FRATERNIDADE E MEIO AMBIENTE: O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Roberto Malta Carvalho Filho1 _________________________________________________________________ Resumo “Não se trata só da sorte da sobrevivência do homem, mas do conceito que dele possuímos, não só de sua sobrevivência física, mas da integridade de sua essência”. Hans Jonas (1903 – 1993) formulou um novo e característico imperativo categórico, relacionado a um novo comportamento humanístico: “Age de tal forma que os efeitos de tua atuação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a terra”. Fazendo um comparativo com o pensamento de Jonas, transferindo para uma relação homem/natureza, seria sustentável uma forma de vida que não prejudique as bases de vida no nosso planeta (Princípio Responsabilidade) e não reduza as possibilidades de ação de gerações futuras (Desenvolvimento Sustentável). A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (conhecida como Rio+20) é considerado o maior evento já realizado pelas Nações Unidas, aconteceu no Rio de Janeiro entre 20 e 22 de junho, discutiu dois temas principais: (1) uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (2) o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável. Em primeiro lugar, será analisado O Princípio Responsabilidade aliado à Sustentabilidade como um alicerce político adequado para desenvolver uma vida que não seja apenas humanamente digna, mas também ofereça a possibilidade de as pessoas estarem felizes e satisfeitas e em perfeita harmonia com o meio ambiente. Em seguida, serão analisadas as decisões tomadas na Rio +20, decisões estas cruciais para o futuro ecológico do planeta. Por fim, deixar claro que o princípio fraterno desenvolvido por Jonas em consonância com a atual ideia de desenvolvimento sustentável torna possível o acréscimo na qualidade de vida realizando melhorias estruturais qualitativas, através de decisões políticas adequadas, com uma tarifa ecológica quase nula, pondo um fim na ideia de que “quanto mais alto o padrão de vida de uma sociedade, tanto menos sustentável é sua forma de vida”. O saber técnico deu ao ser humano um poder que exige novas responsabilidades que nenhuma ética anterior havia contemplado. __________________________________________________________________ Palavras-chave: Fraternidade; Princípio Responsabilidade; Desenvolvimento Sustentável. 1 Discente do 6º Período de Direito da Faculdade Asces (Brasil). E-mail: [email protected] O Princípio Responsabilidade e a Ética Antropocentrista A ética da responsabilidade que fundamenta o princípio desenvolvido por Jonas encontra-se aplicada em um ramo específico de estudo chamado Bioética. A Bioética surge a partir do século 20 como uma nova proposta de integração entre ser humano e natureza. A ascendente complexidade das intervenções científicas, especialmente na área da saúde, originou uma reflexão sobre essas questões. A Bioética amplia a seu âmbito de abrangência ao refletir pró-ativamente sobre novas situações, utilizando um vasto referencial teórico para dar suporte às suas discussões. É nesse cenário que surge uma nova ética orientada ao meio ambiente, uma reformulação da relação homem-natureza embasada em caracteres solidários. De fato, o século XX trouxe transformações jamais presenciadas em toda a história, um cenário de promissoras conquistas, mas também vislumbradas em suas insuspeitas ameaças. O ser humano determinado em sua própria condição sempre foi confrontado ao desafio de assegurar sua própria sobrevivência. A situação atual da humanidade, num certo sentido, não se distingue da situação de outras épocas. 