Introdução à Educação Cristã (6)
– Reflexões, Desafios e Pressupostos –
E. A Palavra de Deus como Fundamento da Educação Cristã: Sua
Utilidade e Praticidade:
“É somente através do ministério da
Igreja que Deus gera filhos para si e os
educa até que atravessem a adolescência e alcancem a maturidade”–
João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.26), p. 144.
Introdução: Por uma teologia edificante:
Aproveitei um feriado para tentar arrumar a minha mesa e passar os olhos em alguns dos livros recentemente adquiridos (2007). Um dos livros examinados foi o de
1
John Piper, Não Jogue Sua Vida Fora. No início do livro o autor narra (2003) o seu
primeiro contato com as obras de C.S. Lewis (1898-1963) e faz um comentário que
me pareceu muito pertinente:
“Alguém me apresentou a Lewis no meu ano de calouro [1964] com o
2
livro Cristianismo Simples. Durante os cinco ou seis anos seguintes quase
nunca eu estava sem um livro de Lewis à mão....
“Ele me fez ter cautela quanto ao esnobismo cronológico. Isto é, ele me
mostrou que o novo não é nenhuma virtude e o velho nenhum vício. A
verdade e beleza e bondade não são avaliadas por quando existiram.
Nada é inferior por ser velho, e nada é valioso por ser moderno. Isso me libertou da tirania da novidade e abriu para mim a sabedoria das eras. Até
hoje eu recebo a maioria de meu alimento-da-alma de séculos passados.
Agradeço a Deus pela demonstração convincente do óbvio que Lewis
3
me deu”.
Este testemunho de Piper é-nos bastante oportuno considerando a identificação
comum entre novo = bom e antigo = ruim. É claro que podemos cair numa tentação
1
2
John Piper, Não Jogue Sua Vida Fora, São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
Esta obra, publicada originalmente em inglês (1942), foi traduzida para o português e publicada primariamente pela Editora Luterana em 1964, com o título A Razão do Cristianismo. Posteriormente a
obra passou por uma nova tradução, desta vez publicada pela ABU Editora sem indicação de data,
recebendo o título A Essência do Cristianismo Autêntico. Esta mesma editora lançou outra edição
(1979), agora, com o título Cristianismo Puro e Simples.
3
John Piper, Não Jogue Sua Vida Fora, São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 17.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 2
oposta fazendo a seguinte associação: novo = ruim e antigo = bom. A rigor falando,
a essência de algo não está em sua pura e simples cronologia; tal pensamento seria
uma ditadura do tempo que nos faria cometer uma série de injustiças por não nos
saber valer daquilo que realmente é relevante independentemente de sua idade. O
nome e a idade não conferem por si só valor ou desqualificam um conceito ou teoria.
Uma tendência já não tão moderna é o suposto academicismo teológico. Tendemos a pensar que os nomes que atribuímos à realidade mudam objetivamente a sua
essência e não simplesmente a percepção do real. Isto me faz lembrar a observação
de Tucídides (c. 465-395 a.C.) em sua monumental obra, História da Guerra do Peloponeso, de que “a significação normal das palavras em relação aos atos
muda segundo os caprichos dos homens. A audácia irracional passa a ser
considerada lealdade corajosa em relação ao partido; a hesitação prudente se torna covardia dissimulada; a moderação passa a ser uma máscara
para a fraqueza covarde, e agir inteligentemente equivale à inércia total. Os
impulsos precipitados são vistos como uma virtude viril, mas a prudência no
4
deliberar é um pretexto para a omissão....”. De fato, as palavras mudam o significado e, a bem de verdade, muito é construído a partir do novo significado, contudo,
isto não modifica a coisa em si, a sua essência. Não podemos gerar a verdade, ape5
nas a constatamos. Partindo de uma perspectiva ontológica, afirma Agostinho
(354-430): “A verdade fundamenta-se de modo permanente na razão das
6
coisas e foi estabelecida por Deus”. Parece-me também correta a máxima prática de Renan (1823-1892): “Notai que nenhuma verdade se perde, que ne7
nhum erro se fixa”.
