UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FLAVIA FERREIRA DOS SANTOS
O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO
INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.
RIO DE JANEIRO
2º SEMESTRE DE 2010
1
Flavia Ferreira dos santos
O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO
INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.
01 volume
Tese de doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Neolatinas (Literaturas
Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Neolatinas (Literaturas Hispânicas)
Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri
Rio de Janeiro
Setembro de 2010
2
FICHA CATALOGRÁFICA
Santos, Flavia ferreira dos.
Os intelectuais e as massas/ Flavia Ferreira dos Santos. Rio de
Janeiro: UFRJ/Letras, 2010.
xi, 130f.: il.
Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri
Tese (Doutorado em Letras neolatinas) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2010.
Referências bibliográficas: f. 141-146.
1. Literatura espanhola. 2. Revistas Culturais. 3. Modernidade
– Teses. I.Cárcamo Arcuri, Silvia Inés (Orient.). II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras
neolatinas. III. Título.
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
Flavia Ferreira dos Santos
O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO
INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2010.
_________________________________________________
(Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri, Profa. Dra./ UFRJ)
_________________________________________________
(Ana Cecília Olmos, Profa. Dra./ USP)
_________________________________________________
(Gladys Viviana Gelado, Profa. Dra./ UFF)
_________________________________________________
(Julio Dalloz Aldinger, Prof. Dr. UFRJ)
_________________________________________________
(Luiz de Barros Montez, Prof. Dr./ UFRJ)
4
AGRADECIMENTOS
À CAPES pela bolsa concedida de março de 2008 até agosto de 2010.
À Coordenação do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da
Faculdade de Letras da UFRJ por todo apoio.
A minha orientadora, professora Doutora Silvia Inés Cárcamo Arcuri por todos
os ensinamentos e por me incentivar em todas as etapas da minha carreira acadêmica.
Aos meus amigos de curso que compartilharam esta longa caminhada.
5
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Aos meus filhos, Maria Luiza e João Guilherme, pois é deles que nasce a minha
força para superar as dificuldades. A todos os que cuidaram deles enquanto eu estava
escrevendo.
À minha mãe, que sempre foi o meu exemplo de vida pessoal e acadêmica, pelo
apoio em todos os momentos.
Ao meu pai, pela confiança e incentivo.
Ao meu marido pela enorme paciência e pela orientação em momentos
fundamentais nos quais eu não conseguia seguir adiante.
À minha família, aos presentes e aos que já se foram, porque sem o seu carinho
nada seria possível.
6
RESUMO
SANTOS, Flavia Ferreira dos. Os intelectuais e as massas: o papel da Revista de
Occidente no início da Segunda República. Rio de Janeiro, 2010. Tese
(Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo. Tese de Doutorado em
Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.
A leitura dos volumes referentes aos anos de 1930 a 1932 da Revista de
Occidente (R. de O.), uma das publicações culturais mais importantes da Espanha,
revelam uma preocupação constante com o aparecimento da massa não só como
fenômeno social que merece ser objeto de análise em si, mas também como ponto de
partida para reflexões estéticas sobre a literatura da época. Se em seu projeto inicial
(1923) a publicação se definia não como una revista “temática” – nem literária nem
científica – mas sim como um espaço de preocupação com as grandes questões da época
nos mais diversos campos do saber, cuja única área a ser evitada era a política, o
acirramento das lutas internas pelo poder na Espanha dos anos 30, que desemboca na
proclamação da República e, posteriormente, na Guerra Civil, implica em uma
readequação do projeto inicial da R. de O. à nova conjuntura. Cabe recordar que neste
mesmo período o seu fundador, José Ortega y Gasset, publicava um dos seus livros de
maior repercussão: A rebelião das massas. A partir do deslocamento do eixo crítico da
Revista do texto “A desumanização da arte” para “A rebelião das massas”, procuramos
observar como se construiu o conceito de “massa” nas reflexões teóricas da publicação e
na análise do contexto imediato do início da Segunda república. Por fim, pretendemos
estabelecer como a seleção textual da R. de O. provocou a ruptura do grupo de inicial de
colaboradores, além de constituir um discurso que forneceria elementos de suporte ao
futuro fascismo espanhol.
7
RESUMEN
SANTOS, Flavia Ferreira dos. Los intelectuales y las masas: el rol de la Revista de
Occidente en el inicio de la Segunda República. Rio de Janeiro, 2010. Tese
(Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo. Tese de Doutorado em
Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.
