Ano 5, nº 02, Ago-Dez 2013 PENSAR ACADÊMICO ISSN 1808-6136 Publicação semestral da FACIG – Faculdade de Ciências Gerencias de Manhuaçu/MG Editoras: Patrícia E. Freitas Lívia Paula de Almeida Lamas Conselho Editorial: Aloísio Teixeira Garcia Rita de Cássia Martins de Oliveira Ventura Thales Reis Hannas Periodicidade: Semestral Indexação: Lantidex e Sumários.org Diretoria da FACIG Presidente: Aloísio Teixeira Garcia Diretor Administrativo: Thales Reis Hannas Endereço para Correspondência, Informações e Envio de Trabalhos: Pensar Acadêmico Facig – Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu Av. 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Freitas p. 16 – As peculiaridades da questão agrária na região da Vertente Ocidental do Caparaó Adriano Santos Portes Ana Paula Cândido Borges Cortes Daniela Damaris Cardoso Leslie de Moraes Sásquia Fernanda de Oliveira p. 26 – Aspectos históricos, políticos e legais da santa inquisição e sua influência no processo penal contemporâneo Milene da Rosa Schmitz p. 32 – Materialização do projeto ético político profissional e as condições de trabalho de assistentes sociais no interior de minas gerais Noêmia de Fátima Silva Lopes Ana Paula Cortes Daniele Alves Segal Ivani de Andrade Janaina de Oliveira Silva Jéssica da Silva Afonso Leslie de Moraes Lornídia da Silva Abreu Verônica da Mata Huebra Rodrigues p. 45 – O conhecimento dos moradores da comunidade Santo Agostinho, Córrego Jacutinga – Alto Jequitibá/ Minas Gerais sobre o uso de agrotóxicos na agricultura Natália Lopes Juliana Santiago da Silva p. 54 – Racismo na literatura brasileira? Uma breve análise sobre Machado de Assis e Monteiro Lobato Leonardo de Carvalho Alves Leonardo Souza Correa Juliana Souza Martins Soares Lídia Maria Nazaré Alves Amanda Dutra Hot p. 63 – Um recorte sobre a depreciação do capital intelectual José Carlos de Souza Rosane Aparecida Moreira Rock Kleyber Silva Brandão p. 73 – Uma análise crítica do papel do juiz na aplicação da pena base no Brasil Lívia Paula de Almeida Lamas p. 80 - Uso abusivo de etanol: um comparativo entre dados da literatura e a realidade da zona da mata mineira Anita S. Rodrigues Larissa de M. Vita Juber P. de Souza 9 Neves e Freitas (2013) ANÁLISE DOS NUTRIENTES CONTIDOS NO LODO RESIDUAL DA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE EFLUENTE DO LATICÍNIO CAPIL VIDA Área Temática: Gestão Ambiental, Química Analítica Viviane Neves Valente1, Patrícia E. Freitas2 1 Discente do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) 2 Doutora em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora e professora do Curso de Tecnologia em Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) RESUMO O aumento crescente no consumo de produtos lácteos tem promovido uma maior expansão e desenvolvimento do setor de laticínios. Esse setor, que gera grandes quantidades de resíduos, trata seus efluentes na estação de tratamento de efluentes (ETE). Desse tratamento resulta, entre outros resíduos, o lodo seco, que contém nutrientes que podem qualificá-lo como um bom adubo orgânico. Nesse trabalho, identificaram e classificaram-se os macro e micronutrientes presentes no lodo, a fim de verificar sua possível utilização como adubo em culturas diversas. A técnica analítica Espectroscopia de Absorção Atômica por chama foi utilizada na identificação desses elementos e os resultados obtidos exibiram uma grande variedade de espécies metálicas com grande potencial nutritivo. Além disso, ao compararem-se os valores de concentração para os nutrientes com os estabelecidos como ideais pela literatura, observaram-se valores acima dos permitidos para a maior parte dos elementos. Diante disso, a adubação com o lodo seco deve ser mais bem estudada, dada a elevada concentração de metais pesados presentes, como Zn, Mn e Cu. Palavras-chave: ETE, resíduo, macro e micronutrientes, fertilizantes ABSTRACT The increase in consumption of dairy products has promoted a further expansion and development of this sector. The dairy department generates large amounts of waste and treats its effluent in the effluent treatment plant (WWTP). This treatment results, among other wastes, a dry mud, which contains nutrients that may qualify it as a good organic fertilizer. In this work, there were identified and classified the macro and micronutrients presents in the mud in order to verify if it is possible to use it as a fertilizer for various growth. The analytical technique Atomic Absorption Spectroscopy Flame was used to identify these elements and the results exhibited a wide variety of metal species with high nutritional potential. Furthermore, comparing the concentration values for the nutrients in the mud with the numbers determined by literature, there was observed values above the allowed for most elements. Thus, fertilization with dry mud must be more studied, due to the high concentration of heavy metals such as Zn, Mn and Cu. Keywords: WWTP, waste, macro and micronutrients, fertilizers Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013. 10 Neves e Freitas (2013) 1. INTRODUÇÃO A região de Ipanema é conhecidamente uma bacia leiteira, sendo responsável pelo abastecimento de laticínios nos seus arredores. Na produção desses alimentos são geradas grandes quantidades de resíduos, cujo descarte deve ser feito de acordo com a atual legislação ambiental, que exige que todas as empresas tratem e disponham de forma adequada seus resíduos. No tratamento do efluente (resíduo líquido) da indústria de laticínios são obtidos a gordura, o efluente tratado e o lodo, ocasionando custos elevados às empresas desse setor. Portanto, a busca por novas formas de se reutilizar esse resíduo torna-se cada vez mais necessária. Um dos resíduos gerados na indústria de laticínio é o lodo seco proveniente das estações de tratamento de efluentes (ETE), cuja composição abrange quantidades significativas de nutrientes, tais como potássio, nitrogênio e fosfato. A aplicação desse lodo como adubo representa uma excelente alternativa no reaproveitamento do resíduo. Neste trabalho, o resíduo de lodo seco será analisado para que seja possível Identificar e quantificar os macro e micronutrientes presentes neste lodo proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) do laticínio Capil Vida, com a finalidade de verificar sua possível utilização como adubo vegetal. 2. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL Em uma fábrica de laticínios, são gerados resíduos sólidos, líquidos e emissões atmosféricas passíveis de impactar o meio ambiente. Independente do tamanho e potencial poluidor da indústria, a legislação ambiental exige que todas as empresas tratem e disponham de forma adequada seus resíduos (PEREIRA, 2011). De acordo com Silva (2011), a indústria de laticínios é uma fonte considerável de resíduos sólidos, que se subdividem em dois grupos: geração direta (resto de embalagens, produtos, papéis e etc.) e geração indireta, caracterizados como lodo. Todos os resíduos gerados na indústria devem ser identificados e classificados de acordo com Resolução CONAMA nº 313 de 2002 e a NBR 10.004 da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, além de serem armazenados, tratados (quando for o caso) e destinados para disposição final de forma adequada (PEREIRA, 2002). 3. A INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS A indústria de laticínios representa uma das estruturas produtivas de maior importância no país e por isso destaca-se na economia brasileira (CÔNSOLI e NEVES, 2006). Minas Gerais, o maior estado produtor de leite no país, conta também com o maior número das indústrias de laticínios. As indústrias do setor, apesar de causarem grandes benefícios para a economia nacional e mundial, podem acarretar alguns problemas característicos da atividade. Dentre eles, pode-se citar a alta quantidade de resíduos gerados no processo produtivo que, quando mal gerenciados, podem acarretar sérios danos ao meio ambiente. 3.1. Capil A Cooperativa Agropecuária de Ipanema Ltda (Capil), fundada em 07 de maio de 1967, recebe cerca de cem mil litros de leite por dia. Deste total, parte é destinada à produção de derivados (queijos, manteiga, requeijões, iogurtes e doce de leite) e o restante é comercializado com outras empresas do setor (mercado spot). A fim de atender às normas ambientais vigentes e proporcionar a sustentabilidade, a Cooperativa conta com um eficiente sistema de tratamento de efluentes, que garante o tratamento dos resíduos líquidos antes do seu lançamento no corpo receptor. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013. 11 Neves e Freitas (2013) O tratamento dos efluentes aplicados na Capil é caracterizado como tratamento biológico de lodo ativado com aeração prolongada. Esse sistema foi dimensionado para uma eficiência de 85 a 99% na remoção de carga orgânica, atendendo assim as exigências da Legislação Ambiental. A Figura 1 apresenta um fluxograma do funcionamento da estação de tratamento de efluentes da Capil. 3.2. O lodo e sua utilização como fertilizante O lodo gerado durante a operação da ETE comumente é destinado a aterros, agregando custos à sua operação, sobretudo no que tange ao transporte. Portanto, o reaproveitamento deste resíduo seria interessante tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. O processo de reciclagem agrícola do lodo é uma prática muito utilizada, visto que o transforma em um insumo agrícola. O lodo quando utilizado para este fim contribui com o solo, fornecendo matéria orgânica e fechando o ciclo dos nutrientes minerais. aumentam a produção agrícola. Entendese por nutriente todo elemento essencial ou benéfico para o crescimento e produção dos vegetais. Fertilizantes, por sua vez, são entendidos como toda substância mineral ou orgânica, natural ou sintética, fornecedora de um ou mais nutrientes para as plantas (BRASIL, 2004). Para desenvolver adequadamente suas funções, a planta necessita de 13 elementos essenciais, sendo esses divididos em dois grupos: os macronutrientes, absorvidos em maior quantidade e os micronutrientes, exigidos em menores teores pelas plantas. Dentre os macronutrientes primários destacam-se o nitrogênio (N), o fósforo (P), e o potássio (K). Considerando os macronutrientes secundários, podem-se citar o cálcio (Ca), magnésio (Mg) e enxofre (S). Na classe dos micronutrientes estão o boro (B), cloro (Cl), cobalto (Co), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn), molibdênio (Mo), níquel (Ni), silício (Si) e zinco (Zn). Para que uma cultura qualquer possa manifestar toda a sua potencialidade produtiva, ela necessita que a sua exigência nutricional seja satisfeita. O solo é a fonte primária de nutrientes requeridos. Quando o solo não tem disponível todos os nutrientes exigidos em quantidade e qualidade, faz-se a adubação. 4. METODOLOGIA 4.1. Coleta do lodo seco da ETE Figura 1. Fluxograma operacional da ETE da empresa Capil Vida O lodo seco (Figura 2) foi coletado no leito de secagem da ETE da Capil e encaminhado ao laboratório Água Limpa, situado na cidade de Manhuaçu (MG), onde foram realizadas análises laboratoriais para quantificação dos macro e micronutrientes. Os fertilizantes são insumos básicos que, empregados de forma correta, Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013. 12 Neves e Freitas (2013) 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO As análises de espectroscopia de absorção atômica permitiram identificar os macro e micronutrientes presentes no lodo, bem como determinar seus teores. Analisando-se qualitativamente o lodo seco, constatou-se a presença de vários elementos capazes de atuar como macro e micronutrientes em processos de adubação. Assim, o lodo seco representa uma nova e interessante opção de adubo durante as etapas de nutrição vegetal. Com relação à análise quantitativa, os valores de concentração obtidos foram comparados a padrões definidos na literatura como ideais para a nutrição vegetal. Segundo as análises laboratoriais, a maioria dos nutrientes apresenta concentrações acima dos parâmetros estabelecidos, destacando-se nitrogênio (N), cálcio (Ca), fósforo (P) e ferro (Fe). O elemento magnésio (Mg) apresentou apenas uma pequena elevação na concentração. Já os elementos potássio (K) e boro (B) exibiram valores abaixo dos considerados ideais. A Tabela 1 apresenta os valores determinados pela análise, bem como os definidos pela literatura. Figura 2. Lodo seco pronto para coleta 4.2. Análise química do lodo A determinação dos macro e micronutrientes presentes no lodo foi realizada utilizando-se a técnica analítica Espectroscopia de Absorção Atômica por chama. Para realização da medida, a amostra foi moída e hidrolisada em ácido perclórico até a obtenção de uma solução homogênea. A análise foi realizada num espectrofotômetro AAnalyst 400, PerkinElmer. Os resultados da análise foram comparados com os padrões bioquímicos para nutrição vegetal descritos na literatura. Tabela 1. Concentrações de macro e micronutrientes indicadas pela literatura para nutrição vegetam comparadas as obtidos pela análise de espectroscopia de absorção (EPSTEIN,1965) Parâmetros Padrões indicados na literatura (mg/kg) Resultados (mg/kg) Nitrogênio (N) 15.000 57.540 Potássio (K) 10.000 5.130 Cálcio (Ca) 5.000 87.500 Magnésio (Mg) 2.000 2.650 Fósforo (P) 2.000 20.750 Enxofre (S) 1000 4.900 Ferro (Fe) 100 4972,5 Boro (B) 20 16 Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013. 13 Neves e Freitas (2013) Manganês (Mn) 50 290,62 Zinco (Zn) 20 297,5 Cobre (Cu) 6 52,4 Conforme observado na Tabela 1, o ferro (Fe) é o elemento que apresenta maior discrepância em relação à concentração neste resíduo (cerca de 50000 vezes maior do que o indicado na literatura). Em contrapartida, o boro (B) é o elemento encontrado em menor concentração no lodo, 16mg/Kg. Os elementos apresentados na Tabela 1 podem ser separados de acordo com sua quantidade necessária na nutrição vegetal, sendo designados macronutrientes aqueles absorvidos em maior quantidade e micro, os atuantes em menores teores. 5.1. Macronutrientes (N, Ca, Mg, P, S e K) Dentre os macronutrientes presentes no lodo, o nitrogênio (N) apresentou uma concentração de 57.540 mg/Kg. Quando comparado ao padrão definido na literatura, observa-se uma concentração 383,6% maior do que o indicado para esse elemento. O nitrogênio, devido ao elevado teor em que normalmente é detectado nos resíduos de ETE é, via de regra, o fator determinante do seu aproveitamento agrícola. Entretanto, taxas muito elevadas deste elemento podem ter grande impacto na qualidade da água subterrânea, devido à sua alta mobilidade no solo, que faz com que o nitrato (NO3-), decorrente da mineralização do nitrogênio, se desloque com facilidade para baixo da zona radicular, podendo atingir as águas subterrâneas. A presença de concentrações de nitrato elevadas faz com que essas águas sejam classificadas como impróprias para consumo humano (LARA et al., 1999). O cálcio (Ca) apresentou uma concentração no lodo de 87.500 mg/Kg. Na literatura, o indicado para este nutriente é de 5.000 mg/Kg . Portanto, este elemento está em uma concentração 17 vezes maior que a definida para nutrição vegetal. O Ca influi indiretamente no rendimento das culturas, pois melhora as condições de crescimento das raízes, estimula a atividade microbiana e a absorção de outros nutrientes (DECHEN e NACHTIGALL, 2007). O elemento magnésio (Mg) está presente no lodo com uma concentração de 2.650 mg/Kg, quando sua concentração indicada é de 2.000 mg/Kg, apresentando um percentual de 132% acima do ideal para nutrição vegetal, porém não existem relatos sobre toxidez de Mg em plantas (DECHEN e NACHTIGALL, 2007). No lodo, o fósforo (P) apresenta uma concentração cerca de 10 mil vezes maior que a estabelecida pela literatura. Entretanto, na maioria das vezes, isso não acarreta prejuízo às plantas, pois o solo brasileiro é deficiente deste elemento e o retém com grande energia, fazendo com que a contaminação das águas subterrâneas pelo fósforo seja muito difícil. Entretanto, o arraste do material sólido superficial por erosão, levará consigo fósforo retido que, em certos casos, poderá ser liberado em corpos d’água superficial, causando muitas vezes eutrofização (BETTIOL e CAMARGO, 2006). O enxofre (S) também está em alta concentração no lodo (490% a mais que o indicado). Esse excesso pode acarretar danos às plantas como, por exemplo, a clorose internerval (PRATES et al., 2006) Dentre os nutrientes com concentração abaixo da requerida para nutrição vegetal, destaca-se o potássio (K), que apresentou uma concentração 51,3% abaixo do Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013. 14 Neves e Freitas (2013) indicado na literatura. Estudos realizados por Marschner (1995) mostram que concentrações elevadas de K nos tecidos vegetais podem interferir na translocação e na disponibilidade fisiológica do Mg e do Ca na planta, fazendo com que ocorram desordens metabólicas que podem causar desfolha da vegetação. 5.2. Micronutrientes (Fe, Zn, Cu, Mn e B) O ferro (Fe), um micronutriente presente no lodo, apresenta-se em uma concentração de 4972,5 mg/Kg. Esse valor é extremamente elevado quando comparado aos parâmetros definidos na literatura para nutrição vegetal, 100 mg/Kg, ou seja, 4972,5% maior. O excesso de ferro nas plantas frequentemente está associado às condições determinantes da sua disponibilidade (FERRAREZI, 2006). Os efeitos desse excesso podem ser diretos, quando há absorção e acúmulo em níveis fito tóxicos ou indiretos, quando ocorre a precipitação do ferro sobre a superfície radicular, formando uma camada denominada placa de ferro. O zinco (Zn) também se encontra em uma altíssima concentração no lodo se comparado ao parâmetro definido na literatura. No primeiro está em concentração de 297,5 mg/Kg e no segundo de 20 mg/Kg. Entretanto, este elemento é essencial às plantas e muitos solos brasileiros são carentes desse elemento. O cobre (Cu) apresenta-se também em nível elevado no lodo, com uma concentração 873,3% maior que a ideal. Nesse resíduo, Embora o cobre seja um elemento essencial às plantas, pode ser tóxico acima de certos níveis, sendo um dos metais menos móveis no perfil do solo (LARA et al., 1999). O manganês (Mn) apresenta-se no lodo em concentração de 290,62 mg/Kg e o indicado seria de 50 mg/Kg, portanto em uma alta concentração (cerca de 600% acima do recomendado). A presença de quantidades excessivas de sua forma trocável faz com que os tecidos vegetais também apresentem elevadas quantidades desse nutriente, podendo atingir níveis tóxicos, caracterizados por clorose e pontos necróticos nas folhas. (VELOSO et al., 1995). Dentre os micronutrientes presentes no lodo, o boro (B) apresenta-se em baixa concentração, 16 mg/Kg quando comparado ao indicado para nutrição vegetal, 20 mg/Kg. A falta de boro nas plantas pode promover rápida inibição do seu crescimento (MARSCHNER, 1995). A falta desse nutriente pode ser corrigida através da adubação de correção. Pode-se observar, nos resultados apresentados, uma alta concentração de metais pesados potencialmente perigosos, como Zn e Cu. Estes podem trazer sérios prejuízos ao homem e ao ambiente. Embora a composição do lodo seja interessante do ponto de vista da nutrição vegetal, é importante considerar a presença de metais pesados em elevadas concentrações nesse resíduo. Esses metais apresentam possibilidade de movimentação, podendo levar à contaminação de camadas subsuperficiais do solo e de águas subterrâneas. (BERTONCINI e MATTIAZZO, 1999). 6. CONCLUSÃO O lodo seco proveniente da ETE da Capil contem vários elementos com potencial fertilizante, como N, P, K e Fe. Contudo, muitos deles foram encontrados em concentrações elevadas, o que pode comprometer sua utilização como adubo orgânico em culturas diversas. Além disso, elevados teores de metais pesados, como Zn e Cu também foram verificados, inviabilizando seu uso como nutriente agrícola devido à possibilidade de lixiviação desses metais com consequente contaminação de solos e corpos d’água. Estudos mais específicos são necessários a fim de que os possíveis impactos negativos causados pela utilização desse lodo como adubo não se sobreponham aos benefícios trazidos pelo mesmo. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013. 15 Neves e Freitas (2013) 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. Resíduos sólidos: classificação. Rio de Janeiro, ABNT, 1987 (NBR 10004) BETTIOL, W.; CAMARGO, O.A. A Disposição do Lodo de Esgoto em Solo Agrícola. In: BETTIOL, W.; CAMARGO, O.A. (Ed.) Lodo de Esgoto: impactos ambientais na agricultura. Jaguariúna, Embrapa Meio Ambiente, 2006 BERTONCINI, E.I.; MATTIAZZO, M.E. Lixiviação de metais pesados em solos tratados com lodo de esgoto. Piracicaba, Revista Brasileira Ciência do Solo, 1999. BRASIL. Decreto n° 4.954 de 14 de janeiro de 2004. Diário Oficial da União. Brasília-DF: 15 jan. 2004. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/42336 1/pg-1-secao-1-diario-oficial-da-uniao-doude-15-01-2004> Acessado em 25 nov. 2013. BRASIL. Resolução CONAMA n° 313 de 29 de outubro de 2002. Diário Oficial da União. Brasília, DF: 22 de novembro de 2002. 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(2013) AS PECULIARIDADES DA QUESTÃO AGRÁRIA NA REGIÃO DA VERTENTE OCIDENTAL DO CAPARAÓ1 Área Temática: Serviço Social Adriano Santos Portes2, Ana Paula Cândido Borges Cortes2, Daniela Damaris Cardoso2, Leslie de Moraes2 e Sásquia Fernanda de Oliveira2 2 Discentes do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). RESUMO Dissertar sobre a categoria trabalho na contemporaneidade correlacionando-a com a questão agrária é um desafio para os estudantes de graduação. Neste artigo, discentes do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) buscam compreender as particularidades do processo de trabalho na região da Vertente Ocidental do Caparaó, com vistas a identificar os desafios colocados para o trabalho dos assistentes sociais na região. Este assunto estimula a capacidade crítica ao provocar a realização de análises referentes ao modo de produção capitalista atual e suas implicações na produção agrícola e no trabalho rural. Palavras-chave: Trabalho, Questão agrária. Serviço social. Vertente ocidental do Caparaó. ABSTRACT To lecture on the work category in contemporaneity correlating it with the agrarian question is a challenge for undergraduate students. In this article, some students of Social Work from the Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) seek to understand the peculiarities of the working process in the West Shed Caparaó region, in order to identify the challenges for social workers in region. This subject encourages critical capacity to lead the analysis related to the current capitalist production and its implications for agricultural production and the rural labor. Keywords: Job. Agrarian question. Social service. Western slope Caparaó. 1 Este artigo é resultado do Trabalho Interdisciplinar realizado pelos alunos do 6º período do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG), turma 2014/2. O Trabalho Interdisciplinar foi orientado pela professora da disciplina Política Agrária e Serviço Social, Tânia Maria Silveira, mestre em Política Social, e pela professora da disciplina Classes e Movimentos Sociais, Noêmia de Fátima Silva Lopes, mestre em Economia Doméstica. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 17 Oliveira et al. (2013) 1. INTRODUÇÃO Numa breve discussão sobre a centralidade da categoria trabalho e sua importância na sociedade atual, este estudo busca compreender a relação entre as questões social e agrária. Considera-se que o trabalho desempenha papel fundamental para o homem, pois é a realização deste que o possibilita sobreviver na terra. É através do trabalho que a produção de qualquer bem se torna possível. O trabalho é o responsável pela constituição do ser social. 1.1. O trabalho e suas implicações na natureza, na vida humana e na sociedade Ao esboçar o significado do trabalho e suas implicações na natureza, na vida humana e na sociedade, é imprescindível salientar as considerações de Netto e Braz (2011), pois estes autores abordam com muita propriedade o tema mencionado. Netto e Braz (2011) mostram que o trabalho está na base da atividade econômica e é através dele que a produção de qualquer bem se torna possível. É o trabalho que cria os valores e que constitui a riqueza social. Pode-se dizer que o homem interage com a natureza a fim de satisfazer suas necessidades, ou seja, os homens transformam as matérias naturais em produtos para que suas necessidades sejam supridas. Este processo de transformação é denominado trabalho. Para Netto e Braz (2011, p. 40) “[...] o trabalho não se opera com uma atuação imediata sobre a matéria natural [...] o trabalho não se realiza cumprindo determinações genéticas [...] o trabalho não atente a um elenco limitado e praticamente invariável de necessidades” As características ressaltadas acima mostram o significado do trabalho, pois para realizar o processo de trabalho, é necessário utilizar instrumentos, ter habilidades e conhecimentos. Nesta direção, importa dizer que os conhecimentos são adquiridos através dos movimentos de repetições que logo terão como consequência o aprendizado. Ressalta-se também que as necessidades da humanidade não se apresentam sob formas fixas, pois o homem ao realizar a atividade denominada trabalho, tem suas necessidades imediatas supridas. Porém, novas necessidades se apresentam na sociedade. Abaixo algumas palavras de Marx (1983), citadas por Netto e Braz (2011, p. 41), a fim de diferenciar a categoria trabalho de qualquer outra atividade natural: [...] O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. (...) Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais de trabalho. (...) Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. (...) No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, o seu objetivo. (...) Os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. (...) O processo trabalho (...) é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, (...) comum a todas as suas formas sociais. Em suma, o homem interage com a natureza para transformá-la e, a partir Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 18 Oliveira et al. (2013) daí, suprir as suas necessidades materiais. Ao contrário dos homens, os animais possuem uma relação imediata com o seu meio ambiente, visto que os animais já nascem preparados para construir suas casas, como por exemplo, o joão-de-barro e as abelhas que constroem colmeias e recolhem o pólen. É possível dizer que os animais atuam diretamente sobre a matéria natural e suas necessidades são supridas sob formas fixas e biologicamente estabelecidas. Com o surgimento do trabalho humano, rompe-se o padrão natural citado acima, e esta ruptura ocorre por que o trabalho não se realiza cumprindo uma atuação imediata sobre a matéria natural, ou seja, o processo de trabalho exige instrumentos para que sua realização seja efetuada. Reafirma-se, mais uma vez, a importância da categoria trabalho para a sociedade. Conforme dito anteriormente, o trabalho não se realiza cumprindo determinações genéticas e por isso, o homem necessita adquirir habilidades e conhecimentos, pois estes elementos facilitarão a produção necessária à sobrevivência do homem. Ainda de acordo com Netto e Braz (2011, p. 42-51), enfatiza-se a ideia de que o ser humano carrega consigo a capacidade teleológica, ou seja, “[...] o trabalho é uma atividade projetada, teleologicamente direcionada”. Em outros termos, o homem é capaz de pensar antes de agir, ele media a relação entre o sujeito e o seu objeto, visto que, “[...] antes de efetivar a atividade do trabalho, o sujeito prefigura o resultado de sua ação”. Desta forma, é fácil compreender que existe uma diferença entre as atividades naturais e as projetadas, idealizadas e/ou prefiguradas, ou seja, atividades teleologicamente orientadas. É imprescindível destacar que é através do trabalho que o ser social se constitui, pois o processo de trabalho não acontece de forma isolada, ao contrário, é uma atividade coletiva que afirma o caráter social do trabalho (NETTO e BRAZ, 2011). Assim sendo, o trabalho vai além da relação entre sociedade e natureza, pois o sujeito transforma a natureza e ao mesmo tempo é transformado por ela. Isso explica a gênese dos primeiros grupos humanos, pois o trabalho é uma atividade que só pode ser exercida pelo homem, este se apresenta como o único ser capaz de agir teleologicamente transformando a natureza em produtos que suprem suas necessidades particulares e sociais. Já que estamos falando da categoria trabalho é de extrema importância considerar o texto de Marx (1983), abordado por Frigotto (2010, p. 58), no que diz respeito à dimensão ontológica ou ontocriativa do trabalho. Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ao citar Marx, o Frigotto (2010, p. 59) mostra que a realização do homem pelo trabalho só deixará de existir quando os homens desaparecerem da terra, pois é através do processo de trabalho que as necessidades da “[...] vida cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva [...]” são respondidas. 1.2. As particularidades do trabalho no campo No Brasil, atualmente, existe aproximadamente 17,8 milhões de pessoas envolvidas no trabalho rural, um número que corresponde a 21,1% da população economicamente ativa do país (FREITAS, 2013). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 19 Oliveira et al. (2013) O trabalho no campo não se desenvolve de maneira homogênea, existem diversas formas de relação. As relações produtivas agrícolas não se baseiam apenas nas técnicas e formas de cultivo, mas, também, nas relações estabelecidas entre produtor/empresa agrícola e trabalhador. A Região do Caparaó mantém relações de trabalho rural semelhantes às formas indicadas por Freitas (2013): a) são denominados posseiros os trabalhadores rurais que ocupam terras sem titulação com a finalidade de prover o seu sustento através da agropecuária; b) os parceiros ou meeiros são aqueles trabalhadores rurais que estabelecem parcerias fixadas com o dono de terras, ou seja, um oferece a terra e o outro, a força de trabalho. Os frutos do trabalho são divididos conforme acordo pré-estabelecido; c) os pequenos proprietários são produtores rurais que atuam em sua terra, geralmente com mão de obra familiar. Produzem para o seu sustento e o excedente é comercializado no mercado local; d) são reconhecidos como arrendatários os agricultores que não possuem terras, mas que dispõem de equipamentos agrícolas para produzir. Por isso, alugam a terra de terceiros e, normalmente, o pagamento do aluguel é realizado com parte da produção; e) os assalariados permanentes trabalham com certa estabilidade, pois têm vínculo empregatício permanente; f) enquanto os assalariados temporários são os trabalhadores rurais que desempenham atividades por um período determinado. Normalmente o contrato se dá em caráter diário (diaristas) ou por empreitadas, nos períodos de colheitas. Isso é muito utilizado na colheita de café; g) existem ainda os trabalhadores não remunerados, ou seja, aqueles que, muitas vezes, trabalham em grupos familiares (filhos, esposas, etc.), sem que haja o pagamento de salários; e h) existe outra forma de trabalho não remunerado, o trabalho escravo, que ainda tem sido praticado em algumas fazendas do Brasil. São pessoas que, às vezes, por dívidas contraídas perdem os direitos individuais, por exemplo, de ir e vir, e ficam retidas no local de trabalho. Sobre o trabalho escravo contemporâneo, vale apresentar a avaliação de Lopez (2013): A relação de ‘Escravidão por dívida’ é ilegal e abusiva ao extremo. O trabalhador é enganado com uma proposta de trabalho por um tempo determinado. Porém, ao chegar no local de trabalho, ele deve passar a noite e pagar por alimentação e hospedagem. Normalmente, os trabalhadores dormem e se alimentam em um "barracão" (depósito) e ficam endividados com o proprietário. No final do período de trabalho, ele está ‘endividado’ e não pode ir embora, ou seja, o proprietário cobra sua comida e abrigo e diz que o valor é superior ao seu ‘salário’ e que ele deve trabalhar para pagar. Mas, o trabalhador nunca consegue quitar a sua dívida e se torna uma espécie de ‘escravo’. Trabalha, come, dorme até morrer. Um absurdo ainda presente no campo brasileiro. Atualmente, as relações de trabalho na agricultura são predominantemente prejudiciais ao trabalhador rural comum. Tal aspecto resulta do intenso processo de modernização no campo que alterou as relações entre trabalhador e proprietário rural. As áreas rurais ou a agricultura continuam valorizadas, rendendo bilhões de reais. A figura desvalorizada é a do trabalhador. O sistema de cultivo baseado em empresas agrícolas provoca impactos sociais sobre o campo, por exemplo, reduzindo oportunidades de trabalho em função da modernização e forçando o trabalhador a aceitar trabalhos mal remunerados e distantes. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 20 Oliveira et al. (2013) 1.3. Questão Fundiária A problematização da questão agrária não é algo residual da contemporaneidade, mas características estruturais advindas desde o Brasil Colônia. A forma como o Brasil foi colonizado, bem como a dominação e subordinação que lhe foi imposto é algo que permeia até os dias atuais. Dessa maneira, o escravismo, o latifúndio, a monocultura, a exploração, a expropriação e a apropriação privada, remetem diretamente ao processo de formação social do país. Não se pode negar que a questão agrária traz rebatimentos, tanto para os trabalhadores rurais como para quem vive na cidade. A reforma agrária tem como premissa a desapropriação e assentamento das terras improdutivas que não estão cumprindo sua função social. Muito mais do que isso, luta-se por uma distribuição igualitária, algo inviável no sistema capitalista. Pelo viés dos movimentos sociais, nota-se uma disparidade: os movimentos ligados à terra tem os trabalhadores rurais “excluídos” das estratégias de luta e não envolvidos como agentes. As várias formas de trabalho rural, anteriormente apresentadas, fragmentam os trabalhadores rurais em diferentes tipos de organização, tais como, sindicatos, cooperativas de pequenos produtores, etc. A questão agrária que deveria ser tratada enquanto uma questão política tem sido vista pelo prisma político partidário. Percebe-se a sobreposição dos interesses individuais sobre os coletivos. Infelizmente, as leis e planos de reforma agrária beneficiam aos detentores do capital, tais como, os grandes latifundiários. Deste modo, não atendem às demandas daqueles que estão em constante contato com a terra. No Brasil, pode-se dizer que a problematização da questão agrária não é algo residual, mas característica estrutural advinda desde o Brasil Colônia, pois desde 1500 vivencia-se a acumulação de terras nas mãos da elite dominante, tal como afirma Santos (2010): A questão agrária no Brasil é fruto desse processo histórico que nos remete ao debate sobre as formas de ocupação, de territorialização e de acúmulo de riquezas por parte das forças hegemônicas que comandaram o macabro processo de desestruturação e exploração dos povos indígenas no espaço brasileiro. Um espaço construído socialmente para atender à expansão mundial do modo capitalista de produção, uma expansão calcada na exploração, na apropriação do tempo de trabalho e na partilha desigual da riqueza produzida. Inegavelmente, existe uma grande oposição dos proprietários e latifundiários à reforma agrária, já que os mesmos concentram a maior parcela de terras cultiváveis no País. Além disso, o processo de redistribuição de terras é, sobretudo, uma questão política e social. Essa redistribuição só será igualitária quando o trabalhador rural, peça fundamental para os movimentos sociais em prol da reforma agrária, se tornar participante e não excluído das tomadas de decisões. Por isso, [...] não específica muito bem qual seria o lugar ideal ou mais propicio para o surgimento da reforma, porém, reforça a necessidade dos posseiros e do trabalhador rural, vítima do minifúndio, também estarem presentes como protagonistas desse processo. Ou seja, a ideia de reforma agrária deve abarcar os trabalhadores rurais de forma mais abrangente, incluindo também nesse debate os posseiros e os agricultores que possuem tratos de terra que não garantem o sustento familiar (SANTOS, 2010, p. 5). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 21 Oliveira et al. (2013) Em relação aos camponeses – indivíduos que se dedicam às atividades rurais, notadamente à produção em base familiar –, na sua maioria, são proprietários dos instrumentos de trabalho, mas não da terra propriamente dita. Pode-se dizer que o termo “camponês” espalhou-se no Brasil em meados dos anos 1950 através das Ligas Camponesas, que tinham como objetivo dar unidade de classe à diversidade das populações agrárias não proprietárias de terras e não proletárias. Sem dúvidas, o termo "camponês" apontava para a construção de um sujeito histórico e político, sendo incorporado ao discurso acadêmico que, em geral, percebia as populações rurais somente na perspectiva econômica. As primeiras Ligas Camponesas surgiram no Brasil, em 1945, logo após a redemocratização do país depois da ditadura do presidente Getúlio Vargas. Os camponeses e trabalhadores rurais se organizavam em associações civis, sob a iniciativa e direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Os camponeses, através de suas lutas e resistências, têm se territorializado. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) possui grande destaque neste processo, contribuindo para que o campesinato conquiste o acesso a terra. A trajetória de lutas no movimento tem desdobramentos nas formas de organização nos assentamentos, com a realização de variadas atividades associativas e coletivas. Estas são formas utilizadas pelos assentados para garantir a sua manutenção e existência no campo. Dessa maneira, cabe avaliar criticamente a questão agrária e o debate em torno da Reforma Agrária no Brasil, dando destaque a atuação dos chamados agentes de mediação (Comissão Pastoral da Terra – CPT e MST) e “[...] também focando o surgimento e a permanência do escravismo e do latifúndio como partes de uma estrutura perversa de dominação e apropriação do trabalho não pago” (SANTOS, 2010, p. 10). Pontua-se que o MST e a CPT são organizações importantes para a inclusão da questão agrária na agenda política do Estado brasileiro. Porém, a questão agrária já não é mais vista como um problema residual, mas como rotineiro problema social. Questiona-se a postura assumida por essas organizações ao disseminar o discurso partidário, desarticulando interesses coletivos, tal como afirma Martins (2004): De fato, MST e CPT, perderam o controle de seu projeto de transformar a sociedade brasileira através da transformação da estrutura agrária, porque sua concepção maniqueísta e redutiva da política não lhes permite reconhecer-se como donatários políticos da vontade dos pobres da terra. Querer fazer uma revolução sem dela querer participar de maneira ativa, pública, responsável, criativa e política nas condições possíveis e viáveis, é querer nada. Não se pode fazer política afirmando o partidário e negando o que é propriamente político. De acordo com o MST, “[...] O assentamento é um espaço para o conjunto de famílias camponesas viver, trabalhar e produzir, dando uma função social a terra e garantindo um futuro melhor à população” (MARTINS, 2004, p. 22). Assim, a vida no assentamento possui diversos direitos sociais às famílias como: casa, escola, educação e alimentação. Já a CPT desenvolveu junto aos trabalhadores da terra um serviço pastoral, ou seja, os peões, os posseiros, os índios, os migrantes, as mulheres e os homens que lutam pela liberdade e dignidade numa terra livre da dominação capitalista são protagonistas deste movimento. Dessa maneira, de acordo com as legislações vigentes sobre a reforma agrária, os camponeses sem terra Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 22 Oliveira et al. (2013) possuem direito às terras que se encontram em improdutividade. Isso quer dizer que os critérios da reforma agrária estão intrinsecamente ligados à desapropriação e assentamento das terras improdutivas que não estão cumprindo sua função social. Entendese por função social a propriedade de terra que desempenha simultaneamente o bem estar dos proprietários e trabalhadores que nela trabalham; níveis satisfatórios de produtividade; atenda aos quesitos ecológicos, ou seja, conservação dos recursos naturais. Deste modo, observam-se legislações referentes à questão agrária, mas todas beneficiam estritamente os grandes detentores do capital. Por isso, torna-se de extrema importância a participação dos trabalhadores ligados a terra em movimentos sociais, para lutarem em prol da reforma agrária e melhores condições para aqueles que foram assentados. As principais fontes legislativas dos direitos dos camponeses à terra são: Lei de Terras de 1850 – Lei 601/1850; Estatuto da Terra de 1964 – Lei 4.504/64, e Constituição Federal de 1988. A Lei de Terras foi uma resposta às exigências da aristocracia rural da época, uma vez que a mesma determina que as terras devolutas deveriam ser compradas e não simplesmente ocupadas. Deveria haver a regularização dos títulos de propriedade e as terras não cultivadas poderiam ser retomadas ao Estado. A partir desse modo, a terra passa a ter um valor monetário, sendo assim, capaz de gerar lucro. Dispõe sobre as terras devolutas no Império e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa e pacífica: determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que a lei declara (LEI No 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850). O Estatuto da Terra de 1964 tinha como prioridade a execução de uma reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura. Esse Estatuto, cujas bases de fundamentação centram-se na função social que deve exercer a terra e na propriedade privada, surgiu para regulamentar o uso e a posse de terra. As principais medidas do Estatuto da Terra são a desapropriação com pagamento através de Títulos da Dívida Agrária (TDA), vencíveis em 10 anos; menção à reforma agrária com objetivos que iam além da estabilidade na relação entre proprietários e trabalhadores sem terra. De acordo com o Artigo 2, a reforma agrária deveria assegurar a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social. Não se pode negar que, durante o período militar, a questão agrária assumiu um caráter reformista e modernizador. Dessa maneira, o Estado deixou de lado os princípios da Reforma para melhorar a produtividade e “modernizar” a produção. Já a Constituição Federal de 1988. que tem como premissa a cidadania, a soberania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, destaca que a função social deve nortear o direito à propriedade privada. De acordo com o artigo 184, o Estado, para fins de reforma agrária, pode desapropriar o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária. Contudo, para cumprir a função social, a Constituição Federal prevê que a terra deve atender aos quesitos Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 23 Oliveira et al. (2013) econômicos (produtividade), ecológicos e trabalhistas. Entretanto, o artigo 185 inviabiliza a desapropriação de terras produtivas, de forma que os demais quesitos necessários à concretização da função social são suprimidos pelo quesito produtividade. Como exemplo, têm-se os índices de produtividade que não são atualizados desde 1975, de forma que uma propriedade com baixo coeficiente de produtividade para os dias atuais não será desapropriada. Constata-se, portanto, que a reforma agrária visa a distribuição igualitária, a desapropriação e o assentamento das terras improdutivas que não estão cumprindo sua função social. Contudo, os movimentos em prol da questão agrária são vistos como baderneiros, bagunceiros e não analisados através do viés político. Destaca-se que o Estado, de certo modo, coopta as lideranças dos movimentos ligados à terra fazendo com que os mesmos percam a legitimidade e autonomia. Pode-se dizer que a reforma agrária no Brasil ainda é um projeto inacabado e repleto de conflitos político partidários, pois os maiores possuidores de fazendas, na atualidade, são parlamentares. Por isso, os movimentos rurais encontram dificuldades para se legitimarem. 1.4. Considerações quanto ao papel do Serviço Social no campo Considerando a questão agrária como expressão da questão social e, esta, como o objeto de trabalho do assistente social, as demandas dos trabalhadores rurais requerem ações profissionais na medida em que traduzem processos sociais desiguais vivenciados cotidianamente no campo. A questão agrária é uma das expressões da questão social porque reflete as contradições postas pelo capitalismo no meio rural e no Brasil, com particularidades históricas extremamente perversas. A denominada questão fundiária brasileira se apresenta no cenário histórico nacional há muito tempo, com diferentes facetas e nomes, mas sempre como pano de fundo. É um problema que se arrasta desde o tempo da colonização - e ainda existe! Sobretudo, ainda existem tabus colonialistas; o coronelismo anda de mãos dadas com a modernidade do agronegócio. Destarte, o que existe de políticas agrárias deveria ser encarado sempre como políticas sociais. Tais políticas possibilitam às famílias a superação dos problemas vivenciados após longos anos de luta em um pedaço de chão. É importante e primordial que os assistentes sociais potencializem a luta pela resolução da questão fundiária. A questão agrária no país tem possibilitado ao Serviço Social ampliar o seu campo de pesquisa e, consequentemente, o seu foco de intervenção profissional. O acirramento da questão social expresso na questão agrária tem se caracterizado como um elemento de requisição à prática do assistente social pelas instituições e organizações que atuam na área rural. Portanto, é fundamental que o Serviço Social se aproprie, cada vez mais, desse espaço, contribuindo e dando subsidio às iniciativas populares, na construção e implementação de políticas que favoreçam a população da área rural. O trabalho do Serviço Social no campo deve ter cunho emancipatório e não compensatório. Para isso, os assistentes sociais devem ocupar espaços dentro dos movimentos que organizam os trabalhadores em luta pela questão agrária. Faz parte do seu compromisso histórico construir e apoiar a luta da classe trabalhadora rural para efetivação, de fato, dos seus direitos, ocupando todos os espaços estratégicos de construção dessas lutas. Apresentar a temática da questão agrária à política de assistência social representa-se como uma forma de compreender as particularidades que esta transmite no desenvolvimento das políticas sociais, uma vez que contribui na efetivação de propostas de trabalho condizentes com a realidade social. Estas especificidades ganham maior destaque quando o perfil dos Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 24 Oliveira et al. (2013) municípios brasileiros é analisado, visto que grande parte deles é de pequeno porte, com estrutura ocupacional e produtiva dependente da agricultura. Entretanto, ainda é notória a distância existente entre o Serviço Social e os problemas oriundos da questão agrária, mesmo sabendo que boa parte dos assistentes sociais atua em municípios de pequeno e médio porte. Uma das explicações para tal fato remete à história da profissão, que tradicionalmente foi solicitada para intervir na questão social urbana relacionada com o surgimento da classe operária no cenário político. A categoria dos assistentes sociais tem estado ausente na discussão dessa temática, sendo indispensável atentar-se para ela. Em grande parte, pela formação do assistente social ser voltada para pensar os problemas da cidade e formular políticas para o espaço urbano subordinando a discussão do campo ao segundo plano. O serviço social pode contribuir imensamente com essa luta, através da inserção nos movimentos populares, bem como subsidiando a luta através de pesquisas na universidade. Por outro lado, deve contribuir na organização e formação dessas organizações e, sobretudo, lutar junto ao Estado por políticas públicas que atendam as necessidades dessa população. Contudo, é de primordial importância a atuação profissional do serviço social na elaboração, execução e operacionalização de políticas públicas para o público da reforma agrária, atuando tanto nos órgãos públicos em nível municipal, estadual e federal. Os assistentes sociais precisam perceber que há milhares de famílias que vivem no campo e que estão envolvidas diretamente com a questão agrária brasileira. Na luta direta pela reforma agrária, estas famílias não são atendidas pelas políticas públicas específicas e mantêm a sua condição de exclusão social. No campo da pesquisa e da produção acadêmica, encontram-se poucos trabalhos no campo do Serviço Social que abordam a questão agrária de forma mais profunda, o que seria importante subsídio para os movimentos que estão em luta pela democratização do acesso a terra no Brasil. Alguns autores, conforme visto anteriormente, citam a importância do tema e a consonância com o Projeto ético-político do Serviço Social. No entanto, há poucos estudos específicos que aprofundam o tema. É impossível falar em desigualdade social no Brasil sem se falar da concentração de terra nas mãos de poucas famílias. Não há como falar nos milhões de miseráveis passando fome sem se lembrar das extensas áreas agricultáveis no Brasil servindo para especulação ou exportação. É impossível pensar em proteção e preservação do meio ambiente sem discutir o atual modelo agrícola do Brasil. Portanto, é impossível imaginar uma mudança no país sem considerar a reforma agrária. É importante que os profissionais do Serviço Social discutam, elaborem e intervenham sobre a questão agrária. Há milhares de famílias acampadas vivendo em uma situação precária e que precisam de políticas públicas especificas. O espaço cotidiano de atuação profissional é predominantemente municipal e é impensável falar que os assistentes sociais não se deparam com essas questões nos municípios rurais onde estão atuando. O profissional do Serviço Social deve, portanto, propor soluções para sanar essa lacuna, buscando condições para se atualizarem, para serem capazes de aprofundar os determinantes da questão social e, com isto, exercer sua profissão com mais qualificação. 2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREITAS, E. As formas de trabalho rural no Brasil. 2013. Disponível em http://www.alunosonline.com.br/geograf ia/formas-trabalho-rural-brasil.html. Acesso em 21 maio 2014. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 25 Oliveira et al. (2013) FRIGOTTO, G. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino médio. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS (org.) Ensino médio integrado: concepção e contradições. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2010. LOPEZ, G. Estrutura agrícola brasileira: relações de trabalho no campo. Disponível em: <http://soumaisenem.com.br/geografia/ estrutura-agricola-brasileira/estruturaagricola-brasileira-relacoes-detrabalho-no-campo>. Acesso em: 21 maio 2014. NETTO, J.P.; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2011. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. LEI No 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei s/L0601-1850.htm. Acesso em: 24 maio 2014. SANTOS, J.A.L. dos. Reforma e questão agrária no Brasil: contribuições do professor José Souza Martins. Porto Alegre: ENG, 2010. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 16-25, Agosto-Dezembro, 2013. 26 Schmitz (2013) ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E LEGAIS DA SANTA INQUISIÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO PENAL CONTEMPORÂNEO Área Temática: História, Direito Milene da Rosa Schmitz1 1 Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa – DeVray Brasil University; Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Unifacs – Universidade Salvador; Doutoranda em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires – UBA. RESUMO O presente artigo tem por objeto descrever e analisar os aspectos históricos, políticos e legais da Santa Inquisição e a sua influência no processo penal contemporâneo. Pretendese abordar o assunto ainda que sucintamente, destacando os principais aspectos necessários a um entendimento didático, de modo a possibilitar uma melhor compreensão do procedimento inquisitório. Este, por sua vez, subsiste no processo penal moderno até os dias de hoje, motivo pelo qual o assunto continua em voga na atualidade. Palavras-chave: Inquisição; direito e processo penal. ABSTRACT This article aims to describe and analyze the historical, political and legal aspects of the Holy Inquisition, and its influence in the criminal proceedings contemporary. It is intended to address, even briefly, highlighting key aspects necessary for a didactic understanding, in order to enable a better comprehension of inquisitorial procedure. This, in turn, subsists in the modern criminal procedure until today, which is why it remains in vogue nowadays. Keywords: Inquisition; criminal law and procedure. 1. INTRODUÇÃO Falar em Inquisição Medieval é falar em um dos pontos históricos mais controversos até hoje discutidos, quer seja entre juristas ou historiadores. Precipuamente, a grande cruzada religiosa empreendida pela Igreja Católica contra os hereges nos séculos XII e XVIII teve como seu principal fundamento, ainda que mascarado, a tentativa drástica do Clero em manter o poder sobre os fiéis através do medo e da superstição. Assim, a denominada Inquisição Medieval acabou sendo sinônimo da grande caça às bruxas, que ocorreu em toda a Europa Ocidental, bem como em suas colônias. O presente trabalho tem, portanto, a intenção de demonstrar as precondições que se constituíram necessárias para o acontecimento desse fato histórico, associadas aos aspectos políticos e ao contexto social, bem como às mudanças efetivas operadas no direito penal diante dessa conjuntura. No âmbito jurídico, todo o sistema de direito penal acusatório foi alterado sob a influência direta da Igreja, para que os crimes de heresia e bruxaria pudessem ser combatidos de maneira mais eficaz. Assim, foram adicionadas novas regras ao processo, que lhe conferiram feição inquisitória, fato que aliado à utilização da tortura culminava em um processo no qual dificilmente o acusado sairia sem condenação. 1.1. Aspectos Históricos, Políticos e legais A Inquisição Medieval teve início no período da Baixa Idade Média (séculos XII Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013. 27 Schmitz (2013) e XIII), ocasião em que o poder eclesiástico atingiu o seu apogeu. Os reis recebiam o seu poder da Igreja, que na mesma medida que os sagrava, podia também excomungá-los. O nome Inquisição se deu devido ao processo inquisitionem que era utilizado pelas cruzadas religiosas no combate às heresias. Consistia a Inquisição Medieval no processo de identificação, julgamento e condenação dos indivíduos suspeitos de praticarem heresias, sendo que o processo inquisitório, antes desempenhado apenas por membros do clero, já se encontrava seccionado entre Tribunais Eclesiásticos e Tribunais Seculares. O procedimento utilizado era o mesmo em ambas as cortes, qual seja: o aprisionamento de suspeitos com base em meros boatos ou delações anônimas, interrogatório, que somente objetivava a confissão (para isso eram utilizados todos os meios, inclusive tortura) e, ao final, a condenação, que, de acordo com a gravidade do crime cometido, poderia variar entre a execução do condenado, que era queimado vivo, banido, obrigado a trabalhos forçados nas galeras dos navios, prisão, ou tinha seus bens confiscados. O acirramento da Inquisição se deu devido a vários fatores, entre eles, uma grande explosão demográfica ocorrida na Europa ao final da Idade Média e início da Idade Moderna. Tal fator refletira inevitavelmente no aumento da pobreza e na pressão crescente sobre a oferta limitada de recursos, o que culminou em frequentes guerras entre os povos que se digladiavam. Em outras palavras, a verdadeira dimensão política da Inquisição foi o fato de ser esta utilizada indistintamente pela nobreza e clero, para perseguir e destruir aqueles indivíduos que representassem uma ameaça ao seu poder. Um exemplo clássico das implicações políticas da Inquisição se deu na Península Ibérica, mais precisamente na Espanha moderna, que se dividia em três monarquias: Portugal, Castela e Aragão: no intuito de pacificar os conflitos nos reinos herdados, os reis católicos fizeram muitas concessões aos nobres, tanto de terras quanto de poder. Ocorre que a ocupação dos cargos importantes no Estado por cidadãos, considerados impuros (mouros e judeus), bem como a facilidade em crescer financeiramente com o comércio, revelou-se um entrave aos interesses da nobreza que, movida pelos ideais de reconquista, expulsou, em 1492, os mouros de Granada e, no mesmo ano, decretou a expulsão de todos os judeus da Espanha, caso não se convertessem ao catolicismo. A Inquisição Medieval buscou sua legalidade no direito canônico. Este também teve grande influência sobre as legislações da Europa ocidental. O poder jurisdicional dos Tribunais Eclesiásticos em matéria penal era o responsável por processar e julgar todos aqueles que praticassem alguma infração contra a religião (heresia, apostaria, simonia, sacrilégio, bruxaria, etc.), além do adultério e a usura. Com o apogeu da Inquisição, os Tribunais Seculares da Europa ganharam jurisdição sobre tais crimes, suplementando os Tribunais Eclesiásticos como instrumentos judiciais da perseguição. Assim, em virtude das relações entre Estado e Igreja, o poder dessa última, acabou se refletindo sobremaneira nos princípios e na lógica de ordenação do direito laico, onde a extensão da competência dos Tribunais Eclesiásticos tomou a caça aos hereges essencialmente uma operação judicial, unindo-se no combate à proliferação dos seguidores de satã, que ameaçavam tanto o poder da Igreja quanto do soberano. 