Ressuscitar os mortos em Ceuta Bem sei caro leitor que esta não é crónica que se apresente com o verão a pino. Saísse ela lá para o dia 1 de novembro quando a folha cai, ou para a pascoal primavera, nesses desacertos civilizacionais do calendário que continuamos a viver sem neles pensar, e outro galo cantaria, tão ressuscitado como o da lenda de Barcelos. Mas este assunto vem a propósito dos 630 anos de Aljubarrota e dos 600 anos da conquista de Ceuta que se evocaram respetivamente nos passados dias 14 e 21 de agosto. Em ambos os casos muita gente perdeu então a vida, no primeiro homens portugueses, ingleses, castelhanos e outros, e no segundo homens portugueses, marroquinos e outros e provavelmente também mulheres e crianças ceutis (e já agora cavalos, mulas, camelos e outros animais, certamente). Quando recentemente tive de recolher elementos para falar dos gaienses que foram a Ceuta fiquei consternado com o facto de só saber o nome de três heróis, homens que se bateram denodadamente pelas suas convicções: Aires Gonçalves de Figueiredo, que aí foi com cerca de noventa anos; João Rodrigues de Sá “o das galés”, com menos; Álvaro Anes de Cernache, o mais jovem dos três. A lista será muito maior, mas como reconstituí-la? Certamente que existiram uma espécie de cadernos de recrutamento, mas desconhece-se o seu paradeiro. E se em Gaia ficou a memória tumular do último dos referidos e a memória viva da família que dele descende; se do penúltimo não sabemos ao certo a sepultura, mas que também tem ainda descendentes vivos, do primeiro não conhecemos nem a sepultura nem descendentes. Talvez os haja, mas nem saberão de quem descendem. E nestas análises mais uma vez me dei conta do poder enorme que os historiadores têm de serem os únicos a poderem ressuscitar – o mais materialmente possível – os mortos; às vezes com a ajuda dos arqueólogos, antropólogos, geneticistas e de alguns poucos especialistas. Poder esse que não valorizamos nem temos vindo a pôr a render, deixando as mais valias a outros que não as merecem mas delas tão bem se aproveitam. É certo que os líderes de todas as religiões e crenças sempre andaram preocupados com esta velha aspiração humana, a de permanecermos vivos para além da morte biológica, descrevendo e prometendo ressurreições em espírito, em carne e osso, assim-assim, em paraísos terrestres com cobras e maçãs, e celestiais com virgens, nuvens suaves e prados onde os leões comem esparregado, tudo isso após gloriosas ressurreições individuais e coletivas, vidas eternas em glória ou em danação tostada, intermezzos de purga e de espera em vários cais onde não se sabe quando o barco chega, ou sequer se virá, etc., etc. Milhões de eteceteras, que produziram quilómetros de prateleiras com pesados tratados teológicos e outros livros fascinantes, além de palácios de mármore e ouro para albergar os gestores da alma, que o meu amigo Jaime Milheiro entende ser uma das maiores patranhas da Humanidade; a sorte dele é a Inquisição andar agora por aqui disfarçada e mais preocupada com a “gestão” do património, porque lá para os orientes a barbárie fundamentalista já quer voltar a queimar a biblioteca de Alexandria. Por aqui essas angústias de sempre do povinho sem grandes referências culturais são agora transformadas em showbiz religioso pelos manipuladores da orfandade alheia, cujas catedrais, graças ao velho dízimo, em tamanho e orçamento, já pedem meças às bizantinas. Adiante. Tudo isto para vos dizer que realmente só os arqueólogos que estudam necrópoles e os historiadores que as enquadram na época, nos ritos e na memória, descendo ao pormenor da biografia individual possível e preocupada com o rigor dos factos, sem conclusões apriorísticas tanto quanto possível, têm realmente algum poder para ressuscitar os mortos para além da lápide sepulcral, ou mesmo sem ela. Temos, é certo, também os mitómanos, mas esses, para a sempre difícil e incompleta verdade, não contam. Deixá-los pois com as suas intermináveis