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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 1 .
SUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA ................................................................................................................... 03
ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS
PGM 1 – PROJETOS DE FUTURO DOS POVOS INDÍGENAS ................................................................ 09
Os projetos de futuro dos Povos Indígenas e a educação escolar
Edilene Truká
PGM 2 – JUVENTUDE INDÍGENA E ESCOLA ........................................................................................ 17
Os jovens indígenas e a escola
Gersem Baniwa
PGM 3 – FORMAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS ....................................................................... 26
Redefinindo o papel da escola e a formação dos professores indígenas para o ensino básico
Pierangela Nascimento Wapichana
PGM 4 – PROJETO PEDAGÓGICO: EXPERIÊNCIAS ............................................................................ 33
A escola do Ensino Médio Indígena e o etnodesenvolvimento do povo baniwa
Edílson Martins Melgueiro Baniwa
PGM 5 – CURRÍCULO DIFERENCIADO: EXPERIÊNCIAS ....................................................................... 41
Experiências exemplares de oferta de Ensino Médio em escolas indígenas: o caso da escola Pankararu
Elisa Urbano Ramos Pankararu
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PROPOSTA PEDAGÓGICA
ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS
Gersem Baniwa1
Hoje, o maior desafio dos 225 povos indígenas que vivem no Brasil é garantir sua autonomia
por meio de projetos específicos de etnodesenvolvimento de seus territórios.
A população indígena cresce a uma taxa próxima dos 4,0 % ao ano, e, em todas as aldeias, os
jovens e as crianças constituem a maioria da população. Neste contexto, a oferta de Ensino
Médio integrado ao ensino tecnológico aos jovens indígenas é estratégica para a garantia dos
projetos de futuro de cada povo.
Nos últimos 10 anos, a partir da aprovação da Lei n. 9.394/96, que instituiu a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação (2001), ocorreu no Brasil um
processo acelerado de expansão da oferta do Ensino Fundamental, incluindo as comunidades
indígenas. Na atualidade, o desafio é estender o atendimento ao Ensino Médio e Superior. O
Censo Escolar de 2003, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP), já apontava que naquele ano existiam 150.000 estudantes indígenas no Brasil. Desse
total, 3% (4.500 alunos aproximadamente) estavam no Ensino Médio. O Censo Escolar de
2006 revela que esse número de estudantes indígenas subiu para 172.256, dos quais 4.749 são
do Ensino Médio. O número parece irrisório, mas representa um crescimento de 400% só nos
últimos quatro anos, uma vez que em 2002 eram 1.187 alunos indígenas do Ensino Médio.
Outro dado curioso é em relação ao Ensino Superior, em que se estima 4.000 estudantes
indígenas cursando graduação ou pós-graduação, o que representa mais da metade do
contingente de estudantes indígenas do Ensino Médio.
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Educação se define como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos,
correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema cultural de um povo,
englobando mecanismos que visam à sua reprodução, perpetuação e/ou mudança. Articulando
instituições, valores e práticas, em integração dinâmica com outros sistemas sociais como a
economia, a política, a religião, a moral, os sistemas educacionais têm como referência básica
os projetos sociais (idéias, valores, sentimentos, hábitos, etc.) que lhes cabe realizar em
espaços e tempos sociais específicos.
Até algum tempo atrás, os povos indígenas do Brasil acreditavam que a educação escolar era
um meio exclusivo de aculturação e havia certa desconfiança e repulsa à escolarização. Isso
está mudando. Diante das necessidades de um mundo cada vez mais globalizado, os índios,
em especial os jovens indígenas, pensam que a educação escolar, quando apropriada por eles
e direcionada para atender às necessidades atuais de suas comunidades, pode ser um
instrumento de fortalecimento das culturas e identidades e um canal possível de acesso à
desejada cidadania, entendida como direito de acesso aos bens e valores materiais e imateriais
do mundo moderno.
Cada povo indígena projeta e deseja para si mesmo um tipo de alteridade, que se confunde
com a constituição da pessoa, com a sua construção e o seu ideal. O ideal de vida de um
jovem indígena, seja ele xavante, guarani, ou baniwa tem a ver com o que é bom para si e
para o seu povo. E esse deve ser o objetivo da ação pedagógica xavante, guarani e baniwa.
Em conformidade com esse ideal, a prática pedagógica tradicional indígena integra, sobretudo
elementos relacionados entre si: o território, a língua, a economia e o parentesco. São os
quatro aspectos fundamentais de toda cultura integrada. De todos eles, o território e a língua
são os mais amplos e complexos. O território é sempre a referência e a base de existência e a
língua é a expressão dessa relação. O modo como se vive esse sistema de relações caracteriza
cada um dos povos indígenas. O modo como se transmitem os conhecimentos acumulados
sobre a vida e sobre o mundo, especialmente aos mais jovens, isso é a vida pedagógica.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 4 .
Mas esse ideal preconizado pelos jovens indígenas nem sempre é claro para todos, devido a
fortes influências de outras formas de pensar e viver do mundo moderno. Por exemplo,
ocorrem, com freqüência, os casos em que jovens indígenas, por diversas circunstâncias, não
tiveram uma educação tradicional, e muitos foram escolarizados em ambientes de
preconceitos e até hostilidades contra os próprios costumes tradicionais e acabam não se
identificando com o modo de ser tradicional, entrando na lógica do individualismo ou da
manipulação de poder, o que cada vez mais os afasta da realidade indígena. Foi assim que os
famosos internatos de tempos passados preparavam o jovem indígena mais para si do que para
a comunidade, levando-os ao abandono de suas culturas. Ainda hoje, a escola, é, em muitos
casos, a ponte que leva ao individualismo e à negação de identidades, culturas, alteridades e
diferenças, na medida em que um jovem indivíduo torna-se um jovem genérico, sem passado,
sem presente, nem futuro.
Por outro lado, ocorre, com maior freqüência, o contrário. São aqueles jovens indígenas que
adquiriram uma consciência crítica ativa em relação aos problemas de suas comunidades, de
tal modo que a escola tem sido o lugar em que se originaram movimentos de resistência e de
reivindicação de direitos sobre a terra, contra a discriminação e a falta de respeito. Neste caso,
a escola que se constrói serve para ser um espaço de reafirmação das identidades e de a
construção permanente de autonomia e alteridades. Muitas lideranças indígenas de hoje
acreditam que a formação escolar de qualidade da nova geração de jovens pode ajudar a
superar os vícios adquiridos ao longo de séculos de dominação, de tutela e de práticas
paternalistas e de cooptação das lideranças tradicionais que, em muitas situações e
circunstâncias, passaram a atuar em desfavor de suas próprias comunidades, como são os
casos em que arrendam terras para atender aos interesses políticos e econômicos particulares e
de seu grupo, gerando sérios conflitos e transtornos internos.
A grande importância da proposta de educação escolar indígena intercultural e bilíngüe foi ter
trazido idéias e propostas concretas que alimentaram o ânimo e a esperança de jovens
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 5 .
lideranças indígenas emergentes. As idéias serviram como valioso argumento para marcar
posição política e uma razão necessária para capitanear o apoio das comunidades indígenas
em favor das suas lutas mais amplas. A proposta – ao lado de outras bandeiras de luta, como a
defesa da terra, o desenvolvimento sustentável e a saúde dos indígenas – alimentou o
repertório da agenda política do movimento indígena contemporâneo e é razão suficiente para
maior investimento na reivindicação da escola.
Ao longo dos cinco programas desta série, são discutidas as perspectivas de futuro dos povos
indígenas, a formação de professores indígenas para atuar nas escolas indígenas de Ensino
Médio, as escolas de Ensino Médio indígenas e o etnodesenvolvimento, entre outros temas
relevantes. Também são mostradas experiências na construção do projeto político-pedagógico
e na elaboração de currículos diferenciados para as escolas indígenas de Ensino Médio.
Temas abordados na série Ensino Médio e sustentabilidade em terras
indígenas, que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV
Escola/SEED/MEC de 7 a 11 de maio de 2007:
PGM 1- Projetos de futuro dos povos indígenas
No primeiro programa, serão discutidos os projetos de futuro dos povos indígenas. O foco do
programa é mostrar a escola como um instrumento fundamental para as perspectivas de futuro
dos povos indígenas. Essa escola é, hoje, considerada como aliada, na medida em que foi
redefinida sua função social, para atender à identidade de cada povo, às suas lutas e aos seus
projetos de futuro.
PGM 2 - Juventude indígena e escola
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 6 .
O segundo programa discute o sentido da escola para os jovens indígenas. Serão mostradas
entrevistas com os jovens indígenas, em que eles comentam sua relação com a escola. Essas e
outras questões serão apresentadas e discutidas: O é ser jovem na cultura indígena? Qual é o
sentido da escola de Ensino Médio para o jovem indígena? De que forma os conhecimentos
construídos na comunidade são trabalhados na escola? Como a escola de Ensino Médio
precisa se organizar para atender às demandas da juventude indígena?
