Conhecimento
construído em
parcerias
Desafios na Educação Física
Organização
Elizabete Freire
Sônia Cavalcanti Corrêa
Copyright©2012 Bookmakers Ltda.
ISBN: 978-85-6524-10-3
Capa, diagramação e projeto gráfico:
Algo+ Soluções Editoriais
Revisão:
Renato Bittencourt
Impressão:
Singular Digital
Coordenação editorial:
Thalita Uba
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
F933c
Freire, Elisabete dos Santos
Conhecimento construído em parcerias [recurso eletrônico] : desafios na educação física
/ Elisabete dos Santos Freire... [et al.]. - 1.ed.. - Rio de Janeiro : Bookmakers, 2012.
262p., recurso digital : il.
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-6524-10-3 (recurso eletrônico)
1. Educação física - Estudo e ensino 2. Prática de ensino 3. Livros eletrônicos.
I. Título.
12-6691. CDD: 372.86
CDU: 372.86
14.09.12 01.10.12 [2012]
Bookmakers Editora Ltda.
Rua Treze de Maio, 23, grupo 721
20031-007 - Centro
Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 3648-1351
www.bookmakers.com.br
1ª edição / Novembro de 2012
039170
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 7
FADIGA NA CORRIDA:
Uma abordagem multidisciplinar, 17
PERSPECTIVAS SOBRE A FORMAÇÃO
DO TALENTO NO ESPORTE, 47
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA: O uso da Web 2.0
e do Moodle, 71
OS TEMPERAMENTOS HUMANOS: Uma experiência interdisciplinar
da docência ao voleibol, 99
MOTIVAÇÃO E ANSIEDADE NO ESPORTE: da iniciação ao
alto rendimento, 121
PROJETO SALVAMENTO AQUÁTICO, 147
A BIOMECÂNICA APLICADA À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:
Ensinos Fundamental e Médio, 169
PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO
FÍSICA SOBRE SUAS APRENDIZAGENS EM UM PROJETO DE
INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR, 197
APRENDER COM A PRÁTICA: Uma experiência de formação
de professores de educação física, 219
MOSTRA DE ATIVIDADES RÍTMICAS E GINÁSTICA: A Experiência
de Aproximar Diferentes Disciplinas, 243
Autores, 261
INTRODUÇÃO
Elisabete dos Santos Freire
Sonia Cavalcanti Corrêa
Em 1º de setembro de 1999, o Conselho Universitário da Universidade
Presbiteriana Mackenzie autorizou a implantação do curso de graduação
em educação física. O professor mestre Marcel Mendes, então magnífico
vice-reitor e relator, apresentou a segunda matéria da pauta afirmando que:
A criação do curso de graduação em educação física
traz em seu bojo fortes componentes históricos, que
realçam a “tradição e o pioneirismo” do Mackenzie na
área de educação física e esporte no Brasil. A essa significativa credencial somam-se as disponibilidades de
infraestrutura já implantada e a excelência do corpo
docente. (ATA DA REUNIÃO, 1999, p. 2)
A proposta inicial do curso é sustentada por projeto da Coordenadoria
de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie, assinada pelo
professores mestres Marcos Merida, então coordenador, e Jonilio Orlando,
que na época representavam os anseios de todos os professores da área.
Tal proposta levou em consideração as diretrizes estabelecidas pela Lei
9.394/1996 (LDBEN) e pela Resolução CFE 03, de 16 de julho de 1987,
abrangendo a licenciatura e o bacharelado.
A sólida formação geral e a possibilidade de opção para aprofundamento de conhecimentos foi ponto marcante do currículo pleno proposto, com duração mínima de oito semestres, compreendendo uma carga de
3.234 horas e apresentação obrigatória de trabalho de conclusão de curso,
em nossa universidade denominado trabalho de graduação interdisciplinar.
Esse currículo foi guiado pela orientação científica, a integração entre teo-
ria e prática, o conhecimento filosófico, do ser humano e da sociedade, bem
como, pelo conhecimento técnico, representado pelos estudos das diversas
manifestações clássicas e emergentes da cultura do movimento humano.
Vale ressaltar que a Universidade Presbiteriana Mackenzie esteve
acompanhando as discussões em torno das mudanças da legislação desde
a elaboração do documento da Comissão de Especialistas de Ensino em
Educação Física (Coesp-EF) do MEC/Sesu, encaminhado ao CNE, em 13
de maio de 1999, e do Parecer CNE/CSE 1.070, de 23 de novembro de 1999;
passando pela Resolução CNE/CP 01, de 18 de fevereiro de 2002; a Resolução CNE/CP 02, de 19 de fevereiro de 2002; e o Parecer CNE/CES 138, de
03 de abril de 2002; bem como seus desdobramentos.
O curso foi implantado a partir do primeiro semestre de 2000 no Campus Tamboré, tendo em vista as instalações e equipamentos disponíveis.
Refletindo a seriedade e o compromisso característicos do Mackenzie, a
entrada dos alunos foi feita por admissão em processo seletivo único (vestibular), inicialmente, com duas turmas de 40 alunos no período noturno
e, a partir do primeiro semestre de 2001, mais uma turma de 40 alunos
no período vespertino. O professor mestre Marcos Merida foi designado
para responder, sit et in quantum, pela instalação e a implementação da
Faculdade de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
por meio da Portaria da Reitoria 67, de 20 de setembro de 1999.
A partir daí, começou a contratação da equipe de operacionais e de
docentes, concomitantemente ao planejamento e a execução de ampliações,
reformas e adequações dos espaços físicos e das instalações esportivas. Teve-se, inicialmente, compromisso especial com a aquisição de um acervo
bibliográfico, priorizando a bibliografia básica das disciplinas a serem implantadas a cada semestre, mas não esquecendo as obras complementares.
O reitor, professor doutor Claudio Lembo, designou o professor mestre
Marcos Merida para exercer o cargo de diretor da FEF, por meio da Portaria
da Reitoria 89, de 13 de dezembro de 1999. Designou, também, a professora
mestra Rita de Cássia Garcia Verenguer como chefe do Departamento Didático-Científico da Atividade Física, por meio da Portaria da Reitoria 07,
de 17 de fevereiro de 2000, e o professor mestre Ronê Paiano como chefe do
8 |Conhecimento Construído em Parcerias
Departamento de Aptidão Física, Esporte e Qualidade de Vida, por meio da
Portaria da Reitoria 06, de 07 de fevereiro de 2000.
Em setembro de 2003, o curso de educação física passou pelo processo de
reconhecimento. A Comissão de Avaliação das Condições de Ensino, designada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, atribuiu os
conceitos CB, CMB e CMB, respectivamente, às dimensões corpo docente, organização didático-pedagógica e instalações. Vale ressaltar que o resultado CB
na dimensão corpo docente significou que, na época, o número de professores
em regime de contrato parcial e integral foi considerado insuficiente.
O resultado do reconhecimento dos cursos de bacharelado e licenciatura foi publicado no Diário Oficial da União, respectivamente em 20 de maio
de 2004, Portaria 1.417/2004, e 04 de maio de 2005, Portaria 1.494/2005.
Em novembro de 2004, pela primeira vez, os graduandos dos cursos
de educação física do país realizaram o Exame Nacional de Desempenho
Estudantil (Enade) como parte do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). O Enade-2004 foi respondido por uma amostra
de 156 estudantes, sendo 72 concluintes e 84 ingressantes. O resultado,
obtido por meio de análise considerando o peso amostral, correspondeu
ao conceito 4.
Em fevereiro de 2005, houve a primeira reestruturação administrativa
na universidade, com a extinção das chefias de departamento e o surgimento da coordenação do curso. Do ponto de vista dessa nova estrutura, o curso continuou a contar com o professor mestre Marcos Merida na direção
da unidade e foi designada, pela Portaria da Reitoria 168/2005, a professora
doutora Rita de Cássia Garcia Verenguer para responder pela coordenação
de curso.
Em julho de 2006, a universidade acolheu a segunda reestruturação administrativa: surgiu o Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS),
cuja direção ficou a cargo da professora doutora Beatriz Regina Pereira Saeta. No CCBS, ficaram locados os cursos de ciências biológicas, educação
física, farmácia e psicologia e, seis meses depois, a ele foram incorporados
os cursos de fisioterapia e nutrição.
Introdução
|
9
Nesta segunda reestruturação, surgiu o cargo de coordenador de curso
do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde e para a coordenação do curso
de educação física foi designada, em Portaria da Reitoria 105/2006, a professor doutora Rita de Cássia Garcia Verenguer.
No ano de 2006, no âmbito da universidade e do curso, fortaleceram-se as discussões para a implantação das novas matrizes curriculares dos
cursos de educação física, considerando a Resolução CNE/CP 02/2002 (licenciatura) e a Resolução CNE/CES 07/2004 (bacharelado).
Em novembro de 2007, os graduandos do curso realizaram, pela segunda vez, o Enade. O resultado, divulgado em agosto de 2008, é o apresentado
abaixo.
Conceito
Enade 2007
IDD
CGC
5
3
4
Em termos comparativos, o curso de educação física da UPM foi o único
a alcançar esse resultado considerando as instituições privada do estado de São
Paulo e compõe um grupo com outras 11 instituições brasileiras que alcançaram nota máxima no Enade-2007.
Em março de 2009, passou a exercer a função de coordenador de curso
o professor doutor Ronê Paiano.
A construção do projeto pedagógico do curso de educação física da
Universidade Presbiteriana Mackenzie considera que o ensino universitário assume papel social diferenciado no contexto da sociedade do século
XXI. O século XXI vem sendo considerado como aquele em que conhecimento, riqueza, soberania racional e qualidade de vida estão ligados por
um mesmo fio: uma população educada e com autonomia para buscar e
produzir informação.
A sociedade do conhecimento, como tem sido chamada, caracterizar-se-á como aquela em que o conhecimento é a mola propulsora para a sociedade. Em outras palavras, a geração de riqueza dependerá do incentivo à
pesquisa e à educação universal e de pessoas altamente preparadas.
10 |Conhecimento Construído em Parcerias
Nesse sentido, delineia-se para o processo de preparação profissional um novo paradigma que vai exigir mudança de comportamento. A
aprendizagem deverá ser contínua e vitalícia, pois o conhecimento tem
meia-vida e a aprendizagem, não. É preciso pensar na abordagem “aprender a aprender”, ou seja, a prioridade deve ser o processo de aprendizagem, uma vez que os conteúdos são transitórios. E, sobretudo, criar um
ambiente para que seja desenvolvida a autonomia, a responsabilidade e a
automotivação.
Às tarefas tradicionais da universidade (produção e divulgação do
conhecimento, preparação profissional, prestação de serviços à comunidade
e preservação do patrimônio cultural) serão adicionadas outras, como por
exemplo a criação de novos tipos de certificação de competências e ciclos
de formação, a aproximação do conhecimento acadêmico, do profissional e
do popular e, principalmente, a diminuição do déficit de conhecimento da
sociedade em geral com currículos alternativos e flexíveis.
Diante dessa nova realidade, desenham-se novos desafios aos atores
universitários. Aos docentes caberá, além da competência técnica (conhecimento da sua área e dos processos de ensino e aprendizagem), a competência política (conhecimento do tempo/espaço social, da cidadania). Entre
as ideias de curiosidade, rigor intelectual, autonomia e atitudes éticas, o
docente por excelência será aquele que tem uma atitude positiva frente ao
conhecimento e vive um estado permanente de indagação ou, em outras
palavras, é um pesquisador.
Dos discentes serão exigidas novas atribuições: de receptores para colaboradores de conhecimento, de críticos passivos para solucionadores de
problemas e propositores de soluções, de espectadores para protagonistas
de suas competências.
Se os docentes e discentes têm novos desafios e papéis, aos gestores universitários cabem a construção de um cenário acadêmico que vise à agilidade
nas decisões e a diminuição da burocracia, o treinamento constante do corpo docente e administrativo, o incremento das atividades extracurriculares
(grupo de estudos e/ou pesquisa, viagens pedagógicas, etc.) e o investimento
e acesso ilimitado à tecnologia informacional.
Introdução
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11
Assim, o desafio atual dos cursos de graduação tem sido a reorganização
da estrutura curricular, propondo mecanismos que possam aproximar teoria
e prática, ciência e profissão. Como fruto do amadurecimento e sensibilidade
dos docentes-pesquisadores, observa-se atualmente uma preocupação maior
em legitimar a pesquisa aplicada como aquela que poderá trazer mudanças
significativas para intervenção profissional.
Nessa perspectiva, é preciso que o graduando também assuma o papel
de produtor do conhecimento, participando da elaboração e da implementação de pesquisas. Nesse sentido, a problematização científica também
deve se originar no próprio cotidiano do aluno, em sua relação com a realidade da profissão. Com isso, será possível superar a dicotomia entre teoria e
prática, integrando conhecimentos acadêmicos e intervenção profissional.
A preparação profissional em educação física e a constituição da estrutura curricular precisam considerar o fenômeno ensino-pesquisa-extensão,
pois é ele que sustenta a universidade e dá respaldo científico à profissão. As
atividades que compõem o ensino - matriz curricular, estágio curricular supervisionado, prática como componente curricular e atividades acadêmico-científico-culturais - precisam estar integradas de modo a se complementarem.
Quanto ao estágio, ele não pode ser considerado um apêndice na formação: é peça fundamental para a reflexão do cotidiano profissional e
deve estar inserido, principalmente, nas disciplinas de orientação à intervenção. No projeto pedagógico, procurou-se aproximar a realização dos
estágios dos conhecimentos disseminados no curso, fazendo com que o
contato com o ambiente real de intervenção estimule a construção de conhecimento de maneira significativa
As atividades que compõem a pesquisa desenvolvimento de projetos,
participação em grupos de estudo, realização de trabalhos disciplinares e
interdisciplinares, apresentação de trabalhos em eventos científicos potencializam o processo de profissionalização e dão vitalidade ao conhecimento
da área, e por isso mesmo são frequentemente estimuladas no curso. Em
média, são oferecidos oito grupos de estudos, que, com frequência, origi12 |Conhecimento Construído em Parcerias
nam projetos de iniciação científica, posteriormente apresentados em eventos científicos. Muitos desses projetos transformam-se em artigos, publicados nos diversos periódicos da área.
Considerando que a educação física é uma profissão academicamente
fundamentada, a extensão não pode ser relegada ao segundo plano, visto que
se caracteriza por um espaço privilegiado para o aperfeiçoamento da intervenção profissional, por meio de uma intervenção supervisionada e acompanhada por profissionais/docentes experientes. Tem sido característica do
curso o estímulo à participação dos alunos em projetos de extensão, sendo
oferecidos os projetos nas seguintes áreas: educação física infantil; educação
física na adolescência; educação física adaptada; e educação física escolar.
Dessa forma, é tradição no curso que os graduandos, em algum momento,
vivam a experiência com a extensão.
Faz parte da história do curso um cuidado com a construção de um
currículo que abranja a construção de saberes de natureza conceitual, procedimental e atitudinal. Já em 2002, na construção coletiva do projeto pedagógico, foram discutidos os conteúdos de cada disciplina e, a partir dessa
discussão, houve a elaboração de planos de ensino nos quais se optou por explicitar a presença de cada uma das dimensões do conteúdo. A comprovação
de que esse era o caminho correto veio depois, com a publicação das diretrizes curriculares para os cursos de graduação em educação física, aprovadas
pelo Conselho Nacional de Educação no parecer 58/2004. Nessas diretrizes,
defende-se que o graduado deve “dominar os conhecimentos conceituais,
procedimentais e atitudinais”.
Vale a pena destacar uma entre tantas atitudes estimuladas no curso:
a competência para trabalhar em equipe. Ela aparece no perfil profissional
esperado, tanto no curso de licenciatura quanto no de bacharelado, por se
considerar que ela é fundamental na sociedade atual. Para preparar profissionais com tal competência, é condição sine qua non que docentes, equipe
técnica e gestores consigam trabalhar de maneira articulada.
Partindo dessa premissa, desde seu início, tem sido uma característica do curso o trabalho integrado entre os professores, integração esta es-
Introdução
|
13
timulada pelos gestores. Assim, estabelecer parcerias para construir conhecimentos tem sido nossa prática. A construção dessas parcerias conta
frequentemente com o envolvimento dos graduandos. Geralmente, elas
seguem percursos distintos e resultam em produtos diversificados: alguns
docentes se aproximam para realizar pesquisas e produzir conhecimentos
científicos, outros realizam experiências de ensino e/ou extensão. Apresentar alguns dos trabalhos construídos em parceria é o objetivo deste livro.
A primeira parte apresenta ensaios e textos sobre temas escolhidos pelos professores. A motivação para a construção desses trabalhos surge em
diferentes momentos: em reuniões de grupos de estudo, nas bancas de defesa dos trabalhos de conclusão de curso ou, ainda, em discussões informais,
realizadas na sala de professores, no refeitório ou na lanchonete.
O primeiro capítulo, escrito por Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e
Hirota, apresenta o olhar de diferentes áreas do conhecimento sobre a fadiga. Nele, os autores fazem uma síntese de discussões realizadas em diferentes disciplinas que trataram do tema de maneira interdisciplinar, discussão
amadurecida em reuniões do grupo de estudo.
No segundo capítulo, Uezo, Masseto, Massa e Campanelli analisam
o talento esportivo, ideia que toma forma nas discussões realizadas no
grupo de estudos sobre esse tema, organizado pelos autores.
Outro capítulo que surge a partir das análises em grupo de estudo foi o
elaborado por Verenguer e Costa, discutindo assunto recente, que merece o
olhar dos pesquisadores da educação física: a WEB 2.0.
Conversas informais entre os professores, sobre os alunos e suas reações a determinados temas discutidos em aula, originam os dois capítulos
seguintes.
Matos e Bojikian analisam como os temperamentos humanos se apresentam nas atividades de ensino durante a graduação de futuros profissionais de educação física e na organização de equipes de voleibol.
Hirota, Tondato e Knijnik procuram integrar conhecimentos de diferentes pesquisas para compreender as relações entre motivação, ansiedade
e lesões no esporte.
14 |Conhecimento Construído em Parcerias
Na segunda parte do livro estão reunidos textos que apresentam relatos
de experiências ou propostas pedagógicas aplicadas e avaliadas pelos seus
autores.
Assim, no sexto capítulo Masseto, Ressurreição e Cossote descrevem
uma proposta pedagógica para discutir o salvamento aquático nos cursos de
graduação, a partir da integração entre as disciplinas teoria e prática dos esportes aquáticos e socorros de urgência.
Na mesma linha, Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues analisam
aspectos biomecânicos do equilíbrio e apresentam propostas para desenvolver esse tema nas aulas de educação física.
Nos dois capítulos seguintes, de autoria de Filgueiras e Paiano e de Filgueiras, Rodrigues e Silva, os resultados da aplicação de projetos interdisciplinares são relatados. Os autores se fundamentam em uma epistemologia
da prática e apresentam dois exemplos de integração entre ensino, pesquisa
e extensão.
Encerrando o livro, Grillo, Pichiliani, Souza Jr., Merida e Ferreira Filho relatam a experiência com a Mostra de Ginástica, evento que, realizado semestralmente há sete, usa a ginástica como meio para tratar diferentes temas apresentados nas disciplinas envolvidas.
Com a apresentação deste livro, pretendemos compartilhar experiências e disseminar conhecimento produzido, esperando que nossos escritos
tragam contribuições tanto para aqueles que estão diretamente envolvidos
com o ensino, a pesquisa e a extensão quanto para os demais graduandos e
profissionais que constroem a educação física diariamente.
Introdução
|
15
FADIGA NA CORRIDA:
Uma abordagem multidisciplinar
Sonia Cavalcanti Corrêa
Erico Caperuto
André Costa,
MarcelaMeneguello Coutinho
Vinicius Barroso Hirota
N
os Jogos Olímpicos de Verão de 1984, realizados em Los Angeles, durante a maratona feminina (a primeira maratona olímpica feminina), ganha pela norte-americana Joan Benoit, a suíça Gabriela
Andersen-Scheiss, completamente desidratada e desorientada pelo esforço
no calor, além de estar com uma forte cãibra na perna esquerda, cambaleou nos últimos 200 metros, levando dez minutos para completá-los, até
cair desacordada nos braços dos médicos, sobre a linha de chegada. Após a
prova, ela disse aos jornalistas que queria terminar o percurso, pois aquela
talvez fosse sua única oportunidade olímpica, por causa dos seus 39 anos. A
corredora chegou apenas na 37ª colocação entre 44, mas foi mais aplaudida
que a medalhista de ouro Joan Benoit. Por causa desse incidente, a International Association of Athletics Federations (IAAF) - Federação de Atletismo Internacional - fez o artigo “Andersen-Scheiss”, que permite aos atletas
receberem auxílio médico durante o percurso sem serem desclassificados.
O fato é considerado, até hoje, um dos maiores exemplos de perseverança, gana e espírito olímpico, um exemplo exacerbado de determinação e
força de vontade capaz de superar até mesmo os limites de autopreservação
do corpo humano.
Características como as apresentadas pela atleta são os mais evidentes
sintomas de fadiga que o organismo pode apresentar. Além de se tornar um
exemplo de determinação, a atleta colocou em cheque alguns importan-
tes conceitos de fadiga que serão discutidos neste capítulo. Os mecanismos
desses conceitos e do processo de fadiga serão discutidos sob a óptica da
fisiologia, da bioquímica e da biomecânica.
1. Aspectos históricos da fadiga
Um dos mais antigos registros em relação à fadiga data do século
XVIII. O livro La fatica (MOSSO, 1904) justifica a fadiga por dois fatores:
o primeiro é pela diminuição da força muscular, e o segundo, como uma
sensação. Ou seja, temos um fato físico que pode ser medido e comparado,
e um fato psíquico, que não consegue ser medido.
As descrições de fadiga da literatura, bem como a própria definição do
termo fadiga, ainda gera intenso debate frente à quantidade de significados
que o termo e o fenômeno podem assumir. Bainbridge (1931), um dos primeiros autores de fisiologia do exercício, relatava que, geralmente, a fadiga
havia sido atribuída apenas a alterações na capacidade cardíaca, mas os fatos como um todo indicavam que a soma das mudanças que acontecem no
corpo culmina na cessação final do esforço.
O Dicionário Oxford traz, como definição de fadiga, “cansaço extremo
depois do esforço, redução na eficiência muscular, dos órgãos etc., depois
de atividade prolongada”. O Dicionário Aurélio caracteriza a fadiga como
“s.f. (substantivo feminino) sensação penosa causada pelo esforço ou trabalho intenso; cansaço. Estafa, esgotamento”.
Nas ciências do exercício, existe uma variação enorme na definição de
fadiga. Afirmações clássicas como “falha em manter a força esperada ou
exigida” (EDWARDS, 1981), ou “perda na capacidade de gerar força máxima” (BIGLAND-RITCHIE et al., 1986), ou ainda “um estado reversível de
depressão na força, incluindo um ritmo menor de aumento da força e um
relaxamento mais lento” (FITTS; HOLLOSZY, 1978) são colocadas.
É possível que exista uma grande variedade de explicações para a fadiga, de desequilíbrios metabólicos na unidade motora a mecanismos mediados pelo sistema nervoso central (ENOKA; DUCHATEAU, 2008). O
balanço entre esses mecanismos, que podem ser divididos como centrais
18 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
e periféricos, pode ser parcialmente dependente da duração e da intensidade da fadiga, e também do grupo muscular que está sendo investigado
(BEHM; ST-PIERRE, 1997).
Mesmo não havendo um consenso quanto ao conceito de fadiga, grande parte dos pesquisadores concorda que é um fenômeno subjetivo, multicausal, cuja gênese e cuja expressão envolvem aspectos físicos, cognitivos e
emocionais como os apresentados por Gabriela Andersen-Scheiss no final
da maratona de 1984 (MOTA; PIMENTA, 2002).
2. Pesquisas em fadiga: qual será o futuro?
Considerações sobre o futuro do estudo da fadiga trazem perguntas interessantes. Por exemplo, pesquisadores com objetivo de estudar os limites
da performance humana devem estar familiarizados com duas proposições
muito aceitas, porém incompatíveis.
A primeira diz que sem o uso de ergogênicos artificiais, como manipulação genética ou drogas, será difícil ver futuras melhoras significantes nos
recordes de esportes como natação ou atletismo (NEVILL, 2005).
Por outro lado, há aqueles que acreditam em eventos de super-resistência, como os exploradores antárticos ou indivíduos que faziam caminhadas
intercontinentais, como exemplos de que o ser humano não consegue saber
realmente até aonde pode ir, uma vez que raramente são colocados em situação de risco de vida (NOAKES, 2006).
Observando a chegada da atleta Gabriela Andersen-Scheiss e refletindo
sobre essas duas colocações surge a pergunta: os limites para a performance
são mecânicos e imutáveis, ou sugestionáveis e indefinidos?
3. Aspectos gerais da fadiga
A fadiga causada pelo exercício é uma sensação comum que todos já
experimentamos. Durante o exercício, a sobrecarga pode criar tal sensação de intensidade que o sujeito precisa reduzir o ritmo de exercício, ou
até mesmo parar sua realização. Qualquer atividade física consome energia
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 19
e, mais cedo ou mais tarde, vai esvaziar os estoques de energia do corpo,
forçando-o a parar. Um consumo ilimitado desses estoques sem reabastecimento teria efeitos prejudiciais no equilíbrio do ser humano e em sua
saúde física. Portanto, as sensações de fadiga e exaustão acabam sendo essenciais para manter nossa integridade física. Essas sensações representam
o elemento psicológico, que vai, ao longo do tempo, promover mudanças
no comportamento. As mudanças físicas e bioquímicas que acompanham a
realização do exercício são os elementos fisiológicos responsáveis pela sinalização de fadiga. O fenômeno da fadiga e da exaustão durante o exercício
compõe campos de interesse de diversas disciplinas, especialmente da fisiologia e da psicologia do esporte (AMENT; VERKERKE, 2009).
A fadiga muscular pode se referir a um déficit motor, uma percepção ou declínio na função mental; pode descrever a diminuição gradativa na capacidade de o músculo gerar força ou o ponto final de uma
atividade sustentada. Ela pode ser medida como uma redução na força
muscular, mudança na atividade eletromiográfica ou exaustão da função contrátil. Tal amplitude de conceito é um problema, porque nesse
contexto a fadiga pode abranger vários fenômenos que são consequências de diferentes mecanismos fisiológicos. Isso reduz a probabilidade
de identificarmos a sua causa de maneira específica. Para contornar essa
limitação, a maioria dos pesquisadores invoca uma definição mais focada, como por exemplo a redução, causada pelo exercício, na capacidade do músculo para produzir força ou potência, independentemente
se a tarefa pode ou não ser sustentada (BIGLAND-RITCHIE; WOODS,
1984; SØGAARD et al., 2006).
Embora um consenso seja uma espécie de utopia quando se trata do
conceito de fadiga, todos os autores trazem elementos comuns em suas observações. Um dos elementos mais apontados é a interdependência ou a
íntima relação dos aspectos do sistema nervoso central com os aspectos
musculares. Uma colocação simplista poderia classificar como uma divisão
entre fadiga central e periférica, levando-se em consideração todos os detalhes que permeiam cada uma dessas classificações e culminam em exemplos como o da maratonista, como ilustrado na Figura 1.
20 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
Figura 1. Relação dos elementos bioquímicos, fisiológicos e psicológicos da Fadiga
com a geração das alterações imunológicas, biomecânicas e de saúde.
A fadiga parece, então, um evento em que diversas variáveis estão envolvidas, entre elas elementos fisiológicos, bioquímicos e psicológicos, que
culminam em alterações mecânicas, imunológicas e, por fim, de saúde que
podem ser observadas em suas mais diferentes e, em alguns casos, mais
extremas manifestações.
4. A fisiologia da fadiga
Do ponto de vista fisiológico, navegando entre o simplismo e dando espaço a todos os detalhes do preciosismo, podemos considerar fadiga como
qualquer espécie de interrupção do processo de comunicação entre o cérebro e o músculo. Esse processo nasce no desejo, controlado exclusivamente
pelo sistema nervoso central (SNC), de realizar determinado movimento
em determinado ritmo e com determinada força. A informação é então
transferida através do sistema nervoso periférico para os músculos, que se
contraem para compor o movimento desejado.
Os aspectos bioquímicos específicos e locais de cada um desses sítios
são determinantes para a realização ou não do movimento. Entretanto,
quando observamos o fenômeno de uma forma mais integrativa, podemos
acrescentar peças importantes no seu complexo quadro.
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 21
5. A fadiga central: podemos literalmente “morrer de
cansaço”?
Múltiplos processos no sistema nervoso e no músculo podem contribuir para a fadiga muscular. Diversos deles iniciam-se juntamente com o
início da contração voluntária. A fadiga progride junto com o exercício e
começa a se recuperar quando ele cessa. Em algum momento, durante o
exercício, dependendo de sua intensidade, a força ou potência voluntária
máxima vai ser consideravelmente reduzida pela fadiga. Se o exercício é
submáximo, a fadiga pode ocorrer (uma fadiga mensurável) sem perda da
performance na tarefa, por conta do recrutamento de outras unidades motoras em substituição às fadigadas.
Já a fadiga central se refere a processos superiores e pode ser definida
como uma falha na ativação voluntária do músculo progressivamente induzida pela realização do exercício (HOLTZHAUSEN et al., 1994). A fadiga
central pode ser demonstrada como no estudo clássico de Merton (1954),
quando se consegue um aumento na força gerada por uma estimulação
nervosa (artificial) durante um esforço voluntário máximo. Se esse aumento extra pode ser provocado pela estimulação nervosa durante o esforço
voluntário máximo, ou algumas fibras não tinham sido recrutadas ou os
neurônios não as estavam recrutando rápido o suficiente para produzir as
contrações no momento da estimulação (HERBERT; GANDEVIA, 1999).
Esse aumento forçado na ativação (chamado de contração superimposta)
significa que a fadiga central e os processos centrais alterados, próximos ao
local de estimulação do axônio do neurônio motor, estão contribuindo para
uma perda de força. Alguns mecanismos supraespinhais também podem
contribuir para a fadiga central (GANDEVIA et al., 1996; TAYLOR et al.,
2006). Para os flexores do cotovelo, por exemplo, a estimulação magnética
transcraniana (EMT) do córtex motor gera contrações forçadas a despeito
do esforço máximo do sujeito (TODD et al., 2003). Isso indica que, no momento da estimulação, a produção de estímulo do córtex motor não é máxima (parte dela permanece inalterada) e não é suficiente para ativar todas
as unidades motoras necessárias para produzir a força muscular máxima.
Portanto, a produção de estímulo pelo córtex motor não é suficiente. Um
22 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
aumento na contração superimposta (forçada) provocada pela estimulação
cortical durante o exercício pode ser considerado um marcador de fadiga
supraespinhal (TAYLOR; GANDEVIA, 2008).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, acrescentam Seifert e Petersen (2010) que mudanças na informação sensorial de músculos ativos ocorrem durante exercícios fatigantes deteriorando a capacidade do organismo
para gerar força. Portanto, o comando motor central deve ser ajustado dependendo da tarefa a ser realizada, contando com a sinalização periférica.
Os potenciais de ação do músculo evocados pela estimulação magnética
transcraniana (EMT) mudam durante o desenvolvimento da atividade
muscular, o que demonstra mudanças nas redes espinhal e cortical durante o exercício extenuante. O trabalho desses autores sugere que, conforme
a fadiga se estabelece durante o exercício, existe um aumento paralelo na
excitação dos circuitos inibitórios que controlam a estimulação corticoespinhal. Esse trabalho corrobora as ideias defendidas por Noakes et al. (2004).
Noakes et al. (2004) questionam os conceitos baseados nos modelos
de fisiologia do exercício de limitação ou “catástrofe” (EDWARDS, 1983).
Esses modelos dizem que a fadiga se desenvolve depois de um ou mais sistemas orgânicos serem estressados além de sua capacidade, levando rapidamente a uma falha completa do sistema que nós reconhecemos como
exaustão.
O exemplo mais estabelecido, talvez a fonte original dessa forma de pensar,
é a teoria de que há uma limitação de oxigênio para o músculo, levando a uma
hipóxia muscular ou anaerobiose, com consequente desequilíbrio na produção/utilização de ATPs, sendo portanto a causa da fadiga durante exercícios de
curta duração e alta intensidade o conhecido modelo de catástrofe anaeróbica
cardiovascular (KRETCHMAR, 2007). Entretanto, a falha que passa despercebida nessa teoria é que, se o ritmo de produção de ATPs fosse menor que o
ritmo gasto, essa diferença causaria, em última instância, o rigor muscular. Mas
se o rigor muscular não se desenvolve em nenhum tipo de exercício em vertebrados, então alguma outra forma de controle deve existir para determinar
o fim do exercício, mesmo com o ritmo de produção e utilização de ATPs em
equilíbrio.
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 23
Dessa forma, Jones et al. (2004) concluem que os modelos atuais, que
postulam a fadiga sendo regulada exclusivamente por mudanças ocorridas
nos músculos que se exercitam, não explicam a maior parte das formas de
fadiga provocadas pelo exercício. A maior evidência disso é os trabalhos que
mostram como o recrutamento motor em músculos ativos nunca é absolutamente máximo (MARINO, 2009; DUFFIELD et al., 2009; MOCK et al., 2000;
GABBET, 2008) durante exercícios voluntários em humanos.
Alguns autores (ROYAL et al., 2006), estabelecendo um novo modelo,
dizem que a fadiga periférica é um sistema dinâmico e linear no qual a
falha resulta de um aumento progressivo na quantidade de alguns metabólitos ou variáveis, até que estes alcancem um nível máximo. Em relação
a esta hipótese, Noakes et al. (2004) dizem que em humanos com um SNC
intacto ainda não foi identificado nenhum metabólito que se acumule segundo esse modelo linear.
Também é examinada pelos autores a hipótese do modelo de fadiga
neural central, baseada na evidência de que sempre existe uma “reserva de
recrutamento” (GANDEVIA, 2001; ST CLAIR GIBSON et al., 2001) no músculo esquelético em todas as formas de fadiga, indicando que o SNC regula,
e na verdade limita, o recrutamento muscular especificamente para manter
o equilíbrio e evitar o colapso, a “catástrofe”. O sistema seria controlado provavelmente por uma regulação em antecedência de estruturas corticais ou
inibição reflexa dos comandos neurais aferentes pelos quimiorreceptores III
e IV, reagindo a mudanças na concentração de substratos ou metabólitos,
ou talvez até mesmo de informações dos mecanoreceptores dos músculos
esqueléticos, pulmonares e cardíacos.
Com base em estudos próprios, St Clair Gibson et al. (2001), Kay et al.
(2001) e outros, como Lucia et al. (2003) e Noakes et al. (2004), propõem
uma versão mais compreensiva e atualizada do modelo original descrito
(NOAKES et al., 2001).
De acordo com o modelo do “governador central”, eles propõem que
durante o exercício espontâneo, diferentemente do ambiente do laboratório, o SNC continuamente modifica o ritmo como parte de um sistema
24 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
complexo dinâmico e não linear. Neste modelo, a produção de trabalho
(o ritmo de exercício) é continuamente ajustado com base em “cálculos”
metabólicos realizados em níveis subconscientes do SNC. Esses cálculos
levam em conta o conhecimento prévio adquirido em sessões de exercício
anteriores, o fim planejado da sessão de exercício atual, o ritmo metabólico atual, entre outras tantas variáveis em potencial. Esses cálculos subconscientes criam um ajuste contínuo no ritmo de produção de trabalho
e, portanto, no ritmo de exercício durante a sessão.
Este modelo dá uma visão revolucionária de que a fadiga não é um
evento físico, e sim uma sensação, que é a manifestação consciente desses
cálculos subconscientes realizados pelo SNC (ST CLAIR GIBSON et al.,
2001; ST CLAIR GIBSON et al.,2003). Dessa maneira, o modelo prevê que
o controle final do desempenho em exercícios está na habilidade do cérebro
para variar o ritmo de trabalho e a demanda metabólica alterando o número de unidades motoras recrutadas durante o exercício.
Portanto, a partir do que foi explanado, pergunta-se: quais parâmetros
fisiológicos determinam o número de unidades motoras recrutadas pelo
SNC nos músculos esqueléticos ativos?
Lambert et al. (2004) examinam, em um estudo, a regulação periférica da atividade metabólica e como o processo periférico é integrado nos
centros do SNC. Eles revisam a evidência que mostra que metabólitos
periféricos podem fornecer informações aos centros regulatórios no cérebro pela via aferente, sendo, portanto, parte importante no processo
regulatório. Alterações nas vias eferentes geradas como resultado de uma
entrada periférica sensorial aferente tem um atraso natural que leva a um
ajuste contínuo, com consequente produção de trabalho oscilante, ou
seja, com ritmo variável de exercício, como parte do sistema dinâmico,
não linear, complexo e que regula o corpo todo. Lambert et al. (2004) argumentam ainda que essas alterações no ritmo de esforço também podem
ser parcialmente determinadas por sistemas regulatórios que existam na
periferia. Esses sistemas contribuem para um sistema de controle hierárquico com propriedades redundantes, e essa redundância de processos de
comando cria um sistema mais robusto, mais complexo, capaz de manter
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 25
a homeostase com mais eficiência do que se contasse com apenas um processo de controle, no qual faltem a integração central ou a presença de redundâncias. Finalmente, eles mostram que as respostas neurais e metabólicas ao exercício podem ser reprogramadas por fatores como a exposição
anterior ao exercício. Até mesmo uma única sessão de exercícios, antes
de um evento particular, pode alterar a atividade metabólica e a sensação
consciente de fadiga durante a próxima sessão de exercícios, indicando
que o processamento do governador central pode ser mutável e continuamente reprogramado com base na continuidade e em novas experiências.
Dessa forma, essas informações podem se interligar com as propostas por
Noakes et al. (2004) em um diagrama, como representado na Figura 02.
Figura 2. Ações do sistema nervoso central (SNC) associadas à fadiga central
(adaptado de NOAKES et al., 2004).
Organizando as ideias da Figura 2, notamos três proposições diferenciadas.
Primeiro, tanto no repouso quanto em qualquer forma de exercício,
todas as funções fisiológicas são reguladas por mecanismos de controle do
sistema nervoso central em busca do equilíbrio para evitar que qualquer
prejuízo aconteça ao organismo.
Segundo, a sensação consciente de fadiga não vem diretamente da ação
dos metabólitos na periferia, mas dos centros regulatórios em partes sub26 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
conscientes do cérebro, com a função de garantir a homeostase durante o
exercício (ST CLAIR GIBSON et al., 2003). Portanto, a sensação distinta de
fadiga não está diretamente relacionada com o término do exercício, mas
sim com uma interpretação contínua do efeito do atual nível de atividade
sobre a capacidade futura de se exercitar, e consequentemente, de quaisquer
ameaças dessa atividade na manutenção da homeostase (ST CLAIR GIBSON et al., 2003; TUCKER et al., 2004).
Terceiro, como a sensação de fadiga é mais uma emoção que um estado
físico, as estratégias de treino e seu controle durante o exercício espontâneo
e todo o processo envolvido, mais que apenas o resultado final, são provavelmente o fenômeno mais importante da fisiologia do exercício. Os autores desenvolveram o argumento de que as “limitações” ou o modelo de “catástrofe” em fisiologia do exercício não são válidos especificamente porque
não explicam o mais óbvio. Isto é, longe de ser limitado pela falência de um
ou mais sistemas fisiológicos durante o exercício, a realidade é que todos os
sistemas fisiológicos do organismo, tanto no repouso quanto no exercício,
são equilibradamente regulados em um processo contínuo, especificamente
para prevenir a catástrofe, incluindo a exaustão física, amplo dano celular
ou até mesmo a morte como resultado do exercício.
Embora esse embasamento teórico seja sólido, uma vez mais Gabriela
Andersen-Scheiss coloca, na prática, esses conceitos em xeque, gerando
uma dúvida - que permanece sem resposta - em relação a quanto controle o sistema nervoso central exerce sobre o desempenho no exercício,
especialmente em situações extremas, tanto do ponto de vista psicológico
quanto do ponto de vista fisiológico, como foi a sua chegada na maratona
da Olimpíada de 1984.
Ainda nessa linha de raciocínio, concordam Amann et al. (2008),
que induziram vários graus de fadiga nos músculos antes de uma tarefa
em que o desempenho foi medido. Os autores mostraram um efeito dose
dependente da fadiga periférica no comando central durante o exercício.
O comando motor central e, consequentemente, a produção de trabalho e
performance foram mais altos quando a tarefa avaliada foi feita sem a existência prévia de fadiga periférica, e a performance (produção de trabalho e
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 27
ativação do comando motor central) foi mais baixa quando havia um grau
severo de fadiga muscular pré existente, realizada anteriormente a tarefa
avaliada. Entretanto, a fadiga muscular induzida pelo exercício no final da
tarefa avaliada foi quase idêntica, a despeito das diferenças significativas na
performance durante o exercício (a tarefa) e dos níveis de fadiga preexistentes, confirmando que a fadiga muscular é uma variável cuidadosamente
regulada e integrada com o sistema nervoso central.
Apesar de Martin et al. (2010) afirmarem que os fatores centrais são os
principais responsáveis pela grande perda de torque máximo apresentada
pelos músculos depois de um evento de ultraendurance, especialmente nos
quadríceps, eles também apontam que a redução no comando central pode
ter contribuído para a preservação relativa da função periférica, o que afetou a evolução da velocidade da corrida durante um teste de 24 horas.
A despeito da importante contribuição da bioquímica, como no caso
da geração de energia e nos demais fatores localizados na periferia muscular, fica claro que há uma intensa comunicação entre esses dois núcleos (a
periferia muscular e o controle neural central), que, embora influenciados
por diversos elementos, compõem o quadro de fadiga. Com isso, fica bem
caracterizado que a fadiga periférica parece ser controlada por instâncias
superiores.
6. Alterações bioquímicas na fadiga
Existem diversos fatores bioquímicos que também são importantes
causadores de fadiga, como elencados no Quadro 1.
28 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
Quadro 1.
Fatores bioquímicos associados à fadiga periférica
Fadiga Periférica
DEPLEÇÃO
ACÚMULO
ATP
Mg2+
PCR
ADP
Glicose plasmática
Pi
Glicogênio muscular
Lactato
H+
NH3
EROs
(Sendo ATP, trifosfato de adenosina; PCr, creatina fosfato; Mg2+, íons de magnésio;
ADP, difosfato de adenosina; Pi, fosfato inorgânico; H+, íons de hidrogênio; NH3,
amônia; e EROs, espécies reativas de oxigênio.)
Assim, tanto a depleção de substratos energéticos (trifosfato de adenosina
ATP, creatina fosfato PCr, glicose plasmática e glicogênio muscular) como o
acúmulo de derivados metabólicos (íons de magnésio - Mg2+, difosfato de adenosina ADP, fosfato inorgânico Pi, íons lactato, íons de hidrogênio - H+, amônia - NH3 e as espécies reativas de oxigênio EROs) interferem no equilíbrio
dinâmico entre a síntese e a utilização do ATP (PELLEY, 2007; LEHNINGER et
al., 2006; MAUGHAN et al., 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988).
As funções biológicas – como a função contrátil muscular, entre outras
são mantidas, primariamente pela energia química gerada pela hidrólise
do ATP. Pelo fato de sua concentração absoluta no músculo esquelético ser
extremamente limitada (aproximadamente 24 mmol/kg de músculo seco)
e insuficiente, por exemplo para suprir a demanda energética durante o
exercício físico, as células exibem diferentes sistemas para a ressíntese de
ATP (MAUGHAN et al., 2000).
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 29
No início do exercício físico, há maior contribuição dos processos anaeróbios ou imediatos para a ressíntese de ATP, por meio da degradação
de PCr e da hidrólise de glicogênio e/ou da glicose a lactato (FOSS; KETEYIAN, 2000; DI PRAMPERO; FERRETTI, 1999). Com a continuidade
da sessão (exercícios com intensidade abaixo do limiar anaeróbio), tais sistemas diminuem sua participação e observa-se aumento da atividade oxidativa (sistema aeróbio), com a demanda energética passando a ser suprida
predominantemente por esta via, com a utilização de carboidratos e lipídeos pelas mitocôndrias das células musculares, via ciclo do ácido cítrico ou
de Krebs.
A contribuição relativa dos diferentes substratos energéticos para a
continuidade do exercício físico é determinada pela dieta, as ações hormonais, a intensidade e a duração do esforço, e os níveis de treinamento. Em
exercícios aeróbios (intensidade abaixo do limiar anaeróbio), a manutenção da ressíntese de ATP pelos processos oxidativos (ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa) ocorre preferencialmente pela oxidação de ácidos graxos
a acetil coenzima A (acetil-CoA) e pela conversão de glicogênio/glicose a
oxaloacetato. Ambos os substratos, intermediários importantes do ciclo de
Krebs, devem estar presentes em quantidades proporcionais na matriz mitocondrial para que as reações oxidativas sejam realizadas.
A condensação de oxaloacetato e acetil-CoA em citrato, regulada pela
enzima citrato sintase, controla diretamente a oxidação do acetil-CoA derivado tanto do piruvato como dos ácidos graxos. Entretanto, pelas características do exercício (intensidade abaixo do limiar anaeróbio), o acetil-CoA passa a ser derivado basicamente dos ácidos graxos estocados nas
células musculares (na forma de triacilglicerol) e também dos ácidos graxos
livres, presentes na corrente sanguínea e transportados até a célula muscular, ligados à albumina (CHAMPE et al., 2007; MAUGHAN et al., 2000;
NEWSHOLME; LEECH, 1988).
A contribuição dos ácidos graxos em intensidades abaixo do limiar
anaeróbio é evidente e, em decorrência dos grandes estoques destes
substratos no organismo, dificilmente este seria um fator limitante do
exercício. Assim, os estoques de glicogênio e a oferta de glicose passam
30 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
a ser fatores importantes tanto para a manutenção da oxidação de acetil-CoA como para a ressíntese de ATP.
Estima-se que no homem haja cerca de 400g de glicogênio estocado no
músculo esquelético e apenas 100g de glicogênio no fígado (CHAMPE et
al., 2007; MAUGHAN et al., 2000). Dessa forma, em exercícios prolongados a contribuição de glicose via glicogenólise torna-se uma etapa limitante
por causa do baixo estoque de glicogênio no organismo. A depleção dos
estoques hepático e muscular de glicogênio, possível de ocorrer durante o
exercício prolongado, limita a produção de oxaloacetato e a atividade oxidativa, sendo um dos fatores limitantes da produção de ATP por esta via, e
portanto, um causador de fadiga.
Com isso, fica clara a importância de se manter o equilíbrio no funcionamento do ciclo de Krebs para evitar a formação de metabólitos limitantes da produção de ATP, como se pode observar na Figura 3, que ilustra a
formação de NH3.
Figura 3. Funcionalidade do ciclo de Krebs, relação dos processos de
cataplerose e anaplerose na formação da amônia (sendo NH3, amônia;
CO2, dióxido de carbono).
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 31
Como ilustrado na Figura 3, outro ponto importante a destacar no
metabolismo oxidativo é a constante formação de dióxido de carbono
(CO2) e glutamina, que representam perdas de carbonos (cataplerose)
com a funcionalidade do ciclo de Krebs, as quais precisam ser repostas
continuamente. O ponto de inserção de novas moléculas no ciclo (anaplerose) ocorre com a síntese de oxaloacetato a partir de moléculas de
piruvato (derivado do glicogênio/glicose), pela ação da enzima piruvato
carboxilase, ou por aminoácidos não essenciais como o aspartato, a asparagina e o glutamato. Assim, pelos baixos estoques de glicogênio no
organismo, em atividades prolongadas a via anaplerótica passa a ter a
contribuição dos aminoácidos, gerando a amônia, um dos metabólitos
que também podem gerar a fadiga (CURI; PROCÓPIO, 2009; CHAMPE
et al., 2007; MAUGHAN et al., 2000).
Já em exercícios físicos cuja intensidade é acima do limiar anaeróbio,
caracterizado pela demanda energética extremamente elevada em curto
intervalo de tempo, a ressíntese de ATP é suprida prioritariamente pelos
sistemas anaeróbios ou imediatos (PCr, glicogenólise hepática/muscular e glicólise muscular). Por causa de sua maior velocidade de ressíntese,
observa-se no decorrer do exercício grande acúmulo intramuscular de diversos metabólitos, dentre os quais se destacam ADP, Pi, lactato e H+, que
são agentes associados à fadiga (CURI; PROCÓPIO, 2009; CHAMPE et al.,
2007; MAUGHAN et al., 2000). A seguir, iremos discutir suas contribuições no desenvolvimento da fadiga, embora ainda exista muita controvérsia
sobre o papel de cada um deles nesse processo.
Na via dos fosfagênios, a ressíntese de ATP ocorre por meio da energia liberada pela dissociação da PCr (por meio da ação da enzima creatina quinase) em Pi e creatina livre (VOLEK; RAWSON, 2004; SPENCER;
GASTIN, 2001; MAUGHAN et al., 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988).
Entretanto, os estoques de PCr permitem a predominância desta via por
poucos segundos, com aumento das concentrações intracelulares de ADP
e Pi, que também podem interferir na manutenção da intensidade e da
duração do exercício. Assim, observa-se maior fluxo de substratos pelas
vias glicolítica e glicogenolítica, que passam a responder pela demanda
32 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
energética nessas condições. Com a predominância da via glicolítica e,
dessa forma, maior utilização da glicose para a ressíntese de ATP, temos
o acúmulo muscular e sanguíneo de lactato e íons H+ (GLEESON; GREENHAFF, 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988).
Vale a pena destacar que, segundo estudos recentes, a síntese muscular
e o acúmulo sanguíneo de lactato resultam da interação de fatores como
utilização de substratos, cinética da glicólise, atividade das enzimas fosfofrutoquinase e lactato desidrogenase, recrutamento de unidades motoras e
aumento da taxa da remoção de lactato, e não apenas da hipóxia tecidual.
Na literatura temos, classicamente, o acúmulo de lactato como o metabólito mais citado como principal agente causador da fadiga, principalmente em livros de fisiologia do exercício. Entretanto, alguns autores têm
questionado a ação negativa do lactato per se, principalmente sobre a ação
nos processos contráteis ou de transferência de energia, creditando aos íons
de H+ (resultantes da dissociação do ácido láctico) a capacidade de inibir
enzimas da via glicolítica (fosforilase e fosfofrutoquinase) por causa da diminuição do pH intramuscular, além de prejudicar diversas etapas do processo contrátil.