2 O também desafio de mater uma relação saudável com a natureza é, de certa forma, uma constante na equação homem x desenvolvimento. Em “The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology”, escrito em 1966, Jonas estabelece um ponto de partida para a reflexão sobre a precariedade da vida e apresenta uma grande abordagem filosófica que essa biologia pode alcançar, reconduzindo a vida para uma posição privilegiada distante dos extremos do idealismo irreal e do limitado materialismo. A partir de então, Jonas inicia sua caminhada na busca pelas bases de uma nova ética, uma ética de responsabilidade, o que acabaria por culminar no ápice da sua vida intelectual. O choque causado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki foi apontado por Jonas como o marco inicial do abuso do homem sobre a natureza. Em uma entrevista publicada na edição 171 da revista Espirit na edição de maio de 1991 ele afirma: “Ela pôs em marcha o pensamento em direção a um novo tipo 2 FONSECA, L. S. G. Hans Jonas e a responsabilidade do homem frente ao desafio biotecnológico. 2009. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa para nós próprios o nosso poder, o poder do momem sobre a natureza”.3 Ele percebeu, portanto, que as prescrições éticas eram direcionadas à uma relação com o próximo no momento presente, o que caracterizava uma ética antropocêntrica, voltada apenas para a contemporaneidade. A partir do momento em que o se coloca como centro do universo, suas premissas éticas são baseadas nos seguintes princípios: “1) A condição humana, resultante da natureza do homem e das coisas, permanecia fundamentalmente fixa de uma vez para sempre; 2) Sobre essa base é possível determinar com clareza e sem dificuldades o bem humano; 3) O alcance da ação humana e da responsabilidade humana estava perfeitamente delimitada.” 4 No entanto, as premissas apontadas acima já não são mais válidas e o que se necessita são de mudanças nas atitudes humanas, o que, consequentemente, implicaria em uma mudança ética. Continuar percorrendo os caminhos supracitados, sem conceber o meio ambiente como digno de direitos e deveres é continuar trilhando os mesmos caminhos nos quais viemos trilhando até agora. Uma das maiores mudanças hoje constatada, senão a maior, é a vulnerabilidade da natureza à técnica do ser humano. Algo silencioso até perceber-se os danos causados. “A natureza, enquanto responsabilidade humana, é sem dúvida, um novum sobre o qual a teoria ética tem que refletir. Que classe de obrigação atua nela? Trata-se de mais que um interesse utilitário?” O homem estabeleceu com a natureza uma relação 5 de responsabilidade, pois ela se encontra sob seu poder. Esse novo poder da ação humana reforça mais ainda alterações necessárias na própria natureza da ética como dito anteriormente. 3 SIQUEIRA. J. E. de. Hans Jonas e a ética da responsabilidade. Londrina. UEL. 2005. JONAS, H. El principio de responsabilidade. Ensaio de uma ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Herder, 1995. p.23 5 Ibidem, p. 33. 4 Diante disso, Jonas formulou um novo imperativo categórico, relacionado a um novo tipo de ação humana: “Age de tal forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a terra” (JONAS, 1995, p.40) A primeira década do século XXI foi marcada por conflitos e Hans Jonas não só pode, como deve ser considerado um dos alicerces do pensamento filosófico contemporâneo. Os inúmeros desafios trazidos pela civilização tecnológica foram objetos de sua contribuição teórica.6 O dever com gerações futuras é um dever de toda a humanidade, sendo eles nossos descendentes ou não. Jonas percebeu que quanto mais nos preocuparmos com o futuro, mais teremos que agir no presente. A idéia de que o crescimento é continuado e ilimitado constitui o calcanhar de Aquiles da nossa civilização moderna. (In) Sustentabilidade Ao determinar o Princípio Responsabilidade, Jonas vislumbrou uma ética em que o mundo vegetal, mineral, animal, estratosfera e biosfera passam a ser parte da esfera da responsabilidade humana. Pensar a respeito da incerteza da vida futura é fruto de um equívoco cometido ao isolar o homem da natureza (sendo o ser humano a própria natureza). Somente uma ética fundamentada na magnitude do ser, poderia ter um significado verdadeiro e real das coisas em si. Para a maioria das pessoas sustentabilidade está relacionada apenas às emissões de gases para atmosfera como, por exemplo, o gás carbônico. De fato, esse é o principal motivo, mas