Nesta luta pela legitimação do ideal por intermédio da sofisticação gramatical,
têm-se valido de nomes novos para vícios antigos com objetivo de transvestir a realidade com as roupas que quero, contudo, que não estou disposto a pagar. Assim,
fala-se de “teologia acadêmica” em oposição a uma, quem sabe, “teologia piedosa”
ou, talvez, “teologia de seminário”. À primeira vista, a impressão que se tem é que a
teologia acadêmica é detentora de grande profundidade e a teologia piedosa serve
apenas para contentar mentes menos brilhantes – que se satisfazem com um requentar teológico já bastante envelhecido – e corações menos angustiados que se
4
Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1982,
II.82. p. 167.
5
“Não é o ato de reflexão que cria as verdades. Ele somente as constata. Portanto, antes de
serem constatadas, elas permaneciam em si, e uma vez constatadas essas verdades nos renovam" (Agostinho, A Verdadeira Religião, São Paulo: Paulinas, 1987, XXXIX.73. p. 108).
6
Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.33. p. 140-141. Em outro lugar: “O
verdadeiro é o que é em si (...) é o que é” (Agostinho, Solilóquios, São Paulo: Paulinas, 1993, II.5.8. p. 76-77). “De modo algum poderias negar a existência de uma verdade imutável que
contém em si todas as coisas mutáveis e verdadeiras. E não as poderás considerar como
sendo tua ou como exclusivamente minha, nem de ninguém. Pelo contrário, apresenta-se
ela e oferece-se universalmente a todos os que são capazes de contemplar realidades invariavelmente verdadeiras” (Agostinho, O Livre-Arbítrio, São Paulo: Paulus, 1995, 12.33, p. 116117). Na mesma linha de raciocínio escreveu Calvino: “Ainda que o mundo inteiro fosse incrédulo, a verdade de Deus permaneceria inabalável e intocável” [João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 48-49].
7
Ernest Renan, O Futuro da Ciência, Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1950, p. 15.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 3
acalmam com amenidades do coração. De início é preciso que detectemos um equivoco grosseiro: a teologia deve ter sempre um compromisso com a Igreja, leia-se,
com os fiéis no sentido de instruí-los, alimentá-los, corrigi-los e aconselhá-los. A verdadeira teologia só é de fato relevante, se for bíblica. É por isso que todo teólogo
deve ser um exegeta já que é da Palavra que brota a sua fé (Rm 10.17; Tg 1.18;
1Pe 1.23) e de onde ele tira todo o seu ensinamento. Somente assim ele poderá atender à instrução de Paulo dada ao jovem ministro Timóteo: “Procura (spouda/zw =
8
“esforçar-se com zelo”, “apressar-se”) apresentar-te a Deus, aprovado , como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a Palavra da verdade
(a)lh/qeia)” (2Tm 2.15).
Calvino, pastoralmente, traduz a metáfora usada por Paulo, “maneja bem” (2Tm
2.15) por “dividindo bem”, fazendo a seguinte aplicação: “Paulo (...) designa aos
mestres o dever de gravar ou ministrar a Palavra, como um pai divide um
pão em pequenos pedaços para alimentar seus filhos. Ele aconselha Timóteo
a ‘dividir bem’, para não suceder que, como fazem os homens inexperientes
que, cortando a superfície, deixam o miolo e a medula intactos. Tomo, porém, o que está expresso aqui como uma aplicação geral e como uma referência à judiciosa ministração da Palavra, a qual é adaptada para o proveito daqueles que a ouvem. Há quem a mutile, há quem a desmembre, há
quem a distorce, há quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como observei, se mantém na superfície, jamais penetrando o âmago da doutrina.
Ele contrasta todos esses erros com a boa ministração, ou seja, um método
de exposição adequado à edificação. Aqui está uma regra pela qual de9
vemos julgar cada interpretação da Escritura”.
O velho Calvino (1509-1564) tem algo a nos dizer, teólogos acadêmicos do século
XXI: “Visto que todos os questionamentos supérfluos que não se inclinam para a edificação devem ser com toda razão suspeitos e mesmo detestados
pelos cristãos piedosos, a única recomendação legítima da doutrina é que
ela nos instrui na reverência e no temor de Deus. E assim aprendemos que o
homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é a10
quele que pode edificar a consciência humana no temor de Deus”.
