Intervenção do Governador do Banco de Portugal Carlos Costa na Conferência “25 anos de
Portugal Europeu”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos
Lisboa, 30 de maio de 2013
Boa tarde,
Gostaria de começar por felicitar a Fundação Francisco Manuel dos Santos, o Senhor Alexandre
Soares do Santos, o Professor António Barreto e a Professora Marina Costa Lobo por promoverem
o estudo “25 anos de Portugal Europeu” e esta muito relevante discussão. Quero também felicitar
os autores do estudo, e o Professor Augusto Mateus em particular, pela qualidade do trabalho
apresentado.
Esta discussão tem para mim um significado especial, na medida em que participei ativamente nas
negociações que conduziram à Cimeira de Bruxelas (em fevereiro de 1987) e à Cimeira de
Edimburgo (dezembro de 1992), onde foram aprovados respetivamente os Pacotes Delors I (19881992) e II (1993-1999), cuja implementação agora avaliamos.
Gostaria de fazer quatro notas relativamente ao estudo “25 anos de Portugal Europeu”.
1.
Entre 1986 e 2010, Portugal beneficiou de uma entrada de poupança externa muito
significativa, mas a evolução do produto potencial da economia portuguesa foi
dececionante. O que fizemos com essa poupança?
No período de 1986-2010, a economia portuguesa usufruiu de uma entrada de poupança
externa muito significativa, na ordem dos 125 por cento do PIB: 50 por cento sob a forma de
fundos estruturais, isto é, transferências sem qualquer obrigação de retorno, e 75 por cento sob
a forma de endividamento. Apesar destas entradas significativas de capital, às quais há a
juntar a poupança interna, a evolução do produto potencial da economia portuguesa foi
dececionante. No período 1986-2010, o produto potencial cresceu em média 2,1 por cento: 4,1
por cento em 1986-1989; 3,6 por cento em 1989-1999 e 1,1 por cento em 1999-2010.
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Devemos, por isso, perceber o que foi feito com tanta poupança. Esta é uma questão essencial,
sobre a qual devemos fazer uma reflexão profunda, para não cairmos nos erros do passado.
2. Os quadros regulamentares nacionais e comunitários dos fundos estruturais foram
construídos com lógicas inapropriadas, criando distorções.
Os quadros regulamentares nacionais foram construídos com a preocupação de suprir a falta
de alinhamento dos incentivos com o interesse geral – por receio de má utilização dos
recursos – e, ao mesmo tempo, obedecendo a uma lógica mais dirigista de decisão sobre como
e onde utilizar os fundos. Na elaboração dos quadros nacionais houve ainda uma lógica de
equilíbrio de interesses entre constituintes estabelecidos.
Por seu turno, os regulamentos comunitários refletiram paradigmas e lógicas de
desenvolvimento territorial que, em muitos casos, se revelaram desfasados dos problemas de
desenvolvimento dos diferentes territórios abrangidos pela política de coesão comunitária. Por
esse motivo, sugiro que a Fundação Francisco Manuel dos Santos produza uma versão em
inglês deste trabalho, útil para promver uma reflexão fundamentada, por parte das diferentes
instâncias da União Europeia, sobre a aplicação de fundos estruturais, tendo por referência o
caso específico de um Estado-Membro. De facto, algumas distorções e o desalinhamento de
incentivos têm origem comunitária e deverão ser alvo de uma avaliação.
3. É fundamental garantir que a aplicação dos fundos estruturais tem retorno.
Na aplicação de crédito ou dos fundos estruturais é sempre necessário garantir que o que é
aplicado é recuperado com retorno. Esta é a condição que temos de colocar em primeiro lugar
na afetação de recursos entre investimento público e privado. Na conciliação do interesse
geral público e dos interesses privados que giram em torno da afetação dos recursos
disponíveis numa economia, importa equacionar:

A natureza dos investimentos e o alinhamento dos incentivos resultantes da alocação dos
fundos públicos, tanto comunitários como nacionais;

A consistência e coerência entre o investimento público e o investimento privado, bem
como a consistência entre os investimentos privados que beneficiaram de apoio público;

A hierarquização e o ordenamento do investimento público em função de um critério de
retorno social e económico. Não se pode fazer um investimento público só porque há uma
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necessidade ou uma aspiração não satisfeitas, é preciso que o retorno social e económico
possa ser demonstrado e justifique a prioridade que lhe é atribuída;

A salvaguarda do cálculo económico nas decisões de investimento. Qualquer
interferência com os pressupostos de mercado no cálculo económico do investimento é
preocupante do ponto de vista da afetação de recursos. Esta é uma matéria que devemos
ter em atenção quando falamos de ajudas a fundo perdido ou de esforços setorialmente
dirigidos. Dos resultados deste estudo transparece que o cálculo económico não foi
devidamente salvaguardado ou que foi influenciado por decisões de natureza política que
acabaram por validar investimentos que, de outra forma, não teriam sido realizados.