fantasias e deduções. Mas, dir-me-ão, e então os literatos, com tanto romance, tanta saga, tanta novela, tanta oração fúnebre, tanto desembaraço e voyeurismo, quer se trate de discutir se D. Afonso Henriques usava peúgas, quer o comportamento conjugal de D. João V? Independentemente de uma bela prosa e de uma boa caraterização de época e respetivos tipos sociais, ou de um bom testemunho pessoal e respetivas memórias, não têm, não podem, nem precisam ter a oficina árdua, fugidiça, e persistente do rigor do labor histórico. Mas, e então o romance histórico? Humberto Eco é um brincalhão que sabe – e os seus editores também – de que é que o leitor comum gosta: da História como uma Disneylândia. Herculano e Garrett, no seu tempo, ainda mal se tinham libertado das crónicas conventuais e dos milagres de Ourique, e por isso ainda recolhiam lendas, que são a literatura dos analfabetos para ler à lareira, a não ser que salvas para a cultura pelos linguistas e pelos antropólogos, mas isso é outra conversa. Eles ainda viveram num tempo em que as damas preferiam um poema choramingas à crítica da “Crónica de Ceuta” de Zurara, que viemos encontrar recentemente muito bem escalpelizada no notável livro “Ceuta, 1415, seiscentos anos depois” do Professor Luís Miguel Duarte, com a qual milhares de senhoras podem hoje comprazer-se em discuti-la, à procura da possibilidade de ressuscitarmos a memória de todos os que viveram aquele acontecimento, os portugueses, os marroquinos e todos os outros apanhados naquela leva. E podemos assim também apear da viatura da História todos aqueles que nela querem viajar à boleia ou sem pagarem o respetivo bilhete, tentando nela introduzir anacronismos, personalidades, objetos, mercadorias ou situações, que além de erradas, são perfeitamente escusadas, a não ser, como é evidente, para proveito próprio ou de alguma instituição dada a tradições empíricas e à custa dos pouco exigentes sobre lavoura alheia, ou aqueles que em tudo acreditam. Por mais estranho que isso hoje nos possa parecer, depois de tanta luta pelo positivismo mínimo na cultura, teremos ainda por muito tempo de reafirmar que a História não é uma questão de fé, nem nasce pronta e definitiva. Evolui como todas as ciências, em busca da clara certidão da verdade, como escreveu vai para 600 anos um tal Fernão Lopes, um profissional da Memória. Sobre as descrições do passado, Eça de Queirós que era literato e sabia a diferença entre Literatura e História, atentemos no que ele escreveu a Oliveira Martins: «Um herói que se ressuscita vale um filho que se gera. Nós outros, os romancistas, é que edificamos sobre a areia – ou sobre a moda, que é a mais movediça das areias» (Correspondência, carta de 14.09.1892). Grande Eça, que nunca quiseste vestir fardas alheias. Tudo isto para dizer que aquele livro sobre Ceuta é uma nova, atual e notável “tapeçaria de Prastana” onde se realinham os que foram a Ceuta e os que já lá estavam. Agora mais ressuscitados pelo mérito de um historiador. J. A. Gonçalves Guimarães Mesário-mor da Confraria Curso do Solar A partir de 10 de outubro próximo ao ritmo de duas sessões por mês aos sábados à tarde, entre as 15 e as 17 horas, vai decorrer no Solar Condes de Resende o seu 22º Curso livre, certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente, desta vez sobre “13 monumentos e sítios carismáticos do Douro Atlântico (Gaia/ Porto/ Matosinhos)”, o qual será ministrado por diversos investigadores e professores universitários que apresentarão as mais recentes novidades sobre este tema. Logo na primeira sessão o presidente da Câmara de Gaia e confrade queirosiano, para além de naquela qualidade entregar os certificados aos frequentadores do curso anterior, como sociólogo e professor universitário falará sobre “O desenvolvimento da Região Norte” e o papel cada vez mais importante que nele desempenham o Património e o Turismo. Seguem-se os seguintes temas e professores: outubro 17 – “O Centro Histórico de