Contudo, hoje, lamentavelmente podemos falar de uma teologia acadêmica irrelevante. Irrelevante porque, na realidade, não é acadêmica. O nome acadêmico não
pode servir apenas como abrigo para uma casta de pensadores que só pensam em
si mesmos enquanto são alimentados pela Igreja. A academia, portanto – que não
8
Spouda/zw, que é bem traduzido em Ef 4.3 por “esforçando-vos diligentemente” (ARA), tem a sua
ênfase enfraquecida em ARA, ARC e BJ, que o traduzem por “procurando”. Spouda/zw ocorre 11 vezes no NT (* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14), tendo o
sentido de “correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso,
diligente”, “esforço”, “aplicação”. Spouda/zw denota uma diligência que se esforça por fazer todo o
possível para alcançar o seu objetivo.
9
João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.15), p. 235.
10
João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.1), p. 300.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 4
pode ter como fim a si mesma, olhando apenas para o seu umbigo –, deveria ser
entendida como serva da Igreja, lugar de estudos sérios e profundos, feitos por homens e mulheres comprometidos com a Revelação de Deus, desejosos de compreender melhor a Palavra para poder vivenciá-la e ensiná-la com maior precisão, riqueza, submissão e unção. A teologia, portanto, não termina em conhecimento teórico e abstrato, antes se plenifica no conhecimento prático e existencial de Deus apor intermédio da Sua Revelação nas Escrituras Sagradas, mediante a iluminação
11
do Espírito. Conhecer a Deus é obedecer a Seus mandamentos (1Jo 2.4). “A boa
12
teologia desloca-se da cabeça até o coração e, finalmente, até a mão”.
A teologia não pode ser um estudo descompromissado feito por um transeunte acadêmico; ela é função da Igreja Cristã, dentro da qual estamos inseridos. “Estudamos dogmática como membros da Igreja, com a consciência que temos
uma incumbência dada por ela um serviço a lhe prestar, devido a uma
13
compulsão que pode originar-se somente no seu interior”. “Pensamento
dogmático não é somente pensar sobre a fé, é um pensar crendo”, conclui
14
Brunner (1889-1966).
No entanto, temos teólogos que já iniciam a sua “vida acadêmica” abandonando a
igreja local, distanciando-se do povo de Deus e, para agravar a situação, perfeitamente compreensível, não conseguem produzir nada de útil à Igreja. A sua produção, rara é verdade, trata de questões que se restringem aos seus coleguinhas acadêmicos que vão citá-la em suas aulas, palestras e em alguma obra que consiga
escrever, crendo assim, no poder transmetafísico da linguagem que é capaz de
transformar a realidade; seria uma espécie de mantra acadêmico filantrópico. Deste
modo, imaginam de forma indagatória com alguma credibilidade fenomênica: quem
sabe se todos nós juntos começarmos a falar da grandeza de um pensamento ele
não se torne grande?!... Certamente se tornará grande entre os acadêmicos de sua
escola que se pastoreiam a si mesmos.
A atitude aparentemente inofensiva de deixar a igreja local é a causa da degringolada espiritual e intelectual. A igreja local “humaniza” o teólogo. É no contato com o
povo de Deus, com os seus sonhos, necessidades, angústias e o compartilhar da fé,
que somos trazidos à realidade concreta da cotidianidade de nossos irmãos e, muitas vezes, redirecionamos as nossas pesquisas, reavaliamos as nossas prioridades
e crescemos em nossa fé. A teologia, por sua vez, que termina em si mesma, tenderá a nos afastar da pureza e simplicidade do Evangelho, tornando-nos arrogantes e
15
16
presunçosos. A igreja, de fato, é a “escola de Deus” para todos, inclusive para o teólogo. Parece-me pertinente a constatação de Veith: “Os cristãos, não importa quão intelectualmente sofisticados eles possam ser, devem se subme11
“Aquele que diz: Eu o conheço (ginw/skw) e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2.4).
12
Stanley J. Grenz & Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo sobre Deus
e sua relação com o ser humano, São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 51.
13
14
15
16
Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, Vol. 1, p. 15.
Emil Brunner, Dogmática, Vol. 1, p. 18.
Veja-se: J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, 3ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1987, p. 13.