4. Na programação para 2014-2020, deve procurar-se o reforço do tecido produtivo de bens e
serviços transacionáveis e o aperfeiçoamento do perfil de especialização da economia
portuguesa.
Em primeiro lugar, é necessário refletir sobre os objetivos do próximo quadro de programação
2014-2020. Temos de tomar como ponto de partida que estamos sobre equipados de
infraestruturas públicas – realidade bem documentada no estudo – e que estamos
subdimensionados no que respeita à capacidade de produção de bens transacionáveis. Assim,
devemos procurar reforçar o tecido produtivo de bens e serviços transacionáveis e os fatores
que permitam melhorar o perfil de especialização da economia portuguesa, tanto em termos
setoriais como de gamas de produção.
E, em particular, devemos ter presente que a dinâmica do setor produtivo de bens e serviços
transacionáveis depende da respetiva capacidade para absorver e tirar partido de novos
conhecimentos e de novas competências e qualificações tanto ao nível dos produtos como dos
processos de produção. Isto é, depende da forma e da intensidade com que o setor dos
transacionáveis se articula com os centros produtores de conhecimento, de educação e de
formação profissional – três áreas interdependentes que constituem o designado sistema
nacional de inovação que determina a qualidade e a sustentabilidade do processo de
desenvolvimento.
O que significa que é necessário potenciar o retorno do investimento em educação, formação
profissional e investigação e desenvolvimento. O sistema nacional de inovação, condiciona o
padrão de especialização da economia e, em particular, a produtividade e a inovação, tanto
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incremental como radical. Por isso, tem de ser concebido e dirigido em função das
necessidades presentes e futuras do sistema produtivo e tem de ter capacidade para detetar
essas necessidades e para se articular com o tecido empresarial. Devemos interrogar-nos sobre
a capacidade do sistema nacional de inovação para focar e radicar a sua agenda nas
necessidades do tecido empresarial e, paralelamente, aferir o grau de articulação de cada um
dos vértices do triângulo educação/ formação profissional /I&D com os outros dois. A
investigação comunica com a educação e com a formação profissional? A educação comunica
com a formação profissional e com a investigação? Os três vértices comunicam com o tecido
produtivo? Mas também temos de avaliar a capacidade do tecido empresarial para dialogar e,
num estádio superior, para se articular com os três vértices do sistema nacional de inovação
É fundamental que o desenvolvimento do sistema nacional de inovação passe de uma lógica
de oferta, centrado sobre necessidades e prioridades definidas por si próprio, para uma lógica
de procura, ou seja, de resposta às necessidades dos sistema produtivo nacional - os
destinatários últimos da produção de conhecimento, educação e formação que a valorizam e
validam. O sistema nacional de inovação deve ser comandado pelas necessidades presentes e
futuras do tecido produtivo, sob pena de se criar o sentimento de que investimos sem
resultados. O investimento nesta área tem que se subordinar a uma finalidade clara e tem que
ser feito de forma articulada.
Em segundo lugar, é necessário assumir que, daqui para a frente, e dada a sobredotação de
infraestruturas públicas, o investimento público só pode justificar-se numa lógica de
complementaridade relativamente ao investimento privado. A sobredotação do investimento
público constitui, no presente, um desperdício de recursos e implica, no futuro, um custo,
como mencionado no estudo a respeito da manutenção das autoestradas. Muitas vezes
esquecemos que é necessário manter o investimento inicial.
Em terceiro lugar, urge discutir os critérios e o modelo de governo das instituições que farão a
afetação destes fundos. Tanto os critérios como o modelo de governo institucional têm de
estar subordinados a uma lógica de afetação eficiente de recursos, enquadrada em políticas
macroeconómicas orientadas para o reforço do tecido produtivo de bens transacionáveis e
assente numa gestão profissional comandada por objetivos, cujo desempenho possa ser
avaliado de forma quantitativa e de acordo com métricas pré-estabelecidas.
