UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ – efeitos na educação pública do município Luiz Carlos de Almeida Batista Pustiglione RIO DE JANEIRO 2014 A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ – efeitos na educação pública do município LUIZ CARLOS DE ALMEIDA BATISTA PUSTIGLIONE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Banca Examinadora _______________________________________________ Orientadora: Profa. Doutora Ana Maria Villela Cavaliere _______________________________________________ Prof. Doutor Roberto Leher – UFRJ _______________________________________________ Profa. Doutora Eveline Bertino Algebaile – UERJ CIP - Catalogação na Publicação P987f Pustiglione, Luiz Carlos de Almeida Batista A Fundação Municipal de Educação de Niterói /RJ ? efeitos na educação pública do município / Luiz Carlos de Almeida Batista Pustiglione. -- Rio de Janeiro, 2014. 144 f. Orientador: Ana Maria Villela Cavaliere. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2014. 1. Fundação Municipal de Educação de Niterói-RJ. 2. Reforma do Estado. 3. Municipalização da Educação. 4. Público e privado na educação. I. Cavaliere, Ana Maria Villela, orient. II. Título. Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). AGRADECIMENTOS À paciência de todxs que ouviram “agora não posso, estou enrolado com a minha dissertação” e foram compreensivos. Aos meus familiares, que sempre me estimularam a estudar, ler, se informar. A(o)s camaradas de todas as lutas dentro e fora da universidade. Aquelxs que se dispuseram a conceder algum tipo de informação para esta pesquisa, afinal a batalha por elas foi árdua. Ao meu amor: Mariana! Ao povo brasileiro, por financiar meus estudos na universidade pública desde a graduação. À minha orientadora, que mesmo com os trancos e barrancos, seguiu comigo nessa batalha e com certeza colaborou sobremaneira para minha formação acadêmica desde a monografia do saudoso CESPEB/UFRJ. Aos colegas de turma e de outras turmas do PPGE/UFRJ, com quem convivi nesse percurso do mestrado. Essa convivência foi sensacional para me ajudar. Em especial amigxs e novxs amigxs: Amanda, Fernanda, Régis, Bart, Lamosa, Lamarão, Isabela, Tayane, Pedro, Jairo, Isabela, Gustavo, Carlus e outrxs. Aos servidores técnico-administrativos da biblioteca do CFCH e da secretaria do PPGE, pelos serviços de excelência prestados. Aos professores da maioria das disciplinas que cursei, pelo conhecimento compartilhado. Ao meu notebook, que já está quase na idade da compulsória e ainda não pude aposentá-lo. Ao Rio de Janeiro e à UFRJ, que acolheram, dentro de todas as (im)possibilidades, limitações e “bullyngs”, mais esse paulista quem vos escreve. RESUMO A presente dissertação discorre sobre a Fundação Municipal de Educação do município de Niterói, criada em 1991 para, no lugar da Secretaria Municipal de Educação, administrar a rede pública de escolas municipais e estabelecimentos de educação infantil públicos e conveniados. Na busca das respostas às principais perguntas lançadas por esta pesquisa, começamos por estudar as fundações, públicas em especial, desde o ponto de vista histórico e jurídico até o contexto político específico que deu a retaguarda necessária aos gestores de Niterói para criar uma fundação na área da educação. Tão importante quanto isso foi analisarmos o fenômeno da municipalização da educação, especificamente do ensino fundamental e educação infantil que, apesar de ter ocorrido em enorme escala na maior parte das cidades brasileiras, teve um rumo diferente em Niterói, onde poucas escolas estaduais agregou à sua rede e poucas novas unidades escolares construiu, guardada a exceção para unidades dedicadas à educação infantil, cuja responsabilidade de atendimento recai prioritariamente sobre os municípios. Ainda nesse aspecto da municipalização foi necessário investigarmos os meandros do financiamento da educação pública em termos legais e práticos, afinal, foi a partir da criação dos fundos – primeiro o FUNDEF, depois o FUNDEB – que explodiram as estatísticas das redes municipais, o que não ocorreu em Niterói. Foi fundamental ainda compreender uma parte da história recente do município de Niterói, particularmente a partir da fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, em 1975, quando então Niterói perde seu status de capital, o que repercute em sua condição social, política e cultural. Nesse contexto histórico, Jorge Roberto da Silveira (PDT) construiu sua carreira política, tendo sido eleito nos quatro pleitos que disputou e tendo indicado seu sucessor em um dos seis mandatos de interesse para esta pesquisa. Na sequência de mandatos, uma série de iniciativas inovadoras perpetuou a tradição política de sua família na cidade e criou uma nova imagem para Niterói. Essa importância política não diminui as polêmicas em torno de algumas dessas inovações e atitudes, dentre as quais a própria criação da Fundação Municipal de Educação. Ela ocorreu no contexto da reforma do Estado que buscava modernizar a forma de administrar o público através de métodos e práticas da esfera privada que seriam adaptadas ao serviço público e suas instituições. Entretanto, o partido a que pertencia o então prefeito não compartilhava da visão política que comandava tal reforma do Estado, o que indica uma importante contradição. Algumas distinções entre as formas de gerenciar a educação municipal por meio de uma fundação – órgão da administração indireta – ou de uma secretaria, tais como a agilidade e o alargamento de possibilidades de ter o controle quase autônomo do próprio orçamento e das licitações realizadas, persistem, mas tais práticas foram generalizadas na administração pública, o que fez desaparecer ou minimizar as diferenças que poderiam advir de sua condição institucional especial. Para o desenvolvimento do estudo, além de pesquisa bibliográfica e documental, entrevistamos os principais atores da educação niteroiense no período, tais como presidentes da fundação, secretários de educação, gestores e profissionais sindicalizados que atuaram durante esse processo. Palavras chave: 1. Fundação Municipal de Educação de Niterói-RJ; 2. Reforma do Estado; 3. Municipalização da Educação; 4. Público e privado na educação ABSTRACT This dissertation discusses the Municipal Education Foundation of Niterói, created in 1991 to, in place of the Municipal Education administer the public schools and municipal educational establishments and public child insured. In search of answers to key questions thrown by this research, we begin by studying the foundations, public especially from the point of historical and legal perspective to the specific political context that gave the rear required managers to Niterói there create a foundation in education. Just as importantly, we analyze the phenomenon was the municipalization of education, specifically the elementary and early childhood education that, although there was an enormous scale in most Brazilian cities, took a different tack in Niterói that few state schools added to your network and few new school units built, guarded exception for units dedicated to early childhood education, care whose responsibility falls primarily on the municipalities. Yet this aspect of decentralization, it was necessary to investigate the intricacies of the funding of public education in legal and practical terms, after all, was based on the creation of funds – first Fundef after FUNDEB –who blew the statistics of municipal networks, which not occurred in Niterói. It was also essential to understand a part of the recent history of Niterói, particularly from the merger of the States of Rio de Janeiro and Guanabara in 1975, when then Niterói loses its status as the capital which reflects in their social, political and cultural. In this historical context, Jorge Roberto Silveira (PDT) built his political career and was elected in the four lawsuits that played and having indicated his successor in one of 6 mandates of interest for this research. Following mandates, a number of innovative initiatives perpetuated the political tradition of his family in the city and created a new image to Niterói. This policy does not diminish the importance controversies around some of these innovations and attitudes, among which the very creation of the Municipal Education Foundation. It occurred in the context of state reform that sought to modernize the way of managing public through methods and practices of the private sphere that would be adapted to the public service and its institutions. However, the party he belonged to the then mayor did not share the political views who commanded the reform of the state, which indicates a major contradiction. Some distinctions between the ways of managing the municipal education through a foundation – a body of indirect administration – or a registry such as agility and extending the possibilities of having almost autonomous control of its own budget, the bidding procedures, continue but such practices were widespread in public administration, which did away with or minimize the differences that could arise from their special institutional status. To develop the study, plus literature and documents interviewed the main players in Niterói education in the foundation such as presidents, secretaries of education, managers and unionized professionals who acted during this process. Keywords: 1. Municipal Education Foundation of Niterói-RJ; 2. State Reform; 3. municipalization of education; 4. Public and private education LISTAGEM DE SIGLAS ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEC – Conselho Escola Comunidade CF – Constituição Federal CLIN – Companhia de Limpeza Urbana de Niterói CONAE – Conferência Nacional de Educação EC – Emenda Constitucional FAMNIT – Federação das Associações de Moradores de Niterói FE/UFF – Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense FME – Fundação Pública Municipal de Educação de Niterói FNPM – Fundo Nacional de Participação dos Municípios FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDH – Índice de Desenvolvimento Humano LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias MAC – Museu de Arte Contemporânea MARE – Ministério da Reforme do Estado MDB – Movimento Democrático Brasileiro MEC – Ministério da Educação PDT – Partido Democrático Trabalhista PEC – Projeto de Emenda Constitucional PL – Projeto de Lei PNE – Plano Nacional de Educação PT – Partido dos Trabalhadores SME – Secretaria Municipal de Educação SUS – Sistema Único de Saúde TCE – Tribunal de Contas do Estado TCU – Tribunal de Contas da União UFF – Universidade Federal Fluminense ÍNDICE 1 INTRODUÇÃO 12 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14 3 AS FUNDAÇÕES 29 3.1 As origens e os diferentes tipos de fundação 29 3.2 Fundações na educação brasileira 32 3.3 Educação privada 33 3.4 Educação pública 34 3.5 Legislação atual sobre fundações 37 3.6 Fundações municipais 40 4 MUNICIPALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO COM O PRIVADO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA 42 4.1 MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: DO SÉCULO XX AO XXI 42 4.1.1 O atual processo de municipalização 45 4.1.2 A Constituição de 1988 47 4.1.3 LDB e PNE 48 4.1.4 FUNDEF e FUNDEB 53 4.2 MUNICIPALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO 55 4.3 OS PROCESSOS DE AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PRIVADA NA EDUCAÇÃO E A RELAÇÃO COM A MUNICIPALIZAÇÃO/DESCENTRALIZAÇÃO 56 5 NITERÓI 62 5.1 BREVE HISTÓRICO E PANORAMA POLÍTICO DA CIDADE 62 5.1.1 Fusão e “Reascensão” da Cidade 65 5.2 JORGE ROBERTO DA SILVEIRA 68 5.2.1 Inovações e experimentalismos na administração da cidade 71 6 FUNDAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE NITERÓI 74 6.1 AS ORIGENS DA FME (LEGISLAÇÃO E CONTEXTO) 76 6.2 OS PRESIDENTES E SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO 81 6.3 O MOMENTO DA CRIAÇÃO E UM DEBATE QUE DEIXOU POUCOS RASTROS 86 6.4 ASPECTOS MARCANTES EM 21 ANOS DE FUNDAÇÃO 91 6.5 ALGUMAS JUSTIFICATIVAS E FRUSTRAÇÕES 95 6.6 AS ALTERAÇÕES PERCEPTÍVEIS: RESULTADOS POUCO SIGNIFICATIVOS 98 6.7 A EXPANSÃO DA REDE MUNICIPAL NO PERÍODO 100 6.8 AS RELAÇÕES DA FME COM O SETOR PRIVADO E COM A “SOCIEDADE CIVIL” 105 6.9 O PROGRAMA EDUCAÇÃO INTEGRAL DA FME 108 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117 APÊNDICES E ANEXOS 123 1. INTRODUÇÃO A presente dissertação tem como objetivo entender a Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME) a partir de alguns elementos e questionamentos, que vão desde a dúvida acerca da necessidade e das possibilidades de inovações a partir da administração por meio de uma fundação em vez do tradicional formato de secretaria municipal de educação, até o porque e como ela foi criada em uma determinada conjuntura, sob uma determinada gestão municipal. Este trabalho foi motivado a partir da constatação de que essa experiência é única – ou quase – em todo o país, quando ainda estava elaborando a Monografia de Conclusão de Curso de Especialização “Saberes e Práticas na Educação Básica: políticas públicas e projetos socioculturais em espaços escolares”, a qual versou sobre o Programa “Educação Integral” da FME. Para entendermos toda essa teia de relações e eventos, foi necessário lançarmos mão de algumas hipóteses e partirmos para a análise documental e teórica e coleta de informações relevantes que colaborassem para a construção de um quadro interpretativo do objeto analisado. Entre os elementos centrais analisados estão as fundações, públicas em especial; a municipalização e/ou o processo de crescimento das redes municipais ao longo da história educacional do Brasil; o histórico e o panorama político do município de Niterói; e a opinião de protagonistas do período da criação da FME – profissionais, “sociedade civil”, pesquisadores da área – e dos que a administraram ao longo da maior parte dos anos da sua existência. No caso das fundações, chama atenção a confusão jurídica que parece permanecer até hoje sob alguns aspectos das fundações públicas, principalmente no que diz respeito à sua personalidade jurídica ser de direito público ou privado e sobre as prerrogativas e possibilidades dos agentes públicos criarem-nas. Em Niterói, pode ter 12 sido intenção do prefeito Jorge Roberto da Silveira, criar outra situação jurídica e trabalhista para a educação municipal e os profissionais que nela atua(va)m. Essa possibilidade acabou sendo reforçada a partir de algumas entrevistas realizadas para a elaboração desta dissertação e da análise de documentos da época, tanto do âmbito municipal, como os relativos à reforma do aparelho de Estado, encaminhada por Fernando Henrique Cardoso e Luiz Carlos Bresser Pereira, respectivamente presidente da República e ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). Outro aspecto determinante para a compreensão de qualquer rede municipal nesse recorte temporal escolhido para a pesquisa é a municipalização e a expansão das redes municipais, centralmente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) e das leis que criaram os Fundos de Desenvolvimento da Educação, inicialmente exclusivo ao Ensino Fundamental e posteriormente extensivo ao conjunto da educação básica (na qual se incluem a educação infantil – de quatro a seis anos e o ensino médio). Além dessas legislações e as respetivas alterações feitas ao longo dos anos de vigência das mesmas, outras podem ser incluídas no rol das que tiveram algum impacto no fenômeno da transferência da responsabilidade do atendimento educacional dos entes estaduais para os municipais. Entre essas, podemos citar os Planos Nacionais de Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como as Diretrizes e Planos Curriculares Nacional, Estadual e Municipal. A partir dessa análise prévia do contexto jurídico e político que cerca o debate educacional e sobre as fundações, tornou-se imprescindível elaborar um quadro político do município em questão para que as hipóteses e as perspectivas pudessem ser embasadas para além das opiniões dos envolvidos, considerando também a conjuntura municipal e estadual. Sobre esse aspecto, muitos são os pontos relevantes para a compreensão do objeto e para a realização dos objetivos da pesquisa, pois além da fusão, em 1974, entre os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, o que certamente causou, especialmente em Niterói, um grande impacto político e financeiro – sem contar o simbólico –, as disputas na cidade entraram em um novo patamar com a ascensão de Jorge Roberto da Silveira, que governou a cidade por quatro gestões e instaurou um “novo período” na política municipal, obviamente sem deixar de se valer de seu 13 sobrenome “peso pesado” na política estadual, quiçá nacional, para isso. Mais importante que a utilização de seu sobrenome, Jorge Roberto aproveitou sua aprovação popular, que permitiu por alguns anos que ele tivesse maior liberdade para experimentalismos e inovações na gestão pública de uma cidade que passou a ter que se valorizar para superar o processo de inferiorização sofrido com a perda de status de capital do Estado. Tanto nas entrevistas como em reportagens ou nos artigos científicos ou de opinião analisados, a autoridade do prefeito para impor suas ideias e novidades era praticamente inquestionável. A própria FME foi uma dessas inovações, ainda que, segundo a literatura que encontramos e a opinião de alguns entrevistados, os principais legados do ex-prefeito se situem mais nas áreas da cultura e saúde, além de sua capacidade de ressignificar o “ser niteroiense”. No último capítulo, demos voz aos principais envolvidos com a transição da secretaria para fundação, aos administradores desta última e aos representantes da categoria dos trabalhadores em educação que atuavam na rede escolar naquele período. Para isso, a realização de entrevistas semiestruturadas pessoal ou virtualmente foi muito significativa, tanto pelo fato de haver muito pouco material documental a ser analisado, como também por terem revelado algumas nuances que provavelmente documento algum revelaria. Infelizmente, não houve tempo suficiente para entrevistar todos que poderiam enriquecer essa pesquisa, mas acreditamos que o que foi feito já é uma contribuição para elucidar algumas das questões trazidas pela experiência da FME de Niterói. 2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Como em todo trabalho científico, para as análises feitas ao longo dessa dissertação um determinado conjunto de autores e, consequentemente, de ideias, conceitos-chave e categorias foi sendo formado. Decidimos por fazer algumas 14 considerações acerca destes já na introdução. Portanto, entendemos essa “extensão” da introdução como uma parte importante do trabalho e que teve objetivo de deixar o texto daqui por diante tanto mais inteligível quanto leve. Compreendido isso, um primeiro conceito que atravessa os capítulos, por tratarse de uma pesquisa que analisa uma instituição político-administrativa da área da educação e as motivações de seu surgimento, é o conceito de Estado e as variáveis que daí seguem: Estado mínimo, política de Estado e o arcabouço legal que dá forma ao próprio Estado e em especial às instituições educacionais deste. Para tal empreitada, por compreendermos que uma análise coerente não poderia furtar-se à compreensão geral de que a sociedade que vive nesse Estado está em movimento, “viva” e, consequentemente, interferindo cotidianamente na transformação ou na manutenção do status quo, lançamos mão de autores ligados ao campo crítico das ciências sociais e políticas. Dentre os que podemos citar inicialmente, podem encaixarse Engels, Gramsci, Bobbio, Moreno, Fernandes entre outros não incluídos nos clássicos, mas que certamente a partir dessas mesmas contribuições fundamentais, auxiliaram em nosso percurso investigativo. Obviamente que esse direcionamento primordial não nos afasta de outros autores que não se enquadram exatamente no mesmo campo anteriormente citado, mas que de outras maneiras são fundamentais para as análises aqui contidas, como, por exemplo, Bresser Pereira, Giddens. No campo da educação procuramos nos cercar de autores contemporâneos que, a partir de distintas matrizes ideológicas, procuram elucidar e investigar as políticas públicas para/na educação e a legislação correlata, e a influência concreta que elas têm sobre a educação escolar. Cunha, Saviani, Cury, Algebaile, Adrião, Oliveira, Costa, Peroni, Faria, entre outros, foram fundamentais. No caso do período analisado, o escopo legal a ser observado vem desde os debates constituintes da década de 1980, certa e inevitavelmente precedidos daqueles do período imediatamente anterior, durante os governos autoritários e o período de transição democrática. 15 Ressaltamos que esse debate perpassa toda a década de 1990, principalmente, no caso da educação, especificamente no que se refere ao processo de debate, tramitação e aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e outras legislações correlatas, como o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, o Plano Nacional de Educação, entre outros. Esse cenário nacional certamente influenciou a vida política e as medidas administrativas tomadas nas diferentes cidades e estados do país, principalmente após as vitórias dos partidos que se opunham ao autoritarismo militar no âmbito das primeiras eleições pós-ditadura em importantes cidades e estados. Em especial podemos citar as eleições de 1982, quando o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) venceu em diversos estados e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), venceu no Rio de Janeiro. O PDT adquire relevância no nosso estudo, pois também venceu as eleições municipais em Niterói pouco depois de eleger Leonel Brizola governador, mantendo-se praticamente dois terços do período aqui analisado à frente da gestão com Jorge Roberto da Silveira. Será interessante analisarmos as contradições aparentes entre o que defendia o PDT, conforme apontado por Cunha (2012), em nível nacional e mesmo frente ao governo do estado, comparado às ações de Jorge Roberto da Silveira que pode ter adotado outro tipo de postura diante de problemas nas áreas de saúde, educação, cultura, entre outras. É sempre importante frisar que, ao olharmos as ações de conjunto do exprefeito, podemos encontrar algumas que condizem com sua opção partidária, bem como, dialeticamente, outras que nem tanto, como nos parece ser o caso da FME. É possível desenhar essa análise prévia, pois, do ponto de vista do debate político nacional que ultrapassou a década de 1980 e chegou com força na de 1990, parte do que se fez na administração pública de Niterói era identificável com a proposta do MARE, ocupado pelo Ministro Bresser Pereira sob a batuta de Fernando Henrique Cardoso (FHC), fundamentada pelos conhecidos documentos do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e outros. Poderíamos então, considerar o governo de Jorge Roberto da Silveira (JRS) 16 como vanguardista na aplicação de algumas dessas medidas, tendo em vista que muitas delas só iriam tomar corpo legal e maior relevância no debate político nacional alguns anos após as iniciativas postas em prática em Niterói, em especial no caso da FME? Se havia a possibilidade de adotar posturas de vanguarda política, por que não adotar medidas mais próximas ao que pregava o programa dos partidos presentes no governo de JRS e em especial o PDT, que naquele momento ainda contava com as expressivas figuras de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola ativos e respeitados no cenário político nacional? Voltando à questão do Estado e das diferentes formas de administração do mesmo a partir de legislações e da política, assim como a conceitos como sociedade civil, governo, partido, sintetizamos a seguir, algumas ideias de autores como Gramsci (1978), Engels (2002), Moreno (2008), Bobbio (2012), Giddens (2007), Dreifuss (1981) e Fernandes (1989; 2011) que puderam nos ajudar a traçar o caminho dessa dissertação. Engels, em sua conhecida obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado, em suma, diz que o Estado não é de forma alguma uma força imposta do exterior à sociedade. Seria então produto de uma sociedade em certa fase de seu desenvolvimento. “É a confissão de que essa sociedade embaraçou-se numa insolúvel contradição interna, dividiu-se em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se.” (ENGELS, 2002). Para que essas classes não devorassem umas às outras e fizessem o mesmo à própria sociedade, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade com o intuito de amenizar os conflitos dentro de uma certa ordem. Para Engels, isso seria o Estado. Com o aprofundamento da divisão e demarcação mais claras entre as classes nas fases capitalistas subsequentes, outros elementos foram incorporados para a análise da disputa pelo poder do Estado, principalmente após a Revolução Russa de 1917, que pela primeira vez colocou outra classe que não a burguesia frente à direção de um Estado no período histórico recente. Entre as importantes contribuições acerca dessas disputas, colocam-se as análises de Gramsci sobre o poder hegemônico (dirigente) que uma classe ou uma fração de uma das classes exerce sobre as demais. Essa direção baseia-se essencialmente no equilíbrio entre coerção e consenso, sendo que na história contemporânea, se considerarmos todo o planeta, não é possível afirmar a 17 predominância de um sobre o outro, assim como no Brasil, onde ora tivemos ditaduras ora a democracia representativa estabelecida, ainda que sempre com a mesma classe hegemônica. Isso também traz à baila outro conceito ao qual o autor sardo dedicou-se em várias passagens de suas obras, qual seja, o de sociedade civil. Este será essencial quando abordarmos o período histórico focalizado no transcorrer deste texto, afinal, é o discurso da “sociedade civil” organizada como protagonista da cena política que predomina já desde algum tempo. Para conseguir ser hegemônica, a classe dominante precisa, além de deter o poder dos meios de produção, conter as classes dominadas através de espaços comuns de atuação, que, de preferência, consigam substituir as organizações típicas de uma classe como os sindicatos, associações e outras do mesmo gênero, além de obter o consentimento “de todos”. Bobbio (2012), por seu turno, também será de suma importância para a categorização de determinados aspectos correlatos aos já citados e vindouros. Vejamos uma análise sobre o Estado e direito do referido autor: Ao estudo da história segue o estudo das leis, que regulam as relações entre governantes e governados, o conjunto das normas que constituem o direito público (uma categoria ela própria doutrinária): as primeiras histórias das instituições foram histórias do direito, escritas por juristas que com frequência tiveram um envolvimento prático direto nos negócios de Estado. Hoje, a história das instituições não só se emancipou da história das doutrinas como também ampliou o estudo dos ordenamentos civis para bem além das formas jurídicas que os modelaram; dirige suas pesquisas para a análise do concreto funcionamento, num determinado período histórico, de um específico instituto, através dos documentos escritos, dos testemunhos dos atores, das avaliações dos contemporâneos, progredindo do estudo de um instituto fundamental como, por exemplo, o parlamento e as suas vicissitudes nos diversos países, ao estudo de institutos particulares como o secretário de Estado, o superintendente, o gabinete secreto, etc., através dos quais torna-se possível descrever a passagem do Estado feudal à monarquia absoluta, ou a gradual formação do aparato administrativo, através do qual pode-se reconstruir o processo de formação do Estado moderno e contemporâneo. (BOBBIO, 2012) A relevância dessas análises, valendo-se dos referidos autores, justifica-se pela necessidade de determinar o caráter do Estado que aplica as reformas e legislações, além das instituições – como a própria Fundação Municipal de Educação de Niterói, que citaremos e analisaremos a seguir. Para Moreno (1998), essa definição serve para começar a estudar o fenômeno, pois responde a pergunta sobre qual classe tem o poder político, porém para definir o regime político, é necessário responder outra pergunta: 18 “Através de quais instituições essa classe governa em determinado período ou etapa?” Isso é essencial, pois apesar de o Estado ser um conjunto de instituições, a classe que está no poder não as utiliza sempre da mesma forma para governar, ainda que o intuito final seja quase sempre o mesmo. Sendo assim, no caso do Brasil, apesar de ter ocorrido um importante processo de redemocratização no período recente, que fora seguido e precedido de outros embates entre as classes ou frações de classe existentes no país, há, sob determinados aspectos, uma harmonia político-institucional que aparentemente não seriam possíveis se considerássemos a disputa política através das siglas partidárias ou de entidades/instituições pontuais de qualquer das classes envolvidas sem utilizar-nos das categorias e conceitos apresentados pelos autores citados. A combinação das ideias desses e de outros autores faz-se então necessária para que não tenhamos uma análise “manca”, principalmente em se tratando de um país com desenvolvimento industrial tardio e que mesmo após o processo de industrialização gerado pelo período da II Guerra e do pós guerra, mantém-se vinculado à produtos primários e/ou priorizando a exportação e com uma classe dominante incipiente do ponto de vista do acúmulo histórico, insipiência causada exatamente por este desenvolvimento tardio e vinculação ao grande capital internacional, não tendo se desenvolvido nesse setor social um que tivesse viés nacionalista como ocorrido em outros países. Para elucidar esse debate, nos serve muito bem Fernandes (2011), que durante o processo constituinte no Brasil afirmava que tanto os que discursavam por mudanças radicais na reabertura democrática que ocorria, como os mais conservadores podiam ter discordâncias sobre alguns aspectos, mas essencialmente concordavam em manter uma determinada ordem, que incluiria (ou teria como centro de suas ações) manter a mesma classe no poder do Estado, ainda que representada por outra fração dela própria e baseada em outro regime político, no caso a democracia representativa. Uma obra que certamente vem a corroborar com o que afirmava o sociólogo militante Florestan Fernandes é o livro 1964: A conquista do Estado, de Dreifuss (1981). Nele o autor refaz os caminhos das organizações da sociedade civil que se movimentavam por interesses de classe para enquadrar o Brasil entre os países capitalistas de alguma relevância do mundo, ainda que dependente e subserviente ao 19 capital internacional e que não deixaram de aproximar-se dos militares para essa e outras finalidades, ao contrário, participaram organicamente dos governos destes, ocupando postos-chave no comando do país e mantendo-se nos mesmos ou próximos ao centro de poder do Estado após o processo de redemocratização, validando a conceituação de ditadura empresarial-militar no caso brasileiro e dando-nos os indícios de que a disputa pela hegemonia da/na sociedade se dá para além do controle do governo central (Presidência da República). Apesar dessa aproximação relatada por Dreifuss e outros, houve a inculcação ideológica de que os governos do período ditatorial eram militares, o que facilitou a tarefa de quem, ao longo e após o processo de redemocratização do país, apresentou a ideologia de que os atos “estatais” eram a priori autoritários e, ao contrário, aqueles emanados de organizações da sociedade civil ou de instâncias governamentais mais próximas às pessoas, como as prefeituras, nas quais as forças opositoras tiveram vitórias importantes, eram mais democráticas e, consequentemente, mereciam maior apoio. Essas afirmações encontram respaldo em diversos autores, mas principalmente nos escritos de Bresser Pereira ou do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, do qual foi titular ao longo do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, por exemplo, encontram-se inúmeras referências à “sociedade civil”, conclamando-a