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.7), p.136.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 5
ter à disciplina e à comunhão de uma congregação local e, ao fazer isso,
17
eles encontrarão um fundamento espiritual precioso”.
Tais teólogos ufanam-se de serem acadêmicos. De fato, são acadêmicos: não
crêem na autoridade das Escrituras, não pastoreiam, não frequentam igreja, não
produzem... São acadêmicos: são mantidos pela academia/Igreja, se esgueirando
entre um evento e outro numa troca de favores sem-fim onde as instituições servem
apenas para alimentá-los! Triste perspectiva.
Deixe-me voltar ao velho Calvino: "Também hoje, quando definimos a verdadeira teologia, faz-se plenamente evidente que nós é que desejamos restaurar algo que foi miseravelmente mutilado e desfigurado por esses homens
frívolos que se incham ante o fútil título de teólogos, mas que nada oferecem
18
senão ninharias degeneradas e inexpressivas".
A teologia como estudo da Palavra, não pode ser algo simplesmente teórico, menos ainda especulativo e abstrato –, antes tem uma relação direta com a vida daque19
Brunner (1889les que a estudam; ela é, portanto, uma ciência teórica e prática.
1966), um dos mais conceituados teólogo do século XX, faz uma declaração elucidante: “O teólogo dogmático que não percebe que seu trabalho o compele
à orar freqüente e urgentemente, do fundo do coração: ‘Deus, sê propício a
20
mim pecador’, está bem pouco adaptado ao seu trabalho”. A profundidade
do conhecimento dos ensinamentos da Palavra deve estar em ordem direta com a
nossa vida cristã. A teologia oferece-nos subsídios, para que possamos conhecer
21
mais a Deus – que deve ser o nosso objetivo principal –, por meio de Sua Revelação Especial nas Escrituras. A dissociação entre teologia e vida é algo estranho à fé
cristã e conseqüentemente à Igreja de Cristo.
Num cristianismo brasileiro repleto de superstições, assim como foi o caso da
Reforma Protestante, a teologia deve ter o sentido de resgatar a pureza dos ensinamentos bíblicos a fim de purificar a mensagem que tem sido transmitida ao longo
22
dos séculos. Notemos, portanto, que a teologia tem um compromisso com a edificação da Igreja (Ef 4.11-16): A Igreja é enriquecida espiritualmente com os ensinamentos da Palavra, os quais cabe à teologia organizar. “A teologia é o sustento
17
18
19
Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 95.
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.4), p. 31-32.
Veja-se: Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian
and Reformed Publishing Company, 1992, Vol. I, 1,7. p. 20-22.
20
21
Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, Vol. 1, p. 120.
Vd. D.M. Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1992, p. 161. Esse conhecimento conduz-nos invariavelmente ao culto: “O conhecimento de Deus não está posto em fria especulação, mas Lhe traz consigo o culto” (J. Calvino, As Institutas, I.12.1). (Do mesmo modo, ver: Wayne Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo:
Vida Nova, 1999, p. 16-17).
22
Cf. Emil Brunner, Dogmática, Vol. 1, p. 24.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 6
23
da vida cristã”. Ela “alicerça a vivência cristã”. Deste modo, vale a pena
lembrar a observação de Barth (1886-1968): “O pregador (...) com toda modéstia e seriedade, deve trabalhar, lutar para apresentar corretamente a Palavra, sabendo perfeitamente que o recte docere só pode ser realizado pelo
24
Espírito Santo”. Lutero (1483-1546) já recomendara: “A pregação e a oração
25
estão sempre juntas”.
A Palavra é a fonte de onde parte todo o ensino cristão. Paulo, inspirado por
Deus, escreve: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de
Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17). O
“proveitoso”, tem a ver com o objetivo de Deus para o Seu povo: que tenha uma vida
26
piedosa e santa; seja maduro (perfeito).
Todavia, quando nos distanciamos da Palavra terminamos por substituí-la por
elementos que julgamos poder entreter ou instruir intelectualmente o povo. A teologia contemporânea, que em determinados grupos, cada vez mais se confunde com
uma ciência social, tende a simplesmente a apresentar uma mensagem puramente
intelectualizada. Veith mais uma vez é-nos útil: “Para se tornar intelectualmente
respeitável, e ser aceita como instrução acadêmica legítima, a teologia
contemporânea com freqüência rejeitou a sua substância tópica. A teologia
contemporânea muitas vezes deixa de ser Teologia. Em vez disso, torna-se
Psicologia, Sociologia, Filosofia ou Política. O sobrenatural é excluído em favor de explicações naturalistas a ponto que a Teologia ter de, por sua pró27
pria metodologia, excluir Deus”.
