ESPECIAL ZERO NORA — Domingo, 11-2-71 — Pãgiesa IX DESEMPREGO AUMENTA NAS ZONAS RURAIS A situação na " fronteira A medida que os rios Uruguai, Quarai e Ibicul estão baixando, as barragens praticamente secas, crescem as dificuldades para a alimentação do gado e sobem os prejuízos nas lavouras de soja e de arroz da Fronteira Oeste do Estado. A falta de chuva atinge diretamente a economia da região, onde a quebra na produção da soja está em 60% e em 30% para o arroz. Os orizicultores com condições de montarem sistema de irrigação para as lavouras de arroz, geralmente os situados próximos aos rios e barragens ainda com reservas de água, não tiveram prejuízos tão elevados. Mas, mesmo assim a perda média da orizicultura da região já de 30%, segundo a Cooperativa Agrícola Uruguaiana. A expectativa dos produtores, agora, está relacionada com o preço a ser fixado pelo governo para o cereal. Nas lavouras de soja o quadro provocado pela seca é mais grave. As perdas registradas estão em 60%. O solo está "torrado," segundo os sojicultores, em alguns locais há inclusive rachaduras profundas. O emagrecimento do gado é salientado pelo presidente do Sindicato Rural de Uruguaiana, Dirceu Tito Lopes. advertindo que "não haverá gado em condições de abate "nos próximos meses. LIVRAMENTO Gaúchos começam a procurar emprego Enquanto Livramento não enfrenta dificuldades no fornecimento de água para a população, a sua cidade irmã, Rivera, no Uruguai, está sob racionamento. Já há alguns meses está pronta uma rede de água interligando as duas cidades, mas ainda não está em funcionamento porque falta a liberação de Brasília. As conseqüências da seca também atingem parte do Uruguai. As perdas nas safras de Livramento e Rosario do Sul, atendidas pelo escritório da Emater, em Livramento, já estão em volta de 30% tanto para a soja, como para o milho e o arroz. Além disso, a situação das pastagens que estão ressequidas pelo sol e com a falta de Agua nas barragens, o gado é obrigado a se deslocar A procura de água e alimen to. BAGE Além de causar a quebra na produção da soja, arroz, milho e feijão a seca em Bagé já está causando outros problemas como a grande incidência de mosquitos que vêm se registrando devido ao forte calor e ainda o problema da falta de água que poderá ocasionar outro racionamento como o do ano passado naquela cidade. Segundo o presidente da Carnal (Cooperativa Mista Acegua Limitada) Bernard Kneisen, a quebra no arroz é de 35% até o momento, e se não chover, poderá se elevar a 70%, sendo que o soja j á está com prejuízos em torno de 60%, enquanto que os demais produtos, milho e feijão já estão com uma quebra em torno de 50% que se não chover se elevará para 70%. Por outro lado, e população bageense corre o risco de sofrer um racionamento de água, pois e barragem do Piraizinho já está abaixo de seu nível normal. A única esperança, além da chuva, é a nova barragem de Sanga Rasa, que pode- rá entrar em funcionamento a qualquer momento. Desemprego já é preocupação As safras de soja, milho e arroz do município de Santa Maria estão 30% irremediavelmente perdidas devido A estiagem. A produção de leite do município já foi reduzida em 50%, segundo os dados estatísticos da principal fábrica de laticínios da cidade, a Ilma. Estando as pastagens secas, a alimentação do gado feita quase que exclusivamente com rações, o que está determinando o aparecimento do câmbio negro na venda do farelo. Outra conseqüência da prolongada seca é o aumento do número de pessoas, principalmente comerciários, que estão sendo dispensados pelas empresas. Com a diminuição nas vendas do comércio local, as firmas estão dispensando funcionários enquanto os trabalhadores rurais abandonam o campo e chegam á cidade em busca de emprego. Segundo o subdelegado do Ministério cio Trabalho, Paulo Brum, somente no mês de dezembro último foram despedidos 1.400 