A revolução de agosto2010 Jornal Unesp Opinião 80anos Revolução e revoluções Reprodução de foto da época, que mostra Palácio da Guanabara tomado pelos revoltosos 2 1930 Com movimento que em 1930 levou Getúlio Vargas ao poder, elites evitaram mudanças mais profundas Denise Moura N este ano de 2010, o Brasil comemora 80 anos da revolução de 1930, aquela que entrou para os manuais de história, cravou na memória popular e levou GetúlioVargas a começar uma era que durou até 1945. Mas o Brasil sempre viveu um clima de revoluções iminentes e interrompidas pela revolução das elites. Revolução institucionalizada e organizada, que procurou substituir o impulso da indignação pela racionalidade serena dos pronunciamentos. Sérgio Buarque de Holanda foi um dos que melhor definiram este comportamento previdente das elites no Brasil, que sempre procuraram se antecipar aos resultados imprevisíveis das revoluções prestes a ocorrer. Desde o início do século XX, vários escritores alertaram uma elite pouco interessada em ouvir o quanto da cidade ao sertão havia desigualdades que de fato foram fermento para muitas das revoluções duramente interrompidas na Primeira República: os movimentos grevistas, Contestado, Canudos. Às vésperas de 1930, Luís Carlos Prestes, ex-militar que havia percorrido o Brasil na sua cruzada para levar ideais revolucionários da casa ao mocambo, não pregava contra os cafeicultores do Partido Republicano Paulista e estava mais interessado na superação das desigualdades sociais, na distribuição de terra para todos e no fim dos imperialismos de outras nações. Os operários não queriam chegar ao poder. Aspiravam a salários dignos, à chance de também ser patrões, aposentadoria, amparo na doença, férias remuneradas e trabalho. Mas só estes desejos já eram revolucionários numa república de minorias que nasceu enxuta de direitos sociais e políticos. Nos anos de 1920, da Europa ao norte do continente, a opinião das elites se tornou mais atenta às revoluções iminentes que os trabalhadores poderiam fazer. Em 1917, a Rússia já havia dado sinais com sua revolução, e o Estado descomprometido dos problemas da sociedade não agradava mais ninguém: os pobres, porque queriam proteção, e as elites, porque queriam proteção contra a ameaça dos pobres. No Brasil, foi no curso deste clima e aproveitando-se da corrupção despreocupada dos que estavam no poder que houve a invenção de uma revolução que atrapalhasse tantas outras que operários, intelectuais e sertanejos já vinham fazendo. GetúlioVargas, tal como o Marechal Deodoro em 1889, mal queria fazer a revolução. Seus aliados do Sul e de Minas, junto com militares da Coluna Prestes refugiados no Uruguai e na Argentina, foram preparando a revolução desde a derrota nas eleições presidenciais de março de 1930. Este artigo está disponível no “Debate acadêmico” do Portal Unesp, no endereço <http://www.unesp.br/ aci/debate/270110-denisemoura.php>. Este texto não reflete necessariamente a opinião do Jornal Unesp. Da sala de sua estância, em São Borja, Getúlio acompanhava tudo a contragosto. Assim como o marechal amava o monarca Pedro II, Getúlio era amigo e ministro da Fazenda do presidente paulista Washington Luís. Com muito acanhamento aceitou concorrer às eleições para presidente de 1930. Temia derrotar o candidato do presidente e melindrar a amizade ou dívida de favor que tinham um pelo outro. Salvou-o a corrupção na apuração dos votos num país que na época não tinha Justiça Eleitoral. Mas menos intempestivo que o general Olimpio Mourão, que começou a outra também chamada por alguns “revolução” de 1964, o grupo de políticos mineiros, do Sul e de São Paulo achou por bem ir preparando com vagar a sua revolução. O ponto certo veio quando João Pessoa, vice de GetúlioVargas nas eleições de 1930, foi assassinado no Recife por questões meramente pessoais. Entre poucos mortos e feridos e batalhões inflamados, Getúlio Vargas, então presidente do Rio Grande do Sul, meteu-se num fardão militar, que fazia mais fama na época, e seguiu de trem até o Rio de Janeiro, engrossando como líder, ao longo do trajeto, o coro das elites descontentes com seus compadres e afilhados que não lhes davam vez no poder. A revolução de 1930 liderada por GetúlioVargas foi obrigada a concretizar mudanças políticas e sociais que outros revolucionários há certo tempo vinham insistindo para que acontecessem, e não havia mais paciência nas ruas das grandes cidades, nos sertões e nas letras indignadas de escritores pouco ouvidos. A revolução de 1930 não foi uma revolução, mas uma interrupção de movimentos revolucionários. Na política, tudo não passou de uma troca de lugares entre compadres, para fazer uma “revolução serena”, antes que o povo a fizesse pela revolução, como disse o compadre mineiro Antonio Carlos, que perdeu as eleições para Júlio Prestes. A movimentação dos revolucionários liderados por Getúlio lembra muito as movimentações institucionais de hoje, que hasteiam bandeiras anticorrupção e de luta em defesa da democracia. Parecem as birras partidárias da época. De um lado, o Partido Republicano Paulista, de outro, o Partido Democrático, criado em 1926 pelo grupo dos descontentes da política paulista. Sem lugar no funcionalismo paulista e no poder político, os descontentes viram no Getúlio que liderou a revolução de 1930 a oportunidade de ocupar o lugar que muitos de seus aparentados insistiam em não deixar. O tiro saiu pela culatra e por isto tiveram de fazer uma outra revolução em 1932, mas esta era dos paulistas. Os que mandam no Brasil nunca gostaram de revoluções e quando pressentiram que elas poderiam acontecer fizeram a revolução – e esta completa 80 anos! Denise Moura é doutora em História Econômica pela USP, com pós-doutorado na Universidade Nova de Lisboa. Atualmente, é professora de História do Brasil no Departamento de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Unesp, supervisora do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Histórica (Cedaph) e pesquisadora da Cátedra Jaime Cortesão da USP. Autora de Sociedade movediça: economia, cultura e relações sociais em São Paulo, Editora Unesp, 2006.