O grande teólogo Herman Bavinck (1854-1921), em sua aula inaugural em Amsterdã, sobre Religião e Teologia, disse:
“Religião, o temor de Deus, deve ser o elemento que inspira e anima a
investigação teológica. Isso deve marcar a cadência da ciência. O teólogo é uma pessoa que se esforça para falar sobre Deus porque ele fala fora de Deus e por meio de Deus. Professar a teologia é fazer um trabalho
santo. É realizar uma ministração sacerdotal na casa do Senhor. Isso é por
si mesmo um serviço de culto, uma consagração da mente e do coração
28
em honra ao Seu nome”.
Em sua Dogmática, nos instrui:
23
Stanley J. Grenz & Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo sobre Deus
e sua relação com o ser humano, p. 46 e 47.
24
25
Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 46.
M. Lutero, Luther’s Works, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1960, Vol. II, (Gn 13.4), p.
333.
26
27
28
J. Calvino, As Pastorais, (2Tm 3.16-17), p. 264.
Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, p. 54.
Apud Henry Zylstra em prefácio à obra de Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed., Grand Rapids,
Michigan: Baker Book House, 1984, p. 7
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 7
“.... Teólogo, um verdadeiro teólogo, é aquele que fala de Deus, da
parte de Deus, a respeito de Deus, e sempre faz isto para a glorificação
do Seu nome. Entre o instruído e o simples há uma diferença de grau. Ambos têm um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos. Porém
a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom
29
de Cristo. (Ef 4.5-7)”.
A Igreja deve perseverar no estudo da Palavra. Ela é-nos suficiente para todas as
nossas necessidades. A Igreja quando se afasta da Palavra nega a sua própria condição essencial: cultuar a Deus e pregar a Palavra conforme os ensinamentos do
próprio Deus. Assim, nestes tópicos, queremos enfocar a Autoridade, Utilidade e
Praticidade da Palavra.
1) A AUTORIDADE DA PALAVRA:
Paulo, no final de sua vida, como que deixando o seu testamento espiritual, escreve a Timóteo: "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensino,
(didaskali/a) para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça"
(2Tm 3.16).
Deste ensinamento bíblico, devemos primariamente, destacar algumas coisas:
A) DEUS FALA POR INTERMÉDIO DA ESCRITURA:
Quando estudamos a Bíblia, devemos ter consciência de que temos
em mãos a Palavra autoritativa de Deus. O nosso Deus não é um Deus distante,
com o qual não possamos falar ou, hipótese pior: a Quem não possamos ouvir. O
Deus que habita em nós, fala-nos por intermédio da Sua Palavra; ela é a eterna
Palavra para o nosso hoje existencial. Esta convicção é a base da cosmovisão cris30
tã.
B) A ESCRITURA É PLENAMENTE INSPIRADA:
"Toda a Escritura é inspirada". De Gênesis ao Apocalipse, tudo o que foi
registrado, o foi pela vontade de Deus. Deste modo, a Escritura é plena e igualmente Palavra de Deus para nós. Todos os Livros das Escrituras têm o mesmo
29
30
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 31.
“Uma verdadeira visão cristã de mundo começa com a convicção de que o próprio
Deus falou nas Escrituras. (...) As Escrituras, portanto, são o modelo no qual devemos testar
todas as outras declarações da verdade. A menos que esse conceito básico domine nossa
perspectiva em toda a vida, não podemos legitimamente declarar termos adotado a visão
cristã do mundo” (John MacArthur, Adotando a Autoridade e a Suficiência das Escrituras: In: John
MacArthur, et. al. eds. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã de mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 25).
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 8
valor, visto ser proveniente de Deus; é a Sua Palavra.
Pedro, inspirado por Deus, escreve: ".... Nenhuma profecia da Escritura provém
de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo
Espírito Santo" (2Pe 1.20-21).