La lectura de los tomos referentes a los años de 1930 a 1931 de la Revista de
Occidente (R. de O.) revelan una constante preocupación por el surgimiento de la masa
no sólo como fenómeno social a ser analizado sino también como punto de partida para
reflexiones estéticas sobre la literatura de la época. Si en su proyecto inicial (1923) la
publicación se definía no como una revista “temática” – ni literaria ni científica – sino
como un espacio de preocupación por los grandes temas de la época en los más diversos
campos del saber, cuya única área a ser evitada era la política, el enconamiento de las
disputas internas por el poder en la España de los años 30, que culmina con la
proclamación de la República y la Guerra Civil, implica una readecuación del proyecto
inicial de la R. de O. a nueva coyuntura. Cabe recordar que en este período José Ortega
y Gasset publicaba su libro de mayor repercusión: La rebelión de las masas. A partir del
desplazamiento del eje crítico de la Revista del texto “La deshumanización del arte”
hacia “La rebelión de las masas”, buscamos observar como se construyó el concepto de
“masa” en las reflexiones teóricas de la publicación y el análisis del contexto inmediato
de comienzos de la Segunda República. Por fin, pretendimos establecer como la
selección textual de la R. de O. provocó la ruptura del grupo de inicial de colaboradores,
además de constituir un discurso que aportaría elementos de soporte al futuro fascismo
español.
8
ABSTRACT
SANTOS, Flavia Ferreira dos. The intellectuals and the masses: the role of the
Revista de Occidente at the beginning of the Second Republic. Rio de
Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo.
Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.
The reading of the volumes encompassing the years from 1930 to 1932 of the
Revista de Occidente (R. de O), one of Spain's most important cultural publications,
reveal a constant concern with the appearance of the mass, not only as a social
phenomenon which deserves to be an object of analysis in itself, but also as the starting
point for esthetic reflections about the literature of the time. If in its original project
(1923) the publication defined itself not as a "thematic" magazine – neither literary nor
scientific – but as space of concern for the great issues of the time in various fields of
knowledge, whose only area to be avoided was politics, the escalation of internal power
struggles in 30s Spain, which will culminate in the proclamation of the Republic and,
afterwards, in the Civil War, implies a readjustment of the R. de O.'s original project to
the new situation. It is worth recalling that, in this same period, its founder, José Ortega
y Gasset, published one of his most renowned books: The Revolt of the Masses.
Starting from the displacement of the Magazine‟s critical orientation from the text “The
Dehumanization of Art” to “The Revolt of the Masses”, we see how the concept of
“mass” was built in the theoretical reflections of the publication and in the analysis of
the immediate context of the early Second Republic. Finally, it is our intention to
establish how the textual selection of the R. de O. caused the rupture of the initial group
of collaborators, besides constituting a discourse which would provide support elements
to the future Spanish fascism.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
12
1ª PARTE: UMA HISTÓRIA DE INTELECTUAIS SEM MASSA
1. OS PRÓSPEROS ANOS 20 E A CONTURBADA DÉCADA DE 30
24
2. OS INTELECTUAIS E O FIM DA DITADURA DE PRIMO DE RIVERA
40
2.1 ANTECEDENTES
40
2.2 CHEGA A DITADURA
57
2ª PARTE: COMEÇA A REBELIÃO DAS MASSAS
3. METODOLOGIA
67
4. A MASSA
70
5. A MASSA NA REVISTA DE OCCIDENTE
73
5.1 A PSICOLOGIA DAS MASSAS
75
5.2 A CRISE DO ESTADO
84
5.3. VISTO Y OIDO
108
6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
122
7. REFLEXÕES PARA O FUTURO
127
7.1 O PAPEL DA LITERATURA
127
7.2 A VOLTA DA POESIA PURA
132
CONCLUSÃO
137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
141
ANEXO A
(CAPA)
148
ANEXO B
(PAG. ARTIGO)
149
ANEXO C
(PAG. NOTA)
150
ANEXO D
(PROPÓSITOS)
151
10
ANEXO E
(perfil da revista)
153
ANEXO F
(ALEMANHA)
160
ANEXO G
(ESTADOS UNIDOS)
167
ANEXO H
(RUSSIA)
169
11
La revista de Occidente quisiera ponerse al servicio de ese
estado de espíritu característico de nuestra época. Por esta
razón no es un repertorio meramente literario, ni ceñudamente
científico. De espaldas a toda política, ya que la política no
aspira nunca a entender las cosas, procurará esta revista ir
presentando a sus lectores el panorama esencial de la vida
europea y americana(...)