não o único. Primeiramente, é bom esclarecer que o desenvolvimento sustentável não se restringe apenas a uma ação, mas sim, a um conjunto de paradigmas para os uso dos recursos que visam atender as necessidades humanas. O termo desenvolvimento sustentável foi cunhado em 1987 no Relatório Brundtland da ONU que estabelece que desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de 6 BATTESTIN, Cláudia; GHIGGI, Gomercindo. O princípio responsabilidade de Hans Jonas: um princípio ético para os novos tempos. Thaumazein, Ano III, número 06, Santa Maria (Outubro de 2010), pp. 69-85. futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades, devendo englobar a sustentabilidade ambiental (água, ar, solo, floresta e oceanos), econômica e sociopolítica.7 A sustentabilidade ecológica pode ser comparada com um vaso de flores: ele não impede o crescimento da planta, no entanto delimita o espaço no qual podem desenvolver suas raízes, dessa forma o equilíbrio ecológico não exclui fundamentalmente a condição de sustentabilidade do crestimento econômico, sociopolítico e do bem-estar, porém delimita o espaço dentro do qual esse crescimento pode ter lugar.8 Da mesma maneira que Jonas concebeu o meio ambiente como detentor de direitos e deveres no Princípio Responsabilidade, o desenvolvimento sustentável vislumbra a inserção da conservação do meio ambiente na política de desenvolvimento do país, porém, esse papel não deve ser somente de uma pessoa ou um governo. O meio ambiente deve ser um cuidado de todos com tudo. Ou seja, um dever fraterno e solidário. Em dezembro de 2009 foi realizada na cidade de Copenhague na Dinamarca a chamada COP-15. A problemática baseou-se na na emissão de CO2 na atmosfera e terminou de forma decepcionante. Os países mais desenvolvidos se escusaram de compromissos pela emissão de gases durante muitos anos, aumentando o efeito estufa, e tentaram jogar suas responsabilidades para os países em desenvolvimento. E isso é apenas o começo de um guerra de não-responsabilidade entre países desenvolvidos, que não querem reduzir o contingente de produção em nome do meio ambiente, e países em desenvolvimento, que também não pretendem desacelerar seu desenvolvimento. Quem possuir as melhores cartas começará em primeiro lugar a realizar o programa de desenvolvimento sustentável. Quem, dessa forma, for à frente com seu bom exemplo, poderá tornar manifestos os seus bons resultados e poder mostrá-los a todos: logo que os outros começarem a confiar, eles 7 TORRESI. S. I. Córdoba de. O que é sustentabilidade? Quim. Nova, Vol. 33, No. 1, 5, 2010 KESSELRING, T. Ètica, política e desenvolvimento humano: a justiça na era da globalização. Cap. X. Depois de nós, o dilúvio. A dimensão do meio ambiente / Thomas Kesselring: tradução de benno Dischinger – Caxias do Sul, RS : Educs, 2007, p. 224. 8 seguirão seus passos. Como todos sabem quais cartas cada um possui, já não se necessita de outros rituais, e o jogo pode começar.9 A consideração da natureza como mero recurso é, sem sombra de dúvida, uma das causas do problema. A natureza é um sistema complexo e de dependências recíprocas, do qual nós mesmos fazemos parte. A Constituição Federal de 1988 e o Meio Ambiente. Pode-se dizer que o movimento ambiental iniciou-se séculos atrás, como uma resposta à industrialização. No século XIX, os poetas românticos da GrãBretanha enalteceram as belezas naturais, foi uma dicotomia que continuou até o início do século XX. Em 1969, a primeira foto da terra vista do espaço tocou o coração de toda a humanidade com sua beleza e simplicidade. Ver pela primeira vez este “grande mar azul” em uma imensa galáxia chamou a atenção de muitos para o fato de que vivemos em uma única terra – um ecossistema interdependente e frágil. Daí em diante, a responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar desse ecossistema começou a surgir na consciência coletiva do mundo.10 Apesar de a preocupação com o meio ambiente não ser recente, somente na Constituição Federal de 1988 tem-se o grande marco do estabelecimento do direito ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, além de elevar a tutela do meio ambiente a princípio constitucional econômico, trata de forma abrangente e expressa a proteção jurídica ambiental. As constituições mais recentes passaram a abordar os temas relacionados ao meio ambiente com cuidado e como de elevada importância, sempre buscando uma política ambiental realista que valorize corretamente as realidades e necessidades locais, bem como mundiais. Prova disso são as repercussões mundiais em relação à questão ambiental, que acabam por exigir uma proteção mais efetiva do ambiente, a fim de que as consequências 9 Ibidem, p. 242 A Onu e o meio ambiente. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meioambiente/. Acesso em: 27 de agosto de 2012 às 21:20. 10 advindas de sua evidente degradação não atinjam a todos de modo irreversível.11 A Carta Magna de 88 manifesta claramente não só em título próprio, como também em diversos outros dispositivos legais a respeito da proteção jurídica do meio ambiente e dos recursos naturais, de forma a dar efetividade a garantia do indivíduo e atuação do próprio Estado. A Constituição de 1988 estabeleceu em seu artigo 225, caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Fixando, dessa maneira, os princípios em relação ao meio ambiente e estabelecendo, no parágrafo terceiro, que nas condutas que tenham como consequência a lesão do meio ambiente, as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, ficariam sujeitas não só à sanções penais, como também a administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano causado: “§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” A ideia era estabelecer uma nova forma de agir, pensar e, consequentemente, educar. Na Lex Mater de 88, o direito a um meio ambiente sadio foi consagrado como um direito fundamental do homem, uma vez que o Meio Ambiente constitui um bem comum do povo e, dessa forma, essencial para a qualidade de vida.12 A política de responsabilização penal das pessoas jurídicas representa um avanço na tutela penal do meio ambiente, mas não dever ser restrita somente às pessoas jurídicas de direito privado assim como a doutrina sugere. 11 VARELA, L. K. As Tutelas Constitucional e Penal do Meio Ambiente. Revista de Estudos Politécnicos – Polytechnical Studies Review. 2010, Vol. VIII, nº 13, 075-102. 12 GOMES, A. Legislação Ambiental e Direito: Um olhar sobre o Artigo 225 da Constituição da República federativa do Brasil. Revista Científica Eletrônica de Administração. Ano VIII, Número 14, Junho de 2008. É necessário que todas as pessoas jurídicas capazes de causar lesões ao meio ambiente fiquem sujeitas ao controle penal ambiental, o que implica, necessariamente, na sujeição criminal das pessoas jurídicas de direito público. As penas aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público são as de multa e de prestação de serviços à comunidade. Penas restritivas de direito não podem ser aplicadas às pessoa jurídicas públicas em face do princípio da pessoalidade previsto no art. 5º, XLV, da Carta Magna, já que, se aplicadas, limitariam excessivamente a capacidade de prestação de serviços públicos da condenada, resultando em prejuízo inevitável à população.13 A qualidade do meio ambiente é, sem dúvida, um patrimônio que merece ser preservado e, se possível, recuperado. O Poder Público, detentor do imperativo das normas, deve assegurar a qualidade de vida. O Direito Ambiental tem, portanto, a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais. A qualificação do direito ambiental como direito fundamental se torna indiscutível, tendo em vista que as constantes agressões causadas ao meio ambiente interferem diretamente nas condições básicas da vida humana e, consequentemente, no próprio conceito de existência, de ser humano. A Rio+20: Uma Visão Responsável. A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), a Rio+20, foi organizada de acordo com a Resolução 64/236 da Assembleia Geral e ocorreu no Brasil de 20 a 22 de junho de 2012. A Rio+20 aconteceu 20 anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, e teve como objetivo assegurar o comprometimento político renovado para o desenvolvimento sustentável, avaliando o progresso feito até o momento e as lacunas que ainda permanecem na implementação dos resultados dos principais encontros que tratam da sustentabilidade, além de se debruçar acerca dos desafios emergentes. 