Deste modo, a autoridade das Escrituras não procede de homem algum, mas
do próprio Deus; é Deus mesmo Quem confirma a Sua Palavra: "A Palavra não
recebe a sua autoridade divina através da pessoa que a proclama; pelo
31
contrário, ela a tem em si mesma".
C) A ESCRITURA É SOBRENATURAL:
Toda a Escritura procede de Deus. "....homens santos falaram da parte
de Deus movidos pelo Espírito Santo" (2Pe 1.20-21). Ela é sobrenatural poor ter
sido originada em Deus e produzir efeitos sobrenaturais, mediante a ação do Espírito
Santo, em todos aqueles que crêem em Cristo (Jo 17.17; Rm 10.17; Cl 1.3-6; 1Pe
32
1.23). É por meio da Palavra que Deus gera os seus filhos espirituais.
31
Ph. J. Spener, Mudança para o Futuro: Pia Desideria, Curitiba/São Bernardo do Campo, SP.: Encontrão Editora/Instituto Ecumênico de Pós Graduação em Ciências da Religião, 1996, p. 39.
32
Vd. J.M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica,
São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 162.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 9
2) A PRATICIDADE DA PALAVRA:
“Um ministro sábio deve determinar
qual deva ser o seu método de ensino,
e persistir neste plano” − João Calvino.
33
“Um sábio mestre tem a responsabilidade de acomodar-se ao poder de
compreensão daqueles a quem ele
administra o ensino, de modo a iniciarse com os princípios rudimentares
quando instrui os débeis e ignorantes,
não lhes dando algo que porventura seja mais forte do que podem suportar” −
João Calvino.
34
“Não é igreja aquela que, ultrapassando os limites da Palavra de Deus, diverte-se em fazer novas leis e inventar
novos modos de servir a Deus” − João
Calvino.
35
O escritor da Epístola aos Hebreus declara que "....A Palavra de Deus é viva e
eficaz” (Hb 4.12). Ela não é uma verdade morta, que desperta curiosidade apenas
por fazer parte do ossuário, das relíquias, da arqueologia ou da historiografia, sendo
estudada unicamente como um exercício de reflexão histórica para a nossa mera curiosidade, ou, quem sabe, para entendermos como viviam os povos na Antiguidade...
Não, a Palavra de Deus é uma verdade viva, que tem a mesma vivacidade de quando foi revelada por Deus aos seus servos, que a registraram inspirados pelo Espírito
Santo. Ela continua com a mesma eficácia para os questionamentos existenciais do
homem moderno. Muitas vezes, o problema de nós, homens do século XXI, – e até
mesmo para muitos de nós cristãos, e digo isso com pesar –, é que amiúde, sem
percebermos, trocamos os preceitos da Bíblia por conselhos de revistas, por modismos veiculados pelos meios de comunicação, pelo modus vivendi e faciendi contemporâneos; substituímos a Bíblia pela psicologia, filosofia, sociologia, antropologia
e até mesmo, astrologia, colocando-as como o nosso parâmetro de comportamento,
em detrimento da inerrante, infalível Palavra de Deus, que é a verdade verdadeira,
viva e eficaz de Deus para nós. Isto tudo nós fazemos, em nome de uma suposta
"prática", esquecendo-nos de que toda e cada parte do ensino bíblico é urgente e
necessariamente prática, relevante para nós. “Não há livro mais prático do que a
Bíblia. Ela é o livro que fala ao mundo como ele se encontra neste exato
36
momento”.
33
34
35
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.18), p. 147.
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.1), p. 98-99.
João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,
São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 4, (IV.15), p. 116-117.
