NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? Glória Rebelo Setembro 2002 WP nº 2002/23 DOCUMENTO DE TRABALHO WORKING PAPER D I N Â M I A C E N T R O D E E S T U D O S S O B R E A M U D AN Ç A S O C I O E C O N Ó M I C A NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? Glória Rebelo Setembro de 2002 ÍNDICE 1. REFLEXÕES SOBRE A NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO. 2 2. QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? 9 2.1. Os sindicatos 2.2. Os empregadores 2.3. As associações de cidadãos e as universidades 9 14 18 3. COMENTÁRIOS FINAIS. 19 BIBLIOGRAFIA 21 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? RESUMO Neste artigo apresentamos uma reflexão sobre dois aspectos: por um lado, acerca das mais recentes dinâmicas sócio-económicas do trabalho e do emprego, e por outro lado, sobre os novos desafios que estas representam para os actores sociais. Partindo do pressuposto central de que o trabalho e o emprego continuam hoje a ser essenciais para a integração social e para a auto-realização dos indivíduos, esta reflexão centrase também no problema da qualidade do emprego em Portugal. Pretendemos assim contribuir para uma discussão capaz de oferecer matéria reflexiva para a elaboração de políticas de intervenção sócio-económicas num contexto de globalização selectiva. Este working paper aborda igualmente a alteração das novas práticas laborais, nomeadamente as políticas de gestão da força de trabalho baseadas na instabilidade contratual. ABSTRACT In this article we discuss the most recent social and economical dynamics of work and employment, and we try to depict the new challenges these dynamics represent for social actors. Assuming the central purpose that both work and employment are essential for social integration and self-fulfillment of individuals this article also focuses on the employment quality problem in Portugal. Thus we intend to contribute for a discussion that can offer reflexive matter for the elaboration of politics for social and economical intervention in a context of selective globalization. This paper also focuses on the significant change in labour market practices, namely workforce management policies that are based upon contractual instability. 1. REFLEXÕES SOBRE A NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 1 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? As mutações registadas na sociedade em geral, e nos sistemas produtivos em particular, ao longo destes últimos trinta anos contribuíram para uma profunda alteração nos modos de organização e nas dinâmicas do trabalho e do emprego. Estas mutações reflectem-se nas atitudes de trabalhadores e de empregadores e nas suas representações do mundo do trabalho. Neste sentido, a sua influência sobre o modo como percepcionamos o trabalho e o emprego na nossa sociedade parece irrefutável. Se durante a segunda metade do séc. XX, com a expansão generalizada do trabalho por conta de outrem, a tendência foi para assimilar a ideia de que trabalhar corresponde a ter um emprego de duração indeterminada, a tempo inteiro, e associado às respectivas regalias sociais (modelo de emprego clássico), o crescimento progressivo das novas formas de trabalho ajuda a distinguir “trabalho” e “emprego” e, consequentemente, permite-nos falar de uma “nova cultura do trabalho e do emprego” (Morin, 1994). É assim que actualmente o trabalho 1 , enquanto modalidade de actividade humana, parece expandir-se, e isto sobretudo porque o emprego ameaça tornar-se progressivamente um “bem raro”. Assim, de acordo com a proposta de Morin, existem três ordens de factores explicativos da “nova cultura do trabalho e do emprego” (esquematizados na figura 1) que ajudam a compreender as recentes mutações laborais. Comungando desta opinião, também para nós estes são factores fundamentais, a saber: os factores económicos, os factores técnicos e os factores sociológicos. Esquema 1 – “A nova cultura do trabalho e do emprego” Factores económicos Factores técnicos Factores sociológicos 1 Considerando que trabalho é toda a actividade humana produtiva inserida numa unidade económica de produção, referimo-nos a uma pessoa dizendo que ela está a trabalhar se, de facto, estiver a exercer uma actividade em determinadas circunstâncias, independentemente de ocupar nesse momento um posto de trabalho. cultura DINÂMIA – CENTRO DENova ESTUDOS SOBREdo A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA Novos ISCTE, modelosAv. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Individualismo de produção e do trabalho Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt emprego 2 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? Legenda: Morin, P. (1994), La grande mutation du travail et de l’emploi, Les Éditions d’Organisation, Paris, p. 147 (Adapt.). De facto, falar de emprego e de trabalho supõe um mínimo de acordo sobre o seu sentido. Desde logo parece-nos que se enquanto a noção de emprego se apresenta relativamente unívoca no seu sentido e significado, a noção do trabalho pode revelar-se fonte de alguns equívocos. Ora se tradicionalmente para muitos a noção de emprego aparece ligada à ideia de posto de trabalho (place) na empresa, para outros autores, este conceito encontra-se relacionado com uma noção mais ampla que abrange o conjunto das actividades de trabalho que um indivíduo exerce, designadamente a partir de projectos determinados pela empresa (Bridges, 1995). Paralelamente, uma outra via consiste em defender a existência, a par do modelo de emprego clássico (assalariado, a tempo inteiro e de duração indeterminada), de outras actividades ditas socialmente úteis e potencialmente capazes de facultar rendimentos, utilidade e status social (Ferry, 1995). Procura-se aqui distinguir a “lógica do emprego assalariado” (que confunde trabalho e emprego) e a “lógica da actividade” (que distingue claramente emprego e trabalho). A virtude desta concepção que contrapõe “actividade” a “emprego” consiste na possibilidade de desenvolvimento de uma nova área laboral destinada a acolher