FRATERNIDADE E MEIO
AMBIENTE: O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE E O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
Roberto Malta Carvalho Filho1
_________________________________________________________________
Resumo
“Não se trata só da sorte da sobrevivência do homem, mas do conceito que dele possuímos,
não só de sua sobrevivência física, mas da integridade de sua essência”. Hans Jonas (1903 –
1993) formulou um novo e característico imperativo categórico, relacionado a um novo
comportamento humanístico: “Age de tal forma que os efeitos de tua atuação sejam
compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a terra”. Fazendo um
comparativo com o pensamento de Jonas, transferindo para uma relação homem/natureza,
seria sustentável uma forma de vida que não prejudique as bases de vida no nosso planeta
(Princípio Responsabilidade) e não reduza as possibilidades de ação de gerações futuras
(Desenvolvimento Sustentável). A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (conhecida como Rio+20) é considerado o maior evento já realizado pelas Nações
Unidas, aconteceu no Rio de Janeiro entre 20 e 22 de junho, discutiu dois temas principais: (1)
uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da
pobreza; e (2) o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável. Em primeiro lugar,
será analisado O Princípio Responsabilidade aliado à Sustentabilidade como um alicerce
político adequado para desenvolver uma vida que não seja apenas humanamente digna, mas
também ofereça a possibilidade de as pessoas estarem felizes e satisfeitas e em perfeita
harmonia com o meio ambiente. Em seguida, serão analisadas as decisões tomadas na Rio
+20, decisões estas cruciais para o futuro ecológico do planeta. Por fim, deixar claro que o
princípio fraterno desenvolvido por Jonas em consonância com a atual ideia de
desenvolvimento sustentável torna possível o acréscimo na qualidade de vida realizando
melhorias estruturais qualitativas, através de decisões políticas adequadas, com uma tarifa
ecológica quase nula, pondo um fim na ideia de que “quanto mais alto o padrão de vida de uma
sociedade, tanto menos sustentável é sua forma de vida”. O saber técnico deu ao ser humano
um poder que exige novas responsabilidades que nenhuma ética anterior havia contemplado.
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Palavras-chave: Fraternidade; Princípio Responsabilidade; Desenvolvimento Sustentável.
1
Discente do 6º Período de Direito da Faculdade Asces (Brasil). E-mail: [email protected]
O Princípio Responsabilidade e a Ética Antropocentrista
A ética da responsabilidade que fundamenta o princípio desenvolvido
por Jonas encontra-se aplicada em um ramo específico de estudo chamado
Bioética. A Bioética surge a partir do século 20 como uma nova proposta de
integração entre ser humano e natureza. A ascendente complexidade das
intervenções científicas, especialmente na área da saúde, originou uma
reflexão sobre essas questões. A Bioética amplia a seu âmbito de abrangência
ao refletir pró-ativamente sobre novas situações, utilizando um vasto referencial
teórico para dar suporte às suas discussões.
É nesse cenário que surge uma nova ética orientada ao meio ambiente,
uma reformulação da relação homem-natureza embasada em caracteres
solidários.
De fato, o século XX trouxe transformações jamais presenciadas em
toda a história, um cenário de promissoras conquistas, mas também
vislumbradas em suas insuspeitas ameaças. O ser humano determinado em
sua própria condição sempre foi confrontado ao desafio de assegurar sua
própria sobrevivência. A situação atual da humanidade, num certo sentido, não
se distingue da situação de outras épocas. 2 O também desafio de mater uma
relação saudável com a natureza é, de certa forma, uma constante na equação
homem x desenvolvimento.
Em “The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology”, escrito
em 1966, Jonas estabelece um ponto de partida para a reflexão sobre a
precariedade da vida e apresenta uma grande abordagem filosófica que essa
biologia pode alcançar, reconduzindo a vida para uma posição privilegiada
distante dos extremos do idealismo irreal e do limitado materialismo.
A partir de então, Jonas inicia sua caminhada na busca pelas bases de
uma nova ética, uma ética de responsabilidade, o que acabaria por culminar no
ápice da sua vida intelectual.
