DECISÃO Por relatório, vez que não obrigatório, limito-me a mencionar que se trata de ação civil pública por improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público atuante perante esta Comarca contra: 1. ANTONIO NAZARÉ ELIAS CORREA, prefeito do Município; 2. RAIMUNDO ANTÔNIO TAVARES LIMA, atual Secretário de Finanças e exmembro da Comissão de Licitação do Município de Nova Timboteua; 3. FRANCISCO CARLOS ALVES PEREIRA, membro da Comissão de Licitação do Município; 4. EDILENE DOS SANTOS SOUZA, membro da Comissão de Licitação do Município; 5. RAIMUNDA DE SOUZA CARVALHO, membro da Comissão de Licitação do Município; 6. FRANCISCO CARLOS MENDONÇA E SILVA, presidente da Comissão de Licitação do Município no ano de 2009; 7. SENIR CRISÓSTOMO FERNANDES, membro da Comissão de Licitação do Município; 8. FRANCINEY RICARDO LIMA DOS SANTOS, pregoeiro; 9. MARIA HELENA SILVA DOS ANJOS, membro da Comissão de Licitação do Município; 10. MARIA SUELY SOUZA DANTAS, membro da Comissão de Licitação do Município , ; 11. VINÍCIUS NAZARENO GARCIA DE LIMA, ex contador e pregoeiro da Prefeitura Municipal de Nova Timboteua; 12. CONSTRUTORA CIVIL E TERRAPLANAGEM MAGALHÃES LTDA., pessoa jurídica de direito privado, qualificada na inicial; 13. JADILON GONÇALVES MAGALHÃES, sócio da empresa Construtora Civil de Terraplanagem Magalhães Ltda.; 14. JADILON GONÇALVES MAGALHÃES JÚNIOR, sócio da empresa Construtora Civil de Terraplanagem Magalhães Ltda.; 15. CÉSAR AUGUSTO ASSAD FILHO, ex advogado da Prefeitura de Nova Timboteua; 16. CONSTRUTORA FALCÃO LTDA., pessoa jurídica de direito privado, qualificada nos autos; 17. JOSÉ DÁRIO DAMASCENO LIMA, sócio da empresa Construtora Falcão Ltda.; 18. ANTÔNIA MARIZETE BRAGA GOUVEA, sócia da empresa Construtora Falcão Ltda.; 19. MARINALDO BRAGA GOUVEA, sócio da empresa Construtora Falcão Ltda.; 20. COMERCIAL ALINUTRI LTDA., pessoa jurídica de direito privado qualificada nos autos; 21. JOÃO ALVES GOUVEA, sócio da empresa Comercial Alinutri Ltda.; e 22. CARLOS EDUARDO MONTEIRO LOUREIRO, sócio da empresa Comercial Alinutri Ltda. e da empresa Construtora Falcão Ltda; Em resumo, alega o Ministério Público que as provas trazidas aos autos, isto é, os autos de vários processos licitatórios, indicam que as licitações realizadas no Município de Nova Timboteua de 2005 a 2011 foram sempre vencidas por três empresas: CONSTRUTORA FALCÃO LTDA., CONSTRUTORA CIVIL DE TERRAPLANAGEM MAGALHÃES LTDA. e COMERCIAL ALINUTRI LTDA., todas com alguma ligação com o prefeito, além do que, inúmeras irregularidades nos processos licitatórios indicariam claramente o direcionamento de todos os certames, de modo que uma dessas empresas fosse sempre a vencedora. Informa que a busca e apreensão ordenada por este juízo restou infrutífera quanto aos anos de 2005 a 2007, vez que encontrados apenas os autos de um processo licitatório já objeto de outra ação civil pública. Todavia, informa que dos autos encontrados, em oitenta por cento dos casos a vencedora era uma das empresas investigadas, num total de trinta e um certames analisados. Aponta irregularidades em vários procedimentos nos processos licitatórios e vícios que permitiriam facilmente a “regularização” posterior dos processos, como folhas não numeradas, não descrição dos bens objeto do certame, ao mesmo passo que as proposta para a locação dos bens descritos unicamente como “veículos automotores leves” são todas muito próximas; existência de parecer jurídico ou análise posterior de processo em que há várias recomendações de correções de vícios nos processos, entre outras. Além dos vícios nos processos licitatórios enumerados na inicial, aponta violação de vários princípios da administração pública. Pede o afastamento dos respectivos cargos dos demandados ANTÔNIO NAZARÉ ELIAS CORRÊA, RAIMUNDO ANTÔNIO TAVARES LIMA, FRANCISCO CARLOS ALVES PEREIRA, EDILENE DOS SANTOS SOUZA, RAIMUNDA DE SOUZA CARVALHO, FRANCISCO CARLOS MENDONÇA E SILVA, SENIR CRISÓSTOMO FERNANDES, FRANCINEY RICARDO LIMA DOS SANTOS, MARIA HELENA