Predestinação e Eleição: Duas doutrinas odiadas pelas seitas e quase esquecidas pela Igreja Alexandre Galante "E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou." (Romanos 8:30) A doutrinas da predestinação e da eleição, formuladas na história da igreja cristã por teólogos como Agostinho de Hipona (354-430) e João Calvino (1509-1564), têm sido causa constante de acirrados debates e controvérsias, porque muitos cristãos não estão dispostos a aceitá-las. O monge britânico Pelágio (360-420) e João Wesley no século XVIII são dois exemplos daqueles que não davam valor a tal ensino. Pelágio defendia a idéia de que a predestinação para a salvação ou condenação funda-se na presciência de Deus. Ele não admitia uma predestinação absoluta, mas sim uma predestinação condicional. Da mesma forma, a Igreja Católica Romana e a maioria das seitas pseudo-cristãs também condenam essas doutrinas. Jacobus Arminius (1560-1609), ministro e teólogo reformado holandês que deu surgimento ao sistema de interpretação conhecido como "Arminianismo" (ver tabela), defendeu a tese de que Deus anteviu os que aceitariam a Cristo e então os elegeu para a vida eterna. Armínio pregava que, apesar da Queda no Éden, o homem ainda conserva o livre-arbítrio que lhe permite aceitar ou rejeitar livremente a oferta de salvação de Deus. O que diz a Bíblia? O fundamento da doutrina da predestinação é a doutrina bíblica de Deus. Ele é o Eterno, acima e além do tempo e do espaço, porque nunca houve um tempo quando Ele não existia, de modo que Ele não está sujeito a mudanças de tempo e de lugar (Ml 3:6; Rm 1:20-21; Dt 33:27; Is 57:15). Além disso, Deus é soberano sobre todas as coisas como o Criador, o Sustentador e o Governante do universo. Ele é soberano sobre tudo (Dn 4:34-35; Is 45:1; Rm 9:17; Ef 1:11). Deus é também soberanamente justo, de modo que tudo quanto Ele faz está de acordo com a perfeição da Sua natureza (Jr 23:6; 33:16; Rm 1:17; 10:3; 2 Pe 1:1). Na eternidade, Ele estabeleceu Seu próprio plano e propósito soberano, e isso está totalmente acima de qualquer coisa que o homem pode cogitar, imaginar ou compreender. O homem, portanto, pode conhecer o plano de Deus somente à medida que Ele o revela (Jr 23:18; Dt 29:29; Sl 33:11; Is 46:10; 55:7; Hb 6:17). A doutrina da predestinação refere-se primeiramente ao fato de que o Deus Trino e Uno preordena (ou predestina) de modo soberano tudo o que virá a acontecer na história (Ef 1.11, 22; Sl 2). Nas Escrituras não há um só termo, em grego ou hebraico, que abranja todo o sentido do termo "predestinação". No AT, várias palavras indicam o plano e propósito divinos: esâ ("aconselhar", Jr 49:20; 50:45; Mq 4:12); ya’as ("ter o propósito", Is 14:24, 26-27; 19:12; 23:9); e bahar ("escolher", Nm 6:5, 7; Dt 4:37; 10:15; Is 41:8; Ez 20:5). No NT há ainda mais palavras que tem o significado de "predestinar" (proorizo, Rm 8:29-30; Ef 1:5, 11), "eleito" (eklektos, Mt 24:22; Rm 8:33; Cl 3:12) e "escolher" (haireomai, 2 Ts 2:13; eklego, 1 Co 1:27; Ef 1:4). O ensino da predestinação revelado nas Escrituras começa com o relato da Queda do homem no Éden, evento que fazia parte do Seu plano eterno, pois Deus nunca é surpreendido por coisa alguma. Ao mesmo tempo, conforme o apóstolo Paulo indica em Rm 1:18, a recusa do homem em reconhecer a Deus como soberano e sua cegueira deliberada diante dos mandamentos de Deus, trouxeram sobre a humanidade a ira e a condenação divinas. Todos os seres humanos estão tão corrompidos que se recusam a reconhecer que Deus é Senhor e que eles mesmos são apenas criaturas. Entretanto, pela Sua infinita graça, tão logo o homem pecou, Deus prometeu um Redentor que esmagaria o tentador e traria restauração (Gn 3:15). Assim, o propósito da redenção foi entrelaçado na história humana desde o princípio. Só os eleitos serão salvos A Bíblia mostra desde Gênesis que, devido à pecaminosidade do homem, este não quer espontaneamente procurar paz ou reconciliação com Aquele que é o seu Criador. Este fato é demonstrado na história de Caim e na pecaminosidade da civilização antediluviana (Gn 2:5). Mas, ao mesmo tempo, a Bíblia também diz que havia uma minoria fiel a Deus que descendia de Sete até Noé, sendo que este foi chamado para sobreviver ao dilúvio e continuar a linhagem daqueles que eram obedientes e confiavam na promessa da redenção que Deus lhes deu. Uma pessoa dessa linhagem foi Abraão, a quem Deus chamou para sair