pessoas incapazes de aceder ao modelo de emprego clássico. Não se trata de colocar a empresa no centro DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 3 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? das novas formas de trabalho mas, pelo contrário, de desenvolver um sector paralelo específico, subordinado a uma lógica distinta. Por fim, uma outra posição procura valorizar e reconhecer todas as actividades humanas que são, em si, de trabalho, através de um novo tipo de contrato que conciliaria autonomia, responsabilidade e protecção, e que permitiria encontrar a protecção adequada ao mercado laboral dos nossos dias: o contrato de actividade (Supiot, 1993) 2 . Mas será que já não resta uma identidade para o emprego? De facto, as recentes alterações na estrutura da relação empregador-empregado, as múltiplas formas de emprego flexível, e a atomização dos tempos e dos locais de trabalho, dispersam ainda mais (geográfica e temporalmente) a relação de emprego, pelo que a pertença a uma empresa far-se-à cada vez mais pela ideia de subordinação económica 3 , gerando formas de trabalho frágeis do ponto de vista social. Podemos, então, falar da evolução de uma sociedade na qual de um modelo de “emprego” (relação marcada, entre outros, pela existência de um vínculo laboral estável, pela ideia de progressão na carreira, de interesse pelo trabalho e de mobilidade voluntária) se passa para um modelo de “actividade” (baseado em vínculos de duração determinada e instável, com horários irregulares, empregadores múltiplos - sucessivos ou simultâneos - e rendimentos variáveis). Por exemplo, em Portugal as estatísticas mostram, ao longo da década de 1990, a progressiva extensão do recurso à prática do contrato de duração determinada (ou não permanente): de 1992 a 2000, de acordo os dados do INE, os contratos não permanentes foramse multiplicando, passando de 390.7 mil para 707.4 mil, respectivamente, o que representa uma variação positiva de 81,06%, bem demonstrativa da importância que estas novas formas de trabalho têm vindo a adquirir no mercado de trabalho português (Quadro 1). Em contraste, o crescimento dos contratos permanentes é praticamente nulo (variação de 0,81%), chegando mesmo a registar um decréscimo relativamente aos homens. Também de acordo com os dados do INE, e não obstante o forte crescimento registado ao nível dos contratos não permanentes, estes empregos não representam senão uma fraca parte do emprego total (19,6% do emprego assalariado), embora para as mulheres esta percentagem seja ainda mais significativa (21,6% do total). 2 Também na defesa desta linha, Supiot. A. (1995), Critique du droit du travail, Presses Universitaires de France, Paris. 3 E não pela subordinação jurídica associada ao modelo de emprego clássico. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 4 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 5 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? Quadro 1 - Emprego por conta de outrem por tipo de contrato e sexo* Variação Tipo de Contrato 1992 2000** 19922000 Total de contratos H/M 3223.3 3560.7 10,47% H 1779.7 1932.8 8,60% M 1443.6 1627.9 12,77% H/M 2830.4 2853,3 0,81% H 1591.1 1576.5 -0,92% M 1239.3 1276.8 3,03% Contrato não permanente H/M 390.7 707,4 81,06% *** H 187.6 356.3 89,93% M 203.1 351.1 72,87% H/M 2.2 - - H 1.0 - - M 1.2 - - Contrato permanente NS/NR Fonte: INE (1994-2000), Inquérito ao Emprego, relatórios trimestrais (Adapt.). * Média anual em milhares. ** Primeiro trimestre (média anual não disponível). *** Dados resultantes da agregação das categorias “contratos com termo”, “outros” apresentadas no Inquérito ao Emprego 2000 (1ºT). Se a este fenómeno de alteração nas formas de contratação laboral acrescentarmos o que denominamos por população mais frágil (com emprego instável ou em situação de desemprego de média duração) e a população retirada do mercado de trabalho (desemprego desencorajado ou desemprego de longa duração), estes são elementos que certamente justificam uma mudança profunda na concepção da organização do trabalho nas sociedades contemporâneas. Diversos têm sido os factores explicativos – de ordem económica, técnica, e sociológica - desta “nova cultura”. Em primeiro lugar, os factores de natureza económica. Perante o sucessivo desenvolvimento da economia do terciário, assistimos na última década ao DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 6 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? crescimento do comércio de bens virtuais 4 : cada vez mais os mercados financeiros possibilitam a venda e compra deste tipo de bens (v.g., desde fundos de pensão até seguros, entre outros), tornando, consequentemente o valor “trabalho” virtual. Paralelamente, os países procuram um desenvolvimento baseado numa taxa de emprego equilibrada, de forma a estabilizar a economia nacional. Por exemplo, em Portugal encontramos um emprego cada vez mais terciário, o qual nos últimos vinte anos (1980-2000) aumentou de 35,7% para 52,8% do total de empregados (quadro 2). Este aumento baseia-se num acréscimo de formas flexíveis de trabalho 5 , inseridas em estruturas organizacionais de hierarquia achatada, e que recorrem, maxime, a trabalhadores pouco qualificados (de média e fraca qualificação, v.g., caixas de comércio; serviços de limpeza e/ou de jardinagem; e serviços aos particulares). Quadro 2 – Evolução do emprego nos serviços (em % do total de pessoas empregadas) ANOS FREQUÊNCIA EM % DO TOTAL 1980 1.417.000 35,7 1990 2.215.000 48,6 2000 2.572.000 52,8 Fonte: INE, Inquérito Permanente ao Emprego e, a partir de 1983, Inquérito ao Emprego (várias séries). Por seu turno, e ao nível da influência dos factores técnicos, podemos afirmar que o recente progresso técnico tem lugar no seio de uma “sociedade do conhecimento e das competências” onde, como afirma Santos 6 , se torna “necessário reconfigurar o processo produtivo, tornando-o suficientemente flexível para diminuir os volumes de produção; usar a tecnologia como uma variável estratégica ao serviço das estratégias de gestão (...)” (Santos, 1995). Nesta perspectiva, o progresso técnico tornou-se de tal forma fundamental na análise da “melhoria da eficácia do trabalho” que mecanizar/automatizar, fazer maior apelo à informática e à telemática, simplificar e suprimir tarefas, ou recuperar o tempo de presença inutilizado, se tornaram exigências banais para as empresas e para as organizações. 