nº68 Novembro / Dezembro 2009 Campeonato mundial de futebol reunirá, pela primeira vez no Brasil, excluídos de 64 países. Na edição deste ano, ocorrida na Itália, país conquistou um inédito terceiro lugar. RIO 2010! R$ 3,00 R$ 2,00 do preço de capa vão para o vendedor. Por favor, compre somente de vendedores autorizados. 14 capa texto: Guilherme Araujo e fotos: Arquivo OCAS O Futebol Social Rio 2 1 : Pela primeira vez, Brasil será sede dos jogos que reúnem seleções de futebol formadas por excluídos de todo o mundo; neste ano, país ficou com o inédito terceiro lugar em edição realizada na Itália A festa já vai começar Nem Copa do Mundo de Futebol, nem Jogos Olímpicos. Antes desses grandes eventos, já em 2010, o Rio de Janeiro será sede de outro campeonato. Um campeonato que reunirá não atletas profissionais, mas pessoas em situação de rua de várias partes do mundo. Todas com um objetivo em comum: a superação. A Homeless World Cup 2010, a ser realizada em setembro, será organizada pela OCAS, por meio do programa Futebol Social. São aguardadas 64 nações para o evento, que envolverá cerca de duas mil pessoas entre organização, mídia, voluntários e participantes. A expectativa de todos é muito grande. O evento estará “na casa daqueles que amam e entendem o futebol mais que qualquer outro neste planeta”, anunciou Alessandro Dell’Orto, responsável pelo evento deste ano, realizado na Itália, em cuja cerimônia de encerramento re- passou aos representantes brasileiros a taça que simboliza a viagem da Homeless World Cup (HWC) mundo afora. Fundada em 2003, a HWC é um evento esportivo mundial em favor da transformação social e da paz, que reúne povos excluídos de todo o mundo. Embora a tradução ao pé da letra do nome da competição seja “Copa do Mundo dos Sem-teto”, o conceito que envolve o termo “homeless” para os propósitos do evento é um tanto mais abrangente, já que envolve realidades sociais muito distintas mundo afora. Assim, participam excluídos de toda natureza, como favelados, albergados, refugiados de guerra, imigrantes em dificuldade e, obviamente, moradores de rua, entre vários outros grupos. A Ocas” historicamente vem utilizando a tradução livre “Copa do Mundo de Futebol de Rua”, de maneira a evitar interpretações equivocadas e melhor abordar o que representa o evento. A candidatura A proposta da candidatura brasileira foi apresentada em janeiro deste ano, na qual se descreveram características regionais, estrutura, locais dos jogos, cronograma e orçamento com o objetivo principal de demonstrar que uma forte rede de parcerias estava consolidada, dando garantias financeiras, estruturais e institucionais para realização do evento no país. O documento também mostra que o evento terá apoio de empresas, clube de futebol, organizações não-governamentais, personalidades e poder público. Entre os apoiadores que se declararam oficialmente, por meio de cartas, estão o Ministro dos Esportes, Orlando Silva, e o escritor Paulo Coelho, entre outros. O processo contou com a concorrência de Argentina e Chile. Todas as propostas foram analisadas em abril, quando uma comissão da HWC aterrissou em terras sul-americanas. No Rio de Janeiro, os representantes brasileiros e os do comitê da HWC foram recebidos pelo Secretário Nacional de Esportes, Ricardo Leyser, e pela Coordenadora Geral do Ministério dos Esportes, Gabriela Santoro. Na ocasião, no Copacabana Palace, Ministério e Comitê Olímpico Brasileiro (COB) ensaiavam a decisiva recepção que fariam ao Comitê Olímpico Internacional (COI) para defesa da candidatura dos Jogos Olímpicos de 2016 na cidade. O forte apoio declarado pelo secretário e a afirmação de que em caso de vitória do Rio-2016 a Homeless World Cup A participação da OCAS como representante do Brasil na HWC surgiu pelo fato de o campeonato ter sido inicialmente organizado pela Rede Internacional de Publicações de Rua (INSP, na sigla em inglês), da qual a Ocas” é membro desde que foi lançada, em 2002. As primeiras participações do Brasil contaram com equipes formadas no “quintal de casa”. Compostas por vendedores da revista Ocas” 2010 poderia ser parte da caminhada rumo aos jogos olímpicos pesaram bastante na decisão final dos organizadores. Os preparativos Um evento desse porte naturalmente não pode ser organizado por uma única entidade. Para a formação do Comitê Organizador Local, a Associação Brasileira de Futebol Social (ABRAFS) – entidade jurídica fundada para desenvolver o braço