PGM 3 - Formação dos professores indígenas
O eixo norteador do terceiro programa é a formação dos professores indígenas para o Ensino
Médio. Essas e outras questões serão trazidas para o debate: Como deve ser a formação do
professor indígena de Ensino Médio? Como formar professores na perspectiva da
interculturalidade e da relação com toda a sociedade? Como a escola pode pensar e gerir
instrumentos que garantam a sustentabilidade econômica, social, territorial e cultural dos
povos indígenas?
PGM 4 – Projeto pedagógico: experiências
No quarto programa, são apresentadas experiências educacionais em diversas escolas
indígenas, tendo como foco a construção do projeto político pedagógico. Estes temas, entre
outros, serão discutidos, ao longo do debate: Como se dá a relação entre a escola e a
comunidade? Como está sendo construído o projeto pedagógico das escolas, tendo como foco
a questão da sustentabilidade? Qual a relação entre a sustentabilidade e a concepção de
mundo dos povos indígenas? De que forma o currículo escolar está organizado nas diferentes
comunidades?
PGM 5- Currículo diferenciado: experiências
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 7 .
O currículo diferenciado é uma das reivindicações das escolas indígenas de Ensino Médio. No
quinto programa da série, serão trazidas para o debate essas questões: De que forma a escola
de Ensino Médio abre espaço para a discussão sobre as demandas da comunidade? Como
construir um projeto educativo intercultural, que considere e valorize a cultura dos diversos
povos indígenas? De que forma é trabalhada a questão da etno-sustentabilidade nas escolas
indígenas de Ensino Médio?
Nota:
Professor e antropólogo. Conselheiro do Conselho Nacional de Educação e
Diretor do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas, é liderança do povo
baniwa do Alto Rio Negro. Consultor desta série.
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PROGRAMA 1
PROJETOS DE FUTURO DOS POVOS INDÍGENAS
Os projetos de futuro dos Povos Indígenas e
a educação escolar
Edilene Truká1
Desde a colonização que nós, povos indígenas, temos resistido às investidas dos não-índios de
nos integrar à sociedade ocidental, não-índia. Historicamente, somos alvo da ganância, da
violência e da exploração de nossas riquezas naturais, o que resultou na expulsão de nossas
terras e, em muitos casos, na desagregação de nossos povos.
Tudo isso para realizar os projetos de grandes empreendimentos considerados essenciais ao
desenvolvimento do país, por exemplo: a manutenção dos latifúndios, a criação das fazendas
de gado, a monocultura – destacando aí a soja transgênica –, a transposição das águas do Rio
São Francisco, etc. Ainda hoje, somos vistos como “entraves” a esses projetos capitalistas,
que sempre foram pensados e implementados na perspectiva de nos exterminar para a
ocupação de nossas terras.
Essa situação de contato com a sociedade nacional trouxe muitas conseqüências, dentre as
quais podemos destacar o individualismo, a negação da identidade indígena, o roubo de
nossas terras e, embora nós fôssemos considerados “minorias” e/ou comunidades
“primitivas”, nesse contato com os não-índios, aproveitamos para entender e nos apropriar do
conhecimento da sociedade moderna e, assim, garantir nossos direitos.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 9 .
Então, passamos a entender que não era essa sociedade que queríamos e começamos a
projetar nosso futuro a partir desse contexto. É importante entender que a forma como
projetamos o nosso futuro tem a ver com os tipos de projetos que queremos para as nossas
comunidades.
Decidimos que não queremos o futuro para fortalecer o individualismo, o agronegócio e
deixarmos de ser índios. Ao contrário, queremos romper com os valores capitalistas, para
continuarmos sendo indígenas, fortalecendo nossa autonomia e contribuindo com outros
segmentos na construção de um mundo mais justo, solidário e multicultural.
Assim, para combater essa realidade, nós usamos as mais diversas estratégias e conseguimos
resistir aos 507 anos de abusos, epidemias e massacres. Vamos lembrar essas estratégias, no
período mais recente da nossa história:
ORGANIZAÇÃO – Na década de 70 (ditadura militar), os índios, junto com outros
segmentos sociais excluídos, entenderam que era importante se organizarem, se unirem para
criar estratégias conjuntas capazes de enfrentar os seus problemas. Fruto desse período é o
que chamamos hoje de movimento indígena, expresso por meio de organizações
sociopolíticas e pan-indígenas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (COIAB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do
Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Comissão de Professores/as Indígenas
de Pernambuco (COPIPE) e tantas outras.
LUTA por DIREITOS – porque o Estado brasileiro tinha que nos respeitar como povos e
garantir, na Constituição Federal de 1988, o direito de continuarmos sendo índios, de termos
nossos territórios, as nossas organizações sociais próprias, de usufruirmos as riquezas naturais
existentes em nossas terras, de termos acesso a programas de saúde e a uma educação
diferenciada.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 10 .
LUTA pela TERRA – porque, dentre os direitos que conquistamos, o mais importante deles é
o nosso território, pois sem a terra não temos saúde, não temos educação, não temos nada.
Muitas lideranças derramaram seu sangue nessa luta. Na nossa região, destacamos o cacique
Xicão Xukuru, que foi assassinado por fazendeiros, mas como disse o povo: “sangue de índio
derramado, povo encorajado” e, hoje, os parentes Xukuru estão de posse de todo seu território
e ele está, inclusive, homologado.
A partir da luta pela terra, muitos povos reconquistaram a posse de seus territórios, mas
começaram a se questionar: estamos de posse do nosso território (ou de parte dele) e, agora,
como vamos fazer? Reproduzir as formas de ocupação dos não-índios, que são a monocultura,
as grandes extensões de pastos, o uso de agrotóxicos, o uso individual, as políticas públicas
homogeneizadoras? Ou vamos repensar essa posse a partir da nossa tradição, do que sabemos
dos mais velhos? Com eles aprendemos que é a agricultura diversificada que garante a
subsistência, o respeito aos períodos de reprodução dos animais que caçamos, a busca de
alternativas para o não uso de agrotóxicos, o cuidado com o meio ambiente e o uso coletivo
da terra.
Perceber essa realidade é o desafio enfrentado pelo meu povo, pelos nossos parentes mais
próximos, de Pernambuco, e acredito que não é diferente para os outros povos indígenas das
outras regiões. E, assim, começamos a desenvolver alternativas de subsistência, conciliando
novas tecnologias com o saber tradicional, nos contrapondo aos interesses do Estado e à elite
brasileira. Para lembrar, os territórios indígenas foram degradados pelas indústrias, pelos
fazendeiros, pelos projetos governamentais2, tudo isso somado à inoperância do Poder
Público, que permite até hoje a invasão de nossas terras.
A escola como aliada?
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 11 .
Nesse contexto, começamos a avaliar quais os instrumentos que poderíamos ter para garantir
nossos projetos enquanto povo, e logo visualizamos que a escola era um instrumento
fundamental, que poderia contribuir com nossos projetos de futuro. Essa escola que, durante
muitos anos, foi usada para nos integrar à sociedade nacional, passa a ser nossa aliada, na
medida em que nos apropriando dela redefinimos sua função social a partir de quem somos e
do que queremos para o futuro de nossos povos.
O grande marco dessa história foi a Constituição Federal de 1988, que nos garantiu o direito à
posse da terra e a nossas formas próprias de organização social, política e econômica.
Também conseguimos o direito a uma educação específica, diferenciada e intercultural e,
desde então, as escolas começam a assumir uma outra função social em prol de nossas
comunidades, passando a desempenhar papéis importantíssimos nas aldeias. E como a escola
vem fazendo isso? De que forma? Vejamos alguns pontos:
-
Fortalecendo nossa identidade;
-
Revendo valores;
-
Rompendo paradigmas;
-
Nos aliando às nossas lideranças na luta pela terra;
-
Dialogando com a saúde;
-
Valorizando os saberes dos mais velhos;
-
Formando profissionais e cidadãos para atuar na comunidade e fortalecer nosso povo;
-
Cuidando da mãe natureza;
-
Resistindo à criminalização das nossas lideranças, promovendo a medicina tradicional
e preventiva, ou seja, atuando diretamente nos problemas sociais.
A educação escolar vem somando forças com outros segmentos da luta dos nossos povos. É
por isso que a nossa escola é diferenciada, porque tem uma relação com o projeto de vida do
povo.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 12 .
Os professores e professoras indígenas se tornaram pesquisadores da sua própria história,
fazem o controle social das políticas públicas de educação através da participação ativa nos
espaços de discussões. Elaboram e fiscalizam as políticas públicas de atendimento à educação
escolar. E tudo isso é experiência que levamos para a elaboração e o acompanhamento de
projetos sociais da comunidade.
A oralidade é fundamental, mas não podemos negar que saber ler e escrever é importante e
para nós, povos indígenas, essa é uma competência típica dos professores e professoras. Por
exemplo, para escrever um projeto de captação de recursos, ler os editais, escrever os
relatórios, a educação escolar é que ajuda.