O choque causado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki foi apontado
por Jonas como o marco inicial do abuso do homem sobre a natureza. Em uma
entrevista publicada na edição 171 da revista Espirit na edição de maio de
1991 ele afirma: “Ela pôs em marcha o pensamento em direção a um novo tipo
2
FONSECA, L. S. G. Hans Jonas e a responsabilidade do homem frente ao desafio
biotecnológico. 2009. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.
de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa para nós próprios
o nosso poder, o poder do momem sobre a natureza”.3 Ele percebeu, portanto,
que as prescrições éticas eram direcionadas à uma relação com o próximo no
momento presente, o que caracterizava uma ética antropocêntrica, voltada
apenas para a contemporaneidade.
A partir do momento em que o se coloca como centro do universo, suas
premissas éticas são baseadas nos seguintes princípios:
“1) A condição humana, resultante da natureza do homem e das
coisas, permanecia fundamentalmente fixa de uma vez para sempre;
2) Sobre essa base é possível determinar com clareza e sem
dificuldades o bem humano; 3) O alcance da ação humana e da
responsabilidade humana estava perfeitamente delimitada.”
4
No entanto, as premissas apontadas acima já não são mais válidas e o
que se necessita são de mudanças nas atitudes humanas, o que,
consequentemente, implicaria em uma mudança ética. Continuar percorrendo
os caminhos supracitados, sem conceber o meio ambiente como digno de
direitos e deveres é continuar trilhando os mesmos caminhos nos quais viemos
trilhando até agora.
Uma das maiores mudanças hoje constatada, senão a maior, é a
vulnerabilidade da natureza à técnica do ser humano. Algo silencioso até
perceber-se os danos causados.
“A natureza, enquanto responsabilidade humana, é sem dúvida, um
novum sobre o qual a teoria ética tem que refletir. Que classe de
obrigação atua nela? Trata-se de mais que um interesse utilitário?”
O
homem
estabeleceu
com
a
natureza
uma
relação
5
de
responsabilidade, pois ela se encontra sob seu poder. Esse novo poder da
ação humana reforça mais ainda alterações necessárias na própria natureza da
ética como dito anteriormente.
3
SIQUEIRA. J. E. de. Hans Jonas e a ética da responsabilidade. Londrina. UEL. 2005.
JONAS, H. El principio de responsabilidade. Ensaio de uma ética para la civilización tecnológica.
Barcelona: Herder, 1995. p.23
5
Ibidem, p. 33.
4
Diante
disso,
Jonas
formulou
um
novo
imperativo
categórico,
relacionado a um novo tipo de ação humana: “Age de tal forma que os efeitos
de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana
autêntica sobre a terra” (JONAS, 1995, p.40)
A primeira década do século XXI foi marcada por conflitos e Hans Jonas
não só pode, como deve ser considerado um dos alicerces do pensamento
filosófico contemporâneo. Os inúmeros desafios trazidos pela civilização
tecnológica foram objetos de sua contribuição teórica.6
O dever com gerações futuras é um dever de toda a humanidade, sendo
eles nossos descendentes ou não. Jonas percebeu que quanto mais nos
preocuparmos com o futuro, mais teremos que agir no presente. A idéia de que
o crescimento é continuado e ilimitado constitui o calcanhar de Aquiles da
nossa civilização moderna.
(In) Sustentabilidade
Ao determinar o Princípio Responsabilidade, Jonas vislumbrou uma ética
em que o mundo vegetal, mineral, animal, estratosfera e biosfera passam a ser
parte da esfera da responsabilidade humana. Pensar a respeito da incerteza da
vida futura é fruto de um equívoco cometido ao isolar o homem da natureza
(sendo o ser humano a própria natureza). Somente uma ética fundamentada na
magnitude do ser, poderia ter um significado verdadeiro e real das coisas em
si.
Para a maioria das pessoas sustentabilidade está relacionada apenas às
emissões de gases para atmosfera como, por exemplo, o gás carbônico. De
fato, esse é o principal motivo, mas não o único. Primeiramente, é bom
esclarecer que o desenvolvimento sustentável não se restringe apenas a uma
ação, mas sim, a um conjunto de paradigmas para os uso dos recursos que
visam
atender as necessidades humanas.