de Ur dos caldeus, e quem, através dos descendentes do seu neto, Jacó, estabeleceu Israel como Seu povo no mundo précristão. Tudo isso foi resultado da graça divina que foi resumida na aliança que Javé fizera com Abraão, Isaque e Jacó (Gn 12). Embora até essa altura pouco se diga em Gênesis a respeito da eleição e da condenação divinas, quando se tratava da diferenciação entre Jacó e Esaú, foi deixado bem claro que, até mesmo antes do nascimento dos dois, Jacó havia sido escolhido e Esaú rejeitado, embora fossem gêmeos (Gn 25:19; Ml 1:3; Rm 9:10). Percebe-se aqui a primeira afirmação clara da doutrina da predestinação. Mas se Deus é absolutamente soberano, surge a questão da possibilidade da liberdade e responsabilidade do homem. Como podem coexistir as duas coisas? As Escrituras, no entanto, repetidas vezes asseveram as duas verdades. As observações que José fez aos seus irmãos e o argumento de Pedro a respeito da crucificação de Jesus Cristo ressaltam essa realidade (Gn 45.4; At 2:23). O homem ao executar o plano de Deus, mesmo de modo contrário às suas próprias intenções, faz isso de modo responsável e livre. Neste sentido, Judas Iscariotes estava predestinado desde o princípio a trair Jesus Cristo (Mt 26:23; Jo 17:12), embora tenha agido livremente para que isso acontecesse. Mesmo usando os homens para alcançar Seus propósitos, Deus nunca é o autor do pecado. Deus não tinha a obrigação de salvar homem algum e poderia agir com os homens como fez com os anjos que se rebelaram contra Ele. Deus não seria injusto não salvando nenhum homem, porque todos pecaram (Rm 5:12) e se tornaram objetos da Sua justa ira. Mas o amor de Deus se manifestou ao enviar seu Filho unigênito ao mundo, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. (1 Jo 4:9; Jo 3:16). Todavia, a ira de Deus permanece sobre aqueles que não crêem no Evangelho. Paradoxalmente, a fé é apresentada nas Escrituras como sendo um dom de Deus (Ef 2:8,9; Jd 1:3). No livro de Atos a fé é apresentada como obra da Graça (At 18:27). A vida eterna é decorrente da Graça (At 13:48) e é Deus quem abre o coração do pecador para que este venha a crer no Evangelho (At 16:14). Para que os homens sejam conduzidos à fé, Deus envia, em sua misericórdia, mensageiros dessa alegre boa nova a quem e quando Ele quer. Pela instrumentalidade deles, os homens são chamados ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado: "como crerão naquele de quem nada ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?" (Rm 10:14-15). Se muitas pessoas não crêem no Evangelho, é porque Deus não lhes concedeu o dom da fé (2 Ts 3:2). Deus nesta vida concede a fé a alguns enquanto não concede a outros, de acordo com seu eterno decreto (At 15:18; Ef 1:11). De acordo com esse decreto, Deus graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por mais duros que sejam, e os inclina a crer por meio da Palavra. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo Seu justo juízo, Ele deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza de coração. Desse modo, a eleição é o imutável propósito de Deus, pelo que Ele, antes da fundação do mundo, escolheu um grande e definido número de pessoas para a salvação, por graça pura. (Ef 1:4-6; Rm 8:30). Embora pareça claro que essas doutrinas são apresentadas nos dois testamentos, juntamente com uma grande ênfase na justiça e santidade soberanas de Deus, muitos cristãos as têm rejeitado por vários motivos. As mesmas perguntas sempre são levantadas: se Deus escolhe uns em detrimento de outros, Ele não é arbitrário? Ele não estaria fazendo acepção de pessoas? Essas doutrinas não destroem o desejo de procurar viver uma vida moral e praticar a justiça? Os que fazem tais perguntas acham que assim condenam com eficácia essas doutrinas, mas esquecem-se que essas mesmas perguntas já tinham sido feitas e respondidas nos tempos de Cristo e dos apóstolos (Mt 20:15; Rm 9:19-20). Os que crêem nas doutrinas da eleição e predestinação reconhecem que a sabedoria e a graça de Deus estão além da compreensão humana e que devemos curvar-nos diante d’Ele em adoração e louvor, como Paulo fez ao encerrar a exposição dessas verdades (Rm 11:33-36). Aqueles que assim fazem têm dentro de si um senso de conforto e fortaleza que não vem deles mesmos, mas que é um dom de Deus para capacitá-los a enfrentar o mundo com confiança e paz de Espírito. http://www.virtualand.net/ julho 2000-07-01