13 ARAÚJO, L. E. M. de. A Responsabilidade Penal do Estado por Condutas Lesivas ao Meio Ambiente. Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, abr. 2005. Disponível em <www.fesmpdft.org.br> No Contexto do processo da Rio+20, o “rascunho zero” (zero draft) da Conferência é oriundo das negociações entre os Estados-Membros, agências internacionais, ONG’s e grupos políticos. Consiste em um conjunto de regras pré-acordadas que foram discutidas e aprovadas durante o evento 14 No parágrafo nove do documento, os líderes reconheceram: “a necessidade de reforçar o desenvolvimento sustentável globalmente através de nossos esforços coletivos e nacionais, de acordo com o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas e o princípio do direito soberano de estados sobre seus recursos naturais” 15 (grifos nossos) A primeira década do século atual foi marcada de mudanças e conflitos, a contribuição teórica de Jonas busca responder aos inúmeros desafio que acompanharam a civilização tecnológica: “O enorme impacto do princípio Responsabilidade não se deve somente a sua fundamentação filosófica, mas ao sentimento geral, que até então os mais atentos observadores poderão permitir cada vez menos de que algo poderia ir mal para a humanidade, inclusive o tempo poderia estar em posição no marco de crescimento exagerado e crescente das interferências técnicas sobre a natureza, de pôr em jogo a própria existência.” 16 Quanto antes os seres humanos entenderem que possuem uma realidade transformadora, mais cedo eles começarão a contemplar uma ética fundada em princípios fraternos. Fraternidade essa que vai muito além dos campos ético e religioso. No que diz respeito ao estabelecimento do contexto da economia verde e dos desafios e oportunidades, os líderes corroboraram no parágrafo 25 que o desenvolvimento sustentável deve contribuir na erradicação da pobreza, na O Futuro que Queremos – Rascunho Zero do documento final. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/documentos/> Acesso em 28 de agosto de 2012 às 20:40. 15 Rascunho Zero. O Futuro que Queremos – Organização das Nações Unidas. 10 de janeiro de 2012. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/OFuturoqueQueremos_rascunho_zero.pdf> Acesso em 28 de agosto de 2012 às 21:01. 14 16 JONAS, H. Memórias. Madrid: Losada, 2005. p. 352-353. construção de cidades ecologicamente corretas e na preparação para desastres naturais, baseando-se no princípio de responsabilidade estabelecido na Rio-92. Tendo a economia verde como uma meta geral.17 No parágrafo 28 acordaram que cada país, respeitando a realidade específica de desenvolvimento social, econômico e ambiental assim como condições e prioridades particulares, fará as escolhas corretas.18 Essa medida comunga com uma categoria específica do Princípio Responsabilidade, que é a Heurística do Medo. O Princípio Responsabilidade de Jonas é o conjunto entrelaçado de algumas categorias. São elas: Heurística do Medo, Fim e o Valor, o Bem o Dever e o Ser, a relação entre a Responsabilidade Paterna, Política e Total. Essas categorias contribuiram para criar a base da configuração ética que Jonas propõe.19 A Heurística do Medo consiste na capacidade humana de solucionar problemas imprevistos, servindo com base de análise os perigos apresentados pela técnica. Verificando o pensamento de Jonas: “ Conter tal progresso deveria ser visto como nada mais do que uma precaução inteligente, acompanhada de uma simples decência em relação aos nossos descendentes. O medo que faz parte da responsabilidade não é aquele que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos convida agir. Trata-se de um medo que tem a ver com o objeto da responsabilidade. Trata-se de assumir a responsabilidade pelo futuro do homem.” 