O
termo
desenvolvimento
sustentável foi cunhado em 1987 no Relatório Brundtland da ONU que
estabelece que desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de
satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de
6
BATTESTIN, Cláudia; GHIGGI, Gomercindo. O princípio responsabilidade de Hans Jonas: um
princípio ético para os novos tempos. Thaumazein, Ano III, número 06, Santa Maria (Outubro de 2010),
pp. 69-85.
futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades, devendo
englobar a sustentabilidade ambiental (água, ar, solo, floresta e oceanos),
econômica e sociopolítica.7
A sustentabilidade ecológica pode ser comparada com um vaso de
flores: ele não impede o crescimento da planta, no entanto delimita o espaço
no qual podem desenvolver suas raízes, dessa forma o equilíbrio ecológico não
exclui fundamentalmente a condição de sustentabilidade do crestimento
econômico, sociopolítico e do bem-estar, porém delimita o espaço dentro do
qual esse crescimento pode ter lugar.8
Da mesma maneira que Jonas concebeu o meio ambiente como
detentor
de
direitos
e
deveres
no
Princípio
Responsabilidade,
o
desenvolvimento sustentável vislumbra a inserção da conservação do meio
ambiente na política de desenvolvimento do país, porém, esse papel não deve
ser somente de uma pessoa ou um governo. O meio ambiente deve ser um
cuidado de todos com tudo. Ou seja, um dever fraterno e solidário.
Em dezembro de 2009 foi realizada na cidade de Copenhague na
Dinamarca a chamada COP-15. A problemática baseou-se na na emissão de
CO2 na atmosfera e terminou de forma decepcionante. Os países mais
desenvolvidos se escusaram de compromissos pela emissão de gases durante
muitos
anos,
aumentando
o
efeito
estufa,
e
tentaram
jogar
suas
responsabilidades para os países em desenvolvimento. E isso é apenas o
começo de um guerra de não-responsabilidade entre países desenvolvidos,
que não querem reduzir o contingente de produção em nome do meio
ambiente, e países em desenvolvimento, que também não pretendem
desacelerar seu desenvolvimento.
Quem possuir as melhores cartas começará em primeiro lugar a realizar
o programa de desenvolvimento sustentável. Quem, dessa forma, for à frente
com seu bom exemplo, poderá tornar manifestos os seus bons resultados e
poder mostrá-los a todos: logo que os outros começarem a confiar, eles
7
TORRESI. S. I. Córdoba de. O que é sustentabilidade? Quim. Nova, Vol. 33, No. 1, 5, 2010
KESSELRING, T. Ètica, política e desenvolvimento humano: a justiça na era da globalização.
Cap. X. Depois de nós, o dilúvio. A dimensão do meio ambiente / Thomas Kesselring: tradução de benno
Dischinger – Caxias do Sul, RS : Educs, 2007, p. 224.
8
seguirão seus passos. Como todos sabem quais cartas cada um possui, já não
se necessita de outros rituais, e o jogo pode começar.9
A consideração da natureza como mero recurso é, sem sombra de
dúvida, uma das causas do problema. A natureza é um sistema complexo e de
dependências recíprocas, do qual nós mesmos fazemos parte.
A Constituição Federal de 1988 e o Meio Ambiente.
Pode-se dizer que o movimento ambiental iniciou-se séculos atrás, como
uma resposta à industrialização. No século XIX, os poetas românticos da GrãBretanha enalteceram as belezas naturais, foi uma dicotomia que continuou até
o início do século XX.
Em 1969, a primeira foto da terra vista do espaço tocou o coração de
toda a humanidade com sua beleza e simplicidade. Ver pela primeira vez este
“grande mar azul” em uma imensa galáxia chamou a atenção de muitos para o
fato de que vivemos em uma única terra – um ecossistema interdependente e
frágil. Daí em diante, a responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar
desse ecossistema começou a surgir na consciência coletiva do mundo.10
Apesar de a preocupação com o meio ambiente não ser recente,
somente na Constituição Federal de 1988 tem-se o grande marco do
estabelecimento do direito ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, uma
vez que, além de elevar a tutela do meio ambiente a princípio constitucional
econômico, trata de forma abrangente e expressa a proteção jurídica
ambiental.