2. O PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO Com a mudança do sistema penal acusatório, ocorrida entre os séculos XII e XIII, houve a legitimação dos atos de barbárie impetrados contra todos aqueles que fossem considerados hereges. No tocante à prova, a mudança mais significativa se deu através do processo acusatório que passou para o processo de inquirição ou inquisitiv, ou seja, quando o direito passou de um sistema racional para irracional. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013. 28 Schmitz (2013) Pelo processo acusatório, a ação penal somente poderia ser desencadeada por uma pessoa privada, que seria a parte prejudicada ou seu representante legal. A acusação era pública e feita sob juramento, culminando na instauração de um processo contra o suspeito, no qual, caso as provas apresentadas fossem inequívocas ou caso o acusado admitisse sua culpa, o juiz decidiria contra ele. Entretanto, caso restassem dúvidas acerca da culpabilidade ou inocência do mesmo, decidia-se de forma irracional, recorrendo-se à intervenção divina para que fornecesse um sinal contra ou a favor do acusado, não cabendo ao homem a investigação do crime, que era colocado nas mãos de Deus. A maneira mais comumente utilizada eram as provas através do ordálio, mas também eram utilizados os duelos judiciais até a morte. No tocante a crimes menores, existia a possibilidade de absolvição através do processo chamado de compurgação, segundo o qual o acusado teria que obter um número considerável de testemunhas que atestassem sua inocência. Importante destacar que em qualquer das formas acima descritas, a atuação do juiz restringia-se apenas a de um árbitro imparcial. 3. O PROCESSO POR INQUÉRITO Com o advento do processo por inquérito no século XIII, houve a substituição do processo acusatório em toda a Europa continental, tendo sido o mesmo consolidado no século XVI. Esta mudança alterou profundamente todo o sistema penal, atribuindo ao juízo humano um papel fundamental que, condicionado pelas regras racionais de direito e aliado à restauração do estudo do direito romano, bem como a fatores políticos e filosóficos, culminou em uma reformulação da concepção de direito até então praticada. A Igreja foi a principal influenciadora da adoção dos novos procedimentos no sistema penal, não pelo caráter humanitário, mas tão somente porque o novo sistema se apresentava muito mais eficiente no combate e caça aos crimes de heresia, que aumentavam em consideráveis proporções ameaçando o seu poderio. No processo por inquérito, a ação penal também poderia ser desencadeada mediante acusação privada, porém o acusador não tinha nenhuma responsabilidade em caso de inocência do réu. Em contraponto ao processo por acusação, que o acusador era penalizado caso o acusado provasse sua inocência, as denúncias poderiam ser feitas de forma anônima ou por uma comunidade inteira. Assim, os oficiais do Tribunal do Santo Ofício tinham autonomia para intimar um suspeito de crime com base apenas em informações por eles obtidas. Desta forma, todas as pequenas querelas e tagarelices de uma comunidade poderiam servir de argumentos para uma denúncia. Outro ponto importante do processo por inquérito pauta-se no fato de que o mesmo oficializou todas as etapas do processo judicial a partir do oferecimento da denuncia. Assim, o juiz e todos os demais oficiais do tribunal assumiam a investigação direta dos crimes, determinando posteriormente a culpabilidade ou inocência do réu, com a inquirição de testemunhas e do próprio réu, tudo registrado por escrito. Todavia, o processo criminal permanecia secreto até a sentença, tanto para o público, quanto para o acusado, que não tinha conhecimento das acusações, nem dos depoimentos das testemunhas ou das provas colhidas. Nas palavras de Michel Foucault em sua obra vigiar e punir: “(...) era impossível ao acusado ter acesso às peças do processo, impossível conhecer a identidade dos denunciadores, impossível saber o sentido dos depoimentos antes de recusar as testemunhas, impossível fazer valer, até os últimos momentos do processo, os fatos justificativos, impossível ter um advogado, seja para verificar a regularidade do processo, seja para participar da defesa” (FOUCALT, 1991, p. 35). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013. 29 Schmitz (2013) Outro aspecto que conferia exclusivamente aos juízes e profissionais do direito o poder de estabelecer a verdade se pautava na forma escrita do processo, que, em última instância, correspondia ao direito de punir do soberano. Inobstante o sigilo que envolvia o processo de inquérito, inclusive para o acusado, onde as evidências do crime eram investigadas e avaliadas mediante regras meticulosamente formuladas, o que fazia com que os padrões de prova fossem extremamente rigorosos, pautados nos princípios do direito romano-canônico, os indícios de autoria de crimes, bastavam para declarar um suspeito, deflagrando o processo investigatório, que depois seguia um esquema racional. O cerne da questão inquisitorial pautava-se no fato de que os crimes por ela combatidos, como as heresias ou bruxarias, eram fatos ocultos, ou seja, crimes onde as provas dificilmente seriam obtidas. Assim, além de duas testemunhas que teriam presenciado a atividade satânica, fazia-se mister à confissão do acusado, mediante qualquer artifício, mesmo a tortura. Nesse sentido, a confissão, que era considerada dentre as provas, a mais importante e incontestável, consistia no assentimento do próprio acusado acerca da sua culpabilidade quanto ao crime a ele imputado. 4. A TORTURA Como no processo inquisitorial, a confissão era a mais importante das provas, os meios utilizados pelos juízes com o fim de consegui-la eram plenamente aceitos e legitimados. A tortura, dessa forma, foi reintroduzida na Europa no século XIII, como meio de obter a confissão de um acusado ou das testemunhas. Esse recurso já tinha sido utilizado na Antiguidade e início da Idade Média. Esse procedimento hediondo foi autorizado pela Igreja através da Bula do Papa Inocêncio IV, em 1252, que a justificava como necessária ao combate dos seguidores de satã. Desta feita, a adoção da tortura pelos inquisidores nos julgamentos de bruxaria e heresia, foi também seguida pelos juízes dos Tribunais Seculares. O argumento utilizado pelos Tribunais consistia no fato de que quando um indivíduo fosse submetido à tortura e sofrimento físico durante o interrogatório, inevitavelmente confessaria a verdade. Todavia, o seu uso indiscriminado, bem como o grau excessivo de perguntas capciosas cuidadosamente formuladas pelos inquisidores, redundavam no que foi definido por Robert Mandrou como sendo um “processo infalível, em que o índice de condenações chegava noventa e cinco por cento.” (LEVACK, B. p. 79; MANDROU, R., 1979, p. 78). 5. A CONDENAÇÃO Logo após a confissão do acusado, vinham a condenação e a execução da pena. Contudo, o condenado ainda era obrigado a confessar sua culpa em uma Igreja, pedindo perdão a Deus e aos Santos por ter se desviado do seu caminho, pactuando com o diabo. Esse evento era denominado auto-de-fé, onde a multidão presente ouvia do próprio acusado o relato das maldades por ele cometidas e o seu arrependimento, seguida da execução em praça pública, onde ele era, na maioria dos casos, queimado vivo pelo carrasco. Durante a execução, a sentença contra o condenado era lida em público, com o intuito de que todos tomassem ciência dos malefícios por ele praticados, bem como de coibir condutas semelhantes. O processo, todavia, não acabava com a condenação e morte do acusado, pois naquela época não existia o Princípio da Pessoalidade da Pena, e devido à absurda crença de que a propensão para a prática de determinados crimes era hereditária, a família e os familiares do acusado também acabavam sendo processados. Nesse sentido pronunciouse Mandrou: “Tantos lares, tantos juízes obsequiosos em subjugar Satã. Os Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013. 30 Schmitz (2013) Sabás, imaginários, as missas às avessas e os feitiços de impotência não representam simplesmente os descaminhos dos simples de espírito, pobres indivíduos afligidos pelas misérias cotidianas que procuravam uma compensação em uma evasão polimorfa. São também os horizontes mentais dos homens cultos, eloquentes, nutridos de direito canônico e direito civil, que são encarregados dos processos criminais onde quer que se exerça a alta justiça, nas senhorias, nos bailiados, e presisiais e nas cortes superiores que constituem os Parlamentos. De uns aos outros, o consenso permanece o mesmo durante muito tempo: as ondas de perseguições em fins do século XVI o provam com toda a evidência” (MADROU, 1979, p. 79). 6. A INFLUÊNCIA DA INQUISIÇÃO MEDIEVAL NO PROCESSO PENAL CONTEMPORÂNEO Impossível negar a influência direta da Inquisição Medieval no processo penal contemporâneo. Em matéria penal, podemos dizer que a Inquisição medieval teve sua influência positiva no sentido de ter sido tomada como modelo para que determinadas práticas fossem erradicadas nos regimes de governo democráticos, que primam pela dignidade e segurança do indivíduo, através dos direitos e garantias fundamentais e penais. Desta feita, são veementemente repudiadas e punidas no mundo contemporâneo a prática da tortura, delação anônima de crime, confisco de bens, a impessoalidade da pena, a contaminação do juiz no que tange à culpabilidade do acusado, entre outros. O processo inquisitório influenciou o nascimento da figura do acusador estatal, hoje representado pelo Ministério Público, que por sua vez tem o poder de instaurar o processo com o oferecimento da denúncia, mediante a Ação Penal Pública. Outro ponto semelhante ao processo inquisitório pauta-se na instauração da Ação Penal Privada, que se estabelece através da representação do ofendido ou do seu representante legal. Não olvidemos, pois, do Inquérito Policial, onde a figura do inquiridor é representada pelo Delegado de Polícia, que preside todo o procedimento. Ademais, no processo penal contemporâneo, a figura do juiz, representante do Estado-Soberano, somente poderá atuar no processo, caso seja provocado, ou seja, mediante a instauração da Ação Penal, quer seja ela Publica ou Privada, assumindo a figura de julgador imparcial, dentro das suas atribuições e observando todas as garantias penais do acusado, não podendo fabricar provas ou determinar que se fabrique, como nos tempo negros da Santa Inquisição, onde o juiz assumia verdadeiro papel de algoz do acusado. Atualmente, o processo penal sofre controle direto dos órgãos de proteção e direitos humanos, efetivamente atuantes desde a Segunda Grande Guerra, onde outras tantas atrocidades foram praticadas em prol do poder político e econômico. 7. O JUIZ INQUISIDOR E O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO O sistema acusatório adotado pelo Direito Penal brasileiro se baseia na separação inicial das atividades de acusar e julgar. Esse sistema visa a busca pela verdade real, de forma que para o bom andamento processual deve o juiz manter uma posição de alheamento e afastamento da arena das partes, ao longo de todo o processo. Deve-se descarregar o juiz de atividades inerentes às partes, para assegurar sua imparcialidade. Todavia, a Lei nº 11.690 alterou, em 2008, dispositivos do Código de Processo Penal referentes à coleta de provas. O inciso I, do art. 156 do Código de Processo Penal brasileiro, aduz que o juiz, de ofício, poderá determinar a produção de provas que forem consideradas urgentes e relevantes, antes mesmo da instauração da Ação Penal, ainda na fase de Inquérito Policial. “Consagra-se o juizinstrutor-inquisidor, com poderes para, na fase de investigação preliminar, colher de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013. 31 Schmitz (2013) ofício a prova que bem entender, para depois, no processo, decidir a partir de seus próprios atos.” (LOPES, 2008). Tal medida, para muitos doutrinadores, fere o sistema acusatório adotado pelo Processo Penal brasileiro, que tem como premissa a separação de funções, bem como outros princípios norteadores do Direito Processual Penal, tais como a imparcialidade do juiz, e o Princípio da Presunção de Inocência. Alega-se que uma separação inicial de atividades, com a acusação devidamente formulada pelo Ministério Público seria inócua se no decorrer do procedimento for permitido ao juiz assumir um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora. A lei, ao permitir que o juiz assuma uma posição de inquisidor, primeiro investigando, para depois julgar, fere, portanto, os princípios basilares de direito processual penal, que consagra o sistema acusatório e não o inquisitivo. Assim, remete o referido inciso do art. 156 do Código de Processo Penal a um sistema penal inquisitivo, tal qual o da Inquisição Medieval, onde o juiz assumia a figura de inquisidor, determinando de ofício a produção de provas contra os acusados, contaminando dessa forma a sua imparcialidade e julgamento. Nesse sentido, entende-se que tal dispositivo processual fere o sistema acusatório, juntamente com demais princípios importantes e consagradores do Direito Processual Penal. sistema penal inquisitório foi constituída pela Igreja Católica, mais precisamente pelo catolicismo medieval. A Igreja, ao ver-se ameaçada pelo surgimento de novas religiões, ergueu a bandeira do combate aos chamados crimes religiosos e, aproveitando-se do fato de seu poderio estar de tal forma imbricado no poder do Estado, todas as manifestações assumiram caráter religioso. Durante a Inquisição a Igreja Católica buscou a “verdade” através de atos de extrema violência, e, com isso, adquiriu cada vez mais poder e riquezas. Esse contexto, no entanto, foi de grande contribuição para a formação do sistema penal contemporâneo, pois muito embora tenham sido praticados inúmeros erros, que na atualidade jamais seriam admitidos, é inevitável que a Santa Inquisição serviu como modelo para o Inquérito Policial, que tem uma parte Inquisitiva, bem como para o surgimento do sistema acusatório adotado pelo Direito Processual Penal, que se baseia na separação das atividades de acusar e julgar, requisito essencial para a busca pela justiça. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FOCAULT, M. Vigiar e punir. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. LEVACK, B.P. A caça às bruxas na Europa moderna. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS LOPES Jr., A. Bom pra quê (m)? Boletim IBCCRIM, ano 188, julho de 2008. Com base nas explanações apresentadas, conclui-se que a base do MANDROU, R. Magistrados e feiticeiros na França do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 1979. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013. 32 Lopes et al. (2013) MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS NO INTERIOR DE MINAS GERAIS Área Temática: Serviço Social Noêmia de Fátima Silva Lopes1, Ana Paula Cortes2, Daniele Alves Segal2, Ivani de Andrade2, Janaina de Oliveira Silva2, Jéssica da Silva Afonso2, Leslie de Moraes2, Lornídia da Silva Abreu2, Verônica da Mata Huebra Rodrigues2. 1 Mestre em Economia Doméstica pela UFV, Graduada em Serviço Social. Professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). 2 Graduandas do 6º Período do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). RESUMO O objetivo deste estudo foi analisar de que forma o Projeto Ético Político do Serviço Social tem sido materializado por assistentes sociais na região do município de Manhuaçu, MG. A prática do Serviço Social é uma atividade laboral exercida por profissional habilitado, capaz de trabalhar o conjunto de expressões das desigualdades sociais geradas na sociedade capitalista. Os instrumentos de trabalho do Serviço Social estão diretamente associados à formação teórica, técnico-operacional e ético-política. Sua finalidade social está voltada para a intervenção na perspectiva de democratização, autonomia dos sujeitos, acesso aos direitos, e à clareza do projeto ético-político - fundamental para o fortalecimento desta categoria profissional e da classe trabalhadora. Este estudo de caráter exploratório utilizou-se da pesquisa qualitativa fundamentada no método crítico dialético de Marx. Foram entrevistados profissionais do município de Manhuaçu e suas cidades limítrofes. Pode-se perceber que o Projeto Ético Político se depara com fatores que dificultam sua materialização diante de condições precárias de trabalho. Esta realidade reclama por mudanças e organização coletiva do profissional de Serviço Social. Palavras chave: Serviço Social, Trabalho e Projeto Ético Político ABSTRACT The aim of this study was to examine how the Project Ethical Political of Social Work has been materialized by social workers in the region of Manhuaçu city, MG. The practice of social work is a labor activity exercised by a qualified professional able to work all the expressions of social inequalities generated in capitalist society. The working tools of Social Work are directly associated with the theoretical, technical, operational and ethical-political. Its purpose is focused on social intervention from the perspective of democratization, autonomy of subjects, access rights, and clarity of the ethical-political, fundamental to the strengthening of this professional category and the working class. This exploratory study used qualitative research is grounded in Marx's dialectical critical method. There were interviewed professionals of Manhuaçu city and its neighboring cities. It was possible to conclude that the Project Ethical Political faced with factors that hamper its materialization facing poor working conditions. This reality is pressing for changes and collective organization of professional Social Work. Keywords: Social Work, Project Work and Political Ethics Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 31-42, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 33 1. INTRODUÇÃO A vida contemporânea é detentora de um cenário construído para a manutenção da ordem burguesa. A acumulação do capital, que não prima pela garantia mínima dos direitos sociais da população, reforça um projeto societário que se opõe totalmente ao defendido e consolidado no Projeto Ético Político do Serviço Social. Por isso, a real consolidação do Projeto Ético-Político é relevante enquanto contribuição para o Serviço Social, tendo em vista a desfavorável conjuntura para a sua implementação, fazendo com que o reconhecimento profissional deste seja não apenas institucional, mas representativo de uma prática interventiva que atenda aos anseios das organizações políticas da categoria e da classe trabalhadora. Esta pesquisa foi resultado de questionamentos e inquietações que surgiram entre os alunos no decorrer do processo de desenvolvimento da disciplina de Ética em Serviço Social na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu/MG – FACIG em 2012. Observaram-se inúmeros desafios enfrentados pela categoria e fatores que dificultaram o exercício profissional e a efetivação do projeto ético político. Desta forma, é possível apresentar a questãoproblema eleita para a pesquisa: as condições de trabalho do Serviço Social têm permitido a materialização do projeto ético político pelos profissionais em Manhuaçu e região? Nesse cenário, este estudo objetivou analisar de que forma o Projeto Ético Político do Serviço Social vem sendo materializado pelos(as) Assistentes Sociais no município de Manhuaçu e região. Foram entrevistados 37 (trinta e sete) profissionais de Manhuaçu e cidades limítrofes, e a pesquisa envolveu profissionais Assistentes Sociais dos municípios de Manhuaçu, Manhumirim, Matipó, Santa Margarida, Simonésia, Alto Jequitibá, Abre Campo, Luisburgo, Caratinga, Caparaó, Alto Caparaó Mutum e Sericita. Historicamente, o Serviço Social foi marcado pela tradição conservadora e vinculado aos princípios religiosos; era considerado como vocação, habilidade, ocupação, ofício (IAMAMOTO, 2003). Atualmente, é reconhecido como profissão, uma especialização do trabalho coletivo, inscrita na divisão social e técnica do trabalho, de nível superior, e regulamentada no Brasil pela Lei nº. 8.662, de 7 de junho de 1993. De acordo com Netto (1999, p. 102), o serviço social enquanto profissão, não dispõe de uma teoria própria, nem é uma ciência, isto não impede, entretanto, que seus profissionais realizem pesquisas, investigações etc. e produzam conhecimentos de natureza teórica. Assim o Serviço social vem se constituindo com a sociedade e suas próprias modificações, pois é através dessa lógica que ela vai se transformando. Os processos históricos contribuíram para as transformações que se tem da profissão de Assistente Social e o significado social atribuído à profissão é resultado dos movimentos da categoria e do contato com a dinâmica e o desenvolvimento do conjunto da sociedade (IAMAMOTO, 2008). A prática profissional no Serviço Social é considerada um trabalho, exercido por um/uma profissional que tem como objeto de trabalho a questão social1. Os instrumentos 1 Segundo Iamamoto a expressão “questão social” diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana o trabalho das condições necessárias à sua realização assim como de seus frutos (2001, p.10). Para Netto, inexiste qualquer “nova questão social” e sim “a emergência de novas expressões da ‘questão social’ que é insuprimível sem a supressão da ordem do capital. A dinâmica societária específica dessa ordem não só põe e repõe os corolários da exploração que a constitui medularmente: a cada novo estágio de seu desenvolvimento, ela instaura expressões sóciohumanas diferenciadas e mais complexas, correspondentes à intensificação da exploração que é a sua razão de ser” (2001, p.48). 2. O SERVIÇO SOCIAL E O TRABALHO PROFISSIONAL Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 34 de trabalho estão ligados à formação teóricometodológica, técnico-operativa e éticopolítica. A matéria prima, definidora da área onde se insere o objeto de trabalho profissional, encontra-se no âmbito da questão social e suas manifestações (Idem, 2003). Segundo o autor, não há um único e idêntico processo de trabalho para o Assistente Social, pois este trabalha em muitas áreas, e ocupa diferentes espaços sócio ocupacionais. No entanto, “é necessário descortinar as armadilhas da vida cotidiana, passo crucial e insubstituível para uma intervenção profissional crítica, propositiva e, portanto, não repetitiva” (Silva, 2007, p. 11). Ultrapassar as fronteiras da aparência é fundamental para conhecer a realidade, e isto só se torna possível a partir da aproximação com a teoria social marxista. O trabalho do/a Assistente Social deve ser norteado por um plano de intervenção profissional, pois objetiva construir na sociedade estratégias coletivas para o enfrentamento das diferentes manifestações de desigualdades e injustiças sociais. A sociedade atual gira em torno do capital uma vez que o desemprego e as más condições de vida estão presentes no contexto social e econômico. Consequentemente, o assistente social faz parte da classe dos trabalhadores que lutam por condições dignas de trabalho e pela efetivação de direitos sociais; no entanto, os profissionais do Serviço Social enfrentam, no cotidiano, [...] o crescimento da demanda por serviços sociais, o aumento da seletividade no âmbito das políticas sociais, a diminuição dos recursos, dos salários, a imposição de critérios cada vez mais restritivos nas possibilidades da população ter acesso aos direitos sociais, materializados em serviços sociais públicos. (IAMAMOTO, 2003, p.18). O Serviço Social é uma profissão cuja finalidade social está voltada para a intervenção nas diferentes manifestações da questão social, como também possui o objetivo de fortalecer os processos de resistências dos sujeitos na perspectiva da democratização, autonomia dos sujeitos e do seu acesso a direitos, além da clareza do projeto ético político2 que é fundamental para o fortalecimento da categoria e da luta de classe. Contudo, a ética é indissociável do cotidiano vivenciado por esta classe, que tem profunda relação com a ética profissional e naturalmente com os projetos societários. De acordo com a afirmação de Netto (1999), os projetos societários são coletivos, apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos teóricos, institucionais e práticos para o seu exercício, além de que prescrevem normas e estabelecem balizas entre suas metas, propostas e realidade. O projeto ético político propõe a construção de uma nova ordem societária fundamentada em valores. Isso significa a desconstrução da antiga ordem vigente do capital, o rompimento com o conservadorismo e comprometimento com uma ação transformadora, emancipatória. Foi pensado no contexto histórico de transição dos anos 70 e 80, de acordo com Bráz (1996), num processo de redemocratização da sociedade brasileira, que se recusou o conservadorismo profissional presente no Serviço Social brasileiro. A dimensão política do projeto é claramente enunciada, segundo Netto (1999), por se posicionar a favor da equidade e da justiça social na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas. Programas sociais, ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postos como garantia dos direitos civis, políticos e sociais da classe trabalhadora. 2 O projeto ético-político tem como seus pilares básicos o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais/Resolução CFESS n. 273/93 de 13 de março de 1993 (Conselho Federal de Serviço Social, 1993a), a Lei de Regulamentação da profissão/Lei n. 8.662/9, de 7 de junho de 1993 e as diretrizes curriculares do curso de Serviço Social. Este último pilar possui nortes básicos expressos nos documentos: Abepss, 1996; Diretrizes..., 1997. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 35 Nesse sentido, Teixeira (2009) afirma que o projeto ético político se materializa em três dimensões: a produção de conhecimentos no interior do serviço social, as instâncias político-organizativas e a dimensão jurídicopolítica, constituída pela legislação que norteia a profissão. Bráz (1996) afirma que os projetos societários podem ser transformadores ou conservadores, pois representam os interesses das classes trabalhadoras subalternizadas; consecutivamente, dispõem de condições menos favoráveis para enfrentar os projetos de sociedade da classe dominante. O/A Assistente Social, enquanto profissional liberal tem, ao longo deste caminho percorrido, um vasto histórico de lutas pela garantia de direitos e pela efetivação do projeto ético político. A partir do momento que é chamado pelo estado a atender as demandas da classe trabalhadora, e, posteriormente, quando se entende enquanto classe, na contradição entre capital e trabalho, o serviço social está sujeito a transformações que esta cena enfrenta. Assim, o/a Assistente Social não está isento do sucateamento das relações de trabalho e tão pouco dos problemas gerados por esta relação. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Os procedimentos metodológicos utilizados neste processo de investigação orientaram-se pelo método crítico dialético, por se entender que este é o método capaz de analisar os fenômenos sociais como contraditórios. Analisa-se a realidade em movimento, em constante mudança, e em frequente processo de interação de opostos, dados que constituem uma única realidade. Portanto, esse método leva em conta o contexto histórico e supera a visão parcial, indo além do que a realidade apresenta. A escolha por tal método se justifica a partir da necessidade de “situar e analisar os fenômenos sociais em seu complexo e contraditório processo de produção e reprodução, determinado por múltiplas causas na perspectiva de totalidade concreta: a sociedade burguesa" (BEHRING, BOSCHCETTI, 2011, p. 38). A pesquisa de caráter exploratório se fundamentou em Lakatos e Marconi que afirmam: as pesquisas exploratórias são compreendidas como investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos (LAKATOS e MARCONI 2003, p.188). No âmbito deste trabalho, foram apropriados elementos da pesquisa bibliográfica e de campo. Segundo Lakatos e Marconi (2002), a pesquisa bibliográfica é realizada a partir do levantamento de bibliografias já publicadas, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita, com o objetivo de possibilitar aos pesquisadores o contato direto com todo o material escrito sobre assunto proposto. A caracterização da amostra e coleta de dados foi realizada através da técnica de questionário. De acordo com Gil, O Questionário é uma técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas etc (GIL, 1999.p.128). Bertucci (2009) afirma que é ideal que o questionário seja aplicado em pelo menos um pré-teste, para que o pesquisador possa identificar os problemas e reelaborar o instrumento de coleta de dados. O pré-teste foi realizado com 5 assistentes sociais do município de Manhuaçu, e após realizados os ajustes, o questionário foi aplicado aos 45 profissionais que se dispuseram a participar da pesquisa. A pesquisa foi realizada a partir de questionários estruturados com profissionais da área de Serviço Social. Foram tabulados Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 36 os dados de 37 questionários, num total de 45 profissionais listados, entre 19 de agosto e 29 de novembro de 2012, de Manhuaçu e cidades limítrofes. A realização da pesquisa com os profissionais de Serviço Social do Município ocorreu durante os meses de julho, agosto, setembro e outubro. Elegeu-se, enquanto lócus da pesquisa, os espaços sócio ocupacionais do serviço social em 13 cidades da região. Os critérios éticos adotados partem da fidedignidade aos autores e às fontes bibliográficas e documentais. Ainda como critério ético, a participação através dos questionários somente se concretizou após prévio consentimento expresso no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, que, além de conter permissão, também apresenta os objetivos da pesquisa e os direitos assegurados: anonimato no sentido de evitar que sua participação venha ocasionar prejuízo de qualquer natureza; conhecimento prévio de todas as informações relativas à pesquisa; direito de recusar e/ou retirar sua participação sem prejuízo ou ônus, em qualquer etapa do estudo. A análise foi construída a partir da tabulação e sistematização dos dados obtidos através do levantamento bibliográfico e dos questionários. Acredita-se, portanto, que foi possível traçar o direcionamento do estudo através do seu principal objetivo, além de que os resultados poderão ser utilizados na análise da profissão na região e na construção de propostas que visem a interlocução e organização da categoria dos profissionais de Serviço Social em Manhuaçu e região. Após a definição do problema, tornou-se necessário traçar um modelo conceitual e operativo da pesquisa. Para compreensão da proposição, foi necessário um planejamento da pesquisa envolvendo um estudo aprofundado sobre que diz respeito ao exercício profissional e aos seus desafios, com a finalidade de se obter respostas para as indagações de pesquisa. 4. RESULTADOS Após analisar os questionários, constatouse que predomina o número de profissionais do Serviço Social com idade de 36 a 40 anos. Foram entrevistados 37 profissionais e, deste universo, 10 responderam que possuem entre 36 a 40 anos, correspondendo a 27,02% dos entrevistados. Logo em seguida, tem-se 7 profissionais que declararam ter entre 20 a 25 anos, número que corresponde a 18,91%. Seis profissionais com idade entre 26 a 30 anos e mais 6 com idade entre 46 a 50 anos, ambos representam 16,21% dos Assistentes Sociais entrevistados. Com idades de 31 a 35 anos, constata-se a presença de 5 profissionais, e os outros 2 disseram que possuem entre 41 a 50 anos; apenas 1 profissional não revelou este dado. Tais números representam 13,51%, 5,4% e 2,7%, respectivamente. Verificou-se que o número de profissionais representativos do sexo masculino no Serviço Social ainda é ínfimo. É possível afirmar que o número de assistentes sociais do sexo feminino excede, em grande proporção, o pequeno número de profissionais do sexo masculino. Dos entrevistados, 34 profissionais são do sexo feminino e somente 3 do sexo masculino, ou seja, estes números mostram que 91,89% são mulheres e apenas 8,1% são homens. Iamamoto (2011), em suas análises, afirma que o Serviço Social é uma profissão predominantemente feminina, quando alude que no Serviço Social tem-se um contingente profissional, hoje proveniente de seguimentos médios pauperizados, com um nítido recorte de gênero uma categoria profissional predominantemente feminina, uma profissão tradicionalmente de mulheres e para mulheres. A condição feminina é um dos selos da identidade desse profissional, o que não implica desconhecer o contingente masculino de assistentes sociais, com representação nitidamente minoritária no conjunto da categoria profissional no país. (IAMAMOTO, 2011, P.108). A maioria dos profissionais entrevistados trabalham na cidade de Manhuaçu/MG, demonstrando que é grande o número de profissionais que moram e trabalham na mesma cidade, sendo poucos os Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 37 entrevistados que residem em uma cidade e trabalham em outra. No que diz respeito ao quadro de instituições onde os profissionais entrevistados se graduaram, constatou-se que 20 Assistentes Sociais concluíram sua graduação na Faculdade Integrada de Caratinga – FIC. Este número corresponde a 32,43% do total de entrevistados. A Universidade Norte do Paraná – UNOPAR aparece em segundo lugar, pois observaramse 10 profissionais que se formaram em tal, número que corresponde a 27,02%. Na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu foram identificados 8 profissionais com graduação em Serviço Social, o que representa 21,6% dos entrevistados. Em seguida, aparece a Faculdade de Minas – FAMINAS. Nesta Faculdade, apenas 2 profissionais concluíram o curso. As universidades a seguir aparecem apenas uma vez: Universidade Federal de Juíz de Fora – UFJF, Universidade Gama Filho – UGF, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM e Uberlândia. Dos entrevistados, 22 profissionais possuem somente a graduação, o que corresponde a 59% do total de profissionais especializados, e 15 profissionais possuem especialização. Como demostrado na Figura 1, dos 37 profissionais entrevistados, 23 atuam há 5 anos na área, o que corresponde a 62% dos profissionais, enquanto que cinco profissionais atuam há entre 6 e 10 anos, o que corresponde a 14%. Seis profissionais atuam há entre 11 e 15 anos, o que equivale a 16%; 2 tem de 16 a 20 anos de profissão, o que corresponde a 5%; 1 profissional atua no Serviço Social há mais de 20 anos, o que corresponde a 3% dos profissionais entrevistados. Figura 1. Tempo de atuação na área de serviço social. Fonte: Dados obtidos em tabulação de resultados da pesquisa pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012. A partir da análise, confirma-se que a profissão vem crescendo na região, uma vez que os dados apontam para a maioria dos profissionais com até cinco anos de atuação. São jovens na profissão, contudo, acredita-se que a organização do Sistema Único da Assistência Social seja um dos responsáveis por este crescimento, pois os municípios precisam do profissional para a sistematização da política de assistência. A maioria dos assistentes sociais atuam na área da assistência, mas outros novos espaços vem sendo ocupados por este profissional. Entre os entrevistados, 67% atuam nas Prefeituras Municipais, enquanto 2 profissionais atuam no INSS, 2 na FUMAPH e 2 no Tribunal de Justica, que correspondem, respectivamente, a 5 %, 5% e 5%. Na pesquisa, as seguintes intituições empregam apenas 1 profissional: Plano Social Familiar em Vida, Hospital Cesar Leite, Unimed Vertente do Caparaó, Unidade Prisional de Manhuaçu, Renalclin e UNSP – Sindicatos. Estas correspondem a 3% do total do universo de entrevistados. Iamamoto (2008) sinaliza que dentre as organizações institucionais que imediatizam o exercício profissional, cabe ao Estado uma posição de destaque, por ser tradicionalmente um dos maiores empregadores do assistente social no Brasil. Ao considerar-se o Estado, é necessário acentuar sua importância decisiva na reprodução das relações sociais, na sua condição de legislador das forças repressivas. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 38 Mesmo que o Estado seja o maior empregador do serviço social, grande parte desses profissionais não são concursados e o contrato temporário é uma realidade. A pesquisa aponta que 40% dos profissionais possuem contrato temporário. Em regimes estatutários ou celetistas. Nestes espaços sócio ocupacionais do serviço social, a área que mais absorve o profissional é a assistência, sendo que 15 profissionais atuam na Assistência Social, o que corresponde a 42% dos profissionais entrevistados, seguidos pelos profissionais que atuam na Saúde (14%). As demais áreas tem apenas um profissinal em atuação: Recursos Humanos, Idoso, Criança e Adolescente, Família, Previdência, Coperaritivismo, Jurídica, Direitos Humanos, Pessoas em Situação de Rua e Outros. Nesta perspectiva, o assistente social é proprietário de sua força de trabalho especializada. Ela é produto da formação universitária que o capacita a realizar um “trabalho complexo”, nos termos de Marx (1985). Para Iamamoto (2008), essa mercadoria ou força de trabalho é uma potência que só se transforma em atividade – em trabalho – quando aliada aos meios necessários à sua realização e atuação profissional. A Figura 2 sinaliza que a maioria dos profissionais atua na execução, o que corresponde a 43% dos profissionais, seguido por 14% que atua no planejamento e execução. Quatro profissionais atuam na coordenação, representando 11%; 3 profissionais atuam na coordenação e execução e 3 profissionais não informaram o campo de atuação. Dois profissionais atuam na gestão e 2 no planejamento - cada um correspondendo, respectivamente, a 5% do universo total. Tem-se apenas 1 profissional na coordenação, gestão, planejamento e execução, (3% dos profissionais contactados). FIgura 2. Nível de atuação do Serviço Social. Fonte: Dados obtidos em tabulação de resultados da pesquisa pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012. Diante desse quadro, é importante destacar que se a maioria dos profissionais se encontra na execução, há a necessidade de maior capacitação desses para a gestão e o planejamento, espaço onde o serviço social é requisitado. Os diferentes espaços ocupados pelo Serviço Social exigem, a cada dia, maior qualificação e conhecimento da realidade para atender as demandas advindas do Estado e espaços privados, na coordenação, gestão, elaboração e execução de planos, programas e projeto sociais como aponta a Tabela 1. Tabela 1. Cargo ocupado pelo profissional do Serviço Social. Fonte: Dados obtidos em tabulação de resultados da pesquisa pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012. Cargos Número de profissionais Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 39 Assistente social e coordenadora do serviço de atenção à saúde 1 Diretora regional de MG 1 Assistente social 19 Secretária municipal de assistência social 2 Coordenador do Pró jovem e assistente social 1 Assistente social e coordenador do núcleo de assistência à saúde 1 Assistente social judicial 1 Analista do seguro social 1 Técnico de referência 2 Gerente de Serviço Social 2 Técnico Judiciário 1 Assistente social e coordenadora do CRAS 1 Valores ausentes 2 Técnico em Serviço Social 2 As condições de trabalho são, na contemporaneidade, um grande desafio para o Serviço Social - discussão presente nas mesas de debates da área sobre o assunto. Os dados (Tabela 2) apontam para problemas estruturais, de ingerência, inversão de prioridade e problemas diversos relacionados a gestão principalmente nos espaços públicos. Dentre os entrevistados, 14 profissionais citaram problemas relacionados ao transporte, o que corresponde a 22%, enquanto que 9 profissionais consideram a estrutura física inadequada ou insuficiente. Seis profissionais consideram como fatores dificultadores a falta de recursos e equipamentos e a defasagem da equipe multidicisplinar. Oito profissionais (12%) apresentaram outras demandas e os demais destacaram problemas como falta de comunicação intersetorial. Além disso, na ausência de um gestor, o assistente social se responsabiliza por tudo; a inexistência de um plano de carreira, além de questões salariais, rigidez hierarquica e a falta de capacitação também foram citados. Cada um desses itens corresponde a 1% do total de entrevistados. Tabela 2. Principais problemas relacionados às condições de trabalho. Fonte: Dados obtidos em tabulação de resultados da pesquisa pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012. Principais problemas relacionados às condições de trabalho Falta de recursos (financeiros e materiais) Número de respostas 6 Falta de equipamentos modernos 6 Dificuldade de transportes 14 Muita demanda/Acúmulo de atividades 5 Estrutura física inadequada/insuficiente 9 Falta de capacitação 1 Desconhecimento em relação ao Serviço Social 2 Rigidez hierárquica 1 Questões salariais 1 Defasagem na equipe multidisciplinar 6 Falta de comunicação intersetorial 1 Na ausência de um gestor, o Assistente se responsabiliza por tudo Inexistência de um plano de cargos, carreira e salário 1 1 Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 40 Outros 3 Valores ausentes 8 A capacidade do indivíduo está sendo suprimida pelo consumo excessivo do trabalho. Antunes (2004) relata que o trabalho gasta seus elementos, seu objeto e seu meio; os devora e é, portanto, o processo de consumo que extermina a magia contida na gênese do trabalho. O serviço social se submete a condições precárias de trabalho, desta forma, não consegue desenvolver o seu trabalho da forma como deveria, comprometendo o atendimento àquele/a usuário/a que necessita dos serviços, e, consequentemente, a ética profissional. Ao serem questionados se as condições de trabalho permitem uma atuação com base no Código de Ética de 1993, 27 assistentes sociais afirmam que sim, 9 dizem que em partes e 1 não se manifestou, o que corresponde a um total, respectivamente, de 73%, 24% e 3%. As falas dos profissionais em destaque demonstram esta realidade: “sim, mesmo diante das limitações e da autonomia relativa, permanece o respaldo do Código de Ética para a atuação profissional.” (Profissional 1entrevistado em 2012). “em partes, devido ao cunho assistencialista vinculado a assistência desde longo período, a desvinculação do sistema associada a emancipação do cidadão requer uma ação a médio e longo prazo.” (Profissional 2 entrevistado em 2012). “em partes, digo em partes, porque no cotidiano busco basear minha atuação nos princípios previstos no Código de Ética profissional, mas a consecução destes princípios, esbarra nos limites impostos pela forma de estruturação e organização da sociedade e da intituição na qual o profissional e o usuário encontram-se inscritos." (Profissional 3 entrevistado em 2012). De acordo com Netto (1999), os projetos profissionais, inclusive o Projeto Ético Político do Serviço Social, elegem os valores que o legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos de funções, formulam os requisitos teóricos institucionais e práticos para o exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais, estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços e com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas. Portanto, a partir da análise dos dados apresentados na pesquisa, quando os profissionais afirmam que em partes permitem atuação do Código de Ética no exercício e na materialilzação da prática profissional, cabe uma reflexão, pois alguns profissinais não conseguem identificar elementos constitutivos do código e do Projeto Ético Político do Serviço Social em sua prática e os componentes que o materializam. Consideram-se ainda como agravantes, as condições de trabalho, a questão salarial e a carga horária cumprida pelo Serviço Social. Na região, assim como em outras partes do Brasil, observam-se remunerações melhores, nas esferas federais, mas, a maioria dos profissionais não é bem remunerada. Cerca de metade dos entrevistados (54%) recebeu entre R$1.051,00 e R$2.100,00; 19% possuem um salário entre R$ 2.100,00 e R$3.150,00, 11% possuem um salário de mais de R$3.150,00 e 5% desses profissionais fizeram opção por não se manifestarem. Quanto à carga horária de trabalho, 43% dos profissionais trabalham 40 horas semanais; 11% mais de 40h semanais, 27% trabalham 30h semanais, em conformidade com a lei que regulamenta a profissão; 6 profissionais atuam 20h semanais e um profissional não se manifestou. Isto é, bem mais que 50% dos profissionais não são beneficiados com a lei de 30 horas, evidenciando o não cumprimento da lei por grande parte dos empregadores. De acordo com a legislação, a duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais - Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010. Acrescenta Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 41 dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. Art. 1o A Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, passa a vigorar acrescida do seguinte: Art. 5o-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais.” Art. 2o Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário. Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 26 de agosto de 2010; 189o da Independência e 122o da República. Contudo, identificou-se que o Serviço Social é considerado um instrumento auxiliar que subsidia, ao lado de outros serviços de grande eficácia, políticas de maior abrangência na concretização de requisitos básicos para a continuidade da organização social vigente. Portanto, é constante a necessidade desses profissionais no mercado; no entanto, de forma cada vez mais precarizada. Assim, o Serviço Social sofre com precarização das relações de trabalho, demonstrando que a categoria não está ilesa da flexibilização do mercado de trabalho. (ANTUNES, 1999, p.85). O trabalhador assalariado é pressionado, cobrado e explorado cada vez mais. É preciso obter requisitos exigidos pelo sistema capitalista de flexibilidade e de competências diversificadas, para não se tornar mais uma estatística do “exército industrial de reserva” (NETTO, 2008, p. 132). No modo de produção capitalista, o trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho, pois é a única forma de prover os mínimos para si e para sua família. Muitos trabalhadores precisam complementar sua renda com mais de uma jornada de trabalho, como os dados mostram a seguir. Ao serem questionados sobre qual é a motivação para um segundo vínculo profissional, 10 entrevistados (27%) afirmaram ser para complementação de renda. Diante dessa face da realidade e do acúmulo de atividades, observa-se que a saúde é afetada com a precarização das condições de trabalho. Esta estratégia do capital coloca em risco a efetivação do projeto ético político, pois é um fato que interfere nas “escolhas” dos profissionais entre o trabalho comprometido com um projeto profissional e com a submissão das condições deste trabalho pela própria sobreviência. A maioria dos profissionais (84%) responderam que as relações de trabalho repercutem diretamente em sua saúde, enquanto 13% afirmam que aatividade trabalhista não impacta na saúde. Apenas 1 profissional não se manifestou. Destacaramse algumas falas da pesquisa: “ sim principalmente na saúde emocional, pois lidamos diretamente com as expressões da questão social através do programa de acompanhamento de crônicos algumas vezes lidamos com a questão do trabalho paleativo, em que há uma carga emocional muito grande” (Profissional 1 entrevistado em 2012). “Sim, há desgaste emocional cotidianamente. Sinto-me forçada a preservar as prerrogativas do Código de Ética profissional e isso exige esforço mental e até fisico” (Profissional 2 entrevistado em 2012). “Sim, stress do dia-a- dia reflete principalmente na vida familiar” (Profissional 3 entrevistado em 2012). Além da interferência na saúde, a influência do trabalho na vida social, pessoal e familiar é um dado que merece atenção. Vinte e dois profissionais entrevistados afirmam que o trabalho tem uma interferência significativa na vida social, pessoal e familiar, enquanto que 12 afirmam que não fizeram este tipo de avaliação e 3 responderam que não. O trabalho, segundo Neto (1999), era uma finalidade central do ser social, e converteuse em meio de subsistência. O trabalho tornou-se um meio de realização humana e não mais uma necessidade para socialização. Na sua ação e na sua atuação, o ser social sempre encontra alternativas e sempre pode escolher. (NETTO, 2008, p. 99) Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 42 “A escolha entre alternativas concretas configura o exercício da liberdade: o ser social é um ser capaz de liberdade, pensar, conhecer, projetar, objetivar-se, escolher, único que dispõe de sociabilização”. Mas, se a vida humana se resumisse exclusivamente ao trabalho, seria a efetivação de um esforço penoso, aprisionando o ser social em uma única de suas múltiplas dimensões. Se a vida humana necessita do trabalho humano e de seu potencial emancipador, ela deve recusar o trabalho que aliena e infelicita o ser social. (ANTUNES, 2007, p. 86). Este trabalhador que se perde no cotidiano do trabalho está constantemente envolvido no processo de alienação que o sistema capitalista reforça a cada dia. Com isso, não consegue se organizar de forma coletiva para o enfrentamento da realidade social. Muitos profissionais estão ligados aos movimentos religiosos, sendo que apenas 3 profissionais participam de movimentos da categoria. Os profissionais que não participam, afirmam ser por falta de tempo 19% do percentual de profissionais, 8% por falta de oportunidade, e 73% dos profissionais. A partir da observação dos resultados constata-se que há pouca expressão dos assistentes sociais entrevistados nos movimentos sociais, pois, a maioria se apresenta apenas como filiados e não participantes ativos das ações de determinados grupos sociais, o que reflete de modo decisivo na construção e aprovação das leis, no reconhecimento dos direitos, na legislação social e na consciência de classe. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que o Projeto Ético Político depara-se com fatores que dificultam sua materialização diante de condições precárias de trabalho. Esta realidade urge por mudanças e organização coletiva do profissional de Serviço Social. As condições de trabalho precarizadas, os reflexos da reestruturação produtiva no sistema capitalista transpõem um peso significativo sobre o exercício profissional: a carga horária, a ausência de condições de trabalho, as correlações de forças, entre outros, os quais têm modificado a forma de trabalho deste profissional. Por outro lado, o serviço social tem encontrado alternativas de sobrevivência, embora não suficientes diante da desarticulação da categoria - uma realidade que carece ser repensada. No que tange a organização de classe, a profissão tem desafios a serem enfrentados, mas isso só poderá ser realizado de forma coletiva, pois a categoria, assim como toda sociedade, se encontra diante de uma estrutura que oprime e impõe, com todas as forças, o seu projeto societário que defende os interesses de uma minoria. Na contramão, encontra-se em construção o projeto ético político: expressão das contradições que particularizam uma profissão e que seus princípios e valores por escolhas historicamente definidas pelo Serviço Social brasileiro, condicionadas por determinantes históricos e concretos, colidem com os pilares fundamentais que sustentam a ordem do capital. (TEIXEIRA; BRAZ, 2009) Os princípios fundamentais do código de ética têm em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central, a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Assim, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação ou exploração de classe, etnia e gênero. (NETTO, 1999, p. 104 - 105). A análise da questão social representa uma realidade que se materializa na vida dos sujeitos. A aproximação dos/as assistentes sociais com os usuários é uma das condições que permitem impulsionar ações inovadoras no sentido de reconhecer e atender às reais necessidades dos segmentos subalternos. O/A Assistente Social pode dispor de um discurso de compromisso ético-político com a população, mas se não realizar uma análise das condições concretas vai reeditar programas e projetos alheios às necessidades dos usuários. A capacitação permanente, a formação continuada e a organização coletiva possibilitam ao profissional romper com a prática rotineira, acrítica, a-histórica, a-política e burocrática, e ao buscar, a partir da investigação da Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. Lopes et al. (2013) 43 realidade a que estão submetidos os usuários e sua própria categoria profissional, a reorganização da sua atuação, tendo em vista as condições dignas de trabalho, os referenciais teóricos e políticos hegemônicos, previstos em legislações específicas e defendidos no projeto éticos político da profissão. Neste quadro, torna-se fundamental o fortalecimento desse projeto profissional no cotidiano do trabalho do/a Assistente Social, contrapondo-se à difusão dos valores liberais que geram desesperança, conformismo e encobrem a apreensão da dimensão coletiva das situações sociais presentes na vida dos indivíduos e grupos. Em suma, para atender as requisições feitas pelo mercado de trabalho é preciso entender que na profissão é importante investir em aperfeiçoamento e organização coletiva, pois, só assim o profissional estará apto a trabalhar com as novas situações postas no cotidiano, para legitimar a prática profissional e preservar os espaços de atuação sem perder de vista o projeto ético político. Diante deste cenário, no sentido da continuação deste debate, algumas inquietações ainda merecem um novo debruçar. A consideração do Assistente Social como um intelectual subalterno situa, necessariamente, a reflexão de seu papel profissional numa dimensão eminentemente política, estando em jogo o sentido social da atividade desse agente. Colocam-se, de frente, algumas indagações: a quem vem efetivamente servindo esse profissional? Que interesses reproduz? Como se fortalecer coletivamente? Quais as possibilidades de estar a serviço da construção do projeto ético político e da construção de uma nova ordem societária? 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez / Unicamp, 2007. ___________Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre e afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Ed. Bontempo, 1999, 3a ed. ___________A Dialética do Trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004. BEHRING, E.R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2011. 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Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013. 45 Lopes e Silva (2013) O CONHECIMENTO DOS MORADORES DA COMUNIDADE SANTO AGOSTINHO, CÓRREGO JACUTINGA – ALTO JEQUITIBÁ/ MINAS GERAIS SOBRE O USO DE AGROTÓXICOS NA AGRICULTURA Área Temática: Gestão Ambiental Natália Lopes1, Juliana Santiago da Silva2 1 Discente do Curso de Tecnólogo em Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) 2 Mestre em Ciências pelo Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professora no Curso de Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) RESUMO O uso de agrotóxicos na agricultura vem sendo difundido cada vez mais. Com o aumento da utilização indiscriminada desses produtos, passou a haver uma preocupação maior quanto ao conhecimento da população em relação ao uso correto desses produtos. Sendo assim, este estudo buscou analisar o conhecimento da população quanto ao uso e aplicação desses produtos. Essa análise foi feita através da aplicação de questionários com perguntas claras e objetivas que buscavam conhecer como a população faz o uso dos agrotóxicos em suas culturas no dia a dia. A partir das respostas dadas pelos agricultores entrevistados, observa-se que o descarte das embalagens não é feito corretamente e que não são usados equipamentos de proteção por parte dos aplicadores. Os entrevistados sabem que os agrotóxicos fazem mal à saúde e prejudicam o meio ambiente, mas não sabem dizer ao certo quais são esses danos. Conclui-se assim que o conhecimento dos agricultores é baixo quanto ao uso correto de agrotóxicos, sendo necessários trabalhos de conscientização para os mesmos. Palavras-chaves: Agrotóxicos, Agricultores, Conscientização. 