Nós, povos indígenas, temos uma outra forma de ver o mundo e nossos projetos de vida estão
ligados diretamente à questão territorial. Sem a terra não há projetos de futuro. É por meio da
educação escolar que fundamentamos nossos conhecimentos para dialogarmos com a
sociedade envolvente. Ela nos ajuda a entender o processo colonizador a que fomos
submetidos e que hoje somos índios não só porque temos sangue de índios, mas por valores
históricos e de pertencimento a um povo, por vivermos em comunidade e termos projetos
coletivos, por respeitarmos os saberes orais dos mais velhos.
Entendo que precisamos ter muita clareza do que queremos e como queremos, até para
decidirmos sobre que tipo de projetos vamos aceitar ou não, que fontes de recursos vamos
acessar ou não. Para que esses projetos não venham desviar-nos dos nossos projetos de futuro,
nem criar problemas internos ou, ainda, endividar-nos nos bancos. Temos que entender que só
interessa criar um tipo de animal se ele tem a ver com o tipo de projeto de desenvolvimento
que queremos para nossa comunidade. Por exemplo, não nos interessa ter muitas cabeças de
gado, porque nossa terra é também para agricultura.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 13 .
Na Região Nordeste, nós temos histórias de lutas e resistências muito semelhantes.
Vivenciamos um conjunto de situações econômicas, sociais, políticas, lingüísticas e culturais
bastantes próximas, o que faz com que nossas realidades e nossos projetos de vida sejam
também semelhantes. Por isso, é importante divulgar a experiência desenvolvida por nós,
professores/as indígenas em Pernambuco, sobre como a escola se torna uma aliada na
construção dos nossos projetos de futuros.
Temos cinco eixos que norteiam nosso Projeto Político Pedagógico, que são: Terra,
Identidade, História, Organização e Interculturalidade. Cada eixo diz muito do que somos e
do que queremos. Vejamos:
TERRA – para nós, o território é um lugar sagrado, habitação natural dos nossos povos. É a
nossa grande casa, coletivamente habitada por todos que fazem parte da comunidade
indígena. Constitui-se, ainda, num espaço de resistência, fonte de inspiração para agirmos e
interagirmos com a “Mãe Natureza”. No território depositamos a esperança e os sonhos de
construção do nosso projeto de vida. É o lugar também de moradia de nossos antepassados,
dos nossos filhos e filhas. Tudo isso mantém a nossa identidade coletiva.
IDENTIDADE - a identidade de nossos povos nasce e se constrói nesse território. Ela é
reencontrada por meio do patrimônio deixado pelos mais velhos. A nossa identidade é
reelaborada permanentemente: nas formas de convivência, no espaço e no tempo, a partir do
nosso cotidiano e da relação com os seres encantados.
HISTÓRIA – conhecer a história dos nossos povos é condição essencial à continuidade da
nossa identidade, pois as crianças precisam ter como referência de vida os seus antepassados,
aqueles que vivenciaram uma história de sofrimento, perseguição, mas também de resistência
e luta.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 14 .
ORGANIZAÇÃO – a organização social e política do nosso povo é outro elemento
importante para sustentação da educação escolar indígena. As organizações internas têm,
como característica fundamental, a garantia da participação de todos os membros da
comunidade. Pois é através dessas organizações que desenvolvemos nossos processos de lutas
e conquista, garantindo o direito à escola, à saúde e à política agrícola.
INTERCULTURALIDADE - entendemos que cada povo tem uma cultura própria, diferente
uma das outras. Na sociedade onde vivemos há diferentes formas de vestir, pensar, agir e
trabalhar. Para que nossas crianças e jovens conheçam outras culturas, respeitem as outras
formas de viver e tenham acesso aos conhecimentos da sociedade que nos rodeia, nossa escola
tem que ser intercultural.
Bem, sabemos que cada povo tem um modelo próprio de organização social, que foi
construído no contexto das relações sociais, históricas, culturais e religiosas que ainda são
vivenciadas nos dias atuais. Temos clareza dos projetos de futuro que queremos, pois eles
garantem o desenvolvimento sustentável, a autonomia política, econômica e cultural. E, se
nossas escolas funcionam a partir do nosso projeto de sociedade, elas se preocupam com a
qualidade da formação política e educacional de nossas crianças e jovens. Pois, como dizemos
em Truká:
“Vamos formar guerreiros e guerreiras para viverem em comunidade e que vão contribuir
com os projetos de futuro do nosso povo. Nossas crianças são o futuro do povo e serão as
lideranças de amanhã.”
Notas:
Edilene, conhecida como Pretinha Truká, é do povo Truká que está localizado
na Ilha da Assunção, sertão de Pernambuco. É professora, membro da COPIPE
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 15 .
– Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco e da Comissão
Nacional de Educação Escolar Indígena no MEC.
2
O Governo do Estado de Pernambuco, no ano de 1965, invadiu o território
do povo Truká para instalar a Companhia de Revenda e Colonização – CRC.
Até então, a caatinga da Ilha da Assunção era muito rica, até os engenheiros
agrônomos deste órgão trazerem as algarobas. Por causa da algaroba
desapareceu a coronheira, o pau-brasil, a lã de seda já não tem mais como
tinha antes, jatobazeiro, pau-ferro, umburana de cheiro, braúna, aroeira e
carcarejeiro e tantas outras.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 16 .
PROGRAMA 2
JUVENTUDE INDÍGENA E ESCOLA
Os jovens indígenas e a escola
Gersem Baniwa1
A formação escolar é considerada como uma condição necessária para garantir o futuro
desejável para os jovens indígenas e vai de encontro a algumas expectativas etnopolíticas
relevantes, como a necessidade de qualificar os quadros técnicos para a gestão territorial, para
a formulação e gestão de projetos de etnodesenvolvimento e o desejo de autonomia.
Neste sentido, o desenvolvimento de ações que garantam a permanência dos jovens indígenas
em suas aldeias, com qualidade de vida, é fundamental. A migração desordenada de famílias
indígenas para a periferia das cidades, provocada muitas vezes pela falta de condições de
sobrevivência e oferta de estudos, causa um verdadeiro desastre sobre todos os pontos de
vista. A oferta de educação escolar intercultural nas aldeias é uma dessas políticas importantes
para garantir a permanência dos jovens nos seus territórios e contribuir para o
desenvolvimento socioeconômico autônomo dos projetos coletivos de seus povos.
Os povos indígenas estão inseridos no mundo globalizado, em que a política social,
econômica e tecnológica influencia toda a vida do planeta. Os Projetos Políticos Pedagógicos
das escolas de Ensino Médio indígena precisam dar conta de desenvolver todos os aspectos da
personalidade dos alunos, levando em conta o respeito e a valorização das formas de educação
formal/informal do povo, a visão de mundo e a vida social do grupo, formando os alunos para
o mundo global e o local, com capacidade de lutar para o bem da coletividade.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 17 .
A necessidade do Ensino Médio indígena se justifica pelo motivo principal que é a
oportunidade de a comunidade indígena construir sua própria escola, com a participação
efetiva dos próprios alunos, quase todos jovens e adultos, e da comunidade como um todo. É
importante considerar, também, o papel dos professores neste processo de mudança, porque
são eles, juntamente com os pais, os principais envolvidos nessa busca de concretizar uma
escola norteada pelas pedagogias indígenas, numa relação direta do ensino com os projetos
presentes e futuros de cada sociedade. Assim sendo, o Ensino Médio indígena nasce a partir
de uma necessidade coletiva para formar jovens e adultos responsáveis pelos seus destinos e
pelo destino de seus povos. Os destinos individuais dos jovens e dos seus povos estão interrelacionados, porque existe, ainda que muitas vezes socialmente disperso e inconsciente, um
ideal de vida. Esse ideal de vida é orientado segundo alguns fundamentos cosmológicos e
filosóficos profundos, tais como:
a) Visão de mundo e de sociedade: cada povo indígena tem uma determinada compreensão do
mundo onde ele vive. A partir dessa compreensão, geralmente expressa através dos mitos de
origem que são permanentemente revividos por meio de rituais, as pessoas estabelecem suas
formas de viver, de pensar e de se relacionar com as outras sociedades humanas e com a
natureza à sua volta. Na era da modernidade, a sociedade indígena está inserida dentro do
mundo globalizado e sofre várias mudanças, em todos os aspectos: social, econômico,
cultural, político e educacional. A visão de mundo não é uma coisa que muda ou se troca
como se troca uma flecha por uma espingarda na vida de uma pessoa ou de um grupo social.