SILVA DOS ANJOS, MARIA SUELY SOUZA DANTAS e VINÍCIUS NAZARENO GARCIA DE LIMA. Aponta como justificativa para os pedidos de afastamento o fato de que, caso permaneçam ocupando os atuais cargos, continuarão a desviar recursos do erário público, bem como continuarão a impedir a ação fiscalizadora e inibidora da justiça, fato ilustrado com a circunstância de que, no cumprimento da Busca e Apreensão determinada por este Juízo, vários processos licitatórios simplesmente sumiram e não se sabe atualmente onde possam estar. Ressalta, ainda, o fato de ter sido encontrado dentro dos processos licitatórios pareceres ensinando a administração a “regularizar” licitações já ocorridas. Porém tais processos a que se refeririam os pareceres, simplesmente não foram encontrados. Diante de tais fatos, entende o Ministério Público que, se os demandados continuarem a exercer suas funções, é concreta a possibilidade de perda ou alteração de provas a serem coletadas para a instrução processual, tanto que a busca não foi totalmente cumprida, pelo fato de vários documentos não terem sido encontrados. Além disso, pediu liminarmente a quebra do sigilo bancário e fiscal dos demandados; a apresentação, em vinte e quatro horas, da relação dos veículos que são do acervo patrimonial da Prefeitura, com os respectivos documentos, bem como a relação de carros, motos e tratores com os respectivos documentos; e seja determinado ao Tribunal de Contas dos Municípios que apresente, em quinze dias, informações detalhadas no período de 2005/2011 acerca dos valores efetivamente pagos às empresas demandadas na presente ação. Juntou o Ministério Público documentos que formam outros nove volumes, além de ter juntado meio digital (DVD). É o que basta relatar. Decido. FUNDAMENTOS Antes de discutir sobre o objeto da medida liminar, devo ressaltar a inaplicabilidade do art. 2° da Lei 8.347/92 ao presente caso. Tal inaplicabilidade decorre de que a regra está prevista para o caso de ser ré na ação civil pública pessoa jurídica de direito público, em razão do que foi estabelecida a prerrogativa, de modo a melhor preservar o interesse público. Evidentemente, se a ação civil pública não é proposta contra pessoa jurídica de direito público, não há que se falar em aplicação daquela regra. 1. Do fumus boni juris ou vestígios da existência do direito alegado. Como primeiro requisito de quaisquer medidas de caráter cautelar, como as requeridas pelo Ministério Público, cumpre-me analisar a plausibilidade do direito a tal medida. No caso em questão, há que se verificar indícios de veracidade dos fatos narrados na inicial para que se cumpra esse requisito. É o que passo a fazer. Da análise de toda a documentação apresentada com a inicial, consistente em sua grande maioria em autos de processos licitatórios apreendidos na Prefeitura Municipal, pode-se elaborar, de forma semelhante ao que elaborou o Ministério Público em sua inicial, o seguinte quadro: Proc. Modalidade Objeto Licitatório 003/2007 002/2005 002/2007 005/2008 001/2008 006/2008 007/2008 008/2008 001/2009 003/2009 007/2009 004/2009 001/2010SMAS 001/2010- Pregão contratação de transporte escolar Vencedor Cons. Falcão T. de Preços Aluguel de caminhão e maq. pesadas Cons. Magalhães Pregão Idem Cons. Magalhães Convite Terraplanagem, piçarramento, Com. tubulação, compactação do solo e Alinutri pav. asfáltica Convite Locação de veículos automotores Com. Alinutri Convite Serviços de recuperação, Com. piçarramento, tubulação e aterro Alinutri Convite Aterro com piçarramento e Com. nivelamento Alinutri Convite Construção de três pontes de madeira Cons. no Ramal da Vila Santa Falcão Convite Locação de Veículos Leves Com. Alinutri Pregão Locação de Transporte Escolar Cosnt. Falcão Convite Locação de Veículos automotores Com. leves Alinutri Convite Locação de Veículos automotores Com. leves Alinutri Convite Locação de 03 Veículos automotores Com. leves Alinutri Convite Locação de Veículos automotores Com. Valor do Contrato (+ prorrogações) R$ 689.040,00 R$ 