Lumina - Facom/UFJF - v.2, n.1, p.167-170, jan/jun. 1999 – www.facom.ufjf.br RESENHAS Um Guia para o Universo Hipermídia Francisco José Paoliello Pimenta* Nestes tempos de aceleração, quando as novidades se superpõem sem que tenhamos oportunidade sequer de avaliá-las antes de serem retiradas do mercado para dar lugar a versões mais atualizadas, o livro “Understanding Hypermedia 2.000 – multimedia origins, internet futures” (2nd ed., London, Phaidon, 1997) representa um roteiro seguro para esta nova realidade que vem dominando os meios de comunicação de massa. Com 192 páginas fartamente ilustradas e paginadas com esmero pelo designer Malcolm Garrett, esta obra tem, desde 1997, uma segunda edição revisada, aumentada e reformulada graficamente, com preço em torno de US$ 40,00. Os autores, Bob Cotton e Richard Oliver, são profissionais envolvidos com a produção em hipermídia e já escreveram juntos “The Cyberspace Lexicon” (London, Phaidon, 1994). Cotton é designer especializado em produções tanto para CD-ROM quanto para a World Wide Web, além de ser autor de livros sobre design gráfico, editoração eletrônica e hipermídia. Oliver é autor, professor e consultor na área de hipermídia, com especial interesse nas implicações sociais, econômicas e culturais das novas tecnologias. “Understanding Hypermedia 2.000” está organizado em sete capítulos, incluindo uma parte final com glossário, bibliografia, índice e agradecimentos, além da introdução. Os seis capítulos que compõem a obra propriamente dita tratam das bases tecnológicas deste novo meio, sua evolução, componentes, os processos de design e produção, as aplicações e perspectivas. No primeiro capítulo, intitulado “Fusão de Meios – quando as tecnologias se chocam”, os autores defendem que a hipermídia é um meio híbrido cujos principais alicerces foram as redes telegráficas, telefônicas e a cinematografia, no século passado; a invenção da TV, em 1930; o computador digital, nos anos 40 e 50; o computador pessoal e suas redes na década de 70, e a convergência de todos estes meios, na década de 80. É descrito o processo de integração digital nas fases de criação, armazenamento, manipulação, reprodução e distribuição de dados após a invenção do microprocessador, em 1971. Segundo os autores, com a fusão de meios surgiram as duas tecnologias que definiram a natureza da hipermídia, o CD-ROM e a World Wide Web, a primeira ligando-a à área de publicações e a segunda à de comunicação. Tais áreas sugerem, de acordo com a argumentação desenvolvida, que o CD-ROM é uma mídia temporária a caminho de suportes hipermídia completamente interligados. Ainda neste capítulo são apresentadas as bases artísticas da hipermídia e o trabalho de precursores como Vannevar Bush, Douglas Engelbart, Ted Nelson e do criador da WWW, Tim Berners-Lee. No segundo capítulo, intitulado “A Próxima Revolução dos Meios”, é apresentada a tendência de rápido crescimento da hipermídia nos próximos anos, seguindo o padrão do desenvolvimento em “S”, ou seja, a ocorrência de uma fase plana, uma de crescimento exponencial e outra de estabilização. Segundo Cotton e Oliver, nos primeiros anos, acreditava-se que a produção estaria, como nos meios tradicionais, a cargo de profissionais, mas o aparecimento da Internet e a disseminação dos kits multimídia ampliaram os processos de interação com usuários ativos. Outra idéia superada foi a de vincular a hiper- Lumina - Facom/UFJF - v.2, n.1, p.167-170, jan/jun. 1999 – www.facom.ufjf.br mídia à área de publicações, como se fosse um “livro eletrônico”, e que acabou cedendo espaço para sua caracterização como produto de comunicação. Para os autores, as publicações têm um quê de definitivo que não se adapta a este ambiente. Assim, as realizações de maior sucesso, seja no formato de CDs ou para a Internet, foram, desde o início, aquelas que enfatizaram as comunicações, como os quiosques, programas de e-mails e sites de suporte ao consumidor. O estímulo a atividades colaborativas seria, assim, outro aspecto relevante desta tecnologia. O terceiro capítulo, “Matriz de Meios”, constitui o cerne da obra, pois descreve os processos intercódigos que conduzem à caracterização da hipermídia como uma matriz, incluindo técnicas de interface, imagem, texto e hipertexto, tipografia, animação, áudio, vídeo, espaço