A questão é mais complexa, porque mexe com a “alma”, com a identidade e com a fé dos
indivíduos e dos grupos. Assim sendo, são essas maneiras de perceber e viver a vida que
devem orientar as próprias mudanças desejadas pelos jovens indígenas. Todo projeto escolar
deve levar isso em consideração, para não ser um instrumento de destruição de culturas, de
civilizações e de projetos históricos societários.
b) Visão de conhecimento e da escola: os povos indígenas são detentores de conhecimentos,
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 18 .
saberes, valores e civilizações milenares. Toda essa experiência histórica tem um valor e um
sentido para eles, porque os conhecimentos têm função social vital. Sem eles não é possível
viver a cultura e a identidade próprias. Por isso, os conhecimentos têm um significado
próprio, uma maneira de produção e reprodução e, enfim, maneiras particulares de serem
disponibilizados permanentemente a serviço de todos. Portanto, a escola não é único lugar
onde se aprende e se produz conhecimento. É preciso que a escola respeite e valorize esses
outros conhecimentos da comunidade indígena e seu papel deve ser de fortalecer e ampliar a
capacidade desses saberes tradicionais para dar conta das necessidades atuais em contínua
mudança para continuidade como povos etnicamente diferentes e seus membros como
cidadãos, com direitos globalmente assegurados.
c) Fundamentos ético-políticos: a escola indígena de Ensino Médio precisa ter claro que tipo
de homem e de sociedade quer ajudar a construir, que tem a ver com o ideal de vida que a
comunidade deseja para o seu presente e para o seu futuro. É esse ideal que irá orientar as
estratégias epistemológicas, filosóficas, pedagógicas e políticas da escola e do ensino, por
meio do projeto político pedagógico. O compromisso ético e político da escola é fundamental
para o modelo de sociedade que se deseja ter, expresso por meio de atitudes e
comportamentos dos indivíduos, dos cidadãos e dos sujeitos dos conhecimentos – os
educandos – que são todos os homens e mulheres dentro ou fora da escola.
Além disso, o Ensino Médio indígena precisa estar ancorado na realidade local, tendo alguns
aspectos mais importantes como:
a) As realidades e potencialidades dos beneficiários
O primeiro fator que deve ser levado em consideração é a comunidade. A população atendida
pela escola é indígena, com uma grande e rica diversidade étnica e cultural, mesmo quando se
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 19 .
trata de uma escola que atende a apenas uma etnia. A diversidade, neste caso, se dá pelo fato
de uma etnia constituir-se geralmente de tribos, clãs, sibs, fratrias, grupos ou famílias
extensas. Cada grupo apresenta diferenças culturais significativas que precisam ser levadas
em conta no fazer pedagógico da escola. Mas, em geral, as escolas indígenas, sobretudo as
que oferecem Ensino Médio, atendem a mais de um povo ou etnia e a grande maioria trabalha
com inúmeras etnias ou povos. Para se ter uma idéia da dimensão dessa diversidade étnica e
cultural das escolas indígenas de Ensino Médio, basta olhar os dados censitários. Atualmente,
são 72 escolas de Ensino Médio que, de alguma maneira, estão atendendo aos 220 povos ou
etnias do Brasil, o que dá uma média de 3 etnias por escola. Isto porque no Brasil ainda
existem 220 povos que falam 180 línguas, o que torna um dos países mais diversos
culturalmente do mundo, mas que as escolas e os brasileiros pouco conhecem e pouco
valorizam. São 734.127 índios (IBGE, 2000) – 0,4 % da população brasileira, que atualmente
apresenta um elevado índice de crescimento populacional de 7,9% contra 1,6% da população
brasileira.
b) A importância das terras indígenas para os povos indígenas
Outro fator relevante a ser considerado é a incalculável importância das terras indígenas para
os povos indígenas, em especial aos jovens, para o Brasil e para o mundo, principalmente
quanto aos recursos naturais e quanto à diversidade biológica. Em 2004, somavam-se 614
terras indígenas demarcadas, totalizando 105.981.584 ha, ou 12,38% do território brasileiro. A
maior parte dessas terras está na Amazônia, que representa 20,39% de toda região ou
104.088.488 ha. Essas terras indígenas na Amazônia representam 98,73% de todas as terras
indígenas regularizadas do Brasil. Além disso, segundo dados de 2005 do Fórum em Defesa
dos Direitos Indígenas, existem ainda mais de 600 terras reivindicadas pelos povos indígenas
ainda não regularizadas. É importante destacar que, mesmo entre as terras indígenas já
regularizadas, a maioria encontra-se invadida, o que resulta em enormes prejuízos aos povos
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 20 .
indígenas, vítimas de violências de toda ordem, e ao país, pela crescente destruição dos
recursos naturais e da biodiversidade existente nessas terras.
c) Formação escolar como um processo contínuo e permanente
O Ensino Médio indígena não pode ser considerado e tratado como uma etapa à parte do
processo de formação intelectual e profissional do aluno como é o Ensino Médio tradicional
dos não-índios. O Ensino Médio indígena é uma parte do processo único de formação do
jovem indígena, considerando que para os índios a formação intelectual e de habilitações
práticas faz parte de toda a vida. É importante ter clareza deste pressuposto da escola
indígena, de em que tudo o que o indivíduo e a comunidade produzem e/ou reproduzem estão
disseminando conhecimentos, num processo permanente e contínuo, na medida em que tudo
tem um objetivo único que é contribuir para o bem-estar da comunidade e, conseqüentemente,
dos indivíduos que compõem esta comunidade. Na escola indígena, tudo isso deve ser
trabalhado desde o início da formação escolar e para além da escola.
d) Potencialidades econômicas
A população indígena vive basicamente da agricultura de subsistência, da caça, da pesca e do
agroextrativismo. Mas também existem outras realidades indígenas no Brasil que não se
enquadram nessas realidades mais gerais, como as comunidades indígenas do Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, onde muitas comunidades não possuem terras, ou as terras são insuficientes
para garantir a sobrevivência e dependem da agricultura mecanizada ou de serviços no
agronegócio ou mesmo da grande indústria para garantir a sobrevivência. As terras indígenas
apresentam uma riqueza incalculável de sócio e biodiversidade que só muito recentemente
entrou na pauta de prioridades dos planos de trabalhos das comunidades e organizações
indígenas. Identificar, pesquisar e revelar a potencialidade dos recursos naturais como
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 21 .
principal
riqueza
econômica
dos
povos
indígenas
podem
ser
as
contribuições
socioeconômicas das escolas indígenas de Ensino Médio às comunidades indígenas e ao país.
e) Capital político e social
O maior capital social e político dos povos indígenas no Brasil está ligado aos anos de luta e
trabalho articulado através de suas organizações, sejam elas tradicionais ou juridicamente
constituídas. Conhecer e valorizar essa história é manter a memória viva de uma luta que
mudou a história dos povos indígenas do Brasil, de transitórios e incapazes para sujeitos e
cidadãos diferenciados. Conhecer essa história tem a ver com afirmação da identidade étnica
que se perpetua em base a muita luta e diálogo intercultural.
Neste sentido, oferecer
oportunidades de formação humana, cultural, científica e tecnológica às crianças, jovens,
adultos e velhos indígenas é proporcionar-lhes capacidades e possibilidades infinitas no
presente, o que gerará um futuro mais esperançoso e desejável.
A formação escolar é uma necessidade pós-contato dos povos indígenas que passaram a
interagir com as diferentes formas de viver, de produzir conhecimentos, de produzir alimentos
e outras necessidades importantes para a vida dos indivíduos e coletividades dos não-índios e
foram também ficando cada vez mais dependentes desses novos conhecimentos necessários
para os modos de vida atuais. Esse processo é natural e não significa de forma alguma que os
índios tenham abandonado suas formas tradicionais de viver. Significa apenas que
incorporaram novos hábitos, costumes, valores e a necessidade de ampliação de habilidades
para responder às novas necessidades e demandas. Faz parte da capacidade do ser humano de
buscar sempre melhorar sua condição de vida, capacidade esta, que o distingue dos demais
seres existentes.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 22 .
É fundamental que a comunidade tenha clareza do papel, da necessidade e da importância da
escola e do ensino que ela deseja. A definição dessa função social deve ser
de
responsabilidade exclusiva da comunidade, que inclui as lideranças locais, as famílias, os
pais, os alunos, os professores, os dirigentes de escolas e todos que a constituem. Do
contrário, a escola será um espaço e instrumento de sonhos e ilusões que não se realizarão,
nem no campo individual, nem no coletivo dos alunos e dos membros da comunidade, pois é
pensada para atender a outras realidades.
No campo programático, as experiências em curso revelam que os projetos de escola
indígena, e particularmente de Ensino Médio, são reivindicadas e desejadas a partir de
algumas necessidades históricas concretas.
1. A educação oferecida até hoje sempre teve como princípio a integração do indígena à
sociedade nacional, o que resultava na sua desintegração cultural, na medida em que não
respeitava as diferenças culturais e lingüísticas e a legislação vigente sobre a educação escolar
indígena. Ao promover “uma educação de branco com base na cultura do branco para
indígenas” negava as alteridades indígenas. O Ensino Médio indígena é percebido como uma
oportunidade de potencializar e instrumentalizar os jovens indígenas na perspectiva de que
sejam sujeitos de sua própria história, de sua formação ética, intelectual e humana. Em outras
palavras, formar novas lideranças capazes de dar conta das contradições do processo escolar
integrador e buscar a recuperação das autonomias indígenas. É muito comum ouvir de
lideranças indígenas modernas que “antigamente a arma da luta era a borduna e atualmente é
a caneta, o papel e o poder de fala”.