a assumir suas responsabilidades, assim como seus direitos, a partir do que seria uma nova forma de organização do Estado. Essa reforma estaria baseada na concepção de que havia uma crise no Estado, que somente poderia ser solvida com uma profunda alteração em seus mecanismos e forma. Seria necessária então uma reforma gerencial, para que os parâmetros utilizados usualmente na administração privada passassem a ser incorporados na esfera pública. (MARE, 1995). Reformar o Estado significa, finalmente, rever a estrutura do aparelho estatal e do seu pessoal, a partir de uma crítica não apenas das velhas práticas patrimonialistas ou clientelistas, mas também do modelo burocrático clássico, com o objetivo de tornar seus serviços mais baratos e de melhor qualidade. O documento, e toda a construção ideológica em torno ao debate das reformas necessárias ao desenvolvimento do “novo” Brasil emergente após os anos de autoritarismo eram produtos de esforço oficial de reforma do Aparelho do Estado 20 (reforma administrativa, especialmente), que se inicia, em 1990, no Governo Collor de Mello, é relaxado durante o Governo Itamar Franco e, que finalmente recrudesce com o governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1995 (SGUISSARDI; SILVA JR., 2001). A partir da implementação da reforma da aparelhagem estatal de 1995, observa-se o surgimento de ações do Estado brasileiro objetivando uma alteração no aparato regulatório da relação entre Estado e sociedade civil. Tais ações apresentam dois aspectos interessantes de serem analisados; o primeiro refere-se àquelas ações diretamente conduzidas pela aparelhagem estatal, enfatizando a formalização de instrumentos legais; o segundo aspecto está relacionado à forma de intervenção direta do Estado, que funciona como estimulador de uma auto-regulação por parte dos organismos da sociedade civil. O conjunto desses mecanismos regulatórios criados a partir de 1995 tem como objetivo, explícito ou implícito, regular a relação entre Estado e sociedade civil, sedimentando uma nova sociabilidade, um novo modelo de ações sociopolíticas nesses anos de neoliberalismo da Terceira Via. Nesse sentido, convém investigar os mecanismos que o Estado tem utilizado para incentivar essa nova sociabilidade, seja por intermédio da elaboração de um “novo marco legal”, seja pelo estímulo à criação e ampliação de organismos não-estatais, por meio da facilitação de financiamento e normas autoregulatórias, ou ainda pela alteração da legislação mais ampla. Tais iniciativas são implementadas concomitantemente; assim, o Estado educador vai redefinindo de modo sutil suas “regras”, de modo a conduzir a construção de um consenso em torno de uma “nova cultura”, que tem por objetivo sedimentar a hegemonia burguesa sob novos contornos. (ALGEBAILE, 2005) O entendimento comum às ações desse processo era a necessidade de diminuir a presença do Estado e aumentar a da sociedade civil em diversas áreas, principalmente através da descentralização e da publicização: Essa descentralização dos serviços seriam levadas a cabo por dois projetos essencialmente: descentralização dos serviços sociais do Estado, de um lado para os Estados e Municípios, de outro, do aparelho do Estado propriamente dito para o setor público não-estatal. [...] Transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. Neste plano, entretanto, salientaremos um outro processo tão importante quanto, e que no entretanto não está tão claro: a descentralização para o setor público não estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de “publicização”. (BRESSER PEREIRA, 1995) Um dos argumentos mais fortes dos defensores da reforma administrativa e do processo de “publicização” inerente à mesma é o do aumento do controle social e da participação ativa da “sociedade civil”. No caso das organizações públicas não estatais, 21 seria favorecido esse tipo de parceria entre sociedade e Estado, muito mais do que dentro do aparelho do Estado. Tal participação poderia ser (pró) ativa no Conselho de Administração, que por força de lei deve ser instituído para administrar as fundações ou empresas públicas, para ficar em um exemplo do campo de interesse do trabalho. Para Bobbio (2012), o processo de publicização do privado é apenas uma das faces do processo de transformação das sociedades industriais mais avançadas – às quais o Brasil buscava alcançar. Ele seria acompanhado e complicado por um processo inverso que se pode chamar de “privatização do público”. Para ele, a vida de um Estado moderno, no qual a sociedade civil seja constituída por grupos fortemente organizados, está atravessada por conflitos grupais que se renovam continuamente, diante dos quais o Estado, como conjunto de organismos de decisão (parlamento e governo) e de execução (o aparato burocrático), desenvolve a função de mediador. Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do público, não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa a revanche dos grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decompor-se e recompor-se, estes conflitos, através do instrumento jurídico de um acordo continuamente renovado, representação moderna da tradicional figura do contrato social. (BOBBIO, 2012) No caso das fundações, que serão melhor analisadas no capítulo a seguir, o documento do MARE, citado anteriormente, era cristalino quanto às intenções acerca das fundações públicas, dentre as quais podemos citar algumas da universidades federais, instituições estaduais de ensino superior, órgãos de fomento à pesquisa, entre outras: Transferir para o setor público não estatal estes serviços, através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do poder legislativo para celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim ter direito à dotação orçamentária. Lograr, assim, uma maior autonomia e uma consequente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços. Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por parte da sociedade através de seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho da organização social, viabilizando o controle social. 22 Lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará a financiar a instituição, a própria organização social, e a sociedade civil a que serve e que deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações. Aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor. (MARE, 1995) Outro tema que merecerá destaque ao longo desta dissertação e que precisa ser contextualizado na história educacional e legislativa brasileira é a descentralização ou, como ficou consagrado, a municipalização da educação básica. Na história do Brasil existiram, contando com a atual, sete constituições – incluídas as anteriores ao período republicano. Pode-se dizer que havia em todas o debate acerca das responsabilidades sobre a oferta de determinados serviços públicos, dentre os quais a educação primária, básica ou a instrução, conforme a época. Porém esse debate, com suas indas e vindas, nunca conseguiu afastar-se do binômio centralização-descentralização, bem como das disputas em torno da distribuição das verbas arrecadadas através de taxas e impostos entre os diferentes níveis governamentais. O caminho dos direitos sociais, inscritos em Constituições Federais no Brasil, parece ter certa similitude com aquelas etapas sinalizadas por Marshall em relação à Europa: os direitos civis teriam tido amplo espaço no século XVIII, os direitos políticos no século XIX e, finalmente, os direitos sociais no século XX. É óbvio que não se pode afirmar uma linearidade cronológica entre situações histórico-sociais que reservam para si peculiaridades próprias. Mas, dada a similitude dos direitos em questão e dada uma certa afinidade na sentenciação dos mesmos, é viável registrar um certo paralelismo entre elas. E é no interior deste caminho que se situa a educação como um direito que vai sendo pontuado até ser absorvido pelas constituições federais e, a partir da Emenda Constitucional de 1969, receber a formulação de direito de todos e dever do Estado. (CURY et al., 2005) Com isto dito, podemos perceber que o debate sobre a descentralização da responsabilidade sobre a educação existia antes mesmo da garantia da mesma como direito de todos e dever do Estado. Na área da educação, o termo que ficou consagrado para descrever os processos de descentralização foi municipalização. Isso não se deu apenas por uma convenção ou algo do tipo, mas porque a responsabilidade foi repassada a estes entes, com a justificativa de estar assim levando a responsabilidade para próximo da demanda, da sociedade civil. De certa forma este aspecto, somado à pulverização facilitada de tipos de 23 relação, legislação e experimentalismos nas redes municipais, levou à inexistência de uma rede ou mesmo de algo que pudesse ser considerado como um sistema único de ensino no país e permite que as relações entre a esfera pública e privada e entre sociedade civil organizada e Estado fiquem ainda mais dissolvidas e facilitem processos de privatização do público, da sobreposição de interesses de um setor da sociedade sobre outros, mesmo que isso possa significar, em determinadas situações, a prestação de um serviço educacional de pior qualidade aos que pagam os impostos e aos seus filhos. No Brasil é comum utilizar-se das expressões “sistema de ensino”, “sistema escolar” – ou no caso da Conferência Nacional de Educação (CONAE), Sistema Nacional Articulado – quase como um pressuposto, uma espécie de “termo primitivo” (SAVIANI, 2008). Para o autor, no entanto, é papel da filosofia criticar os pressupostos, questionar os “termos primitivos” e, no campo da educação, essa tarefa deve ser assumida pela Filosofia da Educação. Isto é fundamental, visto que a própria aceitação do sistema como pressuposto leva à constatação de incoerência no sistema – o que equivaleria dizer que o “sistema é assistemático”. Para Saviani (2008), seria mais adequado utilizar-se do termo estrutura para referir-se à educação brasileira. O ato de sistematizar, uma vez que pressupõe a consciência refletida, é um ato intencional. Isto significa que, ao realizá-lo, o homem mantém em sua consciência um objetivo que lhe dá sentido; em outros termos, trata-se de um ato que concretiza um projeto prévio. Este caráter intencional não basta, entretanto, para definir a sistematização. Esta implica também uma multiplicidade de elementos que precisam ser ordenados, unificados (veja-se a origem grega do significado da palavra sistema: reunir, ordenar, coligir). Sistematizar é, pois, dar, intencionalmente, unidade à multiplicidade. E o resultado obtido, eis o que se chama sistema. Este é, então, produzido pelo homem a partir de elementos que não são produzidos por ele, mas que se-lhe oferecem na sua situação existencial. E como esses elementos, ao serem reunidos, não perdem a sua especificidade, o que garante a unidade é a relação de coerência que se estabelece entre os mesmos. Além disso, o fato de serem reunidos num conjunto não implica em que os elementos deixem de pertencer à situação objetiva em que o próprio homem está envolvido; por isso, o conjunto, como um todo, deve manter também uma relação de coerência com a situação objetiva referida. (SAVIANI, 2008 p. 77) Vejamos o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo. Trata-se de um campo científico em que as polêmicas, diferenças conceituais e ideológicas não preconizam tantos tipos diferentes de tratamentos como no caso da educação, que gera tantos tipos diferentes de legislações, projetos político pedagógicos, ações e, 24 consequentemente escolas, não foi difícil estabelecer um sistema único de saúde do ponto de vista da legislação. Nesse sistema há um valor pré-estabelecido sobre cada procedimento que deverá ser pago, independente de qual instituição administre a unidade no qual ele foi realizado. É verdade que a qualidade pode ser muito diferente, mas do ponto de vista administrativo e filosófico, é razoavelmente simples executar as ações cabíveis e, assim, é possível de chamá-lo de sistema. Esse cenário é ainda muito presente no caso da educação, se constituindo em um bom indício de que realmente não há, nem houve, nada que se assemelhasse a um sistema. A CONAE, organizada pelo governo federal com a intenção de construir um novo Plano Nacional de Educação (PNE) para vigorar de 2011 a 2020, teve nessa questão uma das principais – se não a principal – preocupações expressas no documento-referência utilizado para balizar os debates e no documento final produzido após todas as etapas (local, municipal, regional, estadual e nacional). Até o momento da elaboração desta dissertação, o PNE ainda não havia sido votado em plenário nas duas casas legislativas federais. Quando a pesquisa necessitou de mais elementos e explicações acerca do cenário político e educacional de Niterói, foi necessário ainda lançar mão de outros autores e referênciasa fim de explicar os aspectos relativos à fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, da força política que o ex-prefeito Jorge Roberto e seu sobrenome da Silveira tinham e ainda têm e como foi possível utilizar-se disso para “remodelar” uma cidade, fosse a partir de políticas públicas, fosse no âmbito mais simbólico do reconhecer-se niteroiense. Ainda no campo da política, foi feito um esforço para tentar encontrar algum tipo de filiação de cunho mais ideológico do ex-prefeito de Niterói, porém, como já citamos ao comentar sobre sua filiação partidária, o citado não parecia muito disposto a enquadrar-se facilmente. Havia, no entanto, uma corrente que se fortalecia, em especial entre o fim dos anos 1990 e fins dos 1990, que ficou conhecida como Terceira Via e tem em Giddens um de seus principais teóricos. Se analisarmos algumas das ações e captarmos o que se falou e escreveu acerca das gestões de Jorge Roberto da Silveira à frente da Prefeitura de Niterói, é a ela que mais conseguiremos aproximá-lo. 25 Giddens (2006) faz questão de apontar que muita confusão foi feita ao longo da história acerca do termo “terceira via”, usado por uma grande diversidade de grupos políticos que iam da direita à esquerda. Ressuscitada por Bill Clinton nos EUA, Tony Blair na Inglaterra, algumas correntes de orientação social-democrata passaram a identificar a terceira via com as políticas adotadas por estes e outros. Por esse ponto de vista, ela poderia ser considerada como um produto de países que se recuperam de longos períodos de governos neoliberais – como o de Ronald Reagan nos EUA ou de Margaret Thatcher na Inglaterra. Para o autor: Essa interpretação não proporciona uma perspectiva útil sobre o debate da terceira via – e não é um ponto de vista aceito em nenhuma das seleções que perfazem este livro. “Terceira via”, como entendida aqui, designa uma série muito mais genérica de esforços, comuns à maioria dos partidos e pensadores de esquerda na Europa e em outras partes do mundo, para reestruturar as doutrinas esquerdistas. Existe um reconhecimento geral quase que por toda parte de que as duas “vias” que têm dominado o pensamento político desde a Segunda Guerra Mundial fracassaram ou perderam a pujança. As idéias socialistas tradicionais, por serem radicais e reformistas, baseavam-se nas idéias de gestão e planejamento econômicos – uma economia de mercado é essencialmente irracional e refratária à justiça social. Até mesmo a maioria dos que advogam uma “economia mista” só aceitava os mercados a contragosto. No entanto, como teoria da economia gerida, o socialismo quase já não existe. O “compromisso keynesiano com o bem-estar social” dissolveu-se em grande medida no Ocidente, ao passo que países que retêm uma adesão nominal ao comunismo, e mais notavelmente a China, abandonaram as doutrinas econômicas que outrora representavam. (GIDDENS, 2006) No caso da cidade de Niterói, na qual o prefeito, após a abertura ao pluripartidarismo, aderiu ao PDT – partido que sempre se identificou como de esquerda e/ou social-democrata –, mas lançou mão de medidas até certo ponto contraditórias, como já afirmamos antes, como as parcerias com o setor privado em diversas áreas, como a cultura e a saúde, ou com a criação de uma empresa para a gestão da limpeza urbana (Companhia de Limpeza de Niterói – CLIN), é possível enxergarmos uma orientação de inovar, de experimentar algo que ainda não tinha sido tentado pelas outras “duas vias”. Os partidos esquerdistas estão sendo forçados a criar algo novo, uma vez que as doutrinas centrais do socialismo já não são aplicáveis. Não importa se empregamos ou não a expressão “terceira via” para designar essa tentativa de “algo novo”. “Democracia social modernizadora” ou “esquerda modernizadora” podem ser usados em seu lugar. Eu continuo a usar “terceira via”, porém, por tratar-se de uma útil expressão emblemática. Ela se refere à renovação da democracia social em condições sociais contemporâneas. Na interpretação que lhe confiro aqui, ela deve pouco ou nada a seu uso em 26 gerações pregressas. A terceira via não deve ser identificada isoladamente om as perspectivas e políticas dos Novos Democratas, do Novo Partido Trabalhista ou, aliás, de nenhum outro partido específico, sendo antes uma ampla corrente ideológica em que deságuam vários afluentes. As mudanças doutrinárias efetuadas por partidos ou coalizões de esquerda nas sociedades escandinavas ou na Holanda, França e Itália desde o final da década de 1980 são tanto parte da política de terceira via como as desenvolvidas em países anglo-saxões. (GIDDENS, 2006) Buscando compreender como o mesmo prefeito que importara diretamente de Cuba um programa que havia se tornado referência nacional propôs a criação de uma fundação para administrar uma rede municipal de educação relativamente pequena, observamos nos artigos que utilizamos para referenciar os aspectos fundamentais da passagem de JRS pela prefeitura de Niterói por quatro mandatos que pairava sobre ele uma atmosfera de “astro-rei”, na qual muitos orbitavam e beneficiavam-se de projetos inovadores que estavam modificando não só a cidade, mas a consciência dos munícipes, transformados que foram em verdadeiras “vontades coletivas”. “O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de investigações e classificações pedantes de princípios e critérios de um método de ação, mas com qualidade, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, o que põe em movimento a fantasia artística de quem se quer convencer e dá uma forma mais concreta às paixões políticas.” (GRAMSCI, 2007) Um fator que certamente salta aos olhos de qualquer análise que se depare com o cenário político carioca e fluminense desse período que enfocamos, é o da fusão entre os estados. Sobre isso há uma gama de artigos e outras publicações que tratam do cenário econômico, da representatividade política que adquiriam os “Rios de Janeiro”, mas ainda que menos frequente na literatura, o “prejuízo” causado a Niterói que perdeu sua condição de centro político e capital do Estado do Rio de Janeiro, também pode ser considerado relevante. Foram prejuízos no que diz respeito à distribuição geoespacial da população no novo Estado e, a partir da inauguração da ponte Rio-Niterói, no que diz respeito à destinação de verbas estaduais e, com grandes chances de ser o mais sentido, no que diz respeito à perda de status político. Esperamos com essa introdução ter deixado a leitura dos próximos capítulos tanto mais leve quanto interessante e ao mesmo tempo conseguir fazer dessa pesquisa uma contribuição aos que pretendem estudar a educação e as políticas educacionais sob 27 as mais diversas perspectivas e possibilidades. 28 3. AS FUNDAÇÕES 3.1 ORIGENS E OS DIFERENTES TIPOS DE FUNDAÇÃO As fundações estiveram sempre associadas à prestação de assistência aos menos favorecidos financeira e materialmente e, de acordo com algumas interpretações, eram criadas como forma de os membros mais abastados das sociedades servirem a propósitos coletivos ou comunitários. Rafael (1997), em seu livro Fundações e Direito, ao defender o caráter “humanitário” e “altruísta” das fundações privadas, afirma que: As fundações, aceitas como pessoas jurídicas na maioria dos países de legislação moderna, são a forma utilizada por pessoas ricas que, pensando em seus semelhantes de forma não egoísta, procuram fazer o bem para toda a comunidade, ou pelo menos, parte dela. Nos países capitalistas, onde é permitido ao ser humano acumular riquezas, isoladamente, o instituto “fundação” insere-se no campo do direito privado, como uma das formas dos mais ricos, certamente de maneira altruísta, separarem parte do patrimônio conseguido em vida, com vista ao bem comum da coletividade. Não por acaso, a Suécia, com um povo altamente politizado, deteve durante várias décadas o título de ser o país das fundações, em razão da permanente preocupação social dos mais ricos com os mais pobres. Achamos mesmo que um país pode ou não ser considerado “civilizado”, de “Primeiro Mundo”, dentre outras coisas, na medida em que se contabilizem quantas fundações sérias existam em seu território, a espalharem o bem comum, nesta ou naquela área, em favor de toda comunidade ou parte dela. É importante lembrar que o período histórico citado como originário das fundações, assim como as afirmações do autor acima citado referem-se exclusivamente a fundações privadas, pois, cronologicamente, o surgimento das fundações públicas deu-se depois. Além disso, outros autores não parecem acreditar na exclusiva motivação baseada na benevolência alheia: Com a reforma da Igreja e a Revolução Industrial, as pessoas voltaram a deter consigo fortunas. Com isso, as pessoas faziam doações para fins públicos para conseguir a benevolência dos demais. As fundações eram usadas para que seus instituidores fossem adorados pela população como benfeitores. (DINIZ, 2007) Com o passar do tempo, ocorreu um alargamento dessas possibilidades e dos 29 objetivos que influenciavam ou determinavam a criação desse tipo de entidade assistencial. Assim, elas passaram a ser instituídas para outros fins que não apenas os assistenciais ou de caridade. No Brasil, as fundações surgiram legalmente entre o fim do século XIX e o início do século XX, ainda que o primeiro esboço de fundação, seja datado de 1738, com a Fundação Romão de Matos Duarte, cujo patrono resolveu separar parte de seu patrimônio para formar um fundo de auxílio para as crianças deixadas na “roda” da Santa Casa de Misericórdia no Rio de Janeiro (RAFAEL, 1997). A figura da fundação, reconhecida como tal pela legislação e pela doutrina jurídica, passou a existir no Brasil em 1912, ainda que desde 1903 pudessem ser considerados outros itens legais que dariam conta do tema parcialmente. Do ponto de vista da legislação e da política, há diferentes momentos em que emergem os debates acerca da validade da administração por meio de fundações. Mais adiante trataremos do caso da legislação brasileira com mais cuidado e riqueza de detalhes, em especial das fundações públicas. De antemão podemos afirmar que há uma grande confusão e muitas polêmicas no campo do Direito, com interpretações as mais diversas sobre o gênero das fundações e as regras jurídicas aplicáveis às diferentes fundações públicas. Como afirmado, podem existir fundações de diferentes tipos e com diferentes finalidades, mas há um fio comum que independe da legislação vigente do país, estado ou município que as institui, que é prestar atendimento ao público em serviços que são típicos do Estado ou não exclusivos ao mesmo, no caso de fundação pública. Quando se trata de fundações privadas, o traço que as une do ponto de vista legal é muito mais facilmente identificável que no caso das públicas, mas, excluindo-se posicionamentos ideológicos acríticos, não há uma definição fácil para ambas, em especial, para o caso das fundações públicas. Além das definições jurídicas e das perspectivas históricas das fundações, outro debate que se fará necessário no transcorrer desta dissertação será sobre os difundidos movimentos mais recentes de adequação do(s) Estado(s) a lógicas de administração, baseadas na experiência da esfera privada. Esses movimentos, em geral, são precedidos ou causadores de reformas administrativas ou constitucionais, que representam significativas reformas do aparelho de Estado. 30 No Brasil, as fundações públicas e a legislação que dá sua(s) forma(s) foram ensejadas, em especial na década de 1990, sob o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e sob o comando do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. A ideia do governo à época era criar um novo tipo de fundação pública, que seria de direito privado. Para o ideário defendido pelo ministro do MARE, os serviços considerados “não exclusivos” do Estado não precisariam do exercício do poder de Estado, ainda que não necessariamente fossem privados ou privatizados. Nesses casos o melhor regime seria o da “propriedade pública não estatal” (BRESSER PEREIRA, 1998). Dessa forma, haveria a possibilidade de criação de Organizações Sociais (OS's), Organizações Não Governamentais (ONG's), fundações privadas e outras organizações da sociedade civil, que suplantassem o papel estatal, não só ao prestar o serviço em si, mas também para elaborar, administrar, executar, enfim, ser responsável pelo conjunto do atendimento referente ao serviço prestado. Tendo tais ideias como base para a reforma do Estado, as fundações públicas seriam um caminho para se colocar em prática esse ideário. Havia, porém, uma dificuldade legal em fazer com que todas as fundações públicas passassem a ser enquadradas como de direito privado, ou, dito de outro modo, como públicas não estatais. Sendo assim, convive(ra)m sob o mesmo arcabouço legal fundações públicas de diferentes personalidades jurídicas. Essa pretensão de generalizar às fundações o enquadramento no direito privado não ficou retida nos anos 1990, mas, anos depois, já sob o governo do Partido dos Trabalhadores, em 2007, propôs-se a regulamentação 1 do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que pode ser vista como uma nova tentativa de regulamentar os serviços públicos de acordo com o modelo público não estatal. A Fundação Municipal de Educação de Niterói, criada em 1991, assim como muitas outras fundações públicas, foram mantidas como instituições de direito público e, consequentemente, são comparáveis a autarquias, tendo os servidores os mesmos 1 O PL 92/07, ainda não aprovado nas casas legislativas, propõe regulamentar a existência de fundações públicas de direito privado em algumas áreas nas quais ainda não era permitido, dentre as quais a educação. 31 direitos dos servidores públicos, e sendo mantidas as demais regras aplicáveis aos órgãos públicos da administração direta e indireta. No estado de São Paulo, no entanto, floresceram muitas fundações públicas inspiradas nessas pretensões do princípio da década de 1990. Ainda que não sejam de direito privado, possuem em seus quadros servidores que, ainda que sejam concursados, têm seus vínculos empregatícios regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Assim, órgãos públicos tradicionais daquele estado, como as renomadas universidades estaduais, contratam seus servidores (ou empregados) se como faz na esfera privada, através do regime celetista. As áreas nas quais a presença das fundações de todo tipo são mais significativas, entre o final do século XX e início do XXI, são: saúde, assistência social, cultura, educação e pesquisa, religião, turismo.2 3.2 FUNDAÇÕES NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Quando da criação das primeiras fundações ligadas à educação, havia um movimento para vinculá-las às entidades religiosas e/ou assistenciais. Essas fundações, inclusive, não necessariamente eram ou são vinculadas ao ensino propriamente dito, mas às atividades “periféricas”. Nesse caso, estamos abordando apenas fundações privadas, vinculadas, portanto, ao direito e às instituições de mesmo tipo, ainda que, devido ao vínculo histórico e cultural que há entre Igreja e Estado no Brasil, ou às relações extremamente próximas entre as esferas pública e privada, em muitos momentos pode-se confundir as fronteiras e consequentemente o caráter ou personalidade jurídica de uma ou outra fundação. Após esse movimento inicial, que remonta ao início do século passado, as fundações que surgiram vinculadas à educação passaram a ser instituídas também pelo poder público, e há uma fonte inesgotável de exemplos, principalmente entre as universidades públicas. Em muitos estados, são fundações que administram uma ou mais instituições de ensino superior, criadas sob diferentes personalidades jurídicas e 2 Em 2010, havia 290,7 mil Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil) no Brasil, voltadas, predominantemente, à religião (28,5%), associações patronais e profissionais (15,5%) e ao desenvolvimento e defesa de direitos (14,6%). As áreas de saúde, educação, pesquisa e assistência social (políticas governamentais) totalizavam 54,1 mil entidades (18,6%). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/2010/default.shtm>. 32 por governos de diversas orientações políticas. Entre alguns dos exemplos de fundações que administram universidades públicas e gratuitas, mas também universidades privadas, há o caso do Estado de Santa Catarina, onde há a Associação Catarinense de Fundações Educacionais (ACAFE). Além do caso das instituições estaduais, há um bom número de universidades federais que são fundações em sua origem e a maioria delas ainda se mantém assim até a segunda década deste século, como é o caso da (Fundação) Universidade Federal de São Carlos em São Paulo, da (Fundação) Universidade Federal de Rio Grande (RS), da (Fundação) Universidade Federal do Mato Grosso, entre outras. Além dessas, que foram criadas em grande número no período dos presidentes militares, há a Fundação Universidade Federal do Tocantins, criada no Governo Lula da Silva. Como a legislação sobre as fundações e eventualmente os contextos são diversos quando tratamos de esfera pública ou privada, exemplificaremos a seguir as diferenças e aproximações entre ambos os tipos de fundações, de forma separada, sem ainda conferir mais de perto o ordenamento jurídico, mas sim as vinculações às quais elas estão submetidas. 3.3 EDUCAÇÃO PRIVADA Na educação privada de todos os níveis, o mais comum são as fundações mantenedoras manterem uma ou mais escolas, faculdades, centros de ensino superior ou instituições que sirvam às finalidades destas. Fundações privadas podem ser instituídas a partir de instrumento jurídico específico registrado em cartório e não necessitam de autorização/mediação do poder público para funcionarem, basta, como veremos melhor adiante, que seja dotada de patrimônio próprio e alguns outros itens a serem verificados em sua constituição inicial, que pode dar-se tanto por indivíduo ou coletivo de indivíduos em vida, como através de testamento (post mortem). A função social (pública) é, no entanto, determinada por aprovação do poder legislativo ao qual está ligada a fundação (se federal, câmara dos deputados/senado, se estadual, assembleia legislativa e se municipal, câmara dos vereadores). 33 Alguns exemplos conhecidos de fundações mantenedoras são a Fundação dos Rotarianos de São Paulo, que mantém o tradicional Colégio Rio Branco e outras cinco instituições dedicadas ao ensino, pesquisa e assistência social; a Fundação São Paulo, que mantém a renomada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cada qual com suas especificidades, mas mantendo suas atuações centradas na educaçãopesquisa-assistência social, baseadas na mesma legislação. Além das mantenedoras, há outros tipos de fundação que atuam sobre o ensino privado, como, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas ou a Fundação Cesgranrio, que realizam serviços vinculados à educação de forma geral e não só ou necessariamente ao ensino propriamente dito. Essas fundações realizam pesquisas encomendadas, exames vestibulares ou semelhantes, concursos públicos, processos seletivos públicos, entre outras atividades. Sobre a Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernandes (2009) mostra os meandros e as atipicidades dessa instituição que nascera em um período de legislação e situação política repleto de dubiedades. Nesse trabalho, a autora vai aos documentos originais que instituíram a FGV, ainda na década de 1940. Neles, segundo a autora, há uma autorização do Estado e previsão de recursos provenientes deste para a fundação, mas, apesar disso, ela mantém-se no campo do direito privado. No entanto, como desde seu início atraía uma nata da intelectualidade do país, principalmente nas áreas da economia e da administração, a fundação servira como importante fornecedora de quadros aos governos e de cursos de nível superior/pós-graduação de alto nível. 