Considerações sobre artigo de autoria do vereador da Câmara Municipal de São Paulo Gilberto Natalini publicado na edição de 06 de maio de 2014 do jornal Folha de S. Paulo. Tendo em vista a publicação em 6 de maio último, pelo vereador Gilberto Natalini, de artigo na Folha de S. Paulo intitulado “JK foi assassinado”, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), após proceder ao exame da argumentação ali externada, reafirma as conclusões do Relatório Preliminar de Pesquisa e Laudo Pericial sobre as circunstâncias da morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek e de seu motorista Geraldo Ribeiro, divulgados em 22 de abril último. Na análise da CNV, vários argumentos elencados no referido artigo não se mostram procedentes quando cotejados com elementos materiais constantes dos seguintes documentos: 1) Laudo pericial dos autos do Processo Criminal nº 2.629/77, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; 2) Laudo pericial da Apelação Criminal n o 4.537/78, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; 3) Laudo pericial do Inquérito Policial nº 273/96, da 89ª DP de Resende; 4) 257 negativos fotográficos e imagens do acidente e de exames periciais; 5) Autos dos trabalhos da Comissão Externa da Câmara dos Deputados para o esclarecimento das circustâncias do morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Outros argumentos sustentados pelo vereador são meramente circunstanciais e nem mesmo permitem comprovação objetiva da veracidade dos fatos indicados. Diversos desses argumentos têm origem apenas em relatos de testemunhas não oculares, enquanto outros não apresentam relação lógica com o fato que se buscou provar por meio do artigo publicado, isto é, que o ex-Presidente foi assassinado por agentes da ditadura militar. Assim, todos estes elementos circunstanciais, mesmo que verossímeis na aparência, não foram capazes de refutar os elementos materiais que fundamentam as conclusões da CNV, decorrentes de estudo essencialmente técnico. Exemplos substanciais dessa inconsistência são as alegações de tentativa de suborno e ameaças a testemunhas da investigação, assim como remissões a supostas declarações da Senhora Sarah Kubitschek, nunca comprovadas. Ao contrário do que se afirma no artigo publicado na Folha em 6 de maio a respeito de suposta “troca estranha de peritos”, a CNV comprovou a participação do perito Nelson Ribeiro nos dois laudos de local do acidente que vitimou o ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Comprovou-se, de igual maneira, que o laudo de comparação de tintas foi assinado por engenheira química e que não houve troca nem adulteração do veículo Opala do ex-Presidente, nos exames de local e de justaposição. Diferentemente do afirmado de forma infundada no artigo do vereador Natalini, a CNV não fez “vistas grossas” ao depoimento do motorista Ademar Jahn, que disse ter visto o motorista do Opala Geraldo Ribeiro “com a cabeça caída entre o volante e a porta do Opala antes do choque com o caminhão”. O cotejo do depoimento com elementos materiais reunidos pela CNV revelou a completa impossibilidade material de tal visualização. Fotografias e exames demonstraram que Ribeiro não foi atingido na cabeça por projétil de arma de fogo e que, mesmo depois de entrar na pista contrária, realizou manobra à direita – ato incompatível com estado de inconsciência. Também verificou-se que o Sr. Jahn pouco ou nada viu do interior do Opala, pois à velocidade de 80 km/h, cerca de 22,2 m/s, ele teria tido somente 31 centésimos de segundo para ver o Opala cruzar a faixa esquerda da via Dutra sentido São Paulo, já que a faixa direita estava obstruída pelo Scania Vabis, conduzido por Ladislau Borges, à sua frente. Nos dois segundos que antecederam o choque do Opala com o Scania, o veículo do Sr. Jahn encontrava-se a cerca de 100 metros, e Ribeiro estava no banco esquerdo do veículo, lado oposto ao visível pelo Sr. Jahn, portanto. O acidente também ocorreu ao entardecer, momento de visualização mais difícil através de vidros de veículos. Vários itens do relatório da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, no qual se baseou o artigo do vereador Natilini, que a