2. O Ensino Médio indígena, assim como os outros níveis de ensino, devem, como princípio,
atender às necessidades das comunidades, tais como:
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 23 .
- Articular o conhecimento indígena e o não indígena visando a uma formação fundamentada
numa metodologia de ensino com pesquisa, com o objetivo de contribuir para o
desenvolvimento sustentável, sociocultural e econômico das comunidades;
- Escolas nas terras indígenas com o objetivo de evitar o êxodo, reforçar a identidade e
possibilitar o envolvimento e a gestão autônoma das comunidades indígenas, seguindo o
princípio de valorização das territorialidades lingüísticas, étnicas e culturais e formando
jovens pesquisadores e cidadãos a partir de uma proposta político-pedagógica coerente com
os projetos societários e de futuro de seus povos.
- Formar os alunos indígenas para serem administradores, pesquisadores e gestores de seus
processos educativos e sociais e propiciar às comunidades indígenas a criação de um diálogo
formal com os não indígenas.
- Formar profissionais indígenas (agrônomos, mecânicos, piscicultores, futuros médicos
advogados, etc.) capazes de atuar em suas próprias comunidades, de acordo com os objetivos,
necessidades e demandas locais.
- Ajudar a comunidade na apropriação e no uso dos conhecimentos locais e universais,
disponibilizando-os para outras escolas indígenas e não-indígenas.
Em síntese, o Ensino Médio indígena, assim como os outros níveis de ensino, têm que
responder as demandas e necessidades internas e externas das comunidades. Essas demandas
e necessidades passam pelos projetos de gestão territorial, projetos de auto-sustentação e
demandas externas como a profissionalização para o mercado de trabalho local, regional,
nacional e global.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 24 .
Nota:
Professor e antropólogo. Conselheiro do Conselho Nacional de Educação e
Diretor do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas, é liderança do povo
Baniwa do Alto Rio Negro. Consultor desta série.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 25 .
PROGRAMA 3
FORMAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS
Redefinindo o papel da escola e a formação dos professores indígenas
para o ensino básico
Pierangela Nascimento Wapichana1
A partir das reivindicações do movimento indígena iniciadas ainda na década de 1970, com o
apoio de suas parcerias, a educação escolar indígena no Brasil vem propondo sérias mudanças
na função social das escolas indígenas, implicando, diretamente, em mudanças na formação
dos professores indígenas.
Inicialmente, destaco que a luta do movimento indígena brasileiro, em conjunto com seus
parceiros, resultou em significativos avanços na legislação educacional brasileira, apesar de
atualmente se ver pouca efetividade dessa legislação:
“Se, de um lado, os últimos vinte e poucos anos foram marcados por problemas e ameaças
crescentes à sobrevivência dos povos indígenas no Brasil – o que nos enche de tristeza e
indignação –, de outro, estes foram anos de organização e fortalecimento do movimento
indígena, de avanços na Legislação Indigenista e de envolvimento positivo de setores nãoíndios da sociedade civil na questão indígena” (Silva, 1993).
Esses avanços ocorreram principalmente a partir da Constituição de 1988 – considerada como
a Constituição Cidadã –, estimulando os povos indígenas para o processo de redefinição do
papel das escolas na luta e na vida cotidiana. É nesse sentido que o movimento indígena
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 26 .
realiza, com freqüência, vários eventos nas comunidades/aldeias, nos municípios, nos estados
e em nível nacional, para discutir e elaborar mudanças nas práticas da educação escolar
indígena.
Com a realização desses eventos, as discussões sobre “que escola temos, que escola
queremos” ampliaram-se consideravelmente entre os povos indígenas, abrindo novos
horizontes de aproximação entre os objetivos, estratégias e perspectivas trabalhados pelas
escolas dos objetivos, estratégias e perspectivas desejados pelas comunidades e povos
indígenas. Dentre os aspectos mais relevantes, portanto, o papel da escola para os povos
indígenas foi um dos mais discutidos.
As discussões sobre o novo papel da escola indígena levaram à necessidade de reformulação
dos projetos político-pedagógicos, dos currículos e dos calendários das escolas indígenas,
além do papel do professor dentro e fora da escola. Ou seja, o papel do professor, a partir da
escola na vida da comunidade como um todo. Tudo isso foi em função da constatação de que
o que estava sendo ensinado nas escolas não satisfazia às necessidades dos povos indígenas.
Deste modo, consolidou-se, destacadamente, a preocupação do movimento indígena em
assegurar
uma
educação
escolar
que
atendesse,
de
fato,
aos
interesses
das
comunidades/aldeias indígenas:
“Nos últimos anos, os professores indígenas, a exemplo do que ocorre em muitas outras
escolas do país, vêm insistentemente afirmando a necessidade de contarem com currículos
mais próximos de suas realidades e mais condizentes com as novas demandas de seus
povos” (Silva, 1993).
Entre as demandas apontadas, destaca-se a necessidade de se ter uma escola que possa pensar
e gerar instrumentos que garantam a sustentabilidade econômica, social, territorial e cultural
dos povos indígenas. Porém, a diversidade dos povos indígenas revela que essas necessidades
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 27 .
não seguem uma seqüência única de prioridades, sendo que algumas necessidades podem ser
prioridades para alguns povos, mas não para outros. Algumas necessidades podem ser mais
relevantes para alguns povos e menos para outros. As necessidades e demandas, portanto,
dependem da realidade situacional de cada comunidade ou povo indígena, o que leva a
concluir pela necessidade de escolas diferenciadas mesmo entre as escolas indígenas e,
conseqüentemente, de formação específica e diferenciada de professores e agentes de
formação técnica para atuarem nessas escolas. Assim, é atribuída à escola indígena uma
grande responsabilidade com o projeto de vida do povo e da comunidade, o que justifica a
reivindicação de que as escolas indígenas tenham profissionais indígenas atuando no
atendimento às demandas concretas dos povos e/ou comunidades indígenas beneficiárias.
Neste sentido, o movimento indígena brasileiro tem reivindicado o cumprimento da legislação
referente à educação escolar indígena, que garante a formação adequada de professores
indígenas. Como resultado dessa mobilização social indígena é que hoje existem programas
de formação de professores indígenas, inicialmente por meio dos cursos de Magistério
equivalentes ao Ensino Médio e, mais recentemente, por meio dos denominados Cursos de
Licenciatura Intercultural para formar professores indígenas voltados para a atuação no
âmbito do Ensino Básico.
Com a expansão das escolas indígenas e o crescente número de estudantes indígenas,
notadamente no Ensino Fundamental, logo surgiram fortes pressões quanto à ampliação
imediata na oferta do Ensino Médio para as comunidades indígenas. É importante ressaltar
que o número de escolas de Ensino Médio ainda está muito aquém de atender às necessidades
dos povos indígenas e que muitas das escolas que têm Ensino Médio ainda não atendem às
expectativas dos povos indígenas, seja por problemas metodológicos, seja por problemas
político-pedagógicos (dissociada da realidade e das demandas locais).
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 28 .
Com isso, a formação do professor indígena passa a ser o principal alvo de mudanças, razão
pela qual me reportarei aqui mais detidamente à formação de professores indígenas realizada
pelo curso de Licenciatura Intercultural, através do Núcleo Insikiran de Formação Superior
Indígena da Universidade Federal de Roraima. Isso porque há vários cursos de formação
superior para professores indígenas no Brasil e, como cada um tem suas particularidades, não
quero aqui me referir a esses cursos de forma genérica.
O curso de Licenciatura Intercultural foi uma reivindicação da Organização dos Professores
Indígenas de Roraima (OPIR), em conjunto com outras organizações indígenas de Roraima.
Inicialmente, foi elaborado em conjunto com a UFRR, um curso de formação de professores
indígenas, a partir do qual as escolas indígenas pudessem se habilitar e se instrumentalizar
para atender às demandas apresentadas pelas comunidades. Nessa perspectiva, o curso busca
trabalhar a interculturalidade, a transdisciplinaridade e a formação pela pesquisa de forma
concreta, ou seja, como vivência.
Deste modo, apesar de esses conceitos terem sido formulados por grandes educadores, dentro
do curso de formação de professores indígenas tais conceitos tomam novas dimensões como,
por exemplo, a interculturalidade, que de uma forma mais simples pode ser definida como
“uma troca de conhecimentos culturais”. A interculturalidade que precisa estar presente não
somente em todos os cursos de formação de professores indígenas, mas também nos cursos de
formação de outros professores não-indígenas. Isso porque não tem como acontecer
interculturalidade somente entre os indígenas, é necessário que a educação brasileira promova
a interculturalidade na totalidade da sociedade.