3.4 EDUCAÇÃO PÚBLICA Na esfera pública, como já dito anteriormente, há uma polêmica acerca da criação das fundações no que diz respeito à personalidade jurídica atribuída às mesmas e também à opção por adotar esse modelo, seja na área da educação ou qualquer outra, em especial nas atividades predominante ou exclusivamente estatais na tradição brasileira, tais como educação e saúde. No meio universitário, a presença de fundações tornou-se muito comum. Elas são largamente utilizadas pelas próprias universidades como instituições de apoio, que 34 possuem normas que a priori são agilizadoras de trâmites burocráticos da vida acadêmica. Além disso, há universidades públicas que são elas mesmas fundações, como no caso de muitas municipais, estaduais e federais.3 O debate atual sobre a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), autorizada por lei federal em 2012, por exemplo, aproxima-se nesse rol de situações nas quais as universidades vinculam-se, ainda que parcialmente, a fundações ou empresas públicas de direito privado para que serviços públicos sejam prestados, seja o de ensinopesquisa-extensão aos alunos e público em geral, seja o atendimento médico-hospitalar nos hospitais universitários. Ainda que a EBSERH seja uma empresa pública de direito privado e não uma fundação, a legislação, bem como o debate político que a cerca, tem componentes semelhantes ao debate sobre as fundações públicas de direito privado. Quanto às fundações de apoio, um grande debate também as cerca. Essas fundações são de direito privado e auxiliam toda sorte de atividades pertinentes às universidades que as criaram. Existem também as fundações que não são de apoio, mas que oferecem serviços que em alguns casos chegam a ser coincidentes com os oferecidos pelas próprias universidades nas quais essas fundações estão inseridas. O maior exemplo desse tipo de fundação ocorre na Universidade de São Paulo (USP), que, embora não seja o único, é o locus de maior polêmica nesse debate. Para deixar claro de que tipo de fundações estamos nos referindo, são instituições formadas pela associação (junção) de alguns professores e servidores técnico-administrativos que utilizavam-se dos espaços (além da já citada mão de obra) e do renome da universidade para oferecer cursos pagos (muitas vezes mais caros que nas instituições privadas típicas) de pós-graduação e/ou qualificação técnico-profissional.4 Inicialmente, a intenção dessas fundações não passava pelo fortalecimento da universidade na qual elas se inseriam, mas simplesmente pelo lucro a ser dividido entre os membros e colaboradores das mesmas. Um artigo apresentado no sítio eletrônico da Associação Paulista de Fundações 3 A exemplo da Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba (FUMEP), Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), Fundação Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro Universitário Fundação Santo André (FSA). 4 Como a Fundação Vanzolini (FCAV), vinculada à Escola Politécnica e Fundação Instituto de Administração (FIA), vinculada à Faculdade de Economia e Administração, ambas na USP. Ver mais sobre o caso da USP em http://adusp.org.br/index.php/imprensa/revista?start=20 – em especial as edições no 22, 23 e 24. 35 defende esse tipo de instituição que funciona dentro da universidade com os seguintes argumentos: Os críticos das fundações de apoio de esquecem de que elas, como entidades de natureza jurídica privada – constituídas na grande maioria por professores universitários, com bens que lhe pertencem – podem fazer tudo aquilo que a lei expressamente não proíbe. Esta é uma regra pacífica entre os operadores de direito. E no momento em que são cobradas de um escorreito caminhar, especialmente pelo Curador de Fundações, podem exigir deste que interprete as normas preocupado com o incremento das atividades sociais, de maneira a almejar a justiça social. As fundações de apoio se declaram como tal por ato voluntário. Não podem ser obrigados a isso, por quem quer que seja. Dessa maneira contribuem para a Academia, mas por desejo próprio, por apego à excelência no ensino, na pesquisa, e na extensão. E como elas operam no mercado, geram superávit, o qual é investido no reforço do próprio capital ou no apoio à Universidade. Os professores universitários, nos horários que não coincidem com aqueles em que têm de estar à disposição da universidade, ou mesmo dirigentes vinculados à fundação, ao prestarem serviços em projetos desta, capitaneados no mercado, são remunerados por verbas privadas pelas respectivas forças de trabalho, em parâmetros de mercado. Este modo de agir, além de legal, é ético sob o aspecto moral, afinal de contas o trabalho remunerado é protegido inclusive pela Constituição Federal. (GRAZZIOLLI, 2009) Essa concepção pode levar a uma série de questionamentos. Os professores das universidades públicas não têm seus salários fixados conforme os “parâmetros” do mercado e, além disso, atuam, muitas vezes, em regime de dedicação exclusiva. Como não ver a presença desse tipo de fundação como um vetor que disputa e compete com o serviço público? Mais ainda, como se pode ver no trecho a seguir reproduzido, a presença das fundações pode cumprir o papel de desmoralizar o serviço público, acentuando suas falhas, ao invés de colaborar para o seu aperfeiçoamento: A Universidade não deve e não pode isolar-se em si mesma. Ela precisa estar aberta à sociedade civil e ao mercado, afinal de contas o ensino, a pesquisa, a extensão e o desenvolvimento da tecnologia são exercidos para a melhoria do bem-estar social. Numa época em que a Administração Pública fica cada vez mais moderna e gerencial, resta claro que as críticas às fundações são parte de um discurso desafinado, longe da realidade jurídica vigente, com um elevado cunho ideológico, um colorido desbotado pelo tempo e ultrapassado pelo uso. (idem, ibidem) Os organismos financiadores da pesquisa no Brasil também se encontram entre os que foram particularmente visados para a instalação do modelo público não estatal. A CAPES, por exemplo, no período citado dos debates da reforma do Estado, entre muitas idas e vindas chegou a ser extinta, sendo, no entanto, retomada em seguida como fundação pública de direito privado, assim como a FAPESP em São Paulo. Na educação básica, há um número pouco significativo de fundações envolvidas 36 na administração educacional e um número ainda menor quando procuramos fundações que administrem o conjunto da educação de uma cidade ou Estado. As poucas que podem ser encontradas, em geral, existem em função da contratação de pessoal para ser cedido às escolas e não, como é o caso na cidade de Niterói, para administrar a rede pública do município como um todo. Em Contagem (MG), por exemplo, há a Fundação de Ensino de Contagem (FUNEC), que realiza as contratações de pessoal para atuar na rede municipal de lá, mas a administração da educação municipal permanece vinculada ao órgão comum para isso, a Secretaria Municipal de Educação. Há também um número razoável de fundações que, por intermédio das leis das Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, atuam na educação básica a partir de contratos estabelecidos com secretarias para implementação de programas ou projetos, para consultoria, aquisição de materiais didático e paradidáticos, serviços terceirizáveis etc. Em Niterói, por exemplo, há fundações com contratos recentes e/ou ativos com a FME, mas o que chama mais atenção é a própria existência da FME-Niterói, que não parece enquadrar-se nas situações expostas até aqui, mas sim ser uma exceção às “regras” estabelecidas pela legislação e, principalmente, pela prática política no país. 3.5 LEGISLAÇÃO ATUAL SOBRE FUNDAÇÕES Os debates acerca da legislação sobre fundações públicas em especial, mas também sobre as fundações privadas, foram em diversos períodos, e ainda são, polêmicos. A legislação acerca das fundações privadas tem uma fonte condensada à qual se pode remeter, que é o Código Civil vigente e o que vigia anteriormente (2002 e 1916, respectivamente). Existe, entre autores do campo do direito e juristas, diferentes interpretações sobre as fundações públicas. Há quem afirme que é possível ao Estado (compreendido como União, Estados e Municípios) criar fundações públicas de caráter privado, outros que afirmam que há como o poder público criar fundações públicas de direito público ou de direito privado e ainda há outros que não veem sentido em uma fundação pública, pois compreendem que a fundação é por natureza uma instituição inserida no direito 37 privado (MEIRELLES, 1993). O supracitado autor alega que uma das complicações é a falta de codificação do direito administrativo brasileiro, que complica parcialmente esse nó jurídico que recai sobre a interpretação das fundações. Para o autor, há em muitos casos erros dos legisladores, que acabam por mesclar as fundações governamentais entre o direito público e privado, tornando difícil a distinção correta sobre a natureza destas. Haveria então, três correntes de pensamento e interpretação acerca da existência das fundações públicas, que são o interesse central deste estudo. Seriam elas: a) uma que entende ser possível ao poder público, seja ele municipal, estadual ou federal, criar fundações públicas, tanto no campo do direito privado como no do direito público; b) outra que entende que, por ser de iniciativa do poder público, as fundações criadas só poderiam estar enquadradas no direito público e; c) a que entende que inexiste outra possibilidade de enquadramento às fundações que não o direito privado. Apesar da importância dos argumentos e interpretações dos campos jurídico e de estudo do direito, é relevante notar que leis não são neutras. As leis são criadas por indivíduos colocados em postos administrativos através de uma diversidade de possibilidades que vão das eleições diretas às ditaduras, que administram um Estado que é dirigido por uma das classes presentes nele ou fração de uma delas, portanto, podemos dispensar a conotação de neutralidade nesse campo. Farias Filho afirma, utilizando-se de uma citação de Thompson, que é necessário fazer a crítica às concepções mecanicistas da legislação, que, grosso modo, as entendem como campo de expressão e imposição, única e exclusivamente, dos interesses das classes dominantes, não nega, porém, que é fundamental relacionar toda a prática legislativa e os produtos da mesma, as leis, com as relações sociais mais amplas nas quais elas estão inseridas e as quais elas contribuem para produzir (Thompson, apud FARIA FILHO, 1998). O historiador inglês chama a atenção, particularmente, para a cultura e os costumes com os quais a legislação, seja ela qual for, está em íntimo e continuado diálogo. Segundo ele, é impossível compreender a legislação inglesa a respeito de vários aspectos da vida social, econômica e cultural daquele país, abstraindo-a da relação com os costumes que ela veio substituir, entrando, portanto, em competição com os mesmos, ou mesmo, a partir dos quais a legislação era continuamente interpretada e reinterpretada. Como qualquer legislação, a brasileira também está inserida numa realidade socioeconômica e cultural, que se deve levar em conta ao analisá-la. No caso deste trabalho, tanto a legislação educacional como a legislação acerca das fundações estão 38 permeadas por essa realidade e pelas disputas políticas e ideológicas postas na sociedade brasileira. A atual legislação brasileira sobre fundações privadas tem por base o Código Civil, que teve sua primeira versão em 1916 e foi sendo modificado/atualizado, até 2002, quando da promulgação de sua segunda versão, sob a Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. As primeiras fundações oficiais, criadas pelo Estado, datam ainda da década de 1930 e, por não existir legislação específica, acabaram, ainda que de maneira diferente das demais, sendo enquadradas no Código Civil. Foi o decreto-lei n o 200 de 1967 que deu início ao tratamento legal das fundações públicas, desde então equiparadas às empresas públicas e integrantes da Administração Pública Indireta. Pouco tempo depois, houve uma tentativa de moldar as fundações ao Código Civil através do decreto-lei n o 900 de 1969. Esse decreto intencionava, muito provavelmente, dar ambas as possibilidades de personalidades jurídicas às fundações públicas, porém foi considerado por alguns autores como ineficaz (SILVA et. al., 2000). O decreto-lei dos militares vigorou por muito tempo, e a legislação acerca do tema das fundações públicas só foi parcialmente modificada novamente em 1986 através de outro decreto-lei que só alterava a redação e incluía novos artigos ao decretolei 200 já citado. Foi com a edição da Lei 7.596/87 que as fundações passaram a ter natureza jurídica predominantemente pública e, finalmente, com a Constituição Federal de 1988 as fundações públicas passaram a figurar com nome e sobrenome nos textos legais, o que porém, retrocedeu com a Emenda Constitucional no 19 de 1998, que retirou a expressão “fundação pública” do texto, deixando margem novamente para que não “existisse” diferenciação de personalidade jurídica entre fundações públicas e privadas. No ano de 1991, quando foi criada a FME em Niterói, a legislação vigente era diferente da atual sob diversos aspectos, e ainda não havia sequer sido iniciado o profundo processo de reforma do Estado já citado nesse capítulo. Tampouco a Emenda Constitucional de 1998 ou as legislações que foram alterando a Constituição Federal de 1988 tinham tomado forma. Portanto, ainda que existissem leis que poderiam permitir ao poder público municipal instituir uma fundação de direito privado, por que foi criada uma fundação pública que se assemelha às autarquias? Foram cometidos erros ou a intenção política 39 não foi possível de ser enquadrada no ordenamento jurídico da época? Qual o sentido, então, de criar uma fundação em lugar de manter-se dentro da “tradição” de administrar a educação municipal através de uma secretaria? 3.6 FUNDAÇÕES MUNICIPAIS Os processos de descentralização de serviços e da administração pública ocorreram em diferentes períodos e ainda ocorrem. Grande exemplo disso é possível ser encontrado na área da educação pública. É importante notarmos que anteriormente às atuais legislações, o município passou por diversas fases em que teve maior ou menor importância enquanto ente público responsável pela oferta de serviços públicos como educação e saúde principalmente. Com o advento da Constituição de 1988 e dos debates/implementação prática da nova LDBN, os municípios voltam a ter um peso considerável e até mesmo equiparável ao dos Estados e da própria União, ainda que, em termos de formas de financiamento, dada a disparidade de possibilidades financeiras dos diferentes entes, essa questão só fosse ter uma “solução” na área educacional com a aprovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF) em 1997. Esse não é um elemento menor nas/para as discussões que estão sendo levantadas nesta dissertação, pois o fortalecimento dos municípios está diretamente vinculado ao processo de aproximação entre Estado e sociedade civil e, por consequência, à lógica predominante na década de 1990, que deu base à reforma do Estado. Havia uma contrariedade grande em determinados setores sobre entregar responsabilidades aos municípios, que tinham – muitos ainda têm – arrecadações limitadas e passariam a ter que administrar demandas enormes, o que poderia facilitar um processo de privatização desses serviços. No caso das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), Sguissardi e Silva Jr. (1998) citaram em seu livro um passo a passo elaborado pelo MARE para a transformação de universidades autárquicas em Organizações Sociais, fundações ou, utilizando-se das palavras encontradas nos documentos daquele ministério, de publicização dos serviços e estabelecimento de contratos de gestão entre essas e o 40 Estado. Há também um número considerável de fundações municipais que na verdade são faculdades ou centros universitários criados pelo poder executivo e/ou legislativo das cidades, mas que se assemelham às instituições privadas de mesmo fim. Em Piracicaba (SP), por exemplo, há a Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba que na realidade é uma faculdade municipal, na qual os alunos pagam mensalidade, os professores têm seus contratos regidos pela CLT, entre diversos outros exemplos que poderiam ser citados e enquadram-se entre o que fora idealizado como público não estatal. No caso dos municípios, o que certamente mais pesaria sobre os orçamentos – dos mais apertados aos mais largos – seriam as áreas da saúde e da educação. Nesse sentido, muitos municípios optaram por administrar esses setores da administração pública, o que costumeiramente se faria pelas secretarias municipais, por meio de fundações municipais. Niterói, por exemplo, criou as fundações de cultura, de saúde e de educação. Esta última, no entanto, como já citado antes, aparece como experiência rara (praticamente exclusiva) e, também por isso, foi escolhida como objeto de investigação dessa pesquisa. 41 4. MUNICIPALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO COM O PRIVADO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA 4.1 – MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: DO SÉCULO XX AO XXI Traçar comparações entre textos legais de períodos tão distintos da história do Brasil e da educação brasileira pode ser muito perigoso e levar a confusões e anacronismos, caso não tomemos muito cuidado com as análises, que devem ser as mais minuciosas possíveis. No entanto, é impossível não notarmos e destacarmos, mesmo correndo esses riscos, alguns traços comuns entre os debates e processos que permearam a elaboração e a realização prática das constituições brasileiras, bem como das legislações educacionais correlatas no que diz respeito ao tema da municipalização ou, como queira, descentralização da administração e oferta de ensino/instrução públicos. No Brasil a proposta municipalista associada às ideias de participação da comunidade, descentralização e democracia, há muito tempo foram incorporadas às propostas educacionais. Fernando de Azevedo, já em 1932, defendia o princípio da localização do ensino como condição necessária para que se reorganizasse a escola nos moldes do escolanovismo e se efetivasse a sua democratização. Foi com Anísio Teixeira, porém, que a defesa do município como instância legítima para assumir a educação se colocou de forma mais bem articulada. (GUIMARÃES, 1995) No Brasil, diferente de outros países, o município tem uma importância superior e ganhou, inclusive, status de ente da federação, em um patamar semelhante aos Estados e à própria União. Tal fato se relaciona com a opção pela forma federativa para (re)organizar o país, especialmente no processo de redemocratização. Essa escolha pelo federalismo no Brasil, principalmente no que concerne aos assuntos afetos à educação e à distribuição de poderes e arrecadação, não ocorreu sem uma quantidade razoável de 42 contradições. Costa (2010) argumenta que essas contradições, típicas da formação do regime federativo no Brasil, acabou por criar um “federalismo oligárquico”, no qual a importância e peso político do governo federal, acaba por depender de fatores mais conjunturais do ponto de vista econômico e há um grande peso dos governos (e por consequência dos interesses) subnacionais e/ou regionais. No que diz respeito ao período da redemocratização até a primeira década do século XXI, o mesmo autor defende que passamos por um processo de efetiva descentralização, diferente do que teria ocorrido anteriormente. Disso podemos extrair que os movimentos de descentralização ao longo da história educacional (e legal/constitucional) do país passaram dos Estados para os municípios, e com a aquisição de maior status político destes é que ocorre uma verdadeira descentralização. É necessário ressaltar, porém, que mesmo quando o centro do debate da descentralização recaía sobre os Estados, ocorriam os processos de municipalização do ensino básico, de maneira mais difusa, é verdade, mas ocorriam. Para Araújo (2010), a partir de 1988 tentou-se romper com a lógica do movimento pendular entre centralização e descentralização ao associar um padrão de organização muito descentralizado – mais que a maioria das federações existentes no mundo – com a ideia de um sistema de ensino nacional e equânime, realizado através a regulamentação do regime de colaboração. A autora, assim como a maioria dos que foram lidos ao longo do processo de elaboração dessa dissertação, também chama atenção pro que chama de “notória especificidade” em relação às demais federações do mundo que é a inclusão do município como um terceiro ente federado. Ainda antes dessa “elevação de status”, já havia movimentos no sentido de incorporação de determinados serviços públicos ao rol de tarefas municipais, levados a cabo por setores considerados progressivos ou do campo de oposição ao governo federal – à época sob comando dos militares ou do (vice) presidente eleito indiretamente José Sarney. Alguns autores chegavam mesmo a citar o processo de descentralização do ensino – diferenciando-o do que seria a municipalização – como algo inevitável e irreversível, principalmente em cidades onde a população estava mais organizada. (GADOTTI, 1989) 43 Já nas primeiras constituições, inclusive nas do período imperial, se deixava a cargo de administrações locais a obrigação de ofertar ensino público e gratuito, o que não era efetivado por diversas delas, impossibilitando dessa forma que fosse ampliado o número de pessoas atendidas nessas escolas. (DAVIES, 2010) Esse status elevado dos municípios, no entanto, não ficou barato, pois diversos serviços que antes eram garantidos pela União ou pelos Estados terminaram sendo repassados aos municípios. Outro argumento utilizado é o de que neles a relação entre quem é atendido e quem oferta os serviços públicos seria mais próxima, favorecendo aos primeiros. Entretanto, uma das limitações que não foi vencida paralelamente ao ganho da importância política foi a questão orçamentária. Ainda que tenham ocorrido mudanças nas formas de distribuição de verbas do montante arrecadado através de impostos e taxas a partir da reforma tributária, elas foram insuficientes para resolver de fato o problema da maioria das cidades. Nem mesmo o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é a maior fonte de entrada de renda em diversas cidades pequenas e médias, consegue dar conta da necessária redistribuição entre os entes. Um dado relevante sobre pequenos municípios e as contradições entre responsabilidades e possibilidade é que a maioria das cidades do país (59,8%) são dependentes diretamente dos repasses do FPM. Nesse sentido, apesar dessas limitações e das enormes contradições, na área educacional optou-se no período recente pela política de fundos (re)distributivos de verba, de acordo com determinados critérios essencialmente quantitativos, em muitos casos baseado no mesmo formato que o FPM, mas no caso do FUNDEF com algumas distorções não existentes no primeiro. Quando da edição da legislação do FUNDEB, procurou-se superar alguns desses problemas. Esteves (2007), ao analisar a Pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros – Finanças Públicas (2004a), conseguiu concluir acerca de alguns problemas e distorções que tanto o FPM quanto o FUNDEF deveriam buscar superar, mas em alguns casos acabam aprofundando-os. No caso dos pequenos municípios (até 5 mil habitantes), para os quais as receitas obtidas dos repasses do FPM representam em média 57,3% das receitas disponíveis neles, o FUNDEF acaba, em alguns casos, causando prejuízo entre o que é deduzido e o que é recebido. 44 4.1.1 O Atual Processo de Municipalização Se é verdade que ocorre o debate sobre descentralização X centralização, e a expressão legal do mesmo varia de acordo com cada período histórico, parece incontestável que o atual contexto e a presente arquitetura institucional/legal torna a municipalização quase um caminho exclusivo e até certo ponto obrigatório, tornando a previsão de Gadotti (2004) correta, porém dialeticamente contraditória ao que o mesmo defendia como descentralização. Nesse período mais recente da história da educação brasileira, podemos identificar, após o citado ganho de status que fora conferido aos municípios na Constituição Federal de 1988 e com o incremento do Fundo de Participação dos Municípios, que os aspectos financeiro e jurídico prevaleceram para o florescimento de um novo – e mais forte – processo de municipalização da educação básica, em essência do ensino fundamental e da educação infantil. (DAVIES, 2012) Afirmamos isso, pois, após a LDB de 1996, que fora incitada pela constituição aprovada menos de uma década antes, criou-se o FUNDEF, que repetia, ou quase, os conceitos do Fundo de Participação dos Municípios para a educação, estabelecendo distribuição e redistribuição de verbas de acordo com determinados critérios, dentre os quais número de alunos matriculados na rede, arrecadação de impostos etc. Com raras exceções, como parece ser o caso de São Paulo, as redes estaduais de ensino diminuíram significativamente, permanecendo em muitos casos quase que exclusivamente no nível médio e com algumas poucas unidades que atendem os anos finais do ensino fundamental. As “disputas” pelas verbas do FUNDEF, segundo alguns autores, podem ter levado a uma nova onda de municipalizações de escolas ou matrículas, fato que não foi diminuído pela substituição desse fundo pelo de desenvolvimento da educação básica, o FUNDEB, que passou a incluir alunos da educação infantil, a partir dos quatro anos de idade, até os do ensino médio, contemplando também as modalidades de Jovens e Adultos, entre outras. 45 Essas disputas acabaram gerando distorções que não foram sanadas até o momento da elaboração desta dissertação, fazendo com que algumas cidades acabassem se saindo muito melhor que outras. Durante estas disputas, muitas distorções acabaram por se aprofundar. Talvez a que chame mais atenção seja a analisada por Esteves (2005), que constatou que os municípios “contribuintes” do FUNDEF no estado do Rio de Janeiro são em geral cidades pequenas, que estão entre as mais pobres ou situadas nas regiões mais carentes e, em geral, nestas localidades as escolas públicas são as únicas portas abertas à população. Em muitos casos, prefeituras tomaram medidas improvisadas, apressadas – outros tantos adjetivos poderiam ser listados – para aumentar o número de matrículas de suas redes oficiais e tentar diminuir a distorção financeira causada pelo FUNDEF (DAVIES, 2010). Ao fazê-lo, porém, não foi menos significativa a quantidade de distorções político-pedagógicas que se acumulam até o tempo atual. Além do aspecto da legislação educacional geral, que se torna mais difusa conforme proliferam as redes municipais, da multiplicidade de projetos políticopedagógicos (que favorece experiências positivas, mas também negativas) e de organização dos sistemas educacionais, que muitas vezes dificultam a vida do aluno que se transfere para uma rede municipal diferente, outro problema que é diretamente influenciado pela municipalização do ensino é a legislação relativa ao trabalho dos profissionais dessas redes e, consequentemente, a organização sindical. No Estado do Rio de Janeiro isso parece ter sido amenizado pelo fato de a representatividade do sindicato englobar todas as redes públicas de ensino, mas este não é o caso das demais unidades da federação, em que as organizações sindicais se pulverizaram como as redes públicas. Para além do aspecto meramente legal, que desde a Constituição Federal de 1988 vem sendo rearranjado através de outras leis, decretos e portarias, os defensores da descentralização, “contrários” à municipalização por entender que poderia haver uma atomização e desarticulação do ensino público, deixavam claro qual seria o sentido positivo que poderia surgir de um processo desse tipo. Parece-nos, infelizmente, que o que previram demais negativo acabou ocorrendo majoritariamente, visto que até a última edição da CONAE, em 2010, ainda estávamos em busca desse sistema nacional 46 articulado. . Teríamos assim, conforme preconiza a V CBE (Conferência Brasileira de Educação) um “sistema nacional unificado de educação pública superando a desarticulação entre os ensinos municipais, estaduais e federais” (Defesa do Ensino Público, 1988). Mais importante do que a superação da desarticulação entre as redes é a fusão delas em uma única rede, com um só “Sistema Nacional de Ensino Público”. O aparente avanço da Constituição de 1988, ao consagrar os sistemas municipais de ensino, poderá significar atomização e desarticulação maior ainda do ensino público. O cidadão que vive no município é único, não se reparte em esferas de governo. É para este cidadão que a escola pública existe e a ele pertence. (BORDIGNON; OLIVEIRA, 1989) 4.1.2 – A Constituição de 1988 Como já citado anteriormente, a constituição de 1988 deu um peso aos municípios que os mesmos não tinham até então. Não por coincidência, junto com esse peso vieram inúmeras tarefas que antes ou não cabiam diretamente aos municípios ou eram garantidas por verbas não municipais. Afinal de contas, mesmo com esse incremento de peso e tarefas, a distribuição da arrecadação de impostos não foi compatibilizada, seguindo os municípios com a menor arrecadação proporcional entre os três entes da federação. (ADRIÃO et al., 2009) Esse afã municipalista vinha inclusive de setores à esquerda que se faziam presentes na Assembleia Nacional Constituinte. Provavelmente um dos possíveis motivos para isso tenha sido o número significativo de vitórias eleitorais de setores então considerados progressistas e que tinham suscitado experiências e debates importantes em alguns Estados e municípios desde os fins da década de 1970. Cunha (2012) cita alguns desses Estados e municípios catarinenses, paulistas e a influência determinante que tiveram no período da elaboração da nova constituição. A formulação e a implementação de políticas educacionais voltadas para os interesses populares não esperaram pelo fim do regime militar. Iniciativas de mudanças nestas políticas tiveram sucesso em alguns municípios no período 1977/83 e em alguns estados, em 1983/87. No primeiro caso, essas iniciativas resultaram de situações específicas, mas, no segundo, decorreram de um amplo e bem sucedido movimento pela eleição direta dos governadores dos estados. (CUNHA, 2009) 47 Os exemplos que setores de oposição conseguiram impor através das políticas públicas implementadas nesses locais soavam naquele momento como uma das melhores formas de enfrentar o autoritarismo vigente e escapar do excesso de centralização supostamente reforçado nesse período. Era (re)produzido um discurso antiburocrático, que na verdade estava mais para descentralizador, sem levar muito em consideração que a generalização dessas experiências provavelmente não ocorreria sem maiores problemas ou entraves, principalmente nos municípios. É verdade que, apesar disso, havia setores que já naquela época negavam a hipótese da municipalização “salvadora” e apontavam para prováveis problemas que seriam causados, mas apesar do capital político significativo de alguns dos sindicatos que encamparam tal posição, o texto constitucional final e a legislação que surgiu após e correlacionada a esta parecem ter feito a vontade descentralizadora. 