Embora a origem dos íons H+, se ocorre a partir da dissociação do ácido láctico ou a partir da elevada taxa de hidrólise de ATP não mitocondrial,
seja debatida entre alguns autores, diversas evidências in vivo corroboram
a hipótese de que a acidose intramuscular seja uma das principais causas
da fadiga em exercícios de alta intensidade. Independentemente da origem
dos íons H+, há evidencias significativas de que a acidose contribui de forma decisiva para a queda no rendimento e, dessa forma, durante o exercício
de alta intensidade a regulação do pH torna-se extremamente importante.
Com base no exposto, conclui-se que as alterações metabólicas podem
causar fadiga por meio da ação nos processos neurais previamente discutidos que ativam os músculos esqueléticos com comprometimento tanto do
sistema nervoso central quanto do periférico. Assim, programas adequados
de treinamento podem elevar à resistência à fadiga e ao rendimento esportivo, principalmente por meio do aumento da capacidade muscular de
regular a produção de ATP.
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 33
7. Aspectos gerais da biomecânica em relação à fadiga
Outro elemento que, afetado pelas mudanças no ambiente central e no
ambiente periférico, pode ser observado como a manifestação mais externa tanto do movimento quanto da queda de sua adequada realização é os
parâmetros biomecânicos. A biomecânica do movimento pode ser medida,
registrada e contextualizada, tornando-se não apenas uma manifestação do
movimento e da fadiga, mas também uma importante ferramenta na sua
análise.
Estudos biomecânicos da corrida de longa distância têm tentado
identificar como a estrutura corporal e a mecânica de corrida interagem para a execução, relacionando economia de movimento e lesões.
Partindo do pressuposto de que quanto mais econômica for a corrida
mais tarde se instalará a fadiga, diversos fatores têm sido analisados
pelos pesquisadores. Autores têm mostrado mudanças cinemáticas ao
longo de uma corrida prolongada - aumento do comprimento da passada; alteração da mecânica do pé e alteração dos ângulos articulares em
pontos-chave da corrida. Isso sugere que a fadiga faz com que o executante realize um certo número de adaptações para manter uma certa
velocidade. Em geral, espera-se que o aumento de velocidade se dê pela
manutenção da frequência e o aumento da amplitude de passada. Em
duas revisões de literatura, uma especificamente sobre corrida em diversas velocidades (NOVACHECK, 1998) e outra mais específica sobre
fadiga na corrida (SILVA et al., 2007), é possível verificar os parâmetros
mais estudados, que são:
◆◆
cinemáticos – comprimento e frequência de passada e, no plano
sagital, ângulos de flexão e extensão de quadril, joelho e tornozelo;
◆◆
atividade elétrica dos músculos, especialmente: reto femural,
quadríceps como um todo, extensores do quadril, flexores do joelho, gastrocnêmio e tibial anterior; e
◆◆
cinéticos – valores de potência gerada nas articulações para controle da absorção do choque, controle da postura e geração de
energia para propulsão para cima e para frente.
34 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
Com relação à fadiga, Mizrahi et al. (2000) verificaram em seu estudo
que, paralelamente ao desenvolvimento da fadiga, houve um declínio na frequência de passada, um aumento gradual dos ângulos de extensão do joelho
(na posição de extensão máxima, isto é, fase precedente ao contato), e redução gradual nos ângulos de flexão do joelho realizada após o contato, ocorrendo também um aumento no deslocamento vertical do quadril. Segundo
Mizrahi et al. (2001), esse aumento no deslocamento vertical do quadril
ocorre por uma maior dorsiflexão do tornozelo e não por maior flexão do joelho. Esse mecanismo ocasiona uma diminuição da absorção de choque e se
torna relevante para entender o mecanismo de atenuação de impacto, lesões
relacionadas à fadiga e talvez mudanças degenerativas. Siler e Martin (1991)
relataram que com a fadiga ocorreu aumento do comprimento de passada,
da amplitude de movimento da coxa, da flexão máxima da coxa, da flexão
do joelho, do ângulo do tronco com a vertical na extensão máxima da coxa,
assim como diminuição da extensão do joelho. Os autores descreveram que a
maior inclinação do tronco pode ser derivada das dificuldades de respiração,
pois a posição gera uma atividade eletromiográfica menor do diafragma e
dos músculos inspiratórios acessórios e menor diminuição da pressão entre o
esôfago e o estômago. Não encontraram diferenças de sincronização da passada decorrente da fadiga entre corredores rápidos e lentos.
Hanon et al. (2005) apontaram que durante a corrida a alteração na frequência de passada parece uma parte indispensável da avaliação da fadiga
muscular e descreveram que os músculos biarticulares - reto femural e bíceps femural -, que apresentam dois diferentes picos de ativação durante
um ciclo de corrida, parecem ser os músculos que mostram os primeiros
sinais de fadiga, com o vasto lateral e o tibial anterior apresentando posteriormente sinais de fadiga. Trazem a hipótese de que, dependendo da
velocidade, quando o exercício é contínuo os músculos que fadigam mais
cedo podem ser diferentes: o gastrocnêmio e o vasto lateral em baixas velocidades e o bíceps femural e o reto femural em velocidades maiores. Fraga
et al. (2007) relataram uma diminuição de amplitude da passada sem diferença na frequência e aumento da ativação do músculo vasto lateral em
decorrência da fadiga na corrida, não encontrando diferença significativa
na ativação do reto femural para atletas de triatlon.
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 35
Em estudos mais recentes, Petersen et al. (2007) e Saldanha et al. (2008)
relatam que a fadiga em força muscular mostrada pelos indivíduos após
uma corrida prolongada ou maratona, parece estar relacionada a mecanismos centrais e não periféricos. Petersen et al. (2007) descreveram que após
a corrida de maratona a contração voluntária máxima dos músculos flexor
plantar e extensores do joelho foi reduzida sem nenhuma alteração acentuada nas propriedades contráteis evocadas do músculo. Saldanha et al.
(2008) demonstraram que após uma corrida prolongada houve uma redução na força voluntária máxima do flexor plantar que estava principalmente
vinculada à fadiga central.
Hayes et al. (2004) tiveram como objetivo examinar a relação da resistência muscular localizada dos flexores com os extensores, tanto do joelho
como do quadril, e também as alterações biomecânicas geradas durante a
corrida até a exaustão. A hipótese era de que, quanto maior a resistência,
menores as alterações nas variáveis mecânicas. Os autores encontraram que
as alterações no comprimento da passada tiveram uma correlação alta e
negativa com a resistência muscular localizada dos extensores do quadril e
flexores do joelho, o que confirmou a hipótese do estudo.
Como se pode ver pelos diversos resultados apresentados, vários elementos podem ser identificados para a determinação do estado de fadiga
durante o exercício. Esses elementos, somados aos elementos bioquímicos,
compõem o quadro fisiológico da fadiga. Entretanto, diante da grande variabilidade biológica individual, não existem padrões universais facilmente
identificáveis de movimento eficiente e, portanto, de fatores que levam à
fadiga. É importante que os indivíduos sejam estudados individualmente
com relação a medidas da estrutura anatômica (amplitude de movimento
nas várias articulações), habilidades funcionais (flexibilidade, força muscular), histórico de lesões, calçados, método de treinamento e outros fatores
(WILLIAMS, 2007).
De posse dessas informações, quando observamos novamente o caso
da atleta Gabriela Andersen-Scheiss, bem como de outros atletas que superaram seus próprios limites, imaginamos que os fatores que os levaram
a desafiar a fisiologia e a bioquímica, e a ultrapassar a hipótese de autopre36 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
servação a qualquer custo do sistema nervoso central, claramente demonstrando a fadiga em seu padrão biomecânico particular, evidenciado por
seus movimentos descontrolados, completamente diferentes de qualquer
padrão apresentado por um corredor descansado, deveriam estar dentro do
próprio sistema nervoso central. Abordaremos aspectos que confirmam a
complexidade e integralidade do conceito de fadiga e apontam como o ser
humano lida com esses desafios do ponto de vista psicológico.
8. Fatores psicológicos atuantes na superação dos limites
durante o desempenho esportivo
É fato que a união dos fatores referentes ao treinamento desportivo
(físico, motor, técnico, tático, nutrição e psicológico) deve estar em equilíbrio
a fim de obtermos um bom resultado em uma competição. Dentre esses
fatores podemos destacar o psicológico como sendo um momento decisivo,
a ser tomado pelo atleta com a finalidade de superar um desafio, ou superar
um desafio a mais, ultrapassando os próprios limites e o levando a quebrar
recordes, ou a superar as maiores necessidades de sobrevivência ligadas às
necessidades biológicas do ser humano.
Mas que força é essa que move o atleta a superar os seus limites e se colocar a vencer a uma competição qualquer custo? Que motivos determinam
esses fatores relacionados ao desempenho do atleta? Esses motivos são relacionados aos fatores internos (motivação intrínseca) ou a fatores externos
(motivação extrínseca)?
No exemplo da maratonista suíça, podemos refletir que a prática da
atleta em sua tentativa de terminar a prova da maratona a fez quebrar
os paradigmas referentes à fadiga, ultrapassando os limites fisiológicos e
bioquímicos de consumo de energia (glicogênio muscular, ácidos graxos,
etc.), mas, sobretudo, passando pelas forças que regem o desempenho e
o planejamento do treinamento desportivo, no sentido de que o ser humano encontra seus limites em si próprio, assim como quebra os seus
limites, tendo como referência suas experiências anteriormente vividas e
desempenhadas.
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 37
Então, as necessidades dos indivíduos estão pautadas em suas expectativas de desempenho, variando com o momento vivenciado por cada um.
De acordo com a teoria de Maslow (apud WEITEN, 2008), podemos
determinar algumas necessidades referentes à motivação de cada ser humano para cada tipo de atividade a ser desempenhada, como ilustrado na
a escala da Figura 4.
Figura 4. Hierarquia das necessidades de Maslow (cf. WEITEN, 2008, p. 284).
Na figura acima, podemos observar que a base é as necessidades fisiológicas,
como citado anteriormente, e no topo da pirâmide se encontra a necessidade de
autorrealização, ou seja, a realização do potencial, ou ainda necessidade de maximizar o potencial de desempenho.
Entretanto, conforme o lado direito da figura, pode ocorrer um processo de regressão ou de progressão, à medida que as necessidades são satisfeitas podemos alterar a escala das necessidades, porém nem todas as
pessoas chegam ao topo da pirâmide, pois não conseguem melhorar seu
desempenho.
38 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
Esse desempenho pode ser variável de acordo com a ocorrência de
eventos – por exemplo, a fadiga, em que o indivíduo está dentro ou próximo de seus limites, e no caso da atleta poderíamos verificar a assertiva de
conquistar o topo da pirâmide.
Ainda assim podemos afirmar que, aumentando o valor do incentivo, aumentariam, como no caso da atleta, os fatores internos. A torcida ovacionando e
estimulando a atleta (fatores extrínsecos) aumentaria ou acrescentaria o motivo
de realização da atleta, reafirmando a hipótese de atingir o topo das necessidades
expresso na figura acima.
Sendo assim, Thomas afirma que “[...] motivos não conduzem à ação.
São situações em um determinado momento que despertam e estimulam
motivos de modo a conduzi-los efetivamente à ação” (apud DE MARCO;
JUNQUEIRA, 1995, p. 87), como representado na Figura 5.
Figura 5. Representação motivacional (cf. THOMAS apud DE MARCO;
JUNQUEIRA, 1995, p. 87).
Podemos observar que para haver motivação é necessária uma predisposição, ou seja, algo que mova cada indivíduo até a realização de algo,
ou de uma ação. Por isso cada indivíduo dispõe subjetivamente de seus
motivos.
Dando sequência a esse pensamento, Birch e Veroff colocam que o estudo da motivação “é a busca para alguns dos mais intrincados mistérios
da existência - suas próprias ações” (BIRCH; VEROFF, 1970, p. 3). O ponto
de partida para este estudo é a atividade, dizendo que o comportamento de
um organismo é uma sequência da atividade. A atividade pode ser consumatória ou instrumental. As atividades consumatórias são referidas como
objetivo e as instrumentais, como dirigidas para um objetivo.
Contudo, alcançando a excelência, Birch e Veroff concluem que
Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 39
Como resultado de um tipo de atividade instrumental,
a dificuldade de desempenho daquela atividade psicologicamente modifica-se para o futuro. Torna-se algo
mais fácil. O valor consumátorio da realização da atividade se altera na medida em que muda a dificuldade
psicológica. À medida que se torna mais fácil, ela não
será de interesse para realização. A tendência para uma
atividade mais difícil é intensificada. (BIRCH; VEROFF,
1970, p. 117)
E, como afirma Damasio (1996), em muitas circunstâncias de nossa
vida como seres sociais sabemos que as emoções só são desencadeadas após
um processo mental de avaliação que é voluntário e não automático.
Vemos que, conforme Magill (1984), a motivação é importante para
a compreensão da aprendizagem e o desempenho de habilidades motoras
desde o aprendizado, passando pela manutenção e chegando a níveis de
intensidade, assim influenciando o desenvolvimento do ser humano nas
suas relações e inter-relações.
Dessa maneira - não justificando, mas colocando em prática as questões relacionadas ao desempenho humano e aos processos psicológicos -,
podemos observar que os motivos podem ser alterados de acordo com as
necessidades momentâneas do ser humano na busca da superação dos próprios limites, por acreditar em seu esforço, ser mais persistente e buscar a
sua satisfação pessoal.
9. Conclusão
Com base nas informações apresentadas, podemos concluir que o processo de estabelecimento da fadiga, embora já tenha sido experimentado
por todos que praticam algum tipo de atividade física, é mais complexo e
intrincado que seu resultado final, com a interrupção do exercício ou a queda no desempenho, podendo chegar a casos extremos como o quadro apresentado pela atleta Gabriela Andersen-Scheiss. A importância das informações apresentadas fica clara quando as colocamos em prática, analisando o
40 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
calendário esportivo de determinadas modalidades, ou a periodização do
treinamento de atletas, ou mesmo quando nos perguntamos qual é o papel
da motivação no desempenho do indivíduo. Sabendo da necessidade de
aprofundamento nesse assunto, esperamos que este capítulo traga informações relevantes e também tenha suscitado novas perguntas que contribuirão para a evolução da investigação do tema.
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46 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar
PERSPECTIVAS SOBRE A FORMAÇÃO
DO TALENTO NO ESPORTE
Rudney Uezo
Marcelo Massa
Simone Tolaine Masseto
José Renato Campanelli
A
busca de talentos no esporte tem se apoiado em fatores subjetivos,
pelos quais os profissionais que atuam nessa área utilizam como
instrumento de detecção, seleção e promoção de talentos a própria experiência e intuição. Na verdade, muitos desses profissionais, ou até mesmo
pseudoprofissionais, precisam se adaptar (seja pela carência de estudos nessa área, pela má formação ou pela falta de informação) a uma situação em
que, por meio da tentativa e do erro, buscam chegar a um caminho próximo
do que eles imaginam ser correto.
Ora, sem dúvida nenhuma essa atitude de apenas imaginar pode trazer
riscos para um empreendimento que requer a escolha dos melhores candidatos. Hoje, o mercado de profissionais do esporte não comporta mais
aquele que não tem ou não quer buscar atualização, e sobretudo fundamentação científica para sua prática. Conforme Hebbelinck (1989) e Matsudo
(1996), não se pode mais conceber que tal metodologia de promoção de
talentos tenha seu alicerce montado apenas na subjetividade do empirismo.
Uma grande dificuldade para a estruturação de programas de promoção de talentos é que a maioria dos estudos realizados com o esporte aborda
atletas de alto nível em idade adulta, ou seja, é possível conhecer como é o
comportamento do atleta naquele momento, e no entanto existe pouca ou
nenhuma informação sobre que caminho o atleta percorreu para chegar ao
ápice de seu desempenho. Dados importantes sobre o comportamento e a
evolução das variáveis antropométricas, metabólicas, neuromotoras e psicos-
sociais relacionadas ao esporte durante os processos de crescimento e desenvolvimento e a influência do treinamento nos atletas desde as categorias de
base até a principal são escassos e ainda dificultam a metodologia de selecionar e promover indivíduos talentosos.
Além disso, pode-se verificar que mesmo com as ciências do esporte
tendo demonstrado grande avanço, atualmente ainda existem dificuldades
para se predizer o físico de atletas em idades pré-adultas (HEBBELINCK,
1989). Dentre as variáveis a serem abordadas nos estudos de seleção de
talentos de acordo com cada modalidade, a que parece ter melhor índice
de previsão é a estatura adulta. As características físicas referentes à muscularidade e adiposidade são mais difíceis de prever (HEBBELINCK, 1989).
Podemos ter como exemplo o somatotipo, que muda durante o crescimento
e o treinamento físico, e também pode influenciá-las (HEATH; CARTER,
1971) e, além disso, essas alterações que ocorrem de acordo com o treinamento apresentam limites de adaptabilidade genética.
Para Régnier, Salmela e Russel (1993), a interação entre genética e meio
ambiente é um dos mais importantes temas das pesquisas científicas na determinação de talentos esportivos. Malina e Bouchard (1986, 1991) complementam que atletas são produtos de seus genes e de seu meio ambiente
e esta relação determinará os processos de crescimento e desenvolvimento
dos indivíduos.
No entanto, a parcela de envolvimento da genética interagindo com
o meio ambiente nos processos de crescimento e desenvolvimento é ainda um fator que precisa ser mais bem esclarecido. Segundo França (1990),
existe grande dificuldade em se definirem fatores genéticos e ambientais na
determinação do crescimento, do desenvolvimento e de aspectos maturacionais do ser humano.
Portanto, a tarefa de detectar e selecionar talentos não é algo que pode
ser deixado à escolha do acaso. Para tentar identificar e controlar as diversas variáveis interagindo nesse processo, é preciso que os profissionais de
educação física e esporte estejam atuando na pesquisa e na formação de
conhecimentos teóricos que permitam proporcionar, quando colocados em
48
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
prática, a maior fidelidade possível na detecção e seleção do talento para o
esporte de alto nível. É preciso evitar perda de atletas por efeito de má fundamentação ou por falha da aplicação do próprio trabalho. Conhecimentos
periféricos sobre a detecção de talentos já existem e permitem caminhar
em direção a uma técnica minimizadora de erros (BÖHME, 1994, 1995;
GOMES, 1996; HEBBELINCK, 1989; SILVA; RIVET, 1988).
Além disso, pensando no contexto socioeconômico que cerca os processos de promoção de talentos, não é mais possível colaborar com a prática
da má utilização dos recursos destinados ao esporte de alto nível, assim
como é necessário evitar que se influencie a vida de uma criança e/ou adolescente que não seja apta para o investimento no esporte de alto desempenho. É importante lembrar que existem diferentes patamares para a prática
esportiva, ou seja, um garoto pode ser bom dentro de sua comunidade,
na sua escola, no bate-bola de fim de semana, mas não se encontrar suficientemente acima da média populacional para a prática do esporte de alto
nível: “quando denominamos alguém como talentoso em esporte, precisamos definir em relação a qual categoria e nível de desempenho esportivo
nos referimos” (BÖHME, 1994). Vê-se então, a importância de estudos que
procuram catalogar as características necessárias para que, de acordo com a
modalidade, um pré-adulto seja detectado e acompanhado durante os seus
processos de crescimento e desenvolvimento, evitando-se trabalhos imediatistas que busquem apenas resultados em curto prazo. Tal estudo deve
apresentar-se de forma cíclica/contínua (a longo prazo), acompanhando
as fases dessa evolução, que é constantemente modificada pelo meio ambiente, estabelecendo patamares que devem ser atingidos em cada fase do
desenvolvimento e minimizando erros (falso-positivos, falso-negativos),
assim otimizando os processos de promoção de talentos (BÖHME, 1995;
GOMES, 1996; HEBBELINCK, 1989).
Outro fator que merece ser comentado é que o esporte de alto nível pertence a um contexto multifatorial em que abordar uma única variável de
maneira unilateral pode ser um grande engano (MATSUDO, 1999). Alguns
autores já têm demonstrado a sua preocupação, buscando tratar o esporte
dentro desse prisma de características biopsicossociais. Böhme (1996) iniciou
Uezo, Massa, Masseto e Campanelli | 49
o desenvolvimento de um projeto longitudinal de detecção, seleção e promoção de talentos esportivos preocupado com a determinação de critérios
de desempenho relacionados a aspectos biopsicossociais e De Rose Júnior
(1993) tem levantado a importância da preparação psicológica no esporte de
alto nível. Hoje, essas equipes têm demonstrado grande interesse em associar
técnicos e preparadores físicos a uma equipe multiprofissional (psicólogos,
nutricionistas, fisioterapeutas, médicos, etc.) para tentar obter o melhor de
cada atleta em cada variável que possa trazer a melhoria do seu desempenho.
1. O talento e o talento esportivo
A busca de conhecimentos a respeito da manifestação do talento tem
sido considerada em diferentes áreas do saber. Tal fato pode ser observado
nos contextos relacionados às áreas da psicologia, da educação, da administração de empresas (recursos humanos), da matemática, das artes e inclusive do esporte.
Contudo, embora seja um assunto que desperte o interesse e a atenção
da comunidade em geral e dos estudiosos, na elaboração teórica e no domínio do significado da palavra talento existem considerações distintas e
sobreposições que carregam em seu bojo a problemática que cerca a determinação desse termo. Neste ínterim, atrelados, emergem significados que
remetem o talento a abordagens relacionadas aos termos aptidão e dom.
Para Ferreira (1996), no sentido etimológico, talento origina-se do grego tálaton e do latim talentu, apresentando o significado de “peso e moeda
da Antiguidade grega e romana”, “aptidão natural ou habilidade adquirida” e “inteligência excepcional, engenho”. Por sua vez, a palavra aptidão
origina-se do latim aptitudine, que significa “disposição inata; habilidade
ou capacidade resultante de conhecimentos adquiridos”. Já dom, origina-se
do latim donu, significando “dote ou qualidade natural inata”.
De acordo com Böhme (2004), na linguagem popular denomina-se talentoso o indivíduo que possui uma aptidão específica acima da média em
determinado campo de ação ou aspecto considerado, a qual é possível de
ser treinada e desenvolvida de acordo com as influências do meio.
50
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
Assim, de acordo com as apresentações supracitadas, aptidão, talento
e dom sobrepõem-se em seus significados e parecem termos inter-relacionados, envolvendo conceitualmente os aspectos inatos (naturais) do ser
humano, porém considerando no desenvolvimento e na manifestação do
talento a dependência da interação favorável com o meio ambiente.
Conforme Guenther (2000), denomina-se como talentosas pessoas com
características valorizadas pela cultura e pelo momento histórico. Böhme
(1994) e Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen (1997) complementam que,
além de valores culturais, devem-se considerar a constituição individual
herdada ou adquirida e as condições sociais. A proporção que cada uma
das características inatas, adquiridas, sociais e culturais se exerce sobre a
formação de um talento, bem como suas inter-relações, faz parte da problemática do tema e causa divergências entre os pesquisadores.
Corroborando o delineamento de que talento é um dom natural, conforme Ericsson e Charness (1994), sobre os atributos dos artistas há o registro do
trabalho clássico de Vasari, publicado em 1568, denominado The Lives of the
Artist, o qual propagava a ideia de que “o artista é alguém providencialmente
nascido com uma vocação do céu, designado para o reconhecimento, remuneração e respeito”. Nos séculos posteriores, com as mudanças e a mobilidade social, o surgimento da classe média, o progresso e o acúmulo do conhecimento
científico, tornou-se gradualmente mais evidente que os indivíduos poderiam
aumentar o seu desempenho por meio da educação e do treinamento se tivessem motivação, objetivo e direcionamento.
Desse momento em diante, começa a surgir especulações sobre a natureza do talento. Emergia a preocupação em distinguir realizações devidas
a dons naturais de outras realizações resultantes de aprendizagem e treinamento (BÖHME, 2004; ERICSSON; CHARNESS, 1994).
Especificamente relacionado à temática do talento esportivo, Marques
(1993) define que talentoso é um indivíduo que apresenta certas características biopsicossociais e, diante de determinadas situações, deixa antever
com segurança a possibilidade de adquirir altos desempenhos.
Uezo, Massa, Masseto e Campanelli | 51
Também se reportando ao talento esportivo, Bento (1989) sintetiza que
este pode ser entendido como um fato complexo, determinado qualitativa e quantitativamente por características individuais para desempenhos,
abrangendo várias capacidades inter-relacionadas, sistemas de conhecimento, atitudes, qualidades evolutivas e psíquicas e que, em condições ambientais favoráveis, otimizam a realização de desempenhos correspondentes ao nível e a direção do talento.
Dessa forma, corroborando as discussões de Bloom (1985), Csikszentmihalyi et al. (1997), Ericsson et al. (1993), e considerando as características genéticas, pode-se compreender que talento é um complexo de fatores
biopsicossociais que depende tanto de constituições herdadas como de disposições motoras, cognitivas e afetivas favoráveis, desenvolvidas em condições sociais e ambientais adequadas.
De acordo com o dicionário Schüllerduden Sport (1987), ao conceituar
os principais termos envolvidos na área de determinação de talentos esportivos, o talento depende tanto da constituição herdada como dos fatores
sociais e ambientais, ou seja, se uma pessoa talentosa tiver oportunidade de
ser estimulada no momento certo e da forma correta, ela poderá apresentar,
em longo prazo, resultados acima da média normal da população no aspecto em que é talentosa.
Especificamente em aspectos relacionados aos esporte, pode-se classificar a manifestação do talento em três grupos (SCHÜLLERDUDEN SPORT,
1987; WEINECK, 1991):
52
◆◆
talento motor geral - indivíduos que apresentam facilidade na aprendizagem de movimentos, ocasionando maior facilidade no domínio
de movimentos e consequente aumento do repertório motor;
◆◆
talento esportivo - indivíduos que apresentam potencial acima
da média populacional, podendo chegar a realizar altos desempenhos esportivos; e
◆◆
talento esportivo específico - indivíduos que apresentam requisitos físicos e psicológicos prévios para um determinado esporte.
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
Para Barbanti (1996), os indivíduos devem ser considerados talentosos
quando apresentarem uma aptidão geral elevada para que a aprendizagem
seja otimizada, pois são as capacidades motoras que favorecem o desenvolvimento das habilidades motoras.
Logo, para atender às particularidades de cada modalidade esportiva,
passa a ser relevante a presença de um talento esportivo específico. O talento se manifesta ligado à individualidade e se torna melhor quando o indivíduo consegue utilizar suas capacidades para desempenhos específicos
(BENTO, 1989).
Capacidade pode ser entendida como um traço estável, geneticamente definido, relativamente permanente, não modificada pela prática ou
experiência. É o alicerce, ou sustenta vários tipos de atividades motoras,
cognitivas, ou habilidades (SCHMIDT, 1993). As capacidades podem ser
consideradas o equipamento básico, inato, imprescindível na execução de
diversas tarefas do mundo real. São fatores que estabelecem limites para o
desempenho, ou seja, todos os indivíduos possuem todas as capacidades,
mas as capacidades podem ser mais fortes em alguns indivíduos que em
outros, podendo trazer implicações para o sucesso ou não em uma determinada habilidade. Além disso, tarefas específicas utilizam um conjunto
de capacidades para o desempenho e, dessa maneira, um mesmo indivíduo pode ser particularmente bom em uma determinada tarefa e ruim
em outra, corroborando o conceito de um talento esportivo específico
(MAGILL, 1980; SCHMIDT, 1993).
Portanto, na determinação e na promoção de um talento esportivo é necessário um conhecimento de aspectos teóricos que possibilitem direcionar
a atuação dos profissionais de educação física e esporte. É por meio dessa
área de atuação que, em longo prazo, serão promovidas as novas gerações de
atletas (BÖHME, 1994).
2. Detecção, seleção e promoção do talento esportivo
Na área do talento esportivo, três expressões devem ser consideradas:
detecção, seleção e promoção de talentos.
Uezo, Massa, Masseto e Campanelli | 53
A detecção de talentos representa os meios utilizados para encontrar
um número grande de jovens com disposição para participar de um programa de formação esportiva (BÖHME, 2000; WILLIANS; REILLY, 2000).
De acordo com Matsudo (1999), a antiga Alemanha Oriental foi o país
que conseguiu a melhor realização de um programa na área, por meio de
avaliações em aproximadamente 200 mil escolares, sendo selecionados 20
mil que iniciaram um programa de formação esportiva. Destes jovens, cerca de dois mil prosseguiam para um treinamento avançado, o qual disponibilizava em torno de 20 atletas de alto nível.
Esse mesmo autor classificou os diferentes tipos de programas de detecção de talentos em três tipos:
◆◆
sistemático estatal, em que o governo ou o sistema público organiza e subsidia os procedimentos de avaliação e acompanhamento
da população, fato que propicia monitorar aqueles que se destacam;
◆◆
sistemático não estatal, em que são oferecidas as mesmas condições citadas no sistema anterior, com a diferença de que quem
fornece subsídios e coordena o programa são as universidades
ou empresas privadas; e
◆◆
assistemático, em que a busca pelo talento ocorre de maneira
irregular, com as condições sendo oferecidas por empresas, governo, clubes ou até mesmo familiares do jovem - neste último
sistema, o surgimento de um atleta de destaque internacional é
considerado mais uma obra do acaso.
Benda (1998) descreveu a dificuldade em determinar os critérios para
a detecção de talentos, a qual envolve aspectos multifatoriais, com o principal problema sendo a integração dos fatores que compõem o talento a
partir de uma abordagem sistêmica, ou seja, a partir da necessidade de
compreender o atleta como uma unidade e não como a soma de suas partes isoladas (BERTALANFFY, 1977).
Para complementar a detecção há o processo de seleção de talentos,
definido por Böhme (2000) como a utilização dos meios adotados para de54
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
terminar aqueles que têm condições ou os pré-requisitos necessários para ingressar em um processo de treinamento visando ao desempenho de alto nível.
Nesse sentido, após a realização de avaliações das capacidades inerentes
ao desempenho esportivo, devem-se comparar os resultados obtidos com
os perfis específicos em função das peculiaridades das diferentes modalidades esportivas. A utilização desses padrões referenciais é sugerida na literatura como modelos de identificação e seleção dos jovens, além de permitir
a realização de um prognóstico do desempenho esportivo (BLOOMFIELD,
1994; BÖHME, 2000; OLIVEIRA et al., 1989).
Entretanto, a utilização de padrões referenciais tem sido criticada pelo
fato de os perfis disponíveis serem de atletas já na idade adulta, com os
quais são comparados os atletas em formação, e os dados são desatualizados (MASSA, 1999).
Maia (1996) afirma que a seleção das variáveis analisadas deve demonstrar ou pressupor relação direta com o desempenho esportivo. Para o autor,
existem limitações na predição do talento por não serem conhecidas as relações entre as variáveis inerentes ao desempenho esportivo.
Segundo Burwitiz et al. (1994), Régnier et al. (1993) e Gobbi (1992), o
talento esportivo só pode ser compreendido por meio de estudos multi e interdisciplinares, que consideram as relações entre as variáveis que compõem
o desempenho esportivo, sendo requeridas avaliações que utilizem análises
estatísticas multivariadas.
Em contrapartida, na prática profissional é comum que os técnicos esportivos utilizem processos baseados apenas em sua experiência e intuição
(HEBBELINCK, 1989). Assim, são utilizados critérios atrelados à consciência empírica de cada técnico, sem qualquer procedimento fundamentado,
sujeito a interpretações subjetivas diante de um processo extremamente
complexo. Neste sentido, Massa (1999) afirma que a busca de talentos ocorre de maneira subjetiva com os profissionais que atuam na área utilizando
sua experiência e sua intuição como critérios para seleção.
Não podemos, no entanto, generalizar toda a prática realizada como
inadequada ou desprovida de competência e com ausência de êxito. Ao
Uezo, Massa, Masseto e Campanelli | 55
contrário, muitos técnicos são merecedores de admiração pelo seu trabalho, que é reconhecido internacionalmente, fato comprovado por resultados expressivos de algumas modalidades esportivas em competições de
destaque mundial.
Desse modo, existe a necessidade de compreensão dos critérios adotados pelos técnicos esportivos nos processos de seleção nas chamadas “peneiras” dos clubes, que consistem basicamente em uma observação subjetiva dos atletas em situações de jogo. A utilização do critério citado, mesmo
que de maneira não intencional, utiliza um processo interdisciplinar, já que
a observação do comportamento apresentado considera as interações entre
as características inerentes ao desempenho dos atletas.
A determinação dos critérios relevantes para o desempenho esportivo
é uma tarefa complexa, visto que nas pesquisas existentes na área os indivíduos são analisados de maneira fragmentada, sendo desconsideradas as
relações entre os níveis de maturação biológica, o fenômeno da compensação, além de não apresentarem delineamento longitudinal pela dificuldade
de os estudos atenderem as características citadas.
Paralelamente à detecção e a seleção de talentos, Böhme (1995) define
a promoção de talentos como as medidas para o desenvolvimento das capacidades e habilidades esportivas dos jovens talentosos para os esportes,
por meio da utilização dos procedimentos do treinamento esportivo, com o
objetivo de um desempenho esportivo otimizado a longo prazo.
Segundo Lanaro Filho (2001), a promoção de talentos possui relação direta com o desempenho dos atletas em cada uma das fases do treinamento
em longo prazo, já que o monitoramento de maneira contínua exercerá função fundamental na seleção dos atletas para níveis superiores de rendimento.
Para Marques (1991), durante os períodos que envolvem o processo de
formação de talentos, em cada etapa da preparação em longo prazo, deve-se
considerar o referencial da etapa posterior, já que cada estágio desenvolve
os pressupostos para o seguinte período do processo.
Na pesquisa realizada por Massa (1999), com atletas de voleibol masculino envolvidos em um processo de promoção de talentos, foi verificado
56
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
que entre uma categoria inferior e outra imediatamente superior o comportamento das variáveis se alternavam, isto é, não havia variável crítica que
mantivesse uma consistência ao longo do processo. Esse fato reforça a afirmação de Marques (1991) de que há necessidade de considerar cada etapa
do treinamento em longo prazo, evitando predições entre as categorias de
base e a categoria adulta.
Em concordância, Hebbelinck (1989) afirmou que as predições de
desempenho futuro oferecem confiabilidade de dois a quatro anos, o que
reforça a realização de avaliações periódicas durante os processos de promoção de talentos.
Com relação ao prognóstico do desempenho esportivo, Maia (1996)
discutiu a dificuldade em predizer, em um intervalo de tempo distinto, o
desempenho esportivo futuro exclusivamente a partir de resultados apresentados precocemente ao citar a inconsistência do desempenho esportivo.
Segundo ele, a problemática do prognóstico do desempenho esportivo é fundamentada em estudos experimentais e correlacionais que desconsideram
sua validade ecológica, criticando a utilização de padrões referenciais por sua
análise reducionista do fenômeno, defendendo a necessidade de estudos que
utilizem procedimentos metodológicos multivariados.
Benda (1998) corrobora a impossibilidade de realização de prognósticos esportivos ao citar o conceito de equifinalidade, pelo qual um mesmo
resultado final pode ser alcançado a partir de diferentes condições iniciais
ou diferentes procedimentos adotados, fato que pode ser ilustrado no conceito de aprendizagem de uma habilidade ou até mesmo no crescimento
físico dos indivíduos. Sendo assim, cada detalhe vivenciado pelo indivíduo
pode influenciar de maneira imprevisível seu futuro. O autor se apoia nas
ideias da teoria do caos, segundo a qual pequenas perturbações na vida de
uma pessoa podem resultar em grandes consequências muitas vezes imprevisíveis, tornando o futuro praticamente imprevisível (BERTALANFFY,
1977; GLEICK 1990).
Dessa maneira, destacamos a importância de um trabalho bem estruturado e embasado cientificamente para auxiliar na formação de jovens talentosos rumo ao sucesso esportivo. Sabendo da impossibilidade de se preUezo, Massa, Masseto e Campanelli | 57
ver um comportamento futuro, podemos agir no sentido de proporcionar
situações favoráveis para que crianças e jovens tenham a oportunidade de
vivenciar experiências propícias à sua formação esportiva. Um bem elaborado programa de treinamento em longo prazo pode oferecer esse ambiente
adequado ao desenvolvimento de suas capacidades.
3. Promoção de talentos e implicações para a prática
profissional
Existe um grande distanciamento entre a prática profissional e os estudos
acadêmicos na área de seleção, detecção e promoção de atletas talentosos.
Assim como mencionado anteriormente neste capítulo, a prática profissional,
na grande maioria dos casos, não corresponde às ilações dos estudos acadêmicos. Muitas vezes por falta de conhecimento, ou mesmo por julgar que o
feeling profissional é mais fidedigno ou mesmo mais prático que a utilização
de procedimentos fundamentados na literatura durante a seleção ou promoção de atletas talentosos, alguns desses atletas podem ser excluídos do processo antes mesmo de atingirem o máximo de suas potencialidades.
O treinamento em longo prazo (TLP) inclui um programa sistemático,
específico e adequado a cada estágio de desenvolvimento dos atletas, com
o objetivo de desenvolver da melhor maneira um potencial talento. Assim
como afirma a literatura, a formação de um atleta de alto desempenho esportivo pode demorar em média dez anos ou dez mil horas de prática deliberada
(ERICSSON et al., 1993). A maioria das teorias que sustentam o TLP propõe
três níveis de desenvolvimento (BÖHME, 2000, 2004; BOMPA, 1999, 2000;
WEINECK, 1999), desde a infância (idade de início) até a idade pré-adulta
(apresentação de resultados no esporte de alto nível).
O primeiro nível compreende a formação básica geral e abrange crianças
e pré-adolescentes entre 7 e 12-13 anos de idade. Neste nível, o foco é o desenvolvimento das capacidades coordenativas para a melhoria do desempenho
esportivo desses atletas que ainda precisam desenvolver o gosto e o interesse
pela modalidade praticada.
O segundo nível, direcionado para o treinamento específico de adolescentes com idade entre 13 e 17 anos, tem como objetivo a melhoria do
58
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
desempenho específico da modalidade praticada. Esta fase possui três subdivisões (treinamento básico ou de iniciantes, treinamento de síntese ou de
adiantados e treinamento de alto nível) para adequar a intensidade e direcionar o treinamento para as características biopsicofisiológicas dos atletas.
Este nível compreende, de maneira geral, a melhoria do estado de desempenho esportivo, o desenvolvimento das capacidades básicas específicas da
modalidade em questão, o aprendizado das técnicas básicas de movimento,
o domínio do repertório de técnicas da modalidade e, por fim, a tolerância
às cargas de treinamento exigidas, preparando o atleta para a fase seguinte.
O terceiro nível compreende o treinamento de alto nível e abrange atletas
desde 17-18 anos até o final de suas carreiras. Nele, o objetivo geral é o alcance do alto desempenho individual por meio do aumento otimizado do volume e da intensidade de treinamento para atingir a perfeição, a estabilização e
a disponibilidade máxima da técnica esportiva, além da melhoria e da manutenção da mais alta capacidade de desempenho pelo maior período possível.
Böhme (2000) sugere que, antes do início do processo formal de TLP,
as crianças devem ter o desenvolvimento motor estimulado de maneira generalizada, buscando-se a ampliação do acervo motor por meio de grande
variabilidade de vivências motoras, assim como a utilização da maior quantidade possível de materiais esportivos, e a partir de então ela estará apta às
subsequentes fases do TLP.
Alguns princípios básicos do TLP envolvem o respeito às fases de desenvolvimento das crianças oferecendo oportunidades de prática esportiva de maneira generalizada, sem imposições de desempenho de resultado,
procurando diversificar as experiências para só depois especializar. Iniciar
cedo no esporte não corresponde necessariamente a especialização esportiva precoce, dede que seja garantido o início prazeroso na modalidade - dessa forma, o planejamento dos treinamentos deve respeitar o tempo livre das
crianças para que elas tenham oportunidade de descobrir outras atividades
até que chegue o momento da decisão por prosseguir em determinada modalidade.
Durante o processo de TLP, o desenvolvimento dos atletas deve ser
acompanhado por avaliações cíclicas e contínuas, pois durante a puberdaUezo, Massa, Masseto e Campanelli | 59
de é grande a variabilidade morfológica, funcional e psíquica. As avaliações
e registros devem ser um processo constante, reforçando a necessidade de
acompanhamentos longitudinais (MASSA, 2006).
Atletas que tiveram a oportunidade de desenvolver todo o seu potencial acabam por se destacar durante o processo. Essa oportunidade envolve
fatores ambientais, biológicos, psíquicos e situacionais. Caso sejam exigidos
em demasia e precocemente, esses atletas podem desistir da prática esportiva
por diversos fatores, como lesões, exaustão física e psíquica dentre outros.
Eventuais resultados precoces devem ser observados como parte de um processo evolutivo, e não como um produto final, pois resultados precoces não
são sinônimos de sucesso futuro: menos de um terço das pessoas consideradas talentosas em algum domínio do conhecimento foram crianças precoces
(GUENTHER, 2000; MASSA, 2006).
A problemática do TLP nos leva a refletir sobre os meios pelos quais
podemos intervir na formação profissional de estudantes do curso de educação física a fim de capacitá-los para atuarem no treinamento esportivo de
crianças e adolescentes. Com essa finalidade, formamos um grupo composto por docentes e alunos interessados em conhecer o universo da formação
esportiva.
O Grupo de Estudos em Pesquisa, Desenvolvimento e Treinamento
Infantojuvenil (GEPTDTIJ), inserido no curso de educação física, teve
início em 2005 e desde sua formação tem o foco de seus estudos em treinamento infantojuvenil. Seu objetivo é capacitar graduandos, por meio
de pesquisas, revisões de literatura e reflexões, para o exercício profissional competente no sentido de atuar assertivamente na formação esportiva
de crianças e adolescentes.
Os estudos desenvolvidos pelo grupo abordam a problemática por meio
de pesquisas transversais, buscando caracterizar variáveis discriminantes
que possam elucidar a complexidade da formação esportiva de atletas talentosos, buscando também conhecer a relação entre a prática profissional e
os seus indicadores, resultantes de estudos acadêmicos. Por se tratar de um
tema complexo e multivariado, pesquisas em várias áreas são pertinentes
na tentativa de entender o fenômeno (RÉGNIER et al., 1993).
60
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
Inicialmente, as investigações concentravam-se no conhecimento de
características cineantropométricas, porém, com o desenvolvimento do
grupo foram sendo criados outros focos de interesse. Atualmente, evidenciam-se três focos de investigação:
◆◆
análise de fatores discriminantes na formação de atletas talentosos já consagrados;
◆◆
análise de jogo;
◆◆
trajetória esportiva de atletas.
Com uma produção bibliográfica de três artigos submetidos aguardando aceitação, dez artigos científicos editados, três capítulos de livro e ainda
orientação de 26 projetos de iniciação científica, o grupo vem se consolidando.
A análise de fatores discriminantes trata de procedimentos estatísticos
multivariados que buscam agrupar fatores responsáveis pelo desempenho
do atleta e é utilizada para examinar, simultaneamente, a relação entre grande número de variáveis. A classificação multivariada, também denominada
análise de cluster, é um conjunto de procedimentos que visa a agrupar e
discriminar grupos de variáveis. Muitas vezes, essas variáveis sozinhas não
conseguem explicar o desempenho esportivo dos atletas. As pesquisas com
este tipo de análise de dados são quantitativas e exigem um conhecimento
um pouco mais aprofundado de estatística.
A análise de jogo pode auxiliar o profissional a adequar o treinamento,
assim como observar atuações individuais e coletivas do grupo. A expressão análise de jogo está relacionada à coleta e à análise de dados, resultando
na avaliação do treinamento e também do desempenho individual. Dessa
forma, as informações colhidas podem vir a se tornar variáveis de grande
importância para a reformulação do treinamento, podendo gerar melhoria
de desempenho. Esta técnica de pesquisa busca entender os processos de
tomada de decisão durante a prática esportiva no próprio ambiente de prática, deferentemente do que ocorre em laboratórios, em situações distantes
da realidade do jogo: este tipo de pesquisa estuda a ação real do atleta duUezo, Massa, Masseto e Campanelli | 61
rante a realização de uma partida. Este método utiliza a observação do atleta durante sua atuação, tentando identificar em detalhes o número, o tipo e
a frequência das tarefas motoras realizadas, além de analisar as habilidades
técnicas (GARGANTA, 2001).
A pesquisa da trajetória esportiva procura identificar fatores discriminantes durante o processo de formação esportiva por meio de pesquisa
retrospectiva, observando a vida de atletas que tiveram destaque em suas
carreiras, buscando assim identificar fatores determinantes do sucesso. O
conhecimento desses fatores pode ajudar na elaboração de ambientes de
prática adequados para o desenvolvimento de outros atletas talentosos, podendo assim auxiliá-los a atingir o ápice esportivo. As pesquisas com esta
característica são de natureza qualitativa, possuindo diferentes métodos de
coleta e análise. Essas metodologias legitimam a subjetividade como produção de saberes e a intersubjetividade como suporte de trabalho interpretativo, de modo que o pesquisador deve ter um bom suporte teórico sobre
o tema para poder extrair o máximo de informação dos discursos coletados. Este conhecimento vai além do conteúdo específico do tema estudado,
pois existe a necessidade de decifrar os signos (sinais) da fala dos sujeitos
para a compreensão de seu significado (estruturas sociológicas). Dentre as
metodologias podemos citar a história de vida (RUBIO 2003), o discurso
do sujeito coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2003), a análise de conteúdo e a
análise de discurso (BARDIN, 1979; MINAYO, 1994).
Essas são algumas possibilidades de investigação e direcionamento do
GEPTDTIJ, tendo como meta a formação profissional competente de alunos da graduação para sua atuação responsável no mercado de trabalho.
Trabalhamos pela sedimentação dos grupos, pois acreditamos assim colaborar para a melhoria da detecção, da seleção e da promoção de atletas
talentosos em direção ao sucesso esportivo.
4. Fundamentação teórica geral para a compreensão do TLP
Assim como visto em nosso capítulo, para a compreensão da temática
da promoção de talentos no esporte existe a necessidade de fundamentação
teórica geral. Isso acontece em disciplinas que precedem o conhecimento
62
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
específico pertinente à disciplina detecção, seleção e promoção do talento
esportivo, ministrada no último semestre do curso de educação física.
Nossa fundamentação começa com crescimento e desenvolvimento
motor I e II, disciplinas responsáveis pelo conhecimento do desenvolvimento humano desde a concepção até a idade adulta. Nossos alunos são
estimulados, desde as primeiras etapas, a investigar cientificamente aspectos teóricos, relacionando-os a experiências práticas, principalmente
no que tange ao treinamento esportivo precoce. A maturação biológica
é amplamente discutida e relacionada à seleção esportiva em diferentes
modalidades. Embora a temática da disciplina não seja o talento esportivo, nesta etapa já podemos discutir diferentes formas de seleção de
atletas promissores em diferentes modalidades, bem como a exclusão
do processo de futuros talentos simplesmente por serem tardios em sua
maturação. E também se discute a administração de cargas elevadas de
treinamento para crianças e adolescentes ainda não maturados e suas
implicações no desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. Sendo
assim, nossos alunos seguem no curso aptos a perceber a importância
da prática motora diversificada na infância (GALLAHUE; OZMUN,
2001), assim como o respeito pelo desenvolvimento físico na formação
de um atleta talentoso.
Nas etapas posteriores, com a disciplina de cineantropometria, os futuros profissionais são preparados para compreender e intervir no terreno
da avaliação física. Mais uma vez a temática do talento esportivo ganha
espaço para discussão. Discute-se a importância das famosas “peneiras” no
processo de formação esportiva, que muitas vezes não selecionam os mais
talentosos, mas os mais maturados, além de poder intervir no mercado
profissional na tentativa de melhorar esse sistema de seleção já estabelecido
culturalmente e em grande parte desprovido de fundamentação científica.
Nesta disciplina cabe discutir características cineantropométricas de atletas talentosos. Este tipo de investigação tem sido um instrumento utilizado
para classificar indivíduos e atletas conforme o tipo de atividade ou a função que desempenham dentro de uma determinada modalidade esportiva
(ROCHA et al., 1996). A falta de referencial antropométrico de atletas brasileiros auxilia na sedimentação de um programa assistemático de formaUezo, Massa, Masseto e Campanelli | 63
ção esportiva, pois só temos respostas a algumas questões sobre a trajetória
desses atletas por pesquisas retrospectivas, e não por estudos longitudinais.
O sucesso de um indivíduo talentoso depende não só de características
físicas, mas também de fatores psicossociais. Depende em grande parte do seu
comprometimento com a modalidade e consequentemente com o treinamento, de sua motivação e paixão pela área de atuação, além do apoio de diversos
segmentos da sociedade, como a família, os bons mentores e treinadores, no
caso do esporte. Esta é parte da temática da disciplina bases psicológicas aplicadas a educação física e esporte II, na qual os alunos conhecem os principais
aspectos psicológicos relacionados ao desempenho, assim como pesquisam e
discutem temas emergentes da psicologia esportiva.
Esta temática inclui também a compreensão da importância da preparação psicológica dos atletas, do controle emocional em treinamento e em competições, assim como a busca de níveis adequados de concentração, técnicas
de controle de estresse e ansiedade, e a avaliação, o acompanhamento e a
formação da identidade profissional dos atletas, assim como comentam Ferreira et al. (2004).
Em suma, nas diferentes etapas da formação profissional de nossos alunos existe a preocupação de prepará-los para exercer, de maneira consciente e responsável, a carreira de formador esportivo. Os professores envolvidos nas disciplinas supracitadas trabalham de modo integrado com seus
conteúdos, sempre reforçando a importância das partes na formação do
todo. Para fechar o ciclo de conhecimento, no último semestre é oferecida
a disciplina detecção, seleção e promoção de talentos esportivos, que tem
por função integrar todo esse conhecimento, além de apresentar diferentes
programas de formação esportiva em diversos países.
5. Considerações finais
As propostas apresentadas para o estudo da temática do talento esportivo esbarram nos fatores de TLP. Um representante esportivo de sucesso
certamente não surgiu ao acaso e sim de um longo e árduo processo de preparação. Este tipo de preparação deve ser cuidadosamente planejada para
64
| Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte
abranger o desenvolvimento de todo o potencial que o atleta pode oferecer,
de maneira temporal adequada ao seu crescimento e seu desenvolvimento.