4 Inseridos na denominada “economia quaternária” (Seltzer, B. (1997), “L´ère du quaternaire”, Personnel, ANDCP, p. 68). 5 Baseados em formas de contratação como o trabalho a tempo parcial e/ou a tempo determinado (trabalho a termo e trabalho temporário). 6 Para esta autora, com a reorganização da produção procura-se não só incrementar os níveis de produtividade, mas também obter uma maior flexibilidade do processo produtivo, da tecnologia ou do mercado. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 7 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? O progresso técnico facilita também a mundialização da produção 7 , e reforça ainda mais o impacto das evoluções económicas, acelerando-as (por exemplo, através da deslocalização ou da difusão geográfica das actividades). Mas os progressos técnicos não afectam de forma homogénea o trabalho e o emprego. Como já previa Lasfargue, no início da década de 1990, no mundo do trabalho cada trabalhador será, cada vez mais, confrontado com a realidade da informática, pelo que o progresso técnico tendencialmente marcará mais os domínios da electrónica, da informática, da telemática, e das telecomunicações (Lasfargue, 1990). Contudo, na generalidade dos sectores estas mutações têm consequências sobre a forma de gerir as empresas e sobre a organização do trabalho e um dos efeitos mais visíveis do progresso técnico sobre o emprego diz respeito, precisamente, às modalidades de emprego emergentes baseadas na ideia de proximidade geográfica e temporal do consumidor. Os meios informáticos permitirão disponibilizar serviços ao destinatário logo que ele solicite ou necessite, nomeadamente através de um horário alargado de abertura ao público (v.g., horários flexíveis; trabalho a tempo parcial; turnos), de uma aproximação ao consumidor/destinatário e, por fim, permitindo a cada cliente definir cada vez mais esse serviço (mediante um fornecimento, uma lista de compras) com o recurso a atendimento personalizado em casos particulares. Por fim, falemos dos factores sociológicos. Hoje, e num contexto em que o conteúdo do trabalho se alterou significativamente nas últimas três décadas no sentido de um aumento do individualismo nas relações laborais – é cada vez mais necessário que o trabalhador detenha um correcto conhecimento de si em termos de aptidões, traços de personalidade e conhecimentos adquiridos (numa palavra: competências 8 ). A par da flexibilidade das relações no mercado de trabalho assiste-se, portanto, a um “processo de individualização social” que começou a atingir as margens de flexibilidade em três pilares: legislação laboral, local de trabalho e horário de trabalho 9 . Além do mais, parece dominar um “individualismo negativo” baseado na distância e no desafio, ao contrário de todo o esforço susceptível de criar laços sociais (v.g., algumas medidas de ajustamento externo e/ou de ajustamento interno). 7 O que leva alguns autores a falarem “emprego industrial pós-industrial” (Morin, P. (1994), La grande mutation du travail et de l’emploi, Les Éditions d’Organisation, Paris, p. 74). 8 Para uma distinção entre competências-chave gerais e competências-chave específicas/estratégicas, cfr. Lopes, H. (2000), “Apresentação Geral. Objectivos do estudo e enquadramento”, in Observatório do Emprego e Formação Profissional, Estratégias Empresariais e Competências-Chave, 21, Lisboa. 9 Como o havíamos já referido em Rebelo, G. (1999), A (In)Adaptação no Trabalho, Celta, Oeiras, pp. 5256. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 8 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? Encontramo-nos, assim, inseridos num contexto de desenvolvimento do individualismo e da terciarização do trabalho cujas evoluções recentes – a nível por exemplo, do modelo tradicional da família, ou do estilo de vida urbana – têm repercussões importantes no mundo do trabalho, representando uma nova atitude social e novos desafios para os actores sociais, e em particular os sindicatos, os empregadores e as associações de cidadãos e as universidades. 2. QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? 2.1. Os sindicatos Recordemos que em termos históricos, os sindicatos nasceram para defender e proteger os trabalhadores da dependência e da fragilidade económica que os expõe à entidade empregadora. De facto, é desde o início do séc. XX que o fortalecimento do trabalho assalariado é apresentado como o factor de emergência destas associações profissionais, a qual se faz a par do desenvolvimento do Direito do Trabalho. Do ponto de vista jurídico, os sindicatos são associações privadas representativas dos trabalhadores remunerados em regime de subordinação jurídica, e constituídas para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais 10 . A vocação do sindicato não é apenas associativa (o sindicato não se destina apenas aos trabalhadores filiados), mas antes a de representar um grupo ou uma categoria de pessoas, estejam ou não nele inscritos (Lobo Xavier, 1999). Desde a década de 1970 que a resposta dos sindicatos à crise “sócio-económica” se tornou motivo de reflexão na Europa (Mouriaux, 1986). O crescimento do desemprego e a disseminação de novas formas de emprego/trabalho (sobretudo precário), a par das reestruturações do sistema produtivo (que tiveram por efeito modificar fundamentalmente o espaço onde se desenrolam tradicionalmente as relações sociais), parecem justificar parte do declínio da força sindical nos últimos trinta anos. Assim, para autores como Supiot, o novo contexto sócio-económico explica o enfraquecimento das estruturas de representação colectiva que se observa em diversos países e que se traduz, designadamente, pela diminuição quantitativa do número de aderentes, quer a organizações patronais, quer a organizações sindicais 11 . 