4.1.3 LDB e PNE Enquanto sete constituições foram elaboradas, as LDB’s foram apenas duas, sendo a primeira publicada de fato somente em 1961, após um longo caminho de debates, entraves e polêmicas até que fosse aprovada e sancionada. A segunda, de 1996, também teve um percurso controverso, porém menos lento e mais dinâmico do que sua predecessora. Tanto as leis de diretrizes como os planos nacionais têm como característica comum o caráter descentralizador em seus textos e intenções. Esse caráter não é imposto pelos textos legais citados, mas sim pelas constituições que vigiam quando da elaboração de cada um deles. Como já dito anteriormente, a Constituição de 1988 tinha essa característica como ponto pacífico para todos os setores representados na Assembleia Constituinte, assim como a Constituição de 1946 – que antecedeu a LDB de 1961 – também possuía a mesma característica (SAVIANI, 2008). Na Carta Magna de 1988 ficou instituída a opção por um regime federalista 48 cooperativo, sob a denominação de regime articulado de colaboração recíproca, descentralizado, com funções privativas, comuns e concorrentes (no sentido de simultâneo) entre os entes federativos. Essa “fórmula” de LDB + PNE, no entanto, não veio à tona apenas com a atual constituição e LDB. Se analisarmos outros momentos e movimentos acerca da legislação educacional do país, poderemos notar essa repetição ou continuidade. O movimento dos Pioneiros também se fez presente nos trabalhos da Constituinte, influenciando o enunciado da alínea “a” do artigo 150 da Constituição de 1934, que estabeleceu como competência da União “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do país”. A formulação da Constituição de 1934 já continha um elemento que veio a integrar a ideia de plano nacional de educação relativa ao conteúdo abrangente, estendendo-se ao ensino em todos os seus aspectos e em todo o território nacional. Essa característica está presente na Constituição atual, que no artigo 214, prevê a aprovação, em lei, de plano nacional de educação, com duração plurianual, com o objetivo de articular e desenvolver o ensino dos diferentes níveis e integrar as ações do poder público. Nos termos da atual LDB, o conteúdo abrangente do plano refere-se aos níveis e modalidades de ensino. A primeira LDB, aprovada em 1961, incumbiu ao então Conselho Federal de Educação (CFE) a tarefa de elaborar o plano de educação referente aos fundos nacionais do ensino primário, médio e superior. Em cumprimento ao disposto na LDB, o CFE elaborou o plano de distribuição dos recursos correspondentes aos três fundos mencionados. Tratando prioritariamente do Fundo do Ensino Primário, Anísio Teixeira, relator do processo no CFE, concebeu uma fórmula engenhosa para a aplicação dos recursos financeiros destinados ao ensino. Inspirado na proposta de Anísio Teixeira, foi criado, em 1996, o FUNDEF, substituído, em 2006, pelo atual FUNDEB, que manteve as mesma características de seu antecessor. Trata-se de um Fundo de natureza contábil que define o montante de recursos que os municípios, os estados e a União devem destinar à educação básica, estabelecendo as formas de sua distribuição pelos diferentes níveis e modalidades de ensino. (SAVIANI, 2009) Como é possível extrair dessas considerações, apesar das idas e vindas causadas pelas situações políticas que se deram no Brasil entre os anos nos quais as legislações citadas foram aprovadas e postas em prática, há uma disputa entre concepções e projetos para a educação nacional. Existe, porém, uma corrente de pensamentos vencedora no campo educacional, a descentralizadora na execução, que, no entanto, exige (ou permite) que as regulamentações e o papel redistributivo permaneçam centralizados na União. A Lei 4.024 de 20 de dezembro de 1961 é o resultado final de algo que estava 49 previsto na Constituição de 1934, ou seja, passaram-se quase trinta anos para a sua publicação. Só do debate ao texto final foram treze anos. Finalmente em dezembro de 1961 foi publicada pelo então presidente João Goulart com 120 artigos. Para Saviani (1999), “é possível perceber como a lei aprovada configurou, uma solução intermediária, entre os extremos representados pelo projeto original e pelo substitutivo Lacerda”. O autor refere-se a uma comparação entre o projeto de 1948, o substitutivo Carlos Lacerda de 1958 e o texto da Lei 4.024/61, tendo em vista a busca pelo estabelecimento de um único ponto de vista “ideológico” sobre a questão educacional. Após a primeira LDB, visando continuar acompanhando as mudanças econômicas e sociais novas ideias surgiram para adaptar a educação a essas mudanças. A Lei 5.692, de agosto de 1971 define os currículos como constituídos por disciplinas de obrigatoriedade nacional, escolhidas pelo Conselho Federal de Educação. Em 1970, surgiu uma política de valorização do ensino técnico profissionalizante para fortalecer o crescimento industrial paulista, pela possibilidade de formação profissional. Nesse período também foi editada a Lei 55.40/68 que instituíu o vestibular. Essa legislação fora publicada durante o regime militar pelo presidente Emílio Garrastazu Médici. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o deputado Octávio Elísio apresentou na Câmera Federal um projeto fixando as diretrizes e bases nacionais frente à nova realidade da educação e da sociedade brasileira, seguindo os parâmetros da nova Carta Magna. O projeto em pauta propunha uma ampliação dos recursos para a educação pública. Para a elaboração do texto final da proposta, definiu-se o deputado Jorge Hage como relator do projeto. Com emendas e projetos anexados à proposta original, iniciaram-se as negociações. Até que o substitutivo de Jorge Hage fosse aprovado, várias entidades e outras instituições foram ouvidas em audiências públicas. Foram promovidos debates e seminários temáticos com especialistas convidados para discutir os pontos polêmicos da reforma educacional referente ao substitutivo que o relator vinha construindo. Diversos grupos da iniciativa privada do setor educacional opunham-se a alguns dos pontos da proposta e tinham o apoio de alguns parlamentares que faziam frente às aprovações. Esses debates e negociações deram origem a duas novas versões do texto do deputado 50 Elísio, sendo a última votada na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, e com aprovação final na sessão de 13 de maio de 1993. Tal projeto, ao dar entrada no senado, foi identificado como PLC 101 de 1993 que fixa diretrizes e bases da educação nacional, tendo sido designado relator na Comissão de Educação o senador Cid Sabóia (PMDB/CE). Uma vez aprovado no Senado, o projeto retornou à Câmara dos Deputados na forma do “substitutivo Darcy Ribeiro” - que antagonizava com o projeto da câmara, alterando o sentido nacional da educação pública - sendo o deputado José Jorge designado relator. O governo federal exigiu a aprovação até o final do ano de 1996, assim, em sessão realizada em 17 de dezembro de 1996, foi aprovado na Câmara o relatório contendo o texto final da LDB, posteriormente sancionada pela Presidência da República no dia 20, sob o número 9.394/96. Já a ideia de se ter um plano nacional de educação pode ser remontada ao período do “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, nos anos 1930. Provavelmente influenciada por esses ideais, a Constituição Federal de 1934 aponta a necessidade de ser elaborado projeto nacional para a educação. No entanto, o que alguns autores consideram a primeira aproximação concreta de um plano ocorre apenas em 1993, quando da publicação do Plano Decenal de Educação para Todos consoante com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, proclamada na reunião realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia). Contudo, ele praticamente não saiu do papel, limitando-se a orientar algumas ações na esfera federal. (SAVIANI, 2009) Foi somente após a LDB de 1996 que de fato iniciaram-se movimentações institucionais para a elaboração do PNE que tanto a própria LDB como a Constituição de 1988 definiam como necessário. Ainda assim, a primeira movimentação para a efetivação de um debate real no espaço onde deveria ser aprovado o plano (câmaras legislativas) ocorreu através de proposta da sociedade brasileira, construído coletivamente por entidades educacionais, educadores, profissionais da educação e estudantes durante os dois Congressos Nacionais de Educação (CONED I e II) realizados em Belo Horizonte nos anos de 1996 e 1997, que recebeu a identificação de Projeto de Lei no 4.155/98. Tal iniciativa forçou o governo a apresentar a sua proposta 51 de PNE, levada ao Congresso Nacional poucos dias depois, onde tramitou sob o número 4.173/98. Somente em 2001 o presidente sancionou a Lei 10.172/2001, vetando nove das metas do PNE que implicavam aumento de recursos e investimentos para a educação, ciência e tecnologia, dentre elas a da ampliação de 7% do PIB em educação. Uma perspectiva comum, que parece perpassar todos esses textos legais citados e vigentes, além de outros que foram atualizados, tem a ver com a divisão e as formas ou subterfúgios encontrados com a finalidade de diminuir distâncias entre o público e o privado. Claro que, do ponto de vista da legislação sobre o financiamento de ambas as esferas educacionais, isso não é ponto pacífico, ao contrário, é alvo de diversas polêmicas entre estudiosos da área e trabalhadores em educação através de suas representações político-sindicais. (FREITAS, 2012; ARELARO, 2007) Isso pode ser constatado pela possibilidade de instituições privadas receberem dinheiro público seja em forma de bolsas de estudos ou isenção fiscal e isso ser considerado como expansão das vagas “públicas” ofertadas à população, prática que se manteve até os anos 1990 e ainda hoje há algumas brechas que permitem sua continuidade.Sob os governos do PT, partido que outrora defendia a aplicação de verbas públicas apenas para estabelecimentos públicos (CUNHA, 2009), esses canais de repasse de verbas públicas ao setor privado não estancaram, e alguns consideram que se ampliaram, com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) e outros. Especificamente em Niterói, cidade para a qual essa pesquisa desvia seu olhar mais específico, o número grande de escolas de educação básica particulares e a força dessa rede dão um possível indício de que essa transferência de recursos pode ter levado a que a expansão da rede municipal pública tenha sido mais lenta do que na média nacional. Algumas diferenças, no entanto, podem ser observadas também entre esses textos legais. Em termos de fundos (FUNDEF e FUNDEB), por exemplo, o primeiro atendia somente a uma parte da educação básica que fora considerada prioritária, o ensino fundamental. O segundo fundo teve a intenção de ser mais abrangente e expandir a distribuição da verba para os anos finais da educação infantil e para o ensino médio. 52 Há quem faça a crítica sobre a pequena expansão de verba que não teria acompanhado quantitativamente o número de alunos atendidos. Ainda que seja inegável que os fundos tenham aberto possibilidades antes inexistentes para determinadas secretarias municipais e estaduais de educação, também é inegável a quantidade de contradições que também são decorrentes dessas iniciativas, como as que serão citadas adiante. 4.1.4 – FUNDEF e FUNDEB Os já citados fundos voltados ao desenvolvimento da educação, FUNDEF e FUNDEB, são de suma importância para uma análise coerente do período recente da educação brasileira, principalmente no que concerne ao tema do aumento das redes e matrículas municipais e, por isso, merecem uma atenção maior do que as poucas linhas destinadas anteriormente. Davies (2012), Lamarão (2013), Pinto (2007), entre outros autores, apontam que, se houve avanços propagandeados e reais que as duas emendas constitucionais criaram ou aprofundaram, o mesmo ocorreu dialeticamente no caso das contradições e distorções. Comprovadamente há nas três esferas de governo descumprimento das leis que determinam como, quanto e quais repasses devem ser feitos à educação pública, o que não deixou de ocorrer com o advento dos fundos, a começar pela própria União que não fazia os repasses previstos em lei. A razão para o FUNDEF ser somente destinado ao ensino fundamental tinha relação com a intenção de universalizar as matrículas nesse nível de ensino, assim como o FUNDEB é justificado a partir da constatação da ampliação da demanda por acesso à educação em outros níveis que não o fundamental, mas principalmente a educação infantil – ainda que o mesmo só contemple esse nível de ensino a partir dos quatro anos de idade. Além disso, o FUNDEB inclui, com muito mais ênfase, outro elemento ao seu escopo, que é a valorização do profissional (com previsão de piso salarial nacional a ser reajustado de acordo com o reajuste do valor a ser investido por aluno, determinado por decreto presidencial anualmente), ainda que em termos práticos isso não tenha um 53 significado efetivo, uma vez que comprovadamente uma1 parte significativa dos Estados e municípios não pagam o valor estabelecido como piso salarial nacional para a categoria e/ou não cumprem a lei de conjunto que prevê, entre outras coisas, cargas horárias específicas para planejamento. Ambos nasceram com data para acabar. O FUNDEF foi criado para durar dez anos, tendo como objetivo alcançar a universalização das matrículas no que era entendido como a prioridade educacional, o ensino fundamental. Já o FUNDEB foi previsto para durar catorze anos, contados a partir da aprovação da Emenda Constitucional que o criou, ou seja, até 2021. Os fundos são de tal maneira relevantes, que várias disputas atravessam e permeiam sua existência, como pela distribuição das sobras – que muitas prefeituras transformam em décimo quarto salário ou gratificações especiais. Também é prevista a fiscalização sobre o fundo. São os conselhos que fazem a fiscalização da aplicação dessas verbas e, principalmente, sobre qual o destino da verba recebida pelas prefeituras e governos estaduais, afinal, a lei determina aplicações/dotações específicas de percentuais, mesmo que saibamos que existe uma série de artifícios para que as destinações específicas ocorram de maneira diversa do que é determinado (LAMARÃO, 2013). Na tabela anexa, divulgada pela Assessoria de Comunicação Social do MEC, estão estabelecidas as principais aproximações e diferenças entre os dois fundos, que desde os fins da década de 1990 vêm dando o tom da expansão e manutenção das redes públicas de ensino. É notório que no caso do FUNDEB há uma engenharia institucional mais complexa e aparentemente mais bem elaborada no que diz respeito à origem das fontes que compõem o fundo, enquanto no caso do FUNDEF – que podia ser mais simples por atender apenas um segmento da educação básica – não havia muita clareza sobre os recursos para os anos subsequentes ao de início de sua implementação. Isso sem considerar que a complementação da União só começou de fato em 1998, dois anos depois do que deveria (FERNANDES, 2010). 1 Cf. <http://www.cnte.org.br/index.php/lutas-da-cnte/piso-salarial-e-carreira/11802-cnte-divulgatabela-atualizada-dos-estados-que-nao-respeitam-integralmente-a-lei-do-piso.html>. 54 4.2 MUNICIPALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO A disputa entre posições centralizadores e descentralizadoras não ocorre há pouco tempo, ao contrário. Como já foi escrito antes aqui, ela está presente praticamente desde o primeiro debate constitucional e nas duas LDB´s. No que diz respeito à prática política e legislação vigente, a maior parte dos autores citados nesta dissertação apontam um movimento pendular entre centralização e descentralização, que teria cessado com a Constituição Federal de 1988, definitivamente um marco descentralizador, que não teria precedentes e poderia ser considerada como “definitiva” sobre o tema. Foi a partir da reforma da aparelhagem estatal de 1995, no entanto, que se tornou mais nítido o surgimento de ações estatais objetivando uma alteração no aparato regulatório da relação entre Estado e sociedade civil (ALGEBAILE, 2005). Há, no entanto, diversas nuances que podem se desprender dessa díade, dentre as quais as relativas às maiores possibilidades de privatização e favorecimentos às empresas privadas ou mesmo ao patrimonialismo tão criticado pelos descentralizadores que, concordando com Bresser Pereira, imaginavam que poderia ser eliminado ou no mínimo diminuído. O conjunto desses mecanismos regulatórios criados a partir de 1995 tem como objetivo, explícito ou implícito, regular a relação entre Estado e sociedade civil, sedimentando uma nova sociabilidade, um novo modelo de ações sociopolíticas nesses anos de neoliberalismo da Terceira Via. Nesse sentido, convém investigar os mecanismos que o Estado tem utilizado para incentivar essa nova sociabilidade, seja por intermédio da elaboração de um “novo marco legal”, seja pelo estímulo à criação e ampliação de organismos não-estatais, por meio de facilitação de financiamento e normas autoregulatórias, ou ainda pela alteração da legislação mais ampla. Tais iniciativas são implementadas concomitantemente; assim, o Estado educador vai redefinindo de modo sutil suas “regras”, de modo a conduzir a construção de um consenso em torno de uma “nova cultura”, que tem por objetivo sedimentar a hegemonia burguesa sob novos contornos. (ALGEBAILE, in NEVES, 2005) Ainda que haja alguns aspectos positivos no atual processo de municipalização, sse tom descentralizador-positivo que se tentou criar, parece ter mais ligações com as 55 intenções de ampliar a participação do setor privado (ou público não-estatal) na educação para além da participação anterior que já havia (FREITAS, 2012). No período de “ingresso” do Brasil no neoliberalismo da Terceira Via, reforma de Estado significou transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado, o que justificaria a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. Mas há outro processo que merece ser salientado por não ser tão claro: a descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício de poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso da educação, saúde, cultura e pesquisa científica (BRASIL, 1995). 4.3 OS PROCESSOS DE AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PRIVADA NA EDUCAÇÃO E A RELAÇÃO COM A MUNICIPALIZAÇÃO/DESCENTRALIZAÇÃO Como pano de fundo do processo que desatou as reformas educacionais do final do século XX em diante no mundo e no Brasil e que estabeleceu novas fronteiras entre o público e o privado, havia uma aparente disputa de projetos para a superação das crises anteriores. Afirmamos ser aparente, pois o transcorrer dos anos e a alternância de governos entre partidos que reivindica(va)m lados distintos dessa “disputa” demonstra que, ao apontarem o Estado como culpado por essa(s) crise(s), ambos acabam por optar pelo privado, ainda que com nomes diferentes. As teorias neoliberal e terceira via têm em comum o diagnóstico de que o culpado pela crise é o Estado, mas propõem estratégias diferentes de superação: o neoliberalismo defende o Estado mínimo e a privatização e, a terceira via, a reforma do Estado e a parceria com o terceiro setor. Ocorre que, tendo o mesmo diagnóstico de que a crise está no Estado, nas duas teorias, este não é mais o responsável pela execução das políticas sociais: o primeiro repassa para o mercado e o segundo, para a chamada sociedade civil sem fins lucrativos. (PERONI et al, 2009) Para Giddens (2007), que também chama a terceira via de democracia social ou esquerda democratizadora, esse rótulo refere-se ao modo como partidos de centro56 esquerda respondem às mudanças. Verifica-se que a questão crucial permanece a mesma, de ser o centro, assumindo posições em alguns momentos mais à esquerda ou à direita, de propor reformas no limite do capitalismo e com vistas a fortalecê-lo. No Brasil parece que há acordo entre os diferentes gestores dos distintos níveis de governo, sejam eles situação ou oposição e de que lado da aparente disputa façam parte. É nesse contexto que o processo presente de municipalização, como citado anteriormente, abriu as portas das escolas e secretarias municipais para as empresas que vão desde prestadoras de serviços “terceirizáveis” até a fornecedora de uniformes e materiais didáticos ou paradidáticos. Um exemplo sintomático dessa situação é o número de contratos que secretarias municipais de educação de pequenas e médias cidades do estado de São Paulo firmaram com empresas privadas (ADRIÃO et al., 2009). Como vimos antes, a descentralização das responsabilidades não ocorreu paralelamente à descentralização das arrecadações, que seguem concentradas essencialmente na União e nos Estados, ao contrário da oferta dos serviços públicos de maior demanda e gastos que são saúde e educação. Sempre é relevante lembrar que no caso da saúde há um Sistema Único de Saúde que, se não facilita, ao menos torna diferente a relação entre as instituições administradas pelas diferentes instâncias governamentais. Esse fato leva a que diversas prefeituras acabem “apelando” a parcerias com a iniciativa privada, quando não à privatização quase direta para a oferta desses serviços. Ao pesquisar as prefeituras paulistas, Adrião, Garcia, Borghi e Arelaro (2009) notaram uma tendência entre as cidades de menor porte (até 50 mil habitantes) a, para atender suas demandas educacionais, procurar suporte político e pedagógico em empresas privadas que oferecem serviços e produtos. Outro efeito que ocorre quando uma prefeitura, através de sua secretaria municipal de educação ou semelhante, estabelece esse tipo de parceria, é a incidência dessas empresas sobre a política institucional e a organização do trabalho docente e administrativo. Há outros elementos que nos parecem significativos quando se trata de pequenos municípios – em especial, ainda que não somente neles –, qual seja, a capacidade de pressão de empresas sobre os prefeitos e/ou gestores da educação pública municipal e a 57 duplicidade de pagamento que ocorre quando as prefeituras fazem opção por um “sistema” de ensino privado ou apostilado. Esse duplo gasto ocorre porque, além de pagar por esse contrato, a população já paga empresas privadas para fornecerem livros didáticos ao governo federal, que mantém programas de distribuição gratuita destes às escolas públicas estaduais e municipais. Essa disputa pela descentralização que se ampliou a partir dos debates constitucionais da década de 1980, portanto, não é apenas por uma maior ou menor distribuição de tarefas e verbas, mas sim pela abertura de possibilidades diversas para que ocorra uma maior interseção entre as esferas pública e privada na área da educação em especial, mas também em diversas outras já citadas anteriormente. É a partir de necessidades que as prefeituras não conseguem suprir que se abrem editais, se realizam contratos e se estabelecem parcerias entre as administrações pública e empresas privadas, ONG's ou OS's, enfraquecendo assim o Estado e aumentando a influência do capital sobre os processos de formação na educação básica pública brasileira. Esse percurso, no entanto, não é apresentado pelos gestores e legisladores como privatização, mas como aumento ou incremento da participação da sociedade civil organizada não apenas na fiscalização das políticas públicas, mas também na elaboração e, principalmente, na aplicação dessas políticas. Ainda que a ideologia pró-privatizações tenha prevalecido na década de 1990, no caso da educação os movimentos de resistência podem ter pressionado para que o processo ocorresse de uma maneira diferenciada. Não seria impossível ou impensável que escolas ou mesmo redes, em parte ou inteiras, fossem vendidas e/ou cedidas à iniciativa privada diretamente, porém o discurso de maior participação da “sociedade civil” poderia, além de acalmar os que guardam posições firmemente contrárias às privatizações, abrir as portas da educação pública aos empresários que quisessem nela investir. Há de se convir que, pelo número de pessoas atendidas pelo Estado através das escolas públicas administradas pelos diferentes níveis de governo, qualquer fornecimento de material, uniforme, alimentação ou mesmo pessoal terceirizado ocorre em grande escala e, por consequência, deve ou pode ser muito lucrativo. 58 Essa interseção entre o público e o privado, entre a sociedade civil e o Estado, no caso do Brasil em especial se expressou ao longo da história de várias formas, e a ideia de que o público não estatal seria o melhor formato jurídico/institucional que poderia encaixar-se no caso da educação parece ter prevalecido entre os administradores públicos de diversas origens, filiações partidárias e matrizes ideológicas. Freitas (2012), Peroni et al (2009) nos fornecem indícios consistentes sobre as conexões entre o público e o privado. O primeiro autor aponta que há no Brasil um movimento de empresários no campo da educação denominado Todos pela Educação, cujo presidente é o megaempresário Jorge Gerdau Johannpeter, que também é assessor da presidenta Dilma como coordenador da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade. Outro membro do conselho de governança do movimento supracitado está no comando da Secretaria de Educação Básica do MEC, que conta ainda com membros no Conselho Nacional de Educação. Para a educação, conforme os debates políticos e legislação mais recente, a personalidade jurídica preferível passou a ser a pública não estatal. Ainda que tenha ficado livre de um processo de privatização direta tal como foi feito em áreas importantes da economia, como exemplificam a Companhia Siderúrgica Nacional, Eletrobrás, Vale do Rio Doce e outras empresas originalmente estatais, a educação não ficou de fora do processo de privatização que perpassava a sociedade. O exemplo levantado por Adrião et al. (2009) sobre as prefeituras paulistas é apenas a ponta de um enorme iceberg que esconde abaixo do campo de visão uma situação que muitos autores consideram nefasta, pois estaria agravando os problemas que já existiam na educação, no lugar de resolvê-los como prometido. Em algumas redes ou escolas de determinadas redes municipais, o órgão público fica “voluntariamente” refém de sistemas de alfabetização e apostilas, e os professores são muitas vezes obrigados a implementar determinadas metodologias independente de sua vontade ou opção, retirando sua autonomia político-pedagógica e aumentando assim o processo de alienação do trabalho docente: Impõe-se ao professor que atue a partir de seu enquadramento numa escola pautada pela lógica das relações mercantis, em que ele enfrenta na sala de aula as consequências de políticas educacionais que concorrem para a deterioração da escola pública e sua privatização. Estabelece-se no sistema 59 escolar a dialética da descentralização e da centralização, segundo a qual, por um lado, se tem um Estado que descentraliza a responsabilidade sobre as tarefas de prover a educação escolar, fazendo uso de fontes privadas de financiamento e, por outro lado, se assume uma posição centralizadora no estabelecimento das normas de funcionamento e avaliação dos resultados. Trata-se de uma nova forma de regulação do sistema educativo, com a realocação do papel do Estado que altera as relações sociais no interior da instituição escolar, para a implementação de um modelo neoliberal de funcionamento da escola pública, de marca privatista. (COSTA et al, 2009) Na prática, o professor e os demais trabalhadores da escola pública, que são servidores públicos (temporários ou efetivos), estão submetidos ao mesmo tempo a leis e regulamentos gerais, programas e projetos específicos – muitas vezes restritos a somente uma escola ou a uma parte dela –, condições precárias de trabalho e salários baixos. Ou seja, soma-se aos ziguezagues de projetos e legislações a precarização do trabalho docente e uma maior abertura à esfera privada que tornam a escola um local de disputas que vão além das relativas aos aspectos político-pedagógicos stricto sensu (CUNHA, 2011). Há um sem número de empresas que se favorecem desse cenário que para muitos pode parecer bom e para outros, desolador. Entre as principais empresas ou grupos empresariais no Brasil, podem ser citados o COC, o Objetivo/Unip, a Positivo, as grandes editoras como Abril, Melhoramentos e empresas que ofertam serviços terceirizados e/ou de alimentação e limpeza escolar. Além da oferta de vagas, presenciais ou a distância, tanto na educação básica quanto, em maior escala, na superior, difundiram-se outras atividades comerciais. No ensino básico, cresceu a venda de materiais pedagógicos e “pacotes” educacionais, que incluem aluguel de marca, pelo mecanismo de franquias, avaliação e formação em serviço do professor. Tais atividades são desenvolvidas por algumas das grandes redes de escolas privadas, como os Cursos Osvaldo Cruz (COC), Objetivo, Positivo e Pitágoras. Mais recentemente, esse grupo de instituições tem avançado sobre os sistemas públicos de educação básica, vendendo materiais apostilados para redes municipais e estaduais, tendo os mesmos avaliados no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Ainda em São José dos Campos (SP), com financiamento do Instituto EMBRAER, o grupo Pitágoras desenvolveu um modelo de gestão do conjunto da rede municipal de ensino que o Instituto EMBRAER também está aplicando em Sorocaba (cf. Silva, 2008). Passa-se, assim, da venda de materiais educativos para a definição da gestão do sistema público de ensino. (Oliveira, 2009) Essas situações nos remetem novamente á reforma do aparelho de Estado, que introduziu o conceito de público não estatal e abriu novas possibilidades para o empresariado e para a gestão por concessão. Assim, abriu-se a possibilidade do público 60 administrado privadamente, ou seja, de que uma escola (ou rede) continue sendo pública e tenha sua gestão privada. Desta forma, aquela divisão fundamental entre público e privado ficou matizada. (Freitas, 2012) 61 5. NITERÓI 5.1 BREVE HISTÓRICO E PANORAMA POLÍTICO DA CIDADE Niterói é uma cidade localizada na chamada região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, a uma distância aproximada de 11 km da capital, ligada pela famosa ponte popularmente conhecida como Rio–Niterói” e faz divisa com os municípios de São Gonçalo, Maricá e Rio de Janeiro. Estende-se por uma área de 129.375 m 2, aproximadamente, com uma população de cerca de 479 mil habitantes. Possui muitas peculiaridades, dentre as quais podemos citar o alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que a levou a ser considerada uma das melhores cidades do país para se viver por vários anos seguidos e até os dias atuais mantém esse status no estado do Rio de Janeiro; o alto índice de matrículas registradas na rede particular de ensino, o maior do estado percentualmente, tanto na educação infantil como no ensino fundamental; o título autoconcedido de “Cidade da Cultura” (LUZ, 2009); e o alto índice de formação intelectual e renda média de seus habitantes. Isso sem mencionar a importância de ter sido uma capital de Estado até bem pouco tempo (1975), da proximidade com a antiga capital federal e de ter uma das mais importantes universidades federais do país, a Universidade Federal Fluminense (UFF). É relevante citar também que Niterói está entre os municípios com as maiores arrecadações de impostos (maior IPTU do estado) e PIB per capita do país. Entretanto, apresentou em 2011 a menor rede municipal proporcional à população no estado do Rio de Janeiro e com a maior participação do setor privado no total de matrículas no município em todo o Estado. Essas redes (municipal e privada) atendem, respectivamente, segundo o último censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 30,1% e 40,1% do total de matrículas do Ensino Fundamental, revelando que há um elemento importante para ser analisado no cenário educacional deste importante município. 