36
David M. Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2ª ed. Rio de Janeiro:
Textus, 2004, p. 13. “Uma coisa muito maravilhosa que transparece quando você lê a Bíblia e
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 10
Como vimos, Deus nos convida a um exame de Sua Palavra; nela temos os Seus
ensinamentos e promessas que, de fato, podem iluminar os nossos olhos, apontando e nos capacitando a seguir o Seu caminho. “Porque o mandamento é lâmpada, e
a instrução, luz (‫'( )אור‬or)....” (Pv 6.23). Esta é a experiência do salmista: “Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro
e ilumina (‫'( )אור‬or) os olhos” (Sl 19.8). A Palavra de Deus nos dá discernimento com
clareza: “A revelação das tuas palavras esclarece (‫'( )אור‬or) e dá entendimento (‫)בּין‬
(biyn) aos simples” (Sl 119.130). “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz
(‫'( )אור‬or) para os meus caminhos” (Sl 119.105). Jesus Cristo, a Palavra encarnada,
nos diz: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo con37
trário, terá a luz da vida” (Jo 8.12/Is 49.6). Somente a Palavra de Deus pode
transmitir a alegria real e duradoura ao nosso coração. Ela dispersa as nuvens de
incertezas e contradições de uma sociedade pervertida, nos mostrando os verdadeiros valores. No ato de seguir as veredas de Deus, vamos descobrindo a sensatez e
alegria da obediência: os nossos caminhos vão se aclarando: “.... a vereda dos jus38
tos é como a luz (‫'( )אור‬or) da aurora, que vai brilhando (‫'( )אור‬or) mais e mais até
ser dia perfeito” (Pv 4.18). Assim, gradativamente, esta alegria vai se refletindo até
mesmo em nosso semblante: “Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação
das coisas? A sabedoria do homem faz reluzir o seu rosto (‫'( )אור‬or), e muda-se a dureza da sua face” (Ec 8.1).
Quando adotamos essa "prática" destoante das Escrituras, cometemos uma total
inversão de valores: Assimilamos os conceitos humanos que, quando corretos, nada
acrescentam à Palavra, mas que, na realidade, na maioria das vezes, estão totalmente equivocados, porque desconhecem a dimensão do eterno, os valores celestiais para a nossa vida aqui e agora e, por isso mesmo, apresentam ensinamentos
mundanos, frutos de uma geração corrompida. Tais conceitos assumem na vida da
Igreja um papel orientador! A Igreja, ao contrário disso, é chamada a ser uma antítese ativa contra os valores deste século; ela é convocada a viver a Palavra, a considerá-la como de fato é, a Palavra infalivelmente viva e eficaz para a nossa vida: A
Palavra final de Deus para a nossa existência terrena.
A Bíblia não é um livro teórico, com regras ultrapassadas, circunscritas a épocas
e culturas; antes, ela é um livro prático, que traz princípios preventivos e profiláticos
para todos os problemas antigos, modernos e futuros. O problema é que, na história
da humanidade, nenhum povo observou fielmente os mandamentos de Deus. Contudo, podemos notar que aqueles que, ainda que por um pouco de tempo da sua
história, procuraram moldar a sua prática pela Palavra de Deus, colheram os frutos
das promessas divinas, guardados para aqueles que Lhe obedecem.
aprende a conhecê-la inteiramente é descobrir que ela é um livro atualizado e muito contemporâneo. É um livro que fala a todas as épocas e gerações, porque a humanidade
permanece a mesma em todas as suas qualidades essenciais, e Deus continua o mesmo.
Assim, a mensagem de Deus para o mundo é ainda esta velha mensagem, e eu quero mostrar-lhe quão relevante ela é para o mundo de hoje” [David M. Lloyd-Jones, Uma Nação sob a
Ira de Deus: estudos em Isaías 5, p. 12].
37
“Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os
remanescentes de Israel; também te dei como luz (‫'( )אור‬ôr) para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra” (Is 49.6).
38
A grafia de “luz”, “ser luz”, “tornar-se luz” e “brilhar” é a mesma no hebraico.
Introdução à Educação Cristã (6) – Rev. Hermisten – 09/04/10 – 11
39
A Lei de Deus continua sendo o princípio norteador de toda a vida cristã; Deus
continua ordenando que nós não adulteremos, não roubemos, não matemos, que
honremos os nossos pais, que O adoremos com exclusividade... Por isso é que "entre todas as filosofias de vida, a única que nos orientará seguramente para
40
agradá-Lo tem de ser aquela ensinada na Bíblia".
Maringá, 9 de abril de 2010.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
39
"A vida cristã é integral; a fé cristã tem o que dizer acerca de cada esfera e cada aspecto
da vida" (D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 111).
40
R.P. Shedd, Lei, Graça e Santificação, São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 90.
Download

Introdução à Educação Cristã (6)