulsa de casa por seu mau procedimento. Carmen desce o morro para a cidade em busca de Milton, mas chegando ao endereço que ele lhe dera descobre que era falso. Aí começa uma luta sem tréguas contra dois inimigos: a falta de emprego e os homens que a cercam com propostas infames. Quase vencida, Carmem desmaia de fome na rua e é socorrida por Osvaldo, que a leva para a casa do escritor Flavio Martins. Flávio amava Lígia e estava desesperado, pois naquele dia Ligia casava-se com Arthur. O escritor, tal como Osvaldo, de imediato sente-se atraído pela beleza de Carmem e a acolhe. A moça lá permanece por quase um ano e retribui os cuidados e gentileza de Flávio com um interesse e dedicação que acabam com seu desespero. Lígia, por seu lado, desilude-se com Arthur, pouco escrupuloso como médico e conquistador inveterado. Ao descobrir que o marido é amante de Lúcia, sua melhor amiga, quer vingar-se dele e procura o antigo namorado. Flávio se mostra indiferente; Lígia vai então à casa dele, donde Flávio acaba por expulsá-la. Vendo isto, Carmem percebe que o passado para o escritor estava morto e fica feliz, porque se apaixonara por ele. Porém na Biblioteca Pública Flávio casualmente conhece Helena, filha do editor Rafael Brandão, que encontra novamente no escritório do pai. Interessa-se por ela e pensa em casar-se, o que tornaria delicada a presença de Carmem em sua casa. Lígia surpreende um encontro de Helena e Flávio e de novo pensa em vingar-se, desta vez de Flávio, que a repelira: escreve uma carta anônima para Carmem contando o namoro. Desesperada, Carmem fala com Osvaldo, que confirma a informação; só lhe resta então deixar a casa, e Carmem se refugia na serra. Desconhecendo os seus motivos, Flávio se aborrece com a partida de Carmem; mas quando Osvaldo lhe conta o que aconteceu, compreende a dignidade do seu comportamento e parte à procura de Carmem, esquecendo Helena. Um mês mais tarde a encontra, e para os dois desafortunados finalmente chega a felicidade. (Resumo do cine-romance publicado em A Scena Muda, 13.10.1931) Gênero Drama romântico Produção Companhia(s) produtora(s): Estúdios Cinédia Produção: Gonzaga, Adhemar Argumento/roteiro Argumento: Gonzaga, Adhemar Roteiro: Gonzaga, Adhemar; Mendes, Octávio Gabus Direção Direção: Mendes, Octávio Fotografia Câmera: Mauro, Humberto Assistência de câmera: Castro, A. P. Música Arranjos musicais: Lazzoli, Armando Dados adicionais de música Regente Maestro: Lazzoli, Armando Locação: Exteriores filmados numa casa na Rua Vieira Souto, Rio de Janeiro; Antiga Embaixada da França, Flamengo - RJ Identidades/elenco: Violeta, Carmen (Carmem) Montenegro, Celso (Flávio Martins) Gentil, Ruth (Lígia) Rios, Alda (Helena) Soroa, Luis (Dr. Arthur) Cavalieri, Gina (Lúcia) Eugênio, Carlos (Osvaldo) Augusto, Ernani (Mordomo) Guimarães, Augusta (Mãe de Carmem) Mauro, Humberto (Padrasto) Serrano, Máximo (Aleijado) Araújo, Manoel F. de (Rafael Brandão, pai de Helena) Marinho, Milton (Milton) Silva, Olga (Companheira de quarto de Carmem) Olga, Antonieta (Companheira de Lúcia no consultório) Villar, Ivan Rosário, Alfredo Marra, Paulo Rosa, Yolanda Romano, Carlos Martins, Luiz Roberto Gonzaga Nair, Vera Marina, Nina Silva, Regina Bevilaqua, A. Lins, Flávio Franco, Claudio Moore, Isaura Costa, Maria Oliveira, Demétrio de Lander, Nelson Colle, Sérgio Orsina Agra, Lourival Corseuil Filho, Ignacio Romano, Luis Belmar, Marie Silva, Olga Conteúdo examinado: S Fontes utilizadas: CB/Transcrição de letreiros