O contexto da promoção de talentos para a prática esportiva de alto
nível é complexo e abrange diversos aspectos relativos aos fatores biopsicossociais, além dos ambientais, que muitas vezes passam ao largo de nossa
curiosidade científica, prejudicando o sucesso do processo. A temática do
talento suscita muitas discussões conceituais. Semanticamente, o significado de talento sobrepõe-se aos conceitos de dom (inato) e aptidão, que
envolvem aspectos inatos (naturais) do ser humano, porém também se considera que o desenvolvimento e a manifestação do talento dependem da
interação favorável com o meio ambiente (MASSA, 2006).
Pesquisas sobre talentos no esporte esbarram inevitavelmente no
processo de formação esportiva, tema complexo e dinâmico que aborda questões inerentes ao crescimento e o desenvolvimento de crianças e
adolescentes associadas a especificidades técnicas, táticas e estratégias das
modalidades em questão. E também não podemos deixar de considerar a
importância da formação esportiva de crianças, adolescentes e jovens que
por diversos fatores não seguirão a carreira esportiva, mas utilizarão essa
formação para a prática esportiva recreativa.
Buscamos formar profissionais críticos que possam utilizar não só o conhecimento empírico intuitivo, mas o conhecimento científico para embasar
suas ações profissionais. As disciplinas relacionadas ao GEPTDTIJ direta ou
indiretamente podem fazer uso do conhecimento produzido para entender
um pouco mais acerca da complexidade da formação esportiva de atletas talentosos, procurando, desta maneira, contribuir para o futuro do esporte.
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Uezo, Massa, Masseto e Campanelli | 69
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO NA GRADUAÇÃO
EM EDUCAÇÃO FÍSICA:
O uso da Web 2.0 e do Moodle
Ferdinand Camara da Costa
Rita de Cássia Garcia Verenguer
T
odo docente universitário já observou como as tecnologias da comunicação e informação (TICs) estão presentes no cotidiano dos
jovens. Seja por meio do uso das redes sociais (Orkut, Facebook, MSN) ou
das ferramentas interativas da internet (blogues, Wiki, Twitter, Youtube),
os graduandos de educação física, futuros profissionais, tem ao seu alcance
uma infinidade de meios para se comunicar ou buscar conhecimento.
Sabemos que na sociedade do conhecimento as novas tecnologias potencializam o acesso e a disponibilização da informação, o que gera uma
imensa oportunidade de disseminá-las e utilizá-las para gerar conteúdos.
Tal realidade afeta diretamente as relações de ensino e aprendizagem e os
atores envolvidos.
Nesse cenário, a competência docente deixa de ser vista como domínio
e transmissão de conhecimento estabelecido para tornar-se a capacidade de
apoiar os graduandos a produzirem conhecimentos significativos, colaborativos e condizentes com as necessidades de aprendizagem de uma sociedade em constante transformação, com em disse em palestra a professora
doutora Maria de los Dolores J. Peña:
Na medida em que formamos o aluno para uma sociedade em constante mudança, isto pressupõe trabalhar
com informações atualizadas constantemente onde o
intervalo de tempo não é previsível e o papel do professor e aluno é o de construir conhecimento a partir de
informações contextualizadas para que se transformem
em conhecimentos significativos.
Potencializar o uso desses dispositivos e ferramentas no ambiente universitário pressupõe romper o paradigma da transmissão de conhecimento como
a única forma de ensino e organizar-se em torno de outro paradigma: o da
aprendizagem e da construção coletiva do conhecimento. Tal mudança exigirá
de docentes e discentes uma nova postura, ou seja, para o docente, um papel de
moderador e para o discente, o papel de protagonista da aprendizagem.
Assim, faz-se necessário que instituições, docentes e graduandos rompam com os modelos tradicionais de ensino e aprendizagem, ou seja, o docente deve deixar de lado a transmissão do conhecimento para estimular o
graduando a construir o seu próprio conhecimento. Para Kenski,
O uso criativo das tecnologias pode auxiliar os professores a transformarem o isolamento, a indiferença e a alienação com que costumeiramente os alunos frequentam
as salas de aula, em interesse e colaboração, por meio do
qual eles aprendam a aprender, a respeitar, a aceirar, a
serem melhores pessoas e cidadãos participativos. Professor e aluno formam “equipe de trabalho” e passam a
ser parceiros de um mesmo processo de construção e
aprofundamento do conhecimento. Aproveitar o interesse natural dos jovens estudantes pelas tecnologias é
utilizá-los para transformar a sala de aula em espaços de
aprendizagem ativa e de reflexão coletiva.
O docente precisa desenvolver ações que tenham interesse didático-pedagógico, permitindo o desenvolvimento de ambientes de aprendizagem
centrados nas atividades dos graduandos, mostrando as múltiplas possibilidades dessa forma de aprendizagem e, dessa maneira, tornar as informações e a aprendizagem mais significativa.
Um dos grandes desafios para o educador é ajudar a
tornar a informação significativa, a escolher as infor-
72 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
mações verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades, a compreendê-las de forma cada vez mais
abrangente e profunda e torná-las parte do nosso referencial. (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2001, p. 23)
Os ambientes virtuais de aprendizagens (AVAs) e as ferramentas interativas disponíveis na Web 2.0 surgem como possibilidade para o docente
motivar os graduandos, que já estão habituados ao uso de ferramentas
digitais fora dos muros da universidade, a utilizá-las como ferramenta de
auxílio no desenvolvimento de sua aprendizagem e para potencializar sua
inserção no mundo do trabalho.
Em face do exposto, definimos os seguintes objetivos para o presente
capítulo:
◆◆
discutir a importância do uso das TICs na graduação; e
◆◆
apresentar as possibilidades e exemplos do uso dos ambientes
virtuais de aprendizagem e das ferramentas interativas na Web
2.0 no processo de ensino e aprendizagem.
1. Sociedade do conhecimento e educação no século XXI
Com o acelerado desenvolvimento do mundo globalizado, o setor de
serviços transformou o capital humano de qualquer instituição em seu
maior bem e o conjunto de capacitações dos colaboradores, adquiridas por
meio da educação, dos programas de formação e do próprio saber acumulado pela experiência, em vantagem competitiva. Na sociedade do conhecimento, as ideias, as inovações e a pesquisa passam a ser fonte de riqueza
e potencial de negócio.
Podemos assim dizer que nesta sociedade globalizada, mais que treinamento para a capacitação tecnológica, educar significa desenvolver as
competências dos indivíduos, das quais podemos destacar o “aprender a
aprender”, ou seja, o aprendizado constante é base para qualquer empreendimento pessoal e profissional (DELORS, 2001).
Com o aprendizado contínuo, podemos ter indivíduos autônomos que
sejam capazes de produzir informações e conhecimentos novos em vez de
Costa e Verenguer | 73
apenas consumi-los. Além disso, serão capazes de buscar as soluções para
os desafios apresentados.
Hoje, em meio a tantos veículos de informação (televisão, jornais, revistas, internet), precisamos criar mecanismos que nos auxiliem a filtrar essas
informações e a selecionar as que sejam úteis. Aliás, esse parece ser o novo
papel do docente: desenvolver estratégias e contribuir para que os graduandos ampliem a capacidade de selecionar e tomar decisões baseadas nas melhores informações.
Essa nova sociedade alicerçada na informação e no conhecimento surgiu graças aos avanços tecnológicos que desencadearam a criação de novas
tecnologias.
1.1. Avanços tecnológicos
A tecnologia já está presente na história do ser humano desde os primórdios, quando os primeiros homens utilizaram os primeiros instrumentos de osso e pedra. A tecnologia surgiu junto com a linguagem:
As condições orgânicas do homem, sapiens e faber,
conferiram às mãos, ao permitirem a postura vertical, uma atividade instrumental polimorfa inseparável da linguagem, cuja intervenção se diversifica.
[...] O gesto artesanal que se aprende pela imitação,
aperfeiçoa-se pela experiência; nenhuma descrição,
nenhuma injunção determina ou dá forma acabada
ao saber fazer. A palavra, descontínua, não faz mais
do que assinalar diferenças, indicar localizações, especificar classes. Descrever e executar são coisas radicalmente distintas. Por isso é a linguagem, suporte
do discurso reflexivo, que dá ao saber fazer estatuto social e normas operativas. (GUILHERME apud
GAMA, 1985, p. 69)
Ao longo do tempo, as tecnologias vêm acompanhando todos os processos de desenvolvimento humano. Conforme a evolução e o progresso,
cada povo e cada cultura foram criando suas tecnologias conforme suas
74 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
necessidades. Diversos episódios que provocaram guerras e destruições estiveram ligados à tecnologia:
O contato entre civilizações de níveis tecnológicos diferentes frequentemente provocava a destruição da menos desenvolvida ou daquelas que quase não aplicavam
seus conhecimentos à tecnologia bélica, como no caso
das civilizações americanas, aniquiladas pelos conquistadores espanhóis, às vezes mediante guerras biológicas
eventuais. (CASTELLS, 2001 p. 51)
Cabe considerar que a tecnologia vem se disseminando rapidamente
dentro da sociedade, de modo tão rápido que, às vezes, a absorção desse
avanço passa despercebida pelas pessoas. Por outro lado, quando se percebe
o surgimento de uma nova ferramenta, esta já está, na verdade, ultrapassada. Percebe-se, assim, que a tecnologia se instala automaticamente na vida
das pessoas e em todos os seus aspectos: “MacLuhan, o grande teórico da
comunicação, já dizia, nos anos 1970, que as tecnologias tornam-se invisíveis à medida que se tornam mais familiares.” (KENSKI, 2007, p. 44)
Podemos citar dois grandes momentos na história que alavancaram e
desencadearam vários outros avanços tecnológicos. O primeiro foi chamado de Revolução Industrial e o segundo, de Revolução da Tecnologia da
Informação e Comunicação.
As relações humanas versus tecnologias ganham maior importância a
partir da Revolução Industrial. A invenção da máquina a vapor, motores
primários móveis, eletricidade, produtos químicos, aço, motor de combustão interna, telégrafo e telefonia marcaram a evolução e o progresso na vida
humana, modificando totalmente a forma como o indivíduo interage com
a natureza.
Exemplo dessa evolução é o telégrafo, que, a partir de 1837, conseguiu
desenvolver uma rede de comunicação, conectando o mundo em larga
escala.
Já o uso difundido da eletricidade a partir de 1870 mudou os transportes, o telégrafo, a iluminação e o trabalho nas fábricas mediante a
Costa e Verenguer | 75
difusão de energia na forma de motores elétricos. Os ciclos de trabalho
humano que acompanhavam a natureza (luz solar) se modificaram com
a eletricidade na medida em que o homem começou a controlar o tempo
de trabalho conforme sua necessidade, quando a iluminação deixou de
ser problema para a produção.
Outro grande momento que alavancou e desencadeou vários inventos
foi a criação da microeletrônica, que representou, para a revolução atual, o
que as novas fontes de energia foram para a Revolução Industrial. Graças à
microeletrônica foram abertas as portas para a tecnologia da informação,
iniciando-se um período de transformações contínuas até hoje.
As novas tecnologias de informação difundiram-se pelo mundo em
menos de duas décadas, época compreendida entre o período de 1970 e
1990. O final do século XX foi marcado pela intensificação das mudanças
causadas pelos avanços tecnológicos, sobretudo pelo crescimento dos setores de serviços, comunicações e informações, que podem ser evidenciados
a cada momento e em um processo contínuo.
Um exemplo atual e que está relacionado com a nossa área é a utilização do Bluetooth nos estádios de futebol. Por meio do celular, os
torcedores recebem informações sobre o campeonato e a partida, além
mensagens dos patrocinadores. Embora ainda não permita a interatividade, potencialmente essa tecnologia é uma oportunidade de o torcedor
ampliar seu conhecimento e sua compreensão sobre os temas que cercam
o futebol. Além disso, estamos certos de que a utilização dessa ferramenta possibilitará que profissionais de Educação Física se tornem produtores de conteúdos para essa e outras tecnologias (CARVALHO; VERENGUER; COSTA, 2010, p. 65).
Podemos afirmar que as tecnologias da informação e comunicações
(TICs) surgiram em decorrência das revoluções citadas anteriormente,
destacando-se o desenvolvimento de hardwares, softwares, microcomputadores e internet. Todos esses fatores abriram as portas para a globalização
e, consequentemente, para a era da nova sociedade chamada de sociedade
do conhecimento.
76 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
1.2 Evolução da internet
No final da década de 1960, surgiu a Advanced Research Projects
Agency Network (Arpanet), rede de longa distância criada pela Agência de
Pesquisas Avançadas (Arpa).
A Arpanet foi criada dentro das universidades com o objetivo específico de investigar a utilidade da comunicação de dados em alta velocidade,
para fins militares. Quando perceberam que essa rede era uma grande contribuição para a trocas de informações acadêmicas, as universidades começaram a abrir seu acesso aos usuários comuns. Hackers e crackers surgiram
e começaram a incomodar o ambiente, até então considerado militar.
O órgão militar resolveu então se desligar da rede, por falta de segurança de suas informações. A partir daí a Arpanet se tornou internet. Em meados da década de 1990, ocorreu a grande expansão da rede, em decorrência
de um alto investimento de empresas, a fim de se criar uma infraestrutura
adequada para mais um canal de comunicação com clientes, o que, com o
tempo, tornou-se acessível a todas as classes sociais.
Nesse período, a internet não possibilitava, por motivos técnicos, a interação entre pessoas e conteúdos. Tempos depois, surgiu outro marco da
internet: a Web 2.0 que tem como principal característica a interatividade,
quando os usuários podem trocar informações e conhecimentos.
2. Web 2.0
A expressão Web 2.0 se aplica a espaços virtuais que têm como principal característica a interatividade, ou seja, não são simplesmente ambientes virtuais em que os indivíduos postam informações, mas sim ambientes
abertos em que os usuários colaboram para a organização de conteúdo, por
meio da utilização das tecnologias disponíveis na rede.
De acordo com a Folha Online (2006):
O termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segunda geração da World Wide Web tendência que reforça
o conceito de troca de informações e colaboração dos
Costa e Verenguer | 77
internautas com sites e serviços virtuais. A ideia é que
o ambiente on-line se torne mais dinâmico e que os usuários colaborem para a organização de conteúdo. (ENTENDA, 2012)
Sua estrutura permitiu que a interação entre as pessoas acontecesse em
tempo real, independentemente do espaço: basta se conectar à rede para ter
acesso ao mundo virtual, do qual participam pessoas reais, que interagem
de forma virtual. Algumas ferramentas e programas surgem para maximizar essa velocidade na troca de informações e na interação entre as pessoas:
Web 2.0 é a mudança para uma internet como plataforma, e um entendimento das regras para obter sucesso
nesta nova plataforma. Entre outras, a regra mais importante é desenvolver aplicativos que aproveitem os
efeitos de rede para se tornarem melhores quanto mais
são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência
coletiva. (GILBERTO JR, 2006)
2.1 Ferramentas interativas disponíveis na Web 2.0
As diversas comunidades e espaços virtuais têm disseminado a informação e a cultura pelo mundo todo por meio da Web. A distância física
e temporal entre os participantes são grandes obstáculos que vêm sendo
transpostos. As ferramentas interativas são fundamentais para minimizar
os problemas causados pela distância e o tempo, promovendo a aproximação entre pessoas no mundo todo.
Para a utilização dessas ferramentas, é necessário definir as formas e os
graus de interatividade do usuário. Dessa maneira Passarelli afirma que “A
comunicação pode ser uni, bi ou multidirecional e pode acontecer em tempo
real (síncrona) ou tempo diferido (assíncrona).” (PASSARELLI, 2007, p. 52)
As atividades síncronas mais comuns nos dias de hoje são os chats e as
videoconferências, que exigem dos participantes que, independentemente
do local, estejam conectados ao mesmo tempo. Já as atividades assíncronas,
como o e-mail e os fóruns, permitem que os usuários realizem suas atividades no momento que desejam, independentemente do espaço e do tempo.
78 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
A seguir, caracterizamos as principais ferramentas disponíveis na
Web 2.0.
2.1.1 Buscadores e metabuscadores
São ferramentas que estão disponíveis na internet e têm por finalidade
buscar informações acessíveis na rede por meio de mecanismos de indexação, repetição, prioridade etc.
O Google é considerado, atualmente, o primeiro e mais completo
buscador existente na internet, detentor de 56,1% do mercado de buscadores e com mais de seis bilhões de termos disponíveis.
Há também buscadores com PHD, aqueles que fazem buscas em sites
específicos em ciência e tecnologia, rastreando livros técnicos, publicações
especializadas e banco de dados. Um exemplo é o SciELO.
É importante considerar que o SciELO se tornou um grande aliado dos
graduandos e dos docentes que buscam artigos científicos para complementar e/ou nortear seus trabalhos de conclusão de curso (TCC), seus projetos de iniciação científica e projetos de pesquisa, além de ser uma ótima
ferramenta para analisar preços de produtos.
2.1.2 Chats e comunicadores instantâneos
O chat, também conhecido como sala de bate-papo, é uma ferramenta
que permite uma conversa em tempo real entre diversas pessoas, em ambientes remotos, por meio de mensagens escritas, podendo ser dividido em
salas temáticas.
Os comunicadores instantâneos são ferramentas que permitem o envio e
o recebimento de textos, imagens, voz e arquivos em tempo real. Para utilizar
esses recursos, é necessário que o usuário tenha os programas instalados em
sua máquina: por meio desses programas, eles podem criar listas de amigos
que, quando conectados, podem realizar trocas de dados instantaneamente.
Hoje em dia, graças a esses comunicadores instantâneos e ao aumento da
velocidade da internet, é possível utilizar gratuitamente as videoconferências,
que antes tinham um custo muito elevado e necessitavam de equipamentos e
linhas telefônicas dedicadas para seu uso.
Costa e Verenguer | 79
Os mais conhecidos e utilizados comunicadores instantâneos são o
MSN Messenger e o ICQ, responsáveis por grande parcela da utilização dos
comunicadores no mundo de hoje. Eles são bastante semelhantes e oferecem praticamente os mesmos serviços.
2.1.3 Telefonia virtual
São programas que permitem ligações interurbanas e internacionais
pelo computador, utilizando a internet. Basta ter o programa instalado, um
microfone e uma caixa de som. Pode-se conversar com o mundo inteiro de
forma virtual, com uma qualidade de som superior à conseguida na linha
telefônica. A opção mais conhecida é o Skype, que permite fazer videoconferências on-line com duas ou mais pessoas.
Por meio do Skype, do MSN e de outras ferramentas de voz por IP, é
possível participar de videoconferências com alunos ou clientes sem fronteiras de espaço e de tempo. Além disso, eles podem ser utilizados como
ferramenta de trabalho no cotidiano profissional. Exemplos que nos interessas são aqueles que podem ser acessados nos links <http://www.myhomepersonaltrainer.com/> e <http://corpoemfoco.com.br/>.
2.1.4 Redes sociais de relacionamento
São sites que permitem criar e manter comunidades. São ambientes de
encontro virtual entre as pessoas, por meio de comunidades semelhantes.
Um dos sites mais utilizado atualmente no Brasil é o Orkut.
E também destacamos a utilização das redes sociais de relacionamento
para o âmbito profissional, por meio de comunidades relacionadas à educação física que estão sendo usadas, inclusive, em muitos processos de seleção
para empregos.
2.1.5 Twitter
O Twitter é um sistema de microblogging que, com sua simples pergunta “o que você está fazendo agora” e resposta por meio de mensagens
instantâneas de até 140 caracteres, algo como uma mensagem de celular,
80 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
tem sido um tipo de reality show em que todos colocam o que estão vendo,
fazendo ou ouvindo. É uma das redes sociais que mais cresce em número
de acessos e usuários.
Um exemplo do uso dessa ferramenta no universo da educação física
e do esporte é aquele relatado por Souza e Hirota (2010), que criaram,
por ocasião da Copa do Mundo de Futebol, um endereço e começaram
a divulgar suas reflexões e análises sobre os principais temas e episódios
daquela competição. Segundo os autores, nesse processo interativo foi
possível ampliar, de maneira crítica, a percepção dos seguidores sobre o
campeonato.
2.1.6 Forum
É uma ferramenta assíncrona em que podem ser inseridos vários temas, para que por meio da argumentação de outros o usuário possa refletir
sobre a sua própria conclusão acerca do tema debatido. Na internet encontramos, nos mais diversos sites, temas de grande popularidade nos quais
usuários postam suas opiniões.
Sartori e Roesler definem forum como um
[...] dispositivo de comunicação assíncrona que permite
a interação sem hora marcada, ou seja, os alunos podem
administrar a participação conforme a conveniência de
sua agenda pessoal. Essa flexibilidade permite ao aluno
determinar o tempo que necessita para realizar a atividade e ao professor ou tutor, mediar a discussão de
temas relacionados aos conteúdos. (SARTORI; ROESLER, 2005, p. 35)
Os foruns de discussões possuem basicamente duas divisões organizacionais. A primeira faz a divisão por assunto e a segunda, uma divisão
em tópicos. As mensagens ficam ordenadas decrescentemente por data,
da mesma forma que os tópicos ficam ordenados pela data da última postagem.
Costa e Verenguer | 81
2.1.7 Wiki
O wiki é uma ferramenta que permite a construção coletiva de conteúdos, potencializando a experiência da aprendizagem por meio da colaboração. Para utilização do wiki, não é necessário um conhecimento prévio da
construção de sites ou páginas na internet:
O wiki é um software colaborativo que permite a edição
coletiva dos documentos de uma maneira simples. Em
geral, não é necessário registro, e todos os usuários podem incluir, alterar ou até excluir textos sem que haja
revisão antes de as modificações serem aceitas. (VALENTE; MATTAR, 2007, p. 102)
Outra característica é o dinamismo das páginas produzidas e a liberdade de alterar o que existe, acrescentando novas páginas e editando conteúdos publicados por outros. O que o diferencia da criação de demais páginas
da Web é o fato de ser alterado por qualquer usuário.
Um exemplo de sucesso é a Wikipedia, enciclopédia na Web construída a partir da colaboração livre e voluntária. Apesar dos temores iniciais
a respeito da suposta falta de confiabilidade das informações ali contidas,
ela vem se constituindo em uma fonte de consulta bastante utilizada, competindo com enciclopédias tradicionais. No ambiente educacional, a ferramenta potencializa a colaboração descentralizada e anárquica. Tanto os
docentes como os discentes podem participar, de um modo descomplicado,
da aprendizagem e da interação.
2.1.8 Videoconferência
Videoconferência é uma discussão que permite o contato visual e sonoro entre pessoas que estão em lugares diferentes, dando a sensação de os
interlocutores se encontrarem no mesmo local. Permite não só a comunicação entre um grupo, mas também a comunicação pessoa a pessoa. Podemos destacar que a videoconferência propicia um ambiente interativo entre
pessoas que podem estar em diversos lugares do mundo, comunicando-se,
trocando experiências e reflexões. A videoconferência é institucional e deve
82 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
seguir as determinações e dispositivos tecnológicos disponibilizados pela
instituição.
2.1.9 Blogue
O blogue é uma ferramenta que permite a publicação de conteúdos on
-line possibilitando realizar anotações, transcrever ou até mesmo comentar
um determinado assunto. Por esse motivo, são denominados diários virtuais, nos quais qualquer pessoa pode registrar um assunto de seu interesse.
Os blogues são apresentados em formato de uma página Web atualizada
constantemente tanto pelo autor do blogue como pelos membros por ele
autorizados. É composto por pequenos parágrafos apresentados de maneira cronológica chamados posts.
Os blogues possibilitam a discussão e a troca de ideias por meio de comentários que podem ser lidos e escritos por qualquer pessoa. As páginas
textuais dos blogues podem ser acompanhadas de imagens e sons, inseridos
de maneira fácil e dinâmica, permitindo que usuários sem muita familiaridade com essa tecnologia participem da blogosfera.
Quanto à funcionalidade, os blogues diferenciam-se de outras ferramentas como chat, fórum, listas de discussão, entre outras, pela facilidade
com que podem ser criados, editados e publicados.
Outra vantagem apresentada são as possibilidades de interação, acesso
e atualização das informações. Dessa forma, podem ser utilizados no ambiente educacional, como um laboratório de escrita virtual, em que todos
os membros podem agir interagir, trocar experiências sobre assuntos de
mesmo interesse.
Em estudo recente, Teixeira, Verenguer e Costa (2010) analisaram blogues de autoria de profissionais de educação física e observaram que seus
autores, além de divulgar suas ideias, podem, de maneira interativa, discutir e articular novos conhecimentos com os leitores. Além disso,
[...] é uma oportunidade de contato profissional entre aqueles que estão em busca de aprimoramento da
carreira. Ousaríamos afirmar que esse recurso, em um
Costa e Verenguer | 83
futuro próximo, será usado para a formação de comunidades de aprendizagem em torno de temas específicos da
área. (TEIXEIRA; VERENGUER; COSTA, 2010, p. 66)
Entre diversos blogues na área, citamos como exemplo o blogue encontrado em <http://pensandoaeducacaofisica.blogspot.com/>, que visa a
ser um espaço colaborativo de reflexão e análise sobre a preparação profissional e o mundo do trabalho em educação física, e também oportunizar a
construção coletiva de conhecimento sobre a área.
Na mesma linha do blogue, existem o flogues, os moblogues e os videologues.
◆◆ Fotologues ou flogues são sites de fotos enviadas pelo dono do
flogue, geralmente atualizado diariamente, e também permitindo
a inclusão de comentários pelos visitantes. O mais importante
neste caso é conseguir o máximo de comentários e links de outros fotologues, tendo assim a ideia da abrangência do seu flogue
e, consequentemente, da sua popularidade entre os blogueiros e
fotologueiros. As ferramentas do flogue se restringem a postar
(enviar) fotos.
◆◆
Moblogues ou mlog: os melhores blogues e flogues da internet também fazem o papel de moblogues, ou seja, textos, fotos e vídeos podem ser enviados de telefones celulares, por e-mails ou mensagens
MMS, com a tecnologia multimedia messaging service - serviço de
mensagens multimídia.
◆◆ Videologues ou vlogues são uma variante de weblogues cujo
conteúdo principal consiste em disponibilizar vídeos. O mais
conhecido e utilizado no mundo é o Youtube, da Google. Hoje,
existem milhares de vídeos disponíveis que podem ser utilizados
em sala de aula.
◆◆
Todas estas ferramentas e outras disponíveis na Web 2.0 podem
ser utilizadas nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs),
tanto na educação a distância quanto como extensão da educação presencial.
84 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
3. Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs)
Segundo Valente e Mattar (2007), AVA é um espaço virtual que reúne
recursos tecnológicos necessários para elaboração, implementação e gestão
de aprendizagem colaborativa e a distância. Ele permite atingir um grande
público em lugares distantes. Trata-se de softwares que permitem a integração dos usuários, por meio da internet, com o objetivo de trocar experiências e, consequentemente, gerar o aprendizado mútuo. Esstes ambientes são
utilizados como suporte para controlar as diversas atividades educacionais
de maneira virtual.
Segundo Schlemmer, os AVAs são softwares desenvolvidos para o gerenciamento da aprendizagem via Web. Eles são sistemas que sintetizam
a funcionalidade de software para comunicação mediada por computador
(CMC) e métodos de entrega de material de cursos on-line. (Schlemmer,
2005, p. 132)
A principal vantagem de se utilizar um AVA como complemento da
prática presencial é a possibilidade de acessarmos o curso em qualquer
lugar e horário em que haja um computador conectado à internet. Outra
vantagem são as ferramentas de fácil manuseio para a criação de um curso
na Web, como o compartilhamento de materiais de estudo, as discussões
ao vivo, os testes de avaliação e as pesquisas de opinião, a coleta e a revisão
de tarefas, o registro de notas. Além disso, podemos ter total controle de
acesso e acompanhamento das atividades desenvolvidas.
A título de ilustração, citamos o AVA elaborado por uma empresa especializada em desenvolver esse tipo de ambiente para o ensino das modalidades esportivas a pedido da Grace University, que visa a oferecer cursos
sobre o ensino do jiu-jítsu. Esse AVA possui ferramentas interativas (vídeo,
fórum e chat) e é possível, ainda, submeter material para avaliação e checar
o processo de aprendizagem. Isso posto,
[...] podemos afirmar que, embora o uso do AVA como
plataforma de aprendizagem seja algo recente, ele é
uma realidade que não pode ser ignorada. Certamente
será preciso um grande investimento na qualidade dos
cursos oferecidos e, também, abre-se uma nova opor-
Costa e Verenguer | 85
tunidade de aprendizagem a distância e para os profissionais de educação física/esporte, notadamente para os
professores conteudistas e para os tutores. (SANTOS;
VERENGUER; COSTA, 2010, p. 64)
3.1 As diferentes plataformas dos AVAs
Uma das características marcantes da sociedade contemporânea é a velocidade proporcionada pelas tecnologias digitais, que tornaram possível
o rompimento das fronteiras do tempo e do espaço. Hoje, as informações
podem atingir um imenso contingente de pessoas, em tempo real, em todas
as partes do mundo. Além disso, as TICs se fazem presentes no cotidiano
das pessoas, gerando transformações em todos os setores, principalmente
na área educacional.
Nesse cenário, ocorreram diversas iniciativas no desenvolvimento de
AVAs. Algumas delas são pagas, como Blackboard e WebCT. Outras são
gratuitas, como Aula Net, Solar, Amadeus, Teleduc e Moodle, que se baseiam na abordagem cooperativa, tendo como palavras-chave comunicação, coordenação e cooperação.
Esses AVAs permitem a criação de cursos apresentados em páginas
HTML e dispõem de uma série de ferramentas interativas, como e-mails,
fóruns, chats, Wikis, vídeos, mural etc. E esses sistemas também oferecem
ferramentas para autoavaliação dos graduandos e gráficos para o acompanhamento da sua evolução.
Os AVAs on-line podem ser adquiridos por meio de links disponibilizados na internet. Abaixo, citamos alguns.
◆◆ Blackboard é um software proprietário, desenvolvido pela Blackboard Inc, um provedor de softwares e serviços para educação on-line. O Blackboard é um learning management system
(LMS) com funcionalidades de instrução e comunicação bastante utilizado por instituições de ensino privadas no Brasil.
◆◆ WebCT é um software proprietário provedor de e-learning para
instituições de ensino desenvolvido pela British Columbia Uni86 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
versity, no Canadá. Já é utilizado em milhares de instituições,
em mais de 70 países. O WebCT hoje pertence à empresa Backboard.
◆◆ AulaNet desenvolvido pelo Laboratório de Engenharia de
Software do Departamento de Informática da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tem a finalidade de promover cursos a distância e foi iniciado no ano
de 1997.
◆◆
Solar desenvolvido pelo Instituto UFC Virtual, da Universidade
Federal do Ceará. O conceito foi criado em 2007 pelo grupo de
pesquisa em tecnologia educacional CCTE, do Centro de Informática da UFPE.
◆◆ Amadeus LMS foi desenvolvido pelo grupo Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional (CCTE), vinculado ao Centro
de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (CIn
-UFPE), que atualmente desenvolve temas na área de aprendizado informal. Os resultados apontam para novos desenvolvimentos do Amadeus LMS.
◆◆ TelEduc teve desenvolvimento pelo Núcleo de Informática
Aplicada à Educação (Nied) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). É um software livre que pode ser redistribuído e/ou modificado sob os termos da General Public
License (GNU), versão 2, como publicada pela Free Software
Foundation.
◆◆ Moodle: esta ferramenta foi desenvolvida pelo australiano Martin Dougiamas, em 1999, e hoje é considerado um software livre
e gratuito, podendo ser baixado e utilizado por qualquer indivíduo em todo o mundo.
Neste trabalho, focaremos a utilização do Moodle, visto que é um
dos AVAs mais utilizados no mundo e é utilizado no curso de educação
física.
Costa e Verenguer | 87
3.1.1. Moodle
A plataforma Moodle foi desenvolvida em 1999, pelo australiano Martin Dougiamas, que lidera o projeto até hoje. Atualmente, há 50 mil desenvolvedores em todo o mundo trabalhando para o aprimoramento da plataforma, a cada dia, e é sempre possível receber novos módulos com funções
que atendam ainda mais os diversos tipos de usuários. Há possibilidades de
aplicação em diferentes práticas pedagógicas.
O Moodle é considerado um software livre e gratuito, um LMS livre,
open source (sob as condições GNU-General Public License), ou seja: aberto,
livre e gratuito, podendo ser baixado, utilizado e modificado por qualquer
indivíduo em todo o mundo. Isso faz com que seus usuários também sejam
seus construtores, pois, enquanto o utilizam, também contribuem para a sua
constante melhoria.
De acordo com a documentação que consta no site oficial do Moodle,
a palavra moodle refere-se a modular object-oriented dynamic learning environment, que tem especial significado para os envolvidos em educação.
Descreve o processo de navegar por algo, enquanto se faz outras coisas ao
mesmo tempo.
Dentre suas propostas, podemos destacar o aprendizado colaborativo,
além de servir como repositório de aulas e de diversos materiais.
Além disso, dispõe de recursos que podem ser selecionados pelo docente ou administrador, de acordo com seus objetivos pedagógicos, tanto
para distribuição de material on-line como para atividades de apoio ao ensino presencial, como acompanhamento de projetos, conferências ou seminários à distância, avaliações ou sistemas de avaliações.
Por ser uma ferramenta de relativamente fácil utilização, com baixo
custo (apenas o acesso à internet), proporcionando interação e interatividade, consideramos importante o docente conhecê-la e saber utilizá-la.
O Moodle disponibiliza vários recursos e ferramentas interativas. Os
serviços podem ser de vários tipos: administrativos, de comunicação, didáticos e de avaliação.
88 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
Muitas universidades e escolas já utilizam o Moodle, não só para cursos
totalmente virtuais mas também como apoio aos presenciais. Ele é igualmente indicado para outros tipos de atividades que envolvam formação
de grupos de estudo, treinamento de professores e até desenvolvimento de
projetos. Existem outros setores, não ligados diretamente à educação, que
utilizam o Moodle, como por exemplo empresas privadas, ONGs e grupos
independentes que interagem na internet.
A comunidade Moodle conta com aproximadamente 46.741 servidores
registrados, mais de 33.313.815 usuários, tendo sido traduzida em 78 línguas e utilizada em 206 países. Só no Brasil, são 2.850 sites.
Os AVAs apresentados possuem diversas ferramentas interativas que
potencializam a dinâmica educacional no ambiente virtual. Muitas dessas
ferramentas foram desenvolvidas juntamente com a evolução da internet,
marcada pelo termo Web 2.0.
4. Uso da TICs e do Moodle no ambiente universitário
O desafio que se impõe hoje aos docentes é reconhecer que os novos
meios de comunicação e linguagens presentes na sociedade devem fazer
parte da sala de aula, e não apenas como dispositivos tecnológicos que
transmitam modernização ao ensino. É importante que conheçam a potencialidade e as contribuições que as TICs e os AVAs, como o Moodle, podem
trazer ao processo de ensino e aprendizagem, seja como recurso ou apoio
pedagógico às aulas presenciais e virtuais.
No entanto, ao refletir sobre a utilização da tecnologia na graduação em
educação física, Bianchi e Hatje (2007, p. 303) alertam que
[...] a implementação das tecnologias necessita, além de
bons professores e domínio técnico, de infraestrutura,
isto é, suporte de energia, rede de telefonia e espaço adequado. Em se tratando de tecnologias, não é suficiente ter as ferramentas tecnológicas, mas construir um
ambiente de aprendizagem adequado a essa realidade.
(Bianchi; Hatje, 2007, p. 303)
Costa e Verenguer | 89
Dessa forma, cabe ao docente avaliar qual a melhor opção a ser utilizada e selecionar a ferramenta que melhor atende às suas necessidades
educacionais, sabendo que o sucesso da sua utilização está relacionado
com a mediação das atividades (VERENGUER, 2009). Outrossim, é preciso reconhecer o seu valor pedagógico e promover a articulação entre o
conhecimento e as novas perspectivas tecnológicas de apropriação desse
conhecimento.
Nesse sentido, Cabanelas (2009), ciente do sentimento de desconfiança
nutrido por graduandos sobre as potencialidades das TICs e do AVA no
ensino da educação física, propôs, a partir da mediação pedagógica, tarefas
e experiências nas quais os graduandos pudessem vivenciar o seu uso. Ao
final dessa experiência, a autora advoga que houve uma significativa mudança de mentalidade e comportamento dos futuros professores de educação física sobre a utilização da tecnologia nas aulas.
As inúmeras atividades colaborativas e cooperativas que essa tecnologia proporciona nos permitem afirmar que o discente passa a ser um sujeito ativo, o protagonista da própria aprendizagem, pois, na medida em que
modifica o ambiente, ele mesmo se modifica. O docente é o mediador de
todo o processo, levando o aluno a alcançar a autonomia necessária para
aquisição de aprendizagens significativas. Assim, docentes e discentes tornam-se parceiros de aprendizagem, um interagindo com o outro, revendo e
construindo aprendizagens juntos.
As ideias defendidas acima encontram ressonância nas experiências relatadas por um acadêmico de educação física sobre a utilização do Moodle
em seu curso de graduação:
Podemos observar que o uso do Moodle facilitou o acesso ao conteúdo e a continuidade do estudo extraclasse.
No entanto, é preciso ressaltar que as disciplinas que
aproveitaram os recursos interativos tornaram o processo de aprendizagem mais atraente e exigiram mais
dedicação dos graduandos. A produção e, sobretudo, a
divulgação do conhecimento foram intensificadas visto
que a utilização das ferramentas interativas estimulou
90 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
o estudo, pois as participações ficaram expostas e avaliadas por todos. A utilização do Moodle exigiu dos
graduandos maior organização no tempo e maior disciplina, por outro lado, possibilitou o desenvolvimento
da autonomia. Considerando que os graduandos vêm
de uma cultura colegial, o uso do ambiente provocou
estranhamento visto que a atitude dos mesmos exigiu
protagonismo e corresponsabilidade. Tendo em vista
essa realidade, podemos concluir que o uso do Moodle pode mudar a interação entre os graduandos, os
docentes e o conhecimento e pressupõe que sejam
revistas as experiências anteriores no tocante ao processo de aprendizagem. (CAETANO; VERENGUER;
COSTA, 2010, p. 67)
É importante reforçar que, se nos séculos anteriores o conhecimento
e os saberes foram considerados patrimônio exclusivo dos docentes e das
instituições educacionais, agora, e cada vez mais, as TICs e o AVA estão
possibilitando que a aprendizagem se dê sem que haja um dono do conhecimento e/ou um lugar do conhecimento.
Assim, é possível compreender as manifestações dos graduandos de um
curso de educação física quando avaliaram o impacto do uso do Moodle em
seu processo de profissionalização: “ao descobrirmos que o uso do Moodle e
de suas ferramentas interativas contribuíram para que os universitários, segundo eles próprios, valorizassem a escrita, a aprendizagem coletiva e a troca de
conhecimento, é motivo para continuarmos neste caminho” (VERENGUER,
2010, p. 21).
Seria ingenuidade, no entanto, pensar que com a introdução das TICs
e do AVA as concepções pedagógicas e os paradigmas educacionais mudariam por si só. A utilização dessas ferramentas requer estudo e capacitação
dos profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, sob
pena de que:
Os professores, treinados insuficientemente, reproduzem com os computadores os mesmos procedimentos
que estavam acostumados a realizar em sala de aula.
Costa e Verenguer | 91
Resultado: insatisfação de ambas as partes (professores e alunos) e um sentimento de impossibilidade do
uso dessas tecnologias para as atividades de ensino.
(KENSKI, 2003, p. 78)
O docente universitário do início do Século XXI tem sua trajetória
educacional e acadêmica baseada na lógica da educação eminentemente
presencial e o uso das TICs e do AVA não se sustenta na reprodução das
práticas pedagógicas dessa modalidade de educação. Evidentemente, isso
significa dizer que o docente universitário precisa se disponibilizar a investir tempo e recursos para seu aprimoramento profissional.
No âmbito das discussões sobre o futuro do docente em uma sociedade
em que as TICs e o AVA estão presentes em todos os setores, inclusive na
universidade, há de se considerar que a prática pedagógica está exposta a
novas influências e as possibilidades profissionais se expandem para aqueles que forem capazes de encarar novos desafios.
Para sintetizar as ideias apresentadas acima, sobre a importância da formação permanente e o papel do docente, Kenski afirma que
O espaço profissional dos professores em um mundo em rede amplia-se em vez de se extinguir. Outras
qualificações para estes professores são exigidas, mas,
ao mesmo tempo, novas oportunidades de ensino se
apresentam. Os projetos de educação permanente, as
diversas instituições e os muitos cursos que podem ser
oferecidos para todos os níveis de ensino e para todas
as idades, a internacionalização do ensino - através das
redes - criam oportunidades educacionais para aqueles professores que aceitam esses desafios e se colocam
abertos a essas novas e estimulantes funções. (KENSKI,
2003, p. 89)
Independentemente do estágio de preparação dos docentes para a utilização das TICs e do AVA, sabemos que, de alguma forma, ela foi incorporada na rotina educacional. No entanto, Almeida alerta que essa utilização
tem um caráter instrucionista:
92 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
[a] tentativa de se usar o microcomputador como instrumento de consolidação da prática pedagógica tradicional é semelhante à inserção dos recursos audiovisuais na escola. Os microcomputadores são incorporados
como mais um meio disponível. Não há uma reflexão
sobre a possibilidade de contribuir de modo significativo para a aprendizagem de novas formas de pensar.
O programa de ensino é o mesmo, a única diferença é
o modo de transmitir informações. (ALMEIDA, 2000,
p. 25)
Como fruto dos estudos e das pesquisas sobre a utilização das TICs na
educação, surge outra abordagem, a construcionista, que coloca o discente
no centro do processo de aprendizagem, uma vez que o apoio das TICs e
do AVA favorecem a
[...] aprendizagem ativa - isto é, que propicie ao aluno a
construção de conhecimentos a partir de suas próprias
ações (físicas ou mentais). O aluno pode ainda fazer
uso de outros recursos disponíveis, tais como redes de
comunicação à distância ou sistema de autoria, para
construir conhecimento de forma cooperativa ou para a
busca de informações. (ALMEIDA, 2000, p. 32)
Em linhas gerais, o que diferencia uma abordagem da outra é a concepção de educação. Enquanto a primeira privilegia a transmissão de
conteúdos, tendo o docente como detentor do conhecimento e o discente
como receptor passivo, a segunda concebe o conhecimento como produto
da interação entre docente, discente e mundo. Nessa interação, o docente
assume o papel de pesquisador e mediador do conhecimento, enquanto o
discente torna-se protagonista de sua aprendizagem.
Portanto, ao observar os aspectos acima, pode-se afirmar que a abordagem construcionista requer uma nova prática pedagógica e exige aprofundamento teórico sobre o papel dos envolvidos: cabe ao docente a criação de
ambientes de aprendizagem que propiciem ao discente um contínuo diálogo
com a realidade (ALMEIDA, 2000).
Costa e Verenguer | 93
A abordagem construcionista da utilização das TICs nos remete à
abordagem construtivista da educação, segundo a qual a aprendizagem
tem lugar quando está conectada com a experiência profissional, com o
conhecimento prévio dos discentes e quando está situada em um contexto
social em que o discente é responsável pela construção de seu próprio conhecimento, por meio da interação com outras pessoas e com a orientação
docente (VALENTE; MATTAR, 2007, p. 66).
Almeida reforça essa ideia afirmando que
Com o uso de ambientes digitais de aprendizagem,
redefine-se o papel do professor, que finalmente pode
compreender a importância de ser parceiro de seus alunos e escritor de suas ideias e propostas, aquele que navega junto com os alunos, apontando as possibilidades
dos novos caminhos sem a preocupação de ter experimentado passar por eles algum dia. O professor provoca
o aluno a descobrir novos significados para si mesmo
ao incentivar o trabalho com problemáticas que fazem
sentido naquele contexto e que possam despertar o prazer da escrita para expressar o pensamento, da leitura
para compreender o pensamento do outro, da comunicação para compartilhar ideias e sonhos, da realização
conjunta de produções e do desenvolvimento de projetos colaborativos. Desenvolve-se a consciência de que se
é lido para compartilhar ideias, saberes e sentimentos e
não apenas para ser corrigido. (ALMEIDA, 2003, p. 98)
As novas tecnologias permitem que essa interação, essa investigação e
essa comunicação se processem em maior escala, de maneira mais intensa.
Esses novos entornos podem favorecer o contato entre docentes e discentes,
estimular a cooperação entre os discentes, fomentar a aprendizagem ativa e
oferecer informação constante sobre o processo.
5. Considerações finais
O uso das TICs e do AVA (incluindo o Moodle) em sala de aula como
ferramenta pedagógica efetiva vai aos poucos encontrando seu lugar. No
94 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física
entanto, os docentes, por medo ou desconhecimento, preferem pautar suas
aulas pela exposição de conteúdos, perpetuando o modelo tradicional de
transmissão de informações.
O que muitos docentes se esquecem é que o avanço tecnológico pode
ser de grande valia nas aulas, pois pode representar motivo de extremo interesse para os graduandos, o que pode tornar as aulas mais dinâmicas e
desafiadoras, criando o contexto propício para a aprendizagem.
As diferentes formas de linguagens e de comunicação presentes na sociedade
não devem representar uma invasão às aulas tradicionais e sim um apoio e um
suporte necessários e pertinentes ao desenvolvimento tecnológico da sociedade
como um todo. As TICs não se definem apenas como dispositivos tecnológicos
que pretendem modernizar o ensino, mas sim como ferramentas com real
potencialidade de contribuir para um ensino diversificado e de qualidade.
Dessa maneira, a aula, quando faz o uso adequado de tecnologias e
do ambiente virtual, não se restringe ao ambiente escolar, mas rompe, na
verdade, os muros da universidade e se insere na sociedade, promovendo
uma extensão dos conhecimentos, principalmente se quem a conduz é um
professor que media tais conhecimentos, interagindo na relação com seus
alunos.
É claro, no entanto, que o uso das TICs demanda do docente disponibilidade de tempo, de estudo e de interesse, mas é evidente, também, o ganho que
essa abertura para uma nova maneira de ensinar proporciona ao docente, à
instituição e aos alunos que a ela se unem.
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Costa e Verenguer | 97
OS TEMPERAMENTOS HUMANOS:
Uma experiência interdisciplinar da
docência ao voleibol
Tania Cristina Santos Matos
João Crisóstomo Bojikian
A
história deste capítulo surgiu há algum tempo. A semente foi
plantada ao observar como os alunos da graduação do curso de
educação física reagiam de modo diferente aos conteúdos apresentados na
disciplina de aprendizagem motora. Em geral, essa disciplina não é considerada uma das mais fáceis na formação dos graduandos. Os conteúdos
são novos, possuem teoria específica e envolvem base teórica de outras
disciplinas, como neuroanatomia, biomecânica, teoria do treinamento esportivo, processo ensino-aprendizagem etc. De maneira geral, a disciplina
exige empenho dos alunos para que os conteúdos sejam aprendidos, e aí as
diferenças são claras. Uns se envolvem de modo intenso e vencem com brilhantismo o desafio; outros reclamam insistentemente das demandas e não
se predispõem a realizar tarefas extras e desafiadoras; outros ainda usam
todas as faltas possíveis, dispersam-se assim que os conteúdos se complicam e não conseguem iniciar e terminar a visão geral de nenhum assunto;
e por fim outros mais se recolhem das atividades, não se expõem, fazem o
mínimo necessário e criticam criticam muito.
Analisando essas diferenças, percebemos que, nos esportes, os atletas
apresentam as mesmas diferenças entre si e que, além disso, a decisão sobre
a posição que o jogador vai ocupar em quadra, as substituições e a escolha
dos titulares e dos reservas também passavam pela análise destas diferenças.
A partir desse momento, decidimos estudar mais a fundo esstas questões. Desta forma, mergulhamos na antroposofia, mais precisamente na
Matos e Bojikian | 99
teoria dos temperamentos humanos, para desvendarmos esse mistério o
mistério das diferentes reações dos alunos diante da apresentação de novos
conteúdos e dos atletas em relação às diferentes situações nas quais são colocados pela atividade esportiva escolhida por cada um deles.
1. A antroposofia
A antroposofia ou ciência espiritual foi estruturada por Rudolf Steiner
(1864-1925) filósofo, educador e cientista austríaco, e significa, literalmente, “sabedoria sobre o homem” (MOGGI; BURKHARD, 2004, 2005).
Segundo a antroposofia, quando, durante a nossa vida, defrontamo-nos
com o ser humano, devemos levar em consideração que aquilo que percebemos exteriormente é apenas uma parte da entidade humana (STEINER,
1994; BURKHARD, 2000). Com base em seus pressupostos, as reações que
apresentamos falam muito mais sobre cada um de nós que apenas a imagem que apresentamos no momento e, justamente, os tipos de reação que
apresentamos são matizadas pelos temperamentos humanos.
2. Os temperamentos humanos
Quando se trata de saber lidar com a vida, temos de auscultar seus
mistérios, e eles situam-se detrás do mundo sensível.
Rudolf Steiner
Os temperamentos humanos brotam do íntimo do homem e se expressam exteriormente em todas as situações relacionadas à reação e não à ação
(STEINER, 1994). Dessa forma, os temperamentos aparecem sempre que
somos colocados em situação de reação, nas quais estamos “livres da consciência” e agimos de maneira rápida e natural, justamente como nos esportes e em relação às dinâmicas em sala de aula.
É importante sabermos que todos temos elementos dos diversos
temperamentos, mas temos um temperamento que nos define mais e
melhor, que é predominante.
100 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
Não existe um temperamento melhor que o outro, o melhor seria conseguirmos mesclá-los, integrá-los... Isso não é tarefa fácil, mas com muito
esforço podemos conseguir. Este é um dos caminhos para o desenvolvimento humano.
Segundo Steiner (1994), existem quatro temperamentos: colérico, fleumático, sanguíneo e melancólico.
◆◆
O colérico tem muita força e determinação, impõe suas ideias e é
agressivo. Possui uma grande atuação da força volitiva, um centro
forte e firme, é realista e expressa a consciência com clareza. Detém uma maneira de olhar firme e segura, seu andar é constituído
com um passo firme. Se não educado, pode se tornar irascível e
desenvolver obsessão.
◆◆
O sanguíneo já possui um comportamento com o vaivém das sensações, instabilidade, superficialidade e dificuldade de manter o
foco. É volúvel, não consegue terminar as coisas que começa, tem
o interesse voltado para fora, para o exterior. Apresenta um olhar
alegre, é flexível, tem um corpo esbelto, um andar leve, saltitante e
expressivo. Possui vários amigos e é muito sociável, sendo verdadeiramente agradável. Os perigos são a volubilidade e a alienação
mental.