1. INTRODUÇÃO Mesmo que a produção agrícola tenha modernizado, os agricultores não acompanharam tal modernização e, por isso, vem sofrendo com as mudanças tecnológicas. O crescimento da produção agrícola foi acompanhado por um aumento no consumo de agrotóxicos. As condições de trabalho, juntamente com a exposição constante a esses produtos contaminantes, fazem com o número de acidentes de trabalho aumente significativamente. Entre estes acidentes, destaca-se a contaminação pelo uso indiscriminado dos defensivos. “O aplicador convive com falta de informação associada à falta de assistência técnica, destinada à utilização dos mesmos” (PASCHOARELLI, 2009, p. 169). Por trazerem riscos à saúde humana, os agrotóxicos vêm sendo fonte de estudos variados. Estes são usados por vários setores e principalmente pelo setor agropecuário, onde tais produtos podem causar danos a todos da população próxima onde o mesmo está sendo utilizado e, principalmente, aos aplicadores destes produtos (OIT, 2001; BRASIL, 1997). O uso intensivo e excessivo dos agrotóxicos leva não só à erradicação de pragas como também à eliminação de seus inimigos naturais. Esse uso indiscriminado causa o aumento de resistência por parte das pragas, que Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013. 46 Lopes e Silva (2013) passam a suportar doses antes suficientes para eliminar todas elas (PASCHOAL, 1979). Mesmo nos dias de hoje, os produtores ainda não têm conhecimento suficiente quanto ao uso e manuseio correto dos agrotóxicos. Devido a esse fato, são necessários trabalhos com informações a respeito, para que os agricultores possam ser instruídos e alertados dos riscos que os agrotóxicos trazem à saúde e ao meio ambiente. O Brasil está entre os maiores consumidores mundiais de agrotóxicos (ANVISA, 2007). A utilização de insumos químicos de forma desequilibrada e sem nenhuma orientação vem trazendo muitos prejuízos ao ambiente e ao homem (GARCIA, 1991; MOREIRA et al., 2002; PIGNATTI et al., 2007). Muitos agrotóxicos possuem grande estabilidade causando problemas ambientais, como a toxicidade que permanece no solo, afetando as plantas e animais da área. Quando arrastados para cursos d’águas, eles podem causar a destruição da vida aquática e, com o aumento da resistência das pragas, os agricultores têm aplicado doses cada vez maiores, trazendo mais danos ao meio ambiente (ANDRADE e SARNO, 1990). Portanto, é fundamental que haja esclarecimento e conscientização dos agricultores através de trabalhos que possam instruí-los e alertá-los sobre riscos eminentes de intoxicação. Nesse sentido, este trabalho visa analisar o nível de conhecimento dos agricultores da comunidade de Santo Agostinho, Córrego Jacutinga – Alto Jequitibá/ Minas Gerais, sobre o manuseio de agrotóxicos e também a percepção dos mesmos sobre os prejuízos acarretados por esses produtos. 2. HISTÓRICO AGROTÓXICO DO USO DO Embora a indústria de agrotóxicos tenha surgido após a Primeira Guerra Mundial, seu uso foi disseminado nos Estados Unidos e na Europa após a Segunda Guerra Mundial (TERRA, 2008). O uso de defensivos agrícolas no Brasil começou a aumentar na década de 40. Já na década de 60, a isenção de impostos nos produtos industrializados e as baixas taxas de importação contribuíram para o aumento do consumo desses produtos (BULL e HATHAWAY, 1986). Outro fator que colaborou para esse aumento foi a melhoria na renda dos agricultores, que passaram a comprar mais defensivos, aumentando o consumo de agrotóxicos. A oferta de crédito do Estado para a compra de agrotóxicos foi um grande incentivo para os agricultores, ficando o Brasil entre os maiores e mais importantes consumidores de agrotóxicos (Figura 1) (MIDC/SDP, 2004). Figura 1. Oferta de crédito rural e consumo de agrotóxicos no Brasil (SOARES, 2010) 3. FINALIDADES DOS AGROTÓXICOS A lei n° 4.074 de 4 de janeiro de 2002 determina os agrotóxicos sendo Produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013. 47 Lopes e Silva (2013) danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento (BRASIL, 2002). Os agricultores vêm sendo incentivados a utilizar cada vez mais os agrotóxicos, devido a estes combaterem as pragas, diminuindo assim os prejuízos nas colheitas e aumentando a produção. Entretanto, essa prática de uso indiscriminado tem gerado muitos problemas à saúde dos trabalhadores rurais e de seus familiares, assim como da população de uma forma geral (DAVIS et al., 1992). 3.1. Registro dos Agrotóxicos De acordo com o Art. 3° da Lei n° 7.802/89, os agrotóxicos para serem produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados devem ser previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos responsáveis. Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) realiza a avaliação do potencial de periculosidade ambiental de todos os agrotóxicos registrados no Brasil (IBAMA, 1996). 3.2. Classificação dos agrotóxicos Os agrotóxicos podem ser classificados de acordo com a praga que controlam, o grupo químico ao qual pertencem e de acordo com os efeitos à saúde humana e ao ambiente. Segundo sua função, os agrotóxicos são classificados de forma simplificada. • Herbicidas: combatem ervas indesejadas; • Inseticidas: combatem insetos; • Fungicidas: combatem fungos; • Desfolhantes: eliminam folhas indesejadas; • Fumigantes: combatem bactérias do solo; • Raticidas: combatem ratos e demais roedores; • Moluscocidas: combatem moluscos; • Nematicidas: combatem nematoides; • Acaricidas: combatem ácaros. Quanto ao seu grau de toxicidade, os agrotóxicos são classificados em quatro categorias, sendo atribuída uma cor distinta para cada uma delas (Tabela 1) (PASCHOARELLI e MENEZES, 2009). Tabela 1. Classe toxicológica e cor da faixa no rótulo de produto agrotóxico (PASCHOARELLI e MENEZES, 2009) “Os agrotóxicos ainda recebem uma classificação de acordo com sua periculosidade ambiental, que vai de pouco até altamente perigoso” (Tabela 2) (PASCHOARELLI e MENEZES, 2009, p. 200). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013. 48 Lopes e Silva (2013) Tabela 2. Classificação de periculosidade ambiental dos agrotóxicos (IMA, 2009) Classe Nível de perigo ao ambiente Classe I Altamente perigoso Classe II Muito perigoso Classe III Perigoso Classe IV Pouco Perigoso 3.3. Prejuízos Quando aplicados sem nenhum controle os agrotóxicos podem trazer danos tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. Os danos causados por estes produtos não atingem somente a saúde dos aplicadores, mas também todos que irão consumir os alimentos contaminados e também aqueles que terão contato direto com esses produtos (BOWLES e WEBSTER, 1995). No meio ambiente os agrotóxicos agem de duas maneiras: acumulam-se na biota e contaminam a água e o solo. No primeiro caso, a dissipação de agrotóxicos no ambiente pode causar um desequilíbrio ecológico na interação entre duas ou mais espécies. Alguns tipos de agrotóxicos, como os organoclorados se acumulam ao longo da cadeia alimentar por meio da biomagnificação, que é o aumento do agrotóxico no decorrer do nível trófico (SOARES e PORTO, 2007). Alguns agrotóxicos, além de acabar com as pragas, também eliminam os seus predadores e competidores. Alguns indivíduos são mais resistentes, o que faz com que, na maior parte das vezes, as pragas não sejam completamente eliminadas, restando indivíduos mais resistentes (SOARES e PORTO, 2007). A outra via de impacto ambiental é a contaminação da água e do solo. A contaminação das águas, tanto superficiais quanto subterrânea, vem sendo uma fonte de preocupação quando se trata de impactos gerados pela agricultura (SOARES e PORTO, 2007). “No que diz respeito à contaminação no solo, o acúmulo dos agrotóxicos pode fragilizar e desencadear absorção de elementos minerais, principalmente em solos desnudos, concorrendo para a redução do grau de fertilidade do mesmo” (SOARES e PORTO, 2007, p. 4). Os possíveis efeitos adversos dos agrotóxicos à saúde humana dependem de características químicas, da quantidade absorvida, do tempo de exposição e das condições de saúde da pessoa exposta (OPAS/OMS, 1996). Os efeitos sobre a saúde humana podem ser divididos em agudos e crônicos. Os efeitos agudos são devido à exposição em doses suficientes para causar um dano efetivo e aparente em um período menor de tempo (OPAS/OMS, 1996). Os efeitos crônicos, por sua vez, são resultados de uma exposição por um período de tempo mais prolongado e doses baixas de um ou mais agrotóxicos (COCCO et al., 2005; PUKKALA et al., 2009). De acordo com Alexander et al. (2007), estes efeitos podem ser transmitidos congenitamente, podendo ser confundidos com distúrbios de outra natureza ou relacionados a agentes etiológicos. 4. DESCARTE DAS EMBALAGENS Um dos grandes problemas causados pelo uso dos agrotóxicos é o descarte final das embalagens vazias. Esta preocupação se deve ao fato destas conterem resíduos do produto altamente concentrados, sendo fonte de contaminação para o homem e o meio ambiente (VAZ, 2006). Na maioria dos casos, as embalagens de agrotóxicos são deixadas no local de uso, sem nenhuma preocupação do usuário no descarte das mesmas e sem realizar a chamada tríplice lavagem, como cita a lei nº 7.802/89 Art. 6º: As embalagens rígidas que contiverem formulações miscíveis ou dispersáveis em água deverão ser Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013. 49 Lopes e Silva (2013) submetidas pelo usuário à operação de tríplice lavagem, ou tecnologia equivalente, conforme normas técnicas oriundas dos órgãos competentes e orientação constante de seus rótulos e bulas (Incluído pela Lei nº 9.974 de 2000). A tríplice lavagem é uma das medidas que evita que os resíduos fiquem acumulados nas embalagens, evitando que acidentes aconteçam com os aplicadores devido a estes manusearem os produtos diretamente. Outra vantagem dessa lavagem é que esta já prepara a embalagem para a reciclagem (VAZ, 2006). 5. METODOLOGIA 5.3. Análise dos dados Nas 20 propriedades rurais visitadas, apenas um agricultor foi entrevistado, estando este diretamente ligado às atividades agrícolas da propriedade. Apesar de o café ser a principal cultura, observou-se também o cultivo de milho e feijão. Os agricultores afirmaram fazer o uso de agrotóxicos somente na cultura do café. Os pesquisados foram questionados sobre o motivo pelo qual eles utilizam os agrotóxicos (Figura 2) e a maioria afirmou usá-lo para o combate a pragas e para o aumento da produção na propriedade. Quanto à quantidade certa a ser utilizada, a maioria disse seguir a indicação de um agrônomo. 5.1. Unidade de análise O município de Alto Jequitibá, Minas Gerais, está localizado ao leste do estado, na Zona da Mata Mineira e destaca-se por sua produção cafeeira. O trabalho foi realizado na comunidade Santo Agostinho, Córrego Jacutinga, localizada a 6 km da sede do município de Alto Jequitibá. Na comunidade estão instaladas 26 propriedades rurais, residindo em cada uma delas ao menos uma família. A principal atividade agrícola da comunidade é a produção cafeeira. 5.2. Coleta de dados A coleta de dados foi realizada entre outubro e novembro de 2013 e teve como objetivo obter informações com os moradores sobre como é feito o manuseio, a aplicação de agrotóxicos e quais são as informações que eles têm sobre o assunto. Para a coleta de dados, empregou-se um questionário semiestruturado composto de 11 questões, as quais buscaram conhecer a visão dos agricultores quanto ao uso dos agrotóxicos, benefícios e riscos. Motivos pelo qual utilizam os agrotóxicos na propriedade 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Aumento da produção Combate a pragas Figura 2. Motivos da utilização dos agrotóxicos na propriedade. Dos 20 agricultores que responderam ao questionário, 7 disseram nunca ter recebido nenhuma orientação quanto ao uso e cuidados com os agrotóxicos, sendo que 13 deles disseram já ter recebido alguma orientação. Quanto ao tipo de agrotóxico utilizado na propriedade, os agricultores disseram aplicar principalmente o Roundup® (herbicida não seletivo, de ação sistêmica) (Figura 3). Também foram citados ACTARA (Inseticida sistêmico) e IMPACT PLUS (Fungicida sistêmico), porém em menor quantidade. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013. 50 Lopes e Silva (2013) Figura 3. Produtos utilizados citados pelos produtores. Quando questionados sobre o uso de equipamento de proteção individual (EPI), a maioria dos participantes alegaram usar os equipamentos de proteção (Figura 4), sendo os mais utilizados luvas, botas, máscara e óculos. Os agricultores disseram, ainda, não utilizar o macacão necessário para a proteção, devido a este ser muito quente. Figura 5. Principais prejuízos ambientais causados pelos agrotóxicos citados pelos agricultores. Ao serem questionados quanto ao descarte das embalagens de agrotóxicos, a maioria dos agricultores disse devolver as embalagens no local onde os produtos são comprados (Figura 6). Alguns proprietários alegaram reutilizá-las, queimá-las ou, ainda, deixá-las na propriedade. Figura 4. Porcentagem de agricultores que utilizam equipamentos de proteção. Ao perguntar aos participantes sobre os danos que os agrotóxicos podem causar à saúde, a maioria disse saber que os agrotóxicos são prejudiciais, mas não souberam dizer ao certo quais os danos que estes podem causar. Foram citadas doenças como intoxicação, dores de cabeça e câncer. Em relação aos prejuízos causados ao meio ambiente, 17 agricultores disseram saber que os agrotóxicos trazem problemas ao meio ambiente e 3 agricultores disseram não saber (Figura 5) Figura 6. Como é feito o descarte das embalagens na propriedade pelos agricultores participantes. Ao fim do questionário, foi disponibilizado para os agricultores um informativo sobre agrotóxicos, para orientá-los quanto ao manuseio e aplicação desses produtos. Esta prática fica como uma recomendação que deveria ser adotada como uma forma de conscientização dos agricultores. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013. 51 Lopes e Silva (2013) 6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Constatou-se que a maioria dos produtores não utiliza os equipamentos de proteção necessários para a aplicação e manuseio dos produtos, o que é confirmado por Macedo (2002): “A maioria ignora os efeitos nocivos dos produtos (ao próprio agricultor e ao meio ambiente), não usa equipamentos de proteção”. O principal produto utilizado pelos agricultores é o Roundup® (herbicida não seletivo de ação sistêmica). Os produtores pesquisados alegam aplicar o Roundup® por acharem que este é inofensivo à saúde, mas de acordo com Paschoarelli (2009, p. 179), “os herbicidas que aparentemente são mais inofensivos também oferecem riscos à sua saúde”. Caires e Castro (2002) também argumentam que estudos mostraram que o glifosato, substância encontrada nos herbicidas, é absorvido pela membrana gastrointestinal, mesmo que lentamente, e que fica retido nos tecidos. Porém, é rapidamente eliminado se houver pausa de utilização ou contato. Neste sentido, o Roundup® está classificado como pouco tóxico, sendo que o uso indiscriminado desses produtos traz danos à saúde, mesmo estes sendo pouco tóxicos. Nas propriedades rurais, a maioria dos produtores não descarta as embalagens de forma correta. Sabe-se que o descarte incorreto das embalagens traz vários problemas ao meio ambiente, podendo também prejudicar a saúde humana. O INPEV (2005) deixa isso claro ao dizer que “sem o devido recolhimento, as embalagens são fontes perigosas de poluição ambiental podendo contaminar o solo, o lençol freático e ainda atingir diretamente a saúde humana”. A lei 7.802, de 11 de Julho de 1989 cita que: “os usuários de agrotóxicos, seus componentes e afins deverão efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, de acordo com as instruções previstas nas respectivas bulas, no prazo de até um ano, contado da data de compra, ou prazo superior, se autorizado pelo órgão registrante, podendo a devolução ser intermediada por postos ou centros de recolhimento, desde que autorizados e fiscalizados pelo órgão competente (Incluído pela Lei nº 9.974, de 2000)” (BRASIL, 1989). Os agricultores não recebem orientação sobre o manuseio correto dos agrotóxicos. Na maioria das vezes, a única orientação recebida é a dada no momento da compra dos produtos. De acordo com Paschoarelli (2009, p. 175) “Isso resulta em uma utilização errônea e abusiva desses produtos. Grande parte disso é o que origina os acidentes de trabalho e as concomitantes intoxicações nos usuários” (Paschoarelli, 2009, p. 175). Ao receberem o informativo, os agricultores ficaram muito satisfeitos, uma vez que a maioria deles nunca tinha recebido nenhuma orientação quanto ao uso de agrotóxicos. 7. CONCLUSÃO Considerando os dados obtidos e a análise destes, pode-se concluir que o nível de conhecimento da população em relação ao uso de agrotóxicos é baixo. Nesse sentido, torna-se necessário a distribuição de informativos juntamente com trabalhos de conscientização a fim de mostrá-los os danos que os agrotóxicos podem causar à saúde e ao meio ambiente. Além disso, os informativos podem instruí-los quanto às formas corretas de armazenamento dos produtos, descartes das embalagens e ao uso de EPIs na aplicação. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDER, D.D. et al. Os linfomas não-Hodgkin: uma revisão da literatura epidemiológica. 2007. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). 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UMA BREVE ANÁLISE SOBRE MACHADO DE ASSIS E MONTEIRO LOBATO Área Temática: História, Literatura brasileira Leonardo de Carvalho Alves1, Leonardo Souza Correa1, Juliana Souza Martins Soares1, Lídia Maria Nazaré Alves2, Amanda Dutra Hot3 1 . Discentes do curso de História da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) 2 . Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) 3 . Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professora na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) “Si se calla el cantor calla la vida” (Mercedes Sosa) RESUMO O presente trabalho visa analisar algumas das obras mais polêmicas dos escritores Monteiro Lobato e Machado de Assis em busca de argumentos que desmintam ou reforcem as acusações de racismo que recaem sobre esses dois grandes gênios da literatura brasileira. As principais obras trabalhadas foram: “Caçadas de Pedrinho” (1933) e o conto “Negrinha” (1920) de Monteiro Lobato, e também o conto “O Caso da Vara” (1891) e “Dom Casmurro” (1899), de Machado de Assis. Palavras-chave: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Racismo. ABSTRACT The present work analyzes some of the most controversial works of writers Monteiro Lobato and Machado de Assis in search of arguments that belie or reinforce the charges of racism that fall on these two great geniuses of Brazilian literature. The main works were worked: "Hunting Pedrinho" (1933) and the short story "Scoter" (1920) by Monteiro Lobato, and also the short story "The Case of the Stick" (1891) and "Don Casmurro" (1899), the Machado de Assis. Keywords: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Racism. A tentativa desesperada dos brasileiros de mostrar seu país como um local sem preconceitos se superou, indo muito mais além do que a censura à língua portuguesa, proposta pela cartilha do “Politicamente Correto & Direitos Humanos”, publicada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos em 2004. Dessa vez, foi iniciada uma verdadeira “caça às bruxas” dentro dos anais da literatura brasileira, onde grandes escritores foram acusados de preconceito racial. Alguns por realmente se mostrarem favoráveis às ideias de superioridade da “raça branca” e outros por simplesmente utilizarem termos tidos como “comuns” na época em que viveram. Enquadrando-se no primeiro exemplo, pode-se citar o nome de Monteiro Lobato, o mais aclamado escritor da literatura infantil brasileira. Já o segundo caso se aplica, por exemplo, ao renomado Machado de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 55 Hot et al. (2013) Assis, tido por muitos escritores como o maior nome da literatura nacional e um dos maiores da língua portuguesa. “Em seu livro de 2002 "Gênio", o crítico Harold Bloom foi ainda mais longe, dizendo que Machado era "o supremo artista literário negro até à data.1" [traduzido pelos autores] José Bento Monteiro Lobato era, segundo a enciclopédia Barsa, um grande defensor da causa nacionalista e, portanto, crítico dos costumes nacionais, recorrendo para isso ao sarcasmo e as caricaturas. Devido a esse forte sentimento nacionalista, alimentado pela ideia de superioridade da “raça branca”, Lobato realmente chegou a escrever diversas cartas com conotações racistas, cujos trechos, publicados por André Nigri no artigo intitulado “Monteiro Lobato e o Racismo”, na edição 165 da revista “Bravo!”, em Maio de 2011, poderão ser vistos logo abaixo. Nesse mesmo artigo é dito que Lobato, assim como muitos de sua época, simpatizava com a popular ideia da eugenia, que pregava, basicamente, o aperfeiçoamento genético da “raça branca”, tida como a raça portadora dos melhores genes, como, por exemplo, o da inteligência. Para os adeptos dessa teoria os “brancos” não deveriam se misturar geneticamente as demais raças. A “raça branca” deveria se manter pura para alcançar a supremacia genética. Cedendo-lhe a palavra: ‘País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos. (...) Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho 1 Trecho disponível em uma matéria publicada por Larry Rohter, em 12 de Setembro de 2008, no jornal estadunidense “The New York Times”. Encontrado em: http://www.nytimes.com/2008/09/13/books/13mach .html?pagewanted=all (acesso em 17/04/2013). fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva’. (Carta enviada a Arthur Neiva em 10 de abril de 1928) ‘Nos Estados Unidos, a eugenia está tão adiantada que já começam a aparecer 'filhos eugênicos'. Uma senhora da alta sociedade meses atrás ocupou durante vários dias a front page [primeira página] dos jornais mexeriqueiros graças à audácia com que, rompendo contra todos os preceitos da ciência e sem se ligar legalmente a nenhum homem, escolheu um admirável tipo macho, fê-lo estudar sobre todos os aspectos e, achando-o fit [adequado] para o fim que tinha em vista fez-se fecundar por ele. Disso resultou uma menina que está sendo criada numa farm [fazenda] especialmente adaptada para nursery [creche] eugênica’. (Carta enviada a Renato Kehl em 8 de julho de 1929) [Comentários ofensivos ao povo mestiço da Bahia durante uma visita a Salvador:] ‘Mas que feio material humano formiga entre tanta pedra velha! A massa popular é positivamente um resíduo, um detrito biológico. Já a elite que brota como flor desse esterco tem todas as finuras cortesãs das raças bem amadurecidas. ’ (Carta enviada a Arthur Neiva em 15 de dezembro de 1935) ‘Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral - e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas - todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram- Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 56 Hot et al. (2013) se do português de maneira mais terrível amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. ’ (Carta a Godofredo Rangel incluída na primeira edição do livro "A Barca de Gleyre", em 1944) Ainda de acordo com o que disse Nigri no artigo já citado, Lobato teria parado de falar sobre a eugenia devido aos atos horrendos do Nazismo, dentre eles o holocausto, episodio que culminou no extermínio de aproximadamente seis milhões de judeus. Lobato, no entanto, nunca se retratou publicamente sobre o que disse ou escreveu anteriormente. Em “Negrinha” (1920), conto contido em um livro de mesmo nome, Lobato chega a mostrar que a situação dos negros permanecia a mesma, ou seja, eles ainda eram maltratados e vistos como ferramentas de trabalho, mesmo após a promulgação da Lei Áurea em 1888 e a Proclamação da Republica em 1889. Ficando evidente que a população brasileira ainda tinha dificuldades em se adaptar ao sistema republicano. Tais fatos podem ser conferidos nos seguintes trechos de “Negrinha”: Que ideia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, patachoca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste. O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta... A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco [...]. Ao fim do conto, Lobato chega a comover o leitor quando a pobre órfã de apenas sete anos morre ao parar de se alimentar devido a uma grande tristeza que a afligia. A jovem não querer mais ser tratada como um “animal” depois ter experimentado, pela primeira vez, as alegrias de ser uma criança ao ter a permissão da senhora para brincar com uma boneca. Ao se divertir com o brinquedo, Negrinha finalmente se sentiu um ser humano. Soube que tinha uma alma e não queria, portanto, ter a vida triste e vazia que levava antes. Em 2010 após uma denuncia feita pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, sob a influência da polêmica linguagem politicamente correta, Lobato foi acusado de racismo, mesmo após sua morte. Ao analisar a denuncia, o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou que o livro “Caçadas de Pedrinho” (1933) fosse proibido nas escolas por apresentar trechos discriminatórios, como, por exemplo, o que segue abaixo. Sim, era o único jeito – e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros. [grifo nosso] Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 57 Hot et al. (2013) O MEC (Ministério da Educação) pediu, segundo um artigo publicado na Revista “Veja” em 25 de Setembro de 2012, por Nathalia Goulart, que o CNE reconsiderasse a questão, encerrando por um breve período o assunto. O caso, porém, estava longe de acabar, e pouco tempo depois o Instituto Advocacia Racial e Ambiental (Iara) solicitou judicialmente que o caso fosse reaberto, caso esse em que as duas partes, no caso o MEC e o Iara, não chegaram a um acordo até os dias de hoje. O MEC defende que não se pode alterar uma obra literária, por ela contribuir para o conhecimento histórico e filosófico do período em que foi escrita. Já o advogado do Iara, Humberto Adami, diz que o racismo não pode se tornar algo banal na sociedade, sendo sempre defendido pela ideia de que “esses termos eram comuns na época em que foram escritos” e que esses trechos não provocam nenhum efeito na atual sociedade. Para Adami, provoca sim. De acordo com a reportagem de Mariana Oliveira “TF debate se há racismo em livro de Monteiro Lobato usado em escolas”, publicada em 11 de setembro de 2012 no portal de noticias “G1”, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, relator do caso, diz que essa discussão é muito importante, pois traz "preceitos constitucionais como liberdade de expressão e vedação ao racismo". E por isso, o caso deve ser julgado com cautela, buscando encerrá-lo com uma conciliação entre as duas partes. Apesar de o conto “Negrinha”, comentado anteriormente, apresentar um enredo que aparenta buscar a comoção do leitor e torná-lo ciente da humanidade da sofrida personagem, o conto também se tornou alvo de denuncias contra o preconceito racial feitas por representantes do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) que pedem o fim da distribuição de mais uma obra de Monteiro Lobato, visto que, assim como “Caçadas de Pedrinho”, ela também apresenta conteúdo racista e sexista, podendo incentivar atos de maus tratos aos negros. O MEC, no entanto, mais uma vez, se recusa a proibir a circulação da obra de Lobato e se dispõe a analisá-la. Em resposta o Iara solicita ao menos que uma nota explicativa seja anexada ao conteúdo das polêmicas obras de Monteiro Lobato, deixando claro ao leitor que as obras apresentam conteúdos discriminatórios. O MEC, por sua vez, se recusa a cumprir tal medida alegando que isso alteraria a originalidade da obra, e se propõe ainda a enfrentar os que buscam a censura da obra no Supremo Tribunal Federal (STF). Sentindo a ameaça que essas denúncias poderiam representar ao rico acervo literário brasileiro, inúmeros defensores do conhecimento histórico e literário nacional se propuseram a defender Lobato, sem a necessidade de ocultar ou mascarar a simpatia do autor pela eugenia. Reinaldo Azevedo, colunista da revista “Veja”, por exemplo, no artigo “A estupidez politicamente correta – Atenção! STF vai “julgar” hoje Monteiro Lobato, tratado como criminoso. Ou: Ministro Fux censuraria Shakespeare?”, cita casos semelhantes ao de Lobato envolvendo grandes nomes da literatura mundial, tal como o britânico William Shakespeare, que em “O Mercador de Veneza” chega a retratar o preconceito e o modo com que os judeus eram tratados em algumas áreas da Europa do século XVI, ou em “Otelo” onde é visível o quão grande era o preconceito europeu a respeito dos