Criação de postos de trabalho no Rio de Janeiro
Carlos H. Corseuil* e Daniel D. Santos *
As transformações econômicas e geopolíticas ocorridas nos anos 90 em
praticamente todas as economias do mundo trouxeram consigo uma série de
novos questionamentos que impulsionaram o debate de diversas questões
econômicas no Brasil.
Em resposta às oscilações econômicas, têm-se observado no Brasil forte
volatilidade dos indicadores relacionados ao mercado de trabalho. Durante o
período inflacionário, os ajustes em resposta aos choques macroeconômicos
ocorriam predominantemente através de variações dos salários reais, mas, após a
queda nas taxas de inflação, os salários tornaram-se mais rígidos e quem passou a
flutuar mais foram os indicadores de emprego.
Evolução das taxas de desemprego (%)
8,00
7,50
7,00
Brasil
6,50
6,00
5,50
5,00
Rio de Janeiro
4,50
4,00
3,50
3,00
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Agosto
Fonte: PME (IBGE).
Na trajetória recente das taxas de desemprego, não restam dúvidas que o
período mais crítico situa-se entre os anos de 1997 e 1998, quando observa-se
sensível deterioração dos indicadores provavelmente motivada pela crise da
Rússia, que provocou forte retração da liquidez mundial e forçou o Banco Central
brasileiro a elevar as taxas de juros internas como forma de defender o sistema de
desvalorização controlada do câmbio. O empresariado nacional percebeu esta
situação como duradoura e reagiu contraindo a produção e reduzindo gastos.
Ainda que o problema do emprego pareça menos grave no caso do Rio de
Janeiro, o gráfico acima mostra que a economia local segue uma tendência muito
próxima da nacional. As taxas de desemprego da região metropolitana do estado
ficaram entre 3,5% e 4% durante quase toda a primeira metade da década,
cresceram até um pico do 5,5% durante a crise russa e voltaram a cair nos últimos
tempos, atingindo 4,2% na medição de agosto do IBGE.
O biênio 1997-98 pode ser visto como um exemplo claro do potencial
perturbador dos choques agregados sobre o desemprego regional e portanto
merece ser olhado com cuidado. Analisaremos nesse biênio os componentes da
*
Da Diretoria de Estudos Sociais do IPEA. Agradecemos a Maria Luiza Barcelos
Zacharias do DCC/IBGE pela disponibilização das informações do CEMPRE e o
esclarecimento de nossas dúvidas com relação ao seu uso.
criação de postos de trabalho no Rio de Janeiro1. Esses componentes são a criação
e a destruição bruta de postos de trabalho, ou seja, a expansão do emprego entre
as firmas que cresceram ou “nasceram” e a contração entre as que diminuíram ou
“morreram”. Esse tipo de análise pode ser motivado por estudos recentes que
demonstram que há uma significativa criação (destruição) de postos de trabalho
mesmo em períodos recessivos (expansionistas)2.
Para essa análise usaremos o Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do
IBGE. Essa base de dados provê informações sobre os estabelecimentos de todos
os setores de atividade que reportam informações para o registro do Ministério do
Trabalho (RAIS).
Taxas de Criação e Destruição de Emprego no Rio de Janeiro e no Brasil, 1997-1998 (em %)
1997
1998
Por nascimento de firmas
Por expansão de firmas
Total
Rio
5,21
8,98
14,18
Brasil
8,46
9,93
18,39
Rio
5,14
10,16
15,31
Brasil
6,80
10,37
17,17
Destruição Por contração de firmas
de
Por fechamento de firmas
empregos
Total
11,85
2,68
14,53
10,46
5,11
15,57
11,15
6,88
18,03
9,96
7,78
17,74
-0,34
-2,87
2,53
2,82
-0,53
3,35
-2,72
-0,98
-1,74
-0,57
0,41
-0,97
Criação
de
empregos
Variação
do
emprego
Variação líquida do emprego
Variação - firmas que continaram
Variação nascimentos/fechamentos
Fonte: Cadastro de Empresas (CEMPRE), IBGE-1996, 97, 98. Cálculos dos autores.