¡Claridad, claridad, demandan ante todo los tiempos
que vienen!1
1
ORTEGA Y GASSET, . Propósitos. Revista de Occidente no. 1, 1923.pag 2.
12
INTRODUÇÃO
La historia de nuestras revistas es la historia de nuestra
sociedad y sin esta historia no se explicarían ni la
formación de los grupos que la hacen, ni las
reagrupaciones que efectúan los individuos que los
componen, ni la ruptura que como grupos sufren.
(OSUNA,1986, 15).
O presente projeto surgiu como desenvolvimento natural da dissertação de
mestrado “A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação: um estudo do ano
de 1929”, por mim defendida em novembro de 2005. Como consequência, algumas
análises e conceitos incluídos neste texto se encontram em relação direta com o que
pesquisei anteriormente. Por este motivo, pareceu-me relevante assinalar brevemente
alguns aspectos essenciais do referido trabalho2.
A Revista de Occidente (R. de O.) foi uma das publicações culturais espanholas
mais importantes das décadas de 20 e 30 na Espanha. Fundada por José Ortega y
Gasset, publicou-se em edições mensais ininterruptas desde 1923 até 1936, ano em que
começava a Guerra Civil espanhola3. Durante este tempo o periódico se constituiu como
o canal de expressão de um grupo que, capitaneado pelo próprio Ortega, sentia-se unido
pelo anseio de discutir sobre os novos rumos da humanidade após a primeira guerra
mundial.
O desejo de captar “los síntomas de una profunda transformación en las ideas, en
los sentimientos, en las maneras, en las instituciones” (Revista de Occidente, t.i, 01)
levou a Revista a buscar o que de mais inovador havia em seu tempo. Entre suas
páginas encontravam-se artigos sobre as últimas descobertas em física, biologia,
2
A base deste texto é a conclusão da minha dissertação, com algumas partes alteradas por mim,
especialmente a inclusão de partes das análises do sub-capítulo 6.3 (A inovação política), com o objetivo
de facilitar a compreensão do leitor. Para a leitura completa ver SANTOS, F. F., “A Revista de Occidente
e suas estratégias de legitimação: um estudo do ano de 1929”
3
Denomina-se este período como “primeira etapa” pois a partir de 1963 ela é reeditada - primeiro sob a
direção de José Ortega Spottorno e depois sob a de Soledad Ortega - e se mantém até os dias de hoje.
13
astronomia, filosofia e obras literárias de escritores como Garcia Lorca, Pablo Neruda,
Franz Kafka, Eugenio O´Neill e outros.
A sua origem se deveu à necessidade, revelada por Ortega y Gasset a Fernando
Vela, secretário de redação da revista, de colocar o leitor espanhol ao corrente “de todas
las nuevas ideas en todos los dominios de la cultura” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972,
59). Este leitor era fundamentalmente culto, oriundo da universidade (estudantes e
professores) e de setores mais abertos de profissionais liberais, entre os quais se
reconhecia uma demanda por outras leituras além das estritamente universitárias e da
sua área de trabalho. Tal público se encontrava não só na Espanha, como também na
América Latina, para onde ia, segundo Fernando Vela, mais da metade dos 3.000
exemplares de cada edição, comprados pela editora Espasa-Calpe. (LÓPEZ
CAMPILLO, 1976, 66)
Para concretizar seus objetivos e seduzir este leitor interessado, propunha-se, em
suas palavras, como uma revista “temática”, “ni (...) un repertorio meramente literario,
ni ceñudamente cientifico”– cujo único assunto a ser evitado era as questões políticas, já
que a política “no aspira nunca a entender las cosas” (“Propósitos”, R. de O., t.i, 02).
Apesar do abrangente espectro de assuntos a revista possuía critérios rígidos. Não se
publicava qualquer novidade, pois não bastava ser “novo” para despertar o interesse
crítico. O “novo”, sem o crivo da qualidade, se confundia com a produção massificada,
favorecendo, “lo insignificante en detrimento de lo selecto y eficaz” (R. de O, t.i, 02).