62 A partir do primeiro mandato do ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira, no início da década de 1990, optou-se por “modernizar” a administração pública, conforme os ventos que sopravam desde Brasília nesse mesmo sentido. Criaram-se então as fundações municipais de saúde e educação. A administração a partir de fundações não era totalmente inédita na educação. Nas universidades são incontáveis os exemplos de fundações criadas pelas mais diversas razões e com as mais diferentes intenções, quase sempre no sentido de possibilitar que o setor público se utilize da forma de administração gerencial e/ou da parceria com a iniciativa privada, ou ainda que torne os “processos burocráticos”, comuns ao serviço público, “mais ágeis”. Porém, o simples fato de possuir fundação no nome, não assegura uma determinada identidade jurídica e política por si, pois pode haver fundações de vários tipos, como as públicas de direito privado, públicas de direito público e estritamente privadas. Dada a polêmica, da qual não nos furtamos anteriormente no texto e que persiste acerca desse elemento, é necessário algum esforço interpretativo para conseguir encaixar algumas fundações nesses parâmetros. Outro elemento importante para a incorporação de alguns valores do que se convencionou chamar de administração gerencial na administração pública e que pode ter estimulado os gestores municipais de Niterói a pensar no modelo que decidiram implementar é a desvalorização do Estado como administrador, enxergado como “ineficaz”, “burocrático” e pouco “competitivo” na prestação de serviços, se comparado aos mesmos que são ofertados pela iniciativa privada. Foi a reforma do Estado iniciada no período que se seguiu à re-democratização da década de 1980 e concretizou-se no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), que somouse àqueles argumentos e provocou uma mudança na política e na administração educacional no Brasil, inspirando a maior parte das determinações legais publicadas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Portanto, é nesse emaranhado de situações e conflitos de diversos tipos que surge a ideia da Fundação Municipal de Educação, possivelmente uma forma de ir ao encontro da tendência de “modernização” da administração da coisa pública, mas que ao mesmo tempo deixa margens a muitas questões que essa pesquisa tem a pretensão de 63 tentar responder, dentre as quais: qual a personalidade jurídica desta fundação e em que ela se aproxima/diferencia das demais experiências semelhantes na área da educação? Qual a justificativa que fora apresentada para que surgisse outro órgão que se sobrepõe – ou trabalha “paralelamente” – na prática cotidiana à Secretaria Municipal de Educação? Ela ainda mantém-se pertinente? Quais foram as vantagens e desvantagens percebidas ao longo desses anos de existência da FME? Qual foi a influência na expansão da rede municipal? Apesar disso, a hipótese de que esse projeto de mudança “diferente”, “exclusivo”, tornou-se “vitorioso”, ao menos para Niterói, é inegável, assim como foi vitoriosa a trajetória política e a forma de lidar com a administração de Jorge Roberto da Silveira por um período considerável de tempo, no qual chegou a atingir níveis impressionantes de aprovação. O fato de o mesmo projeto não ter sido expandido para outros municípios e não ter sido alvo de críticas mais significativas por parte das oposições – partidárias ou não – ao longo deste período de existência é que torna a situação ainda mais desafiadora. Um dado relevante no mesmo sentido é que, apesar do cenário generalizado de municipalizações por todo Brasil, Niterói não parece ter feito o mesmo movimento, nem sob a administração da SME, nem depois do advento da FME, por iniciativa da própria prefeitura. Os movimentos nesse sentido, em geral, têm sido iniciados/impulsionados pelo governo estadual, ou mesmo pelas leis federais que acabam impingindo às prefeituras esse processo. À época da criação da Fundação Municipal o quadro de profissionais da educação, lotados na Secretaria Municipal de Educação foi transferido para o novo órgão. Tal transferência, não só de pessoal, mas de toda a administração da educação municipal foi muito questionada na época e, até hoje, ainda existem resquícios desse período/situação que se refletem no cotidiano escolar e principalmente na forma de administrar e implementar as políticas educacionais na cidade. O crescimento da rede municipal de Niterói nos últimos anos se deve especialmente ao processo de municipalização já citado acima, pois ficou estabelecido em acordo entre as secretarias estadual e municipal de educação que as matrículas do ensino fundamental seriam repassadas de uma a outra gradativamente, ano a ano. Em 2012 iniciou-se uma experiência inédita na cidade, ainda que muito difundida em outros 64 estados e municípios, de gestão compartilhada de um CIEP que futuramente passará totalmente à administração municipal, além de ter-se concluído a transferência de uma importante escola estadual, a Júlia Cortines, em definitivo para a rede municipal. 5.1.1 Fusão e “Reascensão” da Cidade Outro elemento da ordem política fundamental para analisar qualquer processo de gestão em Niterói é a fusão ocorrida entre o Estado do Rio de Janeiro em 1975, cuja antiga capital era Niterói, e o Estado da Guanabara cuja capital e único município era a cidade do Rio de Janeiro. Para além das mudanças cartográficas geradas por essa unificação, certamente as políticas públicas, a política cotidiana e o sentimento da população – principalmente em Niterói, que teve o maior “prejuízo” político e financeiro – modificaram-se muito em todas as cidades envolvidas. Ainda são muito comuns a visão de Niterói como “capital de Estado” e a busca ali de serviços por habitantes de outras localidades, principalmente da região norte do Estado. Além disso, há uma certa “auto imagem positiva” observável através da imprensa local e dos órgãos oficiais da prefeitura, que em boa parte estão instalados em imponentes prédios que antes eram de órgãos correspondentes de alcance estadual, como a Câmara Municipal, que está instalada no prédio da antiga Assembleia Legislativa do Estado. Ao mesmo tempo há, contraditoriamente, um sentimento de que a cidade saiu perdendo com a fusão, deixando de receber investimentos antes direcionados à capital que teriam passado ao outro lado da baía de Guanabara. O próprio tamanho da rede estadual de ensino, muito maior se comparada à rede municipal ou à própria rede estadual em outros municípios dá uma ideia do quanto se dava atenção à antiga capital do Estado do Rio de Janeiro. Outro fator que pode ser destacado na história política da cidade é o fato de que antes do processo de fusão recente havia ocorrido algumas tentativas de transferir a capital do Estado do Rio para o interior – o que chegou a ocorrer por um curto espaço de tempo no qual a capital se instalou em Petrópolis – e mesmo outras tentativas de fusão entre os Estados. A proximidade com a capital federal, em vez de trazer 65 facilidades, trouxe perda de autonomia político-administrativa, bem como questionamentos de diversas ordens (como os citados acima) sobre as más influências que as agitações da capital federal causavam, o que dificultou a possibilidade de Niterói firmar-se de fato como centro político do Estado do qual era capital. Era comum, por exemplo, que políticos eleitos no Estado do Rio de Janeiro exercessem suas profissões liberais ou funções administrativas públicas na capital federal (FERREIRA, 1997). Ao mesmo tempo que tentava se firmar Niterói como um centro político e cidade capaz de ser a capital de um Estado, difundia-se – e pode-se dizer que ainda se difunde – a ideia de provincianismo dessa importante cidade. A noção de província se funda na percepção de uma carência, de um distanciamento, de uma privação, de uma exclusão, é o lugar do exílio interior, do esquecimento, da zombaria dos elementos da capital. A província se identifica com a letargia, a hibernação longe da sociedade, do lugar real, dos salões, do mundo da academia. Ela se constitui enfim, num espaço depreciado que se caracteriza pelo ridículo. (Corban, apud FERREIRA, 1997). Essa descrição parece apontar para o mesmo sentido da visão depreciativa que existe entre parte dos cariocas sobre os fluminenses e da própria visão destes sobre si mesmos, especialmente em Niterói, que parece ter sido marcada por um sentimento de inferioridade frente ao grande centro cultural, político e econômico que era o Rio de Janeiro. A essa visão depreciativa somavam-se outras que dificultavam a possibilidade da afirmação de Niterói como um importante espaço político e cultural, dentre as quais a que Niterói não passava de um “prolongamento da Rua do Ouvidor”. (MOTTA, 2001) Apesar de tudo, aumentava o fluxo de pessoas das cidades do Norte Fluminense rumo a uma cidade que criou uma rica ambiência intelectual e artística sem possuir os mesmos riscos de uma cidade tão grande como o Rio de Janeiro. Ainda que não superasse em manifestações culturais a capital , Niterói tornou-se uma grande “reunião de bacharéis” (LUZ, 2009). Essa vocação cultural posteriormente foi muito bem utilizada pelo grupo político de Jorge Roberto da Silveira, conforme poderemos fazer notar melhor adiante. Somente por volta da década de 1950 Niterói passou a afirmar-se mais, a partir do segundo governo de Amaral Peixoto e com as transformações demográficas e econômicas que ocorreram no estado, que levaram a um deslocamento populacional 66 para a Baixada Fluminense, aumentando a necessidade de atenção por parte do governo estadual às áreas contíguas a Niterói. Com a transferência da capital federal para Brasília, novamente o debate da fusão ganhou força, mas com a criação do Estado da Guanabara e a ascensão de Roberto Silveira, pai de Jorge Roberto da Silveira, para o governo do Estado do Rio em 1958, o papel de centro político do Estado parecia estar mantido para Niterói. Porém, já sob o regime controlado pelos militares e apesar de o grupo político “pró-Niterói” ter conseguido dirimir a maior parte dos questionamentos sobre a capacidade de Niterói ser capital e centro político, em 1974, num processo “relâmpago” (MOTTA, 2001), fora aprovada a fusão dos dois Estados, tendo sido a capital, obviamente, deslocada para a cidade do Rio de Janeiro. Esse processo de fusão não se calcou, porém, apenas nos questionamentos sobre as possibilidades de Niterói adquirir ou ter um peso político suficiente ou no fato de o estado do Rio de Janeiro ou da Guanabara serem inviáveis economicamente mantendose separados. De certa forma era a visão contrária que parecia motivar o presidentegeneral Geisel, pois a junção dos dois estados criaria a segunda potência estadual do país, o que certamente traria consequências tanto do ponto de vista político, com uma possível amenização do cacife político do MDB da Guanabara, como do ponto de vista econômico, devido ao processo de industrialização e circulação de mercadorias a partir da queda de barreiras fiscais e legais entre os dois estados. No campo político, por exemplo, colocava-se a necessidade de que os diretórios partidários de ambos os Estados se fundissem, o que levou adversários políticos a terem que se acomodar nessa nova situação em um mesmo partido político. No caso, seria necessário um entendimento entre as correntes chaguista e amaralista, o que acabou ocorrendo, ainda que não sem uma série de conflitos, traições e rearranjos feitos ao longo do percurso, no qual o grupo ligado ao antigo Estado do Rio de Janeiro foi vitorioso e, consequentemente, o de Niterói saiu perdendo. No entanto, para embasar os argumentos citados acima acerca das intenções do governo central na fusão dos Estados, há uma importante análise feita por Motta (2001): Para fechar o quadro de interpretações sobre a importância estratégica da 67 fusão para o projeto do governo Geisel, há que se destacar a concentração, no Rio de Janeiro, de grandes projetos, de importantes centros de pesquisa e de comandos militares estratégicos. Iniciando com a assinatura do acordo nuclear com a Alemanha em 1975, o projeto nuclear brasileiro tinha nesse estado o principal centro de sua implantação, uma vez que, além do já existente Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN), abrigaria ainda a Nuclebrás e as três primeiras usinas nucleares a serem instaladas no país (em Angra dos Reis). Também aqui se combinava a existência de comandos militares de grande importância – como o Comando Leste e áreas estratégicas da Marinha – com grandes centros de pesquisa e ensino, civis e militares: além do CNEN, o Cenpes (Petrobras), o Cepel (Eletrobrás), a Coppe, a Aman, a Escola Naval, entre outros. É de se pensar, portanto, que a fusão ocorreu sob um marco mais amplo, dentro de um projeto de constituição de um complexo industrial-militar para o novo Estado que já nasceria com peso político fundamental para o cenário nacional. Para Niterói, sobrava então a possibilidade de reerguer-se politicamente e até mesmo do ponto de vista simbólico. Houve o grupo político, encabeçado por Jorge Roberto da Silveira que soube se utilizar muito bem desse vácuo criado com a fusão dos estados, tanto para efetivamente aplicar projetos de mudanças no que diz respeito às políticas públicas – que necessitariam expandir-se do ponto de vista da iniciativa municipal – e também no que diz respeito à autoestima niteroiense. O início da mudança desse quadro se deu em fins da década de 1980, num cenário de deterioração da vida social e urbana. A cidade, desde 1975, com a fusão do Estado do Rio de Janeiro e o antigo Estado da Guanabara, deixa de ser a capital do Estado do Rio de Janeiro. Além de perder a primazia política dessa condição de capital, Niterói passa a ficar muito mais vulnerável a expansão urbana da metrópole Rio de Janeiro, desde a inauguração da ponte Rio-Niterói entre as duas cidades, em 1974. Desde então, a forte urbanização da cidade será inevitável, em direção à chamada Região Oceânica e sua periferia. (Oliveira, 2009) 5.2 JORGE ROBERTO DA SILVEIRA Outros resquícios importantes ligados a esse passado são os nomes e sobrenomes que administram a cidade, como o ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira (PDT), que exerceu mandatos como prefeito quatro vezes. Ele é filho do ex-governador do Rio de Janeiro, já citado anteriormente, Roberto Silveira, que ainda permanecia como uma 68 referência política de Niterói e para todo o Estado e que teve seu mandato de governador interrompido, ainda no segundo ano, por um acidente de helicóptero, quando Jorge Roberto ainda era uma criança de oito anos. Já alçado à política, o exprefeito, ao lançar sua candidatura ao governo do Estado, dizia que queria completar o que seu pai não teve tempo. A história pessoal de Jorge Roberto e a da cidade estavam simbolicamente imbricadas, como acontece com os líderes carismáticos. O ex-prefeito era “adorado” por uma parcela significativa da população que o chamava carinhosamente de “Jorginho”, suas aparições eram envolvidas em um clima festivo, como acontece com as celebridades e chegou a contar com 93% de aceitação popular em 1993, ano que finalizou seu primeiro mandato, sendo que 73% desses entrevistados afirmavam ter sido ele o melhor prefeito da história da cidade. Seu carisma, como não poderia deixar de ser, foi acompanhado de uma política personalista, regida pelos gestores do primeiro escalão do governo, que sempre se referiam às ações públicas como ações “do Jorge”. Era a “revolução cultural promovida por Jorge Roberto da Silveira”, “a Niterói Discos criada por Jorge” e assim por diante. As ações culturais promovidas no município serão sempre, de agora em diante, apresentadas à população com a assinatura do prefeito. De fato, a construção do MAC e a restauração do Teatro Municipal, para citar casos na área da cultura, foram obras concebidas pelo prefeito e só levadas a cabo devido à sua determinação. (LUZ, 2009) Compreender isso é importante para compreender vários processos que ocorre(ra)m em Niterói, como por exemplo a criação da própria Fundação Municipal de Educação, especialmente se cruzarmos com um fato relevante do campo partidário: o referido ex-prefeito é do partido que possui uma ligação histórica com o debate e implementação de iniciativas de ampliação da jornada em escolas públicas. Foi sob as administrações Brizola (PDT), do qual Jorge Roberto foi secretário de Projetos de Integração Social no segundo mandato, que foram construídos os CIEP´s (CUNHA,1988), até hoje considerados a maior política pública nesse campo, além de outras políticas progressistas na área da educação pública, ou mesmo o projeto Médico de Família”, que teve como referência o projeto inédito que começou em Niterói. Ainda que não seja relevante, é necessário registrar que em sua primeira eleição, ele ainda concorrera pelo antigo MDB. As obras, as experiências inéditas e o nível de popularidade atingido pelo 69 prefeito deram certamente o impulso necessário para sua autoridade perante não só a população, mas principalmente frente aos adversários políticos e aos aliados pontuais que, ao sabor da conjuntura, poderiam voltar a ser adversários. Porém, o que chama atenção do ponto de vista da construção e autoconstrução dessa figura pública que tem uma “relação de amor” com a cidade é que, exatamente por essa proximidade, consegue implementar (ou mesmo impor) projetos que se tornam seus e perpetuar-se no poder municipal por vários mandatos diretamente seus e elegendo seu sucessor na primeira das duas tentativas em que isso ocorreu. Dentre as obras e marcas das gestões dele à frente da cidade, podemos citar: Caminho Niemeyer, o MAC (Museu de Arte Contemporânea), o projeto de revitalização do Centro no entorno da praça Arariboia, que incluiu o Terminal Rodoviário João Goulart, o projeto Médico da Família – em parceria com o Ministério da Saúde de Cuba –, entre outros projetos políticos de alta visibilidade que tiveram no “vazio sentimental” da perda de status de capital uma ótima oportunidade de se fazerem valer. É importante ressaltar que em todos esses projetos centrais havia um elemento comum para que eles fossem bem sucedidos – a parceria com a iniciativa privada. Parceria essa que em foi anunciada, indicando maior participação privada do que pública, que porém não se confirmou. O MAC acabou totalmente financiado pelo poder público, contradizendo o que havia prometido o prefeito. (OLIVEIRA; MIZUBUTI, 2006) No caso do MAC, especificamente, ainda que tenha ocorrido na prática algo diferente do que fora proposto, a importância efetiva e simbólica da obra impôs-se. Esse fato foi transformado, pelo grupo no poder, em mote para o marketing político, rapidamente absorvido pelos empreendedores empresariais que acabariam adotando a imagem do MAC (Museu de Arte Contemporânea), inaugurado em 1996, como o novo símbolo “oficial” da cidade. Este novo movimento acabou embalando o inconsciente coletivo da população local e re-significando a representação dominante da cidade. De signo de marca indígena e funções complementares à cidade do Rio de Janeiro, Niterói projetar-se-ia internacionalmente nos anos de 1990, por meio da obra de Niemeyer. (OLIVEIRA; MIZUBUTI, 2006) Com o MAC e várias outras realizações então, o ex-prefeito criou uma nova imagem para a antiga capital do Estado do Rio. A associação dessas obras e projetos com o índice de quarta melhor cidade com mais de cem mil habitantes em qualidade de 70 vida do país, além de outros dados favoráveis na área do saneamento, educação e capacidade de atração de investimentos, certamente garantiu capital político de sobra para o então prefeito Jorge Roberto da Silveira e seus aliados. 5.2.1 Inovações e Experimentalismos na Administração da Cidade O capital político citado acima e a aura de “pai” da cidade e dos principais projetos de sua administração permitiram ao ex-prefeito lançar mão de várias iniciativas – algumas que podem ser consideradas negativas enquanto outras, positivas – inéditas ou experimentais, como as já citadas no item anterior. É, porém, a particularidade marcante na área educacional do município que interessa a essa pesquisa, qual seja, o fato de a administração de sua pequeníssima rede ter sido delegada, em 1991, à Fundação Municipal de Educação, entidade que se “sobrepõe” cotidiana e administrativamente à Secretaria Municipal de Educação, que, por sua vez, continua existindo, porém com quase nenhum poder sobre a rede municipal de ensino e com uma vinculação de caráter pouco claro com a anterior. Uma leitura atual sobre a educação no Brasil traz uma série de elementos que eventualmente podem merecer algum destaque a partir dessa situação específica do município de Niterói. Há uma aproximação do privado e do público evidente, principalmente a partir dos anos 90, como uma possível consequência do processo de municipalização e que fez “estourar” uma série de políticas e iniciativas por parte dos gestores e administradores municipais. Com relevância para a presente pesquisa, destacaria as Parcerias Público-Privadas e a terceirização, porém sem ignorar a política de proliferação de projetos (geralmente vendidos por organizações privadas) que, de acordo com entrevistas com os gestores do Programa Educação Integral de Niterói (PUSTIGLIONE, 2012) e pela percepção comum às unidades escolares, foi aplicada recentemente nas escolas municipais de forma indiscriminada. O livro publicado pelo último presidente da FME sob a administração Jorge Roberto (MENDONÇA, 2012) nos dá a dimensão da importância dessas parcerias e projetos. Ele cita alguns, como Projeto Alfa, Magia de Ler, Voz/Vez do leitor, Sou 71 Professor Sou Leitor, entre outros. Nesse mesmo livro são apresentados relatórios de pesquisas encomendadas pela FME a instituições privadas, no intuito de diagnosticar a rede municipal de educação e avalizar os projetos e programas a serem contratados ou criados. Sobre este aspecto, destacam-se os dados e denúncias apresentados pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, núcleo Niterói (SEPE-Niterói), que afirma terem sido gastos milhões de reais em projetos contratados sem licitações e que sequer foram implementados totalmente – sobretudo no último mandato de Jorge Roberto da Silveira – seja por falta de verbas, seja por dificuldades estruturais das escolas e profissionais em absorvê-los em conjunto. Os contratos com os clubes utilizados no Programa Educação Integral, por exemplo, são citados pelo sindicato como exemplo desses gastos feitos sem licitação e com a suposta intenção de favorecimento a setores privados em detrimento da aplicação desta verba em outras finalidades que seriam mais relevantes. Esse tipo de relação entre a esfera pública, no caso de Niterói, em especial, a Fundação Municipal de Educação e entidades privadas ou do terceiro setor, avançou desde a década de 1990, na esteira do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995). Peroni, Oliveira e Fernandes (2009) apontaram que, sob o contexto da implementação desse plano diretor, que visava reformar a estrutura estatal e previa as bases pelos quais o Estado deveria funcionar – privatização, descentralização e publicização – acabou por desatar outra série de reformas e alterações no cenário político-institucional também nas esferas municipal e estadual. Nesse período, há também uma interpretação constituída de que a crise que desde a década de 1970 ronda permanentemente a economia mundial é uma crise “do” Estado e por consequência gera a necessidade deste modificar-se, reformar-se, a depender do ponto de vista assumido. Ressalte-se que o período citado da discussão e implementação da reforma de Estado coincide com o período de criação da Fundação Municipal de Educação em Niterói, que surge no intuito de “modernizar” e tornar mais “eficaz” e “eficiente” a administração da coisa pública. Essa mudança de personalidade jurídica do órgão responsável pelo maior orçamento do município não é um dado irrelevante, ao 72 contrário, ao criar-se uma fundação, abrem-se muitas possibilidades de superação de trâmites burocráticos que seriam “empecilhos” ao bom andamento e desenvolvimento da educação. Esse recurso não foi adotado apenas na cidade de Niterói ou na área da Educação, em muitos casos estende-se essa situação à cultura, ao esporte e principalmente à saúde, mas também nas universidades públicas as fundações são um “recurso” bastante utilizado. A esse contexto, em que se buscava uma modernização da administração do Estado e dos serviços ofertados e se assumia o privado como o modelo “ideal”, somavase o já citado processo de municipalização do ensino fundamental no Brasil. Assim, muitas prefeituras buscaram parcerias, alternativas no terceiro setor, para execução de políticas educacionais, com intuito de superar os problemas educacionais e principalmente modernizar a gestão escolar (PERONI; OLIVEIRA; FERNANDES, 2009). 73 6. FUNDAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE NITERÓI Para a elaboração deste capítulo, foi necessário ir além dos documentos e publicações oficiais por vários motivos, que vão desde a falta de materiais desse tipo organizados pelo poder público ou por entidades da área, até a necessidade de entender melhor determinados aspectos que não se mostraram tão claros nos documentos como nas entrevistas feitas com os atores envolvidos com a criação e administração da FME de Niterói ao longo de seus mais de vinte anos de existência. Sendo assim, entrevistamos profissionais em atividade na rede que já pertenciam à rede quando da criação da FME, dirigentes do SEPE no período e gestores que estiveram à frente da Fundação e da Secretaria Municipal de Educação a fim de melhor compreender o que nos apontavam os documentos. Do total das onze entrevistas realizadas, três foram feitas online (uma por e-mail e outras duas em chat em tempo real) e as demais presencialmente. Inicialmente, vários nomes foram indicados por profissionais que atuam na rede como contatos dos que nela atuavam à época, mas infelizmente muitos deles não haviam de fato acompanhado o proceso todo, uma vez que antes da criação da fundação havia um grande número de professores contratados temporariamente e numa rede que, após o final da década de 1970, só realizou dois concursos públicos (1989 e 1990). Ou seja, mesmo aqueles contratados ainda pela SME a partir dos dois concursos citados, eram novatos e praticamente começaram suas carreiras na FME já em fase de implementação; portanto, das quatro entrevistas realizadas com profissionais – todos professores nesse caso –, apenas uma foi concedida por uma professora que entrou na rede no concurso de 1976, ou seja, foi do quadro da SME por um período considerável de tempo. Entre os profissionais de educação que estavam à frente do SEPE naquele período e atuavam na rede municipal, a busca foi quase infrutífera, e apenas um dos entrevistados encaixa-se nesse perfil. O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, à época do surgimento da 74 FME, sequer tinha uma sede própria (ou alugada) e consequentemente teve poucas possibilidades de guardar documentos e outros materiais que pudessem, hoje, auxiliar na pesquisa. Além disso, a representação da entidade na cidade, em especial quanto aos profissionais da esfera municipal era então muito recente. Por se tratar de um sindicato que congrega associados das redes estadual e municipais, no caso de Niterói havia uma espécie de sub-representação na entidade por parte de servidores municipais, causada pelo elevado número de contratados temporários à época (que não se sindicalizavam) e pelo tamanho da rede estadual se comparada à municipal. A prefeitura, Câmara de Vereadores e FME que, supostamente, teriam melhores condições (além da obrigação) de arquivar documentos, também não o fizeram, pois pouquíssimo material impresso foi encontrado nesses órgãos públicos. Não há um arquivo público municipal ou da FME/SME ou ainda da Câmara dos Vereadores. O que há, quando muito se busca, são documentos arquivados aleatoriamente e que não estão completos. Atas de reuniões de comissões do poder executivo, legislativo, do sindicato ou de assembleias dos profissionais simplesmente não foram encontradas, isso sem mencionar o fato de que Niterói passou a ter um Diário Oficial somente a partir de 2003, conforme consta no sítio eletrônico: “Aviso: O diário oficial passou a ser fornecido a partir da data de julho de 2003, o que inviabiliza qualquer D.O. anterior.” Portanto, no que diz respeito à base documental da pesquisa, ela constituiu-se a partir das colaborações dos arquivos pessoais dos entrevistados e de textos de outros autores que pesquisaram sobre a FME ou a cidade de Niterói. Uma ferramenta importante, tendo em vista essas dificuldades, foi o sítio eletrônico do Centro de Estudos Aplicados à Administração Municipal (CEAAM).6 Já em relação às entrevistas com os gestores, como em geral são pessoas conhecidas publicamente, seja pela carreira e trajetórias políticas, seja pelo envolvimento com a educação em outros níveis – como o da docência universitária em muitos casos – foi, em geral, mais fácil contatá-los e realizar as entrevistas, bem como, pelo mesmo motivo, não há porque não revelar seus nomes verdadeiros ao transcrevêlas – diferente do que faremos com as(os) professoras(es) entrevistados. Ao todo entrevistamos cinco dos oito presidentes que passaram pelo cargo de Presidente da FME 6 Ver <http://www.ceaam.net/ntr/legislacao/>. 75 no período de interesse da pesquisa, sendo que entre eles, três acumularam os cargos de Secretário(a) e Presidente e outros dois foram secretários(as) antes ou depois do período no qual estiveram na presidência da fundação. 6.1 AS ORIGENS DA FME (LEGISLAÇÃO E CONTEXTO) A Fundação Pública Municipal de Educação de Niterói surge em 1991, através do Decreto n° 6.172, publicado em 20 de agosto de 1991, em conformidade com o item VI do artigo 66 da Lei Orgânica Municipal e autorizado pela Câmara dos Vereadores sob a Lei n° 924 de 15 de janeiro de 1991. Outro documento importante que auxiliou nossas análises – publicado à mesma época e em consequência dos dois anteriormente citados – é o Regimento Interno da FME, instituído através do Decreto 6.303 de fevereiro de 1992. Transcorria então o segundo ano de mandato do prefeito Jorge Roberto da Silveira e a secretária de Educação do município já tinha sido substituída, uma vez que a professora Satie Mizubuti ficara apenas os primeiros quinze meses do mandato à frente da Secretaria, sendo substituída pela professora Lia Ciomar Faria, que permaneceu no cargo todo o restante do primeiro mandato de Jorge Roberto da Silveira (1990-1993) e todo o mandato de seu sucessor – João Sampaio (1994-1998), totalizando quase sete anos à frente da Secretaria e seis à frente da fundação de maneira cumulativa. Sua antecessora assumiria o mandato de vereadora, uma vez que ela tinha sido a candidata mais votada do PDT (partido do prefeito e maior bancada da câmara). Em março eu saí da secretaria e voltei pra câmara por uma cobrança que havia por ter sido muito bem votada e que eu deveria estar na câmara, inclusive presidindo a câmara como a mais votada do PDT. (Satie Mizubuti) Foi então com a professora Lia Faria na Secretaria de Educação e sua antecessora professora Satie Mizubuti na Câmara Municipal que surgiu a FME. Fortuna (2000), Faria e Dias (2008) e alguns depoimentos coletados ao longo 76 desta pesquisa mostraram que, ao contrário do que afirma o sítio eletrônico da FME ao abordar seu próprio histórico, a criação da FME esteve longe de ser consensual entre os principais atores do campo da educação na cidade de Niterói. O SEPE, por exemplo, não só se posicionou contrário à criação da fundação, como iniciou uma greve para evitá-la. Intelectuais ligados à Faculdade de Educação da UFF foram chamados aos debates e em ampla maioria também se posicionaram contra essa ação. A própria exsecretária Satie Mizubuti, então vereadora, posicionou-se e votou contra a aprovação da fundação pela Câmara dos Vereadores, mesmo sendo da bancada governista e do partido do prefeito que enviou o projeto ao Legislativo e tendo sido pressionada a não comparecer à sessão, conforme trecho citado abaixo: A Lia tinha suas convicções e achava que a fundação ia facilitar as coisas. E a fundação foi criada, depois de muita contradição, depois que a câmara votou contra uma vez (...). Em 1991, durante o período de férias escolares, o prefeito reapresentou e a câmara votou novamente. Os vereadores que tinham votado contra, o prefeito puxou a orelha e eu disse que não poderia votar a favor de uma fundação, contra minha convicção. Então ele disse que de repente eu poderia faltar à sessão (...). Eu disse: eu sei que vai ser uma coisa complicada, mas eu não posso fugir, eu vou votar contra (...). Os outros vereadores que votaram contra na primeira vez, quando foram chamados à atenção, disseram: mas a Satie que foi secretária de educação até outro dia votou contra, nós achamos que era melhor. (Satie Mizubuti) A posição da professora Mizubuti quando do debate e rejeição inicial do Projeto de Lei que criava a FME mostra que houve uma solução de continuidade parcial, mas não completa quanto aos princípios que vigoraram no primeiro ano de gestão educacional da cidade, ao menos do ponto de vista do projeto político de priorização da gestão democrática. As readequações que inicialmente ocorreram na SME acabaram sendo substituídas por outras a partir da criação da FME devido ao arranjo institucional que fora profundamente alterado nesse processo inicial. Afinal, como afirmou Arosa (2011), essa estrutura, que contém por um lado a SME (administração direta) e por outro a FME (autarquia que detém os recursos financeiros e administrativos necessários à gestão do Sistema Municipal de Ensino), cria condições para um desequilíbrio político-administrativo, na medida em que os papéis institucionais de ambas as instâncias se confundem, deixando a SME sem condições de operar as políticas que, por atribuição, deveria formular, implementar e avaliar; ficando a função executiva a cargo da FME, a quem, inclusive estão subordinadas as escolas e a quase totalidade dos funcionários. 