As constituições mais recentes passaram a abordar os temas
relacionados ao meio ambiente com cuidado e como de elevada importância,
sempre buscando uma política ambiental realista que valorize corretamente as
realidades e necessidades locais, bem como mundiais. Prova disso são as
repercussões mundiais em relação à questão ambiental, que acabam por exigir
uma proteção mais efetiva do ambiente, a fim de que as consequências
9
Ibidem, p. 242
A Onu e o meio ambiente. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meioambiente/. Acesso em: 27 de agosto de 2012 às 21:20.
10
advindas de sua evidente degradação não atinjam a todos de modo
irreversível.11
A Carta Magna de 88 manifesta claramente não só em título próprio,
como também em diversos outros dispositivos legais a respeito da proteção
jurídica do meio ambiente e dos recursos naturais, de forma a dar efetividade a
garantia do indivíduo e atuação do próprio Estado.
A Constituição de 1988 estabeleceu em seu artigo 225, caput:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Fixando, dessa maneira, os princípios em relação ao meio ambiente e
estabelecendo, no parágrafo terceiro, que nas condutas que tenham como
consequência a lesão do meio ambiente, as pessoas, sejam elas físicas ou
jurídicas, ficariam sujeitas não só à sanções penais, como também a
administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano causado:
“§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções
penais
e
administrativas,
independentemente
da
obrigação de reparar os danos causados.”
A ideia era estabelecer uma nova forma de agir, pensar e,
consequentemente, educar. Na Lex Mater de 88, o direito a um meio ambiente
sadio foi consagrado como um direito fundamental do homem, uma vez que o
Meio Ambiente constitui um bem comum do povo e, dessa forma, essencial
para a qualidade de vida.12
A política de responsabilização penal das pessoas jurídicas representa
um avanço na tutela penal do meio ambiente, mas não dever ser restrita
somente às pessoas jurídicas de direito privado assim como a doutrina sugere.
11
VARELA, L. K. As Tutelas Constitucional e Penal do Meio Ambiente. Revista de Estudos
Politécnicos – Polytechnical Studies Review. 2010, Vol. VIII, nº 13, 075-102.
12
GOMES, A. Legislação Ambiental e Direito: Um olhar sobre o Artigo 225 da Constituição da
República federativa do Brasil. Revista Científica Eletrônica de Administração. Ano VIII, Número 14,
Junho de 2008.
É necessário que todas as pessoas jurídicas capazes de causar lesões ao
meio ambiente fiquem sujeitas ao controle penal ambiental, o que implica,
necessariamente, na sujeição criminal das pessoas jurídicas de direito público.
As penas aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público são as de
multa e de prestação de serviços à comunidade. Penas restritivas de direito
não podem ser aplicadas às pessoa jurídicas públicas em face do princípio da
pessoalidade previsto no art. 5º, XLV, da Carta Magna, já que, se aplicadas,
limitariam excessivamente a capacidade de prestação de serviços públicos da
condenada, resultando em prejuízo inevitável à população.13
A qualidade do meio ambiente é, sem dúvida, um patrimônio que merece
ser preservado e, se possível, recuperado. O Poder Público, detentor do
imperativo das normas, deve assegurar a qualidade de vida. O Direito
Ambiental tem, portanto, a função de integrar os direitos à saudável qualidade
de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais.
A qualificação do direito ambiental como direito fundamental se torna
indiscutível, tendo em vista que as constantes agressões causadas ao meio
ambiente interferem diretamente nas condições básicas da vida humana e,
consequentemente, no próprio conceito de existência, de ser humano.
A Rio+20: Uma Visão Responsável.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(UNCSD), a Rio+20, foi organizada de acordo com a Resolução 64/236 da
Assembleia Geral e ocorreu no Brasil de 20 a 22 de junho de 2012.
A Rio+20 aconteceu 20 anos depois da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992,
e teve como objetivo assegurar o comprometimento político renovado para o
desenvolvimento sustentável, avaliando o progresso feito até o momento e as
lacunas que ainda permanecem na implementação dos resultados dos
principais encontros que tratam da sustentabilidade, além de se debruçar
acerca dos desafios emergentes.
13
ARAÚJO, L. E. M. de. A Responsabilidade Penal do Estado por Condutas Lesivas ao Meio
Ambiente. Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, abr.