480.000,00 R$ 540.000,00 R$ 146.000,00 R$ 63.000,00 R$ 149.000,00 R$ 49.000,00 R$ 48.000,00 R$ 63.000,00 R$ 427.200,00 R$ 63.000,00 R$ 84.000,00 R$ 63.000,00 R$ 84.000,00 SMS 001/2010- Convite SME 009/2010-02 Pregão 001/2010Fundeb 002/2010Fundeb 001/2010FMS Convite 003/2010FMS 013/2010 Convite 003/2011 Convite 002/2011 Convite 004/2011 Convite Convite Convite Convite leves Alinutri Locação de Veículos automotores Com. leves Alinutri Locação de Transporte Escolar Com. Alinutri Construção de uma escola Cons. Magalhães Reforma de Escola Cons. Magalhães Higienização e manutenção de poços Cons. artesianos, suas bombas e sistemas Magalhães hidráulicos e elétricos Reforma e ampliação do laboratório Cons. médico da UBS de Nova Timboteua Magalhães Reforma da Casa do Atleta Cons. Magalhães Locação de 03 veículos leves Com. Alinutri Locação de 03 veículos leves Com. Alinutri Locação de 03 veículos leves Com. Alinutri R$ 84.000,00 R$ 535.034,40 R$ 38.000,00 R$ 40.955,83 R$ 78.000,00 R$ 21.000,00 R$ 47.302,61 R$ 75.600,00 R$ 75.600,00 R$ 75.600,00 TOTAL R$4.019.332,84 Se o só fato de ao longo de quase oito anos apenas três empresas ganharem a esmagadora maioria das licitações em Nova Timboteua já não fosse altamente questionável e indicativo de direcionamento das licitações, esse é apenas um dos indícios e nem é o mais contundente deles, como se verá a seguir. 1.1. Indício de produção de documentos numa mesma impressora e/ou a partir do mesmo arquivo digital. Há fortes indícios de que os documentos e propostas apresentados nas licitações sejam provenientes de uma fonte comum. Como exemplo, cito os documentos de fls. 177 a 193, que são integrantes do Processo Licitatório 003/2007 e consistem no Anexo I do edital da licitação, a proposta feita por Construtora Magalhães Ltda. e a proposta feita por Construtora Falcão Ltda. Esses documentos revelam fortíssimos indícios, mesmo aos olhos de um leigo, de que foram impressos a partir do mesmo arquivo digital e pela mesma impressora, apenas com modificações de cabeçalhos e rodapés e mudança no formato de caracteres (fonte). Isso fica evidente pelo fato de que os três documentos apresentam as mesmas características de desalinho e entupimento dos jatos de tinta. Ainda que se queira argumentar a possibilidade de três impressoras diferentes terem produzidos os documentos e as três apresentarem problema, tal hipótese é remotíssima, para não dizer inteiramente descartada. É que se não bastasse ser nítido que a impressão se deu em impressora jato de tinta a base de água, com desalinhos em sua cabeça de impressão e alguns entupimentos, tanto que as falhas na formação dos caracteres são nítidas nos três documentos, chama especial atenção o desalinho presente na palavra “sessenta” entre parênteses nas propostas das duas construtoras. No último parêntese que guarnece a palavra “sessenta”, nas duas propostas, surge um borrão típico de desalinho de impressoras jatos de tinta, a demonstrar com clareza que a impressão se deu no mesmo aparelho, mesmo aos olhos de um leigo, pois, sabidamente, a probabilidade de um borrão semelhante por desalinho se revelar na mesma palavra e no mesmo caractere em duas impressoras diferentes é praticamente impossível. Até mesmo numa mesma impressora já se torna difícil, por conta da mudança de estilo de fonte e mudança na posição das palavras. Mas, por descuido ou infelicidade dos demandados, em uma das palavras, o desalinho se repete da mesma natureza. Naturalmente, uma perícia poderá confirmar esta impressão obtida a olho nu, mas nem por isso irrelevante. Embora este magistrado não possa fazer as vezes de perito, apesar da experiência na área de informática antes do ingresso na magistratura, não se pode olvidar o que dispõe o art. 138 do CPC: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes [grifei]; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.” Um juiz é juiz de seu tempo e trás consigo suas vivências e conhecimentos além daqueles que constituem o senso comum de sua época. E é com