mulçumanos. A diferença é que o renomado Shakespeare não foi levado a julgamento, mesmo estando morto, por fazer alusões a atos tidos hoje como discriminatórios, o que tem ocorrido hoje com Monteiro Lobato. Afinal de contas ele só estava a relatar o que era tido como “normal” em sua realidade, assim como o brasileiro. Do ponto de vista educacional, na opinião de Alexandre Amorim, contida em seu texto “Estado de Sítio”, publicado em 16 de novembro de 2010, a obra “Caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato é uma obra muito interessante e polêmica para que seja excluída das escolas, sendo preciso debater com os alunos não apenas os aspectos positivos da herança cultural africana, mas também as negativas, permitindo assim que o brasileiro conheça melhor a origem e o Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 58 Hot et al. (2013) desenvolvimento do grave problema que é o preconceito racial. É preciso, porém, antes de os especialistas em educação trabalhem com os alunos, que eles mesmos estejam aptos a coordenar os debates em sala de aula, o que pode ocorrer com o auxilio de cursos de capacitação no assunto em questão. Segundo o professor João Luís Ceccantini, em entrevista à revista “Veja”, publicada em 01 de Outubro de 2012, as crianças, em sua grande maioria, não se apegam aos exageros de um livro, mas sim à essência da história, que no caso das obras infantis de Lobato é bastante positiva, uma vez que o autor sabe mexer com a imaginação de adultos e crianças como ninguém. Ainda de acordo com Ceccantini, se meros detalhes de obras literárias exercessem tamanho poder no modo de agir das pessoas, bastava escrever enredos puros e bons para que o mundo se tornasse um local ideal para se viver, o que de fato não ocorreria, levando ao especialista à conclusão de que censurar Monteiro Lobato é analfabetismo histórico. O curioso a respeito dos processos que pedem a proibição das obras de Lobato, é que apenas o preconceito contra os negros foi abordado pelos grupos contra o preconceito racial, aparentemente a favor do uso de uma linguagem politicamente correta, que, por sua vez, propõe uma censura da língua portuguesa e até mesmo o surgimento de termos eufêmicos para substituir os proibidos, uma vez que palavras podem ser facilmente “mascaradas”. O que esses grupos talvez não saibam é que o grupo étnico negro não é o único a ser descrito na literatura brasileira de formas tidas como pejorativas. Em “Macunaíma” (1928), obra do modernista, Mário de Andrade, a imagem heroica do indígena do romantismo é totalmente desconstruída com a apresentação de Macunaíma, um típico exemplar do nativo brasileiro visto pelos modernistas, utilizado ainda para explicar de forma fictícia a origem das três principais etnias que formaram a miscigenada sociedade brasileira, sendo elas: a indígena, a negra e a branca. Macunaíma era originalmente um índio que nasceu negro, assim como seus irmãos, mas que ao se lavarem em águas mágicas tiveram a cor negra retirada da pele. Macunaíma banhou-se primeiro e os efeitos da água foram mais fortes o que o tornou branco e loiro; Jiguê então se atirou nela em busca de resultados semelhantes aos do irmão, porém a água já estava suja o que fez da sua pele cor de bronze; lavou-se então o terceiro irmão, Maanape, que só teve a cor das palmas da mão e solas dos pés alteradas, pois Jiguê havia jogado quase toda a água para fora. Já quanto a personalidade e característica de Macunaíma percebe-se que Mario de Andrade o retratou com um anti-herói, ou seja, um indivíduo inteligente, de pouco caráter moral, preguiçoso, vulgar e mentiroso que perde um amuleto que havia ganho de sua mulher pouco antes dela morrer. O esperto índio encontra o amuleto, porém, o mesmo estava na posse de Venceslau Pietro Pietra, que vivia em São Paulo, cidade para qual o personagem principal viaja com o objetivo de recuperar seu amuleto. Andrade criou o personagem Macunaíma para representar a essência do povo brasileiro, o que do ponto de vista antropológico foi feito de forma etnocêntrica e equivocada, afinal de contas, os indígenas brasileiros não eram preguiçosos com mostra o autor modernista e vários textos do período colonial brasileiro, eles, segundo a obra “Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial” de Stuart B. Schwartz, simplesmente não tinham o habito e nem viam a necessidade de trabalhar para produzir excedentes, uma vez que o trabalho servia apenas para atender as necessidades da tribo, o que graças a grande disponibilidade de alimentos que as matas forneciam e ao uso da agricultura por algumas sociedades indígenas não era uma tarefa muito difícil e demorada de se cumprir. Outro afamado escritor brasileiro, que também foi acusado de racismo, mesmo sendo descendente de negros, é o mundialmente renomado Machado de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 59 Hot et al. (2013) Assis. O “Buxo do Cosme Velho”, como ficou conhecido, era, em sua fase realista, um grande crítico da sociedade, mais do qualquer outro escritor brasileiro. Sutil e reticente, Machado examina a precariedade da condição humana e destila, vagaroso e implacável, seu fel contra a vida e os homens. A dúvida, a indecisão, o logro e a loucura são temas característicos de seus romances, a que, se faltam pujança e paixão, sobram estilo e viva observação psicológica.2 Mesmo sendo mulato3, Machado de Assis não ficou preso a críticas que visassem defender os negros e denunciar a situação em que eles viviam, como fizera o escritor romântico Castro Alves. Para ele a sociedade tinha muitos outros defeitos para serem expostos e debatidos. Talvez tenha sido uma falta de defesa explica aos negros e também a utilização de termos como: “preto”, presente em “Dom Casmurro”, (1899) e também “negrinha” e “cria”, presentes em seu conto “O Caso da Vara” (1891), os grandes responsáveis pela imagem de racista, atribuída a ele por alguns defensores das causas raciais. “O Caso da Vara” é um conto onde Machado de Assis relata, sim, a crueldade com que os negros eram tratados em meados de 1850, mas não é a critica principal da obra. A verdadeira crítica desse texto machadiano é o egoísmo, a atitude egocêntrica do ser humano, vista claramente quando o personagem Damião, mesmo tendo prometido proteger a tão judiada Lucrécia dos maus tratos de Sinhá Rita, entrega à senhora (Sinhá Rita) o objeto de castigo, no caso a vara, com a qual agredia constantemente a pobre escrava. Tudo, porque ele precisava sair 2 NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. “Machado de Assis, Joaquim Maria”. In: Barsa CD v. 1.11 – Internet. Produto da Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Rio de Janeiro: Software desenvolvido pela Lexikon informática LTDA. 1999. CD-ROM. 3 Segundo o dicionário Miniaurélio Eletrônico versão 5.12, mulato é o nome dado ao filho de pai branco e mãe negra, ou vice-versa; pardo. do seminário. Fato visto claramente no final do conto. - Minha senhora, me perdoe! - Não perdôo, não. E tornaram ambas à sala, uma presa pela orelha, debatendo-se, chorando e pedindo; a outra dizendo que não, que a havia de castigar. - Onde está a vara? A vara estava à cabeceira da marquesa, do outro lado da sala Sinhá Rita, não querendo soltar a pequena, bradou ao seminarista. - Sr. Damião, dê-me aquela vara, faz favor? Damião ficou frio... Cruel instante! Uma nuvem passou-lhe pelos olhos. Sim, tinha jurado apadrinhar a pequena, que por causa dele, atrasara o trabalho... - Dê-me a vara, Sr. Damião! Damião chegou a caminhar na direção da marquesa. A negrinha pediu-lhe então por tudo o que houvesse mais sagrado, pela mãe, pelo pai, por Nosso Senhor... - Me acuda, meu sinhô moço! Sinhá Rita, com a cara em fogo e os olhos esbugalhados, instava pela vara, sem largar a negrinha, agora presa de um acesso de tosse. Damião sentiu-se compungido; mas ele precisava tanto sair do seminário! Chegou à marquesa, pegou na vara e entregou-a a Sinhá Rita. Em “Dom Casmurro” o termo “preto” aparece algumas vezes ao longo no texto, não como conotação racista, mas como uma nomenclatura utilizada corriqueiramente pelos proprietários de escravos do século XIX, exemplificados pela família Santiago, integrada pela viúva dona Glória, seu filho Bentinho, parentes e um agregado, possuidora ainda de imóveis e escravos. Escravos esses que Bentinho e outros personagens chamavam algumas vezes de “pretos”, como mostram os trechos abaixo: O preto que a tinha ido buscar à cocheira segurava o freio, enquanto Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 60 Hot et al. (2013) ele erguia o pé e pousava no estribo - a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. . [Grifo nosso] Tínhamos chegado à janela; um preto, que, desde algum tempo, vinha apregoando cocadas, parou em frente e perguntou: - Sinhazinha, qué cocada hoje? - Não, respondeu Capitu. - Cocadinha tá boa. . [Grifo nosso] Eu, lembrando-me das palavras do Gurgel, repeti-as: - Manda-se lá um preto dizer que o senhor janta aqui, e irá depois. - Tanto incômodo! - Incômodo nenhum, interveio tio Cosme. [Grifo nosso] No trecho de “Dom Casmurro” que mostra um escravo vendendo cocadas, exposto logo acima, Machado de Assis relata um fato curioso a respeito do trabalho dos negros no Brasil colonial, ou seja, a atuação de escravos como vendedores ambulantes nas grandes cidades da colônia, que recebiam tal direito após concluírem todas as séries de árduos trabalhos que lhes eram impostos por seus senhores, tendo assim um escasso tempo livre para utilizarem como quisessem, sendo bastante comum os trabalhadores escravos levarem suas crianças, que também tinham seus afazeres, para auxiliá-los e assim acelerarem o serviço e adquirir o privilégio da senhoria, utilizado para trabalhos, tais como o de vendedor ambulante, onde as quantias adquiridas eram investidas em compras de itens ofertados por mascates ou até mesmo na compra da própria alforria. Fato esse relatado por Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho no capitulo III de “Uma história do negro no Brasil” (2006). Para aquisição deste privilegio não bastava, no entanto, trabalhar em ritmo acelerado, o escravo tinha que possuir também bom comportamento. Ainda de acordo com Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho, a presença de escravos trabalhando nas cidades brasileiras do período colonial como quitandeiras e vendedores ambulantes era tão grande que os negros chegaram a se tornar, em várias regiões, os principais responsáveis pela distribuição de alimentos, em especial frutos tropicais. Ceder algum tempo livre aos escravos de bom comportamento e produtivos era uma grande estratégia utilizada pelos senhores de escravos, visto que a alforria de um negro, que com certeza já não estava em seu ápice, custava muito mais que seu valor de mercado, o que permitia aos proprietários de escravo comprar escravos mais novos e sadios. “No início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas, das quais 1.930.000 eram escravas” (ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p. 66) e onde a posse de negros não era mais um privilégio restrito aos mais ricos. “Padres, militares, funcionários públicos, artesãos, taverneiros, comerciantes e pequenos lavradores investiam em escravos. Até exescravos possuíam escravos.” (ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p. 66). De volta ao conto “O caso da Vara”, analisado em “Uma possível leitura de “Pai contra mãe” (1996), de Machado de Assis”, de Márcio Ricardo Coelho Muniz, Doutor em Letras (Literatura Portuguesa) pela Universidade de São Paulo, Damião, seminarista sem vocação, fugido do seminário, troca a vara com que Sinhá Rita irá castigar a negra Lucrécia - pelo trabalho não terminado - pelos favores que a mesma Sinhá Rita lhe prestará intercedendo junto ao padrinho e, por este, ao pai, no caso da fuga do seminário. Neste conto, que o autor situa em 1850, fica evidente a existência de uma relação de favor que caracterizava as relações sociais no século XIX brasileiro. Relação essa que exemplifica uma das várias críticas sociais machadianas e que pode ser encontrada também em “Dom Casmurro”, onde o personagem principal, Bento Santiago, busca se livrar do seminário ao qual fora prometido por sua mãe por meios de agrados e elogios feitos ao agregado José Dias, que por sua vez ambicionava a oportunidade de voltar à Europa caso o rapaz optasse por estudar letras no exterior. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013. 61 Hot et al. (2013) Após analisar um pouco algumas obras desses grandes escritores fica claro, no caso de Monteiro Lobato, uma certa admiração pelas ideias de superioridade da “raça branca” sobre as outras, mesmo que posteriormente, chocado pelos crimes do holocausto, ele tenha deixado de opinar sobre o tema, tendo ainda, antes do grande massacre de judeus, escrito “Negrinha”, onde expõe a permanência da situação de crueldade aos negros após a abolição da escravidão (1888) e Proclamação da Republica (1889). Como visto anteriormente, a população brasileira, quase cinquenta anos depois da abolição e Proclamação da República não havia se adaptado inteiramente ao novo regime e seus ideais de “igualdade” entre os homens. Logo, o modo como a sociedade via e tratava os negros não havia mudado muito. Palavras como “negro”, “negrinha”, “preto” e muitas outras utilizadas para se referir ao negro na época do império ainda estavam presentes no vocabulário padrão do inicio do regime republicano. Visto isso, talvez o homem contemporâneo não deva julgar a moral e os costumes de uma época em que não conviveu. Estudar uma realidade é completamente diferente de viver nela. Portanto, a sociedade deve dar a Monteiro Lobato o beneficio da dúvida. Afinal de contas, ele contribuiu muito para a alegria de muitos brasileiros ao criar a afamada turma do “Sítio do Picapau Amarelo”. O lamentável, no entanto, é não poder ouvir do próprio, algo em sua defesa. Já Machado de Assis, parece não ter partilhado das ideias eugênicas de Lobato. Primeiro por ele ter sido mulato, e, portanto, descendente de negros. E segundo, porque ele era bastante preocupado em criticar a sociedade em suas obras, tendo essa, muitas outras falhas a serem reveladas, expostas e criticadas e não apenas a situação dos negros, motivo pelo qual não falava tanto em defesa dos negros em suas obras. Já quanto ao uso de termos como “negrinha” em “O Caso da Vara” deve-se deixar claro que eram palavras tidas como comuns e não preconceituosas para os que viveram entre o fim da monarquia e o início da Republica. Devido aos fatos apresentados, não faz sentido classificar Machado de Assis como um escritor racista e nem acusá-lo de partilhar desses ideais. Enfim, mesmo a literatura se mostrando preconceituosa em alguns períodos de tempo é preciso que se perceba a importância de não ocultar esses momentos. A proibição de obras literárias, seja pelo motivo que for, só contribuirá para que o homem não conheça a totalidade de sua história. É preciso saber como as pessoas agiam e pensavam em épocas passadas e entender que o homem deve conhecer a sua história. Vavy Pacheco Borges deixa isso claro em seu livro “O que é História” (1980) ao dizer que o homem deve estudar criticamente o passado para compreender as transformações que ocorreram ao longo do tempo e que resultaram na realidade em que ele vive. Só assim ele poderá construir o presente e projetar seu futuro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, W.R. de; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos AfroOrientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. AMORIM, A. “Estado de sítio”. In: Portal de Educação Pública do Rio de Janeiro. On-line. 2010. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblio teca/literatura/0118.html (acesso em 24/08/2013) ASSIS, J.M.M. de. Dom Casmurro. Online. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/downloa d/texto/bv00180a.pdf (acesso em 24/08/2013) ASSIS, J.M.M. de. O Caso da Vara. Online. 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(2013) UM RECORTE SOBRE A DEPRECIAÇÃO DO CAPITAL INTELECTUAL Área Temática: Administração José Carlos de Souza1, Rosane Aparecida Moreira2 e Rock Kleyber Silva Brandão3 1 Mestre em Administração, Professor da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – MG Mestre em Administração, Professora da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – MG. 3 .Mestre em Administração, Professor da Faculdade de Ciências Gerencias de Manhuaçu - MG 2. RESUMO O presente artigo aborda aspectos ligados à depreciação do capital intelectual, um recorte da proposta de gestão do conhecimento. O seu objetivo é descrever e analisar como os gestores, embora interessados em potencializar o valor agregado dos ativos intangíveis, correm o risco de “depreciá-lo”, pois parece que a gestão das pessoas como ativos quantificáveis remete a uma visão reducionista dos indivíduos. É que na busca de codificação dos conhecimentos, sem o necessário cuidado e sem fugir à espiral do modelo tradicional, é possível que as pessoas se percam em meio aos indicadores de retorno dos investimentos, confundidas com aqueles ativos tangíveis. Foi feita uma abordagem exploratória em literatura alusiva ao modelo, buscando analisar o discurso da contabilização do capital humano, identificando riscos de sua depreciação. Palavras-chave: Ativos intangíveis, gestão do conhecimento, capital intelectual e depreciação. ABISTRACT The present article deals with the management of the knowledge, approaching on aspects to the accounting of the intellectual capital, a clipping of the proposal of management of the knowledge. Its goal is to describe and analyze how managers, although interested in enhancing the added value of intangible assets, are at risk of "belittle him" because it seems that the management of people as quantifiable assets refers to a reductionist view of individuals. Is that in the pursuit of codification of knowledge without the necessary care and without escape the spiral of the traditional model, it is possible for people to get lost among the indicators of return, confused with those tangible assets. An exploratory approach was taken in the allusive style literature that seeks to analyze the discourse of accounting for human capital, identifying risks of its depreciation. Keywords: Intangible assets, management of the knowledge, intellectual capital and depreciation. 1. INTRODUÇÃO O cenário do mundo atual tem sido caracterizado por marcas indeléveis e profundas, que exteriorizam desigualdades sociais, individualismo e violência, deixando claro que somente a educação poderá romper de forma vigorosa com este círculo vicioso. A UNESCO, através de relatório da Comissão Internacional de Educação, aponta quatro pilares que poderão ajudar na descoberta de um mundo mais humano, mais contextualizado com a nova ética, desta nova sociedade que se apresenta – A sociedade do Conhecimento. São eles: “(1) o aprender a ser, (2) o aprender a fazer, (3) o aprender a conhecer e (4) o aprender a viver juntos.” É sem dúvida, a visão holística e global de um homem total. De acordo com esta nova ótica, vivenciase a terceira onda, identificada por Tofler (1980) como um dos três grandes momentos de mudança da humanidade, correspondendo à Era da Sociedade do Conhecimento, que Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 64 Brandão et al. (2013) introduz ou é introduzida a partir do entendimento da mensuração do capital humano como ativo intangível das organizações, que será objeto de discussão deste artigo, através da metáfora de sua “depreciação”, buscando dar ênfase à necessidade de se investir nas pessoas como fonte de criação inovadora de valores e de perpetuidade organizacionais. As duas “ondas” anteriores são a “Revolução da Agricultura” e a “Revolução Industrial”. A proposta de se buscar uma potencialização do Capital Humano se reveste de grande relevância a partir do entendimento que estes ativos são o diferencial competitivo que irão garantir a sobrevivência e a significância social da empresa cidadã. A respeito da grande valia deste ativo, Becker (1997), prêmio Nobel de economia em 1992, assim se referiu: “Nós sabemos que numa economia moderna o fator mais relevante é o capital humano. O maquinário, evidentemente é necessário, mais sem uma forte base de capital humano, usado de maneira eficaz, nenhuma economia será capaz de crescer. Essa é uma lição que aprendemos. Por isso, os economistas e sociólogos do Banco Mundial estão dando cada vez mais atenção a esse fator. As evidências são que os países que mais crescem são aqueles que promovem o capital humano de maneira mais eficaz.” Este artigo procura identificar porque as empresas não conseguem potencializar os seus talentos humanos, deixando que eles se tornem bens totalmente “depreciados”, não agregando valor aos produtos e/ou serviços, de acordo com a seguinte estrutura: • • • • • Considerações finais e propostas de mudanças. 2. O CAPITAL HUMANO E A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO A sociedade global tem assistido a profundas alterações nos estilos de vida das pessoas e das empresas. É natural que as consequências dessas mudanças sejam gritantes e provoquem uma verdadeira revolução na vida dos empresários, dos gerentes e das pessoas em geral, sejam como atores da vida corporativa, sejam como cidadãos envolvidos no ambiente organizacional, destacando-se: choque de culturas, maior interdependência entre as economias, rapidez da informação, pressão concorrencial e enorme volatilidade dos produtos e serviços. Existe uma grande necessidade de acompanhar essa verdadeira revolução, mas como? A sociedade está diante de um novo paradigma que rompe com a sociedade industrial, afeita a um plano cartesiano, onde planejar e executar eram atividades estanques e lineares e introduz uma nova sociedade – a do conhecimento, que “reformula a atividade econômica, tendo como base um fator de produção abstrato que é o conhecimento, que, se for bem aproveitado, pode alavancar grandes empresas e até a economia de um país” (MORBIS, 2000, p. 13). A humanidade percorreu em milhares de anos alguns períodos que foram marcados por mudanças extraordinárias, conhecidas como sociedade agrícola, sociedade industrial e sociedade do conhecimento, divididas metaforicamente em primeira, segunda e terceira ondas por Tofler (1980). O capital humano e a sociedade do conhecimento; A gestão estratégica de pessoas (recursos ou talentos?); Uma pedagogia organizacional; Por que o capital humano é “depreciável”? Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 65 Brandão et al. (2013) Na verdade, a sociedade do conhecimento vem se construindo ao longo de setenta milhões de anos, quando o homem “criou a si mesmo: aprendeu a andar ereto, a falar e a educar a prole” (grifei), conforme descreve D’Masi (2000), passando pela domesticação de animais e a criação de ferramentas, pela sociedade industrial, quando atrofiou de algum modo o seu cérebro e chegando hoje a “Economia ou Sociedade do conhecimento”. De que se constitui tal sociedade do conhecimento? Seria da economia digital ou seria do conhecimento? Constitui-se da capacidade de se utilizar de recursos tecnológicos como o computador e as comunicações para “codificar, armazenar e distribuir o conhecimento, que lapidado e transformado em informações irá auxiliar na geração de produtos e serviços” e de novos conhecimentos. A nova sociedade tem se utilizado de um bem abstrato, que é o conhecimento e as organizações/instituições que existem para facilitar a vida das comunidades; de um somatório de habilidades das pessoas que as constitui, o capital intelectual – “potencial” que se bem gerenciado, consegue alavancar recursos que tornam as empresas referenciais competitivos. De acordo com a clássica concepção, a economia estuda a maneira como se administram os recursos, considerados escassos, sendo os fatores de produção divididos em terra, trabalho e capital, conforme entendimento de Morbis (2000). O fator terra indica os recursos naturais, o fator trabalho tem como principal agente o ser humano e o fator capital indica ativos financeiros de uma empresa, dividindo-se em capital físico, fixo, circulante, financeiro e humano, conforme define Morbis (2000), objeto de análise neste trabalho. 2.1. Acerca do capital humano Conceitualmente, o capital humano pode ser entendido como o valor acumulado de investimentos em treinamento, competência e futuro de um funcionário. É, ainda, descrito como competência, capacidade de relacionamento e valores do funcionário. Para Edvinsson e Malone (1998), o capital humano corresponde a toda capacidade, conhecimento, habilidade e experiências individuais dos empregados de uma organização para realizar tarefas, que somado ao capital estrutural, irá constituir o capital intelectual. Já o capital intelectual, de acordo com Edvinson e Malone (1998), corresponde ao conjunto de conhecimentos e informações encontrados nas organizações, que agrega valor ao produto ou serviço mediante a aplicação da inteligência e não do capital monetário ao investimento. É a soma do capital humano com o estrutural. Como é facilmente perceptível e realçada pelos autores, a diferença está no capital humano, pois as máquinas não pensam e as informações codificadas, estruturadas, ágeis, também não geram nada. Elas são um ativo que permanecerá à disposição das empresas, das comunidades, mas dependem da capacidade de criar, de inovar, de vivificar, das pessoas. Só elas, com suas habilidades, características essenciais, tipo psicológico e interações, são capazes de fazê-lo. Goleman (1996) demonstrou de forma inquestionável que existe algo além do homem como fator de produção, medido em QI (coeficiente de inteligência), que coloca o emocional como o verdadeiro referencial. Este foi dividido em habilidades, a saber: • “Auto-Conhecimento Emocional reconhecer um sentimento enquanto ele ocorre é a chave da inteligência emocional. A falta de habilidade em reconhecer nossos verdadeiros sentimentos deixa-nos a mercê de nossas emoções. Pessoas com esta habilidade são melhores pilotos de suas vidas. • Controle Emocional, a habilidade de lidar com seus próprios sentimentos, adequando-os para a situação. Pessoas pobres nesta habilidade afundam constantemente em sentimentos de incerteza, enquanto aquelas com melhor controle emocional tendem a recuperar-se mais rapidamente dos reveses e contratempos da vida. • Auto-Motivação. Dirigir emoções a serviço de um objetivo é essencial para Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 66 Brandão et al. (2013) manter-se caminhando sempre em busca, para a automotivação, para manter-se sempre no controle e para manter a mente criativa na busca de soluções. Autocontrole emocional, sabendo praticar gratificação prorrogada e controlando impulsos, favorece aperfeiçoamento de todos os tipos. Pessoas que tem esta habilidade tendem a ser mais produtivas e eficazes, qualquer que seja seu empreendimento. • Reconhecimento de emoções em outras pessoas. Empatia, outra habilidade que constrói auto-conhecimento emocional. Esta habilidade permite as pessoas reconhecer necessidades e desejos de outros, permitindo-lhes relacionamentos mais eficazes. • Habilidade em relacionamentos interpessoais. A arte do relacionamento é, em grande parte, a habilidade de gerenciar sentimentos em outros. Esta habilidade é a base de sustentação de popularidade, liderança e eficiência interpessoal. Pessoas com esta habilidade são mais eficazes em tudo que é baseado na interação entre pessoas. São estrelas sociais.” 2.2. Capital humano: recurso ou talento? As organizações tradicionais, clássicas, industriais, consideravam as pessoas como mais um fator de produção, um custo na formação do valor do produto, sendo objeto de uma análise reducionista, voltada para cortes de desperdícios, tarefas, para um treinamento estático de como fazer o que se fazia sempre do mesmo jeito, sem inovação, sem criatividade, sendo, portanto, reconhecido como mais um recurso, mais um insumo, sem grande relevância, pois o que se priorizava eram os processos mecanizados e os seus resultados. Os produtos massificados eram cada vez mais estandardizados, criando ambiente para “fábricas escuras” e vazias, ou sem alma, onde as pessoas se reduziam a meros executores, apertadores de botões e assim não eram percebidas como talentos e nem mesmo como ativos importantes e agregadores de nenhum valor. Hoje, no alvorecer do terceiro milênio, as empresas são inteligentes, os produtos e serviços voláteis e o capital humano, o ativo mais relevante, mais significativo. As empresas que perceberam tal referencial e investiram em treinamento, educação e, principalmente, criaram um clima de aprendizagem organizacional continuado, tiveram o seu valor de mercado aumentado substancialmente (NOGAS e PALADINI, 2010) A economia global entendeu e assimilou o valor dessas empresas inteligentes e passou a investir maciçamente nele, restando a seguinte pergunta: Por que as pessoas estão investindo os seus recursos nestas empresas? Como se sabe, o mercado trabalha com expectativa de negócios futuros e as possibilidades de geração de inovações, da criação de ideias novas, de conhecimentos novos, com certeza se concretizarão onde as pessoas contam com maior número de informações, em um ambiente propício à aprendizagem continuada e a uma transferência do conhecimento mais facilitada. O investimento é, portanto, a crença no poder criador do capital humano. Ninguém que não cresse na capacidade criadora não investiria. Se o valor de mercado multiplica a sua aposta em até 100 (cem) vezes é porque os talentos do capital humano são também multiplicados, como asseverou o grande mestre, Jesus, na sua parábola dos talentos em Mateus 25,14-30. Portanto, investir no capital humano é acima de tudo investir na sobrevivência do negócio. 