77 Quando eu já estava saindo então, a professora Lia me trouxe uma proposta de transformar, de criar paralela à secretaria, uma fundação, porque a exemplo do que já acontecia na secretaria de saúde, na qual já existia uma fundação quando Jorge assumiu o governo em 1989, a educação não tinha. Então, a argumentação que ela apresentava era que poderia facilitar muito a administração porque a secretaria seria autônoma do ponto de vista da gestão dos recursos públicos, eu não tinha um conhecimento muito grande do ponto de vista legal da questão do direito privado, da fundação pública, mas eu tinha na universidade, vivenciado longas batalhas contra a criação de fundações dentro da universidade, por que o regime fundacional dava margem, como se diz, a uma ideia de comer pelas beiradas, a uma privatização da universidade... Eu enxergava que o gargalo que nós tínhamos na educação não estava na prática pedagógica, estávamos conseguindo avançar muito nesse campo, aumentamos o número de matrículas, as famílias começaram a confiar em escolas antes pouco procuradas e não de ponta, então eu tinha certeza que do ponto de vista pedagógico não teria nenhum tipo de benefício a criação ou a transformação da secretaria em fundação (…). Nisso chegou então à câmara a proposta de criar uma fundação municipal de educação, e a universidade, a Faculdade de Educação, reagiu muito contra isso. Grandes intelectuais, como Luiz Antônio Cunha, que era da educação, entre outras pessoas, me procuraram na câmara pra dizer que não poderia, e eu tinha uma convicção que a fundação não era uma coisa tão necessária, pois se o gargalo era na questão financeira, pra fazer compras e realmente era muito burocrático, a gente dependia da secretaria de administração, e eu já tinha conversado com outras pessoas e se a gente tivesse criado dentro da SME uma inspetoria financeira, e isso dependia de uma negociação interna da prefeitura, a gente poderia ficar só com a secretaria e essa inspetoria, e estaríamos provavelmente sem maiores problemas. Se eu tivesse ficado lá acho que a gente poderia ter conseguido tocar a secretaria com essa inspetoria... houve realmente uma grita na sociedade, de que a FME poderia significar um início de um processo de privatização e que o PDT nunca havia defendido isso, que o Brizola quando criou os CIEP's nunca falou de privatizar, nem tampouco de fundacionar. E eu sei que foi um periodo difícil, e a FE da UFF puxou um debate e esse debate ocorreu na câmara. (Satie Mizubuti) Foi somente na reapresentação do projeto do executivo à câmara, em período de retorno do recesso legislativo e férias escolares – que dificultava uma maior mobilização por parte do SEPE –, que foi possível aprovar a criação da FME. O Projeto de Lei sofre pressões e grande resistência por parte de entidades da sociedade civil, principalmente do Sepe, que solicitou assessoria de professores da Faculdade de Educação da UFF. O projeto levanta uma acirrada discussão no meio educacional e político da cidade, gerando uma greve dos professores municipais, uma vez que atrelava o plano de cargos e salários da categoria à criação da Fundação. Foram organizados dois debates sobre o assunto, O primeiro pelo sindicato, como atividade de greve, e outro na Câmara Municipal, promovido pela Comissão de Educação daquela casa. Em ambos a Faculdade de Educação participou, levando, através de seus professores, sua posição contrária a tal medida, cujos argumentos se sustentavam na discussão acumulada há quase vinte anos, que as universidades autárquicas têm, sobre o assunto. Em setembro de 90 o projeto é apreciado e votado pela Câmara Municipal, onde sofre o veto daquela casa, significando, aparentemente, que a batalha estava ganha. Porém, em janeiro de 91, no período de férias da rede municipal e da 78 universidade, no momento, portanto, de desmobilização da categoria e, com certeza, após um período de troca de favores entre o executivo e o legislativo, o projeto foi sorrateiramente reencaminhado â Câmara Municipal, sendo aprovado. Em março, quando os professores retornam às aulas, já encontram instalada a Fundação Municipal de Educação. (FORTUNA, 2000, p. 38) Nesse mesmo mandato – o primeiro de quatro frente à prefeitura – de Jorge Roberto da Silveira, surgem também outras iniciativas que persistem até hoje em Niterói e que fizeram com que seu nome ficasse marcado na política da cidade: o projeto do Museu de Arte Contemporânea (MAC) e todo investimento pesado feito na área da cultura, a Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN), o “Médico da Família”, e outras tantas, que buscavam dar uma nova personalidade à cidade que se via envolta num passado recente muito negativo, seja pela questão da fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara e a consequente perda de status de capital da cidade, seja pelos efeitos demográficos e econômicos gerados pela inauguração da Ponte Rio–Niterói. A professora Lia Faria deixa claras em sua entrevista a importância e a profundidade das marcas deixadas pelo ex-prefeito nas suas passagens pela prefeitura, em especial no período em que ela esteve ativa no governo. No entanto, também afirma que a educação não estava entre as prioridades de Jorge Roberto, que seriam, na sua opinião, cultura, saúde e limpeza urbana, como podemos confirmar também a partir das iniciativas político-administrativas citadas no parágrafo acima. O momento para o Jorge foi muito positivo, a administração anterior do Moreira foi um desastre, a autoestima do niterioense no chão... maior mérito dos governos do JR, Niterói vai dever a ele isso pro resto da vida, ele mudou essa cultura, ele fez crescer a autoestima... não era pra ter sido político, é um cara que se violentava, mas tinha uma marca de querer terminar o mandato do pai. O grande projeto político dele foi colocar a cultura acima de tudo. A marca de JR que vai ficar não é do que deu errado, não é do morro do Bumba, o que vai ficar do Jorge é a marca da cultura. O Jorge na minha opinião já ficou pra posteridade, com o legado cultural e em segundo lugar o legado que ele deixou na área da saúde. Ele trouxe médicos cubanos, o médico da família... Então o jorge joga pesado nessas três áreas, cultura, saúde e limpeza urbana (criação da CLIN), mas isso só revela que a educação nunca foi uma grande prioridade do governo dele. A ideia da Fundação Municipal de Educação em especial indicava uma intenção ousada, se compararmos com outras administrações municipais Brasil afora, e se enquadrava de certa maneira no debate nacional que se instalou a partir da redemocratização e da Assembleia Constituinte de 1987-1988 e com as propostas de Reforma do Estado que começavam a ser debatidas e implementadas em várias esferas 79 de poder, com grande destaque no cenário federal, principalmente sob a tutela do já citado ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Contraditoriamente, porém, antes de ser apenas uma iniciativa inédita ou uma nova forma de encarar a administração educacional no município, é importante frisar que essa iniciativa não condizia com o programa do partido do ex-prefeito e que detinha a maioria na câmara dos vereadores. O PDT à época era conhecido como um partido que defendia ideias e ideais progressistas, dentre as quais não se encaixavam a criação de fundações e outros subterfúgios privatizantes: Já o PDT defende uma reforma educacional que assegure o ensino gratuito a todos e permita reorganizar a rede escolar pública. Dentre as diretrizes de tal reorganização encontram-se: (I) completar o ensino gratuito com a concessão de bolsas que garantam a sobrevivência do estudante pobre durante sua formação escolar; e (II) ampliar as instituições públicas de ensino superior, a fim de “acabar com a privatização” e garantir a matrícula a todos os jovens que completem o curso médio (2o grau). (CUNHA, 2009) Fortuna (2000) chega a afirmar que podem ser observadas duas fases distintas na área da educação sob o primeiro mandato de Jorge Roberto da Silveira. A primeira, que corresponderia aos primeiros quinze meses de mandato (com a professora Satie Mizubuti à frente da SME), sublinhada por medidas inteiramente voltadas para a ampliação dos espaços de participação democrática, de caráter popular, tais como a eleição para os cargos de direção de escola, a definição de critérios objetivos para efetivação das matrículas sem que sobrasse espaço para o costumeiro clientelismo partidário reinante até então e; uma segunda fase, ainda de acordo com a autora, com traços opostos à primeira, cuja primeira ação – que marca o começo desse momento que perduraria até os dias atuais – foi o Projeto de Lei encaminhado à Câmara Municipal, criando a FME. Como veremos adiante, apesar das contradições aparentes – ou muitas vezes devido a elas –, algumas das medidas de ambas as fases perduraram, bem como outras “caducaram”, tornaram-se inócuas ou necessitaram de adaptações ao longo do trajeto. Muito disso é reflexo das gestões por parte daqueles que serão apresentados a seguir, das conjunturas nacionais (e até internacionais), das pressões de setores sociais organizados, como o SEPE por exemplo, ou mesmo da combinação desses fatores. 80 6.2 OS PRESIDENTES E SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO Ao longo desses 21 anos de existência da FME, passaram pela cadeira de presidente oito pessoas, sendo que o atual presidente, que assumiu em 2013, é o nono nome a dirigir essa fundação. Como já afirmado em outros trechos desta dissertação (vide Capítulo 4), não houve muita variância e menos ainda alternância entre os partidos que estavam à frente da gestão municipal em Niterói nesse período, tendo existido apenas um interstício parcial na gestão 2005–2008. É importante reafirmar que esse interstício era parcial, pois os partidos que estavam à frente desse mandato estiveram também nos anteriores e no seguinte, nos quais Jorge Roberto da Silveira encabeçava ou indicava quem o faria. Além disso, o prefeito desse período – Godofredo Pinto, ligado ao PT – havia sido vice de Jorge Roberto no mandato anterior, o qual completou quando o último candidatara-se ao governo estadual em 2002. Sendo assim, os gestores da fundação foram pessoas ligadas partidariamente ao PDT, PT e PPS principalmente, com grande destaque ao fato de que vários desses nomes estão ligados direta ou indiretamente ao segundo presidente da FME e atualmente deputado estadual Comte Bittencourt (PPS), conforme pudemos observar a partir das análises das entrevistas e das informações biográficas encontradas sobre os presidentes. Alguns desses presidentes que serão apresentados a seguir acumularam a Presidência da FME com o cargo de secretário(a) municipal de Educação (em alguns períodos outras áreas estiveram agregadas na mesma pasta como Cultura, Esporte e Lazer e, mais recentemente, Ciência e Tecnologia). Além dos oito presidentes, entrevistamos a última secretária de Educação antes da criação da fundação. Segue a lista dos presidentes/secretários: Satie Mizubuti (1990 - 1991): Foi a primeira secretária de Educação do longo 81 período de sucessões de gestões do PDT – apenas uma não foi de Jorge Roberto da Silveira – e saiu do cargo antes da criação da FME, tendo desempenhado, porém, papel importante, pois, ao exonerar-se do cargo, reassumiu o cargo de vereadora do qual estava licenciada desde o início do mandato e se posicionou contra o projeto de lei que autorizava a Prefeitura de Niterói criar a fundação na área da educação. Sua indicação, segundo ela própria em entrevista concedida para esta pesquisa, foi a única que parecia estabelecer um consenso com a categoria dos professores das redes públicas da cidade (estadual e municipal) e parecia ter um bom diálogo com o SEPE. Antes de se candidatar à vereadora ou assumir o cargo de secretária, atuava nos movimentos sociais de associações de bairro, tendo sido uma das fundadoras da FAMNIT (Federação das Associações de Moradores de Niterói). Natural do Estado do Paraná, mudou-se para Niterói quando assumiu o cargo de professora da UFF ainda na década de 1960. Graduou-se em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, cursou mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1972) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1986).2 Lia Ciomar Macedo de Faria (1991 - 1997): Doutora em Educação (UFRJ/1996), mestre em Filosofia da Educação IESAE/FGV (1989). É professora associada de graduação e pós-graduação da UERJ/PROPED e coordenadora da linha de pesquisa Instituições, Práticas Educativas e História. Atua na área de educação, com ênfase em história da educação, gestão dos sistemas educacionais e memória fluminense. É autora e/ou organizadora dos livros Chaguismo e brizolismo: territorialidades políticas da escola fluminense (Quartet, 2011); Ideologia e utopia nos anos 60: um olhar feminino (EdUerj, 1997); CIEP: a utopia possível (Livros do Tatu, 1991), dentre outros.3 Entre 1999 e 2001 foi secretária estadual de Educação, mas antes, foi secretária de Educação de Niterói entre 1990 e 1997, sendo que, entre 1991 e 1997, acumulou esse cargo com a Presidência da FME, tendo sido então sua primeira presidente. Plínio Comte Leite Bittencourt (1998 - 1999): Professor e educador, Comte Bittencourt foi eleito vereador do município de Niterói pela primeira vez em 1992, sendo reeleito em 1996 e 2000. Em 1998 assumiu a Secretaria Municipal de Educação 2 3 Obtido em seu currículo Lattes disponível em:< http://lattes.cnpq.br>. Idem. 82 de Niterói. Eleito em 2002 para deputado estadual, Comte presidiu as comissões de Educação e Cultura e de Ciência e Tecnologia na Assembleia. Comte Bittencourt renunciou ao seu mandato como deputado estadual em 2005 para assumir como viceprefeito de Niterói. Reeleito deputado estadual em 2006, Comte Bittencourt presidiu novamente a Comissão de Educação, área de destaque em sua trajetória política. 4 Nome relevante não só para/na política niteroiense, atualmente em seu segundo mandato como deputado estadual, Comte Bittencourt foi nome citado em praticamente todas as entrevistas realizadas para esta pesquisa, tendo sido o responsável direto ou indireto pela nomeação de quase todas(os) os(as) secretárias(os) de Educação e presidentes da FME que o sucederam. Reynaldo Mattoso Cavalcanti (2000–2001): Sobrinho da fundadora do Colégio Marília Mattoso, atualmente é diretor pedagógico deste. Ligado a Comte Bittencourt (diretor financeiro do mesmo colégio), possui sua trajetória na área educacional ligada à rede privada de ensino. Não foi possível contatá-lo, e seu período frente à fundação foi muito curto (menos de 18 meses). Arthur C. De A. Santa Rosa (2001–2002): Professor aposentado da UFF, foi possível obter muito pouca informação através de pesquisas na internet e na própria FME. Foi presidente também por um período muito curto, tendo sido membro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação) e da Associação dos Professores Inativos da UFF; Maria Inês Azevedo Oliveira (2002–2003): Iniciou sua atuação na área de educação como professora de uma escola cenecista, tendo ingressado logo depois nas redes municipal de Campos e estadual do Rio de Janeiro. Foi na rede estadual que começou a ter contato com a gestão educacional também, chegando a ser diretora de uma importante escola de Campos, o Nilo Peçanha. Em 1989 transferiu-se com a família para Niterói e, após aposentar-se da rede estadual, foi trabalhar na FME compondo a equipe da professora Lia Faria, vindo a ser secretária e presidente da FME – por indicação de Comte Bittencourt – em períodos diversos; antes fora coordenadora de programas especiais e dirigira o Departamento Pedagógico. No último mandato, que interessa a essa pesquisa, foi secretária enquanto Cláudio Mendonça era o presidente da 4 Obtido de sua página no sítio da ALERJ. Disponível em <http://alerj.rj.gov.br>. 83 FME. Maria Felisberta B. Da Trindade (2003–2005): Professora emérita da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde foi coordenadora do Curso de Pedagogia e diretora da Faculdade de Educação. Foi pioneira do Partido Comunista em Niterói e ativa militante das lutas sociais, entre as quais a defesa da nacionalização do petróleo; a criação das Ligas Femininas; a luta contra o regime ditatorial instalado no Brasil no período de 1964 a 1985, tendo sido presa diversas vezes; a luta pela educação pública. Teve intensa e grandiosa participação no Fórum de Mulheres, criado em 1986 e na instalação do Conselho dos Direitos da Mulher, além de destacada atuação no movimento em prol da permanência da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM)/Niterói. No período de 2003 a 2005, exerceu conjuntamente os cargos de secretária municipal de Educação e de presidente da Fundação Municipal de Educação de Niterói. Atualmente é vice-presidente da ASPI-UFF (Associação do Professores Inativos da Universidade Federal Fluminense). Waldeck Carneiro (2005–2008): Possui mestrado em Educação pela UFF (1991) e doutorado em Ciências da Educação (1997) pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Sorbonne (Universidade Paris V). Foi diretor da Faculdade de Educação da UFF (1999–2004), presidente do Fórum Nacional de Diretores de Faculdades de Educação das Universidades Brasileiras (FORUMDIR, 2001–2004), secretário municipal de Educação e presidente da Fundação Municipal de Educação de Niterói (2005–2008), secretário municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Niterói (2013– 2014), presidente do Conselho Municipal de Educação de Niterói (2005–2008 e 2013– 2014) e presidente do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Niterói (2013– 2014). Atualmente, é professor associado da Faculdade de Educação da UFF, com atuação no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado). Tem vasta experiência no campo da educação, incluindo magistério, orientação acadêmica, publicações, exercício de funções públicas e consultoria, em particular nas áreas de política educacional, gestão educacional e formação de professores. Na Câmara Municipal de Niterói exerce o terceiro mandato de vereador (2013–2016). Desde 2013, dirige a Seção Estadual da Associação Nacional de Política e Administração da 84 Educação (ANPAE) no Rio de Janeiro.5 Foi secretário e presidente cumulativamente em Niterói durante a única gestão que não teve à cabeça Jorge Roberto ou outro nome do PDT, pois quem venceu as eleições de 2004 foi o antigo vice-prefeito de Jorge Roberto (que concluiu seu mandato pelo fato do primeiro ter aberto mão em função de sua candidatura ao governo estadual), Godofredo Pinto. Apesar da insistência através de contatos com suas secretárias no gabinete da Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Niterói, ou no de vereador que reassumiu ao desligar-se do cargo anterior citado, não foi possível marcar entrevista ou mesmo receber as respostas às perguntas do roteiro enviado por e-mail. Cláudio Mendonça (2009–2012): Chefe de Gabinete Parlamentar na Assembleia Nacional Constituinte (1988); secretário municipal de Fazenda e Administração (Resende, 1989-92); secretário de Estado e presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (1994); coordenador das áreas de Fazenda e Administração do Estado do Rio de Janeiro (1999-2002); consultor do Banco Mundial (2002); presidente do Instituto Brasileiro de Educação e Políticas Públicas – IBEPP (2002); presidente da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro – FAETEC (2003); secretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro (2004–2006); membro do Conselho de Análise Econômicas e Sociais do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ – 2008); presidente da Fundação Escola de Serviço Público FESP-RJ (2007–2009); presidente interino da Fundação Centro de Informação e Dados do Rio de Janeiro – CIDE (2008– 2009); Em abril de 2009 passou a presidir a Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ). Em 1 o de maio de 2009 foi nomeado como membro do Conselho Consultivo Municipal da Prefeitura de Niterói. Foi subsecretário de Estado da Subsecretaria de Capacitação de Pessoal da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Foi presidente da Fundação Municipal de Educação de Niterói entre 2009 e 2013. Autor dos livros Solidariedade do conhecimento e Você pode fazer a reforma educacional: no país, na escola, na família, publicou ainda inúmeros artigos em jornais de circulação nacional e revistas especializadas. É advogado formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente é secretário municipal de Educação de Armação dos Búzios no 5 Texto informado pelo autor, obtido de seu currículo Lattes em: <http://lattes.cnpq.br>. 85 Estado do Rio de Janeiro.6 Esteve na presidência da FME durante a maior parte do último mandato de Jorge Roberto da Silveira, que tinha como secretária de Educação a professora Maria Inês. Devido a sua formação e trajetória política e profissional, pode ser considerado mais um gestor ligado às tendências modernizantes da área administrativa do que propriamente alguém ligado à educação – ainda que boa parte dos cargos exercidos tenham sido ligada a essa área. Durante seu período na presidência da FME ocorreram alguns dos mais controvertidos projetos (bastante questionados pelo sindicato, que por sua vez é duramente criticado por ele na entrevista e em textos públicos encontrados na internet), como o Adote uma Escola ou o Lego Zoom ou os contratos de consultoria realizados com a FGV e Fundação Darcy Ribeiro, bem como o programa decorrente deste último denominado Educação Integral, que abordaremos melhor adiante. 6.3 O MOMENTO DA CRIAÇÃO E UM DEBATE QUE DEIXOU POUCOS RASTROS Um dos objetivos deste trabalho é entender o que representa(ou) a FME para os profissionais envolvidos desde as escolas, passando pelo sindicato e pelos gestores da própria FME e SME. Nesse sentido, dar voz ao que esses personagens disseram nas entrevistas é fundamental para auxiliar nessa tarefa, ainda que muito do que tenham dito já esteja transcrito e contido em outras partes desta dissertação. No entanto, as entrevistas realizadas foram, em muitos casos, reveladoras, e há um fio comum que, independente da origem político-partidária de cada um dos entrevistados, os guia. Trata-se da forte presença do capital político do prefeito JRS no seu primeiro mandato, quando da criação da FME. É verdade que num primeiro momento o projeto de lei apresentado fora rejeitado inclusive por vereadores de seu partido, mas também é verdade que poucos meses depois ele havia desembaraçado esse 6 Informações obtidas em <http;//www.claudiomendonca.com.br>. 86 problema e aprovado o projeto em uma segunda tentativa. Para Lia Faria, em entrevista concedida, uma intenção com a criação da fundação era dar mais autoridade à educação, conferindo outro status à administração da educação municipal. A partir da FME a educação passou a ocupar um espaço maior e de mais visibilidade no governo, passou a ter uma estrutura de respeito. Ainda que a rede não tenha crescido como veremos melhor adiante. Para o ex-presidente e atual deputado estadual Comte Bittencourt, Jorge Roberto da Silveira de fato descentralizou, ou seja, a FME passou a ter autonomia plena na execução do seu orçamento, o que considera muito bom, ao contrário do que ele afirma ver frequentemente nas outras cidades, onde predomina o centralismo na Secretaria de Fazenda ou na Administração. O próprio episódio da reapresentação do projeto, poucos meses após ter sido derrotado na primeira votação em plenário na Câmara dos Vereadores, em período de férias escolares, e o fato de nessa segunda tentativa a proposta ter saído vencedora, dão margem para confirmar o afirmado pelos entrevistados. Os poucos debates que ocorreram, porém, não foram propostos pelo poder executivo, mas em grande medida organizados por outras entidades e organizações da sociedade (SEPE e professores da FE/UFF) e da própria estrutra do Estado, no caso da Câmara Municipal. Não identificamos a ocorrência de grandes debates organizados pela prefeitura que enviou o projeto a ser votado. Apenas a Câmara Municipal e o SEPE organizaram debates, que poderiam assim ser chamados, assim devido a uma presença massiva de professores e outros profissionais da rede municipal, professores e alunos dos cursos de licenciatura da UFF, entre outros. Segundo Fortuna (2000), foram organizados apenas dois debates, sendo o primeiro pelo sindicato como atividade de greve e o outro pela Comissão de Educação da Câmara dos Vereadores. Nas entrevistas feitas com os professores na ativa à época, foi possível identificar que a apresentação feita aos profissionais (professores e funcionários das demais funções) nas escolas não propiciava necessariamente o debate. A professora Maria Felisberta, que foi presidente da FME, á época da criação desta, era professora da rede estadual e estava atuando como diretora de uma escola 87 estadual, cargo no qual ficou por dois anos. Ela afirmou em entrevista que havia reuniões chamadas pelo sindicato (SEPE), o qual estava tomando posição contra a criação da fundação. Ainda segundo a professora, a principal discussão partia primeiro de uma questão de princípios: educação pública tem que ser estatal e a fundação teria características que poderiam levar a determinados tipos de privatização. O movimento dos professores, representado pelo sindicato, teria tomado então posição contra em assembleia na qual ela estava presente, tendo inclusive votado contra a criação da fundação, por compreender que poderia haver uma perda de controle, que poderia ter um teor privatizante. Segundo Márcia e Carmem,* para quem todas as novidades e notícias chegaram através de colegas ou da própria administração municipal, foi tudo muito rápido, pois em um dia teriam recebido a notícia e “no outro já estavam dizendo que tínhamos que migrar porque teríamos uma série de vantagens”. Segundo elas, de repente, nas férias, ela foi aprovada e já começamos o ano com administração da fundação. No começo lembraram que teve quem questionasse, mas como se falou em muitas vantagens e só um ou outro colega “do contra” falavam que não seria bom, acabaram aceitando a criação da fundação e a migração de quadro sem maiores problemas. Ambas também afirmaram não se recordarem de ter havido debates. Lembraram-se de terem sido chamadas pra um na UFF, mas acabaram não indo porque ele ocorreria em horário que estavam trabalhando em outra rede ou cuidando de outros afazeres. Ao mesmo passo, existiam na rede profissionais como Ana, ** que, apesar de não serem militantes assíduas, compareceram em um ou outro espaço de debates: Eu fui na câmara no dia que não passou a lei da fundação e comemorei, eu lembro que na minha escola teve gente que não queria de jeito nenhum ir pra tal fundação e eu confiava neles, eles sempre participavam de tudo e eu também, de tudo que dava tempo né? (Ana) Entre os profissionais que eram dirigentes do SEPE–Niterói à época, conseguimos encontrar apenas um para entrevistar, portanto, não podemos considerar que chegaremos a indicadores tão significativos como gostaríamos a partir de dentro da estrutura sindical, ainda que para isso tenha colaborado muito trechos de outras entrevistas e documentos encontrados na internet ou em outros trabalhos. * * Nomes fictícios. * idem 88 Conforme já tínhamos conseguido constatar através de outras entrevistas e de Fortuna (2000), Faria e Dias (2008), a ex-dirigente do SEPE confirmou que havia uma posição contrária, debatida e deliberada sobre a questão da criação de uma fundação, posição essa tomada em reuniões e assembleias. A participação do SEPE no debate que antecedeu o envio da proposta à Câmara Municipal, bem como nos acontecimentos nesta casa legislativa culminaram com a rejeição em um primeiro momento a essa proposta. Havia, no entanto, outras duas perguntas que nos interessavam sobremaneira acerca do SEPE e da organização dos profissionais da rede municipal de Niterói. Uma era sobre a “naturalização” da FME, no sentido de como e em quanto tempo houve um arrefecimento da luta contra a fundação, que, afinal, poderia ter perdurado mesmo após criada e mesmo se estender até os dias atuais. A outra, que derivava desta, dizia respeito à migração dos servidores do quadro funcional da SME para o da FME. Pareceu-nos que, em ambos os casos, a realidade objetiva se impôs sobre as intenções de seguir nos debates e mobilizações contra a fundação, uma vez que várias outras demandas impunham-se dia após dia, tornando o assunto, se não encerrado, ao menos esquecido pouco tempo depois. Alguns profissionais que estavam na rede à época eram ainda do tempo da CLT (concursados antes da Constituição de 1988), outros já tinham ingressado na rede a partir do regime estatutário, mas todos citam que o mote que levou uma ampla maioria da categoria a aceitar a migração era a promessa de que ser do quadro de uma fundação possibilitaria um salário diferenciado do conjunto dos servidores da Prefeitura, e que a educação era uma área que deveria ser mais valorizada e essa medida indicaria claramente que seria para aquela gestão. Lembre-se aqui da prioridade que, no mesmo momento, o governo estadual afirmava em relação à educação. Nesse sentido, todos os três entrevistados que optaram pela migração foram diretos em suas respostas, muito semelhantes entre si, e apontaram-nos que a promessa de um plano de carreira e salários próprio, que poderia tornar os salários dos servidores da FME melhores do que o conjunto dos servidores da administração direta do município, foi o fator preponderante para o convencimento à migração. Com o passar dos anos, alguns poucos resistentes não migraram do quadro 89 funcional da SME para a FME. Enquanto isso, decisões políticas e judiciais foram sendo tomadas e a proposta que fora a “decisiva” para o convencimento não se impôs na realidade, ocorrendo até hoje a paridade/isonomia entre os servidores lotados nos quadros da SME e FME. Tampouco houve implementação de políticas salariais diferenciadas – que gerariam diferenças salariais significativas, conforme as promessas iniciais feitas – e de plano de carreira em relação aos demais servidores de Niterói, pois, ainda que exista um plano próprio para o quadro em questão, vários aspectos deste não são modificados a favor dos profissionais de educação por terem que ser estendidos aos demais servidores municipais. Vale ressaltar quea elaboração de um plano deste tipo não requisitava uma fundação, pois vários municípios possuem planos próprios e são administrados por meio de secretarias. Provavelmente o maior exemplo nesse sentido seja o dos triênios, uma antiga reivindicação dos profissionais de educação da rede municipal que não é atendida, pois caso o fosse deveria ser estendida ao conjunto dos servidores públicos municipais. Esse exemplo foi citado diretamente pela professora Maria Ines de Oliveira em entrevista concedida, e no blog do SEPE–Niterói, já mencionado, pode ser encontrado farto material a respeito. Quando você tem no seu quadro os servidores da fundação e da secretaria, se eles (servidores da fundação) ganharem na justiça a paridade, e nós ganhamos o triênio, eles também têm que ganhar. E se eles são da secretaria, os das outras secretarias vão ter que ganhar também, então foi um ganho, mas também foi uma pedra no sapato da fundação e da prefeitura. Você vê, quantas fundações Niterói tem? Duas, aliás três, que eu também trabalhei na de Arte que acaba sendo a mesma coisa. Quando eu trabalhei na superintendência da FAN [Fundação de Arte de Niterói], fiz um plano de cargos lá e o pessoal que não optou também reclamou, ganhou, e agora tudo que um recebe o outro recebe também. Então eu acho que a tendência, pode ser que eu esteja errada, quisera eu me equivocar, eu também nem acho muito justo, se fosse pra questão da celeridade, tudo bem, agora se é pra criar grandes diferenças salariais, e não estou falando só de educador não, estou falando da área médica também, porque eu acho que todo mundo tem que ganhar de forma justa, agora, criou-se essa expectativa de um tamanho infinito. (Maria Ines de Oliveira) De certa forma, isso corrobora a hipótese de que parte do que se intencionava alcançar por meio da fundação acabou não se concretizando. 