base nesses conhecimentos, devidamente instrumentalizados por sua formação jurídica, que forma suas convicções. Assim, embora não caiba a este juízo atestar e dar certeza científica de que os documentos foram produzidos na mesma impressora, como se perito fosse, não poderá fingir-se de cego e dizer que não vê tal possibilidade, que se verifica muitíssimo provável, por sinal, conforme argumentos já apresentados. Posteriormente, perícia poderá confirmar ou não tal impressão. Prosseguindo, os mesmos indícios de que documentos abrangendo propostas e o próprio contrato firmado entre a Administração e “vencedoras” da licitação foram impressos na mesma impressora ou a partir de mesmo arquivo digital são encontrados em praticamente todos os processos licitatórios trazidos com inicial, a exemplo do que salta aos olhos às fls. 284 e 305, em que as peculiaridades dos caracteres indicam claramente que os documentos foram produzidos na mesma impressora com jatos de tinta desalinhados. Os mesmos indícios se repetem nos documentos de fls. 340 e 343, correspondentes a propostas de diferentes empresas, mas que nitidamente foram produzidos a partir do mesmo arquivo digital, pois encontramos dois parágrafos com o mesmo desalinho na tabulação e começando pela mesma palavra “informamos”. Coisa semelhante ocorre com as propostas de fls. 479 e 481 em que, inclusive, o local da assinatura é indicado como sendo Santa Maria e indica o endereço de seu escritório naquela cidade, sendo que esse mesmo endereço é informado nos autos como sendo o da empresa Alinutri, enquanto a Construtora Falcão teria endereço, na realidade, na cidade de Novo Repartimento. Afinal, como é que empresas concorrentes num processo licitatório indicam o mesmo endereço? Como se erra o próprio endereço e se indica o do concorrente? Seria possível um ato falho dessa magnitude? Tenho que não. A mesma “falha”, isto é dois parágrafos iniciados pelas mesmas palavras e com o mesmo desalinho de tabulação são encontrados nas propostas de Alinutri e Falcão nos vários processos licitatórios de que participaram. Cansativa e pouco produtiva sua enumeração, afinal, os indícios de utilização do mesmo arquivo digital com simples alteração de palavras e frases, formato de fontes e outras coisas, mas deixando passar coincidências improváveis, como os erros apontados, se repetem ao longo dos vários “processos licitatórios” apreendidos. E, para finalizar, não por falta dessas improváveis semelhanças e coincidências sempre presentes nos documentos apresentadas pelas três empresas demandadas, veja-se o documento de fls. 1002 e o de 1018, correspondentes às declarações de inexistência de impedimentos da demandada Comercial Alinutri Ltda. e Construtora Civil e Terraplanagem Magalhães Ltda.: é que após a qualificação das empresas, a declaração firmada é exatamente a mesma sem tirar nem por uma vírgula sequer, inclusive a frase de construção incomum “DECLARA sob a pena de Lei” (incomum, porque geralmente se diz “sob as penas da lei”), com palavras em caixa alta nos mesmos lugares, letras maiúsculas nos mesmos lugares etc., estão presentes nas declarações das duas empresas demandadas. Enfim, a única mudança na declaração é a qualificação, local e data de assinatura. No mais tudo absolutamente igual. O que indica que as três demandadas agiam em conluio ou são mera fachada para dar aparência de legalidade às licitações realizadas pelo Município de Nova Timboteua. Na verdade, todas essas improváveis “coincidências” só passariam despercebidas se o Ministério Público não houvesse tomado a iniciativa de investigar, o que provavelmente não era esperado, pois grande parte dos indícios aqui apontados seriam facilmente evitados. Bastou folhear os autos para constatar o aqui já mencionado. 