É necessário, pois, que os currículos das escolas indígenas e não indígenas possam dar
oportunidades aos estudantes indígenas e não indígenas de conhecerem, de forma adequada, a
diversidade cultural que temos e como essa diversidade pode contribuir para o enriquecimento
do conjunto de conhecimentos existentes em nosso país e no mundo. E isso está diretamente
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 29 .
relacionado com a formação dos professores. Se estes não têm oportunidades de conhecer a
diversidade cultural que temos, como irão promover a interculturalidade dentro de sua sala de
aula, dentro da escola e na comunidade?
Temos visto, nos demais cursos de formação de professores, tentativas de oferecer algumas
disciplinas alternativas sobre os povos indígenas e sobre os afrodescendentes, porém, como
disciplinas optativas. Dessa forma, os cursistas, a partir de suas concepções próprias de vida
ou das condições individuais de cada um, optam por fazê-las ou não. Como há grande
concorrência entre as disciplinas e os cursistas/professores já são sobrecarregados de trabalho,
na maioria das vezes, optam por não fazer, perdendo a oportunidade de ampliar os seus
conhecimentos e, conseqüentemente, os dos seus alunos sobre a diversidade cultural e, com
isso, perdem a oportunidade, também, de promover a interculturalidade.
Outro gargalo que temos nos cursos de formação de professores é a fragmentação dos
conhecimentos. Em algumas áreas de conhecimento científico a humanidade ganhou com as
especialidades, porém, a meu ver, na área de educação, a especialização se tornou um grande
entrave para a melhoria da educação escolar. Na tentativa de buscar alternativas para
amenizar este entrave, o curso de Licenciatura Intercultural busca trabalhar com a
transdisciplinaridade, visando possibilitar um maior diálogo entre as áreas de conhecimento.
Para isso, são oferecidos temas contextuais, em que professores de várias áreas têm a
oportunidade de trocar conhecimentos para oportunizar uma melhor aprendizagem aos
estudantes. Assim, o foco principal não é o professor com a sua gama de conhecimento, mas a
aprendizagem do aluno.
Assim, o professor indígena se prepara para oferecer aos estudantes das escolas indígenas a
oportunidade de estes conhecerem várias formas de pensamento e, com isso, buscarem suas
formas próprias de pensar e de agir dentro de seu contexto.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 30 .
Um outro instrumento utilizado na formação dos professores indígenas que irão atuar no
Ensino Médio é a pesquisa. Com isso, os professores ganham ferramentas que podem ser
utilizadas para um melhor conhecimento sobre o seu mundo e outros mundos. O professor, ao
retornar às suas escolas, oportunizará ao estudante compreender melhor seu mundo através da
pesquisa. Além disso, aguçará a sua curiosidade para outras realidades e conhecimentos.
Dessa forma, a formação do professor indígena para o Ensino Médio está diretamente
relacionada com as necessidades levantadas pelas comunidades. Por isso o currículo do curso
de formação de professores deve ser flexível. Isso possibilita ao professor indígena agir
diretamente nas demandas apresentadas pela comunidade, sendo que a maior parte dessas
demandas estão relacionadas com a melhoria da qualidade de vida, conservação do meio
ambiente, fortalecimento e revitalização cultural, sustentabilidade econômica e territorial.
Além disso, é essencial que orientem os jovens a se comprometerem com a luta pela defesa
dos direitos dos povos indígenas. Essa exigência tem que ser feita principalmente para os
alunos do Ensino Médio, pois estes, ao saírem das comunidades para cursarem o nível
superior fora da aldeia, deverão levar consigo toda a luta feita pelo seu povo e continuar
defendendo e trabalhando em prol dos povos indígenas mesmo depois de formados, quando se
espera que retornem para suas comunidades para aplicarem seus conhecimentos ou que,
mesmo longe das aldeias, possam estar afinados e comprometidos com a luta e os projetos
sociais de seus povos.
Na perspectiva da escola indígena e, de modo muito particular, do Ensino Médio indígena que
atua em conformidade com os projetos sociais de etnodesenvolvimento da comunidade
indígena, é absolutamente necessário repensar a formação do professor indígena. Tudo indica
que não basta ser apenas professor no sentido tradicional do termo, como alguém que domina
conteúdos disciplinares ou curriculares, mas precisa ser um agente ou um sujeito de promoção
dos direitos indígenas, que tem como base a garantia territorial, a saúde e o desenvolvimento
autônomo e sustentável do ponto de vista ambiental, sociocultural e econômico. A formação
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 31 .
do professor indígena precisa dar conta de toda a dimensão da vida indígena na comunidade e
do seu papel nas relações políticas e sociais que sustentam a base organizacional da
coletividade.
Assim, a escola indígena amplia o seu leque de responsabilidade social, porém não podemos
compreender que a escola seja a solução de todos os problemas das comunidades indígenas.
Contudo, sabemos que a escola tem uma grande responsabilidade com a comunidade onde
esta inserida.
Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação. RCNEI – Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas. Brasília: MEC/SEF, 1998.
SILVA, Aracy Lopes da. “Balanço crítico da situação atual da educação escolar
indígena no Brasil”. In: Boletim ABA, abril/93, nº 16, p. 5.
Nota:
Professora e liderança wapichana e cursista do Curso de Licenciatura
Intercultural da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e atual coordenadora
da Organização dos Professores Indígenas do Estado de Roraima (OPIR).
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 32 .
PROGRAMA 4
PROJETO PEDAGÓGICO: EXPERIÊNCIAS
A escola do Ensino Médio Indígena
e o etnodesenvolvimento do povo baniwa
Edílson Martins Melgueiro Baniwa1
Nas terras indígenas da região do Alto Rio Negro, as escolas indígenas tiveram início com os
missionários salesianos, a partir do século XX.
Já na década de 1970, além dos
internatos/missões foram criadas as escolas de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental,
vinculadas à Secretaria de Educação do Estado do Amazonas. Até meados de 1997, essas
escolas funcionavam com turmas multisseriadas e os professores, na sua maioria indígenas,
eram supervisionados pelas freiras salesianas, em conjunto com o IER/AM (Instituto de
Educação Rural do Amazonas).
Em 1998, é aprovada uma lei do Sistema Municipal do Ensino de São Gabriel da
Cachoeira/AM, permitindo a criação das escolas municipais de 1ª a 4ª série em Terras
Indígenas, já com o nome de escolas indígenas.
De 1997 a 2002, foi implementado um programa de formação de professores indígenas em
São Gabriel da Cachoeira, realizado pela Prefeitura, que formou 180 professores/as de várias
etnias indígenas em nível de magistério. Ainda em 2002, começaram a ser abertas escolas
de Ensino Fundamental em várias regiões, tentando atender à grande demanda reprimida na
região.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 33 .
A partir de 2004, foram abertas escolas de Ensino Médio Indígena notadamente na região do
Içana, Taracuá, tendo como um dos objetivos gerais o princípio da valorização das línguas e
culturas dos povos indígenas da região, relacionando-as com os conhecimentos científicos e
acadêmicos, e tendo em vista a profissionalização em áreas que contribuam para o
desenvolvimento regional indígena sustentável. Portanto, a seguir abordarei, de forma
sintética, o processo de construção de uma das Escolas Indígenas de Ensino Médio.
Este texto tem como propósito abordar processos de construção da educação escolar indígena
desejada pelo povo baniwa, na perspectiva do Ensino Médio indígena.
As abordagens
fundamentam-se em experiências vividas e na visão de um sobrevivente do processo de
ensino/aprendizagem da educação tradicional não-indígena, tendo passado por várias
pedagogias de ensino, seja como aluno, seja como professor, há seis anos, no Ensino
Fundamental. Também idealizador de uma experiência de Ensino Médio indígena da “Escola
Nossa Senhora da Assunção”, na região dos baniwa no baixo Içana, Município de São Gabriel
da Cachoeira, no Estado do Amazonas, que se pautou por alguns aspectos e princípios
político-pedagógicos relevantes.
O nome da Escola Nossa Senhora da Assunção é significativo para entender a história da
escola, que está localizada na comunidade baniwa Cararapoço. O nome não tem nada de
indígena e ainda não foi mudado, pois a própria comunidade ainda resiste, mesmo que boa
parte dela já considere que está na hora de fazer a mudança, pois a era dos impérios das
missões já passou. Nem tanto assim. Essa história parece importante de ser compartilhada
com outras pessoas, uma vez que representa os desafios reais da escola indígena de hoje.
A escola de Cararapoço foi, durante quase um século, gerida pelos missionários, cujo objetivo
era ensinar a ler e escrever para ler a Bíblia e converter os índios em cristãos e bons patriotas,
falando a Língua Portuguesa e venerando os símbolos nacionais e as autoridades políticas e
eclesiásticas. Para isso, os índios tinham que abandonar suas tradições, suas línguas, seus
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 34 .
valores e seus conhecimentos milenares, para abraçar o projeto de civilização e progresso
colonizador, sendo-lhes oferecido a escola como a única solução natural para todos os seus
problemas. Motivada por essa perspectiva ilusória, a comunidade de Cararapoço, que chegou
a contar com mais de 800 pessoas nas décadas de 1970 e 1980, se viu reduzida para menos de
150 pessoas nos últimos anos da década de 1990. Dezenas de famílias haviam deixado a
comunidade rumo à cidade de São Gabriel da Cachoeira, em busca de oportunidades de
ensino em níveis mais elevados e melhores condições de vida, uma vez que a escola só
oferecia o Ensino Fundamental.