AG/50 CIN A Scena Muda, n. 538, 01.07; n. 551, 13.10.1931 e n. 551, 15.03.1932 Cinearte Embrafilme/CMHM CEPA/CBCP, citando Gazeta do Povo de 14.03 e 02.04.1933 e Diário da Tarde de 14.03.1933, Curitiba CA/AF Fontes consultadas: ALSN/DFB-LM AV/ICB CS/FCB AV/HM ACPJ/I ACPJ/75 ACPJ/CB: 1906-1968 MAM/Retrospectiva Humberto Mauro MAM/Retrospectiva Adhemar Gonzaga Observações: AG/50 CIN informa: "(...) a história do filme foi concebida em Hollywood, quando <Gonzaga, Adhemar> e os artistas de <BARRO HUMANO> lá estiveram, em 1929." E ainda que "(...) as cenas da favela, da parte inicial do filme, foram cortadas (e depois destruídas) a pedido dos exibidores, pois desagradavam ao público." A mesma fonte e o material examinado apresentam as mesmas informações sobre a versão sonorizada em 1977: edição geral e reformulação dos letreiros: <Saboya, Ernesto>; montagem: <Justo, Jayme> e <Saboya, Ernesto>; trilha sonora: valsa "<Mulher>", de <Abreu, Zequinha de> dedicada na época ao filme e a <Gonzaga, Adhemar>; músicas originais compostas e executadas por <Menezes, Carolina Cardoso de> ao piano; artes: <Castro, Waldyr>, conforme originais de <Carlos, J>; filmagem de letreiros: <Mauro, José>; montagem de negativo: <Justo, Jorge>; recuperação do filme, pesquisa e planejamento de produção: <Assaf, Alice Gonzaga>. AG/50 CIN indica datas divergentes, em dois diferentes trechos: no histórico da obra "Os filmes da Cinédia", junto à ficha técnica consta início de filmagem a 19.01.1931 e final de filmagem a 24.07.1931; já no apêndice, que relaciona os filmes por ordem de produção, as datas indicadas são o início de filmagem a 01.02.1931 e final de filmagem a 30.07.1931. A propósito do lançamento, AG/50 CIN comenta: "por ocasião da estréia, a publicidade, os cartazes, os anúncios e as montagens de páginas, enfim tudo foi feito sob orientação de <Gonzaga, Adhemar>." Embrafilme/CMHM e A Scena Muda indicam apenas <Gonzaga, Adhemar> como autor do argumento e do roteiro. Cinearte de 19.11.1930 indica câmera de <Brazil, Edgar>. AV/HM indica <Whaly, Charles> como sonorizador e <Monteiro Filho, Alcebíades> como cenógrafo. A maioria das fontes consultadas chama a atriz <Marina, Nina> de <Nair, Nina>, e por vezes de <Maria, Nina>; AG/50 CIN indica o erro e corrige: Nina Marina. A mesma fonte informa que a atriz principal seria <Rosa, Lelita>, que "com um compromisso maior, não pôde estrelar o filme". Cinearte de 12.11.1930 informa que a estrela do filme seria <Santos, Carmen> e no elenco estariam <Murilo, Décio>, <Léa, Leda>, <Soroa, Chico> e <Moreno, Maria>; no número de 04.02.1931 a revista informa que <Dartel, Milton> mudou seu nome para <Marinho, Milton>, e no de 08.07.1931 revela que o verdadeiro nome da atriz <Gentil, Ruth> seria <Zaramba, Maruska>. <Mendes, Octávio Gabus> é o nome completo de <Mendes, Octávio> CS/FCB inclui no elenco <Ramanita>. Cinearte apresenta uma sinopse do filme nos números de 23.09, 07.10 e 21.10.1931. Fotografias: A Scena Muda, 13.10.1931; Cinearte, 04, 11 e 25.02, 17 e 25.03, 15, 22 e 29.04, 06 e 27.05, 03 e 24.06, 01, 15, 22 e 29.07, 02 e 30.09.1931. Material examinado do filme é uma versão sonorizada em 1977, com 1.720m e 62 minutos e 46 segundos de duração. Em seus letreiros finais consta: "recuperado pela Cinédia com recursos parciais da Embrafilme". Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=ia h/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=0000 71&format=detailed.pft#1 Acessado em 01.08.2010.