20 A concepção de que uma sociedade só é saudável se sua economia cresce, permanece encravada no pensamento moderno. A convivência com limitações não faz parte dos pontos pertencentes à modernidade. No entanto, a sustentabilidade nada mais é do que o reflexo do alerta sobre os limites do crescimento. No parágrafo 33 do documento final os líderes apoiaram a criação de uma plataforma internacional de compartilhamento de conhecimento que 17 18 19 20 Rascunho Zero. p. 03-04. Ibidem p. 06. (BATTESTIN, C. GHIGGI, G. 2010. p. 75.) (JONAS, 2006, p. 353) servirá para tornar mais fácil a elaboração e a implementação da economia verde pelos países. Dentre as medidas, encontram-se um instrumental de boas práticas na aplicação de políticas voltadas para a economia verde nos níveis locais, regionais e nacionais, e a criação de um diretório de tecnologia, financiamento e serviços técnicos que possam auxiliar os países em desenvolvimento. 21 Já no parágrafo 103, os líderes acordaram em remover barreiras que impedem a participação de mulheres na economia, um assunto recorrente quando se trata de desigualdade sexual, dando a elas a possibilidade de participação igualitária nas esferas de emprego, representação política, propriedade de recurso e de acesso à justiça. Ao nosso ver, tais disposições servem para alertar países em processo de desenvolvimento democrático. Países com democracias consolidadas não devem permitir que discussões como essas sejam reiteradas, muito menos em uma conferência onde o foco principal é a relação homem-natureza. Falando em justiça, John Rawls, filósofo norte-americano, desenvolveu o Princípio Diferença em uma época em que a sustentabilidade não era discutida. Segundo Rawls, uma sociedade justa é aquela em que os mais desfavorecidos se encontram em melhor situação. Para ele, “as desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de modo a serem ao mesmo tempo (a) para o maior benefício esperado pelos menos favorecidos e (b) vinculados a cargos e posições abertos a todos em condição de igualdade equitativa de oportunidades”.22 Esse é o núcleo do “Princípio Diferença”. Esse critério de justiça pode ser ampliado, sem maiores prejuízos, e incluir a participação dos prejudicados no “espaço ambiental”, sem deixar de lado, claro, os limites do desenvolvimento. Pensando dessa maneira, uma sociedade pode ter o status de justa a depender de como ela regula o acesso aos recursos naturais, sejam eles renováveis ou não, e de como ela permite, ou não, a população de 21 22 Rascunho Zero. p. 7. RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002. participar das decisões na formação de um desenvolvimento sustentável e na implementação da economia verde. O Rascunho Zero, em sua generalidade, combinou ideias, sugestões e comentários de 643 propostas enviadas pelos países participantes e instituições e foi o principal texto discutido pelos líderes mundiais na conferência para garantir um compromisso político renovado para o desenvolvimento sustentável. Deixando cada vez mais claro que o desenvolvimento sustentável, leia-se desenvolvimento fraterno, possui uma face política. Nas Palavras de Baggio: “O que é novo na trilogia de 1789 é a fraternidade adquirir uma dimensão política, pela sua aproximação e sua interação com os outros dois princípios que caracterizam as democracias atuais: a liberdade e a igualdade. Porque, de fati, até antes de 1789 falavase de fraternidade sem liberdade e a igualdade civis, políticas e sociais; ou fala-se de fraternidade em lugar delas. A trilogia revolucionária arranca a fraternidade do âmbito das interpretações – ainda que bem matizadas – da tradição e insere-a num contexto totalmente novo, ao lado da liberdade e da igualdade, compondo três princípios e ideais constitutivos de uma perspectiva política inédita.”23 Considerações Finais Ao desenvolver um novo imperativo categórico, Jonas cria uma nova responsabilidade para o mundo presente: o dever de cuidar do mundo futuro. Além de contribuir