funcionários do comércio local. Ainda não concluído o levantamento do mês de janeiro, a previsão é que o número de desempregados atingirá os três mil. As informações conseguidas no Sine (Sistema Nacional de Empregos) demonstram que o número de pessoas que procurou esse órgão duplicou no último mês de janeiro com relação ao igual período do ano passado. Outro sintoma da estiagem é o grande número de pequenos agricultores que estão vendendo as suas propriedades no campo e se deslocam para as áreas periféricas da cidade. Esse êxodo rural, somado ao desemprego que se verifica no setor comercial, está preocupando as autoridades municipais que comentam ser "o clima desalentador com tendências a piorar ainda mais." Se já silo grandes os problemas sociais que se verificam na zona urbana de Santa Maria — decorrentas da situação calamitosa do setor primário — é nessa área económica que os prejuizos em conseqüéncia da seca são maiores. Na produção orizícola as perdas chegam aos 25%, aproximadamente 30 mil sacas. Na safra de soja esperava-se uma produção de 1.600 quilos por hectares, agora a produtividade está reduzida para 1.100 quilos por hectares, uma quebra de 35%. Atingem maiores proporções as perdas na safra de milho, já que o milho plantado cedo sofreu uma quebra de 40% e as lavouras cultivadas em dezembro estão completamente perdidas. Essas lavouras do milho do tarde, além de sofrerem a ação da falta de chuvas, também foram invadidas pelas lagartas que penetraram no caule da planta, Segundo Paulo Sampaio, lato está fazendo .mm que • produtor de soja, venha aplicando quantidades multo altas de defensivos agrim.las, sem conseguir dizimar a praga. — Mas sabemos — diz Paulo Sampaio — que esta situava° está ocorrendo, porque, em ecos de secas. a lagarta, ou as pragas de modo geral, encontram condições favoráveis ao seu desenvolvimento. As condições que são adversas para a agricultura. são totalmente favoráveis para as pragas. Então elas adquirem certo vigor certa resistência. E determinados defensivos, principalmente alguns dos grupos clorados, apresentam lá, um processo de Iolesaneia bastante acentuado. Isto é, lá está apresentando reflexos negativos. Os Inconvenientes que resultariam dai, seriam: primeiro, antieconômico. porque a verdade é que a esta altura dos acontecimentos, não podemos preconizar nenhuma medida de ordem quimica eficiente para este tipo de coisa. Então, a restrição ao uso de defensivos deve ser ao máximo; segundo, devido à contaminação ambiental PREOCUPAÇÃO Apreocupação das autoridades da região de Santo Angelo, Santa Rosa e São Luiz Gonzaga aumenta a cada dia com o agravamento da situação provocada pela falta de chuva, atingindo diretamente a economia da região — diante da destruição das lavouras — e provocando problemas sociais como o desemprego e o êxodo rural crescente. Quando da reunião das cooperativas da região das Missões, Grande Santa Rosa e da Fronteira, as perdas definitivas nas lavouras de soja estavam por volta dos 53%. Já no final dessa semana, a Cotrisa (de Santo Angelo), a Cotrirosa (de Santa Rosa) e a Cooperativa Tritícila de São Luiz Gonzaga informavam que a quebra subia para 60%. Esse percentual só tende a aumentar, uma vez que essa perda é irrecuperável. Preocupados com problemas sociais, os prefeitos dessas três cidades já se manifestaram sobre o assunto e tentam algumas medidas capazes de amenizar o quadro cujas as características o tornam cada vez mais negro. O índice de desemprego é acentuado nas indústrias de máquinas agrícolas. Algumas empresas do município de Santo Angelo já dispensaram a metade dos seus funcionários, já que há multo equipamento estocado. Além da dispensa de funcionários, a busca por empregos se multiplica com a avalanche de trabalhadores rurais e de pequenos produtores que estão abandonando as zonas rurais e imigram para as áreas urbanas. Um exemplo