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A questão dos instrumentos financeiros merece uma referência particular, dado que deles
depende a extensão e a intensidade do processo de "captura" que inevitavelmente se
desencadeará aquando da decisão de afetação dos recursos no novo programa de apoio
comunitário. Está em causa muito dinheiro e, portanto, o risco de uma grande tentação de
apropriação de benefícios. Assim, é fundamental respeitar o princípio “value for money”. A
utilização dos fundos terá de obedecer, de forma clara, a este princípio, que deve ordenar
projetos e iniciativas. Estamos, portanto, no que diz respeito aos instrumentos, perante uma
opção de fundo: conceder subsídios ou, em alternativa, empréstimos reembolsáveis. Se
queremos favorecer a utilização eficiente, há que privilegiar instrumentos cuja matriz
implique um princípio de recuperação dos recursos investidos e, por consequência, um
princípio de reprodutibilidade.
Ajudas a fundo perdido só devem ser usadas em casos excecionais, não só porque distorcem o
cálculo económico como pervertem os equilíbrios sociopolíticos e o relacionamento entre
autoridades públicas e privadas. E, por isso, devem ficar limitadas aos projetos de interesse
público que apresentem um demonstrado, e quantificado, retorno social e económico, e que,
pela sua natureza, não permitam internalizar as externalidades positivas que geram, de forma
a gerar receitas correspondentes ao investimento realizado. Nestes casos, a ajuda deve
corresponder à parte não recuperada pela via da cobrança de um preço pelo produto ou
serviço fornecidos.
Por conseguinte, devemos privilegiar instrumentos, como empréstimos reembolsáveis –
nomeadamente, empréstimos subordinados – e instrumentos de capital de risco em unidades
empresariais com modelos de governo e níveis de transparência que garantam que o risco
incorrido não vai além do risco inerente ao projeto de investimento. Os instrumentos de
partilha de risco – empréstimos subordinados ou de participação no capital – propiciam o
reforço da capacidade produtiva de empresas viáveis.
A autonomia financeira do tecido empresarial português é extremamente frágil. De acordo
com dados da Central de Balanços do Banco de Portugal, cerca de 30 por cento das PME que
geraram lucros em 2009 e 2010 têm rácios de autonomia financeira inferiores a 30 por cento
(17 por cento, em média). Estas empresas manifestam, assim, grande vulnerabilidade a
alterações de taxas de juro e de outras condições de financiamento. Isto significa que há um
grande incentivo para que o detentor da empresa, perante uma adversidade, não só não a
capitalize como, no limite, a deixe estiolar até ao momento da entrega aos respetivos credores.
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Trata-se de algo extremamente negativo para o compromisso estratégico e social do
empresário e para o capital social do território onde a empresa está instalada (com a
deterioração da empresa, desaparece um capital intangível e irrecuperável, inscrito na
organização dos recursos humanos e no conhecimento tácito que estes acumularam).
Para se ter uma ideia da ordem de grandeza das necessidades destas empresas (que, sublinho,
geraram lucros num período de recessão, o que é um indicador da sua viabilidade), basta
referir que, para alcançarem níveis de autonomia financeira de 30 por cento – valor baixo do
ponto de vista internacional – será necessário um incremento de capital de 18 420 milhões de
euros. É, pois, fundamental definir mecanismos de reforço da autonomia financeira das
empresas que não pervertam o calculo económico nem a racionalidade económica da afetação
de recursos.
Por último, temos de desenvolver os instrumentos de participações no capital e, em particular,
estimular o apetite e o interesse pelo aumento do capital social das empresas. Há que criar um
quadro de política económica, nomeadamente fiscal, que favoreça o reforço do capital das
empresas.
Em suma, é imperativo que o envelope dos fundos estruturais para o septenato 2014-2020 se
destine a otimizar o crescimento do produto potencial, condição necessária do aumento da
produtividade e da absorção do desemprego estrutural. Está em causa a otimização do retorno
económico e social de cada euro que vier a ser aplicado/investido. Não podemos repetir os
erros do passado na afetação de recursos.
Convém ter presente que o próximo quadro estratégico de apoio estrutural não é um desafio
menor. Trata-se, pelo contrário, de um desafio muito importante, porque confirmará ou
inverterá a trajetória de declínio em que nos encontramos. Não podemos queixar-nos da
Europa e, ao mesmo tempo, desperdiçar os recursos que são colocados à nossa disposição. A
probabilidade de renovação futura destes envelopes de fundos estruturais tenderá a ser cada
vez menor, porque vai deparar com a crescente afirmação, no plano europeu, de outras
prioridades. Temos de ser capazes de utilizar de forma racional e otimizada o novo quadro de
fundos europeus para 2014-2020.
Muito obrigado. 6/6
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