no estudo da bioética, ele apresentou como mandamento máximo da ética tradicional o conceito de zelar pelo bem comum. E nada mais comum do que o planeta em que vivemos. Jonas vê a responsabilidade com a natureza como um novum sobre a qual a nova ética deve se debruçar. A nova dimensão apresentada por Jonas leva em consideração a vulnerabilidade da natureza frente às inovações tecnológicas e ao conhecimento técnico do ser humano. Ele nos induz a entender que não BAGGIO, A. M. A redescoberta da fraternidade na época do “terceiro 1789”. Disponível em: < http://www.ruef.net.br/uploads/biblioteca/fa61be496c5f45e73ec9af6e8ddef74d.pdf> Acesso em 29/08/2012 às 18:49. 23 podemos mais viver como se fôssemos a última geração a passar pelo planeta. Casando perfeitamente com a ideia do desenvolvimento sustentável. Para o desenvolvimento de um caráter sustentável na sociedade não basta somente pensar em medidas protetórias ao meio ambiente. Não adianta pensar em desenvolvimento sustentável sem qualidade de vida. Não se trata de anulação do homem em favor da natureza ou vice-versa. Para o bem-estar e a qualidade de vida são necessárias a paz social, o correlacionamento de trabalho com interesses pessoais, o eficiente funcionamento das instituições políticas (Princípio Diferença) e jurídico estatais, acesso à boa educação, saúde e lazer em concordância com a possibilidade de estabelecer fins que sejam basicamente atingíveis. Para a política de desenvolvimento sustentável é importante verificar quais e quantos recursos materiais e energéticos são necessários para se levar uma vida que não seja simplesmente digna, mas que também tragam a possibilidade de as pessoas estarem felizes e satisfeitas no meio em que vivem. Em todos os campos supracitados é sim possível realizar melhorias estruturais através de decisões políticas corretas que sejam voltadas para o bem comum e que contem com a participação dos mais afetados e interessados: a população. Dessa maneira é possível por de lado a idéia de que quanto mais desenvolvida é uma sociedade menos sustentável se torna. A Suíça, considerado o país mais sustentável do mundo, reduziu o uso de combustíveis fósseis, nuclear e destaca-se com a baixíssima emissão de dióxido de carbono, boa qualidade do ar e políticas ambientais. No entanto, segundo dados divulgados pela ONU em 2010, possui um IDH com média de 0.874, o 13º do mundo. A Noruega por sua vez, possui a ambiciosa meta de compensar todas as emissões até 2030 através do financiamento de projetos sustentáveis em países desenvolvidos, e figura com a maior IDH do mundo, segundo dados de 2011, com uma média de 0,943 e com um PIB per capita de U$ 59.300,00, o terceiro maior do planeta. Quanto à Rio+20, o histórico da humanidade não nos autoriza a apostar sobre o sucesso de sua proposta, porém, também não nos autoriza a permanecer na inércia. Como prolatou Bobbio ao citar Kant: “Aqueles que afirmam que o mundo irá da mesma forma como foi até agora, contribuem para fazer com que a previsão deles se realize”24. O primeiro passo foi dado, as decisões tomadas, resta, no entanto, esperar. Torcer para que a Rio+20 saia do papel e passe a figurar na realidade do mundo em que vivemos. Referências Bibliográficas A Onu e o meio ambiente. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-emacao/a-onu-e-o-meio-ambiente/. Acesso em: 27 de agosto de 2012 às 21:20. ARAÚJO, L. E. M. de. A Responsabilidade Penal do Estado por Condutas Lesivas ao Meio Ambiente. Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, abr. 2005. Disponível em <www.fesmpdft.org.br> BAGGIO, A. M. A redescoberta da fraternidade na época do “terceiro 1789”. Disponível em: < http://www.ruef.net.br/uploads/biblioteca/fa61be496c5f45e73ec9af6e8ddef74d. pdf> Acesso em 29/08/2012 às 18:49. BATTESTIN, Cláudia; GHIGGI, Gomercindo. O princípio responsabilidade de Hans Jonas: um princípio ético para os novos tempos. Thaumazein, Ano III, número 06, Santa Maria (Outubro de 2010). BOBBIO, N. A era dos direitos. 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