2005. Disponível em <www.fesmpdft.org.br>
No Contexto do processo da Rio+20, o “rascunho zero” (zero draft) da
Conferência é oriundo das negociações entre os Estados-Membros, agências
internacionais, ONG’s e grupos políticos. Consiste em um conjunto de regras
pré-acordadas que foram discutidas e aprovadas durante o evento
14
No parágrafo nove do documento, os líderes reconheceram:
“a necessidade de reforçar o desenvolvimento sustentável
globalmente através de nossos esforços coletivos e nacionais, de
acordo com o princípio de responsabilidades comuns, mas
diferenciadas e o princípio do direito soberano de estados sobre
seus recursos naturais” 15 (grifos nossos)
A primeira década do século atual foi marcada de mudanças e conflitos,
a contribuição teórica de Jonas busca responder aos inúmeros desafio que
acompanharam a civilização tecnológica:
“O enorme impacto do princípio Responsabilidade não se deve
somente a sua fundamentação filosófica, mas ao sentimento geral,
que até então os mais atentos observadores poderão permitir cada
vez menos de que algo poderia ir mal para a humanidade,
inclusive o tempo poderia estar em posição no marco de
crescimento exagerado e crescente das interferências técnicas
sobre a natureza, de pôr em jogo a própria existência.”
16
Quanto antes os seres humanos entenderem que possuem uma
realidade transformadora, mais cedo eles começarão a contemplar uma ética
fundada em princípios fraternos. Fraternidade essa que vai muito além dos
campos ético e religioso.
No que diz respeito ao estabelecimento do contexto da economia verde
e dos desafios e oportunidades, os líderes corroboraram no parágrafo 25 que o
desenvolvimento sustentável deve contribuir na erradicação da pobreza, na
O Futuro que Queremos – Rascunho Zero do documento final. Disponível em:
<http://www.onu.org.br/rio20/documentos/> Acesso em 28 de agosto de 2012 às 20:40.
15
Rascunho Zero. O Futuro que Queremos – Organização das Nações Unidas. 10 de janeiro de
2012.
Disponível
em:
<http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/OFuturoqueQueremos_rascunho_zero.pdf> Acesso em 28 de
agosto de 2012 às 21:01.
14
16
JONAS, H. Memórias. Madrid: Losada, 2005. p. 352-353.
construção de cidades ecologicamente corretas e na preparação para
desastres naturais, baseando-se no princípio de responsabilidade estabelecido
na Rio-92. Tendo a economia verde como uma meta geral.17
No parágrafo 28 acordaram que cada país, respeitando a realidade
específica de desenvolvimento social, econômico e ambiental assim como
condições e prioridades particulares, fará as escolhas corretas.18 Essa medida
comunga com uma categoria específica do Princípio Responsabilidade, que é a
Heurística do Medo.
O Princípio Responsabilidade de Jonas é o conjunto entrelaçado de
algumas categorias. São elas: Heurística do Medo, Fim e o Valor, o Bem o
Dever e o Ser, a relação entre a Responsabilidade Paterna, Política e Total.
Essas categorias contribuiram para criar a base da configuração ética que
Jonas propõe.19
A Heurística do Medo consiste na capacidade humana de solucionar
problemas imprevistos, servindo com base de análise os perigos apresentados
pela técnica. Verificando o pensamento de Jonas:
“ Conter tal progresso deveria ser visto como nada mais do que
uma precaução inteligente, acompanhada de uma simples
decência em relação aos nossos descendentes. O medo que faz
parte da responsabilidade não é aquele que nos aconselha a não
agir, mas aquele que nos convida agir. Trata-se de um medo que
tem a ver com o objeto da responsabilidade. Trata-se de assumir a
responsabilidade pelo futuro do homem.” 20
A concepção de que uma sociedade só é saudável se sua economia
cresce, permanece encravada no pensamento moderno. A convivência com
limitações não faz parte dos pontos pertencentes à modernidade. No entanto, a
sustentabilidade nada mais é do que o reflexo do alerta sobre os limites do
crescimento.
No parágrafo 33 do documento final os líderes apoiaram a criação de
uma plataforma internacional de compartilhamento de conhecimento que
17
18
19
20
Rascunho Zero. p. 03-04.