A tabela acima revela que a retração de empregos formais no Rio de
Janeiro foi ainda mais forte que na economia nacional como um todo. Enquanto
em 1997 o nível de emprego nacional expandiu-se em cerca de 3%, o Rio
permaneceu praticamente estagnado. Quando a crise se aprofundou, em 1998, o
país obteve decréscimo de 0,6% enquanto o emprego no Rio decaiu quase 3%.
Interessante notar que em 1998 a destruição de postos de trabalho concentrou-se
em firmas que já existiam antes de 97 e continuaram existindo em 1998, ao passo
que o balanço de nascimentos e mortes de firmas foi favorável ao emprego. Já em
1998, a variação do emprego foi muito mais desfavorável no balanço de
nascimentos e mortes do que entre firmas que cresceram ou diminuíram.
O calvário da indústria local
Um dos efeitos mais importantes da crise de 1997 foi uma redução da
compra de produtos brasileiros por parte dos clientes externos. Como o câmbio
não podia flutuar livremente, os exportadores não puderam desfrutar de um
aumento de competitividade de seus produtos advindo de uma possível
desvalorização de nossa moeda. Assim, setores em que parte da produção pode ser
exportada (principalmente agricultura e indústria) foram os principais candidatos a
sofrer os efeitos adversos do choque externo. Já o aumento das taxas de juros deve
ter afetado principalmente setores que dependem fortemente de capital de giro
para desenvolver suas atividades e setores com elevada relação capital/ trabalho.
1
Ao mencionarmos a criação de postos de trabalho, estaremos nos referindo à
criação líquida de postos no período de um ano, isto é, sem considerar postos que
tenham sido criados e destruídos num mesmo ano e sem fazer distinção quanto ao
tipo de posto de trabalho existente.
2
Ver entre outros Davis, Haltinwanger e Schuh (1996).
De fato, a indústria do Rio de Janeiro reduziu em cerca de 5% seu nível de
emprego formal em 1997 e em mais de 10% em 1998. Num setor que é
responsável por cerca de 15% do total de empregos disponíveis, um choque desta
magnitude teve efeitos consideráveis. Em 1997, os postos de trabalho destruídos
na indústria (32.515) superaram ligeiramente o total de postos de trabalho
destruídos na economia como um todo (18.549). Em 1998 a participação relativa
da indústria na dinâmica de emprego é ainda maior: a destruição de postos no
setor representou 1,5 vezes a destruição total de emprego na economia.
Taxas de crescimento do emprego por setor
de atividade no Rio de Janeiro
Agrícola
4%
2%
0%
Indústria
-2%
-4%
-6%
Serviços
-8%
-10%
Administração Pública
Construção Civil
1997
1998
Comércio
A agricultura também apresentou retração de emprego de cerca de 7% ao
ano no período mas, por representar uma fração relativamente pequena do nível
total de ocupação do Rio de Janeiro (0,5%), contribuiu pouco para a retração de
emprego observada no período.
O impacto das medidas contracionistas sobre o setor de construção civil
não foi tão adverso no primeiro momento, com o volume de postos de trabalho
encolhendo cerca de 3% em 1997. Em compensação, no ano seguinte observa-se
uma destruição de cerca de 8% das ocupações existentes no setor. Tal como no
caso da agricultura, verifica-se que este setor tem participação pequena no
emprego total da região (menos de 5%), alterando pouco os indicadores
ocupacionais agregados.
Participação dos setores de atividade no nível
de emprego no Rio de Janeiro
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1997
1998
Agricultura
Serviços
Construção Civil
Comércio
Administração Pública
Indústria
Até mesmo o funcionalismo público sofreu baixas no período. Somente na
administração pública direta, o nível de emprego diminuiu 4% em 1997 e 2% em
1998. Considerando as conhecidas dificuldades de demissão de funcionários no
setor público (em especial na administração direta) e que 1998 foi um ano
eleitoral, esta resposta pode ser considerada bastante significativa. Uma vez que
mais de 20% da população ocupada do Rio de Janeiro trabalha no setor público,
reduções de emprego neste segmento passam a desempenhar papel importante na
evolução dos níveis ocupacionais. Em 1997, a administração pública direta
reduziu seus quadros em mais de 20.000 vagas, um montante equivalente a uma
vez e meia a redução total de emprego da economia local, ao passo que em 1998 a
destruição de postos no setor foi correspondente a metade do total.