◆◆
O fleumático se sente tentado a se manter comodamente em seu
interior, procura o seu bem-estar e não tem vontade de se comunicar ativamente com o mundo externo. Não possui força no
querer, no fazer. É corpulento e apresenta um andar desleixado,
arrastado. Vincula-se facilmente com os ritmos da natureza e
tem especial interesse em temas como alimentação. Em geral,
não se relaciona com as coisas, é indiferente e tem um olhar apagado, embora seja um ótimo amigo. Pode ser acometido pela
falta de interesse no mundo exterior e até mesmo pela debilidade mental.
◆◆
O melancólico se apresenta com uma estrutura física densa, que
constitui verdadeiro obstáculo a ser vencido: ele é “pesado”. O
Matos e Bojikian | 101
movimento físico é penoso, difícil. Todas as tarefas, até mesmo as
mais simples, são uma montanha a ser escalada. É muito preocupado e tem atração pelo sofrimento, pela dor. É pensativo e tem
a cabeça pendente para a frente. O olhar é turvo e voltado para
baixo, com um andar pesado. Socialmente, faz amigos cautelosamente, mas chega a ser um amigo a ponto do autossacrifício.
É temeroso do que os outros pensam, desconfia de todos. É perfeccionista e julga tudo sob o ponto de vista das suas ideias. Pode
sofrer depressão e até chegar à loucura.
3. Os temperamentos e a nossa atuação profissional
Na educação não se trata de igualar, de nivelar os temperamentos, mas
sim de conduzi-los pelos caminhos menos penosos, mais direcionados ao
desenvolvimento humano. Não podemos esquecer que os temperamentos
têm a característica de serem unilaterais e, no caminho do desenvolvimento, a unilateralidade não é positiva para nenhum ser humano (STEINER,
1994). Para tanto, é imperativo lembrarmos que, para ajudarmos nossos
alunos em relação aos temperamentos humanos, não devemos impor-lhes
nada que não possuam. A máxima deve ser: temos que lidar com o que os
temperamentos nos apresentam, com o que as pessoas verdadeiramente já
possuem.
É de fundamental importância conduzirmos os temperamentos de
maneira correta desde a infância do contrário, na vida adulta eles deverão
atuar com base na autoeducação, e isso pode ser muito mais difícil.
◆◆
Para o temperamento sanguíneo, devemos descobrir o que desperta o seu interesse. Mesmo para as pessoas com este temperamento, existe algo que desperta verdadeiramente a sua atenção,
nós temos apenas que descobri-lo. Os sanguíneos devem cultivar
o interesse verdadeiro por alguém ou algum aspecto do mundo,
precisam aprender a focar a atenção, a se interessar genuinamente e criar vínculos e relações mais profundas. Devemos apresen-
102 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
tar esses conteúdos com uma luz especial. Aqui, amor é a palavra
mágica. O amor e a admiração por uma personalidade, que muitas vezes pode ser o professor ou o treinador/técnico.
◆◆
Para os coléricos, o caminho indireto mais adequado é o respeito
e a estima por uma autoridade. O importante é a criança colérica
acreditar que o educador sabe o que faz. Devemos mostrar que
entendemos das coisas que ocorrem em torno desse jovem. Devemos cuidar para que o colérico nunca sinta não poder obter
uma informação, um conselho para o que deve fazer. É prudente
termos nas mãos as rédeas firmes da autoridade, nunca demonstrando não sabermos como agir. Aqui, o respeito e a consideração pelo valor de uma pessoa são as palavras-chave. Devemos
proporcionar-lhe obstáculos, dificuldades para que possa empenhar toda a sua força interior para superá-los, pois as coisas
difíceis precisam ser superadas, vencidas.
◆◆
Para as crianças que apresentam o temperamento melancólico, é
fundamental mostramos que existe sofrimento no mundo; que o
homem, de um modo geral, consegue suportar o sofrimento justificado; que não é preciso sucumbir a ele. É importante, para os
melancólicos, que os educadores sejam pessoas que foram provados
pela vida, atuando e falando a partir das provações vividas. Os melancólicos são mais felizes quando compartilham a vida ao lado de
pessoas que têm muito a dizer em função das experiências sofridas.
◆◆
É necessário que a criança fleumática tenha muita convi-vência com
outras crianças. Ela precisa de companheiros que tenham os mais
diversos interesses. Se ela se mantém indiferente ao que está ao seu
redor, seu interesse pode ser atiçado pela atuação que nela exercem
os interesses de seus companheiros. Não é por meio de um conteúdo acadêmico ou doméstico que conseguiremos interessar o fleumático, e sim pelo caminho indireto, passando pelos interesses dos
outros da mesma idade.
Matos e Bojikian | 103
Características
COLÉRICO
SANGUÍNEO
FLEUMÁTICO
MELANCÓLICO
Aparência
Firme e forte
Flutuante
e móvel
Sossegada
e estática
Sóbria e
pesada
Postura
Ereta
Variável
Confortável
Curvada
Humor
Fixo e tristonho
Oscilante
e alegre
Estável e
bonachão
Fixo e tristonho
Relação com
o tempo
Futuro
Presente-futuro
Presente
-passado
Passado
Fala
Volume alto
e projetada
Rápida e
tom variável
Monótona
e lenta
Volume
baixo e para
dentro
Interesse
Ação
Excitação
Bem-estar
Vida interior
Pequeno mal
Repentes
de raiva indomáveis
Volubilidade, falta de
interesse
por coisas
importantes
Desinteresse
pelo exterior
Melancolia
Grande mal
Demência,
metas inconsequentes
Loucura,
oscilações
extremas
Idiotia e
apatia
Ideias obsessivas
e fixas
Vontades
positivas
Voltada
para a ação
Voltada
para vários
interesses
De seguir
as etapas
necessárias
Introspectiva, por
processos
interiores
Vontades
negativas
Desejo de
abarcar
tudo, hiperatividade
Desejo de
excitação,
agitação
Desejo de
rotina, indolência
Desejo exagerado de
isolamento,
encapsulamento
104 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
continuação
Características
COLÉRICO
SANGUÍNEO
FLEUMÁTICO
MELANCÓLICO
Momentos
em que é indispensável
Decisões
rápidas e
eficientes
Soluções
criativas,
animação
Amenizar
conflitos,
rituais e
aconchego
Avaliação
de crises,
meditação
e solidariedade
Papel social
Comando,
decisão,
metas, administrador
Coordenador, criador,
comunicador, comerciante
Moderador,
organizador,
relações
humanas,
ritualista
Investigador, introspecção,
meditação,
minucioso
Planejamento
Decisão e
execução
Articulação e
alternativas
Manutenção
do projeto e
organização
Levantamento de
problemas,
diagnóstico
Educação
do temperamento
Desenvolver
em si mesmo o respeito e a estima
para com a
vontade e a
realização
dos outros
Desenvolver
em si mesmo o afeto
e a ligação a
uma pessoa
ou atividade
Considerar
que pode
encontrar
motivações
nos interesses dos
outros
Desenvolver em si
mesmo um
coração
compassivo
pelo destino do outro
Figura 1. Quadro comparativo com as principais características dos quatro temperamentos.
4. Os temperamentos e o voleibol
As diversas características de temperamento humano, cujos tipos e
classificações variam desde a Grécia antiga até os dias de hoje (STEINER,
1994) influenciam a performance humana em todas as atividades e não seria
Matos e Bojikian | 105
diferente na prática esportiva de modo geral e especificamente do voleibol
competitivo, que será abordado a seguir.
Bojikian e Bojikian (2008) definem o voleibol como um esporte de situação, no qual a não retenção da bola faz que as intervenções sejam rapidíssimas, dos praticantes requisitando percepção contínua em cada lance. Não
basta executar corretamente cada uma das técnicas específicas ao voleibol,
pois o jogador também necessita aplicá-las com eficácia, no momento exato
e da forma correta em que são requisitadas. Na verdade, significa ter em
mente que as habilidades motoras do voleibol não são fins, mas instrumentos da consecução do planejamento tático e estratégico. Uma única técnica
pode ser aplicada de modos diferentes, de maneira que os quesitos eficiência e eficácia serão condicionados pelos mecanismos de pressão presentes
em cada situação, bem como pela capacidade individual para a solução de
tarefas-problema.
Segundo os estudos de Zhelezniak (2005), essa capacidade de encontrar soluções mais propícias para cada momento do jogo é dependente de
uma série de fatores. O autor cita em primeiro lugar a necessidade de um
alto nível de desenvolvimento das aptidões especiais (rapidez nas reações
complexas, velocidade nas ações dependentes de reação segmentar rápida,
de orientação e da inteligência, etc). Em segundo lugar, é apontada a importância de o praticante ter um bom índice de segurança nas aplicações
técnicas criadas por situações de jogo mais complexas. Por fim, a união dos
dois primeiros fatores, que se traduz nas ações individuais e coletivas de
ataque e defesa.
Zhelezniak nos apresenta de maneira organizada os fatores determinantes para a obtenção do sucesso nas ações específicas do voleibol:
106 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
Figura 2. Fatores determinantes para o sucesso nas ações específicas do voleibol
(ZHELEZNIAK, 2005).
Os estudos de Roth citados por Greco e Benda (1998) enfocam a dependência das exigências coordenativas, que são determinantes para a precisão dos gestos em relação às pressões de tempo, precisão, complexidade,
organização, carga física e variabilidade que podem atuar com maior ou
menor intensidade na execução de um ato motor, na relação entre informação aferente e eferente. A referida dependência é facilmente comprovada no
desenrolar de uma partida de voleibol, disputada por equipes de potenciais
semelhantes.
Relato de Bojikian e Bojikian (2008) mostra que, no voleibol, quanto
mais se aproxima o final de um set ou da partida, mais a ansiedade e a
emoção se fazem presentes, fatos que propiciam erros em maior quantidade, especialmente por parte de atletas mais inexperientes. A narrativa em
Matos e Bojikian | 107
questão ilustra a interdependência entre performance e estado emocional
nas partidas do voleibol competitivo.
Proença (2009) tem a mesma visão quando afirma que a solicitação
feita pelo voleibol aos seus praticantes provoca um cansaço de característica mais nervosa que fisiológica. Ele aponta que os intervalos entre os ralis
permitem a recuperação metabólica, mas não do sistema nervoso.
Zhelezniak (2005), por sua vez, conclui que a atividade competitiva do
voleibol se caracteriza por uma alta tensão psíquica que se manifesta com
especial dramatismo nos momentos culminantes da partida, quando as forças dos adversários são semelhantes. Para o autor, as qualidades volitivas,
bem como a estabilidade psíquica, são de importância decisiva nesses momentos.
Drauschke (2002) aponta o desenrolar de um jogo como elemento acumulativo das fadigas física e psíquica, tornando-se progressivamente um
fator limítrofe entre a falha ou a conquista do ponto. A concentração e a
capacidade de mantê-la ao longo de um jogo é por ele apontada como fator
decisivo para um desempenho positivo do atleta de voleibol.
O voleibol é uma modalidade esportiva em que os aspectos psicológicos
envolvidos no desempenho durante a disputa se mostram especialmente importantes (BUENO; DI BONIFÁCIO, 2007).
Noce e Samulski (2002) comentam que o voleibol é uma modalidade
esportiva extremamente dinâmica, que requer habilidade motora, precisão
e muita regularidade na execução dos seus fundamentos, domínio de diferentes combinações de jogadas e raciocínio rápido, caracterizando um
conjunto de exigências que podem gerar situações bastante estressantes.
Uma partida de voleibol tem suas características e situações-problema
próprias, como já foi aqui demostrado, e requer comportamentos satisfatórios que são esperados e muitas vezes não ocorrem. Os pontos ocorrem
- e, por consequência, as vitórias e derrotas - em função da existência dos
acertos e também dos erros presentes em cada rali. Perguntas simples, aparentemente tolas, surgem facilmente: Por que os erros ocorrem onde todos
querem acertar? Por que uns perdem e outros ganham? Por que, em situa108 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
ções aparentemente semelhantes, o mesmo atleta obtém performances tão
diferentes? As respostas é que são difíceis!
Drauschke (2002) nos ajuda a tentar entender a problemática quando afirma que o rendimento, e principalmente o “clima” de uma equipe,
são dependentes de fatores como características individuais de inteligência,
criatividade e autocontrole, e também disciplina, espírito de equipe, solidariedade, entusiasmo e confiança.
Brandão (1997) aponta determinadas qualidades psicológicas - tais
como autoconfiança, valentia, determinação, disposição e vontade de vencer - como determinantes do bom desempenho do atleta em uma disputa
de voleibol.
Já nos idos anos 1980, Jarov (1982) escreveu que, para caracterizar psicologicamente o esportista em uma apreciação de suas qualidades volitivas,
deve-se dedicar atenção especial à perseverança com que ele persegue seus
objetivos, ao brio, à decisão, à firmeza, à coragem, ao espírito de iniciativa e
de independência, e também ao espírito crítico e de autoanálise.
Os ensinamentos dos especialistas aqui citados só terão validade se
lembrarmos que o voleibol é um esporte de característica primordialmente coletiva. A não retenção da bola e a obrigatoriedade da alternância dos
participantes para o contato com ela tornam as ações individuais dependentes das ações dos companheiros. Ora, se os indivíduos que compõem
a mesma equipe não são iguais, não têm temperamentos semelhantes, se
seus tempos de experiência são diferentes, se suas condições físicas às
vezes são diferentes, como esperar comportamentos motores e sucessos
semelhantes?
Quando se atua em grupo, como em um jogo de voleibol, é comum os
atletas alternarem momentos de melhores e piores rendimentos. Há os que
rendem melhor em início de partida ou sets; outros, em momentos centrais
da partida; e alguns nos seus momentos mais decisivos. Existem aqueles
que se enquadram melhor em jogos fáceis, enquanto outros em partidas
decisivas e mais difíceis. Tais variações são explicadas pelas colocações de
Brandão (1997), acima citadas.
Matos e Bojikian | 109
As alternâncias repentinas de comportamento em uma partida são circunstanciais e individuais. Um atacante, ao ser bloqueado em um momento
decisivo de uma partida, vai reagir nos lances seguintes de acordo com o
seu autocontrole, sua confiança e sua coragem. Ele poderá se abater ou se
agigantar. Isso vai depender, em muito, do seu temperamento.
Na prática atual do voleibol competitivo, é muito comum os técnicos,
ao montarem taticamente suas equipes, atentarem para as características de
temperamentos dos elementos escolhidos para formarem a equipe titular,
pois as exigências de cada função tática solicitam traços de personalidade
diferenciados.
Nas formações atuais, é comum as equipes serem compostas, no sistema 5 X 1, com dois atacantes de força (pontas), dois centrais (meios),
um levantador e um oposto (atacante de força e bloqueador) (BIZZOCHI,
2000).
Quando suas equipes estão em ações ofensivas, os centrais têm por função tática, basicamente, “prender” o central adversário que o marca, para
impedi-lo de se deslocar para as extremidades da rede e efetuar bloqueios
coletivos aos atacantes de sua equipe. Para executar sua missão tática, sempre que possível o referido central deve “puxar” (fazer o movimento como
se fosse atacar) uma bola rápida na região central da rede, obrigando o
meio oponente a acompanhá-lo. Porém, não é raro que o central “puxe”
em todas as ações ofensivas que sua equipe realize em um set e receba uma,
duas e por vezes nenhuma bola para atacar. Isso é muito comum porque, ao
perceber que a ação de seu central obteve sucesso - ou seja, estimulou a subida do meio adversário -, o levantador prefere acionar os atacantes de extremidade, pois estes terão muita chance de fazer o ponto. É difícil imaginar
um atacante de voleibol se sujeitando a saltar em todas as ações ofensivas
de sua equipe e recebendo apenas duas ou três bolas para atacar em toda
a partida, mas é isso que ocorre, principalmente no alto nível, e para tanto
o indivíduo que exerce essa função tática precisa ter uma característica de
comportamento compatível.
A formação ideal de uma equipe de voleibol requer, portanto, dois
centrais, ou seja, dois indivíduos que não se importem em aparecer mui110 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
to pouco para o público, pois raramente concluem uma jogada, e tenham
espírito de equipe altamente desenvolvido. São pessoas que conseguem se
enxergar como peças vitais (mas pouco vistas) de uma engrenagem maior.
Geralmente, são mais quietos e pouco se destacam. Seus temperamentos
lembram mais os fleumáticos e os melancólicos.
Os dois atacantes de ponta e os opostos, que são os que mais recebem bolas
para atacar, são os “matadores”! Devem ser determinados, vibrantes, cheios de
garra e gostar de vencer grandes desafios, o que requer não só coragem mas
também autocontrole. Gostam que seus feitos sejam apreciados e valorizados.
Acredita-se que devam ser de temperamento sanguíneo ou colérico.
Já o levantador tem uma liderança delegada por suas funções, pois escolhe o jogador que irá atacar. Entretanto, se possível, deve também ter uma
liderança natural. Liderar, se preocupar com o bom rendimento do grupo e
ter voz de comando fazem parte de suas atribuições em quadra. Parece que
os temperamentos sanguíneo e colérico são os que mais se coadunam para
um bom levantador. Não por acaso, José Roberto e Bernardinho, técnicos
das seleções brasileiras de voleibol, jogaram como levantadores. E ambos
foram muito bons!
As análises feitas até aqui sobre as características da mecânica do voleibol, das exigências motoras e de temperamentos para uma boa atuação nos
levam a refletir sobre como ensinar e treinar atletas para esse esporte, bem
como sobre a melhor forma de se dirigir e liderar uma equipe.
É evidente que, se a importância do raciocínio e do autocontrole for
motivo de preocupação desde o início do processo de aprendizagem em um
programa de treinamento a longo prazo, os praticantes de alto rendimento
terão muito maior probabilidade de sucesso.
Preocupados com a formação de atletas inteligentes, capazes de sempre
atuar na busca das melhores resoluções para cada uma das situações-problema dos esportes coletivos, Greco e Benda (1998) sugerem que, em todo o
processo de formação esportiva, recorra-se a um conjunto de procedimentos em que possa ocorrer o trinômio ensino, aprendizagem e treinamento.
Em um primeiro momento, cuida-se da aprendizagem das habilidades
motoras do voleibol, pois elas são entendidas como ferramentas para que
Matos e Bojikian | 111
as situações problemas do jogo sejam resolvidas. O objetivo do processo de
aprendizagem de uma determinada habilidade motora somente é alcançado quando ela é utilizada dentro da finalidade para a qual foi criada (BOJIKIAN; BOJIKIAN, 2008).
O voleibol não permite a retenção (domínio) da bola, ao contrário da
maioria dos demais esportes coletivos, como já foi citado anteriormente, o
que faz com que processo metodológico para a aprendizagem das técnicas
do voleibol mereça uma atenção especial e tenha suas peculiaridades.
Essa característica inerente ao voleibol faz com que, como indicam
Kröger e Roth (2002), a relação entre cognição e ação seja efetuada sob
grande influência do mecanismo de pressão de tempo para situações motoras com essas características. Isso significa, na prática, que o indivíduo
deve ter automatizado e estabilizado muito bem os movimentos específicos do voleibol para que possa se concentrar apenas e tão somente em sua
utilização, para atender adequadamente à complexidade e à capacidade de
organização e variabilidade presentes em cada ação do jogo de voleibol.
Martin et al. (2008) também sustentam que o ganho de estabilização de
uma habilidade deve ser planejado e controlado, aumentando-se progressivamente a variabilidade desejada. É um modo de garantir que mecanismos
de pressão superiores à capacidade de respostas positivas do iniciante não
venham a causar distúrbios, desconfigurando o padrão motor desejado.
Todas as capacidades coordenativas devem ser estimuladas, porém no contexto voleibolístico próprio dessa etapa. As informações teóricas e práticas são
muito úteis para que os sinais relevantes desencadeadores das ações eferentes e
aferentes passem a ser reconhecidos. Atividades que requeiram atenção, concentração e antecipação trarão respostas cada vez mais conscientes.
A utilização dos exercícios complexos; realizados por meio de combinações de elementos técnicos, táticos e físicos próprios para a faixa etária
em questão, tem se mostrado uma estratégia bastante eficaz para o treinamento das tomadas de decisões.
Uma vez ocorrido o domínio das habilidades técnicas básicas, essa etapa pode ser concretizada com a utilização de competições, com equipes de
112 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
estruturações táticas próprias para iniciantes. As competições devem ter
conotações apropriadas para a faixa etária e devem ser entendidas como
integrantes do processo de formação do voleibolista. As avaliações e cobranças não devem ser feitas baseadas em vitórias ou derrotas, mas sim
sobre a qualidade do desempenho (MARTIN et al., 2008). Se o treinamento
se realiza baseado em cognição e ação, a avaliação deve ser compatível com
esse procedimento.
Ao se ensinar, treinar e competir, as avaliações e conhecimentos de resultados devem ser formulados da mesma maneira para todos os atletas?
Acredita-se que os menos seguros devem receber possíveis críticas de maneira mais cuidadosa que os mais confiantes e seguros de si.
Jarov (1982) nos ensina que o sucesso na preparação em longo prazo
de um atleta depende da atenção dada na combinação das suas qualidades pessoais. Segundo o estudioso, às vezes o treinador deve maquiar ou
atenuar os pontos mais fracos de seu atleta, valorizando os mais positivos,
pois esse procedimento poderá modelar-lhe determinados aspectos de seu
caráter ou de certas qualidades de suas ideias, mas sempre de modo que o
atleta assuma atitudes conscientes.
Atletas mais inseguros, como os melancólicos ou mesmo fleumáticos
em alto nível de irritação, merecem situações-problemas menos desafiadoras que sanguíneos e coléricos, que são mais confiantes.
Para ilustrarmos a necessidade de uma relação entre técnico e atleta ou
aluno e professor diferenciada por tipos de temperamentos, lembramos de
exemplos dados pela psicóloga Regina Brandão, que realizou numerosos
trabalhos com atletas e equipes de alto nível, como as seleções brasileiras
adultas de voleibol e a de futebol campeã mundial de 2002. Ao palestrar no
curso nacional de treinadores da CBV, realizado na cidade de São Paulo,
em julho de 2006, no Centro Olímpico da Prefeitura, a referida psicóloga
afirmou: “Se desafiarmos um atacante de voleibol inseguro [melancólico],
duvido que você supere um bloqueio formado pelo Giba e o Gustavo [jogadores campeões mundiais e olímpicos], mas se o desafio for feito a um
atacante confiante [sanguíneo], com certeza ele irá tentar até conseguir.”
Matos e Bojikian | 113
Ao longo do processo de formação, o praticante vai crescendo e se desenvolvendo, fato que implica participação em competições que exigem
graus de complexidade e variabilidade cada vez maiores. A bola viaja cada
vez com mais velocidade, as ações táticas são cada vez mais complicadas
e elaboradas, de modo que o praticante tem menos tempo para tomadas
de decisão. Essa complexidade crescente, acompanhada de tempos cada
vez menores para as tomadas de decisão, requer atletas cada vez mais bem
preparados, e para isso os pontos positivos de seus temperamentos devem
estar com graus de ativações ótimos.
Tavares, Greco e Garganta (2006) salientam que, quanto mais complexa
a tarefa motora, maior tempo ela demandará para ser efetuada, pois as suas
exigências aumentam (complexidade e incertezas) perante uma restrição
temporal constante e elevada. A responsabilidade ligada à realização eficaz
aumenta. Para o treinamento de situações similares, no intuito de atender
ao princípio da especificidade, os autores em questão citam a sugestão de
Stein (1987) segundo a qual a prática preparatória do jogador se processa
dentro de certas restrições temporais. É a criação de um treino de oposição
a um nível de responsabilidade imposto pelo adversário que seja próximo
do máximo compatível com o nível de competência técnica do executante.
O técnico e sua comissão técnica devem, portanto, estar preparados
para criar estratégias adequadas e produtivas para cada um dos seus atletas.
Tais estratégias são de difícil equacionamento, pois devem contemplar não
só a capacitação técnica de cada sujeito envolvido, mas também seus temperamentos. Como já foi aqui citado, todos temos elementos de todos os
temperamentos, mas um deles nos define melhor. Explorar o que cada um
de seus alunos/atletas tem de melhor, para cada situação, deve ser um dos
mais importantes dons de um técnico e de um professor.
E isso requer mecanismos individualizados. Todo o processo de ensino
e aperfeiçoamento da capacidade de jogar voleibol deve estar calcado na
ideia dos procedimentos que contemplem ensino, aprendizagem e treinamento. É preciso lembrar que há muito Singer (1977) afirma que ser líder
de um grupo (também os esportivos) requer que se busque sempre obedecer três regrinhas:
114 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
◆◆
respeitar e preservar as individualidades;
◆◆
estimular as potencialidades; e
◆◆
colocar todos na busca do bem comum.
Segundo o autor, as diferenças tornam um grupo criativo, inovador e
duradouro. Para que se logre tal postura, torna-se imprescindível respeitar
as diferenças de temperamentos. Um bom professor e um bom técnico de
voleibol devem criar estratégias de trabalho que permitam a todos os componentes de seu grupo atuar se sentindo valorizados, estimulados, e com
direito a atuações plenas e satisfatórias.
Jarov (1982) tem a mesma opinião, pois afirma que, ao conhecer os
pontos fracos e fortes de seus jogadores, o técnico pode formar corretamente uma equipe, resolvendo os problemas de compatibilização, além de
outros elementos do coletivo.
5. Relação entre ensino, aprendizagem e treinamento no
voleibol
Se transportarmos as conclusões a que chegamos com as relações entre
ensino, aprendizagem e treinamento do voleibol para o mundo acadêmico,
e mais diretamente para a relação entre professor e alunos, provavelmente
vamos ter que nos lembrar dos ensinamentos de Singer para entendermos
as diferenças de interesse e participação dos alunos, para conseguir que as
disciplinas alcancem seus objetivos maiores, que estão atrelados à formação
de profissionais competentes e criativos e também cidadãos críticos, responsáveis e comprometidos com a coisa coletiva.
Em sala de aula, quando são abordados aspectos ligados à aprendizagem
do voleibol, ou mesmo seu treinamento, a importância do professor de educação física entender e saber lidar com os temperamentos diferenciados é sempre
enfatizada. Sempre é lembrado que, de acordo com Bompa (2005), os psicólogos podem ajudar na preparação psicológica de uma turma ou uma equipe,
mas nem sempre estão disponíveis, fazendo com que o professor (ou treinador)
seja o responsável por lidar com as preocupações psicológicas do dia a dia.
Matos e Bojikian | 115
Dessa forma, muitas vezes o comportamento dos alunos em sala de
aula segue exatamente as características dos temperamentos humanos.
Os coléricos estão sempre dispostos a aprender as principais teorias, são
estimulados pelos trabalhos acadêmicos apresentados em sala de aula, são corajosos e arriscam dar respostas às questões formuladas em sala, preparam-se
para as aulas e as assistem até o final. Apresentam uma tendência à liderança
nata, têm raciocínio rápido e grande capacidade de ação. São entusiasmados
pelo aprender e querem sempre vencer os obstáculos. São do tipo de pessoa
que resolve as coisas, que transforma ideias em ações. São autoconfiantes e
muito ativos. Em geral, adoram as aulas práticas e estão sempre dispostos a
participar de competições esportivas. São destemidos e corajosos, mas também são impacientes, insensíveis e até duros em relação às dificuldades dos
colegas de classe - e em função destas características nem sempre são bem
aceitos pelo grupo, pois lidar com eles não é simples. Nos trabalhos em grupo, costumam ser os responsáveis pela execução e também pela apresentação.
Sabem organizar e promover eventos, mas podem ser arrogantes e mandões.
Precisam aprender a ouvir para liderar melhor.
Os sanguíneos, por sua vez, raramente chegam no horário ou permanecem em sala de aula até o final dos encontros. Sempre precisam responder a
diferentes estímulos (colegas na porta, chamadas em celulares, mensagens,
etc.) durante as aulas. Têm vontade fraca e pouca convicção. Dificilmente
mantém um padrão na aula: ora copiam a matéria e anotam as explicações,
ora se distraem com os demais alunos. São desorganizados. Quando arriscam uma resposta às questões elaboradas pelo professor, são superficiais
e não resistem às indagações por muito tempo. Suas respostas costumam
ser excessivamente criativas e, em geral, fora da realidade. Não costumam
se preparar para as aulas nem fazer as tarefas solicitadas. Possuem sempre
uma boa explicação para as ausências. São risonhos e divertidos.
Para os melancólicos, as aulas são sempre uma grande dificuldade.
Todas as tarefas propostas são muito difíceis e demasiado complexas para
serem executadas. Não costumam se arriscar a responder às questões, pois
sucumbem à possibilidade de erros: para eles, é muito difícil superar o fracasso. Costumam se isolar na classe, possuem poucos amigos e criticam os
116 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
defeitos dos outros com frequência e veemência. Quando existe a proposta
de relacionarem os conteúdos com diferentes disciplinas, não o fazem, pois
o pensar é profundo e não amplo, o pensamento é unidirecional e não sistêmico. São perfeccionistas e gostam de trabalho analítico e detalhado. São
muito teóricos e pouco práticos. Cansam-se com facilidade.
Embora os fleumáticos sejam agradáveis e bons amigos, suas interações
sociais são diretamente relacionadas às necessidades de manterem o bem
-estar individual. São calmos e bem equilibrados. Costumam se “esparramar” nas cadeiras e até mesmo o escrever se torna uma tarefa difícil. São
ótimos ouvintes, chegam a ser passivos. Dificilmente expressam suas ideias,
são conformados e não apresentam força para defender seus pontos de vista
na verdade, para eles tanto faz... São resistentes às mudanças e, sempre que
os conteúdos propõem mudanças em relação à atuação profissional tradicional, resistem às ideias, pois são conservadores.
É interessante ressaltar ainda que Tavares, Greco e Garganta (2006) nos
informam que a dificuldade de tomada de decisão aumenta sempre que o
jogador tem que reagir a estímulos confusos, ambíguos e conflituais. Como
a complexidade da tomada de decisão dentro da dinâmica do jogo evidencia a importância da autonomia de decisão, fica claro que essa autonomi
muito provavelmente será maior ou menor de indivíduo para indivíduo
de acordo com seu temperamento. Conforme os autores, essa questão nos
leva a equacionar como os agentes de ensino (professores e treinadores)
intervêm no processo de formação de seus orientandos de modo a perceber
se tal processo permite a aplicação da autonomia de decisão, bem como seu
desenvolvimento.
Por outro lado, se pensarmos em traçar um paralelo com os conteúdos
abordados neste estudo e as preocupações iniciais do texto, na qual alunos
têm comportamentos e atitudes diferenciados em relação aos conteúdos e
tarefas propostos, talvez fosse interessante lembrar que cada aluno está preparado de modo diferenciado para enfrentar o mundo acadêmico. É muito
comum que aqueles matriculados nos semestres iniciais do curso, por serem
na maioria das vezes extremamente jovens, estejam inseguros quanto à opção
de curso realizada e às vezes sejam imaturos para ter atitudes compatíveis
com um curso universitário e profissionalizante.
Matos e Bojikian | 117
Do referido paralelo, talvez uma nova correlação possa surgir quando
lembramos Marques (2000), que explica a prontidão esportiva como a correspondência entre o nível de maturidade e desenvolvimento da criança e
a demanda da tarefa que é apresentada pelo esporte. É o caso de se indagar
se as tarefas propostas aos alunos são compatíveis com a sua capacidade de
realização no momento.
6. Considerações finais
Conhecendo a natureza dos temperamentos humanos, muitas coisas
serão vistas de maneira clara na vida e poderemos manejar, de modo prático, o que antes não podíamos.
Na nossa trajetória de vida, conhecermos as possibilidades de reação de
cada um que nos cerca permite atuarmos com mais integração e até mesmo
diminuirmos os conflitos. Um exemplo dessa afirmativa é que, sendo um
professor ou um técnico, podemos selecionar melhor as atividades propostas, podemos respeitar mais as características dos nossos atletas ou alunos.
Para auxiliarmos a vencerem as limitações, podemos ajudá-los na seleção dos grupos de trabalho. Embora não seja a ideia que muitos terão ao
ler este capítulo, na verdade os melhores grupos para o desenvolvimento
humano são aqueles compostos por elementos de igual temperamento. As
dificuldades serão reconhecidas e vivenciadas em função do encontro com
os próprios pares, com seus semelhantes. Mas nas atividades reais do cotidiano isso é real? As dúvidas advindas desse questionamento é que, possivelmente, tornam as tarefas de conduzir, liderar e educar pessoas algo tão
desafiador e fascinante!
Quem poderia frear um colérico? Quem poderia trazer mais responsabilidade e foco ao sanguíneo? Quem poderia distanciar um melancólico do
sofrimento interior e aproximá-lo da ação, da tarefa a ser realizada? Quem
poderia estimular um fleumático a apresentar e defender uma ideia, uma
metodologia?
Se nos depararmos com um chefe colérico, teremos mais ferramentas
para nos posicionarmos com segurança nessa relação. Se um dirigente espor118 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
tivo se apresenta com características fleumáticas, essa informação nos será
muito útil no momento de apresentarmos relatórios com propostas de inovações de qualquer ordem. Na seleção de nossos atletas, saberemos, com mais
clareza, o que poderemos esperar de cada um deles em uma apertada final de
campeonato, uma escalação de equipe, uma posição de capitão etc.
Ao apresentarmos este conteúdo em sala de aula, seja na disciplina de
aprendizagem motora ou de voleibol, permitimos que os alunos tomem
contato, inicialmente, com uma autoavaliação no sentido de se reconhecerem em relação aos Temperamentos Humanos e tenham consciência das
suas principais características, tanto boas quanto ruins. Em um segundo
momento, eles terão mais oportunidades de sucesso ao lidar com as diferenças individuais, dentro de uma aula de educação física com seus alunos
ou na atuação com seus atletas, diretamente atuando no esporte.
A essência do aprendizado é que, com essas informações, poderemos
atuar melhor no mundo, encontrar mais alternativas de nos relacionarmos
nos diferentes grupos aos quais pertencemos.
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120 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...
MOTIVAÇÃO E ANSIEDADE NO ESPORTE:
da iniciação ao alto rendimento
Vinicius Barroso Hirota
Paulo Eduardo Torres Tondato
Jorge Dorfman Knijnik
A
psicologia, tanto como prática profissional como enquanto ciência, é hoje parte indispensável de qualquer ambiente esportivo,
seja este de aprendizado ou mesmo de alto desempenho e busca máxima
de resultados. O esporte se firmou na sociedade contemporânea como uma
das atividades mais difundidas, criando e recriando valores e difundindo
condutas eminentemente humanas, de modo que a psicologia, que estuda e
intervêm nessas condutas, é parte fundamental e essencial desse processo.
Assim, repensar as práticas nos diversos contextos esportivos no sentido de
incluir as dimensões psicológicas do saber e da atuação é necessidade imperiosa de um esporte que se queira formativo ou competitivo nos marcos
da sociedade globalizada.
Os fatores que nos levam a repensar as práticas durante o processo de
aprendizagem de uma modalidade, bem como no contexto do desempenho
esportivo, refletem o quanto um aluno ou um atleta vive a possibilidade de
superar seus limites em busca da vitória e melhora os seus resultados de
maneira positiva. Se frustrar-se significa não conseguir um determinado
objetivo imediato, pode, contudo ser a mola propulsora para a busca constante de melhores performances, sendo assim um fator-chave de motivação
dentro do treinamento.
Dessa maneira, De Marco (2000) nos esclarece que os obstáculos e entraves que o ser humano possa encontrar na prática do esporte profissional não
diferem daqueles existentes nas demais profissões: vencer ou perder, sofrer
pressões externas, estresse, interferências pessoais ou familiares são variáveis
Hirota, Tondato e Knijnik | 121
que podem ser experimentadas por qualquer pessoa em qualquer ramo de
atividade. Assim, aspectos psicológicas das condutas humanas, como ansiedade, conflito, frustração e agressividade, são inerentes à espécie humana,
independentemente da profissão em que estejamos inseridos.
Certamente, existem aqueles mais específicos e inerentes ao esporte, tais
como erros, lesões, influência familiar, fatores extrínsecos como a torcida, cobrança dos técnicos, distúrbios emocionais, estresse e ansiedade, má alimentação estes são alguns dos elementos que podem influenciar negativamente
o desempenho atlético.
Entretanto, muitos alunos em nosso contexto diário de vivências acadêmicas realizam questionamentos referentes às dificuldades encontradas
pelas crianças na busca da aprendizagem ou pelos atletas quando buscam
melhorar seu desempenho, procurando assim a sua autorrealização. Isso
mostra que o sucesso no contexto do esporte não pode se limitar à vitória,
que muitas vezes pode não ser o suficiente para satisfazer as necessidades
de cada sujeito. As necessidades tendem a ser individuais: ainda que pensemos em atletas inseridos no conjunto dos jogos coletivos, o foco da psicologia ocorre no êxito individual e no seu equilíbrio, que se reflete no grupo.
Neste texto, objetivamos fazer uma reflexão sobre os temas levantados
acima e apresentaremos resultados de pesquisas já realizadas na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no curso de educação física, vinculado ao
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde dessa Universidade, e com atletas
de diversas modalidades da cidade de São Caetano do Sul (SP).
1. Da psicologia do esporte no contexto acadêmico às respostas aos fenômenos das condutas humanas
Identificar conceitos que dizem respeito à totalidade esportiva é uma
tarefa necessária para quem pretende dar conta do contexto de ensinar,
bem como o contexto de motivar o atleta a melhorar seu desempenho, a
quebrar seus limites ou sucumbir à derrota de maneira a corrigir os erros
do treinamento, os erros motores, e melhorar o seu desempenho.
122 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
O que despertou o interesse por escrever este texto reflete a possibilidade prática que os alunos vivenciam no dia a dia durante as aulas do ensino
superior.
Por que algumas crianças têm mais dificuldades de aprender do que
outras? Por que algumas crianças necessitam de determinados incentivos
e outras não no contexto da aprendizagem? Por que alguns se superam
constantemente e outros simplesmente evadem de uma atividade depois
do fracasso? A frustração é motivo de evasão esportiva, ou um motivo de
querer mais?
Para os atletas, seriam as lesões fatores de frustração e/ou (des)motivação? A ansiedade ou depressão no período em que estão lesionados interfere na qualidade de vida dos atletas? Problemas familiares ou financeiros
atrapalham o desempenho? Uma boa iniciação esportiva garante resultados
positivos nas fases competitivas?
Vamos determinar em um primeiro momento que as lições deixadas
pelos teóricos da organização do treinamento desportivo afirmam que periodização é fundamental para atingirmos resultados superiores satisfatórios.
É fato que uma boa programação se faz necessária no fenômeno
esportivo. Sendo assim, a construção de uma identidade na formação do
atleta em longo prazo garante que a psicologia esportiva seja levada em
consideração. Dessa forma, consideramos que os aspectos levantados sobre
esta temática são necessários, contribuindo e sendo agregado durante
a periodização do treinamento esportivo, seja na aprendizagem ou no
desempenho esportivo, visando ao treinamento e a resultados superiores.
2. Atribuição e retribuição de metas relacionadas ao desempenho esportivo ligado à motivação
Lidar com o esporte e com a aprendizagem esportiva nos coloca em
paralelo a lidar com a atribuição de causas relacionadas ora ao sucesso, ora
ao fracasso. Fazendo referência à atribuição de causas para esses momentos, podemos dizer que a percepção do resultado, mesmo que seja parcial
Hirota, Tondato e Knijnik | 123
ou momentâneo, é fundamental para a avaliação e a reavaliação do desempenho apresentado durante ou como resultado da realização da tarefa proposta.
Michener, De Lamater e Myers (2005) relatam que o termo atribuição
refere-se ao processo que um observador utiliza para inferir as causas das
condutas de outra pessoa. Isto é, o observador tenta responder à pergunta
“Por que esta pessoa age desta forma?”. Na atribuição, observamos as condutas dos outros e inferimos as suas causas - intenções, habilidades, traços,
motivos e pressões situacionais que explicam porque eles agem de determinada maneira.
Os autores ainda nos esclarecem que os atos de uma pessoa produzem
mais de um efeito e repercutem no ambiente. Assim, o resultado final ou
definitivo a ser obtido pode não ser a meta estabelecida como determinante
por um determinado sujeito, como no caso de alguns esportes. Podemos citar o exemplo das modalidades coletivas de quadra e campo, representando
o gol no futebol e no handebol, a cesta no basquetebol, no qual o resultado
pode não satisfazer as necessidades individuais do sujeito que obteve o êxito momentâneo dentro desse determinado desempenho.
Dessa maneira, é necessário termos atribuições de sucesso e fracasso para
avaliar nosso desempenho. Podemos destacar quatro fatores que se aplicam
nesse contexto: habilidade, esforço, dificuldade da tarefa e sorte (MICHENER; DELAMATER; MYERS, 2005). Para avaliar a situação, vamos observar
se o resultado se deve a uma causa interna do autor (atribuição interna ou
disposicional) ou a causas externas ou ambientais (atribuição externa ou situacional).
Posteriormente, precisamos decidir se o resultado é uma ocorrência estável ou instável, ou seja, temos que determinar se a causa é uma característica permanente do autor ou do ambiente, ou se ela é instável e mutável. A
habilidade, por exemplo, é geralmente considerada como interna e estável,
e o esforço ou o desempenho é propriedade da pessoa que muda, dependendo de o quanto ela tenta - geralmente, atribuímos desempenhos extremos ou incomuns a causas internas (MICHENER; DELAMATER; MYERS,
2005). Veja o Quadro 1.
124 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
Quadro 01: Causas Percebidas do Sucesso e do Fracasso
Grau de Estabilidade
Locus de Controle
Estável
Instável
Interno
Habilidade
Esforço
Externo
Dificuldade da tarefa
Sorte
Fonte: adaptado de Weiner et al., 1972 (apud MICHENER; DELAMATER; MYERS,
2005, p. 161).
Como exemplo, apoiados no Quadro 1, podemos dizer que um jogador
de basquetebol acerte todas as cestas de um dia, mas no dia seguinte não
acerte a grande maioria dos arremessos. Neste caso, podemos atribuir à
motivação (esforço) um grau de estabilidade que dependa dos fatores instáveis e/ou estáveis. Sendo assim, a influência da torcida, a importância do
jogo e as condições do ambiente (temperatura elevada) poderiam ser atribuídos como sorte.
Então, os fatores ambientais são levados em consideração, ou seja,
os fatores externos (extrínsecos, ligados ao exterior, como a influência
da torcida, adversários ou mesmo companheiros de equipe) e os fatores
internos (intrínsecos, que podem promover alterações consideráveis no
desempenho esportivo, como o nível de estresse e a ansiedade). Veja o
Quadro 2.
Hirota, Tondato e Knijnik | 125
Quadro 2.: A Diversidade dos Motivos Humanos
Exemplos de Necessidades
Biológicas em Seres Humanos
Exemplos de Necessidades
Sociais em Seres Humanos
Fome
Realização (sobressair-se)
Sede
Associação (laços sociais)
Sexo
Autonomia (independência)
Temperatura (temperatura corporal adequada)
Oferecer cuidados (cuidar
e proteger os outros)
Excreção (eliminar resíduos corporais)
Dominância (influenciar e
controlar os outros)
Dormir e descansar
Exibição (impressionar os outros)
Atividade (nível ótimo e estimulação e excitação)
Ordem (ordem, asseio e organização)
Agressão
Jogo (alegria, relaxamento e divertimento)
Fonte: adaptado de Madsen, 1973 (necessidades biológicas) e Murray, 1938 (necessidades sociais) ambos citados por Weiten (2008, p. 283).
De acordo com Weiten (2008), a maioria das teorias estabelece uma diferenciação entre motivos biológicos, que se originam das necessidades corporais (como a fome), e motivos sociais, que se originam de experiências sociais
(como a necessidade de realização).
E, para completar esse raciocínio, Magill (1984) afirma que em qualquer situação de aprendizagem existe uma abundância de estímulos no
ambiente, aos quais o aprendiz pode prestar atenção antes de gerar uma
resposta.
Pode ser desejável que se alcance o objetivo ou a meta estabelecida pelo
sujeito durante o desempenho ainda nos referindo a exemplos práticos,
otimizar o passe de bola durante o jogo. Sendo assim, os passes serão valo126 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
rizados como meta de grupo, atingindo o trabalho participativo do grupo
como um todo, a fim de elevar a coletividade, aumentando consequentemente a possibilidade de êxito do grupo e a orientação para tarefa do grupo
(DUDA, 1992), deixando de lado o individualismo, característica ligado à
orientação para o ego (DUDA, 1992) ou medo do fracasso (WINTERSTEIN, 2002).
Portanto, relacionando o aspecto do grupo, para o grupo e com o grupo, acreditamos que deve existir a confiança mútua para elevar a expectativa de êxito do grupo. Em contrapartida, para o desempenho do grupo em
alguns esportes, como os coletivos, é fundamental existirem sujeitos que
apresentem características ligadas à orientação para o ego, uma vez que em
alguns momentos necessitamos que um atleta assuma a postura de tomar
a decisão.
Ao propor uma avaliação do sujeito pensando em sua prática esportiva
com a finalidade de manutenção ou melhoria de seu desempenho esportivo, enxergamos que avaliar, aprender e reavaliar são indissociáveis dentro
da aprendizagem, que, segundo Gallahue e Ozmun (2006) “é um processo
interno que produz alterações consistentes no comportamento individual em
decorrência da interação da experiência, da educação e do treinamento com
processos biológicos” (GALLAHUE; OZMUN, 2006).
Assim como relatado anteriormente, é previsto haver, no indivíduo, a
vontade de aprender e se aprimorar dentro da prática esportiva, aumentando
e melhorando as suas experiências, e também as suas expectativas de sucesso.
Cada indivíduo pode se predispor a avaliar o meio em que está inserido e
gerar uma determinada resposta para a tarefa a ser realizada. Weineck afirma:
“A capacidade de desempenho esportivo é, devido a sua composição multifatorial, de difícil treinamento, somente o desenvolvimento harmônico de
todos os fatores determinantes do desempenho possibilita que se obtenha um
alto desempenho individual.” (WEINECK 2003, p. 22)
De acordo com Martens e Webber (2002), os organismos têm uma necessidade intrínseca de adquirir competência sobre seu meio ambiente. A
importância da motivação intrínseca e extrínseca, por suas diferenças, vem
sendo relacionada com diferentes resultados. Por exemplo, a alta motivação
Hirota, Tondato e Knijnik | 127
intrínseca tem sido associada com o aumento da diversão nas atividades
físicas, além do desejo que o desafio proporciona. Aumenta a relação entre
esportistas, diminuindo a evasão do esporte.
Thomas (apud DE MARCO E JUNQUEIRA, 1995) sustenta que motivos não conduzem à ação, são situações em um determinado momento que
despertam e estimulam motivos de modo a conduzi-los efetivamente à ação.
Assim, de acordo com alguns autores que nos esclarecem o que é motivação, vemos que os fatores do meio ambiente, juntamente com as situações momentâneas, conduzem um indivíduo a realizar ou não determinada
ação. Tendo como ponto de partida a atividade, o comportamento de um
indivíduo é uma sequência da atividade.
Este conjunto só seria possível com a aprendizagem de uma tarefa, e
que esta seja condizente com a condição do aluno daí poderíamos avaliar,
gerar respostas ou atos motores e reavaliar, considerando uma aprendizagem significativa dentro do processo do desenvolvimento motor. Assim,
quanto maior o número de experiências e mais rico o universo em que
o sujeito esteja inserido, somado a um número considerável de repostas
positivas e desempenhos positivos no contexto esportivo, mais estaríamos
trabalhando na tentativa de aumentar a expectativa de êxito desse aluno ou
atleta, como nos relata Winterstein (2002), que a expectativa ou probabilidade de êxito ou fracasso diz respeito à probabilidade de êxito que o indivíduo estabelece. Esta probabilidade se desenvolve a partir de experiências
passadas, situações semelhantes que o sujeito enfrentou.
Por exemplo, desempenhos antecedentes bem-sucedidos tendem a aumentar a confiança e diminuir a expectativa de fracasso na mesma tarefa.
É a partir desse desempenho que o indivíduo desenvolve uma ideia da dificuldade da tarefa, denominando-a, portanto, de aprendizagem.
Dessa maneira, analisando o contexto ambiental, observamos a ideia
do significado atribuído ao resultado dentro da tarefa, entretanto destacando o motivo de realização, definido por Weiten como “a necessidade de
vencer grandes desafios, de sobrepujar outros e de alcançar padrões superiores de excelência” (WEITEN, 2008, p. 291).
128 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
John Atkinson (apud WEITEN, 2008) estudou detalhadamente a teoria
da motivação para a realização e identificou alguns determinantes situacionais importantes para o comportamento de realização:
◆◆
a força de motivação de uma pessoa para obter sucesso é considerada um aspecto estável da personalidade;
◆◆
a estimativa que uma pessoa tem da probabilidade de obter sucesso em determinada tarefa varia de tarefa para tarefa; e
◆◆
o valor de incentivo do sucesso depende das recompensas tangíveis e intangíveis pela obtenção de sucesso na tarefa específica
(cf. WEITEN, 2008, p. 293).
Assim, podemos verificar que o valor do incentivo poderia aumentar
a nossa motivação, dependendo da recompensa que estaríamos esperando. Por exemplo, a nota a receber após o desempenho em uma prova de
ginástica artística seria uma recompensa para posteriormente ganhar uma
medalha de ouro, de modo que o atleta sempre teria que buscar um melhor
desempenho. Assim como a motivação para atingir o sucesso, a motivação
para evitar o fracasso pode estimular a realização (WEITEN, 2008).
De acordo com o modelo proposto por Atikinson (apud WEITEN,
2008), que considera governar o comportamento de realização, observamos dois aspectos.
Temos de um lado os aspectos estáveis da personalidade:
◆◆
necessidade de realização (força de motivação para atingir sucesso); e
◆◆
medo do fracasso (força de motivação para evitar o fracasso).
Complementando a ideia, do outro lado temos as determinantes situacionais do comportamento de realização:
◆◆
probabilidade observada de sucesso em tarefa específica;
◆◆
valor de incentivo do sucesso em tarefa específica;
Hirota, Tondato e Knijnik | 129
•
probabilidade observada de fracasso em tarefa específica; e
•
valor do incentivo do fracasso em tarefa específica.