Ibidem p. 06.
(BATTESTIN, C. GHIGGI, G. 2010. p. 75.)
(JONAS, 2006, p. 353)
servirá para tornar mais fácil a elaboração e a implementação da economia
verde pelos países. Dentre as medidas, encontram-se um instrumental de boas
práticas na aplicação de políticas voltadas para a economia verde nos níveis
locais, regionais e nacionais, e a criação de um diretório de tecnologia,
financiamento e serviços técnicos que possam auxiliar os países em
desenvolvimento. 21
Já no parágrafo 103, os líderes acordaram em remover barreiras que
impedem a participação de mulheres na economia, um assunto recorrente
quando se trata de desigualdade sexual, dando a elas a possibilidade de
participação igualitária nas esferas de emprego, representação política,
propriedade de recurso e de acesso à justiça. Ao nosso ver, tais disposições
servem para alertar países em processo de desenvolvimento democrático.
Países com democracias consolidadas não devem permitir que discussões
como essas sejam reiteradas, muito menos em uma conferência onde o foco
principal é a relação homem-natureza.
Falando em justiça, John Rawls, filósofo norte-americano, desenvolveu o
Princípio Diferença
em uma época em que a sustentabilidade não era
discutida. Segundo Rawls, uma sociedade justa é aquela em que os mais
desfavorecidos se encontram em melhor situação. Para ele,
“as desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de
modo a serem ao mesmo tempo (a) para o maior benefício
esperado pelos menos favorecidos e (b) vinculados a cargos e
posições abertos a todos em condição de igualdade equitativa de
oportunidades”.22
Esse é o núcleo do “Princípio Diferença”. Esse critério de justiça pode
ser ampliado, sem maiores prejuízos, e incluir a participação dos prejudicados
no
“espaço
ambiental”,
sem
deixar
de
lado,
claro,
os
limites
do
desenvolvimento. Pensando dessa maneira, uma sociedade pode ter o status
de justa a depender de como ela regula o acesso aos recursos naturais, sejam
eles renováveis ou não, e de como ela permite, ou não, a população de
21
22
Rascunho Zero. p. 7.
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
participar das decisões na formação de um desenvolvimento sustentável e na
implementação da economia verde.
O Rascunho Zero, em sua generalidade, combinou ideias, sugestões e
comentários de 643 propostas enviadas pelos países participantes e
instituições e foi o principal texto discutido pelos líderes mundiais na
conferência para garantir um compromisso político renovado para o
desenvolvimento
sustentável.
Deixando
cada
vez
mais
claro
que
o
desenvolvimento sustentável, leia-se desenvolvimento fraterno, possui uma
face política. Nas Palavras de Baggio:
“O que é novo na trilogia de 1789 é a fraternidade adquirir uma
dimensão política, pela sua aproximação e sua interação com os
outros dois princípios que caracterizam as democracias atuais: a
liberdade e a igualdade. Porque, de fati, até antes de 1789 falavase de fraternidade sem liberdade e a igualdade civis, políticas e
sociais; ou fala-se de fraternidade em lugar delas. A trilogia
revolucionária arranca a fraternidade do âmbito das interpretações
– ainda que bem matizadas – da tradição e insere-a num contexto
totalmente novo, ao lado da liberdade e da igualdade, compondo
três princípios e ideais constitutivos de uma perspectiva política
inédita.”23
Considerações Finais
Ao desenvolver um novo imperativo categórico, Jonas cria uma nova
responsabilidade para o mundo presente: o dever de cuidar do mundo futuro.
Além de contribuir no estudo da bioética, ele apresentou como mandamento
máximo da ética tradicional o conceito de zelar pelo bem comum. E nada mais
comum do que o planeta em que vivemos. Jonas vê a responsabilidade com a
natureza como um novum sobre a qual a nova ética deve se debruçar.
A nova dimensão apresentada por Jonas leva em consideração a
vulnerabilidade
da
natureza
frente
às
inovações
tecnológicas
e
ao
conhecimento técnico do ser humano. Ele nos induz a entender que não
BAGGIO, A. M. A redescoberta da fraternidade na época do “terceiro 1789”. Disponível em: <
http://www.ruef.net.br/uploads/biblioteca/fa61be496c5f45e73ec9af6e8ddef74d.pdf>
Acesso
em
29/08/2012 às 18:49.