3. GESTÃO DO CAPITAL HUMANO X GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS O que se espera da gestão dos recursos humanos é que o setor seja capaz de alinhar interesses relacionados às necessidades das pessoas e das estratégias do negócio (CHIAVENATO, 1999). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 67 Brandão et al. (2013) Para adaptar as pessoas às necessidades da organização é preciso investir em planejamento estratégico de recursos humanos, que ocorre em três estágios: (a) planejamento, (b) programação e (c) avaliação. A construção desta visão requer a aplicação de uma série de técnicas de gestão, destacando-se previsão de demanda e suprimento de pessoas; análise dos cargos; seleção, recrutamento e socialização organizacional (grifei), gestão de salários, adoção de programas de desenvolvimento humano, motivação e comprometimento, conforme Brito e Brito (2000). 3.1. Recrutamento É a atividade que estabelece o elo entre o ambiente externo e a organização e que visa atrair para ela bons candidatos, que, segundo Chiavenato (2000) é complementado pela seleção definida como um processo de gestão das pessoas por meio do qual a organização procura satisfazer suas necessidades de recursos humanos. Este processo, segundo Chiavenato (1994) pode ser interno e externo. No interno, a empresa procura contratar por meio de transferências e promoções, podendo se tornar uma vigorosa fonte de motivação, pois aposta nos talentos internos. Já no externo, a organização procura no mercado as pessoas que atendem o perfil exigido por ela, trazendo “sangue novo” para a empresa. 3.2. Seleção dos candidatos É a tomada de decisão que tem como resultado a contratação ou não do candidato. Já neste momento, a administração dos recursos humanos está ou não investindo numa proposta de gestão do capital humano, buscando direcionar a escolha para pessoas questionadoras, astutas, ousadas e inovadoras. Se ela investe na mesmice, no concordismo, com certeza, estará adquirindo mais um insumo de produção em série, um peso para usa planilha de custos (CHIAVENATO, 2004). 3.3 Integração Organizacional e Socialização A cultura da sociedade não muda de forma repentina, sendo produto sedimentado por gerações através de atribuições de valores, sentimentos e emoções, sendo necessária a integração e socialização dos indivíduos ao processo em curso (CHIAVENATO, 2004). A socialização é, na realidade, uma forma de aculturação que conta com certa pedagogia, sendo que este processo só se realiza através da aprendizagem, sendo através dele que “os indivíduos internalizam uma série de valores, crenças e normas socialmente estabelecidas e aceitas ou tomadas como verdade” (COSTA, 1994). Para Fleury (1987), a socialização secundária é fundamental para a integração dos indivíduos às organizações. Van Maanen (1975) apresenta uma definição completa sobre socialização organizacional: “Socialização organizacional é o processo pelo qual o indivíduo aprende valores e normas de comportamentos esperados (grifei) que permitem a ele participar como membro de uma organização, sendo um processo que ocorre durante toda sua carreira, implicando em renúncias de certas atitudes, valores e comportamentos” (grifei). Pascale (1985), ao estudar a socialização organizacional apresenta uma proposta teórica que destaca sete passos interrelacionados que estruturam o referido processo: “1) Seleção – busca traços específicos que atendam aos interesses organizacionais; 2) Experiências indutoras de humildade – atribuição de metas fáceis ou difíceis de cumprir para encorajar ou desafiar o entrante; 3) Treinamento na linha de fogo – esforços de treinamento para o Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 68 Brandão et al. (2013) trabalho. É uma espécie de materialização da cultura; 4) Uso de sistemas de recompensa e controle – é a forma cuidadosa de medir os resultados e recompensar o desempenho individual; 5) Aderência aos valores centrais da organização – é a identificação com as crenças e valores comuns. Capacita os indivíduos a reconciliarem os sacrifícios pessoais necessários para o sucesso na/da organização; 6) Folclore de reforço – histórias, mitos, ritos, rituais, e símbolos da organização. Oferecem imagens fortes as quais influenciam a maneira como as pessoas visualizam-na; 7) Modelos consistentes de papéis - é a comunicação, através de modelos consistentes, que a organização passa para os novos integrantes, de como ela reconhece formal e informalmente seus “vencedores”, que carregam de maneira bem forte os traços e atributos que a organização valoriza.” Côrtes (2000) e Sower (1957) falam da teoria do patrocínio normativo ou do consenso, que parte do princípio que o homem é essencialmente social e postula que a maioria das pessoas tem boa vontade e será cooperativa para facilitar a formação de um consenso, ou seja, o indivíduo tende a buscar estabilidade ou unificação social. Côrtes (2000) descreve a teoria dos papéis sociais e postula que, embora a sociedade nos imponha regras e valores, para a maioria dos indivíduos essa pressão é bastante suave e até mesmo natural, ou seja, o indivíduo deseja exatamente aquilo que a sociedade espera dele, querendo desempenhar o papel que ela concede, sendo certo que isto transmite as sensações de inclusão e de segurança. É certo que a humanidade percorreu um longo e penoso caminho até chegar aos atuais modelos de organização do trabalho, sendo o homem nômade, escravo, servo, operário, colaborador, partindo agora para a idéia do ócio criativo ou para economia do ócio (D’ MASI, 2000). Diversas teorias foram deduzidas para motivação, dentre elas citam-se: Maslow (1954) e a pirâmide das necessidades, Alderfer (1962) e a teoria ERC, que busca sistematizar a hierarquia das necessidades de Maslow (1954) e Hesberg (1995), com seus aspectos ligados aos fatores higiênicos (salários, condições de trabalho, relacionamento, segurança etc.) e motivacionais (relacionamento, realização, reconhecimento, crescimento, etc.). Pesquisas sobre o comportamento nas organizações entendem que as teorias até agora apresentadas são estáticas, sendo a que mais se adapta à realidade organizacional a teoria da expectativa de Vroom, citada por Brito e Brito (2000), que supõe que a motivação existe em função de três elementos: “(1) expectativa de esforço-desempenho – maior esforço gera melhor desempenho; (2) instrumentalidade – um bom desempenho gera certos resultados ou recompensas; (3) valência – valor de certa atração de certa recompensa para o indivíduo.” Algumas implicações desta teoria: (a) As recompensas para motivar precisam ser desejadas; (b) Indivíduos precisam saber que a diferença no comportamento resultará nas recompensas e resultados; (c) Eles precisam saber que o seu esforço resultará em um bom desempenho. 3.4 Motivação 3.5 Comprometimento Parte da idéia de desenvolvimento das teorias organizacionais e do entendimento que o trabalho exerce uma função social relevantes na vida das pessoas. É um processo bilateral de interação entre o indivíduo e a organização, sendo que ambos participam nesta relação somente por Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 69 Brandão et al. (2013) aquilo que cada uma das partes espera obter em troca de seu envolvimento, sendo abordado em quatro perspectivas: (a) enfoque afetivo, (b) instrumental, (c) sociológico-normativo e (d) comportamental: um clima favorável à convivência do mesmo na organização. a) Afetivo – aborda aspectos ligados aos sentimentos de lealdade, desejo de permanecer e de se esforçar para atingir metas (BRANDÃO, 1991). Esta perspectiva está estruturada em três dimensões: coercitiva (ameaças e punições); remunerativa (incentivos econômicos) e normativa (incentivos simbólicos), (ETZIONI, 1961); b) Instrumental – para esta ótica, o comprometimento é um mecanismo psicossocial, cujos elementos são função das recompensas ou custos associados, sendo a permanência na organização resultante de múltiplos investimentos feitos pelo indivíduo (desenvolvimento de habilidades, contribuições para fundos de pensões etc.), que tornariam a sua vida dispendiosa. É um fenômeno de natureza estrutural que reforça o vínculo do indivíduo com a organização; c) Sociológico-normativo – nesta perspectiva, o comprometimento é tratado como uma resultante das relações de autoridade, estabelecidos pelo empregador com vistas a controlar e subordinar o trabalhador. É ainda abordado como um conjunto de pressões internalizadas pelo indivíduo, de tal forma que ele se comporte convenientemente no cumprimento dos objetivos e interesses organizacionais; d) Comportamental – nesta ótica, o comprometimento é visto como um estado de ser em que as ações determinam crenças que sustentam a atividade e o próprio envolvimento do indivíduo com a organização. Morbis (2000) declara que o capital intelectual (CI) é igual ao valor de mercado (VM), menos o valor contábil (VC), atribuindo um valor mensurável ao capital humano. Straioto (2001) sugere uma nova análise a partir do valor agregado por nível de escolaridade, incluindo definitivamente o capital humano como um fato contábil. Stweart (1998) mostra uma abordagem ligada à depreciação do ativo intangível em estudo, num diálogo entre componentes de uma equipe: Na verdade, o que existe de fato é o envolvimento do indivíduo com crenças, valores e normas, alicerçados em aspectos econômicos, psicológicos e sociológicos que irão permitir, aliados a aspectos voltados para a qualidade de vida no trabalho, a força de 4. PORQUE O DEPRECIÁVEL? CAPITAL HUMANO É “[A]: A maior parte do meu conhecimento não me custa um centavo se dermos baixas contábil ano após ano. Como se chama isso? [B]: Depleção e Depreciação. [A]: Ah, é isso mesmo. Significa que a pilha está acabando, não funciona mais tão bem quanto antes. [C]: Um coisa é certa a respeito dos professores e escritores. Eles não têm que se preocupar tanto com o imposto de renda quanto os fazendeiros e donos de poços de petróleo. [B]: É mesmo? Por que? [C]: Porque seu equipamento é o talento e uma mente altamente desenvolvida; e quando a pilha vai ficando fraca e eles não trabalham mais tão bem quanto trabalhavam, não se registram esta depleção ou depreciação na declaração de imposto de renda. [B]: Entende o que eu digo? O que há de tão inteligente neles?” A contabilidade analisa os bens imateriais ou intangíveis de forma superficial, não lhes atribuindo valor além de gastos para pesquisa e registros ou os fundos de comércio (RIBEIRO, 1994). O certo é que esses valores pelo menos do ponto de vista de uma metáfora organizacional são depreciáveis. Por quê? Vivencia-se a era do conhecimento, o fim dos empregos e as pessoas precisam de uma Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 70 Brandão et al. (2013) gestão eficaz, de um ambiente adequado, das interações e inter-relações psicológicas e sociológicas necessárias para a criatividade organizacional, ou seja, é preciso motivação, qualidade de vida no trabalho, benefícios sociais, fluxo de informações, codificação do conhecimento, comprometimento e ambiente de transferência do conhecimento tácito. Algumas empresas, em número ainda limitado, estão investindo em ilhas de criatividade, em centros de convivência, em universidades corporativas, buscando potencializar competências, agregando cada vez maior valor ao capital humano. Esta busca é importante e foge do risco de se manter na espiral do modelo tradicional, praticado pelas empresas ocidentais são comparadas a “máquinas de processamento de informação, criando conhecimento formal e sistemático, ou seja, dados duros, quantificáveis.” (NONAKA, 2006). Se de um lado é possível agregar valores cada vez mais crescentes a estes ativos, de outro é possível depreciá-lo, bastando observar alguns aspectos: (1) Deixar de investir numa gestão de Recursos Humanos que privilegie as pessoas como talentos, observando-as como custos fixos de produção; (2) Desprezar as relações e interações possíveis a partir da formação de um ambiente de aprendizagem contínua, ou seja, onde a socialização organizacional seja uma pedagogia estática de treinamento com base no passado, no processo, nos produtos massificados; (3) Permitir que os conflitos sejam oportunidade para valorização de vaidades, invejas, assédios morais, sexuais, corrupção etc; (4) Não permitir que as comunicações sejam abertas e fluam ou permeiem todos os ambientes corporativos; (5) Privilegiar as desnecessárias divisões e separações entre os planejadores e os executores. (6) Fica nítida a situação de depreciação do capital intelectual não utilizado, pois o conhecimento perde seu valor quando não é utilizado, ficando claro a necessidade de gerenciar os ativos devido a sua grande relevância, conforme perceberam Barroso e Gomes (1999) . 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade do conhecimento inserida a partir da gestão da aprendizagem organizacional e da valorização do capital humano chegou para tornar os ambientes organizacionais mais leves, agradáveis e familiares. A empresa industrial desumanizou, atrofiou e, muito mais do que isto, tornou o homem irracional. Já não era possível pensar. Existem empresas, que a guisa de obrigar os seus empregados a cumprirem procedimentos que ainda falam de reflexos condicionados. A humanidade está experimentando situações inusitadas. Ainda existem sociedades tribais que vivem momentos que se assemelham aos precedentes à sociedade industrial, mas é necessário que elas saiam da sua letargia vivencial sem passar pelo reducionismo da sociedade industrial, que ensejou o consumismo imediatista que mecanizou os sistemas produtivos e também as pessoas, influindo na destruição dos recursos naturais e até da própria dignidade das pessoas. Propostas de gerenciamento do capital humano: • Assiste-se a uma arrancada extraordinária do capital humano em países centrais e em grandes conglomerados organizacionais, mas nos países periféricos e nas pequenas empresas o capital humano ainda está hibernando, ou depreciado. O que se propõe é a organização dessas capacidades latentes em redes, clusters ou cooperativas, buscando um maior investimento no verdadeiro diferencial dos povos, das comunidades e das pessoas; • Criar condições satisfatórias para o necessário afloramento das intimidades entre as pessoas, despertando confianças, que permitam ou encorajem a todos a disseminar suas idéias, seus Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 71 Brandão et al. (2013) conhecimentos, suas experiências, não importando com níveis, status ou poder, mas direcionando as propostas para os objetivos organizacionais; • Possibilitar o acesso de todos aos meios estruturais e tecnológicos, especialmente àqueles que colocam as pessoas em rede, que “plugam inteligências”, aumentando as relações e criando um ambiente de codificação do conhecimento e do saber, democratizando espaços físicos e virtuais e, o que é o ideal, permitindo um fluxo razoável de informações que, se bem gerenciado, irá gerar conhecimento e competências; • Fugir da armadilha do aprendizado do ciclo único identificada por Argyris (2006), na qual os profissionais altamente qualificados seriam bons no aprendizado do ciclo único, ou seja, foram bem sucedidos nos estudos acadêmicos e agora utilizam esta capacidade na solução de problemas. Porém quando surgem os problemas eles têm dificuldade de aprender com eles, pois buscar transferir a culpa para alguém, que pode ser o cliente, os colaboradores, menos a deles mesmos; • Sintetizando, deixar que o capital humano seja de fato o referencial, o diferencial, o verdadeiro potencial de alavancagem para o sucesso, agregando cada vez mais valor ao sonho, à visão organizacional, à qualidade de vida e às pessoas, tornando o conhecimento um verdadeiro patrimônio da humanidade, sem a tentativa torpe de alienar, atrofiar, anular, cooptar as pessoas... Ao final, a proposta conclusiva a que se chega com esta leitura da situação proposta de contabilidade do capital intelectual é que, ao transformar o conhecimento e as articulações e interações possibilitadas pelo convívio das pessoas em capital intelectual, em ativo intangível mensurável, ele pode ser depreciado. Assim, ele perde valor econômico a partir do momento que, desmotivado, excluído do sistema, já não seja capaz de gerar as criações, inovações e os resultados, que multiplicavam o valor de suas empresas e então, se torna alienado. Excluído socialmente, entregue nos depósitos de “materiais inservíveis”, dos asilos ou em centros de convivência, ou ainda condenado eternamente a rolar montanha acima a pedra da mesmice, das tarefas repetitivas e sem valor agregado, conforme sugeriu Camus (2004) em seu mito de sísifo, um ser que viveu a vida organizacional ao máximo, odiou a morte e foi condenado eternamente a executar uma tarefa sem sentido. UM CAPITAL INTELECTUAL QUE FOI DEPRECIADO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGYRIS, C. Ensinando pessoas inteligentes a aprender. In: Harvard Business Review. Aprendizagem Organizacional: os melhores artigos da Harvard Business Review. São Paulo: Campus, 2006. BARROSO, A.C.O.; GOMES, E.B.P. Tentando entender a gestão do conhecimento. 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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013. 73 Lamas (2013) UMA ANÁLISE CRÍTICA DO PAPEL DO JUIZ NA APLICAÇÃO DA PENA BASE NO BRASIL Área Temática: Direito Lívia Paula de Almeida Lamas Doutoranda em Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado, Advogada, Licenciada em Letras, Professora e Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar criticamente a aplicação da pena base no Brasil, de modo a demonstrar que diante da discricionariedade conferida pelo Código Penal à atuação do juiz, ele assume um papel fundamental na manutenção dos princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: juiz, Estado Democrático de Direito, pena base ABSTRACT This paper aims to critically analyze the application of the penalty base in Brazil, in order to demonstrate that ahead of the discretion conferred by the Criminal Code the role of the judge, he plays a key role in the maintenance of the guiding principles of a Democratic State of Law. Keywords: judge, Democratic State of Law, penalty base 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo analisar criticamente o papel do juiz na aplicação da pena base no Brasil, de modo a demonstrar que o magistrado assume um papel essencial na manutenção dos princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito. O Brasil passou a se constituir em Estado Democrático de Direito a partir da promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, fato que conferiu uma proteção substancial aos direitos fundamentais do indivíduo. Ocorre, todavia, que apesar de a Carta Magna estabelecer um vasto rol de garantias em seu art. 5º e de legitimar os ordenamentos jurídicos internos do país, esse potencial ainda não se realizou em sua plenitude, pelo menos não no que concerne à aplicação da pena base, pois o Código Penal brasileiro deixou para o juiz uma margem significativa de discricionariedade, fato que, se não for devidamente observado, pode violar inúmeros direitos do cidadão. Esse trabalho apresentará, portanto, os principais equívocos que o juiz pode cometer ao aplicar a pena base no Brasil, bem como discutirá soluções para que a sua atuação se encontre atrelada aos princípios fundamentais e às garantias asseguradas por um Estado Democrático de Direito. 1.1. Considerações acerca dos critérios utilizados pelo juiz na fixação da pena base no código penal brasileiro Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013. 74 Lamas (2013) Sempre que ocorre um crime surge para o Estado a necessidade “de recompor a ordem jurídica violada, mas ao mesmo tempo, o dever de conceder ao agressor da norma os direitos previstos na Lei Fundamental que lhe serve de garantia contra os possíveis abusos do poder estatal” (RANGEL, 2000) Desse modo, para se adequar às diretrizes de um Estado Democrático de Direito, o Direito Penal deve assumir uma dupla finalidade: a protetiva dos bens jurídicos mais importantes e a preservativa dos direitos fundamentais do indivíduo. A dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, é o valor expresso no princípio da humanidade do Direito Penal, que não pode ser considerado quando da criminalização de qualquer fato, etiquetado como socialmente agressivo, ou quando da cogitação de qualquer sanção criminal. (LOPES, 1999. p. 219) O Estado Democrático de Direito foi estabelecido no Brasil em 1988 através da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Tal avanço impôs uma série de limites às legislações infraconstitucionais, que passaram a ter a sua legitimidade condicionada aos vínculos formais e materiais da Carta Magna. Neste sentido, em relação ao Código Penal brasileiro, “duas são as limitações impostas pela Carta Magna: as de natureza material, que impedem que da lei penal constem disposições contrárias aos princípios ou garantias delineadas no texto máximo” e as limitações de natureza formal que se consubstanciam “no impedimento à edição de normas em desacordo com as regras fixadas pela Constituição para a elaboração de lei” (LOPES, 1999, p 167). O Brasil é um Estado Democrático de Direito, logo, o seu Código Penal tem o dever de assegurar a todos os indivíduos o respeito a seus direitos humanos fundamentais, devendo, “controlar a criminalidade e a violência sem perder de vista os princípios democráticos baseados nos direitos fundamentais constitucionais”. (DORNELLES, 2008, p. 5) O ordenamento jurídico penal é, portanto, o mais limitado pelas exigências constitucionais, por compreender o conjunto de normas que preveem os crimes e lhes cominam sanções, e consequentemente envolver o dilema da privação da liberdade humana. O direito penal da Constituição se expressa através do direito penal mínimo, ou seja, através do espaço residual que se reserva para a intervenção punitiva dentro dos limites impostos pelos dispositivos constitucionais nos marcos de uma política integral de proteção dos direitos humanos. (DORNELLES, 2008). Tem-se, assim, no Direito Penal, um lado em que são definidas as condutas delituosas, concedendo ao Estado o ius puniendi quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável. E um outro lado, em que há a limitação dessa atuação pelas garantias fundamentais de todo ser humano. Dessa forma, para que haja uma boa utilização do Direito Penal, o intérprete da lei precisa adotar a Carta Magna como ponto de partida para a sua atuação ao aplicar uma pena. O direito penal da Constituição, ou do Estado social democrático de direito, também tem, hoje, a tarefa “iluminista” de delimitar e regular a pena. E é através do reconhecimento de sua dimensão política e da noção de “sujeito coletivo” que o direito penal da Constituição pode se afastar da abstração que marcou o direito penal liberal, tornando-se parte da política de proteção dos direitos humanos (DORNELLES, 2008). Ocorre, todavia, que esse modelo, na prática, nem sempre é observado e quando o ordenamento jurídico penal brasileiro é confrontado com a realidade, descortina-se um cenário onde os parâmetros de justiça, racionalidade e legitimidade, são muitas vezes negligenciados, no que diz respeito à aplicação da pena. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013. 75 Lamas (2013) É através do cálculo da pena que o Estado-juiz, exercita o seu ius puniendi, ou seja, direciona o seu poder de reprovação ao indivíduo que agiu de forma contrária ao direito. A conduta em conformidade com a ordem é conseguida por uma sanção proporcionada pela própria ordem. O principio de recompensa e punição – o principio da retribuição -, fundamental para a vida social, consiste em associar uma conduta em conformidade com a ordem e a conduta contrária à ordem com a promessa de uma vantagem ou com a ameaça de uma desvantagem, respectivamente, na condição de sanções. (KELSEN, 2001) A legislação penal brasileira adotou, em seu artigo 68, o sistema trifásico, concebido pelo mestre Nelson Húngria, que estabelece que a pena será calculada observando-se três fases distintas e sucessivas. Primeiramente, o julgador deverá encontrar, a partir da análise das oito circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, a chamada pena base.1 “A pena inicial fixada em concreto, dentre dos limites estabelecidos a priori na Lei penal, para que, sobre ela, incidam, por cascata, as diminuições e os aumentos decorrentes de agravantes, atenuantes, majorantes ou minorantes” (BOSCHI, 2002, p. 187). Cada uma dessas fases “deve ser analisada e valorada individualmente, não podendo o juiz simplesmente se referir a elas de forma genérica” (GRECO, 2004, p. 610), sob pena de nulidade, pois no Brasil vigora o sistema do livre convencimento motivado das decisões judiciais, através do qual o magistrado tem a liberdade para 1 Art. 59 - O juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites. decidir de acordo com o que considerar mais adequado, desde que respeitados os limites fixados pela lei e pela Constituição. A obrigação de fundamentar as decisões é pressuposto lógico de um Estado Democrático de Direito e funciona como limite à peculiar discricionariedade da função de juiz, além de ser crucial para assegurar o cuidado na formação da vontade decisória; possibilitar o controle das decisões, e garantir a transparência destas (ANDRADE, 1992). Entretanto, apesar de toda aparente proteção conferida pelo sistema, a situação brasileira é nitidamente obscura no tocante à aferição da pena base, pois há quatro circunstâncias judiciais de cunho subjetivo no artigo 59 do Código Penal, que permitem uma elevada discricionariedade ao magistrado e tornam difícil o controle de seus atos. Assim, ainda que haja fundamentação na sentença, o Estado Democrático de Direito corre o risco de ter o seu dever de proteção aos direitos humanos fundamentais frustrado, pois “o direito e o arbítrio, estes dois conceitos aparentemente opostos, estão na realidade estreitamente ligados” (PACHUKANIS, 1988, p. 90). Na fase de ajuste da pena base, o juiz precisa analisar quatro circunstâncias judiciais de cunho subjetivo: culpabilidade (grau de reprovabilidade do ato praticado pelo réu); os antecedentes (vida pregressa do agente); a conduta social (o comportamento do réu junto à sociedade) e a personalidade do agente (o seu retrato psíquico). Nesta etapa, o legislador também deixou ao prudente arbítrio do julgador “estabelecer a quantidade de aumento e diminuição em cada caso concreto,” (SHECAIRA e CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 280) desde que observados os limites mínimos e máximos fixados para cada tipo penal incriminador. Nota-se, portanto, que os limites legais a que o juiz deve satisfazer são pequenos, frente à gama de possibilidades que lhe são abertas, o que pode ocasionar decisões violadoras dos direitos Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013. 