90 6.4 ASPECTOS MARCANTES EM 21 ANOS DE FUNDAÇÃO Desde 1991, ano da criação da FME, transcorreram mais de vinte anos. Apesar de não ter sido um modelo que tenha se espalhado para outras cidades do país – nem mesmo aquelas administradas pelos partidos que se sucederam na Prefeitura de Niterói no período focalizado ou por outros que poderiam ter se identificado política e ideologicamente com a ideia –, ela segue existindo e resistindo ao tempo e as intempéries da política local. Mesmo tendo ocorrido, de lá para cá, apenas uma gestão que poderia ser considerada não totalmente alinhada com essa ideia, ela permanece, a população de Niterói a reconhece, e os questionamentos sobre a sua existência ou continuidade praticamente não existem. Sendo assim, o que pode explicar essa particularidade de Niterói? O que de diferente pode ter ocorrido nessa rede municipal de educação que determinou o “sucesso” da experiência? A FME, ao longo de seus mais de vinte anos de existência, foi vista como inovadora em vários aspectos, como na implementação da avaliação continuada, que depois avançou para a organização por ciclos do ensino fundamental – tema no qual Niterói foi pioneira e teve papel de destaque inclusive em diversas pesquisas acadêmicas, nos projetos contratados ou desenvolvidos por ela e no atendimento aos alunos Portadores de Necessidade Educacionais Especiais (PNEE). Para exemplificar, podemos citar algumas teses e dissertações disponíveis no Banco de Teses da CAPES e defendidas recentemente: Millar (2011), Coutinho (2011), Rodrigues (2012). Se expandirmos as buscas para anos anteriores, abrangendo revistas e outras publicações científicas, também encontramos: Borborema (2008), Matheus (2009), Peixoto (2008), David (2003), entre outros. Outro elemento substancial que surgiu tanto das análises das legislações educacionais do município, da literatura encontrada sobre o tema, como das entrevistas, relaciona-se com a concepção de gestão democrática, em especial no que diz respeito à eleição de diretoras(es) de escolas. Esta que foi uma das primeiras medidas adotadas ainda no início do primeiro mandato de Jorge Roberto da Silveira e tendo ainda apenas 91 a Secretaria de Educação, com a professora Satie Mizubuti à frente. Então eu reuni as diretoras e vice-diretoras no auditório da sede e disse que sabia que era um governo de oposição que estava assumindo, não de continuidade, que imaginava que elas deviam ter votado em outro candidato, até porque era um cargo de confiança e se você entra sem concurso, como é que você vai dizer não? Mas que eu não era oposição à educação, muito pelo contrário, e que elas seriam mantidas no cargo, mas que estaríamos iniciando ali, naquele momento, o processo de eleição direta pra direção de escola e que se elas fossem sair de seus cargos não seria pela minha caneta, mas pela decisão da comunidade escolar. Desde 1978 não havia concursos para o magistério municipal... tínhamos chamado o SEPE pra entrar lá e acompanhar o processo do concurso. Decidimos pautar a gestão por uma linha que era da gestão democrática, e eu tinha uma base pra falar, que eu ‘tava seguindo a Constituição. (Satie Mizubuti) Esta parece ter sido uma temática que criou raízes e que, mesmo sob todas as contradições que se ampliaram após a criação de uma fundação, momento no qual poderia se imaginar a criação de outra cultura de gestão que pudesse desconsiderar esses valores inicialmente postos, permanece até os dias de hoje, tendo, porém, passado por mudanças através de portarias e decretos, sendo o mais recente de 2010. A regulamentação através de instrumentos que são política e juridicamente mais fracos do que uma lei acaba por tornar o que parece ser um valor enraizado na rede em processos que muitas vezes correm de acordo com interesses extras. A primeira lei municipal a versar sobre o tema foi publicada em 1989, mas tanto ela quanto as que vieram substituí-la ao passar dos anos apenas indicavam que haveria eleições e, apesar de garantirem que seriam realizadas eleições diretas para a direção das escolas, previam que uma regulamentação seria publicada a posteriori. O próprio SEPE sempre manteve em suas pautas a questão da gestão democrática e a eleição de direções escolares, como podemos depreender do trecho do boletim de setembro de 2010, no qual se referem a uma audiência entre os representantes da categoria que estavam em greve naquele momento e o então presidente da FME, Cláudio Mendonça: Sobre eleição para direção: haverá eleição esse ano, mas quando foi colocada a reivindicação da categoria de manter o artigo 6º da Portaria 10.184/2007, que restringe o número de reeleições das direções de escola, o Presidente afirmou que ele também defende esta manutenção, mas que a elaboração da minuta está a cargo da Secretária e de uma Comissão. Além disso, afirmou que não era bom anunciar a minuta antes do processo eleitoral nacional, tendo em vista que isso poderia influenciar nas campanhas políticopartidárias e na postura das direções das escolas em relação a essas campanhas. (Boletim SEPE-Niterói, setembro de 2010) 92 Portanto, a questão da eleição de diretoras(es) é um exemplo importante, pois, por mais que ela tenha se enraizado na rede municipal de Niterói, a falta de uma regulamentação firme ao longo de um grande período permitiu que ocorressem aberrações como reconduções sucessivas que fizeram com que algumas diretoras permanecessem no cargo por mais de quinze anos. De fato, até hoje não há impedimento para sucessões indefinidas, uma vez que a portaria citada no boletim do SEPE (10.184/2007) acabou sendo redefinida pelo Decreto 10.815 no ano de 2010, não mantendo a limitação de mandatos nas unidades educacionais do município. A questão da eleição para direções escolares e a própria relação FME/SEPE, que como vimos no início deste capítulo era razoavelmente boa, mas que, como qualquer relação entre empregador e empregado acaba gerando desgastes eventuais e insatisfações, chegou ao ponto de ser considerada um dos piores problemas da rede municipal pelo último presidente entrevistado para esta pesquisa, Cláudio Mendonça: Tem dois problemas fundamentais na educação de Niterói pra que ela dê resultado: a eleição de diretores e a política sindical, esses são os dois principais problemas, de Niterói, do México... A eleição de diretor traz um aprisionamento, a corporação aprisiona a escola. Esse negócio da eleição de diretor pra mim é um problema gravíssimo, porque dá estabilidade ao diretor de escola, dá a ele a possibilidade de não implementar a política pública e reforça o acordo tácito entre professores e alunos que existe, um não quer aprender e o outro não quer ensinar. Esse acordo existe em todo lugar do Brasil, no ensino fundamental e até na universidade... Se ninguém exigir... e quem tem que exigir isso? O diretor de escola. E a outra questão é a questão sindical, a questão sindical aqui é uma questão político-partidária. Assim, o sindicato tá na mão do PSOL e há um interesse, há um projeto de poder, como qualquer partido e aqui é um projeto de poder bastante forte, a bancada é enorme... e o sindicato, ele puxa a greve de maneira cirúrgica um mês antes da Prova Brasil, pra puxar o IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] pra baixo. No Estado aconteceu isso, em Niterói aconteceu isso... em ano de IDEB tem greve, e a greve é em agosto, e a prova em novembro... A greve é muito fácil, a população não reclama... quando a classe média saiu da escola pública, a escola pública caiu na mão da corporação, quando a classe média estava na escola pública a corporação não podia, porque tinha quem entendesse o jogo, falava a linguagem culta, aí o jogo era equilibrado. Agora, depois que saiu, a corporação ficou dona, ela fala com gente que não tem argumento, que não tem força, mas se você colocar a classe média na escola pública você muda a escola pública. (Cláudio Mendonça) Porém, de acordo com o que foi possível obter através dos depoimentos, a vida educacional de Niterói não seria muito diferente se a educação municipal tivesse sido administrada por uma secretaria de governo convencional no lugar da fundação. Vejamos os fatos: se existem diferenças (e elas existem) nas possibilidades administrativas entre a fundação e uma secretaria de educação convencional, do ponto 93 de vista do projeto político pedagógico municipal, não parece ter havido mudanças de rumo significativas. No trecho da entrevista citado abaixo, podemos inclusive notar que um dos principais mentores da criação de uma fundação na área da educação, a exemplo do que já acontecia na saúde, foi o então secretário de Fazenda Antonio Sasse, o que de certa forma ratifica que as intenções tinham orientações mais de ordem técnico-administrativa do que pedagógica: Foi um processo muito novo, nunca tinha trabalhado em nada parecido com a criação de uma fundação. Quem deu todo suporte à criação foi o secretário de Fazenda à época. Me parece que o Sasse era o grande ideólogo, o grande defensor da ideia das fundações nessas duas áreas, saúde e educação, justamente para que essas duas áreas tivessem uma liberdade maior para desenvolver os seus projetos. É administração direta, você assume muito mais responsabilidades, é você que assina o cheque. Mas sem dúvida nenhuma, depois que eu fui estudar, analisar as possibilidades e as ações na fundação de saúde, aqui dava uma agilidade, muito mais presteza do que na administração indireta... A importância do Sasse, porque me parece que foi ele que convenceu ao prefeito da criação dessas duas fundações... o processo de criação das fundações, que teve embate, principalmente na educação, teve embate, é onde se jogou todas as fichas e o grande mentor foi o Sasse, que era, inclusive, de um conhecimento profundo. (Lia Faria) Os problemas vividos pela rede escolar municipal de Niterói, apontados pelos indicadores oficiais e percebidos nas onze entrevistas realizadas com gestores e profissionais da educação municipal, ou nos materiais produzidos pela imprensa e por outras pesquisas acadêmicas, são os mesmos que vivenciam outras redes municipais e até mesmo estaduais. Por si, esse já seria um indício importante para podermos concluir que a inovação não produziu resultados inéditos ou superiores em relação a outras cidades de porte semelhante à Niterói, mesmo do ponto de vista administrativo, mas principalmente do ponto de vista pedagógico. Em um relatório final de pesquisa sobre o diagnóstico das causas da retenção no 5o e 7o anos de escolaridade na rede pública municipal de Niterói e publicada em Mendonça (2012), o pesquisador, com base em uma série de dados coletados através dos índices oficiais e de pesquisa de campo, afirma: Niterói tem o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Estado do Rio de Janeiro (CIDE, 2008), no Brasil se situa entre os quatro melhores municípios, a taxa de alfabetização de adultos atinge a cobertura de 96,45%. Entretanto, o índice alcançado pela rede municipal de Niterói no IDEB não o coloca nem entre os 50 melhores municípios no Estado do Rio de Janeiro, 94 observando-se que com 37 escolas de Ensino Fundamental, 10 escolas apresentaram em 2007 perdas em relação ao IDEB de 2005 e 16 escolas apresentaram posicionamento no IDEB inferior a 4. Por fim, causa impressão o quadro de distorção idade/série por volta de 40% e a situação de retenção registrada em algumas escolas da rede. (Filho, in MENDONÇA, 2010) 6.5 ALGUMAS JUSTIFICATIVAS E FRUSTRAÇÕES Ao longo do processo de criação da FME em Niterói, várias adaptações foram necessárias a fim de evitar ou diminuir a resistência que, como já vimos, existiu por parte de diversos setores. Argumentos e justificativas foram apresentadas, fosse para convencer os profissionais a transferirem seu vínculo funcional – passando da Secretaria Municipal para a Fundação – fosse para convencer os vereadores e demais setores da sociedade civil. Por isso, inclusive, concluímos o item anterior citando a premência do então secretário de Fazenda do município como um dos mentores políticos da criação da fundação, considerando também que os pontos inicialmente pinçados como positivos para a criação da fundação, que permanecem em certa medida até os dias atuais, são apenas os de ordem mais administrativa. Sendo assim, a argumentação que adquiriu maior importância foi a de que uma fundação permitiria determinadas ações de maneira mais ágil e independente do chefe do executivo (o prefeito). Isso porque, como vimos, a legislação indica que uma fundação não é parte da administração direta, que depende das licitações centralizadas, de autorizações e aprovações constantes da parte das secretarias de Administração, Fazenda e do próprio chefe do poder ao qual está submetida – no caso, o prefeito. Sendo a fundação uma entidade da administração indireta, o seu presidente torna-se o responsável por suas ações, e não mais o prefeito. É importante, sobre este tema ainda, citar que nas entrevistas concedidas para esta pesquisa, tanto a professora Lia Faria, como a professora Maria Felisberta, afirmaram que acabou por haver também barganha política com o cargo de presidente 95 da FME. Bem como teria sido feito o mesmo com a enorme – se comparada à estrutura da SME – quantidade de cargos de comissão que foram criados. Outro tema que foi consensual é que o cenário ideal é aquele no qual a(o) presidente da FME e a(o) secretária(o) de Educação, sejam a mesma pessoa. No terceiro mandato do Jorge, porque eu completei o período que Satie ficaria no seu primeiro mandato e depois fiquei no [mandato] do João os quatro anos e, um dos motivos que fez eu me afastar (JRS ficou chateado), foi quando foi decidido que a secretária ficaria com um secretário e a presidência da fundação ficaria com outro presidente. Porque aquilo não entrava na minha cabeça, tudo que eu tinha percebido de bom de positivo, era que a mesma pessoa exercesse para que as decisões de quem estivesse na SME ficariam mais ágeis. Aí já foi uma decisão muito política, porque você volta num terceiro mandato e são outras forças políticas, você tem que arrumar de repente vaga pra todo mundo, cargo pra todo mundo, e eu não fiquei confortável e pedi pra sair. (Lia Faria) Feito o importante registro do aspecto político que pode se contrapor aos positivos do ponto de vista administrativo, ainda que o órgão em questão seja uma fundação, voltemos aos aspectos destacados pelos gestores. O último presidente em ordem cronológica do período analisado, Cláudio Mendonça, que atualmente é secretário municipal de Educação em Búzios, onde não há uma fundação e, consequentemente, as compras e licitações realizadas para a área de educação são feitas pela Secretaria de Administração e Fazenda, afirmou que dentre esses aspectos, destacavam-se: (...) é que o gestor público, consegue dar prioridade ao que é prioritário em educação. Quando ele não tem isso, a sua demanda de política pública, de gestão pública, ela fica concorrendo em pé de igualdade com questões de natureza subjetiva e até com questões objetivas, superiores em questão de urgência, de necessidade. Em Búzios, por exemplo, onde sou secretário hoje e não tenho uma fundação. Se eu quero comprar prego, eu tenho que ir lá no secretário de Administração, que vai licitar. Mas nessa licitação vai ter que comprar prego também pra Secretaria de Saúde, de Obras, de Fazenda, e se você tem uma prioridade, acaba que sempre surge uma prioridade que pode ser maior – ou não também, mas pode acabar entrando na sua frente – e você não tem muito o que fazer, diferente da fundação (…). É vantajoso para o prefeito, porque a responsabilidade dele como gestor diminui, como é autonomia fundacional, o ordenador de despesas é independente (...), não licito, não pago a folha (…). A desvantagem é que o prefeito, ele tem, assim, o presidente depende menos do prefeito, nada do secretário e menos do prefeito, se for um prefeito que não seja muito ativo você tem uma autonomia q beira a soberania, ou seja, o mandatário, que foi eleito, n é provocado o tempo inteiro, na secretaria eu faço isso o tempo inteiro. Já o atualmente deputado Comte Bittencourt afirmou na entrevista concedida que havia, sim, vantagens com a fundação, mas que em certa medida, elas tornaram-se 96 obsoletas: Acho que a fundação cumpriu seu papel num período. Você tinha uma legislação do ordenamento orçamentário da estrutura pública brasileira mais engessada do que você tem hoje, apesar da LRF. A FME foi criada com o objetivo de transformá-la num braço da chamada administração indireta do poder executivo, e à época foi entendido que a administração indireta dava mais velocidade na tomada de decisões e ação, o que hoje já não faz mais diferença nenhuma, desde que você não centralize tudo, como em geral se faz na maioria dos municípios, em especial em municípios menores, que tem na secretarias de Fazenda e de Administração a centralização de todas as ações da chamada administração direta, então essa lógica... Mas também não tem como voltar atrás, você vai desconstituir a FME? Voltar ela pra administração direta? Outra vantagem que parecia animar aos envolvidos era o fato de que a fundação passaria a arrecadar verbas de outras fontes que não as tradicionalmente e legalmente constituídas, como fazia a SME. A ideia era produzir materiais impressos, cursos, patentear ou registrar inovações que gerassem divisas à FME para a sua manutenção e expansão de atividades, ou seja, seria uma SME “turbinada”, conforme podemos depreender do trecho que segue da entrevista feita com a ex-presidente e ex-secretária Maria Inês: Um dos vetores da FME seria ela ser uma boa captadora de recursos. Poderia ser sobre projetos em que a prefeitura ainda tivesse meio tímida, mas vamos imaginar, hoje nós temos uma trajetória de educação especial no município que ela é impar, não é padrão europeu, mas em Niterói avançou muito, então ela poderia vender, o diálogo com o profissional, o momento de capacitação, a ideia era na época essa. Eu tenho um excelente profissional, que atua de forma brilhante na rede, eu posso vender isso a outro município... então uma dessas razões, eu vejo que seria essa, muito mais de você abrir uma possibilidade de você receber recursos via apoio ou até que fosse via a produção de algum material ou produção de uma formação do seu profissional que eu pudesse passar a outras redes, a outros profissionais de educação. (Maria Inês Azevedo) Nas entrevistas, no entanto, destacou-se uma compreensão comum de que desses objetivos, apenas a celeridade em determinados processos que dependeriam de aprovação e tramitação através do executivo municipal é que foi cumprido e, ainda assim, nem sempre a contento. Ou seja, foi o fato de passar a administração da educação para um órgão público da administração indireta o único a fazer alguma diferença na realidade objetiva do cotidiano administrativo da rede municipal. A frustração de grande parte das expectativas criadas pela fundação, no entanto, não levou a que se repensasse a sua existência. Em certa medida isso pode ser explicado porque as frustrações foram resultado de decisões judiciais mais amplas, limitando a 97 ação das fundações como um todo e, em alguns casos específicos, a própria FME e, a julgar pelo avanço das legislações nacionais que dão forma e estrutura à educação no país, em uma direção diferente do que parece ter se intencionado fazer em Niterói, ao menos do ponto de vista administrativo. Outro fato que chama atenção é que em diversos municípios brasileiros houve iniciativas das secretarias municipais de educação que, a princípio, em outros tempos, não poderiam ser levadas a cabo por uma secretaria. Estamos nos referindo aos casos das prefeituras paulistas anteriormente citadas nesta dissertação, que contrataram empresas ou mesmo “terceirizaram” a administração de suas redes através de parcerias com a iniciativa privada que independeram da existência de fundações para serem realizadas. (ADRIÃO et al, 2010) 6.6 AS ALTERAÇÕES PERCEPTÍVEIS: RESULTADOS POUCO SIGNIFICATIVOS Os materiais e entrevistas até aqui analisados nos mostram que, do ponto de vista das escolas e da prática educacional, não houve uma alteração substantiva na realidade da rede municipal de Niterói que tenha sido causada pelo fato desta ter passado a ser administrada por uma fundação. Se hoje o sistema público de Niterói tem uma aproximação com métodos e instituições da esfera privada, há um sem número de prefeituras que trabalham com essa mesma dinâmica de aproximações com a iniciativa privada, planos de carreira específicos para o setor do magistério, distribuição de bônus salariais diferenciados e ampliação do número de projetos e programas das redes municipais ou em suas escolas através de suas secretarias. Nesse sentido, parece que a decisão de conformar-se uma fundação na área de educação sofreu muito mais impacto no campo jurídico-administrativo do que educacional, possivelmente por ter sido substancialmente determinado pelo cenário nacional no qual se encaminhava uma Reforma Administrativa que poderia reordenar o 98 funcionamento das instituições públicas. Como já vimos no Capítulo 2 desta dissertação, a intenção clara de criar o ente jurídico público de direito privado influenciou uma série de medidas, dentre as quais se encaixaria a Fundação Municipal de Educação em Niterói. Entre outros objetivos, se intencionava com essa categorização de público de direito privado – entre outras coisas – transformar o regime administrativo e trabalhista dos servidores e/ou funcionários em algo aproximado à CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), ou mesmo a própria CLT (como no setor privado). No caso específico da FME, quando da migração do quadro da SME para a FME, alguns servidores efetivos de concursos anteriores à Constituição de 1988 eram celetistas e passaram ao regime estatutário e, aparentemente, era através desse regime, mas com um plano de carreira próprio – que o decreto instituidor da fundação dava noventa dias ao poder executivo para apresentar proposta na Câmara – que os gestores à época pretendiam tornar o regime de trabalho dos servidores vinculados a fundação diferenciado dos demais servidores públicos. Por um lado podemos dizer que nessa disputa nacional (e internacional) ocorrida à época sobre concepção de gestão pública, saiu vencedor o lado que defendeu que fundações ou eram privadas ou públicas, sendo estas análogas às autarquias e, portanto, fundações autárquicas. Mas por outro lado, uma série de outros dispositivos jurídicoinstitucionais permitiram que o setor público passasse a admitir servidores sob o regime celetista mesmo após a Constituição de 1988, como ocorre por exemplo com os servidores da USP, ainda que esses mesmos dispositivos não tenham permitido que uma fundação pública possuísse personalidade jurídica privada. Assim, a linha de raciocínio de que era necessário criar uma fundação para aproveitar-se daquele momento de mudanças significativas do desenho dos aparelhos estatais em vários níveis, principalmente influenciados pelas iniciativas federais, parece que ao longo do tempo tornou-se inócua, ao menos do ponto de vista das relações trabalhistas e das possibilidades de uma conformação diferente de personalidade jurídica, conforme podemos averiguar nos trechos das entrevistas citados abaixo: À época foi entendido que a administração indireta dava mais velocidade na tomada de decisões e ação, o que hoje já não faz mais diferença nenhuma, desde que você não centralize tudo, como em geral se faz na maioria dos municípios, em especial em municípios menores, que tem na secretarias de 99 Fazenda e de Administração a centralização de todas as ações da chamada administração direta. (Comte Bittencourt) A FME dá uma certa liberdade, mas não é total a liberdade. A promessa do Godofredo era de que assumiríamos tudo (SME e FME), e daí ele desmembrou secretaria de cultura e secretaria de educação (...). A experiência é que a fundação agiliza mais, agiliza também porque não há um esforço do ponto de vista de política pública de se tentar criar mecanismos agilizadores. Em geral temos departamentos jurídicos péssimos... Uma desvantagem é que existe uma falsa autonomia, quando foi criada, deram a entender que não dependia tanto do prefeito, da estrutura, isso é em tese, mas existe o fator político, quer dizer, eu não sou militante do PT mas o Godofredo era do PT, eu não podia tomar uma posição sem consultá-lo. Ás vezes a gente acabava aceitando alguma proposta deles que acabava tirando um pouco da sua autonomia. (Maria Felisberta) Portanto, eu entendo que a criação da FME seria a criação de um procedimento administrativo mais ágil, mais célere. Que confesso a você que hoje não percebo tanta diferença, mas no momento da criação, visando a captação de recursos, um gerenciamento meio autônomo dos recursos, do orçamento. Então seria a criação de uma instituição que caminharia com as próprias pernas, que eu confesso a você que também não percebo isso. (Maria Ines) 6.7 A EXPANSÃO DA REDE MUNICIPAL NO PERÍODO Como citado brevemente em item anterior, a expansão da rede municipal contou com a inclusão de algumas poucas escolas que pertenciam à rede estadual, num processo de municipalização da educação que, no caso de Niterói, não foi muito significativo no ensino fundamental, assim como a inauguração de novas unidades municipais. Já na educação infantil houve crescimento da rede escolar, pois foram incorporadas diversas creches comunitárias e construídas várias Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEI's), além de terem sido incluídas turmas de educação infantil em escolas de ensino fundamental, uma vez que é aí que está localizada a maior falta de vagas para a população da cidade, sendo responsabilidade prioritária do município a oferta dessas vagas. Nesse período, portanto, a rede teve uma expansão relativamente pequena, pois o número inicial de unidades escolares (UE's) era de 23 escolas na rede, 2 conveniadas e agora são 75 UE's (entre escolas e UMEI's) e 32 creches conveniadas. Para esse 100 crescimento da rede, colaboraram centralmente o Decreto “Criança na Creche” (n o 9.748 de 2006), publicado no período em que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente a gestão municipal e incentivou a abertura de vagas “na rede municipal” através dos convênios com entidades da “sociedade civil”, bem como de municipalizações de escolas estaduais ou construção de novas unidades. Em termos de matrículas, eram menos de 15 mil alunos matriculados na rede municipal em 1991 (de acordo com o Censo Demográfico de 1991, Niterói tinha 436.155 habitantes), e agora são pouco mais de 24.500 alunos matriculados (população de 487.562 habitantes de acordo com o Censo 2010). Se considerarmos que entre 1991 e 2010 as matrículas na educação infantil cresceram 35,30%, será possível verificarmos que o crescimento no ensino fundamental foi reduzido e concentrado apenas no primeiro segmento desse nível de ensino.7 É interessante notar, a partir dos números e das entrevistas realizadas, que entre as intenções iniciais e construídas ao longo do tempo, não parecia estar incluída a de expandir a rede municipal em ritmo intenso, como muitas outras prefeituras faziam para aproveitar-se da (re)distribuição fiscal desde os governos federal e estadual. Poderíamos encontrar resposta para isso no fato de que há na cidade uma rede privada muito abrangente e resquícios de uma rede estadual forte que, em grande medida, suprem a demanda por matrículas que, de outro modo, deveria ser atendida –ainda que em regime de colaboração com o Estado – pelo poder público municipal, conforme podemos constatar na tabela abaixo elaborada a partir dos dados fornecidos pelo Censo Escolar do INEP de 2013. 7 Dados extraídos de <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/perfil/niteroi_rj> e <http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-matricula>. 