Com o surgimento do movimento indígena organizado sob os auspícios da nova Constituição
Cidadã de 1988, as novas lideranças baniwa iniciaram uma longa luta de diplomacia política
para assumir a gestão da escola e da comunidade de Cararapoço, ainda em curso, enfrentando
as velhas agências de colonização: a Igreja e o Estado. A primeira iniciativa estratégica foi o
investimento na organização da comunidade e na conscientização das pessoas, desde as
lideranças, os jovens, e principalmente os professores indígenas. Foi a partir de uma
comunidade rearticulada em torno de seus interesses coletivos, de uma comunidade
consciente de seus direitos nos marcos do Estado brasileiro e da comunidade internacional,
que o processo de retomada de autonomia foi sendo reconstruído. A comunidade percebeu
que tinha o direito de ter sua escola, segundo seus interesses. Foi assim que a luta pela
implantação de Ensino Médio indígena teve início, desta vez segundo seus projetos
societários e demandas locais.
O segundo passo foi assumir a gestão da escola. Houve muita resistência por parte dos
missionários e de parte significativa da própria comunidade. Percebeu-se que era por meio da
escola que se impunha ao povo um modo de pensar, de viver e se relacionar com os outros e
com o mundo. Isso significava poder e controle sobre a comunidade. Perder o comando da
escola era perder o poder de comando sobre as almas e as consciências individuais e coletivas
da comunidade. Para o êxito do propósito, a comunidade teve que buscar a força tanto junto
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 35 .
às lideranças tradicionais, quanto nos jovens que haviam saído da comunidade para estudar
fora e que agora já eram graduados em diversas áreas do conhecimento, e, portanto, aptos
para assumir funções complexas e estratégicas na gestão da escola. Juntaram-se as antigas
gerações e as novas gerações, formando um campo rico de experiências, conhecimentos e
visões de mundo e de vida que deveria enriquecer e fundamentar o projeto presente e futuro
das comunidades a partir da escola, principalmente a de Ensino Médio.
O terceiro passo foi repensar a escola desde a sua concepção, missão, organização e estrutura.
É o que se convencionou chamar de projeto político-pedagógico. Para isso, juntaram-se as
lideranças mais antigas que haviam acabado de se libertar da prisão colonial repressora
(cultural, étnica e politicamente), as jovens lideranças agora formadas em níveis de ensino
superior e os jovens desejosos de construir novas experiências de escola a partir de novos
princípios éticos, políticos e culturais da escola intercultural e de qualidade, estreitamente
lidada à realidade local e aos projetos sociais daquela comunidade e povo. Tudo é discutido,
planejado e executado de forma coletiva, participativa e envolvendo todo o corpo da
comunidade. Os conteúdos são diversos e plurais, contemplando os conhecimentos
tradicionais e universais em pé de igualdade. Os professores são os jovens formados em
graduação, que fazem o importante papel de professor e aluno ao mesmo tempo, como uma
troca, problematizando o que aprenderam na academia e aprendendo, com os alunos e os
sábios da comunidade, tudo o que deixaram de aprender e conhecer no período em que
estavam fora da comunidade.
Já se foram mais de três anos de muito trabalho, de aprendizagem, de quebra-cabeça e de
conquistas. São três anos que a escola está sob a coordenação da comunidade, e apesar de o
Ensino Médio indígena ainda não estar reconhecido (o que deverá acontecer ainda este ano),
já produziu grandes mudanças e conquistas. Uma delas é o retorno à comunidade das pessoas
que haviam saído para a cidade. Hoje a comunidade de Cararápoço tem mais de 600 pessoas
e, o que é mais importante, um novo ânimo e uma nova esperança por dias melhores,
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 36 .
apostando não mais nos colonizadores tutores, mas sim no seu próprio povo, na sua juventude
e nas suas crianças. Ainda este ano será inaugurada a nova sede da escola “Mazurekai”, que
na verdade é uma enorme maloca tradicional baniwa, bem distante da antiga escola
missionária, que permitirá reviver dentro e fora da escola toda a rica tradição baniwa, há
décadas proibida e reprimida. Mas não só isso, é onde definitivamente ocorrerá o desejado
encontro de línguas, pedagogias, filosofias, cosmologias, culturas, saberes, conhecimentos,
valores e almas. Isso é escola indígena. Isso é educação concretamente intercultural.
A Escola Mazurekai trabalha fundamentalmente por meio da pesquisa e da valorização dos
sábios baniwa, em que o jovem ou adulto estudante é ao mesmo tempo professor, sujeito
político e cidadão local e global e a escola-maloca é um espaço importante de convivência
desejada, portanto, feliz, que permite produzir, reproduzir e disseminar valores da vida e para
a vida. Neste sentido, o Ensino Médio da escola Mazurekai é destinado a habilitar jovens e
adultos capazes de resolver os seus problemas individualmente e os da comunidade
cararapoço e baniwa em geral. Na escola, ele exercita um pouco de tudo, um bom caçador,
um pajé, um construtor de casa, um geógrafo, historiador, um matemático. Mais do que isso,
aprende também como ajudar a preservar a natureza, ampliando sua capacidade, por meio de
reprodução induzida de peixes e das práticas dos sistemas agroflorestais.
No percurso da experiência, alguns aspectos no campo da política educacional da escola
ficaram evidentes:
a) Em primeiro lugar, o Estado brasileiro, no seu papel de reconhecer e respeitar na prática a
diversidade cultural, social e lingüística de cada povo indígena existente no Brasil.
b) A Comunidade, junto com as Associações Indígenas, os professores, os agentes de saúde,
as lideranças, os anciãos, enfim, todos promoveram várias reuniões, assembléias e oficinas,
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 37 .
buscando levantar quais são os principais problemas existentes nesta comunidade ou região.
Em seguida, propuseram algumas soluções para as mesmas. Geralmente são levantados
problemas desde a questão da terra, da saúde, alternativas econômicas, culturais, relações
sociais, lingüística, medicina tradicional, gênero e outros.
c) Como são muitos problemas, decidiu-se fazer uma ou mais reuniões junto com os atores
envolvidos, para que pudessem estar definindo quais os problemas mais graves para resolver
ou, pelo menos, tentar resolver, apontando sempre como seria o caminho por meio das
disciplinas na escola tradicional . Esta atividade nada mais é do que aquilo que os não-índios
chamam de construção do Projeto Político Pedagógico (PPP), que na maioria das vezes é
pensado por eles, sem nenhum conhecimento da realidade ou das dificuldades daquele
determinado povo.
d) É muito importante a participação de todos, para juntos definirem que tipo de formação o
aluno precisa ter e como formar professores preparados para contribuir
na formação dos
alunos, visando contribuir com as questões de interesse coletivo da comunidade.
e) Durante estas discussões, também foi importante a participação de todos os envolvidos,
para definir em que e como se quer formar o aluno (já que se definem, também, a gestão e
uma instância composta por representantes de associações indígenas, professores, Agentes
Indígenas, alunos, caciques...) e como desenvolver o acompanhamento e a avaliação do
referido ensino/aprendizagem.
f) Após realizar tudo isso e mais outros procedimentos, parte-se para outra etapa: o
reconhecimento do PPP pela parte do governo estadual. Este tem sido um dos grandes
desafios em relação à Secretaria Estadual de Educação e Cultura, que muitas vezes se recusa
a reconhecer este tipo de construção, por várias razões.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 38 .
Por outro lado, ainda se pode perceber que a principal estratégia utilizada pelo governo é
oferecer programas de caráter assistencial, e sem a participação dos índios, e a conseqüência
disso é que tais programas, muitas vezes, não chegam ao seu destino. Assim como já ocorre
em relação à saúde indígena, o governo demonstra a disposição em “terceirizar” serviços e
responsabilidades. Da mesma forma, não constrói políticas permanentes e adequadas para
assegurar às comunidades indígenas o protagonismo na definição dos modelos adequados de
educação escolar indígena e propiciar espaços amplos para a discussão e a construção de
projetos pedagógicos indígenas e a autogestão escolar.
Por isso, a nossa proposta é que se promova um amplo debate em torno da educação escolar
indígena, com destinação de verbas específicas para este fim; a garantia de acesso e de
permanência nos diferentes níveis de ensino, inclusive o superior; a realização de oficinas
para elaboração, edição e publicação de material didático específico e diferenciado, das quais
participem os próprios índios; a representação nas instâncias de definição e de controle das
políticas indigenistas do Estado brasileiro; que haja a contratação de professores indígenas por
meio de concursos específicos e adequados e, por fim, que sejam criadas as possibilidades de
intercâmbio entre as escolas indígenas e a sua interação com escolas não-indígenas.