76 Lamas (2013) fundamentais dos apenados. “O problema da determinação da pena pelo juiz identifica-se em grande parte com o problema dos espaços de discricionariedade atribuídos à função judicial” (FERRAJOLI, 2002, p. 323), e nas sociedades contemporâneas a função judicial só se considera cumprida quando o juiz atua com eficácia dentro de suas limitações funcionais (SANTOS, 2009). Diante dessa ampla liberdade de escolha conferida ao juiz, surge um dilema: Como ele deve agir ao aplicar a lei? Muitos magistrados acabam adotando uma postura clássica do Direito ao calcular a pena base, ou seja, seguem uma atitude ‘neutra’ ou positivista ao agir exatamente de acordo com o que a lei determina. “A história das suas soluções confunde-se, em conseqüência, com a do princípio de legalidade das penas expressadas na máxima nulla poena sine lege” (FERRAJOLI, 2002, p. 323). “O juiz não cria o Direito, ele aplica a lei. (...) e a aplica de maneira neutra. Mesmo que se trata de uma lei injusta, deve o juiz adotála (para gerar certeza jurídica)” (GOMES, 2007). O juiz avalia as circunstâncias judiciais de natureza subjetiva do artigo 59 do Código Penal de acordo com o seu sentido literal, ou seja, uma vez que a lei determina que se aprecie a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, ele o faz sem emitir qualquer consideração, ainda que sua interpretação seja injusta ou até mesmo inconstitucional. Ao juiz não cumpre o papel de “discutir, alterar, corrigir, negar ou substituir a lei” (FERRAJOLI, 2002, p. 323). Outros juízes, por sua vez, acreditam que se agirem de acordo com a sua consciência, estarão assumindo uma postura imparcial diante do caso concreto, e com isso assegurando os direitos fundamentais do indivíduo. No entanto, diante da discricionariedade que lhes é proporcionada pela própria lei, na maioria das situações, acabam realizando uma interpretação das circunstâncias judiciais do artigo 59, baseada em critérios nitidamente morais, pois, “o juiz é um ser humano. Por traz da decisão encontra-se toda sua personalidade” (ROSS, 2000, p. 168). Hoje, torna-se impossível passar por cima da idéia de que a sociedade de massa não exclua a manipulação das mesmas. Os mecanismos formais que garantem o funcionamento democrático dessas sociedades, por serem imprescindíveis, não são suficientes para assegurar um protagonismo real dos cidadãos em condições aceitáveis de igualdade. (ZAMORA, 2008) Onde a refutação é impossível significa que a técnica de definição legal e/ou judicial do que é punível não permite juízos cognitivos, mas apenas juízos potestativos, de forma que a livre convicção não se produz sobre a verdade, mas sobre outros valores.(...) a hipótese legal e/ ou judicial não está formada por proposições que designam fatos, senão por juízos de valor ou de significado indeterminado do tipo: Tício é perigoso (FERRAJOLI, 2002). Como resultado dos dois posicionamentos supramencionados, ao julgar estritamente vinculado ao que impõe a lei, sem aferir critérios de razoabilidade e proporcionalidade na sua aplicação, o juiz poderá frustrar o dever de proteção que lhe é imposto pelo Estado Democrático de Direito. Por outro lado, ao se deixar guiar por sua consciência, por mais que o juiz se esforce para ser objetivo e imparcial em seu julgamento, ele sempre estará condicionado pelas circunstâncias ambientais que o cercam, e é fato que “sempre se reprimiu e controlou de modo diferente os iguais e os estranhos, os amigos e os inimigos. A discriminação no exercício do poder punitivo é uma constante derivada de sua seletividade natural” (ZAFFARONI, 2007, p. 81). Desse modo, encontram-se decisões em que o magistrado acaba julgando a culpabilidade de acordo com o grau de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013. 77 Lamas (2013) reprovabilidade do agente e não do ato por este cometido. Também há julgados em que os antecedentes do réu são avaliados de forma contrária ao princípio constitucional da presunção de inocência. Da mesma forma, a conduta social pode prejudicar o réu, acarretando-lhe uma pena mais elevada, mesmo que seu comportamento seja lícito. Por fim, o juiz, mesmo não estando apto a analisar a personalidade do réu, acaba realizando juízos psíquicos do mesmo. 1.2. Uma releitura necessária do papel do juiz na aplicação da pena base no Brasil Diante do contexto de ilegalidades e incertezas tolerado pelo Código Penal brasileiro, a postura do juiz ao aplicar a pena precisa ser reestruturada de forma a configurar uma posição aceita em um Estado Democrático de Direito. O juiz deve assumir um lugar de destaque em defesa da eficácia do sistema constitucional e da proteção dos direitos fundamentais (LOPES JÚNIOR, 2004). O juiz já não pode ser concebido (somente) como a boca da lei (la bouche de la loi), nem tampouco (exclusivamente) como a boca do Direito, sim, como a boca dos direitos e garantias fundamentais (do indivíduo) positivados na lei, na Constituição e no Direito humanitário internacional. (GOMES, 2007) Ao avaliar as circunstâncias judiciais de cunho subjetivo do CPB o magistrado tem o dever de obedecer aos princípios garantidores dos direitos humanos fundamentais, de tal sorte que deve assegurar àquele que está sendo julgado um padrão mínimo de proteção. De todos os significados válidos que podem ser extraídos de um texto legal, deve o juiz eleger o que for mais compatível com os princípios, regras e valores constitucionais e humanitários internacionais (ou seja: o que retratar com maior fidelidade a sua posição de garante dos direitos fundamentais). A sujeição irrestrita do juiz a esse Direito supralegal implica a adoção de uma postura crítica diante das leis inválidas. Nisso reside sua legitimação democrática assim como a preocupação com sua independência (interna ou externa, política ou funcional). (GOMES, 2007) O julgador não pode atuar como mero aplicador da lei, ele é, antes de mais nada, o guardião dos direitos fundamentais do indivíduo. É tarefa do poder judiciário impor a observância das normas jusfundamentais e das demais normas constitucionais às das leis produzidas pelo Legislativo (TOLEDO, 2003). O juiz não valora nem determina sua postura ante a possibilidade de interpretações diferentes. O juiz é um autômato. Tem-se como pacífico que é necessário que se ajuste à lei e sua função se limita a um ato puramente racional: compreender o significado da lei (ROSS, 2000). Isso significa que o juiz, ante a exigência legal de aferição das circunstâncias judiciais de cunho subjetivo na pena base, deve, desde logo, “e em primeiro lugar questionar a compatibilidade do texto legal com a CF e com o Direito humanitário internacional. O juiz já não deve se apegar só à vigência da lei, antes de tudo necessita verificar se ela é válida” (GOMES, 2007). Do mesmo modo, é inadmissível que ao avaliar os requisitos de natureza subjetiva do artigo 59 do Código Penal, o juiz emita vereditos morais sobre a pessoa do réu. Os juízes penais não estão livres de orientarem–se em sua decisões segundo suas convicções pessoais, mas devem julgar de acordo com a lei maior, ainda quando esta esteja em contraste com suas convicções. (FERRAJOLI, 2002) Visto que, na realidade o poder punitivo atua tratando alguns seres humanos como se não fossem pessoas e que a legislação o autoriza a agir assim, a doutrina consequentemente com o princípio do Estado de Direito deve tratar de limitar e reduzir ou, ao menos, delimitar o Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013. 78 Lamas (2013) fenômeno para que o Estado de Direito não desapareça. (ZAFFARONI, 2007) O magistrado exerce um papel fundamental na aplicação da lei, principalmente no que diz respeito à interpretação conforme a constituição2. Para que haja um equilíbrio entre a aplicação da pena e os fins colimados pelo Estado Democrático de Direito é preciso que haja uma adequação entre a avaliação feita pelo juiz e a Constituição. Na interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional declara qual das possíveis interpretações de uma norma legal se revela compatível com a lei fundamental. (...) O papel da interpretação conforme a Constituição é, precisamente, o de ensejar, por via de interpretação extensiva ou restritiva, conforme o caso, uma alternativa legítima para o conteúdo e uma norma que se apresenta como suspeita. (BARROSO, 1999) O juiz como guardião dos direitos fundamentais deve, portanto, fazer um diálogo entre a Constituição e suas fontes, de forma a trabalhar com a norma que for mais favorável ao indivíduo. O que se espera do magistrado ao fixar a pena base do réu, é “que não fique apenas escravo das leis vigentes, mas que se preocupe em interpretá-la de acordo com a realidade, e não apenas na forma gramatical” (GOMES, 2007). “O direito penal de um Estado de direito não pode deixar de se esforçar e aperfeiçoar as garantias dos cidadãos sob pena de perder sua essência e seu conteúdo” (ZAFFARONI, 2007, p. 173). 2 Metodologicamente isso implica (na prática) que o juiz, quase sempre, tem que proferir duas decisões: primeiro para definir qual é o sentido válido da lei aplicável; depois cuida da adequação do fato a esse Direito. Raciocinando em termos silogísticos: a premissa maior é o Direito fundado na lei, na Constituição e no Direito internacional. Uma vez descoberto o Direito aplicável (a premissa maior), de acordo com essa tríplice dimensão, passa-se para a subsunção do fato (premissa menor). Por último vem a conclusão. Em GOMES (2007). O magistrado, tampouco, pode se deixar contaminar por paradigmas, comportamentos e valores morais ao prolatar sua decisão, pois dentre os muitos sustentáculos do Estado Democrático de Direito está o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, da CF), que estabelece que qualquer comportamento é permitido quando não tipificado na lei como delito. 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto conclui-se que o legislador brasileiro não definiu de modo seguro os critérios que o juiz deve utilizar ao avaliar as circunstâncias judiciais de cunho subjetivo do artigo 59 do Código Penal, necessárias para a fixação da pena base. Ao traçarmos uma análise crítica dessa situação, constata-se que esse espaço deixado para a discricionariedade do juiz poderá, dependendo da postura que este adotar, resultar em análises inconstitucionais, e consequentemente, em uma pena base inaceitável em um Estado Democrático de Direito. Dessa forma, em nada adianta o Brasil adotar um modelo de Estado cujas diretrizes buscam garantir os direitos humanos fundamentais de seus cidadãos, se ainda é possível decisões judiciais apegadas a critérios inconstitucionais, fato que inevitavelmente afeta a dignidade pessoal do condenado, e lesa o seu conjunto de garantias processuais. Portanto, o julgador assume um papel de extrema relevância na análise dessas circunstâncias judiciais, pois, se a lei lhe concede um amplo espaço para a discricionariedade, este deve ser preenchido com uma avaliação que incorpore os ideais do Estado Democrático de Direito. A tarefa de calcular a pena base deve ser analisada como um procedimento dos mais complexos no exercício do poder punitivo do Estado, uma vez que, se a cominação de uma pena não pode se fundar em critérios matemáticos, é na Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013. 79 Lamas (2013) legitimidade da atividade judicial e nas garantias do sistema que ela deve se pautar. 93ED-8FEA-4256-9EA325B1B5F394C3%7D_039.pdf Acesso em 31/08/2013. 3. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ROSS, A. Direito e Justiça. Bauru, Edipro, 2000. ANDRADE, J.C.V. de. O dever da fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra, Almedina, 1992. BARROSO, L.R. Interpretação e Aplicação da Constituição, 3 ed. Rio de Janeiro, Saraiva, 1999. BOSCHI, J.A.P. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 2 ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002. DORNELLES, J.R.W. 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Vita1, Juber P. de Souza2 1 Graduadas em Farmácia 2 Mestre em Saneamento Ambiental pela UFOP, Graduado em Farmácia, Diretor de operações da empresa Ecolife Soluções Ambientais RESUMO O uso excessivo e indiscriminado de bebidas alcoólicas pode causar dependência química e severos danos ao organismo humano. O consumo de bebidas alcoólicas abrange mais de 2 bilhões de pessoas em todo mundo e é responsável por 3,2% das mortes no Brasil. Não obstante, bebidas constituídas de álcool etílico podem causar dependência química em indivíduos hipersensíveis. Este trabalho tem por objetivo avaliar que tipo de danos fisiológicos e sociais causados pelo uso abusivo do etanol estão relatados na literatura e relacioná-los com a realidade dos dependentes químicos pertencentes ao grupo dos Alcoólicos Anônimos de uma cidade da Zona da Mata mineira. Palavras chaves: etanol, efeitos tóxicos, Alcoólicos Anônimos. 1. INTRODUÇÃO O álcool atua em diferentes sistemas de neurotransmissores e neuroreceptores: sistema adrenérgico (aumento da síntese de noradrenalina), ácido gamaaminobutírico (redução de GABA no cérebro), dopamina (prazer e necessidade de repetir a droga), acetilcolina (diminui atividade colinérgica), e cálcio (efeito hipnótico do álcool) (OGA, 2009). Além disso, sabe-se que doenças hepáticas são causadas pelo uso excessivo de bebidas que contém álcool etílico. Os danos hepáticos são diferenciados segundo a progressão dos efeitos severos, sendo os principais a esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado), hepatite alcoólica (processo inflamatório e destruição dos hepatócitos) e a cirrose hepática (fibrose das células afetadas). (PIVETTA, 2005). O uso indiscriminado de etanol associa-se ao uso de outras drogas lícitas e ilícitas e tem como desfecho o desvio social de conduta. Violências sexuais, acidentes de trânsito, mudanças de efeitos comportamentais, mudança de humor, tornam-se comuns em pacientes que faz esse tipo de uso ilimitado (PECHANSKY et al., 2004). O álcool etílico é uma das substâncias psicotrópicas mais consumidas por todas as diferentes sociedades, desde 6.000 anos atrás. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente dois bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas, sendo responsável por 3,2% das mortes de todo país (BRASIL, 2007). No Brasil e em países em desenvolvimento, as bebidas alcoólicas são um dos principais fatores de mortalidade e doença, representando de 8 a 14,9% do total de problemas de saúde. (BRASIL, 2007). Na França, um estudo conduzido pelo Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica, mostrou que cerca de 9% da população francesa com idade entre 12 e 75 anos têm algum problema relacionado ao álcool (CAMPOS, 2004). Alguns transtornos comuns podem ser considerados ao tratar-se do uso abusivo de etanol como, depressão, transtornos de ansiedade, de humor, de conduta, Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013. 81 Souza et al (2013) causando um déficit de atenção e hiperatividade (ZALESKI et al., 2006). Em 1947, surgiu os Alcoólicos Anônimos (AA) no Brasil, uma irmandade de homens e mulheres a fim de compartilhar suas experiências e o desejo de parar de beber. Tem como propósito manter seus participantes sóbrios e ajudálos, de forma lenta e gradativa, a livraremse da dependência química. (ANÔNIMO, 2006). Este trabalho tem por objetivo avaliar que tipo de danos fisiológicos e sociais causados pelo uso abusivo do etanol estão relatados na literatura e relacionálos com a realidade dos dependentes químicos pertencentes ao grupo dos Alcoólicos Anônimos de uma cidade da Zona da Mata mineira. 1.1. Efeitos tóxicos do etanol Em indivíduos saudáveis, as alterações causadas pelo etanol ocorrem de maneira reversível. Porém, quando ingeridos em quantidades elevadas ou em indivíduos com patologia, as lesões nos diferentes órgãos se tornam mais graves e irreversíveis (OGA, 2009). A parte do corpo mais afetada pelo etanol é o sistema nervoso central (SNC), quando comparado a outros órgãos. O álcool é capaz de causar sedação, inibição da ansiedade, ataxia, prejuízo da capacidade de julgamento e desinibição do comportamento. Este último depende ainda da dose ingerida, da velocidade de absorção, do peso e sensibilidade do indivíduo, assim como a tolerância (OGA, 2009). Existem indivíduos que a susceptibilidade ao álcool é maior quando comparado a outros indivíduos, por isso apresentam menos efeitos colaterais e toxicidade. (BATLOUNI, 2006). O termo alcoolismo é utilizado para o transtorno marcado pelo uso crônico do etanol, e o uso abusivo deste é caracterizado pelas modificações orgânicas que são (SILVA, 2008): • Sistema gastrointestinal: a hepatotoxicidade está relacionada com o metabolismo no etanol que acontece principalmente no fígado, sendo responsável por 90% da oxidação do etanol (PIVETTA, 2005). A esteatose é a primeira das lesões hepáticas causadas pelo etanol, estando associada com hepatite alcoólica e cirrose, sendo que esta última tem caráter irreversível (MINCIS & MINCIS, 2006). Está ligado a maior incidência de câncer no trato digestivo, principalmente de esôfago e intestino (OGA, 2009). • Sistema Neurológico: O álcool está relacionado às alterações cognitivas, memória, concentração, atenção, entre outros. Essas alterações acontecem pela ação direta do álcool sobre o SNC (OGA, 2009). • Sistema hematológico: o uso crônico de etanol tem efeitos deletérios sobre os elementos formadores do sangue, ocasionando a diminuição da vida média das hemácias, além da elevação do volume corpuscular médio (VCM), causando anemia megaloblástica. (FORERO et al., 1994). • Sistema cardiovascular: a ingestão do etanol produz efeitos desfavoráveis na insuficiência cardíaca. Por exercer efeitos tóxicos diretos sobre o coração, acaba provocando o desacoplamento do sistema excitação-contração, reduzindo o sequestro de cálcio no retículo sarcoplasmático, inibindo a bomba sódio-potássio (BATLOUNI, 2006). • Síndrome fetal: o consumo de etanol no período da gestação está associado ao aumento de risco para má formação fetal, sendo o mais grave a Síndrome Alcoólica Fetal (PINHEIRO et al., 2005). • Sistema endócrino-reprodutivo: O uso crônico de etanol pode causar diminuição da libido, impotência, esterilidade e hipogonadismo, tendo efeito negativo em hormônios masculinos reprodutivos e na qualidade do sêmen (OGA, 2009). • Síndrome de abstinência: acontece pela cessação da ingestão de álcool ou pela queda nos níveis plasmáticos de álcool. Os seus sintomas estão diretamente ligados ao desenvolvimento da neuroadaptação Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013. 82 Souza et al (2013) do SNC à exposição crônica do etanol (ZALESKY et al.,2004). Além dos efeitos tóxicos e agudos, o uso de bebidas alcoólicas de maneira descontrolada causa uma série de efeitos sociais, as chamadas sociopatias. Indivíduos que dependem química e fisicamente de etanol se acostumam a conviver com a postura da sociedade em relação à dependência dos mesmos. O alcoolismo altera o comportamento do alcoólico, tornando-o egoísta, atingindo sua vida social, visivelmente na família e no trabalho (CAMPOS, 2004). A doença alcoólica ultrapassa o limite intrapessoal, configurando o alcoolismo como uma “doença da família”. (CAMPOS, 2009). 1.2. Alcoólicos Anônimos Criado em 1935 pelos amigos Bill Wilson e Bob Smith nos Estados Unidos, Alcoólicos Anônimos é uma irmandade entre homens e mulheres que vem chamando a atenção pela forma em que busca o apoio mútuo para a superação da chamada doença do alcoolismo, que os levaram a uma vida de rejeição, que na maioria das vezes atinge marginalidade social (CAMPOS, 2009). É um programa de recuperação, baseado nos “doze passos e doze tradições”, cuja finalidade é ajudar os alcoólicos a evitar o “primeiro gole” e, possivelmente a manter sua sobriedade (CAMPOS, 2004). Esse modelo inclui a aceitação de que existe um problema relacionado ao álcool, a busca de ajuda, auto avaliação e a disposição tanto para reparar danos causados a terceiros como dividi-los com os outros etilistas em recuperação (CAMPOS, 2009). Segundo Campos (2009), o número de membros dessa irmandade vem aumentando progressivamente. No Brasil, o primeiro grupo de AA, surgiu em 1947, e atualmente existe cerca de 5.700 grupos, totalizando praticamente 120 mil membros, segundo dados do Escritório de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos. O modelo terapêutico de AA é baseado na recuperação individual e pessoal de seus membros, como se tivessem perdido o poder para controlar o número de doses ingeridas (CAMPOS, 2009). Os grupos de AA se reúnem todos os dias, exceto nos domingos. É um momento no qual os indivíduos, compartilham suas experiências individuais (história de vida, tempo de alcoolismo ativo e da recuperação, seus conflitos, perdas e conquistas), onde a “teoria e a prática” ficam unidas para celebrar os princípios inscritos no programa de AA. (CAMPOS, 2004). Para a recuperação dos etilistas é imprescindível o anonimato, por isso uma frase sempre utilizada nas reuniões é: “quem você vê aqui, o que você ouve aqui, deixe que fique aqui” (CAMPOS, 2009). As reuniões se iniciam com a leitura do preâmbulo que expõe os objetivos da irmandade para os visitantes, e em seguida os convida para fazerem a Oração da Serenidade (CAMPOS, 2004). Em seguida, o coordenador da reunião, passa a palavra aos participantes para um relato das 24 horas de sobriedade. Segundo Marcel Drulhe (1988), cada um se reconhece na biografia dos outros, descobrindo que agora são iguais nas histórias e trajetórias. 1.3. Doenças causadas abusivo de etanol pelo uso Causada pelo aparecimento de nódulos nos hepatócitos em regeneração, a cirrose hepática é uma das doenças crônicas mais relevantes no Brasil e também uma das principais causas de internações, em hospitais universitários (FILHO, 2006). Pacientes com esteatose desenvolvem cerca de 10% a 20% de cirrose e cerca de 50% de pacientes com hepatite alcoólica relatam cirrose hepática (MINCIS & MINCIS, 2006). A cirrose hepática pode ser assintomática por muitos anos. As principais manifestações da doença são os chamados estigmas de doença hepática crônica, que incluem eritema palmar, atrofia testicular, ginecomastia e aranhas vasculares (FILHO, 2006). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013. 83 Souza et al (2013) Além das doenças hepáticas, o uso abusivo de etanol, está associado com o sistema cardiovascular, causando inicialmente a hipertensão arterial (MACIEIRA et al., 1997). Brasil e a dos residentes na Zona da Mata mineira. A pesquisa foi feita no local das reuniões dos Alcoólicos Anônimos e o anonimato dos participantes foi garantido. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 2. METODOLOGIA Inicialmente, realizou-se um levantamento de dados da literatura sobre o perfil fisiopatológico dos dependentes químicos do etanol publicados em língua portuguesa e inglesa. Foram avaliados os artigos publicados entre os anos de 1988 e 2011, nos bancos de dados Scielo e PubMed. Posteriormente, foram coletados dados através de um instrumento investigativo contendo 12 questões aplicadas a todos os participantes das reuniões do AA, somando um total de 50 participantes, numa cidade da Zona da Mata mineira. Por fim, traçou-se um paralelo entre a realidade dos dependentes químicos no Os dados encontrados na literatura sobre o uso abusivo de etanol servirão como um comparativo com os coletados na cidade da Zona da Mata mineira. Foram distribuídos 50 questionários no grupo de Alcoólicos Anônimos. Destes, 31 etilistas se opuseram a responder as perguntas, e os outros 19 responderam o questionário. Considerando os 19 entrevistados, 11 deles se declararam casados (57,9%), 2 solteiros (10,5%) e 6 (31,6%) divorciados. Este dado está de acordo com um estudo realizado em São Paulo, SP, onde a prevalência de etilistas casados foi de 48% (CAMPOS, 2009). Tabela 1: Relação entre o estado civil e sexo dos etilistas Estado civil Solteiro(a) Casado (a) Divorciado(a) TOTAL No período da avaliação, observou-se que a relação entre estado civil e sexo entre os homens ultrapassou a das mulheres (Tabela 1). Esse dado foi representado por 16 etilistas do sexo masculino (84%) e 3 etilistas do sexo feminino (16%). O seguinte resultado é explicado pela maior presença do sexo masculino em grupos de AA, provavelmente pelo fato das mulheres terem mais vergonha de aceitarem o fato de serem alcoólatras e reconhecerem que necessitam de algum tipo de ajuda psicológica (CAMPOS, 2005). Além de relacionar o estado civil e o sexo de todos os estilistas, analisou-se a Sexo Masculino Feminino 1 10 5 16 1 1 1 3 faixa etária de cada um, para estimar os anos que foram dependentes de álcool. A partir dos dados coletados observou-se que a maioria dos etilistas, 57%, possui idade entre 36 e 50 anos. Os etilistas que possuem idade superior a 50 anos correspondem a 38%, restando 5% para os etilistas com idade entre 19 e 35 anos (Gráfico 1). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013. 84 Souza et al (2013) fazem tratamento ainda permanecem sem ingerir bebidas alcoólicas após um ano. A análise do tempo que os dependentes não fazem uso de bebidas alcoólicas foi necessária para verificação de como esses conseguiram controlar o uso de bebidas alcoólicas (Gráfico 3). Gráfico 1. Faixa etária dos etilistas Campos (1999), em uma pesquisa feita em São Paulo, SP, relatou que a prevalência da dependência de álcool se encontra na faixa etária de 18 a 24 anos (15,5%). Já para Álvarez (2007), a presença em grupos de Alcoólicos Anônimos é menor de sujeitos jovens e velhos, podendo perceber uma contraposição com os resultados adquiridos para a pesquisa. Para se analisar o tempo que os etilistas não fazem uso de bebidas alcoólicas, foi perguntado o período que conseguiram controlar a ingestão de etanol e esses resultados estão expressos no Gráfico 2. Gráfico 3. Modo como os etilistas decidiram parar de usar bebidas alcoólicas Conforme o Gráfico 3, é possível relacionar o grupo de Alcoólicos Anônimos como um colaborador dos etilistas a pararem de beber (84%). Outro ponto importante e relevante é o fato que os etilistas controlam o uso de bebidas por decisão própria (36%). Segundo Garcia (2004), isso se dá pela decadência física e moral, ocasionando a perda do apoio da família e da inserção na sociedade. Com relação aos efeitos adversos, um dos pontos analisados foi o efeito crônico causado pelo etanol, levando em conta que este atinge vários sistemas do organismo (OGA, 2009). Gráfico 2: Tempo que não faz uso de bebidas alcoólicas De acordo com o Gráfico 2 é possível verificar que o etilistas frequentadores de AA estão há mais de um ano sem fazer uso de bebidas alcoólicas, correspondendo a 64%. Esse resultado tem relação com a frequência dos etilistas nas reuniões de AA, possibilitando assim que os alcoólatras não tenham uma recaída. Em uma pesquisa feita por Álvarez (2007), relatou-se que 26% dos alcoolistas que frequentam as reuniões ou Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013. 85 Souza et al (2013) Tabela 2: Efeitos adversos causados pelo etanol em etilistas. Efeitos Adversos Percentual de indivíduos afetados (%) Efeitos cardiovasculares 42% Efeitos hepato-renais 11% Outros 26% Conforme a Tabela 2, dentre os principais efeitos adversos, os cardiovasculares assumem um papel de destaque (42%), enfatizando a hipertensão arterial. Segundo Lima et al. (1999), estudos mostram uma grande relação entre o consumo de álcool e a elevação da pressão arterial. Deve-se considerar que a hipertensão é desencadeada após 48-72 horas da abstinência do uso de etanol, afetando direta e indiretamente muitos órgãos que participam na regulação da pressão arterial e volume sanguíneo, bem como o coração, vasos periféricos, fígado, medula óssea e sistema nervoso central (MACIEIRA et al., 1997). Questionados sobre a forma como o programa “AA” os ajudou na recuperação, os entrevistados relataram que a vida social de forma geral tem mudado de uma maneira notável para todos que vivem ao redor. As mudanças foram bruscas em relação ao trabalho e a família, pois quando faziam o uso de bebidas alcoólicas muitos eram rejeitados. Para Garcia (2004), isso acontece porque os etilistas assumem uma maturidade e percebem através das perdas que a melhor decisão é filiar-se a irmandade de Alcoólicos Anônimos. 4. CONCLUSÃO O presente estudo mostrou que são numerosas as complicações causadas pelo uso abusivo de etanol. Contudo, vale ressaltar a importância dos grupos de AA atuando na ajuda mútua dia a dia, auxiliando na reintegração dos etilistas à sociedade. Além disso, observou-se a necessidade de uma equipe multidisciplinar compostas por farmacêuticos, nutricionistas, médicos, educadores físicos e assistentes sociais na implantação de programas sociais não só para a busca da sobriedade, mas também para esclarecimento dos efeitos causados pelo uso excessivo do etanol e para uma melhoria na qualidade de vida desses indivíduos. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AA. Alcoólicos Anônimos. Disponível em: <www.alcoolicosanonimos.org.br> Acesso : 15 de abril de 2011. ÁLVAREZ, A.M.A. Fatores de risco que favorecem a recaída no alcoolismo. Cuba: J. Bras. Psiquiatr, v. 56, p, 188-193, 2007. BATLOUNI, M. Álcool e Sistema Cardiovascular. São Paulo: Arq. Méd. ABC, Supl. 2, p. 14-16, 2006. FILHO, G.B. 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