Era preciso, portanto, selecionar e hierarquizar a informação de modo a tratar do que
realmente se considerasse relevante.
Dentro desta “seleção”, pretendia-se “atender às coisas da Espanha” e trazer as
novas idéias que chegavam da Europa e da América, não só através de seus
colaboradores nacionais como também dos estrangeiros. A inclusão de participações de
14
outros países tinha se tornado uma prática de quase todas as revistas da Europa e da
América, e, por isso, a Revista de Occidente, como demonstração de que estaria em
sintonia com as novas tendências, não poderia deixar de atuar da mesma forma.
Impulsionada pelos ventos de prosperidade dos anos 20, a publicação se
viabilizou materialmente como conseqüência do desenvolvimento do capitalismo na
Espanha e da consolidação do processo de autonomização do campo intelectual
nacional. Também cumpriu papel destacado na sua trajetória o acúmulo de experiências
do seu fundador, não só do ponto de vista do domínio tecnológico, ao lidar com os
recursos mais modernos da área, mas também em relação a uma rede de contatos
financeiros e intelectuais que serviram de suporte ao empreendimento. Em 1923 Ortega
era um dos intelectuais mais influentes de Espanha e um símbolo do discurso liberal
iniciado com os regeneracionistas, superando a influência da Geração de 98 e
inspirando os “novatos” da Geração de 27.
Apesar do considerável número de colaboradores, somente uns poucos
intelectuais escreviam assiduamente na publicação. Ao lado do ensaísta e do secretário
de redação, Fernando Vela, um seleto grupo de colaboradores garantiu o cuidado na
seleção e apresentação de textos na revista. A R. de O. tornava-se o veículo de
expressão dos anseios dessa “formação”, “modo de organização que representa um setor
fundamental das relações culturais da sociedade moderna” (WILLIAMS, 2000, 35).
As opções feitas pela R. de O. - a escolha de seu nome, os objetivos traçados no
texto de apresentação do primeiro número da R. de O., intitulado “Propósitos”4, a
seleção de textos e a forma de publicá-los – indicam, ao mesmo tempo, o posto que a
publicação pretendia ocupar e o distanciamento com respeito a outras forças do campo
intelectual. A partir da configuração imaginária de um mapa ocidental, que a incluía
4
“Propósitos” é um texto curto, uma espécie de manifesto, publicado na primeira página do primeiro
número da revista e que se encontra na íntegra no anexo D deste trabalho.
15
como portadora dos novos valores cosmopolitas do pós-guerra, a revista supera a velha
dicotomia “Europa X Espanha” e reivindica para o país a condição de campo intelectual
central, formador de opinião para outros campos.
A ousadia do novo empreendimento editorial de Ortega y Gasset logo se
transformou em um projeto sólido e reconhecido dentro do campo intelectual espanhol.
A partir de então a Revista se transformou em instância legitimadora de um cânone
estético, baseado no conceito do novo, revelado no ensaio orteguiano “A
desumanização da arte”, alheio a todo envolvimento político.
Tal discurso continha uma carga simbólica bem definida, pois ao mesmo tempo
que a publicação se apresentava como o lugar do novo e da pluralidade, estabelecia
critérios de delimitação do que entendia por novo e por plural. Ser portadora dos novos
valores contemporâneos não implicava publicar qualquer texto recente. Não bastava ser
novo para merecer destaque. Ao critério do “novo” devia- se agregar o da qualidade. O
papel da Revista como crítica consistia em selecionar e orientar a leitura do publico em
geral para aquilo que o periódico considerasse relevante. Esta dupla operação se
verificava através dos conceitos de “hierarquia” e “clareza”, definidos nos
“Propósitos”. Deste modo criava-se uma “aura de distinção” a partir da qual se definiam
incluídos e excluídos do cânone.
Contudo, as transformações políticas na Espanha, em curso durante os treze anos
de existência da R. de O., impediram que a publicação mantivesse as mesmas
preocupações ao longo do tempo. Na segunda parte da referida dissertação procurei
estabelecer as facetas deste discurso através da leitura dos volumes do ano de 1929, ano
emblemático da crise econômica mundial e auge da crise da ditadura do general Miguel
Primo de Rivera no país. No referido ano a revista se encontrava em um período de
16
transição, uma vez que seu projeto cultural “apolítico” já não respondia às demandas do
novo panorama social espanhol. Era preciso questionar-se sobre os caminhos a seguir.