10 Por exemplo, a lei sindical portuguesa (DL nº 215-B/75, de 30-04) define sindicato como uma associação com personalidade jurídica própria (art. 2º) para defesa e promoção dos interesses sócioprofissionais de um determinado conjunto de trabalhadores. 11 Sobre o processo de enfraquecimento dos sindicatos em toda a Europa, cfr. Supiot, A. (1999), Au-delà de l'emploi. Transformations du travail et devenir du droit du travail en Europe, Flammarion, Paris, p. 163. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 9 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? Também o sindicalismo português – à semelhança do europeu – se depara hoje com problemas, procurando constantemente fazer reconhecer o seu direito à existência. Podemos afirmar, no caso português, que o movimento sindical está enfraquecido e que aos sindicatos élhes cada vez mais difícil estabelecer uma relação de força ao nível da negociação colectiva que lhes seja favorável (nomeadamente no que se refere às novas formas de trabalho que, de uma forma geral, intensificam o trabalho e aumentam a sua penosidade) 12 . Ora a este propósito, será relevante observar o que afirma Kovács: “Apesar da sua crescente institucionalização, a participação dos trabalhadores nas empresas em muitos países (incluindo Portugal), por um lado, tende a ser feita fora do quadro sindical e, por outro, tende a inscrever-se no processo de crescente individualização das relações de trabalho. Será que esta evolução permite um controlo social eficaz sobre processos de reestruturação e modernização tecnológica e organizacional?” (Kovács, 1998a). Este é, portanto, um fenómeno que lança novos desafios à acção sindical. É preciso tomar em conta as mudanças recentes do mercado de trabalho 13 , considerando não somente a diversidade das situações como também a diversidade das formas de organização. Perante as actuais políticas de flexibilização do trabalho (que têm por efeito promover uma diversificação da situação jurídica dos trabalhadores e desenvolver as formas “atípicas” de emprego), importa saber se os sindicatos se encontram em posição para facultar uma resposta eficaz, evitando a degradação da qualidade do emprego. Sabendo que a precariedade da actividade laboral se traduz numa fragilização dos vínculos laborais - obtendo os empregadores uma relação de força que lhes é favorável, sem conceder contrapartidas correspondentes aos sindicatos – a expansão deste fenómeno, em particular nos países onde o sistema de relações profissionais está descentralizado, representa uma perigosa ameaça em termos sociais. De notar que, como refere este autor, também as motivações para aderir a uma organização patronal são reduzidas pois a existência de greves e o objectivo de unificar as condições da concorrência pesam de uma forma muito significativa na adesão a estas organizações (que se traduz num meio de participar na gestão de bens comuns dos empregadores, nomeadamente no domínio da formação, ou na negociação de acordos susceptíveis de ser estendidos à empresa). 12 Ao contrário do que acontece, por exemplo, em países como a Alemanha, a Dinamarca, a Suécia ou a Bélgica, onde as organizações sindicais constituem ainda um contra-poder real, estando, em consequência, o emprego dito “atípico” muito menos desenvolvido. Nestes países, a concertação social permite ainda manter um relativo equilíbrio entre as diferentes forças em presença, no jogo das relações de poder. Para uma análise do caso português, em particular no que se refere à concertação social e ao sindicalismo em Portugal, cfr. Almeida, P. P. (2001), “A negociação colectiva na Banca em Portugal”, in Banca e Bancários em Portugal, Celta, Oeiras, pp. 121-134. 13 Nomeadamente, as problemáticas relacionadas com o aumento da escolarização (sobretudo o caso do desemprego dos recém-licenciados), da terciarização da população activa e da proliferação da contratação precária. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 10 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? No contexto actual existem numerosos limites à acção concreta dos sindicatos neste domínio que prejudicam a procura de um equilíbrio social desejável. De facto, se os sindicatos se forem afastando das mudanças organizacionais, demonstrando desconhecimento das realidades da organização do trabalho e da gestão de recursos humanos, o efeito será, inevitavelmente, o do agravamento das condições de trabalho. Ora a mutação do mercado de trabalho e a consequente dessindicalização tendem a colocar estas organizações sócioprofissionais numa posição de fraqueza 14 . De facto, hoje tende-se a associar a posição sindical à reivindicação dos aumentos salariais e à redução da duração do trabalho, entre outras, apresentadas como medidas “passadistas”. Por oposição, aos olhos da opinião pública, a posição patronal apresenta-se como flexível e “vanguardista” favorecendo, por exemplo, a expansão das novas formas de trabalho (v.g., trabalho a termo, trabalho temporário, tempo parcial) e a gestão diferenciada do tempo e do local de trabalho, o que a conota com uma “visão de futuro para a sociedade”. Para a opinião pública, os sindicatos - enfraquecidos pelas mudanças do sistema produtivo - apresentam-se em posição “defensiva”: o espaço de discussão é frequentemente definido por indicadores económicos e por negociações que terminam geralmente em acordos de flexibilidade (no nosso país esta situação foi particularmente visível nas negociações sobre a gestão e a duração do tempo de trabalho 15 ). Os sindicatos que vêm o seu papel remetido para questões anexas (v.g., as de obtenção de contrapartidas salariais), raramente surgem preocupados com uma visão de antecipação estratégica das questões relacionadas com a reorganização dos modelos sócioprodutivos 16 . Desta forma, a presença sindical apenas parece reagir a posteriori às mudanças nas condições de trabalho, criando, em particular para as situações de precariedade laboral um vazio, uma espécie de “terra de ninguém”. Esta posição pode ser indutora de uma certa “irresponsabilidade social”, restando aos trabalhadores precários conformar-se com a vontade dos seus empregadores já que, ou não se sentem representados, ou os seus representantes sindicais não parecem ter a capacidade de influência directa sobre os empregadores. Foi precisamente no sentido de acautelar a tutela social deste grupo de trabalhadores que, ao longo dos anos 1990, foram criados alguns mecanismos de atenuação dos efeitos da 14 Tendência já constatada no início da década de 1990 e que levou alguns autores a questionar a continuação da representação sindical (Labbé, D. e Croisat, M. (1992), La fin des syndicats?, L'Harmattan, Paris). 