1.2. Indício de criação de pessoas jurídicas para o fim específico de participar das licitações em Nova Timboteua. Cabe lembrar que os fatos lembrados quanto às licitações para aluguel de caminhões, máquinas pesadas e veículos destinados ao transporte escolar e são objeto de outra ação de improbidade envolvendo as demandadas Construtora Magalhães e Construtora Falcão, trazem igualmente “coincidências” improváveis que se constituem nos indícios de direcionamento das licitações e envolvimento dos agentes políticos com as empresas vencedoras dos certames. Naquela ação, os indícios apontados são: O primeiro e clássico indício é a criação da requerida CONSTRUTORA CIVIL DE TERRAPLANAGEM MAGALHÃES LTDA., com suposta sede na cidade de CapitãoPoço, menos de quinze dias antes do anúncio da licitação no Diário Oficial, consoante documentos de fls. 65 e 71 nos autos 2011.1.000250-2, licitação esta vencida pela demandada e que deu início à série de vitórias aqui questionada; O segundo indício constitui-se no fato de que o advogado signatário do contrato social da empresa, seja o requerido CÉSAR AUGUSTO ASSAD FILHO, segundo aquela petição inicial, primo do Prefeito ANTONIO NAZARÉ ELIAS CORRÊA, e igualmente contratado pelo Município desde o ano de 2005. 1.3. Indícios de ligação entre as empresas vencedoras e o Prefeito Municipal Antônio Nazaré Elias Corrêa. O terceiro indício de direcionamento constitui-se no fato de que uma dos caminhões pertencentes à empresa AUTOPOSTO TIMBOTEUA LTDA., que tem como sócios um irmão e uma cunhada do atual gestor, e já teve o próprio gestor municipal como seu sócio, foi transferido para a empresa demandada CONSTRUTORA MAGALHÃES LTDA; Quanto ao contrato para fornecimento de transporte escolar em que a vencedora igualmente consecutiva foi CONSTRUTORA FALCÃO LTDA., os documentos de fls. 62 daqueles autos fazem ver que um dos veículos usados é de propriedade de CLÁUDIA DO SOCORRO PINHEIRO NETO, cunhada do Prefeito ANTONIO NAZARÉ ELIAS CORREA. 1.4. Indícios de ausência de efetiva concorrência entre as empresas licitantes. Primeiramente, na grande maioria dos processos de licitação, na modalidade convite, ao longo dos anos, as três empresas demandadas são as únicas participantes, sagrando-se uma delas, por óbvio, sempre como vencedora. Já que todas têm sede fora do Município, não se vê razão pela qual não se estende o convite a outras empresas até de municípios mais próximos. Em segundo lugar, não é de estranhar os indícios de que as empresas Alinutri e Falcão imprimam suas propostas muito provavelmente, como já demonstrado, em uma mesma impressora e a partir do mesmo arquivo digital, afinal verifica-se uma intersecção das empresas no que concerne seu quadro societário, onde o próprio documento apreendido aponta a irregularidade pelo fato de a empresa Comercial Alinutri e Construtora Falcão Ltda. terem o mesmo sócio diretor, afora outras irregularidades insanáveis. Não bastasse isso, o demandado JOSÉ DÁRIO DAMASCENO LIMA ex-sócio da demandada Construtora Falcão é o atual sócio da empresa Alinutri, que, por sua vez, tem CARLOS EDUARDO MONTEIRO LOUREIRO como sócio, mas era quem exercia o papel de procurador da demandada CONSTRUTORA FALCÃO LTDA. A lógica é muito simples. Na modalidade convite, é necessário a participação de pelo menos três licitantes. Se dois desses licitantes tem a mesma composição societário ou apenas uma intersecção na pessoa de um dos sócios, especialmente sendo ele o sócio diretor, é evidente que essas empresas não são concorrentes, mas meras figurantes, de modo a formar número necessário à formação do número mínimo legal, para gerar a aparência de legalidade. Se fosse só essa a irregularidade, só ela já geraria a nulidade de todas as licitações na modalidade convite em que houve a participação de três licitantes, sendo duas delas a Comercial Alinutri e Construtora Falcão. Mesmo nessa análise perfunctória, já se verifica que somatória dos indícios apontam claramente para grave situação de direcionamento dos processos licitatórios, e sugerem mal uso e desvio de dinheiro público. Diante de tal quadro, o Ministério Público no exercício de seu munus, verificando indícios de irregularidades na administração da coisa pública, tem o dever de se posicionar. Igual dever cabendo ao Judiciário, quando da apreciação das ações propostas. E, diante de indícios de que os atos praticados não estão de acordo com o que determinada a lei, não pode se eximir de adotar as medidas necessárias a assegurar que o interesse público seja respeitado, bem como as medidas que importem em imediata cessação de mais danos ao erário. Os indícios apontados acima, são o fumus boni juris (vestígios do direito à obtenção da pretensão) da medida pleiteada. 