futebolístico da OCAS – constituiu uma parceria com o Instituto Illuminatus, que atuará também na realização do Torneio Futebol Social 2010, que prevê atingir até dez regiões do país. Sob direção deste comitê, presidido por Guilherme Araujo – que também é Secretário Administrativo-Financeiro da OCAS –, vem sendo formada toda uma estrutura que envolve pessoas físicas, governo, entidades e empresas que trabalharão em conjunto para fazer deste um grande evento. O comitê trabalhará com uma equipe de profissionais de diversas áreas que se incumbirão de frentes tão diversas quanto coordenação de voluntários, or- e moradores de albergues, trouxeram lições inesquecíveis de terras como Escócia, Suécia e África do Sul. O caráter profissional que hoje o evento apresenta levou a entidade a expandir o trabalho de seleção. Afinal, estava-se formando a seleção brasileira de futebol de rua. Assim surgiu o programa Futebol Social. Fundado em 2008, reúne entidades que desenvolvem trabalhos socioesportivos junto a jovens que vivem em situação de exclusão, tirando-os das ruas. Tendo o futebol como instrumento, fornecem reforço escolar e alimentar, atividades culturais, recreativas e educacionais e colaboram para que estes tenham um futuro digno, longe das drogas, da violência, da miséria e das ruas. O objetivo principal do Futebol Social é o desenvolvimento e a inclusão dos jovens participantes (homens e ganização das cerimônias de abertura e encerramento, acompanhamento da tabela de jogos e resultados, animação de torcida, escala de arbitragem, acompanhamento das equipes, atividades de lazer e entretenimento, comunicação institucional, alimentação, limpeza, segurança e atendimento médico, entre várias outras questões logísticas envolvidas. Além disso, estão sendo selecionados os fornecedores que atenderão a demandas específicas como montagem de arena, alimentação, hospedagem, assessoria de imprensa, marketing, publicidade, assessoria jurídica e consultoria empresarial, entre outras. Um cronograma foi definido com três períodos principais: Planejamento e Viabilização, de setembro a dezembro de 2009, Organização e Implementação, de janeiro a junho de 2010 e Preparativos Finais, de julho a setembro, quando se realiza a Copa. Para cada uma dessas fases, foram definidos alguns pontos de controle que serão acompanhados em conjunto com o comitê da HWC, garantindo que as atividades sejam realizadas com base no planejamento definido e minimizando os riscos inerentes à realização de eventos como esse. O comitê local é encarregado de todas as questões logísticas e de produção, enquanto o comitê internacional tem como responsabilidades principais, além de acompanhar e suportar a organização local, garantir que todos os países estejam aptos para a disputa da competição. O evento Um aspecto importante e que deve estar no centro de toda a organização está relacionado à própria natureza da Copa, que tem como objetivo principal a transforma- mulheres de 16 a 19 anos), através do futebol ou não. E o resultado final – e não único – é a seleção dos representantes do Brasil na HWC. O jogo Durante os dois tempos de sete minutos de cada partida, a bola dificilmente para. O jogo é realizado em uma quadra de 22 metros de comprimento por 16 metros de largura, que protegida por placas de 1,1 metro de altura evita que a bola saia com freqüência. O piso é revestido por grama sintética, pintada de maneira que lembre uma rua. O gol de 4 metros de largura e 1,3 metro de altura é uma alusão ao futebol praticado nas ruas, cuja delimitação imaginária das traves era feita utilizando-se pedras, tênis, latas ou o que por perto servisse, e no qual “bola alta era fora”. São quatro jogadores por time em campo (três jogadores de linha e um goleiro) e os quatro reservas podem entrar a qualquer momento. Um regra específica que torna o jogo bastante dinâmico é a que exige que cada time mantenha sempre um jogador no campo de ataque. Desta maneira, são sempre três atacantes contra dois defensores. 