virtual e de engenharia de softwares. Cada um destes elementos é descrito em detalhes e enfatizada a sua importância quando considerados no conjunto do qual dependem. Em seguida, são estudadas as áreas de Design e Produção, com destaque para a necessária articulação das esferas artística e de programação. Neste âmbito, é considerado primordial o estabelecimento de um método de trabalho que contemple a variedade de desenvolvimentos possíveis de um projeto hipermídia. Assim, são descritas diferentes fases, como a de teste da força da idéia, de início e de detalhamento do design, a geração de elementos das diferentes mídias, e, ainda, as fases finais de integração destes elementos, teste e manutenção. O capítulo seguinte também é de grande interesse na medida em que descreve várias áreas de aplicações hipermídia, como: produções para crianças e adolescentes (os “screenagers”); a criação de portfólios digitais para designers; as publicações digitais; as empresas virtuais; o hibridismo entre arte e ciência; o comércio eletrônico; o entretenimento; produtos de informação e referência; educação e treinamento; interações sociais, incluindo os e-mails e os chats, e, finalmente, as comunidades virtuais. O capítulo seis fornece uma perspectiva para o desenvolvimento da tecnologia, destacando três tendências principais. A primeira é o aumento massivo na capacidade de computação disponível para o usuário comum; a segunda é a crescente complexidade e capacidade das redes, sejam locais ou globais; e a terceira é a proliferação de suportes, desde os superportáteis até as gigantescas estruturas implantadas em edifícios. Cada um destes pontos é descrito em detalhes, conduzindo à conclusão de que tais aprimoramentos farão com que a atenção se desvie dos computadores, em si mesmos, tanto nos seus aspectos de hardware como de software, para a qualidade do que está sendo apresentado. Todos estes temas são descritos no livro com uma linguagem bastante acessível para aqueles que não dominam as áreas de comunicação, design e programação, sem que, por isso, resvalem para a superficialidade. Ao contrário, a obra levanta diversos temas relevantes que estimulam seu desdobramento de acordo com as áreas de interesse do leitor. Tendo em vista tais características, o livro abrange um público de largo espectro, desde curiosos até especialistas, incluindo aqueles mais voltados para os aspectos teóricos e também aqueles envolvidos apenas com a prática das produções hipermídia. São muitas as conclusões apresentadas dignas de destaque, porém a principal idéia que permanece após a leitura e análise das imagens é a de que a hipermídia constitui uma mídia absolutamente inédita e, como tal, exige uma abordagem inovadora por parte de todos os profissionais envolvidos na sua produção. De acordo com os autores, este meio não é um mero conjunto de códigos mas consiste numa matriz geradora de configurações em constante rearticulação face à interação com os usuários. Lumina - Facom/UFJF - v.2, n.1, p.167-170, jan/jun. 1999 – www.facom.ufjf.br A bibliografia apresentada não é extensiva mas prima pela qualidade, o que a transforma numa autêntica rede de hiperlinks para o aprofundamento de determinados temas. Cada uma das obras citadas tem uma breve descrição que facilita sua avaliação. A maioria das referências é da década de 90, com exceção de alguns “clássicos” sobre o assunto, seja de precursores como Vannevar Bush e Alan Kay ou teóricos como McLuhan. Esta fundamentação não está explícita no texto, afastando-o, assim, da caracterização como produto estritamente teórico. Em vista da ausência de obras de autores nacionais com tais qualidades, o livro de Cotton e Oliver é bastante oportuno e atende à crescente demanda de referências associada à disseminação das produções multimídia. As dificuldades de leitura derivadas da redação em língua estrangeira são compensadas pela ampla utilização de imagens em cores e do texto simples, voltado para um verdadeiro diálogo com o leitor. Constitui, assim, instrumento extremamente útil para o contexto acadêmico, tanto na área de graduação como de pós-graduação, seja em cursos, pesquisas ou mesmo como manual para atividades de produção em hipermídia. * Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC/SP - TSOA/NYU) - Professor Adjunto FACOM/UFJF