disso é dado pelo prefeito Jauri Gomes de Oliveira, de São Luiz Gonzaga, que afirmou receber a prefeitura local diariamente 20 pessoas à procura de emprego. Florestas cobrem apenas 2%da área do Rio Grande do Sul O professor Roberto Bailar, especialista em poluição de águas, naturalista, professor das universidades Católica e Federal de Pelotas e integrante do Centro de Estudos Toxicológicos do Rio rande do Sul, disse que a seca é um problema conseqüente diretamente do desmatamento desordenado no Estado e no pais. — O problema da seca — disse Bailar pode ser considerado sob doas aspectos. Primeiro, como um problema natural. R normal maltas vezes, o problema da seca, assim como está ocorrendo na região Sul do pais, bem como as grandes enchentes que ocorrem em outra área, é um problema provocado a longo prazo pelo homem Segundo Bailar, as estatísticas de. monstram que no Rio Grande do Sul temos apenas 2% da área coberta com florestas. — Eliminamos o resto — disse ele. Então se observa que a floresta funciona, digamos, como um grande mataborrão, em que ela tem como função básica, reter a água das chuvas, evitando que esta água passe toda para os lençóis subterrâneos, evitando as enxurradas e, depois, libertando esta água aos poucos, para a atmosfera, mantendo, então, o regime de chuvas e estiagem normals para a região. No momento em que nós devastamos uma floresta, estaremos causando problema. Estaremos terminando com o mata-borrão. A chuva que cal, não é retida. Ela escorre de forma maciça. Provocando erosão, enxurradas — que deveriam ter sido reti- das por troncos, pelo próprio sistema de raizes das árvores e eliminando, desta forma, grande parcela de solos férteis. Por outro lado, grande parte desta água se infiltra nos lençóis subterrâneos e não volta para a atmosfera. Quando isto deveria ocorrer, para que fosse mantido o ciclo normal. Com certeza, então. se pode dizer que este grande problema de estiagem que estamos sentindo aqui, é uma conseqüência do desmatamento desordenado. Para Roberto Bailar, é preciso que haja consciência de que esta situação traz dois reflexos: o primeiro, imediato, é a própria seca e os problemas que está causando à agricultura; o segundo, seriam as enchurradas, que conduzirão para outros locais, sem fixação, toda a camada fértil do solo. Defensivos devem ser restringidos O presidente do Centro de Estudos ToxicolóOcos do Estado, veterinário Paulo Sampaio, está percorrendo o Estado, graças a diversos convites que tem recebido de várias cidades. para averiguar a aplicação de defensivos nesta época do ano e principalmente, na atual situação. "Estamos sendo consultados sobre a conveniência ou não e, sobretudo, quais os defensivos que deveriam ser aplicados nesta oportunidade. Na verdade, nós temos observado que, se ()0 ano passado a lagarta morna com uma determinada quantidade de pesticida, este ano a Infestação está multo maior e apresente-se, a lagarta, muita mais exigente com relação aos defensivos agrícolas chupando a seiva e deixando a planta enfraquecida. Os prejuízos determinados pela seca também chegam a produção leiteira ia reduzida em 50%. A principal usina da cidade, a Basta, recebia diariamente 15.600 litros de leite, atualmente recebe apenas oito mil litros. A queima das pastagens obriga ao pecuarista alimentar o gado com rações, aumentando a procura por farelo. Esse crescimento na demanda por este produto básico proporciona a venda no câmbio negro, ou seja, o farelo é tabelado pela Sunab em Cri 33,00 por saco de 50 quilos, mas o pecuarista é obrigado a pagar mais Cr$ 27,00 para levar o produto. Na nota fiscal aparece apenas Cr$ 33,00 porém o preço real já chega aos Cr$ 50,00. eminente para este tipo de colga, devido á grande incidência de calor, estes produtos quimicos sofrem processos de degradação, de desdobramento, no próprio meia ambiente. E o que nós tememos