preside, não foram mencionados no texto publicado. Eles se apoiam na existência de um orifício no crânio de Geraldo Ribeiro, o que teria sido visto apenas pelo Sr. Alberto Carlos de Minas, numa exumação em que participaram a filha do motorista e mais de uma dezena de policiais de Minas Gerais, entre peritos, médicos e delegados, em 1996, em pleno regime democrático. A alegação contraria os laudos periciais de local e cadavérico, os laudos dos peritos mineiros e as fotografias oficiais e do jornal Estado de Minas, que mostram o crânio de Ribeiro sem perfuração. Soma-se às provas materiais, depoimento do próprio Sr. de Minas prestado à Câmara dos Deputados em 2000, quando disse ter-se mantido à distância e que havia grande número de pessoas em volta do jazigo, afirmando inclusive que o orifício que disse ter visto poderia ser fruto de sua imaginação. Outros itens reclamam a ausência de documentos e fotografias, que, no entanto, estavam arquivados no Museu da Justiça do Rio de Janeiro e na Câmara dos Deputados, comprovando-se a improcedência das alegações da Comissão do Legislativo paulistano também nesse aspecto. Da mesma forma, acusações a órgãos públicos e pessoas de que teriam escondido documentos, fotografias e vestígios materiais, caíram em descrédito na medida em que esses elementos foram encontrados pela CNV nos arquivos dos órgãos responsáveis por sua guarda, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A Comissão paulistana não levou em conta provas e documentos dos autos produzidos pela Justiça do Rio de Janeiro e pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados que investigou a morte do ex-presidente Kubitschek e de seu motorista, considerando verdadeiras informações desprovidas de comprovação. Por fim, o relatório da Comissão presidida pelo vereador Natalini invocou outro relatório, apresentado pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão da Verdade e do Memorial da Anistia Política, ambas da OAB-MG, analisado pelo subprocurador-geral da República aposentado Wagner Gonçalves, colaborador da CNV. Em seu parecer, Gonçalves conclui: ”Desse modo, ante as provas existentes e aqui mencionadas, seja na ação penal, sejam aquelas levantadas pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados, sejam as pesquisas feitas no Arquivo Nacional e no Memorial JK – onde nenhum indício foi encontrado até hoje, que comprometesse a Ditadura no acidente – e, ainda, pelas pesquisas desenvolvidas por outros profissionais (escritores, professores, jornalistas, advogados etc), não se justifica mais continuar afirmando que houve atentado e/ou assassinato. Não se pode dizer que o Regime Militar não quisesse matar JK, ao contrário. Mas, por força dos fatos e das provas existentes, não foi ele que o fez. O imponderável agiu antes, para gáudio dos torturadores e assassinos de plantão.” As inconsistências presentes no relatório da Comissão da Câmara Municipal de São Paulo e no artigo publicado na Folha de S. Paulo desacreditam a pretensão de apontar indícios de assassinato cometido pela ditadura militar contra o expresidente Kubistchek, seja pela falta de fundamentos das alegações, seja pela evidente contrariedade às provas materiais coligidas e analisadas pela CNV. De modo geral, as conclusões do relatório e do artigo querem fazer crer em conluio de agentes públicos – peritos oficiais de três Estados, servidores de polícia, delegados, promotores e juízes, parlamentares federais, que analisaram o conjunto probatório dos procedimentos de que participaram – imbuídos da intenção de esconder o suposto assassinado do ex-presidente ao longo dos últimos quase 40 anos. Tal entendimento não encontra respaldo fático e foi refutado pela análise de documentação, fotografias e elementos equivocadamente tidos pela pela Comissão paulistana como desaparecidos ou destruídos. Assim, a CNV uma vez mais se manifesta no sentido da conclusão de que não há prova material ou indícios que comprovem que o ex-presidente Juscelino Kubitschek tenha sido vítima de atentado, havendo, em contrapartida, robustas evidências de que ele faleceu em decorrência do acidente de trânsito. Comissão Nacional da Verdade Brasília, maio de 2014