ADOÇÃO
Rosa Sender Lang(1)
Renata Ferreira da Cunha(2)
Isabel Cardoso Mandarini(3)
Gizeuda Motta Machado(4)
Ana Rosa Wajnperlach(5)
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de compartilhar algumas idéias que surgiram nas discussões do grupo de
Intervenção Precoce a partir da observação de uma criança em vias de adoção. Esta observação da relação mãe
bebê feita com aplicação do método de Esther Bick gerou reflexões sobre os dilemas inerentes ao processo
adotivo, nos fazendo recorrer aos trabalhos de Winnicott para ajudar nesta compreensão. Pretendemos colocar
aqui os aspectos gerais da adoção, abarcando dificuldades de pais e filhos adotivos no nascimento dessa relação
parental e na busca de uma integração familiar sadia.
Palavras-chave: Adoção, dilema, observação da relação mãe bebê, preocupação materna primária.
ABSTRACT
This work aims to share some ideas that emerged in discussions of the “First Intervention” group from the
observation of a child in the process of adoption. This observation of the relationship between the mother and her
baby, made with Esther’s Bick method, generated reflections on the dilemmas inherent in the adoptive process. It
further us to the investigation of Winnicott works, to help in this understanding. As a consequence, there will be
mentioned the general aspects of adoption, bringing the difficulties of parents and their adoptive children in this
new process of parent-child relationship, whit the objective of a healthy family integration.
Key words: Adoption, dilemma, observation of the relationship between the mother and her baby, ordinary
devoted mother.
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(1)Analista Didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro; Coordenadora do grupo de ORMB e
Intervenção Precoce;
(2)Psicóloga; Advogada; Membro do grupo de ORMB e Intervenção Precoce;
(3)Psicóloga; Membro do IEP da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro; Membro do grupo de ORMB e
Intervenção Precoce;
(4)Psicóloga; Membro do grupo de ORMB e Intervenção Precoce;
(5)Psicóloga; especialista em saúde mental pelo IPUB-RJ (Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil);
Membro do grupo de ORMB e Intervenção Precoce;
INTRODUÇÃO
Iniciaremos este trabalho refletindo sobre o significado da palavra adoção.
Encontramos, no dicionário Michaelis, o significado desta e de outras relacionadas a ela,
como adotante e adotivo, mas nada havia em relação a palavra adotado, o que nos causou
estranheza. O termo adotivo nos chamou atenção por ser definido como estranho, enxertado
ou postiço (http://michaelis.uol.com.br). Tal conceito nos remete a idéia do senso comum
sobre filhos adotivos, pois em muitas culturas são vistos como postiços; enxertados numa
família que não é a sua de origem. Como todo enxerto, poderá aderir ao ramo, tornando-se
parte integrante da família, ou ser rejeitado por ele, mantendo-se estranho, alheio e algumas
vezes expelido. Poderá ainda se fundir de tal forma a esta nova configuração familiar que
perderá suas raízes.
Estas idéias trazem em essência o dilema da adoção – a incerteza de seu futuro.
DILEMAS NA ADOÇÃO
Muitos são os questionamentos que surgem quando pensamos em adoção, como por
exemplo, qual a história anterior a adoção? Houve institucionalização ou não? Quanto tempo
permaneceu? Em que idade? Que privação sofreu? Qual a história de quem deseja adotar?
Trata-se de um casal ou de uma pessoa solteira? O que motivou a adoção? A impossibilidade
de ter filhos ou o desejo de acolher uma criança? Todas as perguntas são tentativas de
nortearmos os diferentes aspectos que envolvem a adoção. Esta implica numa gestação
psíquica e no nascimento de uma relação parental, e como tal, geradora de angústias,
fantasias, preocupações e ambivalências.
Winnicott vai falar de algumas armadilhas no processo de adoção, salientando a
importância de se pensar na motivação que está levando os pais a adotarem, pois se esta for
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para atender apenas as próprias necessidades, poderá culminar numa adoção fracassada, que
seria tão desastrosa para a criança, ao ponto de ter sido melhor a ausência da tentativa. O autor
faz referência também ao tempo levado para se concretizar uma adoção e às conseqüências de
uma demora nesses casos, demonstrando que já naquela época havia uma preocupação com
um longo período levado por este processo (2008, pag.126 e 127). Esta preocupação se
mantém até os dias de hoje, visto que no Brasil acabou de ser sancionada a nova lei nacional
de adoção, criando mecanismos para acelerar o processo adotivo e evitar que os menores
fiquem mais de dois anos em algum abrigo. Nesta questão temporal citada, o autor fala dos
“pais que finalmente decidiram adotar um bebê estão prontos para adoção, e a demora de
inclusive uns poucos meses pode não ser sadia”. Destacamos em negrito a palavra finalmente
para reforçarmos que quando os pais decidem pela adoção, engravidam desta idéia,
assemelhando-se aos pais biológicos, que esperam ansiosamente o nascimento do seu bebê.
Este será o período em que os pais adotivos criam internamente o bebê e esse tempo leva
naturalmente a uma regressão que irá capacitá-los a entrar num estágio que Winnicott nomeia
como preocupação materna primária. Porém, quando existe uma demora exacerbada na vinda
desse bebê, os pais podem perder parte da disponibilidade especial.
Cabe lembrar que essa disponibilidade especial, chamada de preocupação materna
primária, refere-se a “uma sensibilidade exacerbada durante e principalmente no final da
gravidez” (2000, pag. 401). Ele esclarece ainda que a mãe adotiva pode ser capaz de entrar
neste estágio de preocupação semelhante a uma gestante, identificando-se com o futuro bebê e
indo ao encontro de suas necessidades, conseguindo intuitivamente saber quais cuidados essa
criança precisa, o que não consegue tolerar e o que a angustia, pois todo bebê recém chegado
necessita de tempo para que seja possível conhecer suas idiossincrasias.