Após esta experiência, tenho hoje plena consciência de que a nova escola não há de ser apenas
um prédio, mas um projeto de realização humana, em que o aprendizado esteja próximo das
questões reais, apresentadas pela vida comunitária ou pelas circunstâncias econômicas,
sociais, culturais, lingüísticas. Que a prática do ensino seja sempre diferenciada para cada
povo, de forma que o professor possa ser, a partir de agora, não apenas um mero conteudista
de uma determinada temática (disciplina). A nova escola deve atender às perspectivas de vida
dos seus partícipes, no desenvolvimento de suas competências gerais, de suas habilidades
pessoais, de suas preferências culturais e identitárias.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 39 .
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, desde quando fui alfabetizado até concluir o
ensino superior, passando por diferentes pedagogias de ensino, estou conseguindo sobreviver.
Esta sobrevivência, gostaria de registrar, foi possível graças a um momento que passei dentro
da minha cultura baniwa, à qual hoje atribuo como a melhor escola para minha consciência e
minha identidade humana e cidadã, pois também possui sua pedagogia, por meio do
KARIAMÃ (em língua geral, rito de passagem), Kalidzamai (baniwa), pelo qual tive o prazer
de passar.
Todas as etapas da minha “formação” aluno, professor, liderança indígena vieram me ajudar a
visualizar um novo horizonte, para trabalhar pela educação, que venha realmente trazer a
liberdade, a cidadania e o respeito às diversidades culturais, econômicas e, sobretudo,
lingüísticas das nossas comunidades do Alto Rio Negro e do Brasil.
Nota:
Professor e liderança baniwa, ex-diretor da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (FOIRN), atual assessor da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e mestrando em
lingüística pela Universidade de Brasília.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 40 .
PROGRAMA 5
CURRÍCULO DIFERENCIADO: EXPERIÊNCIAS
Experiências exemplares de oferta de Ensino Médio
em escolas indígenas: o caso da escola Pankararu
Elisa Urbano Ramos Pankararu1
A discussão sobre Educação Escolar Indígena em Pernambuco faz parte de um conjunto de
componentes descritos pelo Movimento Indígena para a construção do projeto de futuro.
Nesse sentido, essa temática não pode estar isolada da luta pela terra, da luta por uma saúde
específica, de qualidade, e obviamente articulada à sustentabilidade socioeconômica dos
povos.
No contexto da Resolução n. 03/99 do CNE/CEB, os professores, as professoras e as
lideranças indígenas em Pernambuco retomaram as discussões sobre Educação Escolar
Indígena. Assim, em 20 de novembro de 1999, aconteceu o primeiro grande encontro, no
território dos nossos irmãos Xukuru, na cidade de Pesqueira. Nesse “encontrão”, foi
identificada uma série de problemas comuns aos povos indígenas e definida a necessidade de
nos organizarmos em busca de nossos objetivos comuns, (já estamos na XVI edição do
“encontrão”).
Foi assim que nasceu a COPIPE (Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco), que
tem como objetivo garantir a efetivação do direito à educação escolar intercultural, mobilizar
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 41 .
e articular professores, professoras, comunidades e lideranças indígenas no estado de
Pernambuco visando à sua autonomia e ao protagonismo nos seus processos educacionais.
A primeira atitude que tomamos foi realizar um diagnóstico sobre a escola que até então
funcionava em nossas comunidades.
Como resultado, traçamos uma caminhada na
desconstrução da idéia de um modelo de escola plantada pelos não-índios e que não atendia
aos nossos propósitos enquanto povos de culturas diferentes. Passamos a sistematizar o
entendimento sobre o que era educação indígena e educação escolar indígena e qual a idéia ou
compreensão dos povos indígenas acerca do tempo da escola e de seus efeitos na vida das
comunidades.
Em agosto de 2002, nossas escolas foram estadualizadas, o que fez com que tomássemos o
rumo da administração pedagógica e da documentação em nossas mãos. Em 2003, fomos
colocados diante de um desafio diferente: a implantação do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª
série e do segundo segmento de EJA em duas escolas, o que nos deu suporte experimental
para que começássemos a pensar em Ensino Médio em nosso território.
Assim que os primeiros alunos concluíram o Ensino Fundamental (EJA), em 2004, logo
reivindicaram a implantação do Ensino Médio, o que não foi possível naquele momento,
razão pela qual eles ficaram um ano sem estudar, esperando a implantação do Ensino Médio
na Aldeia. Foi quando compreendemos, finalmente, qual seria a nossa missão.
Em 2006, foi dado mais um passo à frente: pôr em funcionamento o Ensino Médio.
Começamos com duas turmas na Escola Pankararu Ezequiel, Terra Indígena Pankararu. Uma
turma de 1º ano no Ensino Médio, e outra de 1º ano Normal Médio, o que foi um desafio
maior, por estarmos tratando de formação inicial de professores, ou seja, um magistério
intercultural.
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 42 .
Escrevemos uma proposta de projeto para iniciar o curso. Discutimos com os alunos, alunas,
professores e professoras sobre a redação do texto, contando também com contribuições para
sua aprovação. E finalmente começamos as aulas, com a participação de nossos docentes, que
já faziam parte de nossas escolas.
Nossos professores e professoras fizeram a formação superior em faculdades de cidades da
região. No entanto, a grande formação que consideramos importante constitui-se nos
ensinamentos da mãe natureza, dos nossos idosos e idosas, de nossas organizações sociais e
do movimento indígena.
Um dos aspectos que também julgamos importante foi, sem dúvida, adequar a matriz
curricular do Estado às disciplinas específicas que incorporamos aos cursos. O fator que torna
a nossa prática pedagógica um fato específico é que procuramos articular sempre todas as
modalidades de ensino aos cinco eixos do Projeto Político Pedagógico: História, Terra,
Identidade, Organização e Interculturalidade. Eixos que norteiam a Educação Escolar
Indígena em Pernambuco, pois se trata de um projeto para o Povo. Cada Povo tem o seu
projeto, assim, sua identidade própria está reafirmada.
Nesse sentido, os cinco eixos do Projeto Político Pedagógico direcionam perfeitamente o
Ensino Médio, em nosso Povo, para o projeto de futuro que desenhamos, na medida em que
esses eixos apontam caminhos, onde a sustentabilidade física e cultural é a principal
característica e a necessidade fundamental.
Para nós, enquanto professores e professoras Pankararu, o que destacamos como experiência
exemplar é que fomos apenas uma ponte para atender a uma reivindicação de alunos, alunas e
da comunidade. São eles realmente os protagonistas, que constantemente avaliam o
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 43 .
andamento do curso e propõem formas de encaminhamentos de soluções de problemas e
mecanismos de aperfeiçoamento dos instrumentos pedagógicos utilizados.
Em relação à formação continuada dos professores, a coordenação pedagógica é executada
por um Modelo de Gestão específico, cuja formação e funcionamento são baseados na
organização geográfica e étnico-social do nosso Povo.
Também destacamos a formação continuada interna dos professores Pankararu, na qual
contamos com a participação da nossa organização COEP (Central de Organização das
Escolas Pankararu), onde a produção de materiais e de propostas e os projetos didáticos são
construídos coletivamente.
Em segundo plano vem a formação oferecida pela SEDUC, da qual participamos na
elaboração, enquanto COPIPE. Nessa formação, estamos construindo o Currículo Específico,
que tem as discussões na base como fundamento. Então, podemos direcionar nossos saberes a
todas as modalidades de ensino. Mas, sobretudo, propor o Ensino Médio como espaço de
aprendizagens que atende a um modelo de etno-sustentabilidade de nossas comunidades e de
nossos povos.
Quando propomos um Ensino Médio diferenciado, estamos propondo escolarização,
sistematização de saberes que a humanidade produziu e a profissionalização dos jovens o que,
do ponto de vista do Povo Pankararu, significa trabalhar as potencialidades, valorizar a
construção intelectual coletiva, mas também o fortalecimento da nossa identidade, a
sistematização dos saberes tradicionais e a produção de material didático de autoria indígena.
Assim, a nossa ótica sobre o Ser Pankararu nos remete a uma cosmovisão que considera o
território, o patrimônio territorial, a natureza e a ciência do Pankararu, uma reelaboração no
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 44 .
tempo, considerando também as transformações do ponto de vista político, econômico e do
ecossistema, mas buscando sempre estabelecer uma relação das práticas tradicionais, da
convivência e significação da construção e transmissão de saberes e valores.
Nota:
Professora e liderança Pankararu do Estado de Pernambuco.
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Presidente da República
Luís Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Ronaldo Mota
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Diretora do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância
Leila Lopes de Medeiros
Coordenadora Geral de Produção e Programação
Viviane de Paula Viana
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Sandra Maciel
Coordenação de Utilização e Avaliação
Carla Inerelli
Mônica Mufarrej
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TVE Brasil
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultor especialmente convidado
Gersem Baniwa
Email: [email protected]
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar - Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Maio 2007
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ENSINO MÉDIO E SUSTENTABILIDADE EM TERRAS INDÍGENAS 46 .
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Ensino Médio e sustentabilidade em terras indígenas