Gaia”, por J. A. Gonçalves Guimarães; 24 - “O centro da cidade palco da História do Porto” por Francisco Ribeiro da Silva; novembro 7 – “ A Casa do Infante”, por António Manuel Silva; 14 – “O Mosteiro da Serra do Pilar”, por Carlos Ruão; 28 – “A Sé do Porto” por Manuel Luís Real; dezembro 5 – “O Senhor da Pedra, por Henrique Guedes; 12– “O Mosteiro de Leça do Balio, por Joel Cleto; janeiro de 2016, 9 – “O Senhor de Matosinhos”, por José Manuel Tedim; 17– “O Parque Biológico de Gaia e outros parques”, por Nuno Oliveira; 31– “A Torre e complexo dos Clérigos” por José Manuel Tedim; fevereiro 14 – “O Estádio do Dragão e o desenvolvimento urbano do Porto”, por Hélder Pacheco; 28 – “Ponte Maria Pia” por José Manuel Lopes Cordeiro; março 6 – “A Avenida dos Aliados no Porto”, por José Alberto V. Rio Fernandes. A todos os frequentadores será passado um certificado, e aos professores registados um outro passado por aquele Centro de Formação com interesse curricular. Conferências e palestras No passado dia 14 de agosto, no dia em que se comemoravam 630 anos da Batalha de Aljubarrota, integrado no programa Navegarte, resultante de uma parceria da associação Portugal à Mão com a cooperativa 3+Arte e da Quadrante – Rotas de Património, J. A. Gonçalves Guimarães fez uma palestra sobre “Gaia e Ceuta, 1415” na galeria daquela segunda associação situada no Centro Histórico de Gaia. Tendo falado sobre os gaienses que participaram naquela batalha e depois na conquista de Ceuta, dos quais ainda hoje existem descendentes a residir no município, este historiador prometeu desenvolver o tema no Solar Condes de Resende, nas habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês, no dia 29 de outubro às 21.30 horas. No próximo dia 27, pelas 21,30 horas, no Solar Condes de Resende, Eva Baptista, professora e investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana falará sobre “ Reflexos da 1.ª Guerra Mundial na «Educação Republicana»: o caso gaiense”, no âmbito da evocação que o Solar e a Confraria Queirosiana têm vindo a promover no centenário daquele conflito. Jornadas Europeias de Património Nos próximos dias 25, 26 e 27 de setembro vão decorrer as Jornadas Europeias de Património, este ano sob o tema do Património Industrial e Técnico. Como habitualmente o Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR – Confraria Queirosiana e o Solar Condes de Resende vão associar-se ao evento através dos trabalhos dos seus investigadores e produtores de conhecimento histórico patrimonial, quer em realizações próprias, quer participando nas de outras instituições. Assim, logo no dia 24, quinta-feira, em ante - colóquio de introdução ao tema, no Solar Condes de Resende, pelas 21.30 horas, o arqueólogo António Sérgio dos Santos Pereira falará sobre o projeto “In-Va_São Fotográfica e o seu contributo no processo de recolha de imagens sobre o Património Industrial”. No dia 25, sexta-feira, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, coordenado pelos professores Teresa Soeiro e Jorge Fernandes Alves, decorrerá o Colóquio “Indústria e Técnica no Norte de Portugal”, onde falarão, entre outros, Jorge Fernandes Alves sobre “A industrialização no Grande Porto: perspetivas históricas”; Laura Cristina Sousa sobre “Arqueologia da indústria cerâmica: o caso da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade”; Maria de Fátima Teixeira sobre “A Fábrica de Fiação de Crestuma”, terminando o colóquio com “Os Arquivos e o Património indústria” por Silvestre Lacerda. No dia 26, sábado, a partir das 15 horas, decorrerá no Solar Condes de Resende a apresentação da investigação dos membros daquele Gabinete sobre o tema das Jornadas. Assim falarão J. A. Gonçalves Guimarães sobre “Exportação de produtos préindustriais para o Brasil a partir da Barra do Douro no período constitucional”; Maria de Fátima Teixeira sobre “A Fábrica de Arcos de Ferro e Ferro Verguinha da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro”; Susana Guimarães