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OBSERVAÇÃO DA RELAÇÃO MÃE BEBÊ
Tivemos a oportunidade de acompanhar numa observação da relação mãe bebê, os
obstáculos no percurso de uma adoção e a importância de sua legalização. Uma adoção
concluída judicialmente vai permitir estabelecer o sentimento de pertencimento à família,
autorizando mãe e bebê a vivenciarem seus papéis com maior segurança na nova configuração
familiar que começou a ser delineada. Exemplificaremos essa questão com o relato da
observação.
Bia é uma mulher solteira e bem sucedida, com mais de quarenta anos e que não pode
ter filhos. Decidiu pela adoção, mas enfrentou muitas dificuldades burocráticas neste
processo, o que impediu a chegada de uma criança por essa via. Seus amigos sabiam sua
intenção de adotar e através deles recebeu a notícia de uma criança que precisava de cuidados,
pois a mãe biológica, ainda adolescente, não tinha condições emocionais e financeiras para
cuidar de um bebê.
G. tinha três meses quando Bia passou a se responsabilizar por seus cuidados, tendo
apenas autorização verbal de C. Entretanto, algum tempo depois C desistiu, pegando a filha e
permanecendo com ela por quase um mês sem dar notícias. Bia foi avisada de que a criança
não estava recebendo cuidados, sendo deixada sozinha enquanto a mãe saía para noitadas.
Voltou a conversar com C, objetivando tentar novamente cuidar de G. e conseguiu obter outra
autorização verbal, criando a menina “como sua filha” até os presentes dias, mas mantendo
um contato com C esporadicamente.
Quando G. estava com um ano e meio, Bia soube, através de sua analista, do trabalho
de observação da relação mãe bebê e entrou em contato com a respectiva coordenadora para
solicitar uma observação, pois estava preocupada com os efeitos destas idas e vindas da filha
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à casa de C. Muitas coisas foram observadas neste período, mas a expressão constante de
ambivalência da mãe foi uma que causou certo mal estar, pois Bia ameaçava com freqüência
que devolveria a criança caso esta ficasse parecida com a mãe biológica. Porém, quando foi
autorizada a adoção legal, esta fala não mais apareceu nas observações, o que nos fez pensar
na importância da concretização dessa relação parental para Bia.
Winnicott diz que “uma adoção legal dá a criança o sentimento de pertencer à família”
(2008, Pag. 127) e diante desta observação, acrescentamos a idéia de que o mesmo sentimento
é partilhado pelos pais, pois “quando existe um sentimento de ‘estar em família’, as relações
entre a criança e os adultos podem sobreviver aos períodos de desentendimento” (2005,
Pag.42). Contudo, isto não significa dizer que haverá ausência de estranhamento nessa
adaptação, pois é natural que as crianças possam apresentar certa dificuldade neste novo lar.
Se essas crianças tiverem uma adaptação muito rápida e não apresentarem problemas,
poderemos pensar que pode haver “uma aceitação artificial das novas condições” (2005,
Pag.43), culminando na formação de um falso self como forma defensiva de adaptação
psíquica.
Podemos dividir os problemas da adoção em duas categorias: a primeira estaria
relacionada aos problemas comuns de uma adoção e inerentes a esta situação, e a segunda
seria referente às complicações anteriores a adoção, ou seja, à inadequação dos cuidados com
o bebê neste período (WINNICOTT, 2008: Pag. 117). Qualquer criança necessitará não
apenas dos cuidados físicos de alimentação, higiene e vestuário, como também de uma mãeambiente que lhe dê sustentação, pois o excesso ou a ausência desses cuidados
comprometerão seu desenvolvimento emocional saudável. Essa ausência citada pode
representar uma privação, que o dicionário Michaelis define como falta do necessário à vida.
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Este significado vai de encontro às idéias de Winnicott, que utiliza ainda o termo deprivação
para a existência da falta de algo que a criança já teve em algum momento da vida e perdeu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo, quando o amadurecimento é saudável e num ambiente adequado, o “lactante
desenvolve meios para ir vivendo sem cuidado real. Isto é conseguido através do acumulo de
recordações do cuidado, da projeção de necessidades pessoais e da introjeção de detalhes do
cuidado, com o desenvolvimento da confiança no meio” (WINNICOTT, 2008: Pag.46). Mas
aqui estamos pensando em crianças adotivas, que podem não ter tido esse amadurecimento
saudável num ambiente adequado, e isto dependerá do momento, da forma e do manejo na
adoção. Em tais crianças, são acumuladas as recordações de cuidados interrompidos ou
inadequados, podendo causar um estranhamento da nova mãe ambiente. Isto demandará maior
dedicação dos pais adotivos para que uma confiança seja restaurada com um sentimento de
pertencimento a esta família. Entretanto, algumas famílias podem ter dificuldade na aceitação
da história pregressa da criança e ao considerarem seu nascimento como sendo o momento da
adoção, criam um pacto de silêncio, ignorando assim, possíveis traumas vividos por ela. Este
pacto pode impedir que vivências e sentimentos traumáticos possam ser ressignificados pelo
holding e manejo adequados da nova família, o que poderá dificultar o alcance de uma das
funções que a própria adoção traz em si, a função terapêutica.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MICHAELIS – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos.
Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br> Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
WINNICOTT, D.W. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago,
2000.
__________. Privação e delinqüência. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
__________. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do
desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 2008.
__________. Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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Renata Ferreira da Cunha(2)