Postos de trabalho criados por setor de atividade
no Rio de Janeiro
35000
25000
15000
5000
-5000
-15000
-25000
-35000
Agrícola
Serviços
1997
Const. Civil
Comércio
Adm.
Pública
Indústria
Total
1998
Os únicos setores que apresentaram crescimento líquido em seus níveis de
emprego formal entre os anos de 1997 e 98 foram os de comércio e serviços,
seguindo uma crescente especialização da economia local nestes setores ao longo
do tempo. No caso de serviços, o crescimento foi de 2% e 3% em 1997 e 1998,
respectivamente, ao passo que a expansão do comércio foi mais tímida: 2% e 0%.
Apesar das baixas taxas de crescimento, a criação de emprego nestes dois setores
foi fundamental para aliviar os impactos da crise russa sobre o desemprego
fluminense. Isso porque, juntos, estes setores representam cerca de 60% do total
de emprego na região. O volume de postos de trabalho criados nestes setores foi
de cerca de 38.000 vagas em 1997 e 33.000 postos em 1998, equivalente a 1,8
vezes o total de postos de trabalho destruídos em cada ano analisado.
A importância das micro e pequena empresas na economia do Rio de Janeiro
Os choques de 1997-98 (crise russa e consequente elevação dos juros
básicos) afetaram não somente alguns setores em particular mas também algumas
classes de tamanho do estabelecimento. Firmas grandes, com maior relação com a
economia internacional tendem a ser mais afetados pela retração na demanda
externa por bens e serviços externos. Por outro lado, firmas menos capitalizadas,
que dependem fundamentalmente de empréstimos para satisfazer suas
necessidades de financiamento, sofrem particularmente mais do que as demais
com variações nas taxas de juros.
No Rio de Janeiro, observa-se que cerca de 20% dos trabalhadores formais
estão ocupados em microempresas, com menos de 10 empregados. As firmas
desta categoria elevaram em 1% seus níveis de ocupação em 1997 e em cerca de
6% em 1998. As microempresas criaram mais de 25.000 ocupações em 1997, e
foram as grandes responsáveis pela atenuação da queda do nível de emprego
naquele ano. Mesmo em 1998, as microempresas seguiram gerando empregos
num cenário econômico altamente desfavorável.
Taxas de crescimento do emprego por tamanho
da empresa no Rio de Janeiro
1 a 9 empregados
7%
5%
3%
1%
1000 ou mais empregados
10 a 19 empregados
-1%
-3%
-5%
-7%
250 a 999 empregados
20 a 49 empregados
1997
1998
50 a 249 empregados
As pequenas empresas (10 a 49 funcionários) também apresentaram saldo
positivo em termos de criação de empregos em 1997, ainda que tenham criado
menos da metade dos postos criados pelas microempresas. Nas firmas com 10 a
19 empregados, a expansão foi de pouco mais de 3%, bem acima da média
regional, mas não conseguiram suportar os efeitos da crise no ano seguinte e
acabaram por enxugar suas folhas de pagamento em cerca de 0,5%. As empresas
com 20 a 49 empregados apresentaram uma performance menos significativa,
com crescimento de 1% em 1997 e decréscimo de 2% em 1998.
O quadro deteriora-se bastante quando passamos às parcelas mais
dinâmicas da economia fluminense. Nas empresas de médio porte (50 a 249
empregados), constata-se um crescimento nulo no nível de ocupações em 1997 e
um encolhimento de mais de 3% em 1998. Neste último ano investigado, as
empresas deste bloco foram as maiores responsáveis pela redução de postos de
trabalho ocorrida na economia como um todo, com a destruição de mais de 20.000
vagas.
Contribuição do tamanho do estabelecimento
para o nível de emprego no Rio de Janeiro
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1997
1 a 9 empregados
20 a 49 empregados
500 a 999 empregados
1998
10 a 19 empregados
50 a 249 empregados
mais de 1000 empregados
Dentre as firmas com mais de 250 empregados, o pior desempenho foi
registrado no segmento superior a 1000 empregados, tanto em 1997 quanto em
1998. A destruição de postos de trabalho nestas empresas em 1997 foi de quase
40.000 vagas, bastante se considerarmos que a destruição líquida na economia
como um todo foi de pouco mais de 10.000 postos. Somado ao saldo das empresas
entre 250 e 1000 empregados, a cifra de redução de quadros laborais chega a mais
de 50.000 trabalhadores. O resultado observado representa um crescimento
negativo de 1% nas firmas entre 250 e 1000 empregados e de 3% nas firmas com
mais de 1000 funcionários. Em 1998 as empresas de grande porte praticamente
não alteraram seus níveis ocupacionais, apresentando crescimento inferior a 1%.