16 Os 24 melhores da primeira fase foram então divididos em quatro chaves de seis equipes cada. Novamente, todos se enfrentam nas chaves e, desta vez, apenas duas equipes se classificariam para as finais. Fatos e Curiosidades As três melhores seleções da HWC 2009 são organizadas por membros da Rede Internacional de Publicações de Rua (INSP, na sigla em inglês). A da Croácia pela The Way Home, a de Portugal pela CAIS e a do Brasil pela OCAS. Uma vitória da INSP, idealizadora do evento e que hoje tem pequena e indireta participação na competição. No torneio nenhuma equipe é eliminada. Todos jogam o mesmo número de partidas e a classificação é disputada colocação a coção de vidas. Para isso é fundamental que toda a estrutura seja pensada de maneira a proporcionar momentos de lazer e prazer para que todos levem para casa a crença de que um mundo melhor é possível. O evento de 2010 movimentará a praia de Copacabana durante dez dias. As arenas, construídas sobre as areias da praia, seguirão as principais determinações para a realização de competições internacionais, tendo a principal delas capacidade para cinco mil pessoas. Os jogos ocorrerão durante uma semana (domingo a domingo) e cerimônias de abertura e encerramento estão programadas. Os atletas serão acomodados em hotéis próximos à orla e terão três refeições diárias. Estão programadas diversas atividades de lazer e entretenimento, além de visitas a pontos turísticos da cidade maravilhosa, como o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. Tudo pensado e desenhado para promover um forte im- locação. Após as fases de classificação são criadas competições distintas, quais cada uma tem seu campeão. Este ano, por exemplo, a anfitriã Itália foi campeã da Host Cup, conquistando posição equivalente à 25ª na classificação geral. Em Milão cada equipe disputou 13 partidas, em oito dias. Apesar de rápidas, a tensão e o esforço de um jogo duro exigem equipes preparadas em que os oito atletas estejam em condições de jogar e manter o ritmo da equipe. Além disso, chegou-se a jogar duas vezes no mesmo dia. Michele, no centro, durante Copa de 2007, realizada na Dinamarca. Na primeira edição do evento, em 2003, a quadra foi literalmente montada na rua. Em Graz, na Áustria, até um ralo podia ser visto na arena montada em uma praça da cidade. Os riscos de lesão e a falta de padronização levaram os organizadores a buscar uma solução, o que só veio de fato em 2008, na Austrália, quando passou a ser utilizada grama sintética pintada em preto (as áreas dos goleiros têm outra cor). Até lá, foram diversas tentativas com pisos e placas de borracha, que se soltavam e criavam dificuldades. Hoje as especificações, os materiais e os fornecedores são os mesmos, aonde quer que o evento vá. pacto positivo nas vidas dos participantes e superar todas as expectativas em relação ao evento, que será realizado pela primeira vez na América, após sete anos – a Copa já passou por Áustria, Suécia, Escócia, África do Sul, Dinamarca, Austrália e Itália. importantes não só pelos treinos, mas também pelo entrosamento tanto dentro quanto fora de campo, elemento chave para uma equipe que tinha como principal objetivo ser a campeã da HWC”, disse Pupo Fernandes, técnico da seleção brasileira. Em 2009, Milão Neste ano, a 7ª HWC ocorreu em Milão, na Itália, entre 6 e 13 de setembro, e reuniu 48 nações e 500 jogadores. Novamente organizada pela OCAS, através do programa Futebol Social, a participação do Brasil foi marcada – mais uma vez – por falta de apoio, dificuldades, imprevistos e – como sempre – alegrias e belas histórias. Para a escolha dos jogadores que formaram a seleção brasileira foi realizado, entre os dias 18 e 19 de agosto, o II Torneio Futebol Social, entre entidades de diversas favelas e comunidades carentes como Heliópolis, Campo Limpo, Buraco Quente e Jaguaré no Ginásio do Pacaembu, em São Paulo. Após o torneio, que contou com a participação de cerca de 100 jovens, 15 adolescentes foram pré-selecionados e passaram para uma nova fase de atividades, que incluíram treinos técnicos, táticos e físicos, análise de documentos e avaliação sócio-psicológica. Apenas oito ficaram: Flaysmar, Ronaldo, Edson, Tiago, Rafael, José, Jeferson e André. Estava formada a seleção brasileira, rumo a Milão. A última semana antes do embarque foi de concentração absoluta no Centro de Treinamentos do Corinthians, em Itaquera, onde jogadores e comissão técnica aproveitaram o curto tempo disponível. “Os oito dias no CT foram Colocação inédita Em Milão, as 48 seleções foram inicialmente divididas em oito chaves de seis times cada. Nesta primeira fase, todas as equipes se enfrentariam dentro das chaves e apenas as quatro melhores avançariam. O Brasil, um dos cabeças-de-chave, enfrentaria França, Dinamarca, Estados Unidos, Hong Kong e Quirguistão. Na estreia, confronto contra a França. O nervosismo típico de início de competição