Dessa maneira, tanto os fatores estáveis da personalidade como os determinantes situacionais do comportamento da realização convergem para
o comportamento de realização em situação específica, pois dependem do
desempenho do ser humano em uma determinada tarefa, demonstrando
um resultado.
Contribuindo com a nossa proposta, Verardi (2004) afirma que a partir dos aspectos emocionais se procura fazer uma relação entre a ação e a
vivência esportiva, tanto no seu aspecto competitivo quanto na prática do
esporte, presentes na experiência.
Becker e Samulski (1998) identificaram a motivação negativa, podendo
ser manifestações como o medo do fracasso, o medo de determinadas competições ou de adversários, ou até mesmo de lesões externas. Os autores
também nos mostram que um dos aspectos de muita importância prática é
a técnica da visualização, podendo ajudar no incremento da motivação dos
esportistas de elite como também dos iniciantes com alguma habilidade,
e, ainda mais importante, daquelas crianças e adolescentes que possuem
pouquíssima habilidade.
3. Resultados de estudos realizados em parceria com alunos
Ao longo de alguns semestres, foi possível a coleta de alguns dados,
contando com a parceria de nossos alunos e suas inquietações no sentido de explorar o campo dos eventos psicológicos que possam interferir na
aprendizagem ou no desempenho.
Com a utilização de diversos procedimentos metodológicos em diferentes modalidades, realizamos alguns trabalhos acadêmicos de iniciação
científica com o objetivo de levar os alunos a vivenciarem a experiência
de congressistas, apresentando seus trabalhos em forma de pôster ou tema
livre, para posteriormente dar continuidade escrevendo textos a serem publicados em revistas científicas.
130 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
Para a estruturação e realização desses estudos e pesquisas, contamos
com o questionário do esporte de orientação para tarefa ou ego (Task and
Ego Orientation in Sport Questionaire - Teosq), instrumento desenvolvido
por Duda (1992) e traduzido, adaptado e validado por Hirota e De Marco
(2006). Esse recurso permite identificar a orientação motivacional e verificar se está dirigida para a meta tarefa ou para a meta ego.
Com isso, a finalidade do Teosq é avaliar as diferenças individuais em
perspectiva do objetivo ajustado ao esporte, detectando se o indivíduo é
inclinado a ser orientado para a tarefa ou orientado para o ego.
Para a realização desses estudos, temos utilizado a metodologia da pesquisa descritiva (THOMAS; NELSON, 2002; CERVO; BERVIAN, 2004).
No decorrer dos anos desenvolvendo trabalhos na Universidade Presbiteriana Mackenzie, podemos destacar os estudos e resultados listados no
Quadro 3.
Quadro 3. Trabalhos realizados no período 2006-2009
* Trabalho premiado no 3º Conef Unesp de Baurú, 2009.
Hirota, Tondato e Knijnik | 131
Com relação às características de cada tipo de orientação, podemos verificar que os indivíduos orientados para a tarefa têm como características o
sentimento de sucesso na realização de uma atividade proposta depender do
eu, ou seja, de si mesmo; o importante ser a aprendizagem e não a performance; possuir uma autorreferência em relação às habilidades; a atribuição de sucesso à equipe fazer parte do jogo, de participar; o sucesso se aliar ao esforço,
a determinação fazendo uso das habilidades; o compromisso social; o esporte
não ser uma via de status; boa concentração e atenção; o fracasso ser considerado falta de esforço e determinação, o erro fazendo parte do aprendizado
(WINTERSTEIN, 2002).
Os aspectos da orientação para a meta do ego se dão com o sucesso associado à superior habilidade e à sensação de competência; o individualismo e o competitividade; a preocupação com a derrota para os adversários;
o status social, procurando sua popularidade por meio do esporte e por ele
se promovendo; os meios ilícitos para vencer (por exemplo, a agressividade); indivíduos menos persistentes; a opinião alheia sendo importante sobre seu desempenho; frente ao fracasso, justificar o erro, a falta de interesse;
fatores externos como a torcida podem ser motivo para desculpas; buscar
atividades com menor grau de dificuldade; ansiedade e tensão presentes;
comparação alheia; medidas padronizadas para obter sucesso; fracasso
relacionado com falta de capacidade; níveis mais baixos de desempenho
(WINTERSTEIN, 2002).
De acordo com essas características, podemos traçar um perfil dos
sujeitos e do grupo que está sendo avaliado frente ao tipo de orientação
motivacional e, sendo assim, verificar a possibilidade de apresentar uma
aprendizagem consistente dos alunos de iniciação esportiva, uma vez que
eles podem se evadir do esporte frente às frustrações.
Essa característica do aspecto motivacional dos indivíduos pode influenciar não somente a forma como esse atleta responde ao estímulo da
competição mas também o quanto esse mesmo atleta se dedica ou qual a
intensidade de seus treinamentos.
Essa dedicação pode ser tanta que a ocorrência de lesões osteomusculares é muito comum, principalmente em atletas jovens, e o evento de lesão
132 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
pode interferir de forma bastante significativa na vida do atleta no que diz
respeito à ansiedade e suas manifestações.
4. Influência das lesões em atletas
De acordo com Becker Jr. e Samulski (1998), o esporte é um dos fenômenos socioculturais mais importantes do século XX e neste início de
século XXI. Todo o investimento em instalações, pesquisas profissionais e
recursos financeiros estão relacionados ao sucesso nas competições tarefa
pertencente aos atletas.
Podemos pensar que os indivíduos mais saudáveis, em todos os aspectos, são os atletas, pois praticam uma atividade física, convivem em grupos
sociais, e portanto possuem excelente qualidade de vida.
No entanto, algumas características da atividade esportiva limitam essas afirmações. Entre essas características estão os fatores capazes de gerar
ansiedade e estresse, os quais são parte da vida profissional de todos os
atletas podemos citar as pressões por resultados positivos, os confrontos
contra adversários muitas vezes bem mais preparados, a pressão por parte do próprio grupo do qual faz parte, além das exigências de dirigentes,
torcidas e, naturalmente, a cobrança pessoal por melhores rendimentos e
melhores resultados.
Na busca da superação desses limites, muitos atletas se deparam com
outro fator inerente à pratica esportiva: a lesão.
A ocorrência de lesões é um dos fatos mais frustrantes para o atleta,
pois este será retirado da prática do esporte (para o qual tem uma motivação intrínseca), afasta-se de seus companheiros e muda sua conduta,
saindo de uma posição ativa (dentro do esporte) para uma posição passiva
e dependente (no hospital ou clínica).
Muitos trabalhos relacionam lesões e suas consequências psicológicas,
focando sua atenção nos níveis de estresse, mas poucos desses trabalhos
têm procurado relacionar as lesões à ansiedade, a depressão ou mudanças
na qualidade de vida dos atletas.
Hirota, Tondato e Knijnik | 133
Diante da ocorrência de uma lesão, a atitude da equipe técnica costuma
ser a concentração nos seus aspectos físicos, para que a recuperação ocorra
no menor tempo possível, muitas vezes relegando para segundo plano os
aspectos mais complexos, porém não menos importantes, do sofrimento
psíquico (BECKER JR.; SAMULSKI, 1998).
Os principais fatores na ocorrência de lesões esportivas são os físicos,
como por exemplo desequilíbrios musculares, colisões, fadiga, excesso de
treinamento, porém existem fatores psicológicos, tais como personalidade,
níveis de estresse e certas atitudes predisponentes, os quais foram identificados por Rotella e Heyman, Wiese e Weiss (apud WEINBERG; GOULD,
2001).
De acordo com Kraus e Courey (apud WEINBERG; GOULD, 2001),
calcula-se que, por ano, de três a cinco milhões de americanos se lesionam
em ambientes esportivos, sejam competitivos ou recreacionais.
Weinberg e Gould (2001) afirmam serem os fatores físicos as causas
primárias das lesões, porém também acreditam que fatores psicológicos
contribuam para o acontecimento das lesões, conforme a Figura 1.
Figura 1. Modelo de stress e lesão esportiva (adaptado de ANDERSEN; WILLIAMS
apud WEINBERG; GOULD, 2001).
134 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
O estresse é um importante fator a ser considerado no que se refere às
lesões esportivas de uma maneira geral.
A situação competitiva é potencialmente estressante e, dependendo
do atleta (se ele entende a situação como ameaçadora), aumenta o estado
de ansiedade, fator que provoca uma variedade de mudanças no foco e na
atenção, bem como na tensão muscular, podendo contribuir para a ocorrência de lesões.
Segundo Brandão (1999), geralmente os atletas avaliam a lesão esportiva primeiramente negando ou subestimando a sua gravidade, acreditando
que em breve voltarão à sua rotina de treinamentos. Ao perceber que a lesão
é grave, o atleta se sente desolado e sozinho, o que tem influência negativa
sobre o bem-estar, aa autoestima e a autoconfiança.
Os psicólogos do esporte relacionam as lesões esportivas como uma
resposta semelhante à de indivíduos que experimentaram a morte iminente, composta pela resposta de pesar de cinco estágios proposta por Hardy
e Crace (apud WEINBERG; GOULD, 2001): negação, raiva, negociação,
depressão e aceitação/reorganização
Conforme caminha o processo de reabilitação, vem à tona um sentimento de raiva e de irritabilidade, seguido pelo aparecimento da depressão,
e por fim o atleta aceita a lesão e começa a ter esperança de poder voltar a
competir.
As respostas dos atletas com relação à lesão não são dadas de maneira
fixa ou ordenada como os psicólogos do esporte pensavam. Udry, Bridges e
Beck (apud WEINBERG; GOULD, 2001) afirmam que os indivíduos lesionados podem exibir três categorias gerais de resposta.
◆◆
Processamento de informação relevante à lesão: o atleta tem sua
atenção voltada para a lesão, a dor por ela causada, sua extensão
e como ela aconteceu, e reconhece suas consequências negativas.
◆◆
Revolução emocional e comportamento reativo: o atleta percebe
a lesão, o que poderá torná-lo emocionalmente esgotado e agitado, experimentando isolamento, separação, medo, descrença e
negação.
Hirota, Tondato e Knijnik | 135
◆◆
Perspectiva positiva e controle: o atleta aceita o fato de estar lesionado e lida com isso, inicia esforços de controle positivo, exibindo boa atitude e otimismo, e fica aliviado ao notar o progresso
do processo de reabilitação.
Existem ainda outras reações psicológicas à lesão levantadas por Petitpas e Danish (apud WEINBERG; GOULD, 2001): medo e ansiedade. A
ansiedade é uma emoção natural e necessária como parte da resposta orgânica ao estresse. Atletas lesionados experimentam altos níveis de ansiedade e medo, pois se preocupam com sua recuperação, as possibilidades da
ocorrência de uma nova lesão, sua possível substituição por outro atleta de
maneira permanente na equipe da qual faz parte.
Para Wing et a.l (apud SIMS, 2001), a ansiedade geral deve ser contrastada com a ansiedade situacional, ou seja, ter a tendência de se tornar
ansioso em certas situações definidas. Na ansiedade geral, está incluída a
ansiedade autonômica de flutuação livre, ataques de pânico e observação
do indivíduo que parece estar tenso, preocupado ou apreensivo.
A ansiedade de flutuação livre engloba alguns componentes autonômicos, tais como rubor facial, “frio na barriga”, falta de ar, tontura, boca seca,
sudorese, tremores, elevação da pressão arterial, incluindo também aspectos parassimpáticos como náusea, diarreia e frequência urinaria.
Para Buckworth e Dishman (2002), ansiedade é um estado de preocupação, ou tensão que ocorre frequentemente na falta da realidade ou perigo
eminente.
Spielberger (apud BUCKWORTH; DISHMAN, 2002) propõe uma
classificação dos estados ansiosos em estado e traço, sendo que o estado
de ansiedade é a condição de estar ansioso em um momento específico em
uma provável reação a determinada circunstância provocadora. O traço
ansioso, por sua vez, é uma tendência duradoura de se reagir aos acontecimentos da vida com um excessivo grau de ansiedade.
Para Weinberg e Gould, ansiedade-estado é um estado emocional temporário em constante variação, com sentimentos de apreensão e tensão conscientemente percebidas, associadas com ativação de sistema nervoso autônomo.
136 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
A ansiedade-estado cognitiva diz respeito ao grau em que o indivíduo se
preocupa, ou tem pensamentos negativos.
A ansiedade-estado somática se refere às mudanças de momento na ativação fisiológica percebida.
A ansiedade-traço é uma tendência comportamental de perceber como
ameaçadoras circunstâncias que objetivamente não são perigosas e de responder a elas com ansiedade-estado desproporcional.
Spielberger (apud MARTENS, 1990) refere-se à ansiedade-estado como
um estado emocional imediato caracterizado pela apreensão e pela tensão,
sendo que caracterizada pela subjetividade, por sentimentos de apreensão
e tensão acompanhados ou associados à atuação do sistema nervoso autônomo. Já a ansiedade-traço é a predisposição para perceber certas situações
como ameaçadoras, variando de acordo com os níveis de ansiedade-estado,
sendo o motivo ou disposição de comportamento que predispõe o indivíduo a perceber situações comuns como ameaçadoras e responder a elas de
maneira que o nível de ansiedade-estado se eleve desproporcionamente à
intensidade e magnitude da situação referida
5. Ansiedade no esporte
No contexto esportivo, outros fatores afetam a maneira como a ansiedade é avaliada. Carron e Bennett (apud CRATTY, 1984), por exemplo,
relataram que a presença do técnico pode elevar os níveis de ansiedade
-estado de maneira mais intensa do que outros fatores, como a presença da
torcida por exemplo.
O esporte é um meio em que se podem vivenciar as emoções com muita intensidade, as competições despertam sentimentos não só nos atletas
como também nos espectadores, os processos emocionais podem acompanhar, regular e apoiar a ação desportiva, mas também podem perturbá-la
ou até impedi-la, assim alterando o estado de ansiedade.
No esporte de alto nível, a busca pelo máximo rendimento é constante,
sendo o principal objetivo de todos os envolvidos nesse processo, porém,
Hirota, Tondato e Knijnik | 137
quando ele não é alcançado, o efeito emocional da derrota é de difícil superação. Assim, a tensão inicial do atleta em decorrência da cobrança por resultados torna-se um sentimento de medo do fracasso que pode ter grande
impacto no resultado final do desempenho do atleta, conforme Machado
(1997).
Cratty (1984) afirma que a ansiedade nem sempre é prejudicial, principalmente em relação aos atletas, pois parece que o bom desempenho requer um
nível adequado de ansiedade, pois, se o atleta está demasiadamente ansioso ou
pouco ansioso, é possível que sua performance seja muito abaixo do pretendido.
O nível de ansiedade baixo faz com que o atleta se torne apático e desinteressado, já um nível de ansiedade mais elevado o mantém mais concentrado e
atento.
Carron e Bennett, em estudo realizado em 1977 (apud CRATTY, 1984),
constataram haver decréscimos de ansiedade-estado em jovens de 12 a 19
anos que permanecem no esporte e aprendem a lidar melhor com a ansiedade situacional (ansiedade-estado) conforme vão se passando os anos. Os
jovens que não o conseguem, contudo, tendem a abandonar o esporte.
Os níveis de intensidade da ansiedade e suas consequências para o
desempenho do atleta têm sido demonstrados em diferentes contextos.
Conforme Oxendine; Weinberg e Genuchi; e Landers (apud MACHADO, 1997), tarefas de coordenação motora fina realizadas em ambientes
fechados (onde não há grande interferência do ambiente na execução da
tarefa motora), como golfe, tiro ao alvo ou arco e flecha, exigem que o
atleta tenha níveis baixos de ansiedade, enquanto em modalidades que
requeiram um alto nível de esforço, realizadas em ambientes abertos (nos
quais há interferência do ambiente de execução da tarefa), como o judô
ou halterofilismo, o atleta necessita de níveis mais elevados de ansiedade.
Cratty (1984) também afirma que esses níveis de ansiedade aumentam
ou diminuem conforme a tarefa, pois eventos que requeiram resistência e
força têm mais probabilidade de diminuir os níveis de ansiedade, já tarefas
como o tiro ao alvo, ou provas de atletismo, como por exemplo os saltos e
arremessos, tendem a aumentar os níveis de ansiedade conforme a compe138 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
tição tem sequência (em dias subsequentes, por exemplo).
Essa continuidade da elevação dos níveis de ansiedade, mesmo após
o término da competição, mostra a importância de um profissional ligado à área esportiva (psicólogo, técnico, etc.) para auxiliar os atletas a
colocarem a vitória ou derrota na perspectiva adequada.
Durante o processo de competição, por exemplo, a ansiedade pode dar
lugar a um relaxamento, voltando ao seu nível normal após o término da
competição, quando se aguarda por seu resultado.
Machado (1997) afirma que este estágio final, da expectativa pelo resultado, voltará a interferir na competição, pois será o ponto de partida para
uma nova preparação e nova disputa, podendo assim alterar o desempenho
do atleta, tanto de maneira positiva quanto de maneira negativa.
Em relação à competição, contexto em que o esporte está inserido,
Moraes (1990) cita o trabalho de Lieber e Morris (1967), que separam a
ansiedade em dois aspectos: preocupação (cognitiva) e emocionalidade
(somática), com a preocupação sendo uma “perturbação (cognitiva) sobre as consequências de uma derrota” (“Será que vou vencer? Será que vou
conseguir?”) e a emocionalidade (somática) sendo “reações autônomas que
tendem a ocorrer sob uma situação de estresse” ou ainda elementos afetivos-perturbantes-fisiológicos, reações autógenas, como por exemplo diarreia, aumento da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, bem como o
nervosismo e a tensão situações comuns no terreno esportivo.
Especificamente no esporte, esses componentes se manifestam da seguinte maneira:
◆◆
cognitiva - dúvidas e pensamentos negativos (“Será que vou vencer?”); e
◆◆
somática - reações autógenas (“Diarreias, aumento da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca, tensão muscular, palidez
facial”).
Para Spielberger (apud MARTENS et al., 1990), ansiedade cognitiva é o
componente mental da ansiedade, causado por expectativas negativas sobre
Hirota, Tondato e Knijnik | 139
o sucesso (mais comum no esporte) ou autoavaliação negativa. Já a ansiedade somática está nos componentes fisiológicos e afetivos da ansiedade, ou
seja, respostas fisiológicas como aumento da frequência cardíaca, da tensão
muscular e dispneia.
Para Saranson (apud MORAES, 1990), existe ainda um terceiro componente, a autoconfiança, que o autor define como percepção de resultados negativos, preocupação com a própria autoavaliação.
Outro fator que pode alterar os níveis de ansiedade nos atletas dos mais
diferentes níveis técnicos, modalidades esportivas e idade é a ocorrência de
lesão, que pode ser comprometedora para as aspirações de resultados de
qualquer atleta.
Tondato (2006) realizou uma pesquisa com o objetivo de comparar os
níveis de ansiedade em atletas que estavam submetidos a tratamento fisioterapêutico com diferentes graus de exclusão de suas atividades esportivas.
Sua amostra foi composta de 64 indivíduos, dos quais 43 (67,2%) eram do
sexo masculino, com idades variando de 12 a 33 anos com média ± desvio
padrão de 18,17 ± 4,26 anos, foi dividida em três grupos:
◆◆
lesão sem treino (G1), (n = 25), indivíduos com algum tipo de lesão e que, em função desta, encontravam-se totalmente afastados
de qualquer tipo de treinamento;
◆◆
lesão com treino (G2), (n = 17), indivíduos que apresentavam
algum tipo de lesão física e estavam em tratamento fisioterapêutico, continuavam em treinamento; e
◆◆
sem lesão (G3), (n = 22), indivíduos sem qualquer lesão e que
mantinham treinamento esportivo regular em suas respectivas
modalidades.
Cada indivíduo/atleta respondeu um questionário com dados sociodemográficos (Tabela 1), juntamente com o Inventário de Ansiedade Traço
-estado (Idate) de Spielberger (Tabela 2). Os atletas com lesão, tanto do
grupo sem treino (G1) quanto do grupo com treino (G2), responderam ao
questionário durante a sessão de tratamento fisioterapêutico, a qual durava
140 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
aproximadamente uma hora. Os atletas do grupo sem lesão (G3) responderam ao questionário antes do início das sessões de treinamento em suas
modalidades. Os escores obtidos nas escalas de ansiedade foram comparados por análise de variância (ANOVA).
Obtivemos os resultados abaixo.
Quadro 4. Dados sociosdemográficos
GRUPO
IDADE
+ - dp
MASC
FEM
MOD.
IND.
MOD. COLETIVA
G1 (lesão
sem treino)
19,60
+ - 4,76
15
10
07
18
G2 (lesão
com treino)
17,06
+ - 5,46
07
10
10
07
G3 (sem lesão)
17,41
+ - 1,30
21
01
2
20
Quadro 5. Inventário de ansiedade traço-estado (Idate) de Spielberger
GRUPO
ANSIEDADE-ESTADO
ANSIEDADE-TRAÇO
G1 (lesão sem treino)
40,40 + - 9,20
34,56 + - 9,65
G2 (lesão com treino)
37,52 + - 10,38
38,23 + - 8,06
G3 (sem lesão)
38,77 + - 8,75
41,45 + - 10,11
p = 0,614
p = 0,050
Como conclusão, a partir dos dados obtidos com essa amostra podemos afirmar que, no que diz respeito à ansiedade-traço, houve significativa
diferença estatística entre os atletas de G1 e G3, e curiosamente o grupo
sem lesões é o que apresenta maior escore neste item. Com relação à ansiedade-estado, apesar de não haver significativa diferença estatística, podeHirota, Tondato e Knijnik | 141
-se notar que o G2, que estava em tratamento fisioterapêutico, porém de
alguma forma realizava atividades próximas ao treinamento ao qual estava
habituado, apresentou menores escores que os dois outros grupos. Podemos assim concluir que o processo de reabilitação de uma lesão realizado
concomitantemente a atividades próximas do cotidiano do atleta pode diminuir principalmente os níveis de ansiedade-estado.
6. Considerações finais
Com essas afirmações em mente, vemos como o esporte tem sido usado e vilipendiado, expondo crianças a sequelas inimagináveis e duradouras.
Uma atividade que poderia e deveria ser prazerosa, ajudando no desenvolvimento individual e comunitário, muitas vezes acaba se tornando uma
“arma de guerra” nas mãos de adultos despreparados e desesperados.
De Marco e Melo consideram que
A aprendizagem no esporte tem sido evidenciada pelos maus-tratos às crianças, nas quais a especialização
precoce e a competição exacerbada tem feito surgir síndromes que em épocas passadas eram “privilégios dos
adultos”, como o estresse, a inSonia e a ansiedade, entre
outros. A máxima “não existe aprendizagem sem manchas” passa a ser revista, admitindo-se coerentemente
que, no esporte, parece não existir aprendizagem sem
traumas. Inúmeros são os exemplos que ilustram tal
concepção, muitos deles advindos da exposição precoce das crianças a situações estafantes de treinamento e
competição. (DE MARCO; MELO, 2002, p. 342)
Dessa maneira, trazer à tona questionamentos como a influência que a
psicologia pode ter, ajudando a melhorar a aprendizagem esportiva, além
de dar continuidade durante todo o treinamento dos esportistas, faz visível
a possibilidade de trabalharmos em conjunto entre áreas a fim de melhorar a performance, mas além de tudo superar as possíveis frustrações que a
aprendizagem esportiva possa trazer - afinal, errar não é fracassar.
Assim, como atividade humana, o esporte é uma ferramenta, que deve
142 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
ser apropriadamente utilizada. A psicologia, como vimos acima, com seus
conceitos, intervenções e pesquisas, é a ciência, dentro do escopo das ciências do esporte, que, quando bem empregada, ajuda a revelar, ampliar
e proteger o lado humano do esporte, para que sempre ele seja motivo de
desenvolvimento pessoal e social.
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146 | Motivação e Ansiedade no Esporte: da iniciação ao alto rendimento
PROJETO SALVAMENTO AQUÁTICO
Simone Tolaine Masseto
Kamila Santos Ressurreição
Douglas Figueiredo Cossote
D
esde o início de nossas carreiras no ensino superior, ano após ano
aumenta o desafio de oferecer um ensino de qualidade que consiga, de alguma forma, ser significativo para o aluno em seu aprendizado.
Buscamos incansavelmente novos métodos de trabalho, novas ferramentas,
novas práticas pedagógicas que possam nos auxiliar no melhor entendimento da dimensão conceitual em nossas disciplinas. Em contrapartida,
devemos nos certificar da formação atitudinal e procedimental de nossos
educandos na medida em que tais dimensões irão diferenciar um bom profissional de um profissional que apenas conhece bem o assunto.
Nas instituições de ensino superior, de maneira geral, a disciplina relacionada aos aspectos aquáticos é oferecida nos primeiros anos do curso. Uma
das principais preocupações dessa disciplina é com relação à segurança do
aluno, bem como com o desenvolvimento da da sua responsabilidade com
seus futuros alunos. Embora aparentemente inofensivo, o ambiente aquático pode oferecer riscos ignorados por muitos. Qualquer descuido pode ser
fatal. Pensando nisto, a primeira aula sempre deve ser dedicada à segurança
para trabalhar com atividades aquáticas em diferentes níveis, desde atividades recreativas até o treinamento esportivo de alto desempenho.
São oferecidas noções básicas sobre os principais acidentes que podem
ocorrer no ambiente da piscina ou mesmo em ambientes aquáticos externos, como lagoas, rios ou mar. A preocupação deve estar sempre voltada
para a formação de profissionais capazes de informar aos seus alunos sobre
os eventuais perigos na prática das atividades aquáticas e, caso seja necessário, de intervir efetivamente, como em um resgate ou salvamento aquático.
Masseto, Ressurreição e Cossote | 147
Para isso, o argumento inicial de nosso capítulo está no relato de um aluno
sobre uma situação que, embora pitoresca, poderia ter terminado em tragédia. Certo dia, um aluno da 2ª etapa do curso de educação física, durante
uma das aulas finais do semestre, afirmou: “Professora, a senhora me ajudou a salvar uma vida! Graças a uma coisa que nos disse em aula, consegui
salvar um colega que se afogava na piscina”.
Como ele já havia assistido àquela primeira aula, sobre segurança na
piscina, imaginei que alguns dos conceitos que havíamos passado havia feito a diferença no salvamento do colega. Sem entender direito o que se passava, logo perguntei como o fato havia ocorrido, já que aquele aluno ainda
apresentava um padrão de nado que mal o conseguia manter na superfície.
Ele continuou:
No final de semana passado, estávamos em um churrasco
com a turma em um sítio e lá tinha uma piscina em que
um lado era raso e o outro era muito fundo. Nosso colega tinha bebido um pouco demais e foi se aventurar no
lado fundo da piscina. Aí, ele parecia brincar de se afogar,
quando percebi que ele estava realmente se afogando.
Não tinha nada que eu pudesse jogar para ele segurar e
não sabia ao certo o que fazer! Você sabe, professora, eu
não sei nadar direito, mas logo me lembrei de um conceito que aprendemos em sua aula: os membros superiores
são mais propulsores que os inferiores na natação. Então,
não tive dúvidas! Cheguei perto do colega e ao mesmo
tempo em que eu me sustentava e me movia com os braços, com os pés eu o empurrei até a borda, e ele se salvou!
Esse relato alertou-nos para uma lacuna na disciplina, que até então
havíamos ignorado: não adianta só tentar prevenir possíveis acidentes
aquáticos, pois quando eles acontecem precisamos saber como proceder.
Pensando nisso, resolvemos oferecer aos nossos alunos a oportunidade de
participar de uma atividade envolvendo duas disciplinas: a de atividades
aquáticas e a de socorros de urgência.
Esta é uma preocupação deveras procedente, pois 500 mil pessoas morrem afogadas no mundo todos os anos, e no Brasil são oito mil vítimas
148 | Projeto Salvamento Aquático
anuais, sendo que 65% delas são crianças. Na faixa etária entre 5 e 14 anos,
no Brasil, o afogamento constitui a segunda causa de morte entre os meninos (Szpilman, 2005). Em mulheres, os casos estão distribuídos abaixo
dos 20 e acima dos 39 anos de idade. Já entre as crianças, em áreas urbanas,
em torno de 70% das fatalidades ocorreram entre 1 e 5 anos de idade, por
falta de vigilância, com maior risco de acidente em piscinas e banheiras
(ARAÚJO, 2008).
Sendo assim, resolvemos convidar um profissional do Corpo de Bombeiros para ministrar uma palestra, em princípio informativa, sobre socorros aquáticos. Feito isso, percebemos que conseguimos suprir somente uma
das dimensões do conhecimento, a dimensão conceitual (FERRAZ, 1996).
E como será que nossos alunos agiriam em caso de uma ocorrência real, na
qual eles precisariam oferecer socorro a um colega ou mesmo a um aluno?
Para colocarmos a ideia em prática, elaboramos um projeto interdisciplinar envolvendo as duas disciplinas: atividades aquáticas e socorros de
urgência. Propusemos uma primeira intervenção teórica, na qual os alunos
tiveram um primeiro contato com o salvamento aquático. Essa intervenção
teórica teve foco em dois princípios básicos:
◆◆
abordagem da vítima no meio líquido e suas fisiopatologias; e
◆◆
manobra de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e sua avaliação
primária.
Antes de iniciarmos com o relato de nossa experiência, definiremos
primeiros socorros segundo Hafen: “Primeiros socorros são o tratamento
provisório e imediato que se dá a uma pessoa ferida ou que adoece repentinamente.” (HAFEN, 2002, p. 3)
Em biossegurança no acidente, a primeira preocupação do socorrista
deve ser com o local da emergência e com sua segurança pessoal. O desejo
de ajudar as pessoas em situação de emergência pode favorecer o esquecimento ou negligência aos riscos pessoais e aos relacionados ao local do
acidente. Devemos primeiramente avaliar o ambiente no qual iremos agir,
tomar as medidas necessárias para minimizar os riscos pessoais e com a
vítima e só depois prestar efetivamente os primeiros socorros. É importante
Masseto, Ressurreição e Cossote | 149
salientar que devemos evitar contato direto com o sangue da vitima, fluídos
corpóreos, mucosas, ferimentos e queimaduras, usando a proteção de uma
luva descartável.
Um afogamento pode ocorrer em qualquer ambiente que contenha
água, ou qualquer outro líquido, independentemente da quantidade. Não
é estranho ouvirmos casos de crianças que se afogam dentro do tanque de
lavar roupas ou mesmo em baldes com água. Diante de uma situação de
afogamento, precisamos fazer uma análise do local para podermos planejar
nossas ações.
Antes mesmo de iniciarmos uma abordagem da vitima de afogamento, é
necessário primeiro verificar a possibilidade de lançarmos algum objeto flutuante para que ela mesma se agarre e consiga sair da situação de risco. Isto é
muito comum, principalmente em ambientes com piscina, que devem ter em
fácil acesso materiais de segurança como boias e coletes salva-vidas. Lançar
um objeto flutuante à vitima é o primeiro passo em situação de afogamento.
Avaliar o local consiste em verificar se existe segurança para realizar o
salvamento. Uma vez que não exista nenhum material flutuante disponível,
ou que a vítima não tenha condições de se agarrar a ele, precisamos abordá
-la. Para isso, devemos saber qual a nossa real condição de abordagem, pois
corremos sérios riscos de também nos afogarmos. Precisamos conhecer as
técnicas de abordagem e ter condições físicas, pois em casos de afogamento
em ambientes naturais o perigo é ainda maior.
No mar, a presença de correntes marítimas, a ausência de apoios próximos (como as bordas das piscinas) e a distância em que a vitima se encontra elevam consideravelmente os riscos. Ir nadando até o local, realizar
a abordagem, executar as manobras necessárias e voltar nadando trazendo
a vítima exige um bom condicionamento físico, que muitos de nós não temos. Essa avaliação é muito delicada e em salvamento no mar é importante
termos algo para nos apoiar e também para oferecer à vítima.
Em rios, existe o perigo das correntezas e das corredeiras, algumas vezes com pedras que tornam o salvamento perigoso.
Nas lagoas e lagos, a maior preocupação é com o lodo e com galhos
submersos, que podem prender algum nadador no fundo.
150 | Projeto Salvamento Aquático
Sendo assim, avaliar os riscos antes de iniciar os procedimentos é imprescindível.
Uma vez eliminadas todas as possibilidades de salvamento sem adentrar a água e tendo condições físicas de iniciar uma abordagem segura, devemos estar atentos às técnicas envolvidas em cada um dos casos.
A American Heart Association cita a importância do “elo da sobrevivência”, que contém algumas ações que buscam direcionar o atendimento, ajudando no sucesso da operação, auxiliando no êxito dos índices de sobrevivência de uma vitima que sofre um trauma. Essas ações envolvem a ligação
imediata para o atendimento especializado, usando apenas os números 193
(resgate) ou 192 (Samu1), a manobra de ressuscitação cardiopulmonar, uso
do desfibrilador externo automático (DEA) e aguardar o atendimento médico especializado (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2008).
O fato de não saber nadar é apenas um dos fatores que levam ao afogamento. Muitas vezes, algum mal súbito, exaustão física, ou mesmo a temperatura da água, são responsáveis pelo acidente. Precisamos estar aptos
para agir com segurança e para tanto precisamos conhecer e saber analisar
os tipos de acidentes na água, tais como síndrome de imersão, hipotermia
e afogamento.
◆◆
Síndrome de imersão, também conhecida como “choque térmico” é
um acidente de origem ainda discutida. Parece ser provocada por
uma arritmia cardíaca, desencadeada por uma súbita exposição à
água fria, levando a uma parada cardiorrespiratória. Esta situação
pode ser evitada se molharmos o rosto antes de mergulhar.
◆◆
Hipotermia é a redução da temperatura corporal por exposição
à água fria (ou ambiente frio), podendo causar ao indivíduo
efeitos maléficos como arritmia severa com parada cardíaca e
consequente perda da consciência seguida de afogamento. Os
principais sinais e sintomas de hipotermia são pele fria e seca,
calafrios, sensação de adormecimento nas extremidades, distúr-
Samu Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Programa do Ministério da Saúde do
Governo Federal <http://portal.saude.gov.br>).
1
Masseto, Ressurreição e Cossote | 151
bios visuais, sonolência, inconsciência, bradipneia, bradicardia e
parada cardiorrespiratória. Para o tratamento da hipotermia, é
necessário remover a vítima para um ambiente seguro e aquecido, removendo as vestes molhadas e aquecendo-a passivamente.
◆◆
O afogamento nada mais é que asfixia por imersão em meio líquido. Existem duas formas de afogamento: o úmido/molhado/
líquido e o seco. Este segundo é o mais raro, acontecendo um em
cada dez casos (HAFEN, 2002).
No afogamento seco, ocorre um laringospasmo intenso, não permitindo
a passagem de líquido para os pulmões. A parada respiratória que se dá
na hora da submersão é devida ao espasmo da glote. Neste caso, a principal causa da morte é a falta de oxigenação, tendo como consequência a
parada respiratória seguida de parada cardíaca. Em alguns casos, é possível recuperar a respiração espontânea, caso o salvamento seja imediato,
ou mesmo por meio de aplicação dos primeiros socorros. Inicialmente, a
vítima pode apresentar sinais de insuficiência respiratória, que podem aos
poucos começar a ceder, e mais tarde pode voltar a normalidade da função
respiratória. Caso o salvamento demore a acontecer, o prognóstico irá depender de quanto tempo o socorro levou até a efetiva ação do socorrista e
as conseqüências irão depender do tempo da parada cardiorrespiratória,
com risco de morte.
O afogamento úmido também chamado afogamento molhado ou líquido
acontece quando existe a entrada de líquido nos pulmões. Até que realmente ocorra o afogamento, a vítima passa por algumas fases. Inicialmente,
entra em pânico, luta para manter-se na superfície, aspira e engole líquido,
começa a sentir os efeitos da diminuição da quantidade de oxigênio no sangue (hipóxia), aumenta o acúmulo de ácido lático e há liberação de adrenalina na corrente sanguínea, provocando arritmias cardíacas (batimentos
cardíacos anormais) e parada cardíaca.
Dependendo do tipo de água aspirado, o afogamento pode ser mais ou
menos grave. Águas contaminadas podem levar a vítima a um quadro de
infecção generalizada, conduzindo-a à morte. Caso o afogamento ocorra
152 | Projeto Salvamento Aquático
em água salgada (água do mar), a gravidade do quadro da vítima tende a
ser menor quando comparado com o mesmo caso em água doce (piscinas,
lagos, rios). A água salgada apresenta uma concentração de cloreto de sódio
(NaCl) a 3%, sendo portando uma concentração maior do que a apresentada no plasma sanguíneo (NaCl a 0,9%). Essa diferença de concentração
resulta inicialmente na passagem do líquido plasmático para os alvéolos
através da membrana alveolar, acarretando o aumento do “encharcamento”
que se reverterá quando o sangue equilibrar sua concentração com a do
líquido intra-alveolar cheio de sal (NaCl), promovendo uma absorção gradativa dessa mistura para os vasos sanguíneos, e sua posterior eliminação.
Isso pode demorar algumas horas, ou até alguns dias após o ocorrido. Sendo assim, a remoção do líquido alojada nos pulmões é facilitada no caso do
afogamento em água salgada (FOX; MATHEWS, 1986).
Em casos de afogamento em água doce, pelo fato de esta água não possuir concentração de sal, ocorre o inverso do que se dá com a água salgada,
sendo as consequências também muito graves. A água doce tem concentração menor que o plasma sanguíneo, o que acarreta sua passagem rápida pela
membrana alveolar, diretamente para a circulação sanguínea, aumentando
o volume circulante nos vasos sanguíneos (hipervolemia), podendo causar
ingurgitamento2 venoso, aumento do débito cardíaco, edema pulmonar, convulsões e/ou edema periférico (FOX; MATHEWS, 1986).
Quanto à causa do afogamento, podemos classificá-los em primário e
secundário.
No afogamento primário, não existem indícios de uma causa determinante, como por exemplo a falta de habilidade aquática.
Já no afogamento secundário existe alguma causa que tenha impedido
a vítima de se manter na superfície. Dentre as causas comuns deste tipo
de afogamento estão o uso de drogas, crises epitéticas (crise convulsiva),
traumatismos, doenças cardíacas e/ou pulmonares, acidentes de mergulho
e exaustão física.
2.
Aumentar de volume; inchar-se, intumescer-se (LEITE, 2007).
Masseto, Ressurreição e Cossote | 153
As situações emergenciais em afogamento ainda podem ser classificadas de acordo com sua gravidade. Esta classificação tem caráter não
evolutivo e seu objetivo é facilitar a avaliação e a conduta terapêutica,
levando em consideração as alterações na ausculta pulmonar, presença
de hipotensão arterial, parada na respiração (apneia) e parada cardíaca e
respiratória. A classificação deve ser estabelecida no local do afogamento
ou no primeiro atendimento, relatando se houve melhora ou agravamento do quadro clínico.
Sendo assim, o afogamento grau I é representado por vítimas que aspiram
quantidade mínima de água, suficiente para produzir tosse. A ausculta
pulmonar é normal, apresentando chiados no peito ou roncos. Seu aspecto
geral é bom e geralmente encontram-se lúcidas, porém podem apresentar
sonolência ou agitação. Suas frequências respiratória e cardíaca são aumentadas pelo esforço e pelo estresse do afogamento, mas não há sinais importantes
de comprometimento cardíaco ou respiratório (ausência de secreção oral ou
nasal) e normalmente sentem frio. A cianose (local arroxeado) pode ocorrer
pela ação do frio e não por hipóxia. Geralmente, não necessitam de atendimento médico, sendo necessários apenas repouso e aquecimento em local
tranquilo para plena recuperação.
O afogamento grau II está presente em casos nos quais as vítimas
aspiraram pequena quantidade de água, porém suficiente para alterar a
troca de O2 CO2 nos pulmões. Geralmente, mostram-se lúcidas, porém
agitadas ou desorientadas. Em alguns casos, apresentam sinais de cianose
de lábios e dedos, indicando o comprometimento respiratório, alterações
cardiovasculares leves e também aumento das frequências cardíaca e respiratória. Na ausculta pulmonar, apresentam estertores3 de intensidade leve
a moderada em alguns campos do pulmão. Necessitam de atendimento
médico especializado, oxigenioterapia, aquecimento corporal e apoio psicológico.
Em casos de afogamento grau III, as vítimas aspiraram grande quantidade de água e mostram evidentes sinais de insuficiência respiratória aguda, com dispneia intensa (dificuldade respiratória), cianose de mucosas e
Sons crepitantes descontínuos, suaves, de alta tonalidade, durante a inspiração (LEITE, 2007).
3
154 | Projeto Salvamento Aquático
extremidades, edema agudo de pulmão e secreção oral e nasal em forma
de espuma. Frequentemente, apresentam vômitos, o que pode ser um fator
de agravamento se não forem tomadas medidas para evitar sua aspiração
(virar o paciente, ou somente a sua cabeça, de lado). Por sua gravidade,
necessitam de cuidados médicos imediatos.
No afogamento de grau IV, a vítima entra em um nível de consciência
que demonstra coma (não desperta nem com estímulos fortes), anomalia
cardiovascular taquicardia e hipotensão arterial ou choque (pressão arterial sistólica abaixo de 90 mm/hg).
No afogamento de grau V, a vítima se encontra em apneia (parada respiratória), porém ainda com pulso arterial, indicando atividade cardíaca.
Apresenta-se em coma leve a profundo (inconsciente), com cianose intensa, grande quantidade de secreção oral e/ou nasal, e distensão abdominal.
Se for atendido rapidamente, pode ser reanimada com o restabelecimento
da função respiratória por meio dos métodos de respiração artificial, que,
quando iniciados de imediato e aplicados adequadamente, podem reverter
o quadro inicial rapidamente.
O afogamento de grau VI é a parada cardiorrespiratória, representada
pela apneia (parada respiratória) e a ausência de batimentos cardíacos (pulsos arteriais ausentes), com as vítimas se encontrando inconscientes. Alguns fatos, juntos ou isolados, podem explicar o êxito na reanimação com
aplicação de RCP em vítimas em apneia e com tempo de submersão acima
de cinco minutos: redução das necessidades metabólicas por causa da hipotermia e continuação da troca gasosa de O2 e CO2, apesar da presença de
líquido no alvéolo até ocorrer a interrupção da atividade cardíaca. A Figura
1 representa os cinco graus de afogamento.
Masseto, Ressurreição e Cossote | 155
Figura 1. Tipos de acidentes na água e fases do afogamento (adaptado de SPILMAN;
ORLOWSKI, 2007).
Terminado este primeiro momento didático de explanação teórica sobre
o que é e como fisiopatologicamente acontece o afogamento, passamos para
outro momento, em que direcionamos a nossa fala para os procedimentos
no atendimento da vitima de afogamento. O saber procedimental envolve
o como fazer, que é uma mescla de prática e conceitos, e deve ser desenvolvido com vivências e experiências práticas. Os procedimentos técnicos de
salvamento aquático também envolvem a dimensão atitudinal. Saber fazer
requer condições atitudinais para escolher o melhor procedimento e tomar
as atitudes mais adequadas em cada situação. Para isso, alguns procedimentos são demonstrados e, logo depois, em uma prática reflexiva, discorremos
sobre a melhor maneira de aplicá-los, levando em consideração as possíveis
alternativas para cada situação.
Em situação se salvamento aquático, é importante remover a vítima da
água com rapidez e para isso existem técnicas e equipamentos apropriados.
A remoção requer cuidados criteriosos. Caso o acidente tenha ocorrido em
local raso, ou com presença de pedras, é preciso estar atento a uma possível
156 | Projeto Salvamento Aquático
fratura na região cervical. Para que os danos não sejam maximizados, deve-se aplicar o colar cervical, a prancha longa e o apoio lateral de cabeça antes
de remover a vítima da água.
Assim que a vítima é removida e imobilizada, realiza-se a análise primária, na qual se verifica a consciência e se percebe se ela responde e ouve.
Na sequência, verifica-se sua respiração por meio da movimentação do tórax ou de possíveis ruídos que saem da sua boca, ou ainda pela sensação da
saída de ar das narinas ou cavidade bucal. É importante também verificar
se existe algum objeto obstruindo a passagem do ar. Ainda em análise primária, verifica-se sua pulsação na artéria carotídea e ainda se busca a possível existência de grandes hemorragias. Caso tais problemas tenham sido
descartados, encaminha-se a vítima ao pronto-socorro para realização de
exames preventivos. Se houver algum tipo de alteração na análise primária,
(consciência, respiração, pulsação e grandes hemorragias), somente o resgate pode removê-la4.
Independentemente do fato de a vítima ter sido removida ou não, se
houver necessidade de aplicação dos procedimentos de RCP eles devem ser
iniciados imediatamente. Caso haja batimentos cardíacos e parada respiratória, devem se iniciar as ventilações. Em caso de adultos, essas ventilações
devem ser ininterruptas por um minuto, com intervalos de cinco segundos
entre elas; já em crianças os intervalos entre as ventilações devem ser de três
segundos. Em bebês, esse tempo ainda é de um minuto, porém o intervalo
entre as ventilações passa a ser de dois segundos.
Se o pulmão e o coração estiverem em colapso, é recomendado iniciar
a RCP, procedimento que corresponde a 30 compressões por duas ventilações, sendo que em adulto são quatro ciclos, e em bebês e crianças são cinco
ciclos (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2008).
Após a demonstração do procedimento de RCP, os alunos tiveram a
oportunidade de executar as técnicas aprendidas em um boneco próprio
para treinamentos (Ressuci Anne), procedendo como se estivessem em situação real. Realizavam a análise primária abrindo as vias aéreas, buscando
Se não houver este serviço nas proximidades do acidente, a vítima deve ser removida com muita
cautela até um serviço especializado mais próximo.
4
Masseto, Ressurreição e Cossote | 157
a respiração (verificação da ventilação), verificando batimentos cardíacos e,
se necessário, realizando RCP.
Assim que terminamos este segundo módulo, percebemos uma grande
inquietação por parte dos alunos. Ainda existiam algumas dúvidas e a parte
de salvamento aquático propriamente dito ainda não tinha sido explicada
ou mesmo vivenciada.
Iniciamos então o terceiro módulo do projeto, que incluía abordagem,
transporte e remoção da vítima de afogamento. Este terceiro módulo aconteceu durante uma aula prática, no mesmo local em que foram demonstrados os procedimentos.
Na simulação, um aluno interpretava um afogamento enquanto o
professor demonstrava as diferentes formas de abordagem. A primeira
orientação diante de um afogamento em piscina é o socorrista pedir calma à vítima enquanto joga algum material flutuante para que se agarre.
Enquanto isso, prepara-se para entrar na água, caso necessário. Essa preparação envolve principalmente a retirada dos calçados e se aproximar
do local em que a vítima se encontra. Caso a vítima não consiga agarrar o
objeto lançado, ou por qualquer motivo ainda esteja em perigo, é importante avaliar bem a situação (riscos que o local ofereça) antes de adentrar
a piscina.
Quando isso acontecer, o socorrista deve levar consigo um material
flutuante e, assim que chegar próximo da vítima, lançar o material para
que ela se agarre. A aproximação com um flutuador5 deve acontecer com o
socorrista nadando com a cabeça fora da água, para melhor visualização e
análise da situação. Ao aproximar-se da vítima, o material é lançado para
que ela se agarre, podendo assim ser rebocada com segurança. O reboque
com flutuador acontece depois de o socorrista prender o material ao corpo
da vítima (Figura 2): segurando pelo flutuador, ele irá rebocá-la até a borda
para depois retirá-la da piscina.
Equipamento técnico do Corpo de Bombeiros, material flutuante preso a uma corda utilizado
para salvamento aquático.
5
158 | Projeto Salvamento Aquático
Figura 2. Reboque da vítima utilizando flutuadores.
Entretanto, se a vítima estiver em estado de desespero, debatendo-se na
superfície, é muito provável que o socorrista não consiga acalmá-la e tenha
que iniciar uma abordagem utilizando técnicas especiais de salvamento.
Se a piscina não for muito profunda, uma estratégia é nos aproximarmos da vítima, mergulharmos e, por baixo d’água, dar apoio aos pés da vítima, conduzindo-a até a borda. Isto geralmente funciona. Estando próximo
da borda, a vítima busca apoio e consegue se acalmar. Porém, se o quadro
estiver um pouco mais grave, com a vítima em grande desespero ou mesmo
inconsciente, outras abordagens serão necessárias.
A técnica recomendada pelo Corpo de Bombeiros (CMTB, 2006) é
aproximar-se da vítima nadando com a cabeça fora da água para avaliar
a situação. Se possível, aproximar-se por trás. Porém, caso a vítima veja o
socorrista, em um ato desesperado ela irá tentar agarrá-lo. Então o socorrista deve mergulhar e passar por baixo da vítima, a fim de surpreendê-la
por trás.
Toda abordagem é perigosa. A vítima de afogamento precisa de apoio
para se sentir um pouco mais segura e, se consegue segurar o socorrista, ela
vai tentar subir sobre ele para tentar se salvar, podendo levar os dois à mor-
Masseto, Ressurreição e Cossote | 159
te. A abordagem por trás é muito eficiente, porém o socorrista deve estar
seguro para assim proceder. A técnica consiste em se aproximar da vítima
por trás para segurá-la com um dos braços, passando-o por sobre o ombro
da vítima e apoiando a mão na axila do braço oposto: dessa forma, ela fica
imobilizada, não conseguindo agarrar o socorrista.
Outra estratégia é a manobra de aproximação (Figura 3) na qual o socorrista mergulha em frente à vítima e, por baixo da água, coloca as mãos
por cima dos seus joelhos (uma pela frente e a outra por trás das coxas),
vira-a de costas para si e a segura para iniciar o reboque.
Figura 3. Manobra de aproximação (adaptado de CMTB, 2006, p. 34).
Duas formas de reboque (sem uso de flutuador) são utilizadas para conduzir a vítima até um local seguro, ou até a borda da piscina.
O reboque peito cruzado envolve o nado lateral do socorrista, que segura a vítima com um dos braços, passando-o pelo ombro, cruzando o peito e
segurando sob a axila oposta (Figura 4).
Outro tipo é o reboque pelo queixo, em que o socorrista também utiliza o
nado lateral, porém segura a vítima pelo queixo (Figura 5).
160 | Projeto Salvamento Aquático
Figura 4. Reboque peito cruzado.
Figura 5. Reboque pelo queixo (adaptado de CMTB, 2006, p. 34).
Muitas vezes, ao se efetuar uma aproximação para com uma vítima desesperada, pode acontecer de o socorrista ser agarrado e algumas técnicas de
desvencilhamento devem ser postas em prática. Denominadas judô aquático,
essas técnicas envolvem força e conhecimento de alguns golpes que poderão
salvar a vida do socorrista.