Postos de trabalho criados por tamanho do
estabelecimento no Rio de Janeiro (em número de
empregados)
30000
20000
10000
0
-10000
-20000
-30000
-40000
1a9
10 a 19
1997
20 a 49
50 a 249
250 a 999
1000 o u
mais
Total
1998
Síntese
O artigo analisou o comportamento da economia fluminense durante o
biênio 1997-98, marcado por uma repentina estagnação do produto nacional e
aumento dos níveis de desemprego no país, devido à destruição de postos de
trabalho. Uma das prováveis causas foi a crise externa originada por ataques
especulativos contra o Rublo russo e que provocou fuga de capitais e
enxugamento de liquidez nos mercados emergentes como o brasileiro, sendo
seguido por um forte aumento das taxas básicas de juros brasileiras, numa
tentativa de conter a evasão de divisas e manter o regime de desvalorização
controlada das taxas de câmbio.
A análise dos componentes da variação de emprego revela dois fatos
interessantes. Primeiro, podemos notar que esta variação esconde uma enorme
realocação de postos de trabalho. Cerca de 15% dos postos de trabalho de um ano
são criados enquanto outros 15% são destruídos no período analisado. Segundo,
os padrões desta variação são bastante heterogêneos segundo algumas
características dos estabelecimentos analisadas. Os setores de comércio e serviços
foram menos afetados pela retração da demanda externa apresentando inclusive
criação líquida de emprego positiva. Por outro lado, a destruição de postos na
indústria e administração pública foi tão expressiva que fez com que os
indicadores agregados de criação de emprego fossem negativos.
Com relação ao tamanho dos estabelecimentos, as firmas de grande e
médio porte foram as que mais ajustaram seus níveis de emprego em 1997 e 1998
respectivamente. Esse ajuste foi no sentido de contrair o número de postos de
trabalho. Vale dizer que as firmas pequenas amenizaram esse resultado negativo
ao registrarem criação liquida positiva de postos de trabalho.
Os números mostram que mesmo uma economia especializada na
produção de bens e serviços não comercializáveis internacionalmente (nontradeables) como a do Rio de Janeiro, os efeitos de uma crise de liquidez externa
podem ser bastante significativos.
Os resultados sugerem que o conjunto de estabelecimentos mais
prejudicados pela crise foi precisamente o com perfil apto à exportação, isto é,
composto por grandes produtores de bens tradeables. Nossa sugestão de política
baseada nessa análise é promover um maior esforço de inserção das firmas do Rio
de Janeiro com essas características no mercado externo, tanto pelo aumento puro
e simples do volume exportado, quanto pela ampliação do conjunto de potenciais
compradores de produtos locais.
Bibliografia
• CORSEUIL, C.H.; Ribeiro, E.P.; Santos, D.D.; e Dias, R. (2001). Criação,
destruição e realocação de emprego no Brasil. Campinas: ANPEC, CDRom, Anais do XXVIII Encontro Nacional de Economia, dezembro.
• FAJNZYLBER, P.; Maloney, W.; e Ribeiro, E.P. (2000). Firm entry and
exit, labor demand, and trade reform: evidence from Chile and
Colombia. Campinas: SBE, Anais do XXIII Encontro Brasileiro de
Econometria, dezembro.
• PAZELLO, E.; Bivar, W.; e Gonzaga, G. (2000). Criação e destruição de
postos de trabalho por tamanho da empresa no Brasil. Campinas: ANPEC,
CD-Rom, Anais do XXIX Encontro Nacional de Economia, dezembro.
• RIBEIRO, E.P. (2001). Rotatividade de trabalhadores e criação e
destruição de postos de trabalho: aspectos conceituais. Rio de Janeiro:
IPEA, Texto para Discussão nº 820, setembro.
• Davis S.J., Haltiwanger, J. and Schuh, S.(1996) Job Creation and Job
Destruction. Cambridge, MA:MIT Press.
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