15 A propósito da tendência para a secundarização da autonomia colectiva, nomeadamente em matéria de redução do horário de trabalho, cfr. Liberal Fernandes, F. (1997), “A organização do tempo de trabalho à luz da Lei n° 21/96”, Questões Laborais, 9/10, pp. 118 e segs. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 11 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? precariedade laboral. Os fundos de pensões norte-americanos, que se tornaram parceiros financeiros para as grandes empresas americanas, passaram – e esta é uma característica nova – a intervir na gestão directa das empresas para obter mudanças de estratégia conformes aos seus interesses facultando, por outro lado, meios de protecção social aos mais desprotegidos: os trabalhadores precários (ou contigent workers). A nosso ver, a sociedade contemporânea necessita de actores sindicais fortes para ajudarem a definir e, em consequência, auxiliarem na organização de um novo enquadramento do conjunto de alterações verificadas recentemente nos sistemas produtivos. Tratar-se-à – do ponto de vista dos sindicatos – de evitar ou atenuar efeitos sociais nefastos para certos grupos da população activa (Perrot, 1992) 17 . A nosso ver, e pondo fim a uma lógica segmentada de insiders versus outsiders 18 , a força (e mesmo a sobrevivência) das associações representativas dos trabalhadores passará, igualmente, pela reconsideração das formas de filiação dos trabalhadores que devem sobretudo apelar agora à filiação dos trabalhadores precários - um grupo de trabalhadores em crescimento –, demonstrando assim a capacidade de adaptação aos novos desafios do mercado de trabalho 19 . Por outro lado, e ao nível da segurança social, é também de notar que os trabalhadores precários experimentam também problemas de protecção social – v.g., na doença, maternidade e invalidez – sendo esta muito estrita ou mesmo nula (veja-se, por exemplo, a pensão de velhice que está prevista na maioria dos regimes assalariados ou independentes). Na medida em que estas pessoas têm empregos fracamente remunerados e períodos de trabalho frequentemente interrompidos, recebem pensões muito baixas. Será necessário, então, “reinventar” esquemas de protecção social preparando a sociedade para uma nova realidade social. Com o propósito de atenuar os efeitos sociais negativos que emergem da expansão da precariedade laboral, os sindicatos e os trabalhadores precários deverão ser encorajados a criar fundos de pensões suplementares destinados a colmatar situações de especial carência para uma 16 Acerca das actuais mutações na reorganização dos modelos sócio-produtivos, Rebelo, G. (2002), Trabalho e Igualdade- Mulheres, Teletrabalho e Trabalho a Tempo Parcial, Celta, Oeiras, pp. 3-14. 17 Nesta obra reflecte-se sobre as tácticas dos trabalhadores já empregados em empresas (insiders) (e sustentadas pelos sindicatos) para se proteger contra os trabalhadores à procura de emprego (outsiders) a fim de conservar vantagens profissionais adquiridas. 18 De acordo com Snower, é preciso criar condições de igualdade material de tratamento quer para os denominados “trabalhadores internos” (insiders) quer para os “trabalhadores externos” (outsiders, ou seja os desempregados de longa duração e os trabalhadores precários). Para este autor, a Carta Social Europeia desfavorece estes últimos, sendo igualmente uma razão para o crescimento estrutural dos contratos de trabalho precários na UE (Snower, D. (1996), “The gatering storm: unemployment and mismatch in an integrated Europe”, in Pacolet, J. (org.) Social Protection and European Economic and Monetary Union, Aldershot, Avebury, pp. 109-121). DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 12 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? população que exerce actividade laboral em condições socialmente desprotegidas. Analogamente ao que acontece com os profissionais independentes pertencentes a Ordens Profissionais, também os trabalhadores precários (a exercer actividade nos serviços, na indústria, e/ou na agricultura) deverão, no futuro, beneficiar das vantagens e protecção social mediante a criação de fundos de pensões privativos, assim como de caixas de previdência próprias. Nesta medida, os sindicatos devem adequar as suas estratégias ao novo contexto sócioeconómico, de forma a assegurar condições de trabalho para o futuro. Estas serão, na nossa óptica, vias possíveis para a obtenção de soluções socialmente equilibradas, mesmo que sejam necessárias subvenções estatais iniciais. 2.2. Os Empregadores Fundamental para a regulação do mercado de trabalho, a intervenção das associações de empregadores permite, através da sua acção económica e social 20 , exercer uma estratégia de actuação essencial nos modelos produtivos actuais. A sua participação ao nível da defesa de interesses dos seus associados (empregadores/empresas) no seu relacionamento com as organizações sindicais e com outros parceiros sociais em particular, e com a sociedade em geral, traduz o reconhecimento do poder de intervenção social das associações patronais. Como refere Margirier, uma análise global à relação entre as empresas e o mercado de trabalho demonstra que a sua intervenção junto do mercado de trabalho tem um papel preponderante, na medida em que as empresas, que criam postos de trabalho, configuram por essa via fortemente a estrutura do emprego (Margirier, 1993). Em Portugal raros têm sido os estudos dedicados aos empresários e gestores. Para Cardoso, et al., “trata-se do enviesamento ditado por preconceitos teórico-ideológicos de escolas ou correntes de pensamento que têm exercido dominância na investigação sociológica” (Cardoso et al., 1990) 21 . Não obstante, desde 1975 que, no nosso país, as três grandes 19 Assim, na nossa óptica, em geral os trabalhadores precários devem beneficiar de todos os direitos colectivos de trabalho, como o direito à liberdade sindical e o direito à greve, respectivamente consagrados a arts. 55º e 57º da Constituição da República Portuguesa. 