justamente, e que ao final de tudo Isto, ocorram enxurradas, chuvas torrenciais e que estes principias ativos, possam ser carregados para determinados cursos d'água, determinadas áreas de captação e que venham determinar processos toxicomatcoa não só no rnek, ambiente, como nos homens e nos animar' ção deste receituário, o momento é agora. Este é o momento crucial. O técnico deve fazer valer toda a objetividade do manual, porque é agora que deve ser dimensionada a utilização destes defensivos". O presidente do Centro de Estudos ToxicolóOcos explica que a restrição á aplicação dos produtos químicos deve ser levada ao máximo agora, porque o tipo de contaminação que pode advir, é um tipo de acumulação dos principias ativos. Paul' Sampaio aproveita para fazer um alerta aos agricultores e aos agrónomos para racionalizar a aplicação dos defensivos. RECEITIMISSIO — Devido á grande Incidência de pragas que houve no Rio Grande do Sul — disse Sampaio houve em multas regiões, um relaxamento com relação às medidas Indicadas pelo receituário agronômico e houve uma aplicação de defensivos mais do que o necessário. Então, eu gostaria de pedir aos agricultores que tomassem medidas humanas e objetivas, para evitar problemas de contaminação futura, não querendo resolver esta situação com a aplicação masalva e maciça de defensivos. Nós estamos vivendo um período em que o ressecamento já é natural para a soja e ainda aparecem propagandas de produtos químicos que ressecam a produção. Estes produtos são altamente nocivos e contra - indicados nesta atuação. Gostaria de advertir aos técnicos que foram reciclados pelo curso para aplicação do receituário que, se existe um momento real para a aplica- Roberto Bailar Cooperativas fazem um balanço pessimista Cerca de 7.0425.000 sacas de soja (entre 60% e 70% da produção) e 4.C564.003 sacas de milho (70% da produção), já foram perdidos em 35 municípios que abrangem o Alto Uruguai, campos de Cima (ia Serra e parte do Planalto Médio. Esta constatação foi feita pela Unicooper (Associação das Cooperativas do Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul), que congrega as cooperativas de trigo e soja de Passo Fundo, Marau, Getúlio Vargas, Erexim, Tapejara, Sananduva, São José do Ouro, Ibiralaras, Lagoa Vermelha e Vacaria, reprcaentando mais de 90 mil associados, onde são cultivados mais de 495 mil hectares de soja e 163 mil hectares de milho. As 10 cooperativas estiveram reunidas no município de São José do Ouro, esta semana, para avaliar os prejuízos causados pela seca até o momento. Foi constatado também que dos 35 municípios a situação mais grave é a da região Alto Uruguai, onde 15 municípios já tiveram uma perda de entre CO% de soja. Os dirigentes da Unicooper elaboraram um documento que relata a difícil situação considerada "desoladora para o homem do campo" enviada ao pre31d,-.-nte Ernesto Gelsel. PELOTAS Na zona sul do Estado, a soja e o milho ocupam grande parte da área cultivada. Nos 124.600 hectares de terra cultivados com soja a quebra na produção é estimada em 40%, enquanto as lavouras de milho do cedo sofrem uma redução de 50% e nas áreas plantadas mais tarde a quebra já é estimada em 00%. Os dados sobre a quebra nos cultivos da região sul da Estado são fornecidos pela delegacia da Secretaria da Agricultura situada em Pelotas, considerandose os municípios de Arrolo Grande, Canguçu, Pelotas, Nerval do Sul, Pedro Osório, Jaguarão e Piratini. Em toda essa área foram cultivados 10.550 hectares com feijão, sendo previsto um rendimento médio de 900 quilos por hectares. A quebra, ocasionada pela estiagem, está em torno dos 60%. Já nas culturas de tomates dos municípios de Pelotas, Pedro Osório, Piratini e Canguçu — abrangendo quatro mil hectares —, metade da produção está perdida ou prejudicada, uma vez que os tomates estão com tamanho bem inferior ao normal. Paste Sampaio