Caso a vítima o agarre pelos cabelos, o socorrista deve bater com força
em sua mão, fazendo com que ela afrouxe a pegada, e, simultaneamente,
girá-la para fora, torcendo seu braço, fazendo a vítima ficar de costas. Dessa
forma, o socorrista se afasta e tenta nova aproximação.
Masseto, Ressurreição e Cossote | 161
Se o agarramento for pela frente, abraçando por sobre os braços do
socorrista, este deve afundar enquanto força os braços, tentando abri-los, e
empurrar a vítima com uma das pernas, afastando-se e tentando nova abordagem. Se o agarramento ocorrer por sob os braços, o socorrista usar uma
das mãos em forma de cutelo, empurrando o nariz da vítima para cima,
empurrando-a simultaneamente com uma das pernas. Após o desvencilhamento, efetuar nova abordagem.
Se o agarramento for por trás, por sobre os braços, o socorrista deve
forçá-los tentando abri-los enquanto afunda. Ao afundar, a vítima tende a
afrouxar a pegada, e este é o momento do desvencilhamento. Se o agarramento ocorrer por baixo dos braços, o socorrista deve buscar uma das mãos
da vítima, pegar seu dedo mínimo e forçá-lo para fora, afrouxando a pegada
e desvencilhando-se.
Depois de rebocada até a borda, a vítima deve ser retirada da água.
Para isso, usa-se a manobra de retirada da vítima: estando de frente para a
borda, a vítima apoia as suas duas mãos sobre ela, paralelamente e por fora
da água, enquanto o socorrista faz a pegada cruzando os próprios braços.
Devem-se fazer três tentativas e suspender a vítima. No momento em que
ela é suspensa, estando os braços do socorrista cruzados e os da vítima não,
o corpo da vítima gira, ficando de costas para a borda, e assim ocorre a
retirada, como mostram as Figuras 6a, 6b e 7.
Figura 6a. Apoio da vítima na borda da piscina.
162 | Projeto Salvamento Aquático
Figura 6b. Preparação para a retirada.
Figura 7. Manobra de retirada da vítima (CMTB, 2006, p. 32).
Depois da demonstração, os alunos tiveram a oportunidade de experimentar os procedimentos de abordagem, reboque, retirada e desvencilhamento, simulando salvamentos em duplas.
A palestra ofereceu algumas oportunidades de vivência dos principais procedimentos em salvamento aquático, porém ficaram evidentes a insegurança e
a falta de iniciativa para proceder em um atendimento real, em que a vida de
pessoas estivesse realmente em risco.
Ficamos imaginando como poderíamos complementar essa atividade
para que nosso objetivo fosse atingido. Queríamos oferecer algo impactante.
Decidimos então simular uma situação bem próxima da realidade. ElaboraMasseto, Ressurreição e Cossote | 163
mos um novo projeto envolvendo os alunos “socorristas” (da disciplina se
socorros) e os alunos “vítimas”6 (da disciplina de esportes aquáticos) em uma
dinâmica real.
Durante uma aula, cuja dinâmica envolvia propulsão aquática, alunos
socorristas e vítimas procediam de acordo com as tarefas propostas. Diante
das dificuldades das vítimas, os socorristas utilizavam técnicas de salvamento adequadas às situações vivenciadas. Auxiliando com materiais flutuantes ou mesmo dando apoio subaquático para que a vítima conseguisse
se apoiar nas bordas da piscina, os socorristas estavam sempre atentos e
colocando em prática os conteúdos aprendidos. As três dimensões do conhecimento estavam sendo abrangidas: as conceituais, as procedimentais e
as atitudinais (FERRAZ, 1996).
No final da aula, uma das vítimas, previamente preparada, simulou um
afogamento. Nesse momento, pudemos observar a reação dos socorristas.
A organização do grupo para a execução da tarefa e a iniciativa foram os
pontos fortes da equipe, porém foram cometidas algumas falhas procedimentais e atitudinais, o que é muito comum nesse tipo de salvamento.
A primeira ação do socorrista foi saltar na piscina para salvar a vítima
em apuros, sem ao menos levar consigo um material flutuante. Existe um
perigo real de se afogar quando se tenta salvar uma vítima em apuros e
portanto a primeira ação em uma situação de afogamento é buscar algo
como uma boia, uma prancha ou qualquer material flutuante que possa
servir de apoio. Caso não se encontre, aí sim será o momento de entrar na
água para abordar a vítima, desde que esta ação seja segura. Em qualquer
situação de salvamento, a segurança do socorrista deve preceder qualquer
ação (HAFEN, 2002).
Outra falha observada no salvamento foi a aproximação pela frente, dando oportunidade de a vítima se agarrar ao socorrista, como ocorreu. Por ser
uma simulação, a vítima largou o socorrista sem que este precisasse usar alguma manobra de desvencilhamento. O socorrista, ainda sem perceber que
era uma simulação, rebocou a vítima utilizando a técnica do reboque peito
cruzado, porém sem se preocupar com a cabeça desta, que estava quase toda
Esta denominação didática foi utilizada unicamente para dar clareza aos fatos.
6
164 | Projeto Salvamento Aquático
submersa. No momento da retirada da água, outros colegas ajudaram, mas a
manobra do cruzamento do braço não foi utilizada.
Após a atividade, revelamos a simulação e sentamos para refletir sobre as ações do grupo. Esta fase reflexiva foi importante para a fixação do
conteúdo aprendido. Não se chegou a utilizar a manobra de RCP, mas caso
ela fosse utilizada certamente poderia haver erros, também comuns, como
falha na análise inicial da vítima. Caso ela não tenha parada respiratória e
havendo a ventilação desnecessária, podemos agravar o quadro de afogamento, desenvolvendo um quadro de hiperventilação.
Os alunos participantes do projeto aprovaram sua realização. A atividade trouxe aos alunos a oportunidade de colocar em prática conceitos
aprendidos. É importante também ressaltar que, assim como em qualquer
atividade, a atitude pode ser o diferencial no salvamento.
1. Considerações finais
A atividade nos trouxe algumas reflexões. O distanciamento entre teoria e prática é evidente no ensino universitário. Como minimizar essa lacuna? Assim como propusemos em nosso objetivo inicial, nossos alunos
precisam começar a ver situações de ensino contextualizadas. Aprender a
pensar utilizando conceitos aprendidos em disciplinas distintas. Integrar
conhecimentos para tomar decisões.
O salvamento aquático, importante na formação do profissional da área
de atividades aquáticas, deveria ser visto com mais atenção. Projetos como
este podem auxiliar nossos alunos a se tornarem profissionais mais experientes, dando-lhes oportunidade de ampliar seu campo de atuação.
A capacidade de solucionar problemas em situações emergentes, que
aparecem de maneira inesperada, pode dar ao profissional uma habilidade
a mais, o que é importante dentro do mercado de trabalho. A capacidade de
analisar uma situação de risco, pensar a melhor forma de proceder e agir,
é fruto de conhecimento teórico e treinamento prático. Portanto, acrescenMasseto, Ressurreição e Cossote | 165
tar o conteúdo de salvamento aquático nas disciplinas que abordam temas
envolvendo atividades aquáticas é algo além de uma complementação: é
determinante.
Nossos futuros profissionais devem estar preparados para agir imediatamente em situações de afogamento e principalmente orientar seus futuros alunos sobre os riscos da prática de atividades aquáticas. Pensamos que
ações como essa podem ajudar a reverter a taxa tão elevada de morte por
afogamento no Brasil.
Devemos também promover, desde cedo, a iniciativa de auxílio ao próximo incentivando que se inclua nas aulas de natação, mesmo que de forma
lúdica, o conhecimento de procedimentos básicos de primeiros socorros.
Este projeto representou o início de um novo momento em nossas disciplinas. Conseguimos atingir nossos objetivos, aproximando nossos alunos da prática profissional. Com atividades como esta, acreditamos colaborar na formação de alunos mais proativos, que utilizem seus conhecimentos
em prol da segurança de qualquer individuo no meio líquido.
Referências
ARAÚJO, R.T.; MARTIN, C.C.S.; DE MARTINIS, B.S. et al. Afogamentos na
região de Ribeirão Preto (SP, Brasil): Um passo para a prevenção. Disponível
em: <http://www.fmrp.usp.br/revista/2008/VOL41N1/ao_afogamento_em_ribeirao_preto.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2009.
AMERICAN HEART ASSOCIATION. Salva-corações: Primeiros socorros
com RCP e DEA. Barueri: Margraf, 2008.
BERGERON, J.D.; BIZJAK, G. Primeiros socorros. São Paulo: Atheneu, 1999.
CMTB. Coletânea de manuais técnicos de bombeiros: Salvamento aquático.
PMESP. CCB. V.9, 2006.
FERRAZ, O.L. Educação física escolar: Conhecimento e especificidade da
questão da pré-escola. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, supl. 2,
1996, p. 16-22.
FOX, E.L.; MATHEWS, D.K. Bases fisiológicas da educação física e dos despor166 | Projeto Salvamento Aquático
tos. Rio de Janeiro; Guanabara-Koogan, 1986.
HAFEN, B.Q. Primeiros socorros para estudantes. Barueri: Manole, 2002.
HALFELD, F.J. Manual de salvamento em praias. Rio de Janeiro: Corpo de
Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, 1985.
LEITE, E.M.D. (org.) Dicionário digital de termos médicos 2007. Disponível em:
<http://www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_ia.php>.
Acesso em: 19 fev. 2010.
PADI. Rescue diver manual. Rancho Santa Margarita: Padi, 1995-2006.
SZPILMAN, D. Afogamento na infância: Epidemiologia, tratamento e prevenção. Revista Paulista de Pediatria, v. 23, n. 3, set. 2005, p. 142-53.
Masseto, Ressurreição e Cossote | 167
A BIOMECÂNICA APLICADA À
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:
Ensinos Fundamental e Médio
Sonia Cavalcanti Corrêa
Elisabete dos Santos Freire
Ana Paula Xavier Ladeira
Valéria Piceda
Luiz Henrique Rodrigues
A
partir da década de 1960, temos visto um grande esforço por parte dos pesquisadores da educação física mundial para ampliar o
número de investigações científicas realizadas, buscando torná-la uma área
do conhecimento reconhecida na universidade. Para isso, ela se aproximou
de diversas disciplinas acadêmicas, como a física, a psicologia, a filosofia, a
fisiologia, entre outras. Essa aproximação deu origem a áreas como a psicologia do esporte, a sociologia do esporte, a fisiologia do exercício, a aprendizagem motora e a biomecânica, trazendo grandes contribuições para a
valorização da área. Entretanto, como destacam Teixeira (1993) e Massa
(2002), nessa aproximação tem sido priorizada a pesquisa básica, distanciando a produção do conhecimento das diferentes áreas de intervenção
em educação física.
O distanciamento entre pesquisas produzidas e realidade da intervenção pode ser percebido na biomecânica, que, embora seja uma área de pesquisa recente no Brasil, tem apresentado aumento considerável no número
de estudos, como afirmam Amadio e Serrão. Mas os autores destacam que
“a alta taxa de crescimento da biomecânica, no ensino e na investigação
científica, ainda não é acompanhada, em igual intensidade, no campo da
prática profissional” (AMADIO; SERRÃO, 2004, p. 48).
A dificuldade de aplicação dos conhecimentos originários da biomecânica à prática profissional pode ser especialmente percebida na educação
física escolar. Ainda na universidade, é possível identificar que os graduandos de cursos de licenciatura, quando se deparam com a disciplina de
biomecânica, demonstram, ao mesmo tempo, sentimentos de medo e incerteza. Isso vem da própria definição de biomecânica como a aplicação da
mecânica no movimento humano (HAY, 1981). Os alunos acabam sentindo
esse medo até pelo fato de não terem boas experiências com a física no colégio e também porque, na maioria das vezes, não conseguem contextualizar
esses conhecimentos. Para aquele que irá atuar diretamente com esporte, o
conhecimento da técnica se mistura ao conhecimento da biomecânica, mas
para a educação física escolar essa relação precisa ser mais bem estabelecida
para que os conhecimentos aprendidos no curso de formação inicial não
deixem de ser aplicados às ações diárias do profissional.
Hamill (2007) argumenta que os sentimentos apresentados pelos alunos de graduação em relação à biomecânica têm sua origem na inadequação dos métodos de ensino geralmente utilizados pelos docentes em suas
aulas. Em várias situações, ensina-se a física aplicada e não a biomecânica.
Além disso, muitas vezes o professor prioriza a física do movimento, tema
que pode ser de pouco interesse para os alunos, quando o mais apropriado seria uma ênfase na mecânica do movimento. Isso quer dizer que se
parte das equações e se usa o movimento para exemplificá-las, quando o
importante seria, a partir de um problema prático no movimento, utilizar
as equações e os conceitos para se chegar a conclusões vinculadas a erros ou
melhorias a serem implementadas no movimento.
Outro aspecto que pode dificultar a aplicação dos conhecimentos da
biomecânica é a característica da pesquisa realizada, que, historicamente,
tem priorizado investigações em laboratórios, com alto controle das variáveis, simplificação das tarefas e até certa negligência com relação ao contexto de trabalho profissional, além de ser utilizada uma linguagem muitas
vezes extremamente técnica (DARIDO, 2003).
A respeito dessa inquietação, Sanders e Sanders (2001), assim como
Amadio e Serrão (2004), comentam que ainda nos dias de hoje existe uma
170 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
grande lacuna entre os conhecimentos produzidos dentro dos laboratórios de biomecânica e aqueles aplicados pelos técnicos e professores em
geral. Tal fato não ocorre apenas no Brasil e pode ser entendido como
uma problemática de tendência internacional, ressaltando o risco de fragmentação da área de educação física e, consequentemente, de fragilidade
na atuação prática.
A partir do exposto, sem desconsiderar a importância da pesquisa básica, acreditamos que a biomecânica deve priorizar a produção de conhecimentos aplicados, que aproximem a ciência do ambiente de intervenção
profissional.
Segundo Gill (2007), a cinesiologia, como sinônimo do estudo do
movimento, deveria ser uma disciplina acadêmica de integração em que
a atividade física seria o foco intelectual de estudo e sem divisão entre pesquisadores e pessoas que atuam na prática. Ele sugere que a integração da
disciplina acadêmica e da prática profissional não é necessária somente
para o treinamento de futuros profissionais, mas que tal integração é essencial para o serviço e o apoio ao público de interesse, pois os problemas são
multifacetados. Para Petraglia (1993), a interdisciplinaridade surge como
uma ausência de preconceitos entre as disciplinas, e isso quer dizer que as
diversas áreas do saber podem e devem ser integradas, dessa forma contribuindo para o desenvolvimento e o aprimoramento dos indivíduos em
relação a sua forma de ver e viver no mundo. Essa relação interdisciplinar
supera a visão restrita de mundo e proporciona a compreensão da complexidade da realidade. Com isso, um trabalho que visa a estabelecer uma
relação que beneficie o aprendizado dos alunos, proporcionando-lhes uma
visão mais integrada do conhecimento, seria de fundamental importância
(LUCK, 2003).
Especificamente com relação à biomecânica, Knudson (2003) defende que deveria haver um equilíbrio entre as bases mecânicas e biológicas
aprendidas no contexto da aplicação de solução de problemas do mundo
humano real, onde as fórmulas biomecânicas deveriam ser apresentadas,
mas os cálculos deveriam ter o sentido somente de mostrar o significado da
fórmula e a relação entre as quantidades. Para ele, a cooperação interdisciCorrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 171
plinar é necessária no desenvolvimento de alguns princípios da biomecânica que podem ser usados e integrados com outras disciplinas.
Segundo Gregor (2008), o maior desafio é o desenvolvimento de hipóteses de integração da biomecânica com outras disciplinas como a psicologia e o controle motor, de modo a levar os estudantes a uma perspectiva
mais rica do movimento como um todo. A abordagem não seria somente
pelo uso de mesma instrumentação, mas sim na aplicação de técnicas para
estudar uma dada população. Propõe que o biomecânico do esporte poderia estudar o movimento de pessoas com menor habilidade, para descrever
como os princípios da mecânica e da biologia se aplicam a todos os níveis
de execução; estudar a eficiência da corrida a partir de dados tanto da biomecânica como da fisiologia e da coordenação motora, entre outras.
Observa-se, portanto, uma preocupação geral com a integração entre
pesquisa na área de biomecânica e disciplinas vinculadas à área biológica e
tecnológica, trazendo subsídios para o profissional vinculado ao aprendizado de técnicas e padrão motor nos diferentes níveis de execução.
Stanley (2007) relata que existem várias razões para se estudar a biomecânica, desde a saúde da comunidade até o esporte de elite. Com relação à
saúde da comunidade, aponta que existe um número cada vez maior de iniciativas para levar as pessoas a se tornarem ativas e se moverem. Portanto,
é importante que se movam corretamente. Considerando a técnica correta,
isso pode levar a um aumento do prazer e da participação, reduzindo o número de lesões que podem ocorrer com a população inativa.
Dentro desse contexto, é importante ressaltar que toda a população
passa obrigatoriamente pela fase escolar e pelas informações dadas pelo
profissional de educação física. Não se pode esperar que o indivíduo faça
uma opção por uma modalidade esportiva para que então ele passe a ter
noções mais especializadas do que é um movimento correto - o que talvez
nem aconteça, caso a intenção seja somente a obtenção de resultados por
parte do técnico. O professor de educação física é o responsável maior pela
construção do conhecimento sobre corpo e movimento, ideia essa ressaltada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Dessa forma,
172 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
ele deve contribuir para que o indivíduo compreenda a mecânica a ser empregada nos seus movimentos da vida diária, que engloba os movimentos a
serem realizados na atividade esportiva.
Partindo dessa perspectiva, nosso objetivo específico neste capítulo é
apresentar ao professor algumas possibilidades de aplicação da biomecânica às suas aulas. Assim, em um primeiro momento se apresentarão formas
de trabalhar o equilíbrio nas aulas, relacionando com os conceitos da mecânica. Em um segundo momento, serão descritos e analisados conceitos
comuns à física do ensino médio e à disciplina biomecânica do curso de
educação física, aproximando a física e a educação física.
1. Biomecânica e educação física escolar
Aproximar a biomecânica da educação física escolar é uma proposta
que tem aparecido com maior frequência nos últimos anos. Tornar essa
aproximação real dependerá do envolvimento de biomecânicos, de pesquisadores da educação física escolar e de professores que estão na escola.
Batista (2001) é um dos autores que acredita na contribuição da biomecânica para a efetivação dos processos educativos que permitam a utilização
do potencial motor de maneira mais consciente e crítica. Contudo, o autor
ressalta que, até o presente momento, os estudos produzidos pela biomecânica pouco contribuem para o trabalho do professor na escola, já que não
focalizaram o processo de aprendizagem. Ele investigou a produção que
relaciona criança e ensino, realizada na área da biomecânica, no período
de 1893 a 1980. Verificou que dos 1.731 estudos encontrados, apenas dois
investigaram a criança em ambiente real de aprendizagem. Assim, acredita
que, para acontecer essa integração, é preciso que o “fluxo seja invertido no
sentido de que as problemáticas imanentes ao processo de ensino desencadeiem as investigações” (BATISTA, 2001, p.07).
Procurando ampliar a produção de conhecimentos sobre esse tema, temos nos envolvido em estudos que aproximem pesquisadores da biomecânica e da educação física escolar. Uma primeira iniciativa resultou no texto
de Corrêa e Freire (2004). Depois deste, outros trabalhos foram realizados,
tendo como proposta apresentar subsídios da biomecânica para o professor
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 173
utilizar em sua prática diária, no ensino da ginástica olímpica (SIMÕES,
2006); como material de apoio para o desenvolvimento do equilíbrio (PICEDA, 2006); como auxiliar do professor de atletismo nas modalidades
vinculadas a projétil (THOMÉ, 2007); e com propostas de dez aulas para a
educação física escolar a partir dos conceitos da biomecânica (LADEIRA,
2008).
Entendemos que a forma de aplicação da biomecânica ao ambiente
escolar está diretamente relacionada com a concepção de educação física
do professor. Em nossa concepção, os conhecimentos originados sobre o
estudo da mecânica do movimento humano não são relevantes apenas para
o professor, que, a partir deles pode construir atividades de ensino mais
eficientes para a aprendizagem de seu aluno. Acreditamos que a educação
física escolar deva ter como objetivo principal colaborar para a construção de indivíduos autônomos, capazes de tomar decisões conscientes sobre
a utilização de seu potencial motor. Dessa forma, como apresentado por
Corrêa e Freire (2004), os conhecimentos da biomecânica devem se transformar em conteúdos das aulas de educação física, permitindo ao aluno
compreender a mecânica do movimento realizado por ele e pelos outros
nos seus diferentes ambientes sociais.
Outros autores também acreditam na possibilidade e na necessidade de inserir conhecimentos da biomecânica na educação física escolar.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a biomecânica aparece como um
dos temas do bloco “Conhecimentos sobre o corpo”. Está também entre
os conteúdos a serem ensinados no segundo ciclo, quando se propõe que
os alunos analisem “alguns movimentos e posturas do cotidiano a partir
de elementos socioculturais e biomecânicos” ((BRASIL, 1997, p. 75). Pelas
próprias características do documento, não se destinou grande espaço para
o detalhamento das formas como esses conhecimentos poderiam ser ensinados durante as aulas.
Freitas e Costa destacam a necessidade de aprofundar a análise sobre
“o papel da biomecânica na sistematização da aprendizagem de conteúdos
específicos da educação física escolar” (FREITAS; COSTA, 2004, p. 80).
Essa sistematização é discutida, ainda, por Ulasowicz et al. (2007) e San174 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
ches Neto et al. (2006). Nesses dois estudos, é proposta uma organização
para o conteúdo da educação física em quatro blocos. Conhecimentos da
biomecânica, assim como de outras áreas como a fisiologia e a psicologia,
são propostos no bloco que trata dos aspectos pessoais e interpessoais do
movimento do corpo humano.
Outra pesquisa sobre o tema foi realizada por Toigo (2006), com o
objetivo de ensinar alguns conteúdos de biomecânica aos alunos de 1ª à
4ª série do ensino fundamental. A primeira experiência teve por objetivo
discutir as forças que atuam sobre o corpo humano por meio do estudo
da osteologia. A segunda consistiu em estudar o tecido muscular, o único
tecido do corpo humano capaz de exercer força. O autor sugere que alunos
conhecedores da física atuante no corpo humano podem ser capazes de
aplicar esses conhecimentos de maneira segura, eficiente e eficaz nas suas
atividades diárias, potencializando seu interesse pela prática da atividade física como hábito de vida saudável, bem como aumentando sua curiosidade
em aprender conteúdos científicos.
Godo et al. (2009), também focalizando o ensino fundamental, tiveram
como objetivo estruturar 20 conjuntos de perguntas relacionadas às propostas dos PCN e à biomecânica. A partir de cada conjunto, elaboraram
uma atividade prática para as crianças. Sugerem que a apresentação desses
conteúdos pode motivar a criança a buscar mais conhecimento sobre as
disciplinas formais da escola, favorecendo seu processo de ensino e aprendizagem.
Sabemos que no ensino fundamental uma habilidade motora importante a ser trabalhada é o equilíbrio, necessário nas diferentes manifestações culturais que envolvem a realização do movimento humano, como
jogos, ginásticas e modalidades esportivas. Além disso, o equilíbrio é fundamental em diversos momentos da vida cotidiana, estando presente nos
momentos de trabalho e lazer. Atualmente, ele tem chamado mais a atenção
das pessoas com a comercialização das pulseiras do equilíbrio. O professor de educação física pode aproveitar o momento para discutir com seus
alunos a eficiência desse equipamento e, a partir daí, trabalhar com o tema
equilíbrio em suas aulas, aplicando e estimulando os alunos a construir conhecimentos sobre o tema.
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 175
2. Equilíbrio nas aulas de educação física: algumas possibilidades
Apesar da grande quantidade de atividades, sua declarada importância
e a larga aplicação na realidade educacional, principalmente com relação
aos alunos da educação infantil, muitos profissionais desconhecem a mecânica existente nessas atividades, a qual proporciona a explicação de como
acontece seu desenvolvimento e aprimoramento (CARR, 1998). Assim, a
biomecânica colabora no intuito de facilitar o aprendizado do aluno, desde
que o professor compreenda e seja capaz de fazer associações que irão proporcionar um aprendizado significativo.
Primeiramente, portanto, é importante conceituar equilíbrio. Segundo Hall (2005), é um estado que supõe a igualdade entre forças ou
torques opostos, não existindo alteração da situação de repouso ou de
movimento. É classificado como estático e dinâmico: estático quando
não existe movimento e dinâmico quando ocorre o movimento com velocidades constantes (HAY; REID, 1985).
No entanto, as situações propostas em aula visam a lidar com as variáveis que interferem na estabilidade do corpo aumentando ou diminuindo a
resistência à ruptura do equilíbrio, que assim é definido como a capacidade
do indivíduo controlar a sua estabilidade, por sua vez definida mecanicamente como a resistência tanto à aceleração linear como angular do corpo
(HALL, 2005). Em termos mais simples, quanto maior a resistência ao movimento, mais estável é o corpo. Em geral, os exercícios de equilíbrio propostos em aula têm como objetivo tirar o corpo da estabilidade na procura do
equilíbrio, ou aumentar a estabilidade para impedir a perda do equilíbrio.
Com base nisso, os parâmetros a serem introduzidos na aula para estimular a
habilidade do equilíbrio devem ser os que alteram a estabilidade com relação
à velocidade linear (altura do centro de gravidade, tamanho da base de sustentação, massa e coeficiente de atrito), assim como os que altera a velocidade
angular: torque (efeito de rotação em torno de um eixo) e inércia.
Piceda (2006) verificou falta variabilidade por parte do professor no
trabalho com o equilíbrio, já que as atividades predominantemente citadas
pelos professores no trabalho com essa habilidade envolve o uso de ele176 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
mentos da ginástica artística e o deslocamento sobre linhas. Dessa forma,
na tentativa de contribuir para a ampliação do conhecimento da mecânica
sobre as atividades já desenvolvidas, assim como ampliar o repertório de
atividades de uma forma estruturada nos conceitos da mecânica relativos
ao equilíbrio, apresentamos abaixo algumas sugestões (adaptado de PICEDA, 2006).
2.1 Atividade sobre linhas e trave de equilíbrio
As atividades mais comumente aplicadas são aquelas em que o aluno
é estimulado a caminhar sobre uma linha desenhada no chão, uma trave
de equilíbrio, uma corda disposta no solo, pega-pega sobre as linhas da
quadra, entre outras. Vale lembrar que, na atividade da caminhada sobre a
corda, a base de sustentação é reduzida ainda mais e na atividade sobre a
trave de equilíbrio o fator medo também interfere na realização. Nesse caso,
o professor deve garantir a segurança da criança, diminuindo a sua ansiedade. Nessas atividades, as variáveis biomecânicas atuantes são aquelas referentes ao torque e a relacionada à projeção do centro de gravidade, pois
a maior dificuldade encontrada é com relação ao estreitamento da base de
sustentação. Para aumentar a estabilidade gerada por essa variável, a criança se abaixa e assim, com o centro de gravidade abaixado, ela aumenta a
distância a ser percorrida pelo centro de gravidade dentro da base de sustentação, o que dificulta seu desequilíbrio. No que concerne ao torque, para
se manter estável durante o percurso sobre a linha, por exemplo, a criança
se desequilibra e se equilibra a todo instante por meio dos movimentos
realizados pelos braços, ou seja, quando está para sair da área delimitada
pela linha, o aluno abaixa um dos seus braços para a direção da queda e
assim provoca uma reação na região do quadril, o que proporciona a possibilidade de se reequilibrar. Nesse momento, mostra-se interessante criar
estratégias para que a criança perceba o que está ocorrendo com seu corpo.
Assim, sugere-se que o professor peça que o aluno tente realizar o percurso
inicialmente com os braços junto ao corpo, depois com os braços soltos, e
em terceiro lugar se dê a dica explícita da utilização dos braços, pois dessa
maneira a criança perceberá a interferência positiva que esse jogo de braços
lhe proporciona. Pode-se ainda inserir o conceito sobre o centro de graviCorrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 177
dade e pedir ao indivíduo que caminhe com o corpo ereto e depois com o
corpo um pouco abaixado, ou seja, experimentar várias posições, com o
mesmo intuito da sugestão anterior, isto é, que perceba as dificuldades e
facilidades de realizar a atividade de diversas maneiras, a fim de encontrar
a melhor posição para manter-se equilibrado.
2.2 Utilização de bolas grandes
Nesta atividade, os alunos são estimulados a se equilibrar de joelhos sobre uma bola grande. Conta-se então com a ajuda dos colegas, um de cada
lado da bola, auxiliando o executante na realização da atividade. As variáveis mecânicas concernentes a esta prática são aquelas relacionadas ao torque, pelo fato de a superfície da bola proporcionar instabilidade e portanto
rodar, deslocando o centro de gravidade do praticante para fora da base
de sustentação. Em contrapartida, quando o indivíduo se encontra sentado
sobre os joelhos flexionados a sua base de sustentação é aumentada, o que
minimiza a possibilidade de o centro de gravidade sair totalmente dessa
base. Estratégias como solicitar aos alunos que, além do apoio exercido pelos colegas, executem os movimentos compensatórios dos braços auxiliam
bastante na aquisição do equilíbrio, como também sugerir que, ao se encontrarem em situação de desequilíbrio para trás, levem o tronco à frente,
e vice-versa, a fim de, pela reação do quadril, o equilíbrio ser restabelecido.
2.3 Tablado de madeira
Esta atividade não possui um nome específico, no entanto seu desenvolvimento se mostra muito interessante, uma vez que o equipamento é
de fácil construção, feito de madeira, sendo que embaixo é utilizada uma
madeira abaulada que pode ser substituída por qualquer outro material, seja
um prato de plástico ou uma bola encaixada na madeira. No brinquedo original, a parte redonda é também de madeira e colada na prancha onde se
apoiam os pés. O aluno posiciona-se em pé sobre o equipamento e realiza um
movimento como se estivesse em uma cadeira de balanço - mas o movimento é lateral e não frontal, como acontece na cadeira de balanço. Assim, com
esse movimento o equilíbrio é obtido por meio da realização de movimentos
compensatórios com os braços, pois o aluno desloca-se a todo momento para
178 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
a direita e para a esquerda. O objetivo é manter o centro de gravidade exatamente dentro da base de sustentação, pois dessa forma se chega ao equilíbrio
estático. O divertimento está nessa busca pelo equilíbrio, no balanço realizado pelo corpo. Essa atividade é diferente das comumente aplicadas e poderia
ser mais explorada, pelo aspecto lúdico que proporciona e pelaa percepção
que o aluno adquire com a prática.
2.4 Atividades relacionadas ao coeficiente de atrito e tamanho
da base de sustentação
Proporcionar ao aluno a possibilidade de participar de atividades lúdicas que desenvolvam o equilíbrio se mostra uma maneira muito interessante de obter os resultados esperados. Por esse motivo, atividades como
caminhar sobre colchões cobertos com plásticos umedecidos com espuma
de sabão (claro que de uma maneira controlada), sobre objetos que simulem pedras, sobre superfícies irregulares (diversos tamanhos de colchões e
outros objetos mais rígidos, etc.), entre outras, podem e devem ser utilizadas. Na atividade da caminhada sobre os colchões com espuma, o atrito é
bruscamente diminuído e, por conseqüência, é extremamente difícil manter o equilíbrio corporal. O mais importante dessas atividades é orientar
os alunos nas diferentes maneiras de se locomover e também fazê-los perceberem as diferentes maneiras de posicionamento do corpo para se obter
maior estabilidade durante a execução, segundo as variáveis biomecânicas.
Esta experiência orientada os fará perceberem tais diferenças mesmo que
não tenham conhecimento dos conceitos.
2.5 Utilização de atividades em que a quantidade de movimento angular é fundamental
Andar de bicicleta, patins, skate, patinete e afins são também uma boa
forma de se trabalharem os conceitos mecânicos do equilíbrio de uma maneira lúdica. Nestes casos, pode ser proposto um dia de recreação no qual as
crianças são estimuladas a trazerem de casa esses tipos de brinquedo para
elas próprias brincarem como também proporcionar aos alunos que não possuem tais objetos a vivência dessas práticas. Os aspectos biomecânicos observados nas atividades citadas são aqueles relacionados ao torque e à inércia.
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 179
Ao observarmos uma criança começando a aprender a andar de bicicleta,
por exemplo, notamos que, influenciada pelo fator medo, ela tende a andar
devagar a fim de evitar a queda. Entretanto, ao executar tal movimento, percebemos que é muito mais difícil manter o equilíbrio quando o movimento
é lento que ele é realizado de uma maneira mais ágil. E por que isso ocorre?
Quando algo gira em torno de um eixo, existe torque, que gera certa quantidade de movimento angular. Esse movimento angular é determinado pela
inércia e pela velocidade angular do corpo. Portanto, quanto maior a velocidade angular, maior a quantidade de movimento. Sabemos que, para deslocar
um objeto de sua posição inicial, quanto maior quantidade de movimento,
mais difícil será retirá-lo de tal posição, sendo o oposto verdadeiro. Ou seja,
quando a criança anda devagar na bicicleta, a quantidade de movimento é
menor em relação ao movimento rápido e, dessa maneira, será mais fácil que
a criança se desequilibre pela aplicação de qualquer torque externo. Outro
exemplo seria levar os alunos a descerem um plano íngreme gramado na
posição em pé. Estimular a que tentem manter o equilíbrio dinâmico (não
caiam e não desçam sentados) e que alterem a velocidade de descida correndo, alterando portanto a quantidade de movimento angular do próprio corpo. Dicas, estímulos e encorajamentos que visem ao aumento da velocidade
pela criança durante a atividade proporcionarão maior probabilidade de que
ocorra mais rapidamente tal aprendizagem. O mais interessante é que o professor disponibilize atividades em que a criança adquira por si só a percepção.
Uma das estratégias que poderiam ser usadas é aquela na qual o professor
propõe um aumento gradual da velocidade e deixa que a criança opine sobre
qual maneira achou mais fácil de realizar, fazendo assim que a aprendizagem
seja significativa.
2.6 Giros
Quando o aluno executa um giro corporal, vários fatores interferirão
nesse movimento: velocidade angular do movimento, massa do indivíduo
e como essa massa está distribuída ao redor do eixo de rotação (inércia).
Assim, a estabilidade rotatória dependerá do movimento angular e, como já
citado, quanto maior o movimento angular, maior a estabilidade do corpo.
No caso do ser humano, podemos alterar a velocidade da rotação, ou seja,
180 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
quanto mais rapidamente o indivíduo girar, maior sua estabilidade, pois
estaremos alterando o movimento. A maneira mais comum de se alterarem essas velocidades é alterar a forma como a massa está distribuída ao
redor do eixo de rotação. Por exemplo, pedir aos alunos que executem uma
pirueta com os braços bem abertos na lateral e depois com os braços fechados na frente do corpo, proporcionando-lhes a oportunidade de realizar o
movimento em diferentes velocidades, o que os fará perceberem que existe
a possibilidade de tornar o movimento mais fácil de ser executado simplesmente aumentando a sua velocidade por meio de alterações nas posições
dos segmentos em relação ao eixo.
2.7 Atividades relacionadas à aplicação de forças perturbadoras (impulso negativo)
Outra maneira de aplicar tais conceitos mecânicos seria ensinar as
crianças a se reequilibrarem depois de um esbarrão ou empurrão. Quando
sofremos a ação de uma força externa, como neste caso, nosso centro de
gravidade tende a se deslocar para fora da base de sustentação pelo fato de o
movimento ser rápido. Por não termos, na maioria das vezes, oportunidade
de praticar atividades como estas na escola, não são desenvolvidas as habilidades suficientes para evitar a queda. O conceito neste caso, muito eficiente
por sinal, é o impulso negativo que fará com que a força externa aplicada
em nosso corpo seja absorvida de maneira gradual e nos dê condições de
retomar à posição de equilíbrio. Neste contexto, existem determinados movimentos corporais que podemos fazer para que isso ocorra. Retomando o
exemplo dos empurrões, em uma situação controlada, com colchões, etc.,
propor aos alunos que empurrem uns aos outros. O professor orienta o
aluno para que, ao receber o empurrão, comporte-se da maneira que desejar. Em seguida, acrescentem-se elementos que o ajudarão, tais como colocar uma perna à frente, ou seja, afastamento anteroposterior dos membros
inferiores; projetarem o tronco à frente; e por último, o movimento das
pernas e do tronco simultaneamente. Esses movimentos farão com que a
força aplicada seja absorvida mais lentamente, proporcionando, como já
dito, maior possibilidade de reequilíbrio.
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 181
2.8 Saltos e aterrissagens
A todo momento, deparamo-nos com atividades exigindo que os alunos saltem e, por conseqüência, aterrissem. Nestas atividades, é muito importante notar a existência dos conceitos biomecânicos por dois motivos. O
primeiro é pelo fato de o professor poder auxiliar da melhor forma o aluno
durante seu aprendizado. O segundo se refere à segurança, uma vez que
aprender a aterrissar de maneira segura evitará que aconteçam acidentes e
o próprio aluno poderá se prevenir contra lesões. Durante a realização do
salto à frente, o aluno deverá deslocar seu centro de gravidade de tal forma
que estará se deslocando para fora da base de sustentação, o que causará o
desequilíbrio necessário para haver o consequente deslocamento do corpo
à frente. Na fase da aterrissagem, mostra-se outro fator importante, pois o
aluno terá que frear o movimento e impedir que o corpo continue se deslocando para a frente. Assim, o melhor a fazer é orientar o aluno para aterrissar com os dois pés simultaneamente, evitando que o peso corporal seja
concentrado em apenas um membro corporal - no caso, um dos membros
inferiores -, desta maneira fazendo a distribuição do peso nos dois membros inferiores. A orientação ao aluno para que ao aterrissar não o faça com
os membros inferiores totalmente estendidos é também importante, pois
ao aterrissar desta forma o impacto gerado será muito maior. Ao solicitar
ao aluno que flexione os membros inferiores no momento da aterrissagem,
aumenta-se o tempo de absorção da força de reação exercida pelo solo sobre os pés, o que diminui o impacto e, por consequência, a possibilidade da
incidência de lesões nas articulações do tornozelo e do joelho.
Faz-se necessário, assim, desmistificar que a real aplicação da biomecânica somente seja possível em ambientes de alto rendimento, como
este trabalho se propôs, ressaltando os aspectos que podem e devem ser
trabalhados pelos professores durante a aplicação de suas aulas, pois isso
irá fundamentar e cada vez mais tornar a prática e o ensino significativos,
proporcionando aos alunos a oportunidade de perceber e conhecer o que
está ocorrendo com seu corpo em determinadas situações por meio da adequação desses conceitos à linguagem e à compreensão infantis. No entanto,
ao final do ciclo escolar o aluno terá condições de perceber tais aspectos de
maneira cada vez mais clara.
182 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
Cabe então ao professor de educação física tentar mudar essa perspectiva, pois mesmo com as dificuldades encontradas no que concerne não só
aos conceitos biomecânicos como também à utilização da física e matemática, muito presentes nesta disciplina, é possível fazer adaptações nesses
saberes para que sejam incorporados nas suas ações cotidianas.
3. Contribuições da biomecânica para a educação física no
Ensino Médio
Por vezes, a educação física é vista no Ensino Médio como um
componente curricular de importância reduzida. Lorenz e Tibeau comprovaram que os estudantes desse nível de ensino consideram a educação física
“como uma atividade e não como uma área de conhecimento” (LORENZ;
TIBEAU, 2003, p. 1). Dessa forma, os estudantes não conseguem identificar as contribuições desse componente curricular para sua vida. Então,
cabe aos professores da área aplicar aulas nas quais os alunos possam, de
maneira aplicada e prazerosa, construir conhecimentos significantes, que
comprovem a relevância das aulas de educação física.
Nessa perspectiva, acreditamos que a biomecânica pode contribuir
para a seleção dos conhecimentos a serem aprendidos nas aulas. Bastos e
Matos (2009) aplicaram questionários para alunos do ensino médio de uma
escola pública para levantar o perfil conceitual dos estudantes a respeito de
física aplicada ao esporte, focando na observação de como os estudantes
utilizam os conceitos de física vistos no primeiro ano do ensino médio.
Pelos resultados obtidos, veem a necessidade de criar uma intervenção que
aproveite as ações dos alunos durante os momentos de lazer e mostre a utilidade da física não em coisas distantes, mas no seu dia a dia, naquilo que
lhes é prazeroso.
A relação entre a física escolar e a biomecânica, por ambas derivarem
da física clássica, pode ser muito proveitosa para os alunos, que entenderão
melhor os conteúdos da física e da educação física. Além disso, os professores
de educação física conseguirão ver a aplicação na área escolar da biomecânica. Conversar com o professor de física é fundamental para que se possa
construir um projeto interdisciplinar, pois, embora possam trabalhar de forCorrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 183
ma individualizada, o trabalho em conjunto seria mais eficiente para mostrar aos alunos que o conhecimento não é algo fragmentado, embora se tente
compartimentá-lo em disciplinas no currículo escolar. Assim, trabalhando
em conjunto ambos os professores podem identificar temas que interligam
os dois componentes curriculares. Além disso, podem construir juntos a metodologia a ser aplicada.
4. Física e educação física: um exemplo
Em nosso exemplo, sugerimos uma aula de educação física cujo objetivo é vivenciar os elementos do atletismo e compreender o conceito de
impulso ligado ao movimento, com o professor ensinando a teoria de acordo com o que os alunos aprendem nas aulas de física do ensino médio.
A apresentação dos conceitos pode acontecer no início da aula, na qual o
professor apresente um esquema para que o aluno estabeleça as primeiras
relações sobre o tema proposto. Essa apresentação deve ser realizada de
modo breve, pontual e, de preferência, envolvendo os alunos nas atividades.
Após a apresentação, os alunos seriam envolvidos em diferentes atividades,
vivenciando respectivamente corridas, saltos, arremessos e lançamentos.
A intensidade das atividades e o nível de aperfeiçoamento dependerão do
nível de habilidade de cada aluno e de cada turma. O importante mesmo é
que todos tenham contato com os elementos do atletismo. Esse conteúdo
pode ser fracionado em várias aulas, pode ser uma unidade temática mensal, ou outro formato que o professor já utilize em seus planejamentos.
Além dessa forma de organização da aula, inúmeras outras podem ser
adotadas pelo professor, a partir de suas características e preferências.
Outro modelo possível é que o professor só apresente os conceitos após
a realização de atividades que exijam a solução de problemas por parte dos
alunos. Assim, o percurso a ser utilizado deve ser definido pelo professor. O
importante é que, em algum momento da aula, os conceitos sejam apresentados e discutidos, levando os alunos a solucionar os problemas que surgirem.
As orientações do professor são o diferencial da aula para que os alunos
entendam o conceito, e com isso ele deve instigar os alunos a pensarem
sobre a transferência de impulso que estão realizando durante as ativida184 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
des. Essa é a barreira que o professor de educação física deverá vencer ao
ensinar conceitos biomecânicos em suas aulas. Entender o conceito voltado
ao movimento de forma qualitativa significa se tornar capaz de avaliar se a
forma com a qual se executa o movimento é realmente a mais apropriada
para o melhor desempenho.
Apresentamos a seguir um conjunto de atividades (adaptadas de LADEIRA, 2008) que podem ser aplicadas pelos professores para nortear o
planejamento do professor. Essas atividades foram construídas para levar
os alunos a:
◆◆
vivenciar os elementos do atletismo corridas, saltos, arremessos
e lançamentos;
◆◆
reconhecer o atletismo como mais uma atividade física entre as
que eles podem optar por praticar nas horas livres; e
◆◆
compreender e aplicar o conceito de impulso ligado ao movimento.
A proposta é que os alunos realizem, primeiramente, uma corrida de
velocidade; depois, eles participarão de atividades de resistência; e na sequência passarão pelos saltos, tanto em distância quanto em altura. Logo
depois, realizarão os arremessos de peso e de martelo e por último o lançamento do dardo. Para aplicar as atividades, serão utilizados os implementos
próprios de cada modalidade do atletismo que podem ser adaptados para
cada atividade. Os materiais a serem utilizados, até mesmo para a segurança dos alunos, devem ser adaptados, como no caso do dardo, da corda
que vai medir a altura do salto e dos implementos do arremesso, como o
martelo e a pelota.
Antes de descrever as atividades, apresentamos alguns conceitos básicos sobre o impulso.
5. O impulso: alguns conceitos
Para que um corpo se movimente - na linguagem da física, que tenha
uma quantidade de movimento - é necessário que seja aplicado um impulso.
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 185
Este é resultado da aplicação de força durante certo lapso de tempo (CARR,
1998). A ligação entre estes dois conceitos - quantidade de movimento
e impulso - é direta, isto é, quanto maior a força aplicada em um corpo
por um tempo determinado, maior a velocidade obtida pela massa desse
corpo. Um exemplo básico é o arremesso de dardo. Um bom atleta aplica
uma grande força por um longo lapso de tempo em decorrência da grande
amplitude do movimento (impulso), e com isto a massa do dardo ganha
uma grande velocidade (quantidade de movimento). O que foi descrito
para o impulso no arremesso do dardo também é válido ao se considerar
um salto ou uma corrida. Neste caso, o impulso aplicado no solo por um
tempo maior irá gerar maior velocidade da massa do atleta. Isso é feito na
corrida ao se aproveitar o pé todo (desde o calcanhar até os dedos) para
empurrar o solo na fase final da impulsão. Nos saltos, o atleta deve apoiar o
pé no solo antes da subida estando com o tronco um pouco atrás da linha
do eixo do pé, de modo que aumente o tempo de aplicação de força.
Mas se formos analisar com maior cuidado, o impulso gerado pela mão
do atleta no dardo ao final do movimento é resultante de toda a quantidade
de movimento transferida entre as articulações - portanto, determinada pelos impulsos musculares que levaram ao movimento das articulações. Isso
em geral se traduz como a coordenação do movimento, isto é, a transferência de velocidade entre as articulações, sem que o movimento seja truncado
em algum ponto, e com a sequência natural de flexão e extensão articulares
próprias de cada movimento específico. No dardo, existe a velocidade da
corrida somada à velocidade de todos os segmentos, sendo que, conforme
um segmento perde em velocidade, esta é transferida através das articulações para o outro segmento, partindo do distal (pé) até o mais próximo do
implemento (mão).
Outro ponto a ser abordado com relação às velocidades articulares (angular) e dos segmentos (linear), que tanto interferem no impulso final, é
que existe uma relação entre elas. Máximo e Alvarenga (2000) descrevem a
velocidade linear como sendo referente à distância percorrida na unidade
de tempo e a velocidade angular se referindo ao ângulo descrito na unidade
de tempo.
186 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
Vamos exemplificar com o movimento do braço do atleta que executa
o arremesso do dardo. Ao final do movimento, é necessário transmitir a
velocidade das articulações cotovelo/punho para o segmento mão. Ao flexionar o braço, o atleta diminui a inércia e aumenta a velocidade angular
na articulação do cotovelo, e ao estendê-lo ao final transfere a velocidade
angular em linear para a mão. Portanto, se existirem problemas mecânicos com relação à velocidade tanto linear (do corpo e segmentos) como
angular (das articulações), ocorrerão problemas na geração do impulso
final do dardo.
Para que possa aplicar as atividades propostas, é necessário que o professor
tenha clareza dos conceitos descritos acima e em caso de dificuldade recorra
aos livros básicos de ensino de biomecânica (CARR, 1998; HALL, 2005).
6. Corridas
Atividade 1: correr com o joelho estendido ora na fase de impulsão, ora na
de balanceio, ora na de batida do pé no chão.
Explicação: na fase de impulsão, a não flexão para o término com extensão
final leva a uma diminuição da transferência de velocidade angular em linear, com consequente menor velocidade e menor impulso; na fase de balanceio, a não flexão leva a uma velocidade angular menor e consequentemente menor impulso na batida do pé; com a não flexão logo após a batida
do pé no chão, a consequência é o maior impacto recebido diretamente nas
articulações; com os joelhos flexionados, o tempo de aplicação e absorção
da força de reação do solo no corpo é maior, resultando em menor força
aplicada às articulações do aluno.
Atividade 2: correr elevando os joelhos exageradamente.
Explicação: o problema neste caso é que o indivíduo gera impulso na vertical quando na verdade deveria produzir na horizontal, tornando o movimento ineficiente.
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 187
Atividade 3: correr com os braços presos ao corpo.
Explicação: o impulso produzido pelo movimento dos braços serve para
equilibrar o impulso produzido pelo movimento do quadril, com os braços presos ao corpo, o centro de gravidade deverá se deslocar mais e com
isso haverá maior dispêndio de energia, já que o impulso dos braços não
equilibrará o do quadril.
Atividade 4: correr sem estender o tornozelo na fase de impulsão.
Explicação: quando o indivíduo não realiza a extensão do tornozelo da
perna que está impulsionando o solo, essa flexão não permite o aumento
do raio da articulação e isso produzirá um impulso menor e, consequentemente, um desempenho pior.
Orientação: ao propor esta atividade, o professor deve indagar os alunos sobre
o que eles perceberam em seus movimentos durante sua realização. Por exemplo, qual foi a maior dificuldade para realizar o movimento, com os joelhos
estendidos ou com o tornozelo flexionado? Qual a maior dificuldade para realizar a corrida, com os braços presos ao corpo? Que outra forma de movimentação eles poderiam sugerir para dificultar a transferência do impulso?
7. Saltos
Atividade 1: realizar uma pausa entre a corrida e o salto em si.
Explicação: com uma pausa, o impulso que o membro inferior deverá
produzir será maior, já que a pausa anula o impulso adquirido durante a
corrida.
Atividade 2: no salto em distância, ao realizar o estilo grupado, não flexionar o tronco, deixando-o estendido.
Explicação: o movimento grupado exige a flexão do tronco, já que o impulso do tronco para a frente provoca uma reação angular nos membros
188 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
inferiores também para a frente, fazendo com que o saltador obtenha uma
distancia maior.
Atividade 3: não realizar a hiperextensão do tronco, ou seja, realizar o movimento com o tronco ereto na fase de impulsão.
Explicação: a hiperextensão do tronco ao apoiar o pé de salto permite que
o saltador aplique força por mais tempo, consequentemente proporcionando ao corpo maior impulso.