20 Como refere Schnapper, a empresa não é apenas um órgão económico; é também um lugar que congrega e integra homens e máquinas, constituindo um meio de socialização essencial (Schnapper, D. (1998), Contra o fim do trabalho, Terramar, Lisboa, p. 79). 21 Para uma caracterização do universo empresarial português no final da década de 1980, cfr. Cardoso, J. L., et al. (1990), Empresários e Gestores da Indústria em Portugal, D. Quixote, Lisboa, p. 17. Segundo este estudo, os dados obtidos sobre a filiação em associações patronais (concretamente o caso da CIP) “não oferecem credibilidade uma vez que o carácter confederativo destas associações não permite avaliar DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 13 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? representantes das associações patronais (a CAP, a CIP e a CCSP) preenchem uma função cada vez mais importante, através de uma dimensão negocial que vai conquistando progressivo impacte na reorganização dos modelos sócio-produtivos. Num contexto de mudança acreditamos que, tal como sublinham Nollen e Axel, o actual interesse crescente dos empregadores na contratação baseada em formas de emprego precário resulta, em parte, da ideia de que gerir na base de uma força-de-trabalho precária faculta “flexibilidade” da mão-de-obra e reduz custos, sobretudo salariais (Nollen e Axel, 1998). Contudo, como referem estes autores, os benefícios e os custos do trabalho precário para as organizações baseiam-se mais nas assunções dos empregadores do que em dados estatísticos de fundo, dado que “são relativamente poucos os empregadores que estão preparados para facultar informação rigorosa e fiel sobre quantos contingent workers estão a usar num determinado momento, e quantas horas estes indivíduos trabalham, quanto tempo permanecem no emprego, qual o seu desempenho profissional, e em que medida representam, ou não, um recurso eficaz para a organização em termos de redução de custos”. Para os autores, a falta de informação no interior das empresas sobre o número de pessoal em situação de trabalho precário pode ser explicada, em larga medida, por uma ausência de planeamento estratégico e/ou de estudos que permitam avaliar o recurso a esta prática (Nollen e Axel, 1996) 22 . Este fenómeno de ausência de planeamento ou de estratégia para a utilização deste tipo de mão-de-obra – que é actualmente empregue por grande parte das empresas – conduz à ausência de estatísticas centralizadas acerca do trabalho precário, e a um não acompanhamento da sua utilização, mesmo por parte das empresas em que o seu uso será porventura mais significativo. Mas apesar da natureza ad hoc de muitas das contratações precárias e das actuais deficiências na recolha de dados e na sua medida, os empregadores acreditam que existem vantagens no recurso ao trabalho precário: estas podem originar tanto benefícios monetários, como benefícios não monetários para a organização. Para os empregadores, a contratação baseada em empregos periféricos e transitórios, menos vantajosos para o trabalhador (ao nível do salário, qualificação, possibilidades de carreira, etc), resulta da comparação para uma as participações individualizadas (...) o que comprova que à não-filiação associativa corresponde uma atitude de desconhecimento e de indiferença relativamente à acção e ao papel das associações”. 22 Segundo um relatório citado por estes autores, do Conference Board Study - elaborado em 1995 e baseado num inquérito e entrevistas com empresários -, existe uma ausência muito frequente de dados e registos por parte das empresas sobre os seus trabalhadores precários. Quase metade das empresas norte-americanas indicavam que o recurso ao trabalho precário não fazia parte de um plano estratégico: entre 40 a 60% (dependendo do tipo de contratação precária) não tinha política ou estratégia na utilização destes trabalhadores e perto de 40% admitiam que não existiam quaisquer tipos de controlo de custos sobre o seu uso. O desejo de responder rapidamente às solicitações exteriores - conduzido talvez por padrões anteriores já existentes na organização - parece servir de justificação para uma contratação baseada na precariedade. Em consequência, a contratação precária parece resultar mais de uma série de decisões laborais ad hoc do que de decisões tomadas estrategicamente no contexto dos principais objectivos de negócio de uma empresa. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 14 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? empresa entre um custo e uma receita (reduzindo-se o trabalho a um dado contabilizável) e suporá maior eficácia económica. Neste contexto, como mencionam Cardoso, et al. 23 , merece referência a atitude dos empresários portugueses em relação ao regime dos contratos a termo: “este regime contratual é genericamente praticado como modalidade de acesso ao primeiro emprego, divergindo por vezes as opiniões sobre a necessidade ou não de se perpetuarem, após um ou dois anos de regime experimental, os contratos desta natureza”(Cardoso, et al., 1990). Além disso, a proliferação de PME no tecido empresarial português 24 - que constitui também uma das condições favoráveis para a expansão da precariedade laboral – confere às empresas a possibilidade de gerir estrategicamente a força de trabalho disponível, precária ou não, em função das necessidades ditadas pela “instabilidade da