101 TABELA 1 Ed. Infantil Ed. Fundamental Total Rede Estadual 0 869 (1o segmento) 13.150 alunos Rede Municipal 4.979 Rede Privada 11.452 12.281 (2o segmento) 13.877 (1o segmento) 23.364 alunos 4.508 (2o segmento) 14.715 (1o segmento) 38.370 alunos 12.203 (2o segmento) Nessa tabela chamam atenção: o tamanho do segundo segmento do ensino fundamental das redes estadual e municipal, sendo que na segunda há poucas unidades que atendem essa demanda (doze, segundo dados do sítio eletrônico da FME); o tamanho da rede privada em todos os níveis de ensino e que, no conjunto dos níveis que também são atendidos pelas redes municipal e estadual, é maior que ambas somadas. Outro elemento que pudemos encontrar a partir das pesquisas empreendidas pela FGV ao final da primeira década dos anos 2000 e nas entrevistas é que a rede, além de pequena, tem uma distribuição geográfica que não favorece o aumento do número de matrículas na rede municipal. Isso ocorre porque as escolas municipais acabaram sendo construídas em locais não atendidos pela rede estadual (que como já citamos, está fechando gradativamente turmas no ensino fundamental) e porque a FME não dispõe de um sistema de transporte escolar que permita o deslocamento entre os bairros onde moram as crianças que demandam por matrículas e escolas. Para ter uma ideia da dificuldade em termos de transporte escolar na cidade, podemos citar o caso do Programa Educação Integral – que será tema de um ítem mais adiante – que teve seu início adiado por conta de falta de ônibus para o transporte dos alunos das escolas aos polos de atendimento do referido programa. Se há incapacidade para atender uma demanda que incluía somente alguns poucos alunos de algumas escolas, para o conjunto da rede seria impossível haver um programa de transporte escolar que pudesse suprir a deficiência geográfica da rede. 102 É interessante pensarmos também sobre o que afirmara o ex-presidente Cláudio Mendonça acerca do custo por aluno em cada rede e, em especial, o alto custo do aluno da rede municipal de Niterói: Pra FME a municipalização é um mau negócio, porque o gasto por aluno por ano, da rede pública de Niterói, gira em torno de sete mil reais, um valor altíssimo. O FUNDEB no RJ, tem que pesquisar pra saber exatamente, mas paga aí, vai, menos de 4 mil reais. Então cada aluno que entra pra FME gera déficit, tem q ser colocado dinheiro, é mau negócio porque o padrão é muito alto... A municipalização da educação em Niterói é lenta por várias razões, primeiro porque a questão financeira é deficitária, quanto mais municipalizar a tendência é quebrar... tem um acordo e municipalização, tem um ano, um acordo que o Comte mesmo fez... eu que fiz esse acordo, fui obrigado a fazer esse acordo... O município de Niterói, pra municipalizar todo mundo não tem como bancar o mesmo valor por aluno, ou se não quebra... È melhor pra Niterói abrir matrícula na educação infantil do que assumir aluno do ensino fundamental, porque é um investimento que a prefeitura tem que fazer, e é um investimento que a prefeitura faz no quarto e quinto anos e melhora a rede no ensino fundamental. Como há um peso grande da rede privada na cidade, a hipótese corroborada pelos entrevistados é que isso representa um freio à expansão da rede pública municipal, uma vez que, tendo como garantir a matrícula na rede particular, as famílias de classe média (e até mesmo de setores menos favorecidos economicamente) preferem matricular seus filhos nessa rede. Sobre a demanda por escolas municipais, outra nuance merece destaque. Se analisarmos os dados fornecidos pelo IBGE e aqueles já citados sobre o IDH, notamos claramente a superioridade dos índices niteroienses comparados aos municípios limítrofes, como São Gonçalo e Maricá, por exemplo. Nos bairros onde os municípios se encontram há um provável grande número de matrículas na rede municipal de Niterói de alunos advindos dessas duas cidades em especial. É necessário colocarmos como provável, pois para a realização da matrícula é necessária a apresentação de um comprovante de residência na cidade de Niterói, logo, por presunção todos os alunos são da cidade. Entretanto, sempre há formas de “burla”, e isso deve ser ainda mais representativo na educação infantil, pois há um grande fluxo de pessoas que vem dessas cidades para trabalhar em Niterói. Nos últimos anos, há notícias sobre falta de vagas em todos os níveis na rede municipal de Niterói. Ainda que a matéria publicada pelo jornal O Globo em 28 de janeiro de 2013 se refira à demanda do ano de 2013, é fácil notar que ela já existia em 103 anos anteriores, afinal está se falando de um déficit de mais de sete mil vagas no município. O desapontamento dele [um pai citado anteriormente na matéria] retrata a situação das famílias que dependem da educação pública em Niterói, cidade que tem a menor rede municipal escolar do estado, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (Inep). Segundo o centro de estudos, a cidade tem um déficit de sete mil vagas em suas unidades. A estatística vai ao encontro do Censo de 2010, que identificou 81 mil crianças de até 14 anos no município. Segundo a prefeitura, há 74 mil alunos matriculados na educação infantil e no ensino fundamental. (O Globo, Niterói, 28/1/2013) Nessa mesma matéria jornalística há uma declaração do presidente da FME. Ele estimou que os alunos de outros municípios representem entre 10 e 20% dos regularmente matriculados na rede. É possível, portanto, que haja certa contenção da rede municipal para evitar alunos dos municípios vizinhos. Em outra matéria publicada na internet, no blog do SEPE–Niterói, a entidade questiona a metodologia de O Globo para concluir que faltam “apenas” sete mil vagas, uma vez que o jornal considera que “falta de vagas” significa criança ou jovem fora da escola, ou seja, não atendida nem pela rede privada nem pela pública. Para o SEPE, a conta deveria ser feita da seguinte maneira: O Censo do IBGE de 2010 aponta que Niterói tem 87.289 crianças de 0 a 14 anos, ou seja, em idade escolar da educação infantil ao 9 o ano do ensino básico (segundo segmento); a FME alega termos 74 mil alunos(as), ou seja, temos um déficit “puro” de 13.289 vagas (sem contar a rede estadual, que está sendo extinta); mas se detalharmos a situação da educação infantil, que na rede pública só é atendida em Niterói pela rede municipal (UMEI's – por causa do fechamento deste setor na rede estadual), a coisa é bem mais dramática. De 0 a 5 anos, temos uma população total de 28.389 (dados do IBGE-2010), e frequentando a creche ou pré-escola pública um total de apenas 6.340 (dados do IBGE e INEP – 2010). Ou seja, um déficit de 22.049 vagas! Se contarmos o atendimento na rede privada de creches e pré-escolas, com 13.098 vagas, ainda fica um déficit de 8.951 vagas, ou seja, 8.951 crianças de 0 a 5 anos fora da escola. (Disponível em: http://seperjniteroi.blogspot.com.br/>. Último acesso:28/1/2013) Davies (2000), com base nos documentos oficiais, escreveu sobre a questão da aplicação das verbas obrigatórias para a educação no município de Niterói e afirmou que, já no período analisado por ele (1989–1995), a prefeitura da cidade deixou de investir o equivalente a mais de 90 milhões de reais, o que pode também servir de indício de que não havia interesse ou projeto de expandir a rede municipal. Cabe ressaltar que os valores devidos em educação, porém não aplicados pelos prefeitos de Niterói entre 1989 e 1995 (mais de 100 milhões de reais – 104 valores corrigidos para março de 1997), teriam sido suficientes para atender a todos os alunos de 1o grau da rede particular de Niterói e àqueles que não conseguiram vagas na rede pública nem tem condições de pagar escola particular. Ao não expandir a sua rede, os prefeitos e secretários de educação na prática não só negaram um direito constitucional a todo cidadão – escola pública para todos – como favoreceram a rede particular, que só é procurada porque as autoridades não cumprem sua obrigação de oferecer escola para todos. (DAVIES, 2000) 6.8 AS RELAÇÕES DA FME COM O SETOR PRIVADO E COM A “SOCIEDADE CIVIL” Como pudemos ver, a FME tinha como um de seus objetivos parciais aparentes funcionar como uma “entidade privada” em determinadas áreas e atividades (incisos V, VI, VII e VIII do art. 59 do Decreto 6.172/91), como para a venda de material didático, tecnologias, cursos de formação para outras redes, dentre outras formas de arrecadação. Na entrevista com a professora Maria Inês, por exemplo, ela afirma que a arrecadação financeira era um dos principais vetores quando da criação da FME. Ainda que esse objetivo não tenha saído de fato do papel, ao longo desses mais de vinte anos de existência a FME aproximou-se em diversos momentos e de diversas formas do setor privado, estabelecendo convênios, contratando projetos e programas e mesmo comprando materiais e/ou cursos de formação, além de pesquisas e serviços de consultoria de terceiros. Em termos de relações com a sociedade civil, parece que, apesar de prevista a existência de conselhos e outros órgãos colegiados deliberativos ou consultivos, a inclusão inicial do próprio SEPE e da FAMNIT (Federação das Associações de Moradores) no cotidiano da administração educacional do município (FARIA, 2008), de acordo com algumas entrevistas – em especial as realizadas com os professores –, não houve uma aproximação real com os anseios da categoria organizada através de seu sindicato representativo (o plano de carreira específico demorou para ser aprovado e até 105 os dias atuais segue incompleto e em debate) ou de outras organizações que não as empresas e ONG's, OSCIP's ou OS's (vide a Lei Municipal 2.884, de 29/12/2011, ou mesmo o já mencionado Decreto Criança na Creche). Nesse sentido, também podemos citar os contratos firmados para consultorias com a Fundação Getúlio Vargas ou a Fundação Darcy Ribeiro, com a Lego para o fornecimento de materiais paradidáticos ou com a Editora Melhoramentos para oferta de “kit’s de leitura” para os alunos da rede e as constantes paralisações e greves organizadas pela categoria e o SEPE a favor de mudanças no Plano de Cargos Carreiras e Salários, que são debatidas desde a criação da FME e motivos de diversos conflitos entre ambos. Na mesma linha filosófica que instituiu os órgãos colegiados citados acima, em 1993 foram criados pela Lei Municipal 1.210 de 14 de setembro de 1993 os Conselhos Escola/Comunidade (CEC's), constituídos pelo diretor da unidade escolar e pelos representantes eleitos dos professores, dos funcionários, dos pais, dos alunos e representante da associação de moradores local. O CEC tinha como objetivo, segundo a lei, promover a gestão participativa e envolver os diferentes segmentos da comunidade no planejamento, acompanhamento e avaliação da proposta educacional, no âmbito de cada unidade escolar (FARIA, 2008). Em suma, a aproximação entre Estado (governo) e a sociedade civil se deu de maneira ampla e difusa sob a administração fundacional em Niterói e, apesar de muitos avanços anteriores à criação da FME (e alguns concomitantes ao período inicial desta), no que tange aos espaços decisórios democráticos e processos transparentes e democráticos para o tocante ao cotidiano das escolas, não parece que em Niterói os patamares da gestão democrática sejam diferentes do que se pode encontrar em outros municípios brasileiros com alto IDH, pois ao mesmo passo em que há eleição para o cargo de direção da unidade escolar, não há limite de reconduções, como já vimos, o que abre enormes brechas para que verdadeiras dinastias se instalem em algumas escolas. Além disso, ao mesmo tempo em que existem os conselhos e outros órgãos deliberativos ou consultivos (como o Conselho Diretor ou o Conselho Fiscal, previstos no Regimento Interno e compostos com representação da “sociedade civil”), não parece haver um verdadeiro poder destes sobre a aplicação das verbas relativas à educação, como demonstrou Davies (2000) citado alguns parágrafos atrás. 106 Pode-se concluir disso que a aproximação com a “sociedade civil” organizada parece ter sido direcionada aos interesses conjunturais de cada período. Se inicialmente havia um “enorme esforço” por parte dos gestores públicos municipais em fazer da administração pública educacional de Niterói a mais democrática possível (FORTUNA, 2000), com o passar dos anos e as mudanças de presidentes, chegou ao cargo e chefia desta até mesmo alguém que é contra a eleição de diretores e que considera um dos maiores problemas para a educação municipal a política sindical (ver citação da entrevista de Cláudio Mendonça neste capítulo). No último mandato analisado nessa pesquisa, também ocorreu uma das maiores polêmicas do período mais recente na educação municipal de Niterói no que se refere às aproximações entre as esferas pública e privada. Através da Lei Municipal 2.741 de 9 de agosto de 2010 instituiu-se o programa Adote uma Escola, no qual a prefeitura cedia espaço para propagandas e logomarcas de empresas nos uniformes escolares, muros das unidades, entre outras benesses que vinculavam empresas a uma ou outra escola adotadas por estas. A fundação receberia esta em troca a manutenção das unidades municipais de educação, permitindo inclusive a inserção de mão de obra remunerada pelas empresas adotantes nas escolas e a utilização dos dados fornecidos pelas famílias para o envio de propagandas direcionadas e divulgação dos benefícios realizados nas escolas. O projeto foi apresentado por iniciativa do então presidente da FME, Cláudio Mendonça e a rejeição por parte do servidores organizados no SEPE e da comunidade escolar fez com que a mesma câmara de vereadores que aprovou-o, revogasse-o em menos de dois meses. Talvez este fosse um de nossos maiores interesses nessa parte da pesquisa, mas a proposta acabou não saindo do papel e a Lei n o 2.741, em menos de cinquenta dias após ser publicada, foi revogada através da Lei Municipal 2.747 de 29 de setembro. 107 6.9 O PROGRAMA EDUCAÇÃO INTEGRAL DA FME O interesse em escrever sobre o Programa Educação Integral da prefeitura de Niterói e comandado pela Fundação Municipal de Educação é, de certa forma, mostrar que as práticas utilizadas para a implementação desse programa, apesar de todos os elementos de aproximação com o setor privado que descreveremos a seguir – como aluguel de clubes para servirem como espaço das atividades do contraturno, contratos precarizados e temporários com os profissionais que nele atuaram –, não dependeram do fato de existir uma fundação em Niterói, uma vez que a regulamentação geral pertinente permite o mesmo, sob quase todos os aspectos, às secretaria municipais Brasil afora. Esse programa em Niterói iniciou-se como projeto apenas dois anos antes de ser implementado, ou seja, o período experimental do mesmo fora curto e realizado em apenas uma unidade escolar com condições privilegiadas de acesso a um equipamento público que favorecia a oferta das atividade do contraturno, no caso, a Escola Municipal Maestro Villa-Lobos na Ilha da Conceição, separada apenas por um portão do Centro Social Urbano do mesmo bairro. O atraso para o início do projeto (outubro de 2009) certamente foi responsável pelo atraso em tê-lo como um projeto amplo que atendesse o conjunto da rede municipal, o que viria a ocorrer apenas em meados de abril/maio de 2011 com sua transformação em programa e, ainda assim, para muito menos que o conjunto da rede e com menos atividades do que as que estavam previstas no escopo do programa – as aulas de natação, por exemplo, não ocorreram em nenhum dos polos. Para além das questões cronológicas, que determinaram, sem dúvida, alguns problemas observados, havia um rol de diversos elementos concorrentes para uma boa execução do programa por parte da FME que se encaixam no que situamos no início deste item: o aluguel de clubes, a contratação de pessoal sob regimes diferenciados daquele praticado com os profissionais efetivos da rede, bem como a pouca presença destes últimos, a logística de transporte e alimentação dos alunos fora do espaço escolar, 108 a relação entre os polos (clubes) do programa e as escolas atendidas, entre outras. Entre estes aspectos citados acima, os que nos interessam mais tem a ver com a utilização de espaços privados para a realização das atividades e o problema da logística de transporte dos alunos, visto que o primeiro chama atenção pelo fato de que foi privilegiado o contrato entre a FME e instituições privadas – os clubes – em vez de se buscar melhorias nos espaços das próprias unidades escolares ou em equipamentos públicos próximos às comunidades atendidas; e o segundo deixa ainda mais evidente o problema da distribuição geográfica da rede, já citado em item anterior a este capítulo, uma vez que os alunos do programa utilizavam os poucos ônibus escolares do município ao mesmo passo que não há serviço de transporte escolar regular para conduzir alunos entre bairros de moradia e estudo. Portanto, apesar de o Programa Educação Integral ser uma iniciativa que já tinha outros precedentes e exemplos vindos de outros municípios, estados e até do governo federal (Segundo Tempo, Mais Educação), ainda assim ele nos dá demonstrações de que construiu-se uma relação íntima entre o poder público e o setor privado no tocante às políticas educacionais na cidade de Niterói; de que, apesar da rede escolar ser pequena, a estrutura existente não consegue cobrir as necessidades de alguns projetos (quiçá nem do dia a dia da rede); e, por fim, de que os vínculos trabalhistas e pedagógicos dos contratados para a realização de tal projeto foram tão efêmeros quanto o próprio, visto que apenas seis servidores efetivos da rede municipal trabalhavam nele (Pustiglione, 2012). 109 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sempre quando se inicia uma pesquisa e coloca-se questões a serem respondidas, espera-se que ao final do estudo pelo menos uma parte delas tenham sido respondidas. Neste item tentaremos sintetizar aquilo que pudemos alcançar, conscientes de que muito ainda está por ser respondido. Ressaltamos de início que, do ponto de vista da análise documental, essa pesquisa sofreu de um mal que muitas outras sofrem: a falta de arquivos organizados, tanto da parte do poder público, como das entidades sindicais e/ou de organização da sociedade civil. Sendo assim, a essência das respostas e indícios que conseguimos vieram majoritariamente das entrevistas semiestruturadas realizadas com as pessoas que estavam envolvidas diretamente com a criação e desenvolvimento da Fundação Pública Municipal de Niterói. Ouvimos quem esteve à frente da gestão da fundação, da secretaria (dos dois ao mesmo tempo ou em períodos distintos), quem atuava na Câmara Municipal, no Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação ou em atividade nas escolas dessa rede municipal. Dito isso, podemos nos lançar a algumas conclusões ou, minimamente, considerações mais criteriosas sobre o objeto de estudo posto. Niterói é uma cidade importante no contexto fluminense, tendo já sido a capital do antigo Estado do Rio de Janeiro até 1975 – ano da fusão deste com o Estado da Guanabara, quando a capital foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Essa importância (e o antigo status de capital), serviu para que a cidade fosse muito bem assistida de equipamentos públicos construídos e mantidos pelo governo estadual, dentre os quais destaca-se uma importante rede estadual de ensino, que abriga no segundo segmento do ensino fundamental o triplo do número de matrículas da rede municipal e se põe em pé de igualdade com a grande rede privada que há nessa cidade. (vide quadro 1 do capítulo 6) 110 Para o interesse desta pesquisa, esse é um dado dos mais relevantes, uma vez que é notório que o crescimento da rede municipal não acompanhou o ritmo do crescimento das redes municipais de outras cidades, de porte semelhante ou não, pois, principalmente após o advento do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), diversas prefeituras passaram a assumir matrículas das redes públicas (estaduais) e construir novas unidades educacionais, o que não ocorreu em Niterói na mesma escala. Dessa maneira a FME/prefeitura ficou em posição “confortável” no tema da expansão da rede municipal, já que ao mesmo tempo há uma enorme rede privada e também uma grande rede estadual, resquício ainda do período no qual Niterói foi capital. É interessante notar, ainda nesse meandro, que todas as transferências da rede estadual para a prefeitura de Niterói partiram de iniciativas do governo do Estado ou da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), com exceção da tentativa de municipalizar os CIEP’s feita pela então secretária de educação e presidente da FME Lia Faria, rejeitada por Jorge Roberto da Silveira e pelo secretário de Fazenda à época, e de algumas escolas estaduais incorporadas ao final do mandato do ex-prefeito Godofredo Pinto. Esses são elementos que, para além de explicar a pequena expansão da rede pública municipal e da importância de Niterói no contexto político estadual, também nos dão indícios de que alguns dados positivos conquistados por essa rede também se devem ao fato de ser uma rede pequena, na qual as ações podem ser mais precisas do que quando se tem a necessidade de atender mais de uma centena de escola, como ocorre em municípios do mesmo porte de Niterói. É importante relembrar que, apesar de alguns aspectos positivos da rede terem sido construídos ao longo desses anos de existência da FME, se focarmos nosso olhar sobre o índice oficial da avaliação da educação básica, o IDEB, Niterói está em uma colocação ruim, 58o, inferior a muitas cidades de IDH e arrecadação financeira menores. Alguns desses dados, aliás, não necessariamente são positivos por responsabilidade direta da gestão educacional da cidade, pois como vimos, a rede privada é imensa e maior que a rede pública, se somarmos a educação infantil e o ensino 111 fundamental ofertada pelas três esferas governamentais (municipal, estadual e federal). Refiro-me ao ótimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, uma vez que mesmo tendo caído no período da década de 1990 até os dias de hoje, ainda se mantém “muito alto” (uma das 44 de todo o país dessa categoria), sendo o 1 o no Estado e 7o no país. A arrecadação municipal também é relevante, sendo a 5a cidade do Estado nesse quesito. A Fundação Municipal de Educação certamente pode ser incluída no rol de inovações que o ex-prefeito trouxe à cidade no início da década de 1990, tal como mostramos no capítulo 5. Havia uma atmosfera favorável ao experimentalismo e, no caso da educação, a opção foi criar a FME, pois, ainda que isso acabasse por criar uma aresta que em parte se colocaria contra essa proposta, parecia haver a necessidade de que a administração de JRS deixasse marcas – o que foi citado pelas professoras Lia Faria e Maria Inês de Oliveira em entrevistas concedidas para esta pesquisa. Esse é um indício importante para uma das questões que nos colocamos sobre os argumentos decisivos para se criar uma fundação em vez de manter o esquema tradicional com a SME, pois faz-nos parecer que, se os critérios centrais para essa tomada de decisão foram de ordem jurídico-administrativa e menos políticos, nem por isso os impactos nesse campo são menos relevantes. O questionamento à criação da fundação foi principalmente de ordem política. Julgava-se ter a fundação (qualquer fundação) um caráter “privatizante” a priori. Dessa forma, ou JRS não tinha a noção completa do significado de sua ação naquela conjuntura e os reflexos que ela geraria, ou estava antecipando (em alguns anos) uma tendência que posteriormente se difundiu, de medidas heterodoxas do ponto de vista dos partidos localizados mais à esquerda do espectro ideológico. Dizemos isso, pois, entre os que criticavam, havia um temor de que a administração pela fundação possibilitaria uma relação mais “íntima” com o setor privado ou um distanciamento entre a gestão pública da educação e os profissionais, estudantes e famílias que atuavam ou eram atendidos pela rede municipal. Como nos indicou Arosa (2011), havia, entre a declaração e a execução do modelo de gestão praticado, um conflito entre práticas e concepções de inspiração burocrática e de certo 112 “gerencialismo” que aparece de modo mitigado em meio a um discurso democratizante. Como pudemos verificar no último capítulo, houve uma resistência muito grande e organizada contra a criação da FME, tanto por parte de personalidades intelectuais e políticas, como por parte do movimento organizado dos trabalhadores em educação da rede municipal e, ao enxergar alguns desses elementos citados anteriormente, um setor desses profissionais do quadro da SME optou por resistir à mudança para a FME, mesmo após a aceitação maciça do restante da categoria. Ainda que tenham sido inicialmente poucos servidores e que com o passar dos anos a aposentadoria ou saída da rede de alguns esse número tenha diminuído ainda mais, o fato político (e jurídico) causado por essa resistência gera reflexos até os dias atuais e faz com que a SME ainda tenha um quadro de profissionais que atuam nas escolas da rede e não apenas nas funções administrativas e cargos comissionados como se planejava inicialmente. Realmente, no período inicial da fundação, era possível identificar uma série de ações que indicavam esse sentido posto pelos críticos, afinal os servidores nela lotados passaram a ser parte de outro quadro que não o da prefeitura municipal, com salários diferenciados destes (ainda que no primeiro momento isso tenha sido positivo, pois passaram a ganhar melhor que os demais servidores municipais), a fundação poderia – e ainda pode – licitar independentemente, bem como administrar sua própria verba sob responsabilidade exclusiva de seu presidente. Esse ímpeto da parte da gestão municipal em modernizar a administração pública sob os preceitos “gerencialistas”, mirando na Reforma Administrativa que se avizinhava em nível federal e já começava também em outros estados e municípios, em lugar de ganhar fôlego com o passar dos anos, foi perdendo parte do sentido que tinha inicialmente. Isso se deu por uma série de razões, entre as quais, citamos: a não efetivação de alguns preceitos legais que figuravam nos principais projetos de reforma do aparelho estatal, mudanças feitas sobre alguns dos preceitos que foram regulamentados de maneira diversa ao que se acreditava que iria ocorrer e ações judiciais que podem ser consideradas consequências dos motivos anteriores, mas na prática, garantiram na área trabalhista que a diferenciação entre o quadro da SME e da FME deixasse de ser possível. 113 Independente da condição de “pioneira” da FME e das disputas que gerou, o que acabou ocorrendo em sua prática cotidiana não foi diferente do que ocorreu em outras cidades que mantiveram a estrutura administrativa convencional da educação municipal. Como vimos no Capítulo 4, em inúmeras cidades brasileiras a cessão de responsabilidades educacionais para agentes do setor privado, por meio de compra de pacotes e materiais didáticos e até mesmo de serviços de gestão, passou a se dar independentemente do formato da estrutura governamental. É preciso destacar ainda uma peculiaridade do perfil de uma parte dos gestores da cidade e da educação que, justamente por sua extração partidária e/ou ideológica, em especial os que estiveram à frente de SME e FME nos primeiros tempos, por mais que tenham aderido à sua criação, não permitiram que os conteúdos e possibilidades mais tipicamente “gerencialistas” ou privatizantes fossem priorizados, ao contrário dos que estiveram à frente do cargo nos dois últimos mandatos de Jorge Roberto da Silveira. Grosso modo, significa afirmar que no início do período de administração fundacional, pessoas identificadas com a educação pública foram convocados à tarefa de administrála e com o passar dos mandatos, foram assumindo a função pessoas menos identificadas com a defesa da educação pública e/ou originados nela, fosse como professores(as) ou em outras funções pedagógicas e administrativas em escolas ou universidades. O experimentalismo nessa direção foi muito baixo se comparado, por exemplo, com prefeituras do estado de São Paulo já citadas nos capítulos anteriores. Algumas medidas da FME ao longo desses poucos mais de vinte anos de existência, ao contrário de serem medidas “gerencialistas” ou excludentes, acabaram por tornarem-se referências democráticas, como no caso das eleições diretas para a direção das escolas municipais, a implantação da avaliação continuada (embora questionada) e dos ciclos. Outra medida favorável à rede municipal se dá no atendimento de alunos portadores de necessidade educacionais especiais (PNEE), área na qual não só as entrevistas afirmaram o vanguardismo do trabalho como também os bons índices e a procura de famílias que moram em outros municípios e chegam a se mudar para a cidade em busca dessa qualidade no atendimento público. Sendo assim, há duas reflexões importantes que ao final deste trabalho queremos reter. Uma delas relaciona-se com essa contradição (ou disputa) entre os que assumiram 114 os cargos de gestão da educação municipal e a estrutura que se intencionou criar com a FME, pois, se é verdade que esse grupo de gestores não impediu a criação da FME com todo seu perfil, em tese, “gerencialista” e privatizante, é verdade também que Niterói nunca tornou-se um exemplo nacional de modelo neoliberal de como administrar uma rede municipal de educação. O que houve foi uma acomodação no que diz respeito à estrutura, afinal como já vimos, nem as entidades e setores que se opunham à criação da fundação continuaram uma movimentação pelo seu fim e/ou o retorno da administração da educação à SME. A outra reflexão parte de uma constatação que ao longo de toda a dissertação apareceu diversas vezes: os tamanhos da rede privada (enorme) e da rede municipal (muito pequena). A expansão da segunda, que apesar de estar incluída entre os objetivos da FME no decreto que a cria e no Regimento Interno, foi muito pequena conforme os números demonstraram. Ao longo do trabalho apresentamos algumas hipóteses para o não crescimento da rede e, nessas considerações finais, queremos destacar a questão do tamanho da rede privada. Conforme citado no capítulo 6, até para os padrões do estado do Rio de Janeiro, que tem no geral uma rede privada significativa, Niterói se destaca pelo grande número de escolas privadas quando comparado a outros municípios com número total aproximado de escolas de ensino fundamental, sejam municípios vizinhos, bem como na comparação com os demais municípios fluminenses. Conforme também já citado no Capítulo 6, essa distorção da dimensão das redes pública e privada em Niterói fica ainda mais evidente quando cotejamos os seus números com a média nacional de atendimento por rede. Portanto, nosso estudo mostrou que as administrações municipais em Niterói, conseguiram dar conta dos problemas cotidianos da rede escolar. Implementaram algumas inovações importantes, outras questionáveis e outras que fizeram a FME servir ao jogo político da distribuição de cargos em comissão entre os partidos aliados. Mas, acima de tudo, essas administrações nunca pautaram a sério e com a devida prioridade a questão da expansão da rede municipal de ensino, permitindo assim (por inação) o surgimento de escolas privadas de qualidade questionável que atendem setores que não podem pagar pelas escolas tradicionais daquela cidade, mas que também não 115 conseguem encontrar vagas próximas às suas casas na rede municipal, que não cresce, ou na estadual que diminui. É então urgente que as reflexões e ações daqueles que atuam na/sobre a rede municipal de ensino daquela cidade caminhem no sentido de pensar soluções para o problema da distribuição e tamanho das redes públicas, em especial da rede pública municipal de ensino fundamental. 116 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADRIÃO, T.; GARCIA, T.; BORGHI, R.; ARELARO, L. Uma modalidade peculiar de privatização da educação pública: a aquisição de “sistemas de ensino” por municípios paulistas. Educ. Soc. [online], v. 30, n. 108, p. 799-818, 2009. ALGEBAILE, E. 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Justifique. 7 – Como você enxerga a relação entre FME e SME? 8 – Como ocorre(u) o processo de municipalização do ensino fundamental em Niterói sob a administração da FME e antes dela? 124 ROTEIRO DE ENTREVISTAS COLETIVAS COM PROFISSIONAIS DA REDE EM ATIVIDADE NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO SME/FME 1 – Como e quando vocês lembram ter surgido a proposta de passar a administração da rede municipal de Niterói da SME para a FME? Qual foi a impressão que a notícia gerou? 2 – De que maneira vocês participaram desse processo de mudança na administração da educação municipal? 3 – Como/Qual foi a abordagem da administração municipal nesse processo como um todo e para convencê-los a transferirem-se de quadro? 4 – Qual foi o fator determinante para que vocês aceitassem (ou não) a mudança de quadro funcional? 5 – Quais foram os impactos desse processo? 6 – Ao longo dos anos, foi possível perceber alguma diferença na forma de administrar a rede municipal através da FME quando comparada aos tempos de SME? Qual(is)? 125 ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA COM DIRIGENTES DO SEPE/RJ 1 – O SEPE participou do processo de debates que culminou com a criação da FME? De que maneira(s) e convocado/provocado por quem? 2 – Quais foram as posições defendidas internamente na direção do SEPE? Todas chegaram ao conhecimento da categoria representada? 3 – Qual foi a decisão final do SEPE sobre o tema da FME? Foi deliberada em que instância(s) e tornada pública de que maneira(s)? 4 – Em que momento e por que a discussão se arrefeceu no SEPE e tornou-se “normal”/”natural” o convívio com o novo órgão dirigente da educação municipal? 5 – Quais foram as principais alterações notadas nas relações com o SEPE, nas relações laborais com os profissionais e com as escolas da rede? 126 Cadastro de Entrevistados Nome: ________________________________________________________________ Idade: ______ Ingresso na rede municipal de Niterói (ano/função): ____________________________ Saída da rede municipal de Niterói (ano/função): _______________________________ Motivo da saída: ________________________________________________________ Quadro funcional: ( ) FME ( ) SME ( ) Outro Qual? ________________________ Contatos: ______________________________________________________________ PARA ENTREVISTADOS SEPE INCLUIR: Cargo na direção do sindicato à época: _______________________________________ Período de permanência na direção sindical: __________________________________ Vinculado a alguma organização política: ( )sim ( ) não Qual? ______________________________ 127 128 129 130 131 132 133 134 ORÇAMENTO MUNICIPAL DE NITERÓI - EXERCÍCIO 2011 135 136 137 138 139 140 141 142 143