23
podemos mais viver como se fôssemos a última geração a passar pelo planeta.
Casando perfeitamente com a ideia do desenvolvimento sustentável.
Para o desenvolvimento de um caráter sustentável na sociedade não
basta somente pensar em medidas protetórias ao meio ambiente. Não adianta
pensar em desenvolvimento sustentável sem qualidade de vida. Não se trata
de anulação do homem em favor da natureza ou vice-versa. Para o bem-estar
e a qualidade de vida são necessárias a paz social, o correlacionamento de
trabalho com interesses pessoais, o eficiente funcionamento das instituições
políticas (Princípio Diferença) e jurídico estatais, acesso à boa educação,
saúde e lazer em concordância com a possibilidade de estabelecer fins que
sejam basicamente atingíveis.
Para a política de desenvolvimento sustentável é importante verificar
quais e quantos recursos materiais e energéticos são necessários para se levar
uma vida que não seja simplesmente digna, mas que também tragam a
possibilidade de as pessoas estarem felizes e satisfeitas no meio em que
vivem.
Em todos os campos supracitados é sim possível realizar melhorias
estruturais através de decisões políticas corretas que sejam voltadas para o
bem comum e que contem com a participação dos mais afetados e
interessados: a população. Dessa maneira é possível por de lado a idéia de
que quanto mais desenvolvida é uma sociedade menos sustentável se torna. A
Suíça, considerado o país mais sustentável do mundo, reduziu o uso de
combustíveis fósseis, nuclear e destaca-se com a baixíssima emissão de
dióxido de carbono, boa qualidade do ar e políticas ambientais. No entanto,
segundo dados divulgados pela ONU em 2010, possui um IDH com média de
0.874, o 13º do mundo. A Noruega por sua vez, possui a ambiciosa meta de
compensar todas as emissões até 2030 através do financiamento de projetos
sustentáveis em países desenvolvidos, e figura com a maior IDH do mundo,
segundo dados de 2011, com uma média de 0,943 e com um PIB per capita de
U$ 59.300,00, o terceiro maior do planeta.
Quanto à Rio+20, o histórico da humanidade não nos autoriza a apostar
sobre o sucesso de sua proposta, porém, também não nos autoriza a
permanecer na inércia. Como prolatou Bobbio ao citar Kant: “Aqueles que
afirmam que o mundo irá da mesma forma como foi até agora, contribuem para
fazer com que a previsão deles se realize”24. O primeiro passo foi dado, as
decisões tomadas, resta, no entanto, esperar. Torcer para que a Rio+20 saia
do papel e passe a figurar na realidade do mundo em que vivemos.
Referências Bibliográficas
A Onu e o meio ambiente. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-emacao/a-onu-e-o-meio-ambiente/. Acesso em: 27 de agosto de 2012 às 21:20.
ARAÚJO, L. E. M. de. A Responsabilidade Penal do Estado por Condutas
Lesivas ao Meio Ambiente. Fundação Escola Superior do Ministério Público do
Distrito
Federal
e
Territórios,
Brasília,
abr.
2005.
Disponível
em
<www.fesmpdft.org.br>
BAGGIO, A. M. A redescoberta da fraternidade na época do “terceiro 1789”.
Disponível
em:
<
http://www.ruef.net.br/uploads/biblioteca/fa61be496c5f45e73ec9af6e8ddef74d.
pdf> Acesso em 29/08/2012 às 18:49.
BATTESTIN, Cláudia; GHIGGI, Gomercindo. O princípio responsabilidade de
Hans Jonas: um princípio ético para os novos tempos. Thaumazein, Ano III,
número 06, Santa Maria (Outubro de 2010).
BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: campus, 1992.
FONSECA, L. S. G. Hans Jonas e a responsabilidade do homem frente ao
desafio biotecnológico. 2009. Tese de Doutorado. Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte.
GOMES, A. Legislação Ambiental e Direito: Um olhar sobre o Artigo 225 da
Constituição da República federativa do Brasil. Revista Científica Eletrônica de
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24
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fraternidade e meio ambiente: o princípio