conjuntura”, de modo a sustentar a sua competitividade. Uma vez que para uma regulação equilibrada do mercado de trabalho se exige disposição por parte dos empregadores para a aceitação de pressupostos comuns ao processo de diálogo social, é preciso que as empresas planeiem estrategicamente a sua renovação, com base em conceitos como a inovação e a cooperação entre empresas 25 . Relativamente a estes dois aspectos, é crucial saber em que medida a dimensão social da inovação – nomeadamente no que respeita às PME – deve ser incentivada no sentido de a promover em áreas consideradas fundamentais para a economia portuguesa (Kovács, 1996) e, por outro lado, em que medida a cooperação empresarial se pode traduzir por um desenvolvimento de novos factores de competitividade. Representando um papel significativo na sociedade portuguesa, uma vez que relacionam os diversos actores sociais de forma “por vezes cooperante, por vezes complementar e, por vezes ainda antagónica” (Cardoso, et al., 1990), as empresas enquanto entidades empregadoras não podem demitir-se de desempenhar um importante e crescente nas políticas de 23 De acordo com este estudo, elementos recolhidos no sector industrial português no final da década de 80 apontavam para 78% das empresas que contratavam trabalhadores a prazo. Para estes autores, são as condições objectivas de funcionamento da empresa que se sobrepõem e que se revelam determinantes para a definição da opinião que os empresários têm acerca deste regime contratual e não as condições subjectivas (v.g., idade, nível de instrução, funções exercidas, etc). Como se lê, “uma ilação que se poderá extrair desta análise é a de que os contratos a prazo não são entendidos como um fim em si mesmo (...) mas sim como um meio em vista garantir o eficaz cumprimento de objectivos empresariais”, cfr. Cardoso, J. L., et al. (1990), Empresários...op. cit., p. 49. 24 Reconhecida também no Fórum de Administradores de Empresas (1997), Os desafios da União Europeia, Fórum de Administradores de Empresas Editor, Lisboa. 25 Pois, como realçam Cardoso, et. al., é a miragem de uma prosperidade económica que se transforma em visão estratégica que comanda os processos de escolha e decisão, pois “os empresários não são inovadores por vocação, mas sim por necessidade (...)”(Cardoso, J. L., et al. (1990), Empresários...op. cit., p.17). DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 15 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? gestão dos recursos humanos nacionais, nomeadamente ao nível da formação profissional e de uma inserção profissional adequada 26 . Acreditamos que o esforço de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho supõe - quer por parte dos empregadores, quer dos representantes sindicais - um processo activo, formador e positivo, ou seja, uma via activa e realmente integradora (Fitoussi e Rosanvallon, 1997) 27 . Para tanto, será ainda necessário que, a par de um conjunto de subvenções à contratação facultadas pelos poderes públicos, exista uma vontade política conjunta para delinear e encetar uma estratégia da política de emprego abrangente, focalizada não apenas na diminuição do custo do factor trabalho – como parece acentuar-se nos últimos anos – mas também na inserção de trabalhadores excluídos ou em dificuldades de inserção laboral, procurando optimizar as suas condições de trabalho na empresa. A prosperidade económica e social na sociedade de informação deverá concerteza muito às empresas, essencialmente na medida em que estas sejam fonte de inovação, de criatividade e de valorização do seu factor humano. Tal como os sindicatos, também o patronato está organizado ao nível europeu numa União (a UNICE) que no seio da UE participa no diálogo social, no sentido de promover a concertação social europeia. Sabemos que a questão central que se coloca actualmente ao nível do diálogo social na Europa é a da flexibilidade das formas de trabalho pelo que, na generalidade dos países da UE, os sindicatos, os empregadores e os governos procuram entender-se sobre orientações económicas e sociais favoráveis nesta matéria 28 . Mas é também necessário que estes actores sociais a nível europeu - incluindo a Comissão Europeia, a Confederação Europeia de Sindicatos (CES), a UNICE e o Centro Europeu das Empresas Públicas (CEEP) - encetem processos de negociação social que permitam a promoção de uma política de “modernização negociada” visando quer a gestão provisional do emprego, quer garantia da “qualidade” do mesmo, a nível europeu e a nível nacional. 26 Uma vez que, e acreditamos cada vez mais, a “responsabilidade quase exclusiva do Estado pela educação/formação tende a ser questionada e transferida para a esfera da sociedade civil” (Kovács, I. (1998), “Trabalho, qualificações e aprendizagem ao longo da vida: ilusões e problemas da sociedade de informação”, in AAVV, Formação, Trabalho, Tecnologia - Para uma cultura organizacional, Celta, Oeiras, p. 70). 27 Na medida em que, como referem Fitoussi e Rosanvallon, o direito à integração considera os indivíduos como cidadãos activos. 28 A nível europeu, recorde-se que à semelhança do “pacto social estratégico” de 1996, em que o governo português e os parceiros sociais se comprometeram num conjunto de 300 medidas sociais (desde a fiscalidade à formação passando pela política industrial e de segurança social), também na Irlanda, os parceiros sociais têm vindo a assinar de três em três anos, desde 1987, um acordo tripartido sobre aspectos sociais e económicos do seu desenvolvimento (v.g., Partnership 2000); e em França, na Grécia, em Espanha e na Finlândia os acordos inter-profissionais concluídos nos últimos anos incidem sobre flexibilidade laboral, nomeadamente sobre a contratação de jovens, dispositivos de pré-reforma e reformas antecipadas, formação profissional ou de condições de despedimento (Espanha). Por seu turno, na DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 16 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? 