Atividade 4: ao realizar o estilo tesoura no salto em altura, passar a fasquia
inclinando exageradamente o tronco.
Explicação: ao inclinar o tronco exageradamente para a frente, o impulso
produzido irá resultar em uma ação angular no quadril, que se desloca
para trás, dificultando a passagem das pernas sobre a fasquia e pode até
resultar em uma queda, já que o centro de gravidade será deslocado.
Atividade 5: não realizar o movimento com o tronco inclinado para baixo
para passar pelo sarrafo no estilo flop no salto em altura.
Explicação: primeiro, deve-se ter claro que não se gera impulso no ar.
Contudo, as movimentações dos indivíduos no ar nada mais são do que
estratégias para se transferir o impulso adquirido durante o salto entre os
segmentos corporais, e a movimentação de inclinação do tronco é uma
estratégia para que isso ocorra, isto é, o impulso produzido pela inclinação
do tronco produzirá uma reação de elevação do quadril ao passar pelo sarrafo, não deixando que o quadril esbarre nele.
Orientação: propor uma reflexão inicial sobre as implicações da não transferência do impulso já na corrida para a realização dos saltos, podendo até retomar as atividades propostas especificamente para as corridas seria um ponto
de partida. Pensar também no fato de não se ter impulso no ar e sim a transfeCorrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 189
rência dele seria outro ponto de partida para a reflexão dos alunos. Indagações
como “Uma pausa entre a corrida e o salto ajuda ou atrapalha na transferência
do impulso?”, “Qual seria a consequência se o tronco não estivesse flexionado
no salto grupado?”, “Como seria a transferência do impulso caso o tronco não
se inclinasse ao passar o sarrafo no estilo flop?”, “De que outra forma eles poderiam dificultar a transferência de impulso na corrida e no salto?”
8. Arremessos e lançamentos
Atividade 1: realizar uma pausa no momento do arremesso de peso.
Explicação: a pausa no momento de arremessar faz com que o impulso
adquirido seja dissipado, o indivíduo terá que fazer mais força com o braço
de arremesso para conseguir realizar o movimento.
Atividade 2: realizar com apenas um braço o arremesso de martelo.
Explicação: apenas um braço realizando o movimento diminui o número
de articulações envolvidas na geração de impulso e novamente ele terá que
fazer mais força com o membro utilizado para atingir o objetivo.
Atividade 3: realizar o movimento com os joelhos exageradamente flexionados.
Explicação: com os joelhos muito flexionados, o indivíduo ganha ao aumentar o raio, contudo ao não estendê-los não consegue transferir o impulso para os demais segmentos corporais, que terão que realizar mais força para produzir maior impulso.
Atividade 4: realizar o movimento parado.
Explicação: quando não se movimenta o corpo ao realizar um lançamento
ou arremesso, o impulso do membro que irá realizar o movimento - no
190 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
caso, o braço - deverá ser consideravelmente maior para compensar a falta
do impulso que seria gerado pelos membros inferiores, somados aos dos
membros superiores, com a ajuda do tronco nessa transferência.
Atividade 5: realizar o movimento sem estender os membros superiores.
Explicação: a não extensão dos membros superiores ao término do movimento faz com que todo o impulso adquirido na transferência dos membros inferiores para os superiores não seja usado completamente. É no final
do movimento com essa extensão que se consegue aumentar o impulso,
uma vez que o indivíduo consegue aplicar a força por mais tempo e utilizar por completo sua velocidade linear. Isso ainda interfere na velocidade
que o segmento atingirá ao arremessar o implemento, e o sincronismo do
movimento de pernas e braços produz um impulso maior e consequentemente uma distância arremessada maior.
Atividade 6: realizar o movimento sem estender os membros inferiores.
Explicação: da mesma forma, quando não se estendem os membros inferiores no ato da realização do movimento, os membros superiores terão
que produzir um impulso maior do que deveriam para suprir o pequeno
impulso gerado pelos membros inferiores.
Orientação: pensando em lançamentos e arremessos, o professor deve instigar os alunos a entenderem que toda a movimentação do corpo influencia no impulso que ele produzirá e todas as articulações envolvidas devem
fornecer sua contribuição. Em termos práticos, seria questionar “Por que
com uma pausa no momento da realização do arremesso não se tem o
mesmo impulso que sem a pausa?”, “Qual seria a função da extensão dos
membros superiores e dos membros inferiores?”, “Como os alunos percebem essas diferenças no próprio corpo, no próprio movimento?”, “E no dos
companheiros?” É visível essa diferença no desempenho do movimento?”,
“Qual elemento se modificou durante as atividades?”.
Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 191
Todas essas atividades procuram evidenciar que a não transferência de
velocidade angular dos membros inferiores para os superiores irá interferir
na velocidade do segmento ao realizar o movimento e que o sincronismo
do movimento de pernas e braços irá produzir um impulso maior, resultando em um movimento de melhor desempenho. Ao concluir a realização
das atividades, o professor pode organizar uma discussão com os alunos
sobre os conceitos trabalhados e sua aplicação, para que possam manifestar
suas opiniões e dúvidas. Seria interessante que fossem apresentadas outras
situações-problema, para que os alunos tentassem solucionar. Além disso,
é fundamental que o professor organize uma síntese da aula e dos conceitos trabalhados - uma síntese que deve ser retomada em outras aulas, para
reforçar a aprendizagem.
Os conhecimentos de biomecânica podem ser ensinados de maneira
simples aos alunos do ensino médio, mostrando-lhes que física aplicada ao
movimento serve não apenas para facilitar o estudo para o vestibular, mas
sim para as atividades físicas presentes em seu cotidiano.
9. Considerações finais
Tentamos mostrar neste trabalho que a biomecânica não deve ser vista
como uma disciplina técnica, de difícil aplicação na intervenção pedagógica em ambiente escolar. Ao contrário, acreditamos que os conhecimentos
produzidos pelas pesquisas em biomecânica podem ser relevantes na educação física escolar, seja fundamentando a intervenção dos professores, seja
como conteúdo a ser aprendido pelos alunos, contribuindo para que eles
vejam sentido nas práticas motoras realizadas dentro e fora da escola.
A interdisciplinaridade com relação à biomecânica não pode e não deve
ficar restrita às disciplinas mais voltadas à pesquisa clássica. A biomecânica
precisa criar canais para auxiliar a efetivação do aprendizado do aluno e
com isso fazer parte atuante do processo pedagógico. É importante o professor de educação física perceber que a biomecânica pode ser tão simples
de ser ensinada como qualquer outra área de conhecimento da educação
física, basta apenas conhecê-la melhor e não ignorá-la como algo sem possibilidade de aplicação.
192 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar
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Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues | 195
PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DE
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA
SOBRE SUAS APRENDIZAGENS EM
UM PROJETO DE INTERVENÇÃO
INTERDISCIPLINAR
Isabel Porto Filgueiras
Ronê Paiano
1. A prática na formação de professores
Atuamos por mais de dez anos como professores de educação física
na educação básica. Ainda guardamos na memória as dificuldades que
enfrentamos para solucionar os desafios complexos da prática profissional no início da carreira. Estávamos dotados de muitas teorias e sequências pedagógicas, mas sabíamos pouco sobre a heterogeneidade de interpretações que nossos alunos davam aos conteúdos das aulas, o dia a dia
das quadras e salas de atividade.
Essa experiência representou o estopim de nossos questionamos sobre
as melhores estratégias para formar professores conectados com os desafios
da prática. Depois, estudamos Shon (2000), Tardif (2002), Tardif e Lessard
(2005), autores que nos forneceram suporte conceitual para experimentarmos estratégias formativas que integrassem aprendizagens sobre o contexto
real da prática pedagógica na escola.
Este texto relata os resultados de uma de nossas experiências de formação de professores fundamentadas nesses autores. O objetivo foi investigar
a percepção dos alunos do curso de licenciatura em educação física sobre
suas aprendizagens em um projeto de intervenção realizado em uma esFilgueiras e Paiano | 197
cola estadual de ensino médio da Grande São Paulo. O planejamento, a
execução e a avaliação da intervenção aconteceram em duas disciplinas do
curso: projetos educacionais II e metodologia do ensino da educação física
no ensino médio.
Os professores representam atores sociais fundamentais dos processos de socialização e formação nas sociedades modernas. São os principais
responsáveis pela disseminação de conhecimentos e desenvolvimento de
competências dos integrantes da sociedade (OLIVEIRA-FORMOSINHO
et al., 2002; TARDIF, 2002; TARDIF; LESSARD, 2005). A abrangência e
a relevância do trabalho docente exigem dos formadores de professores
responsabilidade e compromisso com a melhoria de suas metodologias de
ensino, e por isso assumimos o compromisso de buscar inovações para os
processos de formação no curso de licenciatura em que atuamos.
2. A formação de professores de educação física
No Brasil, a formação dos professores de educação física passou por intensos debates e reorganizações nos últimos 30 anos. Tais debates visavam
a superar o caráter tecnoesportivo e biológico (MANOEL; OKUMA; SANTO, 1997) e os modelos tecnológicos e behavioristas (MOCKER, 1993).
Historicamente, a preparação do professor de educação física esteve
centrada na transmissão de procedimentos ou “receitas” a serem aplicadas
sem a devida fundamentação teórica. Uma formação excessivamente fundamentada em aspectos biológicos e esportivos, mas ineficaz na formação
de professores para atuarem em programas para a primeira e segunda infâncias (PEREZ GALLARDO, 1998).
A evolução da área garantiu a incorporação de uma fundamentação teórica mais ampla. No entanto, ainda predomina a opção pelo modelo de racionalidade técnica, o qual supõe que o professor em formação é capaz de
construir sua prática pedagógica a partir da mera aplicação de conhecimentos científicos e procedimentos treinados no percurso de formação inicial.
As condições de trabalho do professor nos diferentes contextos escolares, como a falta de materiais, o trabalho com turmas heterogêneas e desa198 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
fios do cotidiano escolar como as condições de vida dos alunos e a integração do professor à equipe escolar são conteúdos raramente abordados nos
cursos de licenciatura em educação física.
A superação da perspectiva da racionalidade técnica leva a propostas
de formação em que o aluno possa aprender a fazer fazendo, com a ajuda
de um profissional formador, em situações práticas reais ou simuladas, que
possibilitem ao formando uma visão caleidoscópica do seu campo de atuação.
As Diretrizes Nacionais para Formação de Professores (BRASIL, 2002)
afirmam a necessidade de o professor em formação inicial conhecer a realidade profissional e praticar o ensino de maneira reflexiva e orientada desde
o início do curso de licenciatura.
3. Teorias que apoiaram a inovação de nossa prática
pedagógica
Schön (2000) defende que é preciso fundamentar a preparação profissional do professor a partir de uma nova epistemologia da prática, pois a
atividade docente é complexa, aberta e incerta. Nessa concepção, a prática
não se restringe a algumas horas de estágio: é preciso que o profissional
entre em contato com os contextos reais de atuação e reflita sobre a teoria a
partir da solução dos problemas da prática.
A prática pedagógica não é um mero campo de aplicação de conhecimentos científicos, é um processo de constante diálogo com o contexto, e
de reflexão, construindo da experiência, a teoria, e da teoria, a experiência,
dialeticamente
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação Inicial de Professores (2002) indicam que os futuros docentes vivenciem, enquanto alunos,
um processo de ensino e aprendizagem coerente e consoante ao que é esperado que eles pratiquem quando formados (princípio da simetria invertida). Tais ideias se chocam com os currículos normativos inspirados na
ciência positiva, que prega a objetividade e a neutralidade, enquanto os
Filgueiras e Paiano | 199
problemas da prática profissional do professor exigem flexibilidade, estilo
pessoal e criatividade para serem solucionados.
Segundo Demo, não é possível defender uma educação voltada para a
reflexividade e a cidadania se os educadores continuam sendo formados
pela repetição de modelos:
Se pretendemos formar um cidadão que seja capaz
de interferir na sociedade e na economia em sentido
emancipatório e coletivamente solidário é indispensável lançar mão do instrumento mais decisivo de inovação, que é a capacidade de reconstruir conhecimento.
Todavia, esse desafio da competência somente é viável
se o educador for a imagem e semelhança dela. (DEMO,
1996, p. 273)
Demo (1996) e Garcia (1999) adotam o princípio da homologia formativa e epistemológica na reflexão sobre a melhoria da educação e a formação de educadores. Macedo defende a mesma posição: “não basta valorizar
o direito das crianças defenderem suas hipóteses de leitura, escrita ou aritmética, por exemplo. É importante que o educador também possa fazê-lo”
(MACEDO, 2005, p. 45).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica (MEC, 2001) propõem que a formação docente no Brasil
realize-se de forma reflexiva.
Na mesma direção, Altet (2001) defende um modelo de formação baseado na análise das práticas e na reflexão, cujo objetivo é formalizar os saberes
oriundos da prática. Os procedimentos de formação devem se voltar para a
análise e a reflexão das práticas vivenciadas pelo educador por meio de mediadores como a videoformação, verbalizações, entrevistas de esclarecimento, trabalho em grupo. Nessa proposta, ação, formação e pesquisa estão articuladas para a construção de ferramentas conceituais de análise das práticas.
A autora propõe um vaivém na tríade prática-teoria-prática.
Nóvoa (1995) indica que a formação do professor reflexivo ocorre a partir de grupos de trabalho assessorados por um formador ou coordenador.
200 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
Nesses grupos, permite-se a partilha de saberes, a troca de experiências e a
consolidação de espaços de formação mútua em que formandos e formadores interagem de modo construtivo.
Nesse sentido, as estratégias formativas devem estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, facilitar dinâmicas de autoformação participada, permitir aos educadores apropriar-se dos processos de formação, proporcionar
e apoiar aos educadores em seu desenvolvimento profissional; considerar
que os educadores sejam protagonistas da implementação de inovações
educativas, permitir que trabalhar e formar sejam atividades integradas e
que os educadores encarem a sua formação como um processo permanente.
4. Metodologia
A investigação utilizou a abordagem qualitativa da pesquisa. Trata-se
de um estudo de caso único. O trabalho de campo envolveu dois docentes
do curso de licenciatura em educação física, cinco alunos do último semestre (RESOLUÇÃO CNE 01/2002) e 33 adolescentes (21 meninas e 12
meninos). Estes atores participaram de um projeto de intervenção ao longo
de seis encontros de 90 minutos em uma classe do ensino médio de uma
escola estadual da Grande São Paulo.
Além dos seis encontros na escola, o projeto envolveu oito momentos
na universidade, cada um com 2h30. As atividades com os adolescentes
foram desenvolvidas nas instalações da escola estadual, com a supervisão
da professora de educação física e dos docentes universitários. As aulas na
universidade aconteceram nas disciplinas projetos educacionais II e metodologia do ensino da educação física no ensino médio. Os encontros foram
destinados ao planejamento da intervenção, à discussão das aulas desenvolvidas na escola e à avaliação do projeto.
Nesta turma do ensino médio as duas aulas semanais aconteciam em
sequencia (“dobradinha”). O projeto de intervenção foi elaborado a partir
da análise do tema que a professora de educação física da escola estava trabalhando. Esse tema era indicado no material didático da proposta pedagógica de educação física do estado de São Paulo. Os conteúdos eram futebol
Filgueiras e Paiano | 201
americano, rúgbi e flag, além de conteúdos ligados à saúde. O planejamento
do conjunto de aulas foi realizado coletivamente em debates na sala de aula
da universidade e cada aluno da licenciatura ficou responsável pela aplicação de uma das aulas para os adolescentes.
Para investigar os resultados dessa experiência, utilizamos três estratégias:
◆◆
observações de campo na escola e durante as aulas de graduação
das disciplinas envolvidas;
◆◆
questionários escritos para os alunos da licenciatura; e
◆◆
questionário escrito para os alunos da escola.
5. A percepção dos alunos da licenciatura
A análise das observações e questionários aplicados aos alunos da licenciatura em educação física indica a percepção e a valorização das aprendizagens decorrentes do contato com a realidade da escola pública. Conhecer
adolescentes “de verdade”, o ambiente da quadra, dos materiais e os desafios
de inserir os 40 alunos da turma nas atividades foi o fator levantado pelos
licenciandos. Vivenciar esse “contexto real” foi um aspecto citado por todos
os alunos como enriquecedor para a formação profissional.
Esses dados são coerentes com os autores que fundamentam nossa concepção de formação docente. O projeto de intervenção sob a supervisão
dos professores da universidade possibilitou que os alunos universitários
experimentassem os quatro tipos de conhecimento produzidos pelos educadores na prática pedagógica segundo Schön (2000):
◆◆
conhecimento na ação conhecimento tácito presente durante as
ações profissionais;
◆◆
reflexão na ação reflexão durante a ação, com breves instantes
de distanciamento;
◆◆
reflexão sobre a ação reconstrução mental da ação e análise da
ação;
202 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
◆◆
reflexão sobre a reflexão na ação - reflexão sobre a análise da
ação, possibilitando planejar futuras ações e descobrir novas soluções para os problemas encontrados na análise da ação.
Schön destaca o valor epistemológico da prática refletida e propõe que
os profissionais em formação experimentem a invenção de novos saberes e
procedimentos e não apenas a aplicação rotineira de processos conhecidos.
Quando precisaram criar metodologias para ensinar os conteúdos indicados na proposta pedagógica do estado de São Paulo, os alunos da licenciatura precisaram criar, testar e modificar procedimentos metodológicos.
Quando perguntados sobre os conteúdos aprendidos nas dimensões
procedimentais, conceituais e atitudinais, eles citaram aprendizagens relacionadas aos temas trabalhados com os alunos do ensino médio (futebol
americano, rúgbi e flag), à prática de planejamento e desenvolvimento das
atividades e ao respeito aos colegas que ministravam as aulas.
Em relação à dimensão conceitual, aparece o aprendizado sobre novas
modalidades, suas regras e possibilidades de adaptação visando à aplicação
no contexto escolar. Ressaltamos que essas modalidades não são enfocadas
no curso de licenciatura em que atuamos, mas os alunos afirmaram que
foi possível aprender sobre esses conteúdos, pois precisavam ensiná-los aos
adolescentes.
Os alunos da licenciatura também citaram o conhecimento sobre as
etapas de elaboração e aplicação de um projeto educacional e a aprendizagem mais aprofundada sobre a frequência cardíaca (conteúdo ligado à
saúde que foi pesquisado e ensinado para os alunos do ensino médio). Tais
aprendizagens envolveram refletir sobre o processo de seleção de conteúdos e desenvolvimento de estratégias de ensino, tarefa constante da prática
profissional, mas que é pouco trabalhada nos cursos de licenciatura. Esses
resultados mostram que o projeto de intervenção supervisionado pelos docentes universitários permitiu aos futuros professores vivenciarem a tríade
prática-teoria-prática defendida por Altet (2001).
Em relação à dimensão procedimental, os alunos citaram as seguintes
aprendizagens:
Filgueiras e Paiano | 203
◆◆
competência para construir e aplicar planos de aula que consideraram significativos e prazerosos para os adolescentes;
◆◆
aprendizagem de diferentes estratégias para lidar com os alunos
do ensino médio como se comunicar com os alunos, obter a
atenção, motivar para as atividade práticas;
◆◆
experimentação de metodologias para trabalhar atividades de
leitura e escrita nas aulas de educação física;
◆◆
procedimentos para ensinar uma nova modalidade para uma
turma de adolescentes;
◆◆
procedimentos sobre como se posicionar na quadra visando a
acompanhar e “controlar” a turma e o tempo da aula;
◆◆
procedimentos de elaboração, aplicação e correção de provas.
Todos esses conteúdos foram possíveis porque, durante o projeto de
intervenção, os alunos puderam integrar os conhecimentos acadêmicos à
prática real de ensino na escola como defende Pérez-Gomez:
O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico, só pode ser considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente,
não em parcelas isoladas da memória semântica, mas
em esquemas de pensamento mais genéricos ativados
pelo sujeito quando interpreta a realidade concreta em
que vive e quando organiza a sua própria experiência.
A reflexão não é um conhecimento puro, mas sim um
conhecimento contaminado pelas contingências que
rodeiam e impregnam a própria experiência. (PÉREZ-GÓMEZ, 1992, p. 103)
Em relação aos aspectos atitudinais, os alunos citaram as seguintes
aprendizagens:
◆◆
apreciação e respeito pelas aulas aplicadas pelos colegas;
◆◆
troca de informações entre os alunos e os professores;
204 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
◆◆
trabalho em equipe respeitando a elaboração coletiva das aulas;
◆◆
sentimento do próprio valor por ministrar uma boa aula;
◆◆
adoção de estratégias para perceber qual a maneira correta de se
portar perante os alunos;
◆◆
adoção de uma postura de professor;
◆◆
diálogo com os adolescentes sem perda da autoridade e
◆◆
apreciação das opiniões dos alunos adolescentes nos debates sobre saúde e educação física.
A percepção dos alunos sobre suas aprendizagens conceituais reforçam
a concepção de Garcia (1999) sobre o papel fundamental do trabalho de
reflexão em grupo para a formação docente. Nesta concepção, a formação é encarada como um processo coletivo de partilha de valores. Segundo o autor, enxergar e tratar problemas da prática profissional são ações
que não dependem exclusivamente da concepção técnica e disciplinar, mas
dos valores e significados sociais ligados à situação-problema. Os alunos
conseguem perceber a orientação democrática das práticas que buscaram
construir na escola.
Para Oliveira-Formisinho et al. (2002), a reflexão pedagógica não é uma
atividade de análise técnica ou prática, mas integra-se às opções éticas e sociais individuais e coletivas. Nesse sentido também se encaminham as ideias
de Macedo (2005), para quem a reflexão e o conhecimento sobre a prática
têm uma raiz interindividual oriunda do contexto social e institucional e da
partilha de um sistema de diretrizes de ação e concepções do grupo profissional. Os resultados de nossa investigação indicam que os alunos da licenciatura em educação física puderam vivenciar essa partilha de saberes ao longo do
projeto de intervenção na escola de ensino médio.
Outra observação importante sobre as aprendizagens atitudinais refere-se ao fato de os graduandos sentirem-se valorizados por perceberem
que suas práticas motivaram os adolescentes. Garcia (1999) relata que o
processo de construção de conhecimentos dos professores é iniciado pela
Filgueiras e Paiano | 205
percepção de que suas ações trazem resultados positivos para a aprendizagem dos alunos.
Em relação às aulas do curso de educação física utilizadas para o desenvolvimento do projeto, todos os alunos afirmaram que a ida à escola não
ocasionou defasagens nos conteúdos conceituais que poderiam ser trabalhados nas aulas. Ao contrário, afirmaram que o projeto foi um excelente
conteúdo e que o fato de terem ido até a escola permitiu a reflexão sobre a
prática em um contexto muito próximo da realidade profissional.
Para os alunos, o projeto também permitiu que a teoria fosse integrada
à prática não apenas das disciplinas presentes no projeto (projetos educacionais II e metodologia de ensino da educação física no ensino médio)
mas também em outras disciplinas vivenciadas ao longo do curso de licenciatura, como fisiologia e anatomia para o trato das questões ligadas à
saúde; didática, educação e alteridade para a condução das aulas e respeito
aos alunos; basquetebol e handebol para a adaptação na criação das atividades de futebol americano, rúgbi e flag; metodologia de ensino da educação infantil e do ensino fundamental para os conhecimentos pedagógicos
adquiridos. Esses resultados indicam que projetos de ensino nos quais os
alunos têm de solucionar problemas da prática profissional são eficientes na
integração de conteúdos da formação profissional.
Ao identificarem conteúdos não apresentados na formação, todos citaram o fato de não haverem tido contato com o flag, futebol americano ou
rúgbi. Foi marcante a fala de um dos sujeitos.
Mas acredito que mais importante do que tê-los ao longo
da graduação foi aprender justamente a buscar conhecimentos que não foram contemplados na faculdade ou em
outro lugar superando essa limitação. Essa competência
eu acredito que tive na minha formação, afinal a cultura
corporal do movimento é quase infinita e os conteúdos se
transformam e se renovam. Vale mais aprender como nos
foi ensinado, aprender a buscar novos conteúdos.
Todos desejariam ter mais experiências como essa na graduação, pois, segundo os alunos, o projeto aproximou a teoria da prática em uma situação real,
206 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
na escola, com alunos reais, no espaço concreto em que exercerão a profissão,
como ilustram os registros abaixo.
Pois tais experiências nos permitem aplicar de modo
explicitamente real os conteúdos trabalhados ao longo do curso, além de termos a oportunidade de os
nossos docentes avaliarem nossas aulas.
Porque são essas experiências que compõem verdadeiramente a formação para a atuação. Sem a possibilidade de
transpor os conceitos que aprendemos para a realidade,
não há como aprendermos com nossos erros, possibilitando talvez uma intervenção futura com menos dúvidas
e mais confiança.
Em relação ao que foi mais importante ao longo do projeto, os sujeitos
afirmam o contato positivo com a faixa etária que levou ao desejo de trabalhar com esse público, antes não percebido; o aprendizado coletivo, no qual
postura, atitude e condução da turma de um colega influencia a maneira de
o outro agir e a superação de dificuldades, como ilustram os trechos abaixo.
O mais importante foi poder ter uma experiência positiva com essa faixa etária, possibilitando uma mudança
e uma ampliação sobre minhas possibilidades e limitações neste contexto.
Perceber que, embora persistam vários problemas que
possam atrapalhar o andamento normal de um projeto,
esses podem ser superados. Sendo assim, existe a possibilidade de fazermos algo diferente, significativo.
O fato de me reafirmar na preferência por adolescentes
e que acima de tudo trabalhei de uma forma que me dá
prazer.
Para mim, o mais importante foi poder aplicar uma aula
para uma turma e ter a discussão e reflexão com o grupo
de colegas e professores para apontar os pontos posi-
Filgueiras e Paiano | 207
tivos e negativos, as consequências das ações tomadas,
além de observar os colegas dando aula e aprender com
eles também.
Ao terem contato com a realidade do professor de educação física da
rede pública e procurarem levantar os desafios e possibilidades, aparecem
as precárias condições materiais, a heterogeneidade e a quantidade de alunos como desafios, e a vontade do professor como possibilidade de reverter
e adaptar esse quadro:
Podemos perceber que nada é impossível dentro da
realidade da escola pública, as dificuldades vão existir,
tais como materiais, quantidade de alunos, e espaço físico. Entretanto, com o apoio da comunidade e a vontade de realizar o trabalho, as ações podem se tornar
concretas.
Ao registrarem as dificuldades quando ministraram a aula, os alunos
relataram a insegurança inicial:
Na aula que ministrei, fora aquele friozinho na barriga
básico, a maior dificuldade foi organizar o tempo para
as atividades planejadas. Mas, quanto às explicações das
mesmas, acredito que não tive problemas.
Outra dificuldade foi no momento de ministrar a aula.
No começo da aula, estava nervoso e acredito que minha
comunicação com os alunos foi afetada.
Esses registros indicam que o projeto de intervenção também possibilitou aos alunos experiências emocionais que puderam ser partilhadas no
grupo. O fato de o projeto ter sido aplicado com adolescentes (ensino médio) levantou certezas e mudou expectativas em relação a esse público, pois
quem gostava manteve o gosto por essa faixa etária e quem tinha algum
receio em conseguir trabalhar com ela foi, ao longo do projeto, percebendo
caminhos e encontrando estratégias que permitiram mudar as expectativas.
Por outro lado, aparece também a responsabilidade e a percepção de que
o primeiro encontro, a primeira aula é muito importante na relação entre
208 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
professor e aluno e no desenvolvimento de qualquer projeto. Isso aparece
na manifestação do sujeito responsável por ministrar a primeira aula:
A minha maior dificuldade foi lidar com a minha insegurança na primeira aula, pois me sentia responsável
por criar uma empatia que nos auxiliaria no decorrer do
projeto e ainda tive que lidar com o meu posicionamento negativo frente ao trabalho com adolescentes.
6. A percepção dos alunos do Ensino Médio
Além da nossa observação e dos depoimentos dos estudantes do curso
de educação física que ministraram as aulas, registramos as percepções dos
alunos que participaram das aulas. Seus depoimentos são fonte rica de feedback para que possamos verificar de que maneira este projeto impactou os
alunos do ensino, foi por eles percebido e vivenciado.
Perguntamos a esses alunos se achavam que os alunos do curso de educação física estavam preparados para dar aula, os pontos positivos e negativos e o que poderia ser feito para melhorar. Todos afirmaram acreditar que
os alunos com quem tiveram seis aulas de educação física estão preparados
para atuarem como professores. Como justificativas para essa afirmação
aparecem questões pedagógicas e atitudinais.
Em relação às questões pedagógicas, dez alunos do ensino médio indicaram que os estudantes de educação física explicam e ensinam bem, como
observado nos trechos abaixo.
12M Todos mostram o domínio de sua profissão, nos
passaram segurança e dinamismo necessário para que
seja uma boa aula.
7F Explicaram todos os conceitos de uma maneira fácil
de entender e além de tirarem dúvidas em sala de aula
nos ensinaram coisas novas, principalmente na quadra,
como passes e arremessos.
Filgueiras e Paiano | 209
Apenas uma aluna se posicionou de maneira contrária, como observamos neste trecho do questionário:
4F – Ensinaram de forma razoável, pois tinha algumas
perguntas que não sabiam responder e algumas explicações eram meio complicadas.
A adolescente percebe que os estudantes de educação física precisavam
pesquisar mais informações sobre as dúvidas trazidas pelos alunos do ensino
médio. O registro dessa aluna foi fundamental para os alunos da licenciatura
perceberem que precisarão indicar para seus alunos da escola que o professor
não precisa necessariamente saber tudo para ser um bom professor, o mais
importante é a postura de buscar conhecimento juntamente com os alunos.
Em relação à dimensão atitudinal, podemos dividir os depoimentos dos
adolescentes em duas categorias: aspectos atitudinais e aspectos relacionais.
Nos aspectos atitudinais, aparecem educação, determinação, dedicação
e responsabilidade.
9M São educados e ajudam muito bem nas dificuldades.
6F - Se mostraram com determinação e desempenho.
14F Têm características importantes como o bom humor,
dedicação e educação.
17F Mostraram responsabilidade dentro da sala e da
quadra e também por serem divertidos. Para mim, isso
vale muito em um professor de educação física.
Percebemos que os alunos do ensino médio valorizaram a descontração, mas, ao mesmo tempo, também a responsabilidade dos licenciandos,
ou seja, os alunos adolescentes não querem um professor autoritário, sério,
porém também não querem um professor sem responsabilidade e compromisso.
Nos aspectos relacionais, aparecem questões como saber lidar e interagir com os alunos:
210 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
11F Pois têm toda a estrutura e firmeza para lidar com
os alunos, eles também sabem preparar uma aula e fazer
com que aconteça no tempo planejado.
19F Pois conseguem interagir bem com os alunos, podendo assim realizar uma boa aula.
9F Mostraram capacidade no desenvolvimento das aulas e souberam lidar com os alunos, que é o mais importante.
Para finalizar, perguntamos sobre os pontos positivos e negativos do
projeto e sugestões para melhorar. Essas três perguntas agrupadas nos permitiram reunir as respostas em três categorias de análise: conteúdo, estratégia/método e postura.
Em relação aos conteúdos, grande parte dos sujeitos percebe como positivo terem aprendido coisas novas, permitindo-lhes sair da rotina:
1M – Aulas não caem na rotina, o conteúdo é ensinado
em conceitos diferentes, as aulas em quadra são dinâmicas.
5M Aprendemos esportes que nunca tínhamos aprendido.
1F Aprender sobre três esportes novos e sobre o que é
um frequencímetro.
7F Foram abordados esportes que não fazíamos a mínima ideia de como era, como o futebol americano, flag,
rúgbi. E tivemos a oportunidade de jogar.
Sugerem, nesse mesmo sentido, mais aulas diferentes e aulas livres,
além das quatro modalidades tradicionais logicamente, dois meninos sugeriram o futebol:
6M Ensinar outros esportes e dar aulas livres.
11M Poder jogar futebol, basquetebol e voleibol e não
apenas flag, rúgbi e futebol americano.
Filgueiras e Paiano | 211
7M Que deem aula de futebol.
8M Passar futebol.
Apenas dois sujeitos citam como negativo o conteúdo:
11M Praticamos esportes chatos.
17F Na hora de praticar o esporte, era muito cansativo.
Em relação às estratégias e o método, perceberam as aulas como dinâmicas, interativas e que permitiam a participação dos alunos opinando em
relação aos conteúdos:
12M Aulas sempre dinâmicas e cem por cento interativas.
8F A aula era interativa, dinâmica e todo mundo participava, não havia sedentários.
19F Há boa compreensão e atenção por parte do professor
e pode-se opinar, além de trazerem novos esportes.
As opiniões acima revelam algumas características desses adolescentes,
como dinamismo, interesse pelo novo e vontade de fazer parte do processo,
de serem ouvidos, de sentirem-se importantes. Sobre este assunto, Kinijnik
afirma que “o ser está no mundo quando o percebem; a imagem corporal constitui-se e só existe quando o próprio corpo é percebido pelo outro
como arte integrante do mundo” (KINIJNIK, 2003, p. 79).
As aulas teóricas aparecem como ponto negativo, muito provavelmente
por não fazerem parte da cultura dos alunos, ou talvez por fazer com que
eles percam a oportunidade de saírem da imobilidade das carteiras para a
movimentação da quadra:
1F Aulas teóricas.
Para alguns alunos, é necessário ajustar a maneira como as atividades
são explicadas e dimensionar as atividades escolhidas para a aula:
212 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
3F Nem sempre dá tempo de fazer tudo e nem todos
gostam de jogar.
14F – A forma como explicam algumas vezes fica confusa.
Para quem pensa que os adolescentes não podem contribuir com as
estratégias de aula, vejam-se os comentários abaixo, que vão desde a utilização de vídeo até a sugestão de selecionar apenas um determinado conteúdo
ligado à saúde para ser trabalhado.
1M – Utilizar vídeo documentário.
12M Usar materiais concretos para explicação e demonstração do esporte. Reger e direcionar a aula diretamente do corpo e saúde. Ex.: “Com que áreas diretas
o esporte mexe com o nosso corpo?”, “Qual a melhor
forma de exercer e praticar a atividade ou esporte que o
corpo se beneficie de tudo que o esporte oferece?”.
O comentário abaixo, se por um lado revela o interesse no desenvolvimento da matéria, por outro se mostra arraigado a um maneira tradicional
de aprendizado, o registro no caderno para estudar posteriormente, mas também para auxiliar na compreensão:
7F – A matéria teórica passada no caderno, pois com
isso seria mais fácil a compreensão e também melhor
para estudar.
Os comentários sobre a postura dos alunos, futuros professores, pode
auxiliar em muito no processo de formação e de ajuste de estratégias de
aproximação e de controle da turma. Tanto nos pontos positivos quanto
nos pontos negativos, aparecem poucas manifestações, porém, quando pedimos sugestões, muitas delas se referiram à postura.
Como positivo, aparece a animação e o desempenho, e como pontos
negativos, para alguns alunos as brincadeiras podem interferir no andamento da aula, na disciplina ou até mesmo ser mal interpretados. Estes aluFilgueiras e Paiano | 213
nos necessitam de professores mais enérgicos nos momentos de cobrar dos
alunos maior disciplina:
17F Animação e desempenho nas aulas.
9F Continuarem assim dinâmicos e conversando na
nossa língua, tipo sendo professores sem impor autoridade, mas sendo amigos.
3M São brincalhões e na hora de botar ordem não
conseguem direito.
4F Procurar resposta de perguntas que não sabe responder e serem mais durões, brincadeiras no foco certo.
10F Se soltar mais, pois são um pouco tímidos e alguns
precisam de mais paciência.
17F Ser mais chatos em alguns momentos, pois os alunos abusam da bondade deles.
21F Por que são folgados (professores).
7. Considerações finais
As manifestações dos graduandos e dos alunos do colégio nos permitiram perceber as diversas aprendizagens em um projeto interdisciplinar
como este.
Em relação aos graduandos, o fato de terem vivenciado um contexto
real foi percebido como algo muito enriquecedor pelos alunos, permitindo aprendizagens nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal,
uma vez que puderam ter uma noção dos problemas a serem enfrentados
futuramente, adotaram uma postura de professor durante as aulas e aplicaram a teoria na prática, não apenas nas disciplinas envolvidas como
também em outras vivenciadas ao longo do curso. Ministrar as aulas para
os adolescentes no seu ambiente permitiu desmistificar falsas imagens
214 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...
criadas por textos, notícias na mídia ou observações do estágio, propiciando, em alguns graduandos, o desejo e não mais repulsa em trabalhar
com essa faixa etária.
Em relação aos alunos do colégio, eles valorizaram o aprendizado de
nova modalidade, novos conhecimentos, e a postura interessada e descontraída dos graduandos. Como ponto negativo, criticaram as atividades realizadas em sala de aula, talvez por não fazer parte da cultura da escola o
desenvolvimento de algum conteúdo de educação física em sala de aula.
Para nós, significou o desejo ainda mais intenso de continuar a experimentar inovações em nossa prática como formadores de professores de
educação física para a escola básica.
A escola, os educadores e a comunidade devem ser os motores das inovações educativas, e por isso o profissional de educação deve ser encarado
como um agente dinâmico, cultural, social e curricular que toma decisões
educativas, éticas e morais, elaborando projetos e materiais curriculares em
conjunto com os colegas. Ele desenvolve seu profissionalismo ao mesmo
tempo em que contribui para a melhoria da qualidade de atendimento às
necessidades educativas das crianças e das famílias.
A ideia de que a mudança educativa se processa em conjunto com o desenvolvimento da profissão docente, das crianças e da comunidades mostra
a necessidade de uma formação centrada nas situações problemáticas da
instituição educativa por meio de processos de pesquisa que possam impulsionar uma inovação a partir de dentro.
A escola precisa desenvolver a capacidade de adquirir experiência, acumular recursos, construir competências, transformando-se em um espaço
de formação contínua e desenvolvimento pessoal e profissional de seus atores sociais. A formação é, portanto, centrada na escola.
Filgueiras e Paiano | 215
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Filgueiras e Paiano | 217
APRENDER COM A PRÁTICA:
Uma experiência de formação de
professores de educação física
Isabel Porto Filgueiras
Eduardo Vinicius Mota e Silva
Luiz Henrique Rodrigues
O
modo como os professores integram teoria e prática para produzir
intervenções educativas de qualidade tem sido um dos temas relevantes da pesquisa sobre formação de professores (ALARCÃO; 1996; GARCIA, 1999; IMBERNÓN, 2000; PERRENOUD et al., 2001; ALTET, 2001;
THURLER, 2001; TARDIF, 2002). O crescente interesse nesse tema se deve à
necessidade de formar professores capazes de enfrentar os desafios concretos
da educação básica.
A investigação sobre os processos de construção de competências, habilidades e saberes docentes dominou a produção acadêmica das ciências
da educação norte-americana nas últimas duas décadas (TARDIF, 2002).
Esses estudos indicam que o conhecimento mobilizado pelos professores
em sua prática pedagógica não é a aplicação linear de teorias científicas,
mas um processo pragmático e biográfico de integração de saberes teóricos
e práticos: “as relações dos professores com os saberes nunca são relações
estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas” (TARDIF,
2002, p. 17).
Para o autor, a experiência de trabalho é o elemento que dá forma ao
saber do professor. A prática docente amálgama os saberes oriundos dos
diferentes contextos e tempos de formação do professor e garante a reflexividade das práticas pedagógicas.
[...] os professores de profissão possuem saberes específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles
no âmbito de suas tarefas cotidianas. Noutras palavras, o
que se propõe é considerar os professores como sujeitos
que possuem, utilizam e produzem saberes específicos ao
seu ofício, ao seu trabalho. (TARDIF, 2002, p. 228)
Perrenoud (2002) defende a necessidade de pautar a formação docente
pelo estudo dos desafios do cotidiano escolar, pois o trabalho docente acontece em interações e contextos humanos mutáveis e complexos, que precisam ser refletidos desde a formação inicial. O autor propõe a modificação do caráter prescritivo e descontextualizado dos processos de formação
inicial e continuada de professores, incluindo a perspectiva dos próprios
professores sobre a integração entre conhecimento teórico e experiencial.
Nesse sentido, é importante que as universidades formalizem observatórios
das práticas e desafios concretos do cotidiano escolar.
Na área de educação física, alguns trabalhos discutem a produção de
saberes de professores atuantes (NEVES; VERENGUER, 2006; BRACHT
et al., 2003), confirmando o caráter multifacetado do processo de construção de conhecimentos e de integração entre teoria e prática no contexto de
trabalho.
As condições de trabalho do professor de educação física e o contato com o público escolar raramente são abordados durante seu percurso
de formação inicial. A criatividade para resolver problemas como falta de
material e espaço, heterogeneidade dos alunos e organização da prática pedagógica não são tratados adequadamente nos cursos de formação inicial.
A constatação dessa realidade, aliada ao estudo do paradigma do profissional reflexivo e da formação em contexto, levou os autores desta investigação a buscar evidências empíricas sobre a validade de trabalhar os
conteúdos da formação inicial de professores de educação física por meio
da elaboração, aplicação e avaliação de um projeto de intervenção. A intervenção foi idealizada e concretizada por 18 alunos do curso de licenciatura
em educação física, sob a supervisão de três professores das disciplinas de
atletismo, projetos educacionais e avaliação.
220 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
O objetivo da investigação foi compreender a percepção dos alunos sobre suas aprendizagens ao longo de um projeto de intervenção orientado
por professores da universidade que buscavam metodologias de formação
pautadas pela reflexão sobre a prática e a análise contextual.
Schön (1998) foi um dos precursores da formação ed o desenvolvimento profissional do professor a partir da reflexão sobre a prática. Ele introduziu o conceito de reflexão na ação: capacidade de o educador produzir conhecimentos durante sua ação pedagógica. Esse conhecimento é mutável,
adquirido por tentativas, e implica um ponto de vista dialético entre teoria
e prática. Entretanto, muitas vezes os conhecimentos produzidos na ação
são pouco articulados internamente pelos educadores. A formação deve
ajudá-los a realizar a integração.
No projeto de intervenção investigado, os docentes procuraram organizar as atividades de formação para que os alunos experimentassem a produção de conhecimentos por meio da observação dos conhecimentos na
ação mobilizados pelos graduandos para lidar com a organização da prática
pedagógica com o grupo de adolescentes que participavam das aulas de
educação física.
Schön (1998) critica o modelo de formação profissional vigente nas
universidades atualmente, pois ele se fundamenta no racionalismo técnico, ou seja, na aplicação da ciência aos problemas concretos da prática. A
dicotomia entre teoria e prática, presente no racionalismo técnico, leva ao
entendimento da educação como ciência aplicada.
A formação proposta pela racionalidade técnica não prepara os educadores para lidar com situações novas, ambíguas e confusas, que não se resolvem
por soluções lineares. Segundo o autor, as situações educacionais exigem do
educador flexibilidade cognitiva e capacidade de desconstruir o problema aparente para encontrar o problema existente, constituindo o que chama de practicum reflexivo.
A competência de um bom profissional assenta-se no conhecimento
tácito aliado ao conhecimento da ciência e das técnicas, trazendo-lhe uma
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 221
dimensão criativa. Esse conhecimento tácito, construído na prática profissional, precisa ser valorizado na formação de novos profissionais.
Os docentes que orientaram o projeto de intervenção que é objeto de
estudo dessa pesquisa buscavam que os alunos do curso de licenciatura em
educação física pudessem construir conhecimentos experienciais capazes de
mobilizar o interesse pelo estabelecimento das relações entre teoria e prática
e de soluções para os problemas que apareciam ao longo da intervenção com
os adolescentes.
O paradigma do educador reflexivo, preconizado por Schön (1998),
propõe que o professor seja preparado para construir.
Um saber-fazer sólido, teórico e prático, inteligente, e
criativo que permita ao profissional agir em contextos
instáveis, indeterminados e complexos, caracterizados
por zonas de indefinição que, de cada situação, fazem
uma novidade a exigir uma reflexão e uma atenção dialogante com a própria realidade. (ALARCÃO, 1996, p.
14)
A proposta choca-se com currículos normativos inspirados na ciência
positivista, que prega a objetividade e a neutralidade, enquanto os problemas
da prática profissional do educador exigem flexibilidade, estilo pessoal e criatividade para serem solucionados.
O modelo de racionalidade técnica criticado por Shön (1998) é uma
epistemologia da prática profissional derivada da filosofia positivista: entende-se que os profissionais solucionam problemas selecionando meios
técnicos e instrumentais rigorosos oriundos do conhecimento científico de
sua área de atuação. Essa perspectiva supõe uma relação hierárquica entre
o conhecimento científico e a prática profissional.
Entretanto, os desafios profissionais dificilmente se apresentam como
problemas lineares e bem delimitados, mas aparecem como estruturas caóticas e indeterminadas a que o próprio profissional precisa dar forma com
os recursos de que dispõe: “Dependendo de nossos antecedentes disciplinares, papéis organizacionais, histórias passadas, interesses e perspectivas
222 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
econômicas e políticas, abordamos situações problemáticas de formas diferentes” (SCHÖN, 2000, p. 16).
O questionamento da racionalidade técnica está associado a uma crise
de confiança na eficiência da educação profissional. Essa dificuldade é bastante clara no âmbito educacional e se reflete na ideia de que a formação
inadequada do educador é o principal fator dos problemas da escola e da
formação dos alunos. Tal crise tem origem na dicotomia entre a ciência
básica e os contextos concretos da prática profissional. A ideia do talento
nato e mágico para determinadas profissões também contribui para a falta
de confiança nos processos formativos.
No paradigma da racionalidade técnica, um profissional competente é
aquele que soluciona problemas instrumentais utilizando os conhecimentos científicos e as técnicas mais adequadas. Na perspectiva de Shön (1998),
um profissional competente é aquele que utiliza teorias e técnicas da pesquisa sistemática para solucionar problemas da prática. Este profissional
age mais como um pesquisador tentando dar forma a um sistema de ação
que como um especialista com um sistema de ação formado.
A prática profissional é aprendida por meio da iniciação nas tradições
da profissão, mas aprender com a prática não é apenas aprender receitas
instrumentais para solucionar problemas, mas compreender a forma como
profissionais competentes raciocinam sobre situações indeterminadas da
prática.
O projeto pedagógico do curso de licenciatura em educação física da
universidade em que a presente pesquisa foi realizada assenta-se sobre metodologias de ensino que integram a prática como componente curricular,
tal com define a legislação sobre o tema. Segundo as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica no Brasil, “a
prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulada do restante do curso” (RESOLUÇÃO CNE/CP 01/2001). Os três docentes que propuseram a experiência
didática investigada nesta pesquisa seguiram as orientações dessa legislação
e construíram como expectativas de aprendizagem que, ao final do projeto
de intervenção os graduandos deviam:
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 223
◆◆
conhecer o cotidiano de uma instituição educativa e as condições
de trabalho dos professores de educação física;
◆◆
aprender a problematizar a prática pedagógica da educação física
e nela intervir;
◆◆
desenvolver a capacidade de trabalho em grupo e de estabelecer
parcerias para pensar a prática pedagógica;
◆◆
adquirir conhecimentos teóricos em diálogo com as observações
das crianças e adolescentes no contexto escolar em situações de
educação física;
◆◆
aprender a observar e avaliar os alunos;
◆◆
utilizar as teorias adquiridas ao longo do curso para refletir sobre
a prática; e
◆◆
aprender a dinâmica de planejar, observar, registrar, avaliar, refletir e replanejar em suas intervenções pedagógicas.
Shön utiliza a expressão talento artístico profissional para designar a capacidade dos profissionais para lidar com situações únicas, incertas e conflituosas da prática. A aptidão para solucionar um problema nem sempre
vem associada à capacidade de explicar como o problema foi resolvido. Há
uma dimensão do enfrentamento dos desafios profissionais que não é meramente racional.
Há nas ações profissionais do educador um saber implícito, que,
quando descrito, torna-se construção simbólica. Uma mesma ação docente pode ser interpretada por dois educadores de modo diferente.
Conhecer e refletir na ação implica passar da ação à representação para
ampliar as possibilidades de conhecer: “Qualquer que seja a linguagem
que venhamos a empregar, nossas descrições do ato de conhecer na ação
são sempre construções. Elas são sempre tentativas de colocar de forma
explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e
espontânea” (SCHÖN, 2000, p. 31).
224 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
Para Shön, o conhecimento na ação é dinâmico, as teorias são estáticas.
Mas o conhecimento na ação é sempre confrontado com os resultados
da ação, que por sua vez levam ao processo de refletir na ação. São os
resultados inesperados de nossas ações que nos levam a refletir na ação.
A reflexão na ação ainda é um processo no decorrer da prática, não organizado conceitualmente, mas que pode ser apoiado por profissionais mais
experientes.
Alarcão trabalha nessa concepção: “Além dos conhecimentos e da técnica, os bons profissionais utilizam um conjunto de processos que não dependem da lógica mas são manifestações de talento sagacidade, intuição e
sensibilidade artística” (ALARCÃO, 1996, p. 4).
Entretanto, para a autora a reflexão não é uma atividade de análise técnica ou prática, mas integra-se às opções éticas e sociais, está comprometida com valores de construção de uma sociedade mais justa, democrática.
A prática é concebida como o lócus da produção do conhecimento docente
e os educadores, como ativistas políticos cujo processo reflexivo orienta
a tomada de decisões. Em Alarcão se observa a utilização do modelo de
orientação para a prática associada às propostas de formação que defendem
o papel dos educadores no processo de mudança social.
A proposta de Schön salienta a prática como fonte do conhecimento
por meio da experimentação e da reflexão. A prática deve ser orientada por
um formador que dialoga com o formando, mas que também fornece conhecimentos. As principais estratégias de formação do educador reflexivo
nesse paradigma são:
◆◆
experimentação em conjunto observar a atuação, pensar sobre a
atuação em conjunto, planejar novas atuações em conjunto;
◆◆
demonstração acompanhada de reflexão o formador atua como
educador de apoio, demonstrando práticas e processos;
◆◆
experiência e análise de situações homológas;
◆◆
exploração, na situação de aprendizagem, do paralelismo com a
prática profissional, como o educador aprende e como ensina.