e o primeiro gol sofrido não evitaram a larga vitória por 8 a 1. Na sequência, partida muito dura contra os grandes e fortes dinamarqueses. Após viradas, expulsão e até briga, 4 a 3 para o Brasil, que venceu ainda Estados Unidos (6x2), Quirguistão (7x2) e Hong Kong (5x1). Após cinco jogos, cinco vitórias, 29 gols feitos e nove sofridos a equipe fechou muito bem a primeira fase, com ânimo redobrado para enfrentar os novos e fortes adversários da segunda fase. E a tarefa seria de fato muito árdua. O Brasil estava no “grupo dos campeões”. Além de Malauí, enfrentaria a Rússia (campeã em 2006 e vice-campeã em 2008), Polônia (vice-campeã em 2005 e 2007), Escócia (campeã em 2007) e Áustria (campeã em 2003). O primeiro e mais tenso dos jogos até então foi contra a Rússia, a mesma que havia eliminado nossa seleção no ano anterior em uma fatídica partida. O Brasil pouco fez no 1º tempo e acabou em desvantagem por 2 a 0. Entretanto, em uma partida espetacular a equipe virou o jogo, que acabou em 5 a 3. Uma bela atuação com muita vibração que fez todos acreditarem que estava surgindo ali um forte candidato a integrar o seleto grupo dos campeões. Sonho de ser pai confiança e consistência a Polônia (9x3), Escócia (6x2), Áustria (6x4) e Malaui (7x4). Novamente o Brasil já estava entre os oito melhores classificados e iria disputar as quartas-de-final contra uma das sensações do torneio até então. O México, com um time jovem e aguerrido, proporcionou um jogo emocionante, decidido nos detalhes: vitória brasileira por 7 a 4. O ponto negativo deste jogo, em certo ponto violento – o México recebeu dois cartões azuis (por dois minutos a equipe fica com um jogador a menos e outro deve Ronaldo Gonçalves dos Santos Filho, de 17 anos, participa dos trabalhos da Molecaje, no Jaguaré, em São Paulo. Foi por meio desta entidade social que o rapaz chegou à seleção que foi a Milão. Ele mora com a mãe e tem duas irmãs mais velhas, já casadas. O pai saiu de casa quando Ronaldo tinha 11 anos por causa da depressão e outras doenças da mãe, conta o rapaz, que diz também ter ficado depressivo com a separação. Hoje, afirma, consegue separar as coisas, mas a lembrança ainda o incomoda. Tem muita vontade de ser pai e acredita que a história dele com o próprio pai vai ajudá-lo a ser um pai melhor. Em breve, Ronaldo e sua mãe devem ter a casa desapropriada por conta de alterações urbanísticas na região onde moram. O jovem diz aceitar bem a mudança, pois o lugar onde estão hoje é precário e sem saneamento básico. “Mas as relações pessoais são ótimas”, diz. Após tirar este grande peso, a motivação contou forte e na sequência a equipe venceu com Agora focado no futebol, planeja fazer faculdade. Para isso, ainda precisa terminar o ensino médio. “É o mínimo”. Acima, jogadores e torcedores durante a Copa de 2008, na Austrália; ao lado, aquecimento antes de jogo na Itália. 7 irmãos, as mesmas roupas Todos os adolescentes escolhidos para formar a seleção brasileira que foi a Milão estão ligados a entidades que fazem trabalho social em bairros carentes de São Paulo. A maioria com histórico semelhante, de muita luta e superação. Da Estrela Nova, de Campo Limpo, vem Jeferson Ferreira dos Santos Almeida, de 18 anos, que mora com a mãe, sete irmãos e dois sobrinhos numa casa alugada do vizinho no Jardim Paris, perto do Capão Redondo. São dois cômodos, cozinha e um quarto para todos. Há apenas um guarda-roupa, que é separado por sexo, pois todos os irmãos dividem as mesmas roupas. O pai saiu de casa por problemas com álcool. O rapaz conta que só passou a ter contato com o pai aos 13 anos, graças à consciência adquirida no trabalho social. Ele se sensibilizou com a situação do pai, que estava doente, e o procurou. Jeferson parou de estudar na 8ª série porque precisava trabalhar. A mãe não tem condições de manter todos, então ele precisou “se bancar”. Mas arrepende-se e quer voltar aos livros. Tem vontade de trabalhar com esporte, talvez tentar uma faculdade de Educação Física. Outro objetivo é comprar uma casa maior. Mas no mesmo bairro, com o qual aprendeu a se afeiçoar desde que entrou na Estrela Nova. texto: Maria Ligia Pagenotto e fotos: Jessiellen/Divulgação 18 substituí-lo após o tempo de punição) –, foi a contusão do craque Edson, que não mais jogaria no torneio. A ausência do jogador foi apontada pela comissão técnica como grande fator de desestabilização da equipe, que não se encontrou na decisiva partida seguinte. A