1.5. fracionamento e desrespeito aos limites da modalidade convite. Basta olhar o quadro acima e se verificará que o valor limite de R$80.000,00 (oitenta mil reais) previsto no artigo 23, II, 'a' da Lei 8.666/93. Além disso, nas licitações de 02/2011, 03/2011 e 04/2011, cujo objetivo era a vaga “contratação de três veículos leves”, sem detalhamento de características, ou ao menos dizer se são de duas ou quatro rodas, como ocorreu em todos as outras contratações de veículos leves em anos anteriores, é evidente a ofensa ao fracionamento, pois, foram feitos três licitações cada uma para contratar três veículos, cada contrato no valor de R$75.600,00 (setenta e cinco mil e seiscentos reais). Evidente, pois, o fracionamento, já que se feita a licitação dos nove veículos, o valor superaria oitenta mil reais e não seria admissível a modalidade convite. Feriu-se, portanto a regra contida no §. 5º do art. 23 da Lei de Licitações: “§ 5o É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente , sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência"[grifei], respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.” 2. Do perigo na demora das medidas ou periculum in mora. 2.1. Do pedido de afastamento dos demandados de seus cargos. Diante de todo o quadro apontado, vislumbra-se uma coordenação de ações dos vários demandados a possibilitar a criação de documentos, “correção” de erros que possam evidenciar as ilegalidades praticadas além dos obstáculos opostos para a obtenção de informações de caráter público, bem como o próprio resultado parcialmente infrutífero da busca e apreensão dos processos de licitação determinada por este juízo. Resta claro, o perigo para a instrução, com a criação documentos ou sua destruição pelos demandados, especialmente porque em tais casos a prova é essencialmente documental. É muito claro que desde o gestor municipal demandado ao servidor que é membro da comissão de licitação, todos têm participação na confecção e concatenação dos atos destinados a burlar as finalidades dos processos licitatórios. Exemplificando esse perigo, mas que ainda se confunde também com o vestígio do direito, está o fato de que própria lista de processos apreendidos evidencia um vazio de vários deles, por não terem sido encontrados. O fato de vários encontrarem-se com suas folhas ainda não numeradas e não assinadas, com documentos dizendo o que precisa ser “corrigido” demonstra que tais processos ainda se encontram em fabricação. Evidenciase, pois, mais uma vez que a permanência dos demandados nas mesmas funções e cargos são sério risco para a instrução e para a continuação das investigações, que sequer chegaram a ser totalmente frutíferas. Afinal, não há explicação para a não apreensão nem a remessa espontânea dos documentos pleiteados pelo Ministério Público, senão o desejo de interferir negativamente na instrução. Não bastasse isso, foram igualmente apreendidos três pastas, cada qual com documentos das três empresas demandadas, indicando possível estoque de documentos rotineiramente usados nos processos de licitações para a confecção dos novos certames, corroborando, pois, a impressão de que os processos licitatórios são criados dentro da própria Administração Municipal, a exemplo dos indícios de que documentos oficiais e propostas de diferentes empresas são impressos numa mesma máquina em alguns dos casos. Entendo, pois, que o pedido de afastamento do Ministério Público deva ser atendido, tanto quando ao gestor municipal demandado, quando aos demais servidores. Nesse mesmo sentido, veja-se o que já decidiu o STJ: “PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO DOS CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. LESÃO À ORDEM PÚBLICA. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada em situação excepcional. Hipótese em que a medida foi fundamentada em elementos concretos a evidenciar que a permanência nos cargos representa risco efetivo à instrução processual. Pedido de suspensão deferido em parte para limitar o afastamento dos cargos ao prazo de 180 dias. [grifei] Agravo regimental não provido.” (AgRg na SLS 1.397/MA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/07/2011, DJe 28/09/2011) 2.2. Do pedido de indisponibilidade de bens. Vejo que o periculum in mora (perigo na demora da prestação jurisdicional, se concedida apenas ao final do processo) está em que o erário público poderá não vir a ser ressarcido na hipótese de condenação dos demandados, se medidas urgentes não forem tomadas desde logo. DECISÃO Diante da exposição de motivos realizada, e já no sentido da jurisprudência do STJ e do que determina o art. 20 da Lei 8.429/92, demonstrado o risco para a permanência dos demandados em seus cargos, mas ciente de sua excepcionalidade, inclusive por acarretar na prática suspensão de mandato eletivo, DEFIRO O PEDIDO DE AFASTAMENTO DOS DEMANDADOS ANTÔNIO NAZARÉ ELIAS CORRÊA, RAIMUNDO ANTÔNIO TAVARES LIMA, FRANCISCO CARLOS ALVES PEREIRA, EDILENE DOS SANTOS SOUZA, RAIMUNDA DE SOUZA CARVALHO, FRANCISCO CARLOS MENDONÇA E SILVA, SENIR CRISÓSTOMO FERNANDES, FRANCINEY RICARDO LIMA DOS SANTOS, MARIA HELENA SILVA DOS ANJOS, MARIA SUELY SOUZA DANTAS e VINÍCIUS NAZARENO GARCIA DE LIMA, sem prejuízo de seus vencimentos. Quanto ao gestor municipal, limito o afastamento ao prazo de cento e oitenta dias, prazo que entendo suficiente à conclusão da instrução, se empecilhos não forem opostos pela própria defesa dos demandados e não se vislumbre mais risco para a instrução do processo. Do mesmo modo, sem necessidade de fixação de prazo, por se tratarem de servidores públicos não detentores de mandato eletivo, determino o afastamento dos demais demandados mencionados no parágrafo anterior, até que, igualmente, pela evolução do processo não haja mais risco para a instrução processual. Decreto a indisponibilidade de todos os bens dos requeridos na presente ação. Oficie-se à JUCEPA quanto às empresas requeridas, para que averbe a decretação da indisponibilidade de suas cotas e bens. Oficie-se ao Tribunal de Contas dos Municípios para que remeta a este Juízo, no prazo de quinze dias informações detalhadas acerca de informações sobre valores efetivamente pagos às empresas demandadas na presente ação e/ou a seus sócios nos anos de 2005 a 2011. Determino a quebra de sigilo bancário e fiscal dos requeridos, de modo que determino a requisição de informações sobre movimentações financeiras e declarações de bens às entidades e órgãos competentes, no período de 2005 a 2011. Comunique-se desta decisão à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Pará a fim de providenciar a ciência às Serventias Judiciais e Extrajudiciais do Estado. Vez que a determinação de afastamento não depende, para sua eficácia, da ciência dos demandados, mas sim da comunicação ao ente público de onde se encontram afastados, determino à comunicação da presente decisão ao Município de Nova Timboteua, na pessoa de seu representante legal, de acordo com a ordem de substituição, portanto, na pessoa do VICE-PREFEITO. NOTIFIQUEM-SE os requeridos para apresentarem sua manifestação por escrito no prazo de quinze dias, consoante dispõe o art. 17, §7°. Expeça-se tudo quanto necessário ao cumprimento das medidas deferidas. Ciência ao Ministério Público. Decorrido o prazo para manifestação dos requeridos, certifique-se e venham os autos conclusos. Ante a natureza das provas nos presentes autos, determino a sua completa digitalização, por medida de segurança. Nova Timboteua, 12 de abril de 2012. Carlos Magno Gomes de Oliveira Juiz de Direito