sobre “Objetos industriais na Coleção Marciano Azuaga e incorporações posteriores”; Sílvia Santos sobre “A indústria vidreira em Vila Nova de Gaia. Novos dados”; Joana Almeida Ribeiro sobre “Uma geocronologia queirosiana: Eça de Queirós e o desenvolvimento ferroviário no século XIX”; Susana Moncóvio sobre “A Fábrica de Louça das Devesas de José Pereira Valente (fundada em 1884): desenho de investigação”; Licínio Santos sobre “A fábrica de Conservas Manuel Pereira Júnior e a indústria conserveira em Vila Nova de Gaia” e Mariana Silva sobre a “Salvaguarda e valorização do património Industrial em Portugal: contributo para a intervenção na Fábrica Cerâmica das Devesas”. LivroS Da autoria de Francisco Javier de Olazabal, com design de João Machado, prefácio de J. A. Gonçalves Guimarães e colaboração do Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-Confraria Queirosiana) através de vários dos seus membros, acaba de ser publicado o livro “Quinta do Vale Meão”, que em breve será lançado no mercado. Com grande qualidade gráfica, conta a história desta propriedade edificada por D. Antónia Adelaide Ferreira, desde a compra inicial dos terrenos até à sua posse e transformação por este seu trineto que descreve esta última parte na primeira pessoa do singular para no fim nos apresentar a sua empresa familiar e os produtos que lança no mercado com singular prestígio e qualidade, demonstrando assim que o Douro é realmente Património Cultural da Humanidade em todas as suas vertentes. Da autoria e coordenação de Luís Manuel de Araújo, egiptólogo, historiador das civilizações do Próximo Oriente e comissário científico da exposição com o mesmo título patente no Museu Nacional de Arqueologia, o presente livro é mais do que um catálogo da mesma, pois para além da descrição e enquadramento históricocronológico das peças em exibição, apresenta textos fundamentais para a compreensão da realidade cultural do cristianismo copta, etíope, arménio e moçárabe, e as suas manifestações artísticas, pouco conhecidas entre nós. Esta exposição tem a colaboração, entre outras entidades, da Associação Cultural Portugal-Egipto, da Associação Portuguesa de Orientalismo, do Grupo de Amigos do Museu Nacional de Arqueologia de cujos corpos gerentes o autor faz parte, e da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde é professor, além de diretor da Revista de Portugal. Feira de Gastronomia de Vila do Conde Como habitualmente, no passado dia 21 de agosto, uma delegação da Confraria Queirosiana esteve presente na abertura da 14.ª Feira de Gastronomia de Vila do Conde, organizada pela autarquia desta terra queirosiana por excelência, pois aqui o escritor foi batizado e criado durante um certo tempo. Este ano subordinada ao tema “Cozinha à Portuguesa”, evocativo da Conquista de Ceuta que neste mesmo dia fez 600 anos, a organização convidou o mesário-mor da Confraria a lembrar o seu significado histórico no início do jantar medieval que em seguida decorreu no restaurante da feira decorado com imagens e textos alusivos ao feito. Foram ainda abertos canais de colaboração entre a Confraria com a Casa Antero de Quental em torno dos estudos sobre a geração de 70, já desenvolvidos por vários dos seus confrades. Vinho do Porto da Confraria A Confraria Queirosiana tem disponibilizado aos seus amigos e confrades um Vinho do Porto reserva tawny, devidamente certificado pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e engarrafado pela firma Quinta and Vineyard Bottlers Vinhos, SA, o qual esgotou. Temos agora à disposição de todos os interessados dois novos lotes com novas embalagens, o Confraria Queirosiana Porto 10 Anos, e o Confraria Queirosiana Porto 20 Anos, engarrafados por Quinta da Boeira, Vila Nova de Gaia, os quais podem ser adquiridos por via postal. «Era pena que aquele belo dia findasse assim, sem que se abrisse uma garrafa de vinho do Porto…», escreveu Eça de Queirós em Alves & C.ª. ________________________________________________