semifinal reuniu duas das equipes mais habilidosas do torneio em partida que foi considerada por muitos como a final antecipada da Copa. A tristeza foi grande e de todos: Portugal 4x2 Brasil. Ainda restava um consolo: sair de Milão com a melhor classificação até então obtida pelo país. Apenas em 2003 o Brasil chegara a uma semifinal, quando o torneio – em sua primeira edição – contou com apenas 17 seleções. Passado o trauma e renovadas as energias, no dia seguinte vitória sobre a Nigéria (3x2) e 3º lugar na classificação geral. Na final, Portugal não resistiu e foi derrotado pela Ucrânia, que ganhou a partida por 5 a 4 e levou para casa a sonhada taça. Seleção brasileira: da periferia de São Paulo para Milão, na Itália. Longe das drogas Outro que representou a seleção brasileira, José Santana Augusto Santos, também de 18 anos, divide o mesmo quarto com pai, mãe, quatro irmãos e um sobrinho. A casa é deles, mas a posse, que começou como invasão, ainda é irregular. Morador da Favela Buraco Quente, na zona sul de São Paulo, José viu familiares se envolverem com o tráfico de drogas, mas conseguiu manter-se longe. Sua irmã mais nova foi presa porque levava drogas para o marido na cadeia. Ela já está há dois anos na prisão, onde entrou grávida, e precisa cumprir outros três. A família a perdoou. O pai do jovem também esteve preso por nove anos. Mesmo não tendo se envolvido com drogas, José afirma entender o pai e reconhece seu esforço para mudar. Ao sair da prisão, ele arrumou emprego e hoje sustenta a casa trabalhando com uma carroça. A renda é complementada pelos bicos do filho num lava-rápido. Para “distrair a cabeça”, como diz, aliviar a pressão e aprender, José participa dos projetos na entidade Geração Vida Nova. Ele terminou o ensino fundamental no supletivo, mas não entrou no ensino médio por falta de vaga. De qualquer forma, sonha em voltar para depois fazer faculdade de Educação Física e “ter uma profissão”. Sobre o bairro onde mora, afirma que “é preciso resolver a criminalidade e a relação da polícia com a comunidade”. Segundo José, a polícia não consegue distinguir traficantes de cidadãos de bem. Durante a cerimônia de encerramento foi organizada uma roda de samba tipicamente brasileira, que animou a todos os participantes e deixou no ar um pouco do que será o evento no Rio. Para dar um brilho ainda maior à grande participação brasileira, o craque Rafinha recebeu o prêmio de melhor jogador da competição, reconhecimento de todos os técnicos e árbitros às memoráveis e belas atuações. É a terceira vez seguida que o Brasil ganha o prêmio de melhor jogador do torneio. Em 2007, Michele levou a taça. Após o torneio, a jovem da Cidade de Deus, no Rio, passou a ser convocada para a seleção brasileira sub-20 de futebol de campo e chegou a jogar por um clube da Alemanha. Em 2008, Carlinhos abocanhou o título. Na volta, se profissionalizou e jogou a 2ª divisão do Campeonato Paulista pela equipe de Assis. Agora foi a vez de Rafinha exibir a magia do futebol brasileiro. Acompanharemos seus passos! carrossel 19 Infância entre paredes brancas Livro mostra como crianças que, por conta de doenças crônicas precisam de internação constante, vêem o ambiente hospitalar Quem olha para Ester – de longe, quietinha ainda – fica com a impressão de que ela tem uns cinco ou seis anos de idade. Mas, já perto dela, Ester começa a falar. Aliás, ela fala muito! E bem. É articulada, animada, risonha. Miúda de corpo, parece ter menos do que os oito anos que possui. Quando abre a boca para conversar, a coisa muda de figura: a menina “cresce”. Conta que vai ao hospital algumas vezes por semana para fazer hemodiá lise, procedimento que a liga a uma máquina, para cumprir o trabalho que o pequeno rim de Ester não faz. Ela sofre de insuficiência renal. Folheia uma revista infantil enquanto conta um pouco de sua rotina no Instituto da Criança, lugar que frequenta desde que era bebê. “Antes eu não vinha tanto, fazia isso em casa, mas lá a máquina não faz direito, então venho aqui. Deixa eu ver?”, pede pra mim. Estico o braço. Ela começa a folhear o livro que tenho na mão – “O hospital pelo olhar da criança”. Ágil, nem parece que está ligada a um aparelho grande, pesado, estático. Dá risadas, gesticula, para numa foto do livro. Aponta para mim uma boneca deitada numa cama. Diz que é sua e foi fotografada pela amiga. Ri. Pergunto se a boneca tem nome, ela diz que não e continua a remexer no livro. Sempre risonha.