2.3. As associações de cidadãos e as universidades Actualmente, e um pouco por toda a parte, têm surgido associações profissionais e associações de cidadãos que parecem indicar a procura de novos meios de acção social colectiva. A actividade de participação na cidadania em torno dos problemas quotidianos é uma forma de política da vida quotidiana que emerge através dos actuais problemas sociais e económicos: os indivíduos que aí participam dão-se conta de que, através destas acções, é possível tornar-se sujeito do seu próprio futuro, mesmo que seja a um nível modesto. Assumindo uma função de alargamento da esfera económica a uma gama de intervenções mais vasta ao nível social, estes diversos actores desenvolvem, no plano social, acções no sentido de constituir projectos de solidariedade que têm por objectivo activar as redes de entidades, ajudando e participando na elaboração interactiva de soluções conjuntas. Se, no plano político, reforçam a ideia de democracia e da importância dos actores da sociedade civil, no plano sócio-laboral pugnam pela criação e manutenção de “qualidade no emprego” 29 . É por isso que, socialmente, se torna importante favorecer a criação de associações e, de forma mais alargada, de laços colectivos, que possam ser locais de socialização do reconhecimento do trabalho e de transformação social. No que se refere ao papel das universidades, julgamos que é necessário que estas entidades (que assumem uma função importante na ligação entre o sistema de educação/formação e o mercado de trabalho) proporcionem correcções à formação inicial ministrada nos seus cursos em sede de formação contínua. Como defende Soete, deve valorizarse a figura das universidades enquanto instituições formadoras e “produtoras de conhecimentos”, como “parceiros de redes complexas que ultrapassem as fronteiras pedagógicas e científicas próprias do seu papel tradicional, uma vez que tal constitui um factor fundamental do desenvolvimento da economia e da sociedade baseadas no conhecimento” 30 . É preciso que, no contexto da Sociedade de Informação, seja “aproveitado” de forma plena o seu potencial de cultura e de reflexão, contribuindo para alimentar a sociabilidade democrática também no plano Holanda, Bélgica e Alemanha, os parceiros sociais têm celebrado acordos nacionais que incidem sobretudo sobre os salários e o emprego. 29 Por exemplo, desde meados da década de 1990 que as ONG procuram mobilizar, sem precedentes na história da opinião pública mundial, e de forma inédita, a negociação económica internacional. Este movimento apresenta-se como um fenómeno de contra-poder face à acção económica das multinacionais, numa altura em que estas empresas dispõem de uma margem de intervenção muito decisiva e rápida no mundo (v.g., as multinacionais entram na lista das 50 maiores potências económicas mundiais como se fossem Estados). 30 Soete, L. (2000), “A economia baseada no conhecimento num mundo globalizado - desafios e potencial”, in Boyer, R. et al., Para uma Europa da Inovação e do Conhecimento, Celta, Oeiras, p. 55. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 17 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? das relações sociais e das formas de participação social. Tudo isto, claro está, sem esquecer o papel que a investigação pode (e deve) desempenhar nestas matérias. 3. COMENTÁRIOS FINAIS A “nova cultura do trabalho e do emprego” que envolve a sociedade em geral, e os sistemas produtivos em particular, contribui para uma profunda alteração na concepção dos modos de organização do trabalho e do emprego. É no contexto desta “nova cultura” - explicável maxime através de factores de ordem económica, técnica e sociológica – que se expande a precariedade da actividade laboral. Em favor de uma repartição mais igualitária do exercício da actividade laboral, a prioridade é hoje a de reequacionar a tutela social para todos os indivíduos (incluindo-se aqui os trabalhadores precários). Trata-se de criar mecanismos que confiram a estes trabalhadores direitos face à lei, ou seja, de encontrar esquemas de atenuação dos riscos de uma precariedade que afectará, muito provavelmente, algumas das futuras gerações de trabalhadores que acederão ao mercado de trabalho. Se a dificuldade em alcançar um compromisso social relativamente ao tema da “nova cultura do trabalho e do emprego” se reflecte na forma como os problemas que esta suscita são abordados pelos actores sociais - tanto em Portugal como na generalidade dos países europeus aparece como indispensável o (re)encontro de uma forma de regulação que atenda à prevenção e/ou atenuação da discriminação social e dos desequilíbrios gerados pela precariedade laboral, mediante a acção conjugada entre os actores sociais colectivos para seu controlo: os entes públicos, os sindicatos, os empregadores e as associações de cidadãos ou as universidades. No nosso entendimento, é necessário implicar todos os actores sociais (ou seja, os organismos públicos especialmente vocacionados para as temáticas do emprego/trabalho e os parceiros sociais) na investigação e na definição das políticas de acompanhamento e de revitalização dos processos de diálogo social. Só assim se poderá procurar (re)pensar o social numa perspectiva de conciliação de interesses e de partilha de responsabilidades, reflectindo sobre os meios para integrar na vida colectiva aqueles que hoje conhecem o risco de segmentação profissional e social. DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, PORTUGAL Tel. 217938638 Fax. 217940042 E-mail: [email protected] www.dinamia.iscte.pt 18 NOVA CULTURA DO TRABALHO E DO EMPREGO: QUE DESAFIOS PARA OS ACTORES SOCIAIS? BIBILIOGRAFIA Almeida, P. P. (2001), “A negociação colectiva na Banca em Portugal”, in Banca e Bancários em Portugal, Celta, Oeiras. Bridges, W. (1995), “La fin du travail salarié”, Partage, nº 95. Cardoso, J. L., et al. (1990), Empresários e Gestores da Indústria em Portugal, D. Quixote, Lisboa. Ferry, J.M. (1995), L’allocation universelle. Pour un revenu de citoyenneté, CERF, Paris. Fitoussi, J. P. e Rosanvallon, P. 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