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 225
As estratégias formativas que Schön preconiza incluem:
demonstrações acompanhadas de comentários sobre os
processos seguidos, esclarecimentos sobre as contribuições que os vários domínios do saber podem trazer para
o problema e causa, crítica, reapreciação, verbalização
do pensamento como expressão dos processos de reflexão na ação e diálogo com a situação. (ALARCÃO,
1996, p. 21)
Nesse sentido, as estratégias formativas devem estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, facilitar dinâmicas de autoformação participada,
permitir aos educadores apropriar-se dos processos de formação, apoiá-los
em seu desenvolvimento profissional, considerar que os educadores sejam
protagonistas da implementação de inovações educativas, permitir que trabalhar e formar sejam atividades integradas e que os educadores encarem a
sua formação como um processo permanente.
Scarpa (1998) desenvolve algumas estratégias formativas a partir desse referencial: discussão das necessidades formativas, registro do trabalho
pedagógico em um diário pessoal, tematização de situações práticas; sistematização do projeto pedagógico pelas educadoras; parcerias com outras
escolas e instituições de formação, observação e supervisão do trabalho
pedagógico, tematização de vídeos da própria prática de educadores do
grupo ou de outras instituições.
Duarte critica a inserção das ideias de Shön nas pesquisas e a definição
de políticas de formação docente no Brasil, que têm produzido propostas
de formação que desvalorizam o papel do conhecimento conceitual na formação docente e filiam-se ao pragmatismo neoliberal, predominante nas
políticas públicas de educação em nosso país:
De pouco ou nada servirá mantermos a formação de
professores nas universidades se o conteúdo dessa formação for maciçamente reduzido ao exercício de uma
reflexão sobre os saberes profissionais, de caráter tácito, pessoal, particularizado, subjetivo etc. De pouco ou
nada adiantará defendermos a necessidade de os forma-
226 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
dores de professores serem pesquisadores em educação,
se as pesquisas em educação se renderem ao “recuo da
teoria”. (DUARTE, 2003, p. 610)
Arce (2001) afirma que, no Brasil, a influência de autores que valorizam
o conhecimento prático do professor como Nóvoa (1997), Zeichner (1993)
e Perrenoud (1993) tem o risco de camuflar os interesses das políticas neoliberais de educação e o esvaziamento da qualidade conceitual e universitária
da formação docente.
Apoiado nas pesquisas de Luria e Vygotsky, Duarte (2003) defende a
importância do desenvolvimento do pensamento abstrato do professor,
porque o possibilita analisar os episódios da prática de modo crítico. O
professor capaz de pensamento abstrato interpreta o mundo de maneira
mais profunda e completa. Tal forma de pensar é construída no contato
com conceitos científicos, por meio do processo de escolarização.
Destaque-se que a utilização dos modelos de formação docente orientados para a prática necessita de uma discussão mais abrangente sobre os
processos de reflexão.
Macedo (2005), apoiado nos trabalhos de Piaget, argumenta que a prática reflexiva, como todo processo de tomada de consciência, supõe dois
percursos: a interiorização e a exteriorização. O autor apresenta três obstáculos ao processo reflexivo:
◆◆
reconstituir as próprias ações no plano da representação, mesmo
que elas não sejam desejáveis ou positivas;
◆◆
transformar as ações em linguagem;
◆◆
tornar o conhecimento na ação compartilhável e, ao mesmo tempo, criticável.
Para o autor, a reconstituição da prática acontece de maneira mais profunda e crítica se for realizada por estruturas do pensamento abstrato e
conceitos científicos. Por isso, os docentes que organizaram a experiência
didática objeto desta investigação mantiveram o compromisso com as atividades acadêmicas.
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 227
Considerar a reflexão e a autonomia intelectual docente é importante
porque a formação de educadores diferencia-se de outras formações, já que
suporta uma formação dupla (científica e pedagógica). É uma formação de
formadores, o que implica o isomorfismo entre as metodologias de formação e as metodologias ensinadas ao educador (GARCIA, 1999).
Se o educador não é formado a partir da reflexão e da construção da
autonomia intelectual, dificilmente irá desenvolver uma prática pedagógica
que leve seu aluno a ser reflexivo. Só é possível conquistar efetiva autonomia intelectual se o educador domina o universo semântico e conceitual
de sua área de atuação, se compreende as teorias psicológicas, sociológicas,
epistemológicas e metodológicas de sua prática.
Alarcão (1996) mostra haver dois tipos de conhecimento que o educador utiliza em sua prática profissional: o conhecimento gerado na reflexão
e o conhecimento que sustenta a reflexão. Daí a importância de superar a
dicotomia entre teoria e prática na formação do educador, pois é da relação catalisadora entre esses dois conhecimentos que emerge uma prática
reflexiva.
Pérez-Gómez (1992) indica que há duas tendências nas abordagens de
formação orientadas para a prática: a tendência tradicional e a tendência
reflexiva sobre a prática.
Na tendência tradicional, a formação restringe-se à aprendizagem por
tentativa e erro, existindo uma nítida separação e hierarquização entre teoria e prática.
A segunda tendência é considerada mais importante, a base da formação sendo a aprendizagem de modelos de atuação de bons professores.
Para o autor, a atividade docente acontece em um ambiente ecológico
complexo, no qual interagem fatores psicossociais, políticos e contextuais.
O êxito do professor está em sua capacidade de manejar todos esses fatores,
estabelecendo um diálogo constante reflexivo com a prática.
No Brasil, muitas pesquisas, propostas e políticas de formação têm valorizado a experiência do educador como ponto de partida para a formação. No entanto, é preciso cautela quando os termos e conceitos das aborda228 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
gens de orientação para a prática são banalizados e utilizados para esvaziar
propostas de formação de base teórica sólida.
Nesta pesquisa, utilizou-se o conceito de formação em contexto para
propor a experiência didática em questão. Nesta concepção, os professores são considerados ativistas políticos e protagonistas do desenvolvimento
curricular e institucional. A prática é o lócus da produção do conhecimento
docente, mas está articulada à dimensão conceitual.
Lino (2005) classifica o modelo de formação em contexto desenvolvido
em Portugal por Oliveira-Formosinho (1998) na abordagem social reconstrucionista com influências da perspectiva desenvolvimentista de formação
de professores.
Segundo Garcia (1999), as abordagens social-reconstrucionistas mantêm estreita relação com as abordagens orientadas para a prática. No entanto, defendem a reflexão do educador não como atividade meramente
técnica ou prática, mas uma ação comprometida ética e socialmente.
Essa tendência busca superar os enfoques tecnológicos, funcionalistas
e burocratizantes da formação de educadores, desenvolvendo um caráter
relacional, dialógico, cultural-contextual e comunitário no qual a escola, os
educadores e a comunidade são os agentes das inovações educativas.
Nesse sentido, o desenvolvimento profissional dos educadores é um nó
estratégico da melhoria da qualidade da escola:
Desde o fracasso das grandes reformas educativas da
década de 70 e 80, há um apelo na literatura à consignação dos fatores pessoais e sociais no desenrolar dessas
reformas, ou seja, aos aspectos de adoção e formação
local das políticas educativas e, portanto, à importância
dos fatores sociais, o que significa que essas reformas só
são efetivas se apropriadas e se inserirem num processo
de desenvolvimento profissional. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 1998, p. 5)
A formação é encarada como um processo coletivo (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 1998), pois é no processo de interformação (educadores
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 229
e educadores, educadores e alunos, educadores e pais) que se produzem
aprendizagens significativas para as mudanças práticas, curriculares e institucionais.
A formação em contexto está comprometida com a emancipação dos
educadores e educadoras e visa à construção de conhecimentos que lhes
possibilite a autoria da própria prática. Para atingir esse objetivo, propõe a
integração entre conhecimento estruturado e conhecimento experiencial
(OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002).
A proposta da formação em contexto está orientada para o impacto real da formação dos educadores sobre as aprendizagens das crianças.
Preocupa-se com os processos, defendendo a participação dos educadores
no planejamento e na operacionalização da formação. Busca a construção
de conhecimentos docentes na relação dialética entre prática e teoria. Está
centrada na reflexão coletiva sobre a prática, no apoio mútuo e na aprendizagem de processos cognitivos para a contínua reflexão (metacognição).
Os projetos de formação em contexto partem de um problema concreto e têm como objetivo melhorar os métodos de ensino, as relações com a
família, a estruturação do currículo por meio do trabalho em equipe, da
leitura, da discussão das práticas, da observação e do treino aspectos que
foram considerados pelos docentes que participaram desta investigação.
1. Descrição da pesquisa
Havendo dificuldade de se propiciar, na formação inicial de professores
de educação física, vivências supervisionadas em ambiente real de intervenção (escolas), principalmente no período noturno, resolveu-se desenvolver
o projeto interdisciplinar Meu Corpo e seus Recordes em uma instituição
social parceira do curso.
Aproveitando o fato de atuarem com alunos da última etapa do curso e as possibilidades de integração de suas disciplinas (teoria e prática
do atletismo II, projetos educacionais II e avaliação do processo ensino
230 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
-aprendizagem), no início do segundo semestre letivo de 2009 os professores realizaram reuniões e troca de e-mails para planejar o projeto.
Seu principal objetivo era colocar em prática a concepção de formação
docente a partir da reflexão sobre a prática e da solução de problemas.
Após esse planejamento prévio, o projeto foi apresentado aos alunos, que
participaram ativamente da construção do planejamento do projeto de
intervenção.
O projeto em si tinha como pano de fundo os grupos de provas da
modalidade atletismo salto, corrida e arremesso e lançamento. A opção
pela modalidade se deu, além das possibilidades dadas pela convergência
nos horários das disciplinas, pela tentativa de se superar uma visão bastante
arraigada entre os professores de educação física de que o ensino desta modalidade só pode ocorrer se houverem condições ideais, ou seja, em uma
pista de atletismo e com seus materiais oficiais (FREITAS JÚNIOR, 1994;
MATTHIESEN, 2005, 2007).
As atividades do projeto foram realizadas em uma quadra coberta e
em um salão coberto, localizados na instituição social. Participaram das
atividades 25 adolescentes abrigados na instituição em questão, com idades
entre 11 e 14 anos. No total, roram realizados cinco encontros com duas
horas de duração cada. O programa era dividido em dois momentos: uma
hora de atividades em sala de aula, visando à aprendizagem de conteúdos
conceituais do atletismo, e uma hora de vivência corporal, em quadra, sobre as principais provas do atletismo. A opção por esta divisão clássica do
tempo se deu apenas por motivos de logística, pois concomitantemente a
este projeto outro grupo trabalhava com as crianças menores e a instituição
não possuía outro espaço para realização das atividades que contassem com
iluminação artificial. Após as atividades com os adolescentes, os graduandos discutiam e avaliavam a prática realizada com a supervisão de um dos
docentes.
A contribuição das discussões relacionadas à avaliação do processo de
ensino e aprendizagem se deu por meio do diálogo entre o apoio conceitual
da disciplina e a necessidade de fazer escolhas e aplicar instrumentos de
avaliação de diferentes naturezas para compreender as mudanças expresFilgueiras, Silva e Rodrigues| 231
sadas pelos alunos envolvidos no programa de atividades. Dois momentos
complementares foram alvo das reflexões: a avaliação diagnóstica e a avaliação processual.
Cada encontro semanal teve uma temática específica. Os temas foram:
◆◆
conhecendo meus recordes;
◆◆
corridas;
◆◆
saltos;
◆◆
arremessos e lançamentos; e
◆◆
testando meu corpo na pista de atletismo.
Este último encontro foi realizado em uma pista de atletismo localizada
no município de Barueri.
Uma das formas encontradas para verificar o impacto do projeto na formação dos 35 alunos envolvidos foi a realização de um questionário composto por dez questões abertas, elaboradas pelos professores-pesquisadores
e respondido por 18 alunos. As respostas obtidas foram tratadas por meio
da técnica de análise de conteúdo e são apresentadas e discutidas abaixo.
2. Resultados e conclusões
A análise de conteúdo dos questionários respondidos pelos alunos ao
final do projeto revela que 39% dos alunos enfatizaram a aprendizagem do
processo de planejar, executar, avaliar e replanejar o projeto de intervenção
como uma das aprendizagens relevantes do projeto. Os trechos transcritos
abaixo ilustram os registros escritos dos graduandos nesta categoria.
Aprendi a montar o projeto pensando na interdisciplinaridade e focando todas as áreas, conceitual, procedimental e atitudinal.
Aprendi como elaborar uma proposta pedagógica condizente à realidade dos alunos; a necessidade de ade-
232 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
quação de estratégias e materiais; aplicação e adaptação
da teoria na prática; desenvolvimento de técnicas metodológicas de como trabalhar a competência leitora
e escritora; reflexão sobre a construção e aplicação do
projeto, por meio do fornecimento de feedbacks dos
professores e dos próprios alunos.
Uma parcela dos graduandos (22%) ressalta que a experiência do projeto de intervenção possibilitou a integração entre teoria e prática:
Acredito que o fato de colocar em prática um projeto
que foi discutido em sala é algo muito bom, pois vivenciar uma realidade com tanta diversidade nos faz
repensar e rever vários conceitos aprendidos nas disciplinas.
A aprendizagem prática na minha visão é muito melhor,
pois você encara a realidade, enfrenta e soluciona problemas.
As aprendizagens foram diversas, porém a mais relevante sem dúvida foi a saída de um contexto teórico
para um contexto efetivamente prático.
Foi importante poder colocar em prática o conteúdo de
leitura e escrita que tivemos na disciplina de projetos.
A análise desses dados indica que o projeto de intervenção obteve resultados positivos para a aprendizagem dos conteúdos da disciplina de projetos educacionais II e para a integração de aspectos teórico-práticos das
disciplinas de atletismo e avaliação. Estes resultados confirmam as hipóteses
do referencial teórico utilizado no planejamento do trabalho dos docentes
universitários e na condução do projeto de intervenção com os adolescentes.
Os dados indicam que os alunos perceberam que a reflexão sobre a prática
promove aprendizagens significativas na própria formação.
Os alunos (13%) também destacaram as aprendizagens relacionadas à
disciplina de atletismo, como indicam os trechos transcritos abaixo.
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 233
Aprendi que os conceitos, procedimentos e atitudes da
modalidade atletismo poderão ter uma relação também
com outras disciplinas.
O projeto possibilitou aprendizagem dos conteúdos na
prática, a história do atletismo, as vestimentas das épocas, a evolução dos materiais utilizados e a avaliação do
processo ensino-aprendizagem.
Aprendi os conteúdos de atletismo (corridas, saltos e
arremessos).
Uma parcela menor das respostas ao questionário (9%) apontou a capacidade de trabalhar em grupo como algo relevante da experiência ao longo do projeto de intervenção. Um dos graduandos relata: “aprendi com os
erros e acertos de meus colegas e também, é claro, com os meus”. Segundo
a perspectiva de formação em contexto adotada nesta pesquisa, a formação
docente beneficia-se de processos coletivos de construção de saberes que
poderiam ter sido mais enfatizados pelos docentes universitários ao longo
do projeto de intervenção.
O questionário instigou os alunos a relatarem suas opiniões sobre a
perda ou não dos conteúdos acadêmicos pelo fato de os docentes terem
substituído algumas das aulas teóricas pela experiência do projeto de intervenção. Em relação a essa questão, eram 44% os alunos que indicavam não
haver perda de conteúdo com o desenvolvimento do projeto, enquanto 45%
consideraram que houve perda, principalmente na disciplina de atletismo,
especialmente porque deixaram de vivenciar algumas provas de atletismo.
O fato de um número considerável de alunos relatar que houve perda
de conteúdo na disciplina atletismo pode ser compreendida porque, em
virtude do projeto, três conteúdos clássicos da modalidade (salto com vara,
lançamento do disco e do martelo) não terem sido vivenciados como tradicionalmente o são, ou seja, com os próprios graduandos fazendo o papel
de alunos. Apesar de esses conteúdos terem sidp tratados conceitualmente,
parece que esse grupo de alunos não percebeu que mais importante que
aprender a executar as provas é aprender a ensiná-las dentro de um contexto real de atuação do licenciado.
234 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
Observa-se que 11% dos alunos indicaram que a perda de conteúdo foi
superada pela oportunidade de vivência prática do projeto:
Por estarmos em uma graduação, sempre irão existir assuntos que serão mais explorados que outros [...] acredito que foi uma escolha vivenciarmos o que era mais
importante naquele momento.
A parte prática de alguns conteúdos foi deixada de lado
por causo do projeto, porém a prática que tivermos no
projeto compensou [...] pois tivemos a percepção de
como será nossa vida profissional em escolas estaduais.
Sobre a utilização de conhecimentos de outras disciplinas, 67% dos
alunos afirmaram utilizar conceitos de disciplinas que não estavam diretamente envolvidas no projeto, especialmente aquelas ligadas à prática da
intervenção na faixa etária atendida.
Este dado indica novamente que a reflexão sobre a própria prática é uma
estratégia eficaz para a formação inicial de professores, como defendem os
autores presentes no referencial teórico da investigação. Os dados mostram
o potencial dos projetos de intervenção para a mobilização e transposição
didática de conceitos na formação de professores, especialmente em relação
às disciplinas de prática de intervenção
Em sua maioria (78%), os alunos não utilizaram conhecimentos não apresentados na Universidade para solucionar os desafios do projeto de intervenção. Os trechos abaixo ilustram a escrita dos graduandos sobre esse tema:
Os conteúdos da minha formação serviram de suporte
para a formulação do projeto.
A bagagem que temos deu para montar um projeto
bom.
Acredito que o curso nesta grade é adequado e completo a licenciados, pois além de trabalhar a parte biológica
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 235
e a parte esportiva, essenciais na educação física, abrange profundamente questões pedagógicas e educacionais,
que completam a formação e trazem grande diferencial
em relação à grade antiga para quem deseja trabalhar em
escola.
Em 22% das repostas dos alunos ao questionário há registros dos conhecimentos que precisaram utilizar na intervenção de conteúdos e que
não foram abordados nas disciplinas da universidade como criar e adaptar
atividades ao contexto:
Tivemos que montar um tabuleiro de jogo, montamos
um vídeo [...] isso foi importante para abrimos o leque
de possibilidades e de maneiras de trabalhar um projeto.
A criação de cartazes referente à colagem e escrita para
dar início ao projeto.
Esses resultados apontam que o curso frequentado pelos graduandos
abrange conhecimentos para a intervenção profissional de maneira adequada, mas é preciso inserir conteúdos, competências e habilidades dos
graduandos para produzir materiais didáticos que envolvam aprendizagens conceituais e com recursos de leitura e escrita nas aulas de educação
física.
Os alunos atribuíram a importância do projeto a dois fatores: perceber o
envolvimento e o desenvolvimento do público alvo (44%) e aprimorar conhecimentos sobre a prática profissional (56%):
Foi gratificante ver a felicidade deles quanto estávamos
lá.
O interesse das crianças em participar, isso foi fundamental.
A oportunidade de testar nossos conhecimentos, de
aprimorá-los e o fato de termos oportunizado esta vivência às crianças da associação, contribuindo para seu
desenvolvimento e ampliando seu repertório motor.
236 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
Considero importante discutir o que ocorreu lá, como
foi o final de cada dia, apontar os pontos fortes e fracos e melhorá-los. Enfim , o conjunto das funções de
planejar, aplicar, avaliar e planejar novamente de acordo
com as detecções de pontos fortes e fracos, mudanças de
estratégias, buscando melhorar a prática docente.
Possibilita ao educador conhecer a realidade das crianças.
O mais importante foi perceber o envolvimento das
crianças durante o projeto. Essa aceitação nos fez aplicar o projeto com mais dedicação, pois tivemos certeza
de que os alunos iriam participar e que os conhecimentos adquiridos seriam significativos para o decorrer do
seu desenvolvimento.
Segundo Tardif (2002), o envolvimento afetivo com os adolescentes e
a percepção do sucesso das próprias intervenções é uma das dimensões
significativas da formação docente. Atuar concretamente como professores
possibilitou que os graduandos se envolvessem mais com o próprio processo de aprendizagem.
As principais dificuldades enfrentadas pelos graduandos no decorrer
do projeto referem-se a questões de gestão de aula e como lidar com o comportamento dos adolescentes (53%):
A grande dificuldade foi no início das atividades, quando as crianças se encontravam em estado de ansiedade
e tivemos pequenos problemas com o comportamento.
A grande dificuldade foi ter um controle dos alunos,
pois foi um primeiro contato, os grupos seguintes tiveram mais facilidade.
A dificuldade de professores iniciantes com a gestão de aula é um fenômeno já identificado por autores como Garcia (1999).
A dificuldade com os materiais e espaços da instituição também foi
apontada pelos graduandos (35%):
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 237
Houve um pouco de dificuldade em relação aos materiais (principalmente transporte).
A adaptação dos materiais, falta de estrutura adequada,
falta de recursos materiais, por exemplo, nós gostaríamos de ter passado um vídeo aos alunos, mas não foi
possível devido à ausência do aparelho de DVD no momento do projeto.
A percepção dessa dificuldade foi debatida pelos professores universitários como um fator positivo para a reflexão dos alunos, pois as escolas
públicas em que muitos dos graduandos irão atuar também apresentam dificuldades quanto aos espaços e materiais.
Uma parcela de 12% refere-se à dificuldade de entrosamento e envolvimento dos graduandos ao longo do projeto. Um dos relatos sobre esse
aspecto foi: “Os outros alunos poderiam ter ajudado mais em nossa aula.”
Essa percepção implica a percepção dos desafios do trabalho em grupo,
também tematizada como um dos problemas do trabalho docente nas escolas públicas brasileiras.
Todos os alunos concordaram que o maior benefício do projeto foi para
o desenvolvimento e a ampliação cultural dos adolescentes abrigados. Os
graduandos citaram também a satisfação em trabalhar em uma instituição
social e a possibilidade de os professores universitários aprenderem a trabalhar com um projeto dessa natureza.
A maioria dos alunos (85%) fez sugestões para o projeto, contra 17%
que nada sugeriram. As sugestões se relacionaram à realização de mais
projetos com essa natureza envolvendo outras disciplinas e modalidades
esportivas (54%), realizar o projeto nas dependências da universidade para
utilização de melhor infraestrutura de espaços e materiais (23%) e diminuição do tempo de aula com as crianças para aumentar o tempo de debate
sobre o trabalho desenvolvido (23%):
As aprendizagens foram possibilitadas devido à prática;
o contato com a realidade, com as crianças e com os
alunos. Durante a construção, aplicação da proposta e
posterior avaliação juntamente com o professor e com
238 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
os colegas pudemos nos avaliar e modificar as aulas. Na
disciplina de projetos aprendemos a considerar a realidade dos alunos (suas necessidades, relacionar os conhecimentos do projeto ao cotidiano dos alunos); considerar
a realidade da instituição (espaço, tempo, horário, adesão e envolvimentos dos alunos, adaptação e transporte de materiais); preocupação com o desenvolvimento
das habilidades escritora e leitora (por meio de rodas
de conversa, exposição de vídeos, imagens e da criação
de jogos), da descrição oral de suas vivências, confecção
de cartazes, leitura das instruções para jogar; conceito e
aplicabilidade da interdisciplinaridade. Na disciplina de
avaliação: construção de um roteiro de avaliação, como e
por que avaliar, avaliação qualitativa e individual. Na disciplina de atletismo: adaptação de materiais à realidade
da instituição e dos alunos; aplicação dos conhecimentos produzidos na faculdade, conceitos sobre a história
do atletismo, técnicas de execução dos movimentos de
forma adaptada para compreensão e vivência dos alunos.
Os graduandos puderam, além de trabalhar o planejamento, também observar e sentir as dificuldades pertinentes à profissão.
Acredito que vocês professores que nos proporcionaram tamanha experiência poderiam levar esse modelo
para outras disciplinas.
Os resultados indicam que os graduandos percebem que a vivência
prática garante aprendizagens significativas da formação inicial, pois possibilita vivenciar o ciclo planejar, intervir, observar e reavaliar a própria
intervenção e a dos colegas sob orientação dos professores da universidade; perceber o feedback positivo dos adolescentes; e envolver-se com as
próprias aprendizagens, motivados pelo desejo de realizar um bom trabalho com os adolescentes.
Estes resultados reforçam a relevância de projetos desta natureza na
formação inicial de professores de educação física para a escola básica.
Filgueiras, Silva e Rodrigues| 239
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242 | Aprender com a Prática: Uma experiência de formação ...
MOSTRA DE ATIVIDADES RÍTMICAS
E GINÁSTICA:
A Experiência de Aproximar
Diferentes Disciplinas
Denise Elena Grillo
Edilson Pichiliani
Olavo Dias de Souza Junior
Marcos Merida
Raul Alves Ferreira Filho
N
o campo da aprendizagem, apesar das muitas tentativas inovadoras,
estamos acostumados a ver propostas tradicionais. Em um processo
de ensino e aprendizagem tradicional, observamos o seguinte movimento: um
professor ensina, o aluno escuta, faz anotações e, por fim, é testado em prova.
Contudo, sabemos que a melhor maneira de aprender, além de ouvir o professor, é fazer com que o aluno pesquise e elabore seu próprio conhecimento,
fazendo com que ele construa sua própria “autonomia de aprender” (DEMO,
2001).
Masetto (2002) afirma que o papel do professor universitário não é apenas ensinar para o aluno responder, mas sim contribuir para que realmente
o aluno tenha uma aprendizagem significativa. Para isso, os alunos devem
participar das aulas e realizar atividades motivadoras e interessantes. Também afirma o autor que para incrementar as aulas os professores devem
desenvolver projetos diferenciados. De acordo com Anastasiou e Alves,
uma estratégia é “explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis,
com vista à consecução de objetivos específicos” (ANASTASIOU; ALVES,
2003, p. 68). Profissionais compromissados com a aprendizagem signifi-
cativa criam, estudam, experimentam e empregam novas estratégias para
alcançar essa “autonomia do aprender”. Nesse sentido, Duarte (2001) acrescenta a importância de um aluno desenvolver um método de aquisição,
elaboração, descoberta, reconstrução e construção de conhecimentos. Para
tanto, professores podem utilizar diversas estratégias. Relataremos a seguir
uma experiência universitária que envolveu professores e graduandos procurando estratégias para estimular uma aprendizagem significativa, uma
atividade que os colocasse diante do desafio de construir uma apresentação
de ginástica. O objetivo era que, a partir dessa experiência com a ginástica,
fosse possível contribuir para a preparação de profissionais de educação física capazes de construir e avaliar sua prática profissional com competência
e autonomia.
Surgia, assim, a primeira edição de um evento que se tornaria, em uma
universidade particular, a Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas, idealizada inicialmente por duas disciplinas na intenção de unir as apresentações/demonstrações de alguns alunos em um só momento, e proporcionar
um encontro interno do curso de educação física. Essa que foi uma das
primeiras iniciativas de integração entre disciplinas no curso de educação
física dessa universidade, hoje é parte da história desse curso. O objetivo
deste texto é apresentar essa história, as experiências e alguns resultados
desse evento.
1. O evento
A Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas é um evento realizado
semestralmente no qual estudantes da 1ª à 4ª etapa do curso apresentam
coreografias, dramatizações ou outras formas de expressão artística. Essas
apresentações são utilizadas pelos professores para avaliar a aprendizagem
dos alunos durante o semestre, sendo parte dos requisitos para aprovação
em determinadas disciplinas do curso. O evento foi realizado com o envolvimento de duas disciplinas de atividades rítmicas e de ginástica, na intenção de que as apresentações dos graduandos ao final de cada semestre, com
caráter avaliativo, ocorressem em um espaço comum. Assim, os alunos teriam espectadores para suas apresentações.
244 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
Na disciplina de ginástica, os alunos têm contato com o desenvolvimento das habilidades motoras básicas, específicas, e as qualidades
físicas também, são abordadas. Os alunos iniciam a compreensão em
relação às técnicas de locomoção, variação de direções e trajetórias, exploração dos planos do movimento e formação de figuras elementos
fundamentais na elaboração das séries de ginástica geral apresentadas e
avaliadas ao final do semestre.
Para a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), a ginástica geral
é a parte da ginástica que está orientada para o lazer, desenvolve a saúde, a condição física e a interação social, dessa forma contribuindo para o
bem-estar físico e psicológico de seus praticantes. Oferece um vasto campo
de atividades, respeitando as características, interesses e tradições de cada
povo, expressados por meio da variedade e da beleza do movimento corporal. Seus objetivos são promover o valor e a diversidade da ginástica para
a população; oportunizar a participação do maior número de pessoas em
atividades físicas, de lazer, fundamentadas nas atividades gímnicas, independentemente de idade, sexo ou habilidade; oportunizar a autossuperação
individual, intercâmbio sociocultural entre os participantes, o trabalho coletivo; integrar várias possibilidades de manifestações corporais às atividades gímnicas; oferecer eventos de beleza (apresentações) sem preocupação
com desempenho.
Ayoub (2003) acrescenta ainda que a ginástica geral, também denominada ginástica para todos, favorece a integração social e proporciona situações
para o desenvolvimento de sua capacidade de decisão e de ação, visando à
autonomia dos alunos, fazendo-os observar a responsabilidade de compartilhar no processo educativo.
São exatamente esses os valores observados pelos professores ao longo
do desenrolar da disciplina e pelos alunos da 2ª etapa em uma demonstração de step (Figura 1).
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 245
Figura 1. Alunos da 2ª etapa em apresentação valorizando as formações utilizando
o material step.
Na disciplina de atividades rítmicas são apresentadas as características
de ritmo, tipos e funções gerais, assim como a relação com a música - movimento; noções de espaço - utilização de materiais manuais e os aspectos
relevantes nas práticas pedagógicas e profissionais. Os alunos também são
levados a perceber que somente em termos de análise se podem observar os
diferentes tipos de ritmo (universal, sociocultural, situacional, grupal, individual e do movimento) que são propostos por vários autores e funcionam
integrados e de forma simultânea. As aulas são elaboradas no sentido de
permitir que o aluno expresse a percepção do fenômeno rítmico e o entendimento dos conceitos por meio dos movimentos corporais.
Os alunos fazem a análise dos efeitos do ritmo e da música em relação
ao movimento. Segundo Haas e Garcia (2003), essa relação produz melhorias, pois facilita a expressão total e autêntica, a economia do movimento,
o reconhecimento da mecânica do movimento e a coordenação motora,
estimulando a economia do trabalho, afastando a fadiga na atividade do
executante, pois produz prazer e reforça a memória motora.
A partir dos objetivos das duas disciplinas citadas acima, os alunos são
incentivados a criar rotinas de apresentação (Figura 2), discutindo seus
conceitos, objetivos e benefícios, bem como a sua aplicabilidade nos apro246 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
fundamentos bacharelado e licenciatura, sempre levando em consideração o desenvolvimento biopsicossocial de seu aluno. E, é a partir daí que
são incentivados a montar os trabalhos práticos e avaliativos.
Figura 2. Alunos da 4ª etapa desenvolvendo atividade rítmica criativa.
O primeiro evento foi elaborado pelos próprios professores das duas
disciplinas envolvidas, que discutiram com os alunos que as apresentações seriam compartilhadas com outras turmas. A reação foi boa, os
alunos concordaram em organizar o evento. Fizeram as inscrições dos
grupos, registraram os temas que seriam abordados, organizaram a seleção das músicas utilizadas e não deixaram de lado a decoração, como
flores na entrada do ginásio.
O segundo evento, no semestre seguinte, aconteceu da mesma maneira,
mas com a participação de mais uma disciplina: bases biológicas aplicadas à
educação física. O professor responsável por esta disciplina buscava novas
estratégias para avaliar seus alunos e viu na ginástica uma forma de estimular a aprendizagem e valorizar outras formas de expressão do conhecimento, além da escrita. Surgiu então uma ideia diferente, não tradicional, com
a intenção de motivar os alunos a estudar detalhes dos temas abordados na
disciplina de biologia.
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 247
A disciplina de biologia é tradicionalmente conhecida por abordar
temas áridos e distantes do cotidiano imaginado pelos graduandos em
educação física. O foco interdisciplinar foi um dos fatores de motivação
para um melhor desempenho acadêmico. Os conteúdos da biologia celular, molecular e histologia necessitam de uma abordagem técnica, prática
e inovadora para evitar o desinteresse e o consequente fracasso na aprovação na disciplina. A partir da motivação integral entre direção, professores, coordenadores e alunos, foram desenvolvidos momentos e práticas que aglutinassem a aplicação de conteúdos clássicos da biologia em
apresentações de ginástica e atividades rítmicas. Durante um semestre, os
alunos formavam seus grupos de estudos e de aulas práticas, que se transformaram em grupos de apresentação, a partir de temas como “contração
muscular em nível molecular”, “histologia do tecido sanguíneo”, “regeneração de tecidos ósseos e cartilaginosos após fraturas”, “hematose em vasos capilares”, ou ainda “ação de neurotransmissores na sinapse nervosa”
(Figura 3). Cada equipe formada deveria dividir a construção de sua apresentação em dois pontos focais. Por um lado, deveriam ser observados
os principais aspectos biológicos do assunto escolhido e apresentados os
conceitos discutidos em sala de aula e posteriormente aprofundados nas
bibliografias recomendadas. O segundo aspecto visava à criatividade e a
plasticidade, ou seja, como utilizar os conceitos da disciplina de ginástica
de maneira correta e padronizada. Neste momento, com orientação dos
professores de ginástica e atividades rítmicas, os alunos iam compondo
as rotinas com movimentos envolvendo as habilidades motoras básicas
e específicas (movimento de maior dificuldade), utilizando diferentes
técnicas de locomoção, variação de direções e trajetórias, exploração dos
planos do movimento e formações de figuras, observando a utilização de
materiais, ritmo, escolha adequada da música. Para exemplificar a importância dessa orientação, em alguns momentos era necessário que o professor lembrasse aos alunos que a representação corporal de um batimento cardíaco necessitava do acompanhamento de uma música adequada,
que não poderia ser muita rápida e frenética.
248 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
Figura 3. Alunos da 2ª etapa, da disciplina de biologia, representando “neurotransmissores na sinapse nervosa”.
Dessa maneira, na disciplina de biologia surgiram contribuições que
acabaram surpreendendo a cada semestre, como a utilização de objetos: fitas de ginástica rítmica para representar uma troponina, massas de ginástica rítmica representando células, cama elástica para mostrar a deformação
da cabeça de actina II, bolas na forma de hormônios, e muitos outros.
A real incorporação dos fatores biológicos se deu quando os atores
(alunos), além de representar moléculas, células e ações histológicas, uniformizaram-se a caráter. Tais ações transcenderam a simples união entre
disciplinas para uma apresentação e indicaram a real integração de conteúdos, visando muito mais que um compromisso com mais um componente
da avaliação, e também indicaram os novos rumos no desenvolvimento de
unidades temáticas entre disciplinas em princípio tão distantes.
E o mais intuitivo para a percepção de um diagnóstico positivo foi notar que as equipes já inovaram dentro do próprio formato proposto, ou seja,
alunos investindo não apenas na sugestão inicial, mas criando novas ações
como a utilização de outras disciplinas para a integração dos conteúdos.
Já surgiram times para uma apresentação de ações moleculares da contração muscular utilizando movimentos como rolamentos, saltos, golpes
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 249
de artes marciais e/ou utilização de técnicas da disciplina jogos e recreação
para criar atividades de movimentação dinâmica envolvendo os conteúdos
da anatomia humana e da biologia celular. Dessa forma, os alunos têm a
oportunidade de escolher temas que utilizem os conceitos e conteúdos estudados ao longo do semestre e incorporem o desenvolvimento de novas
possibilidades de ação interdisciplinar.
Para os professores envolvidos, o objetivo da mostra é promover maior
integração entre as disciplinas envolvidas. No caso da biologia, a atividade
facilita a sedimentação dos conteúdos entre outras disciplinas, além de possibilitar a observação, a análise, a interpretação e a discussão dos diversos
processos histofisiológicos relacionados à atividade física.
Ao longo dos anos, algumas outras disciplinas, com suas técnicas e conteúdos, vieram colaborar para a mostra. Como exemplo, pode-se citar a
iniciativa de dois alunos da disciplina de ginástica artística, que sugeriram
ao professor responsável que poderiam participar do evento com uma apresentação envolvendo o conteúdo desenvolvido em aula. E assim aconteceu:
a dupla desenvolveu uma série de ginástica artística de solo com música
apresentada no evento.
Dentre as várias manifestações ginásticas por exemplo, aeróbica, acrobática, geral e rítmica , a ginástica artística (GA) se caracteriza principalmente pela utilização de grandes aparelhos distintos para cada gênero. Os
aparelhos femininos, seguindo a ordem olímpica para competições, são
mesa de salto, paralela assimétrica, trave de equilíbrio e solo com música.
Para o masculino, também na ordem olímpica, temos o solo sem música,
cavalo com alça ou arções, argolas, mesa de salto, paralelas simétricas e a
barra fixa. A partir da primeira apresentação no evento, outras apresentações de GA no solo surgiram com suas séries independentes ou inseridas
em outras apresentações de ginástica geral ou atividades rítmicas. Mesmo
as apresentações de biologia utilizam eventualmente conteúdos da GA.
Nunomura et al. (2009) observam que a GA pode proporcionar ao indivíduo melhores condições para a superação de obstáculos como a timidez
e estrutura para lidar com emoções como o medo, entre outras situações de
250 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
ensino fundamentais na formação do ser humano, por solicitar constantemente capacidades condicionais e coordenativas, acrescidas da diversidade
de habilidades motoras exigidas em diferentes aparelhos. Some-se a isso o
fato de essas habilidades serem apresentadas e observadas por outros alunos,
colegas e professores do curso de educação física, considera-se um grande
desafio a tentativa de rompimento de algumas barreiras para nossos alunos
em geral, como a da timidez, a da consciência de suas habilidades específicas
e da evolução dessas habilidades.
Também a disciplina marketing em educação física e esporte passou a
envolver seus alunos no evento. Assim, o professor responsável pela disciplina sugeriu que os alunos organizassem a mostra, desde as inscrições,
com documentos elaborados pelos próprios alunos, organização em relação ao uso de materiais, reserva de espaço (ginásio), decoração, microfone,
som e até a solicitação de funcionários da universidade para trabalharem na
mesa de som e serviços gerais. Considerando que temos a participação de
aproximadamente 120 graduandos na mostra, a demanda de detalhes que
devem ser organizados é grande.
Um dos detalhes importantes é em relação às vestimentas utilizadas
pelos alunos (Figura 4). Neste caso, os professores checam a seriedade do
figurino, evitando roupas que não dizem respeito ao tema abordado pelo
grupo.
Outro detalhe é a observação, por parte dos alunos organizadores e
professores, da qualidade das músicas escolhidas, que devem ser relacionadas aos temas escolhidos e de modo algum fazer qualquer alusão a temas
ilícitos ou que induzam a má conduta.
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 251
Figura 4. Vestimenta utilizada pelos alunos.
No ano de 2010, houve a décima edição desse evento que conta inclusive com a presença de grupos convidados de outras instituições (Figura 6) e
acontece no final de cada semestre. Hoje, o evento faz parte das atividades
do curso de educação física e é esperado por todos, semestralmente, de
acordo com depoimentos dos alunos e professores da instituição.
252 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
Figura 5. Grupo de dança convidado, com a participação de uma das
alunas do curso.
Atualmente, duas outras disciplinas começam a participar do evento,
ampliando a integração disciplinar proposta.
A disciplina de sociologia tem como proposta apresentar aspectos da
história da educação física, seguindo as regras de exploração espacial, formações e ritmos adequados vindos das disciplinas de atividades rítmicas e
ginástica.
Já a disciplina de educação física para pessoas com necessidades especiais faz a apresentação de uma música expressa na linguagem de libras.
O Grupo de Ginástica Geral (GGG) da universidade (Figuras 6 e 7)
sempre participa do evento com uma apresentação. Professores responsáveis afirmam que o evento passou a ser um estímulo para o grupo elaborar
novas séries a cada semestre, como podemos ver nas fotos abaixo.
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 253
Figura 6. Grupo de Ginástica Geral.
Figura 7. Grupo de Ginástica Geral.
254 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
2. Alguns resultados observados
2.1 Os alunos
Foi selecionado um grupo de aproximadamente 30 alunos que participaram da mostra por dois semestres consecutivos, que responderam algumas questões relacionadas ao evento.
Os resultados obtidos nos apontam de uma maneira geral que essa atividade foi uma estratégia bem aceita e aplicável entre os alunos.
Em relação às dificuldades enfrentadas, os alunos apontaram falta de
tempo, pois a atividade foi elaborada em época de avaliações e sugeriram
inclusive que ela poderia ser elaborada sem o objetivo de avaliar, mas apenas uma estratégia para o aprendizado.
Os alunos apontaram também dificuldades encontradas quando havia
ausência de alguns alunos, e que de alguma maneira esse foi um incentivo
às presenças em aulas, no sentido de haver, a partir da atividade, maior espírito de colaboração no grupo.
No caso das apresentações de biologia, os alunos elaboraram um texto
para que o professor pudesse conferir ou apontar possíveis erros de conteúdo. O próximo passo foi procurar os professores de ginástica geral, ginástica artística e atividades rítmicas para que pudessem, respectivamente, escolher materiais e elaborar a série, incluir movimentos específicos da ginástica
artística, escolher adequadamente a música e os ritmos que utilizariam.
Os alunos ainda afirmaram que a atividade facilitou o aprendizado do
conteúdo de biologia, ou seja, revelaram haver uma boa assimilação do
conteúdo, que foi estudado e interpretado de maneira descontraída, além
de desenvolver e aplicar os conteúdos das outras disciplinas, e se surpreenderam com a interação de toda a classe.
É claro que também devem ser feitas análises sobre o real aproveitamento
desse tipo de atividade nos conteúdos e avaliações da disciplina bases
biológicas aplicadas à educação física. Embora não existam dados
estatísticos acompanhando o momento de implantação das apresentações
com o percentual de aprovações, foi notável a quantidade cada vez menor
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 255
de alunos não aprovados na disciplina e, melhor, sempre há testemunhos da
lembrança das apresentações por alunos que concluíram o curso. Este tipo
de testemunho representa que o formando levou consigo algo mais que um
punhado de conceitos e termos científicos.
Quando perguntamos se haveria possibilidade de esses futuros profissionais observarem e utilizarem estratégias interdisciplinares em seus trabalhos, eles nos responderam que principalmente na educação física escolar há possibilidade de correlação da educação física com outras disciplinas,
como ciências biológicas/biologia, português, matemática, entre outras, e
que eventos como a Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas pode ser
realizada em outro ambiente de trabalho que não o da universidade.
O evento permitiu, também, que alguns alunos apresentassem um relato em um evento científico, uma mostra de extensão da universidade. Os
alunos participaram com uma apresentação oral e discussão sobre a Mostra
de Atividades Rítmicas e Ginásticas com outros universitários participantes.
2.2 Os professores
Os professores envolvidos relataram que as disciplinas podem se complementar entre si, como instrumentos para os conteúdos ou objetivos em educação física, e ainda concordam que este processo “envolveu um conjunto de
pessoas na construção de saberes [...], possibilitando ao estudante sensações
de espírito carregado de vivência pessoal e de renovação” (ANASTASIOU; ALVES, 2003, p. 69).
Professores concordam que a simples troca de informações entre as disciplinas pode não constituir um método interdisciplinar, mas é uma maneira de buscar novos caminhos para incentivo ao estudo de uma determinada
disciplina, ou ainda ser uma maneira de determinada disciplina incentivar
o aprendizado da outra, concordando com Palmade (apud SIQUEIRA; PEREIRA, 1995) quando afirma que duas ou mais disciplinas trabalhando em
conjunto podem romper estruturas individuais peculiares de cada uma e
gerar uma visão comum dos conteúdos abordados.
256 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
Os professores ainda apontaram, baseados em Anastasiou e Alves
(2003), a valorização das experiências e interesses dos alunos, com a
atividade podendo proporcionar situações para o desenvolvimento da
capacidade de decisão e de ação, visando à autonomia dos alunos, fazendo-os observarem a responsabilidade de compartilhar no processo
educativo. Portanto, de acordo com as autoras, podemos considerar todas as séries apresentadas pelos alunos na mostra como uma atividade
interdisciplinar, mesmo contando com as dificuldades encontradas e
citadas pelos alunos.
Não se pode deixar de citar Fazenda (2001), que concorda que a interdisciplinaridade não tem uma definição clara e que inúmeras tarefas com
objetivos diferentes um do outro são apresentados equivocadamente como
atividade interdisciplinar.
Porém, considerando as possibilidades em relação às atividades conjuntas, não se podem negar alguns importantes resultados advindos de
tentativas de integrar elementos de uma ou mais disciplinas, como os
exemplos de os alunos vivenciarem com movimentos corporais as ações
de proteínas, enzimas ou fibras musculares.
Para Japiassú (1976), interdisciplinaridade é a comunicação entre as
disciplinas, de modo que resulte uma modificação entre elas, por meio de
diálogo compreensível, uma vez que a simples troca de informações entre
as disciplinas não constitui um método interdisciplinar.
Partindo desse pressuposto, observando uma comunicação entre as
disciplinas, aos professores envolvidos neste evento perguntamos: qual o
benefício para as disciplinas de ginástica e atividades rítmicas e o caminho
inverso também? Houve benefícios para todas as disciplinas?
Na tentativa de responder as questões acima, podemos afirmar que
nas disciplinas de ginástica e atividades rítmicas diversos temas são abordados, como temas políticos, esportivos, temas folclóricos envolvendo vários estados do Brasil, bem como a cultura de vários países e atualidades
(Figura 8).
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 257
Figura 8. Tema da atualidade (The Simpsons).
Até agora, a relação dessas disciplinas foi observada em disciplinas
como basquete, por exemplo, na qual os alunos fariam uma rotina de ginástica e atividades rítmicas utilizando uma bola de basquete, com movimentação e exploração de espaço como se estivessem em um jogo.
Poderia haver também uma relação com outras disciplinas, como atletismo ou natação, porém a ideia de representar uma fratura óssea ou uma
contração muscular foi desafiadora, em princípio. Não se podia apenas fazer
um teatro envolvendo o tema, mas sim, utilizar os conteúdos abordados nas
aulas de ginástica e atividades rítmicas. A série não poderia ficar limitada a
um pequeno local, a exploração do espaço utilizado seria observada. O ritmo, bem como a escolha da música, também. Os movimentos deveriam ser
básicos, com deslocamentos como andar e saltitar, e em algum momento
também deveriam ser utilizados movimentos específicos com algum grau
de dificuldade, como uma estrela, um rolamento ou saltos mais amplos,
envolvendo temas como a ginástica acrobática, discutida e vivenciada pelos
alunos nas aulas. O desafio foi aceito pelos alunos com muito entusiasmo,
por estarem fazendo uma apresentação inovadora com possibilidades de
serem bem avaliados em todas as disciplinas envolvidas.
258 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
Sair do temas cotidianos comuns às disciplinas e tentar, por meio de
expressão corporal, demonstrar uma função biológica utilizando os fundamentos das ginásticas foi, sem dúvida, uma vivência nova tanto para o
professor quanto para os alunos. Nas disciplinas de ginástica, de atividades
rítmicas e de biologia sem dúvida houve uma modificação nas estratégias
utilizadas no processo de elaboração da atividade por parte dos alunos,
bem como no processo de avaliação.
3. Conclusão
Apresentamos aqui uma iniciativa de integração entre diferentes disciplinas, expressa na Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica, evento organizado pelo professores das respectivas disciplinas no curso de educação
física. Falamos sobre sua história e alguns dos resultados que o evento tem
produzido. Não há possibilidade de se negar uma forma de ensino tradicional, com aulas expositivas e colocações vindas do professor para o aluno.
Porém, cada dia mais se evidencia a necessidade de se encontrarem estratégias que estimulem nos alunos uma aprendizagem significativa. Aproximar os temas discutidos em diferentes disciplinas é uma dessas estratégias
e pode dar origem a projetos interdisciplinares que contribuem para a universidade, e não só em sua tarefa de ensinar, pois também podem se refletir
na extensão e na produção de conhecimentos.
Acreditamos também que experiências como as apresentações em um
evento único oportunizam aos alunos a possibilidade de desenvolver diversas competências por meio de estratégicas inovadoras indispensáveis às
novas realidades do ensino e da aprendizagem.
Ações de várias disciplinas como as desenvolvidas na Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas vêm ao encontro das orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que incentivam um ensino com o desenvolvimento da criatividade, da capacidade de se procurar várias alternativas para
a solução de um problema, do trabalho em equipe, da disposição de correr
riscos, da comunicação (BRASIL, 1999), agregando para o aluno, além de
conhecimentos para sua profissão, valores para a vida.
Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 259
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260 | Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica: A Experiência...
Autores
Prof. Ana Paula Xavier Ladeira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. André dos Santos Costa
Universidade Federal de Pernambuco
Profa. Ms. Denise Elena Grillo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Especialista Douglas Figueiredo Cossote
Universidade São Judas Tadeu
Prof. Ms. Edilson Aparecido Pichiliani
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Eduardo Vinicius Mota e Silva
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Elisabete dos Santos Freire
Universidade Presbiteriana Mackenzie e
Universidade São Judas Tadeu
Prof. Dr. Érico Caperuto
Universidade Presbiteriana Mackenzie e
Universidade São Judas Tadeu
Prof. Ms. Ferdinand Camara da Costa
Profa. Dra. Isabel Porto Filgueiras
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. João Crisóstomo Bojikian
Faculdades Metropolitanas Unidas e Universidade Gama Filho
Prof. Dr. Jorge Dorfman Knijnik
University of Western Sydney, School of Education (NSW/Australia).
Prof. Ms. José Renato Campanelli
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Kamila Santos Ressurreição
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Luiz Henrique Rodrigues
Escola Castanheiras
Profa. Dra. Marcela Meneguelo Coutinho
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Marcelo Massa
Universidade de São Paulo
Prof. Ms. Marcos Merida
Prefeitura do Município de São Paulo
Prof. Ms. Olavo Dias de Souza Junior
Universidade Presbiteriana Mackenzie; Centro Universitário Fiel; Universidade São Judas Tadeu.
Prof. Ms. Paulo Eduardo Torres Tondato
Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul;
Universidade Municipal de São Caetano do Sul
Prof. Ms. Raul Alves Ferreira Filho
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dra. Rita de Cássia Garcia Verenguer
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Ronê Paiano
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Ms. Rudney Uezu
Universidade Presbiteriana Mackenzie e
Instituto Santanense de Ensino Superior
Prof. Ms. Simone Tolaine Massetto
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dra. Sônia Cavalcanti Corrêa
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Ms. Tania Cristina Santos Matos
Coach - Facilitadora de Processos de Desenvolvimento
Prof. Valéria Piceda
Prof. Ms. Vinicius Barroso Hirota
Universidade Presbiteriana Mackenzie e Faculdade Nossa Cidade
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