Para Williams (2000, 196), “é característico de toda ordem social, como de toda
forma cultural ativa, que ela deva ser continuadamente produzida e reproduzida”,
provocando a existência de “contradições internas, desvios internos e, pois, mudanças
internas muito significativas”. Assim, é normal o surgimento de “formas novas” que
tanto podem ser “inovações” dentro da forma dominante como podem apresentar-se
como “formas emergentes”, que muitas vezes, se estabelecerão como novas formas
“dominantes” (WILLIAMS, 2000, 197). Normalmente, todo processo de substituição de
uma forma dominante por outra, ou de aparecimento de inovações dentro de uma
mesma forma dominante apresenta um período de transição que revela obras que
contém “uma simplificação dos elementos perturbadores da forma anterior”. Segundo o
crítico, o estudo de tais formas de transição é muito importante na medida em que não
deixa escapar “um dos elementos essenciais da produção cultural: a inovação no
momento em que acontece; a inovação em processo.” (WILLIAMS, 2000, 198) Assim
como uma forma dominante pode conviver com formas inovadoras e emergentes, pode
fazê-lo com aquelas definidas como “residuais”, que às vezes são “mantidas accessíveis
por determinados grupos, como extensão ou alternativa da produção cultura
contemporânea dominante” (WILLIAMS, 2000, 202).
Meu objetivo foi estudar que formas apareciam na Revista de Occidente no
referido ano como dominantes, residuais e inovadoras, que desafios enfrentava a
publicação e como por detrás dessas diferentes formas havia um projeto coerente que as
unificava. Naquele momento conviveram a poesia pura, como forma residual, a
biografia “romanceada”, forma dominante, e se anunciaram breves tentativas de
abordagem política explícita que se referiam aos problemas candentes de então.
17
Procuramos demonstrar a inserção deste tipo de abordagem a partir da análise de
duas notas, uma resenha de Manuel García Morente sobre o livro Historias de las
agitaciones campesinas andaluzas (R. de O., t. XXIII, 392-395) e um comentário de
Fernando Vela sobre um curso filosófico ministrado por Ortega y Gasset. (R. de O., t.
XXIV, 263-268)
A primeira nota se referia a uma das questões mais importantes para a
intelectualidade da época: o problema da reforma agrária. Como observamos então, o
discurso de Morente se caracterizava por um leve tom panfletário, destoante da isenção
acadêmica usual
Lo que si resulta admirable, en cambio, es la ignorancia con que los poderes
públicos y los eruditos sociólogos oficiales han acudido siempre a los
problemas críticos planteados, de cuando en cuando, con trágica agudeza, por
el campesino cordobés. [...] Mientras en Madrid y en las grandes capitales
negocian y trafican gozan y padecen unos millones de españoles, sucede que
allá en las casas blancas apiñadas, [...] en los cortijos que motean en la
campiña, en las callejas de los suburbios urbanos, viven otros millones otra
vida totalmente diferente y sin relación con la primera [...](R. de O, t.xxiii,
395)
Este tom se acentuava com uma pergunta e uma conclusão, que mais se
assemelhavam a um chamamento à unidade nacional
¿Cómo remediar esta trágica insolidaridad? [...] Lo primero de todo
conociéndonos. Debemos conocernos los españoles [...] Y luego después de
conocernos organizarnos, esto es, no uniformarnos, sino dejar que todas esas
vidas vivan por sí, pero estableciendo entre ellas articulaciones orgánicas, cuyo
total sea la nación española. (R. de O., t.xxiii, 395)
A segunda nota se refere a um curso de filosofia organizado por Ortega y Gasset
depois de renunciar à sua cátedra da Universidade de Madri. O episódio remonta a um
decreto de Primo de Rivera de 1928, que concedia às universidades católicas o direito
de dar a seus alunos o diploma universitário sem que estes tivessem que se submeter a
uma avaliação de uma universidade laica. O ato desencadeou a reação da F.U.E.
(Federación Universitaria Escolar), tipo de sindicato estudantil clandestino, e, devido
18
aos choques constantes, o governo fechou a referida universidade de março de 1929 a
outubro de 1930.
Como conseqüência, alguns professores renunciaram às suas cátedras, entre os
quais o próprio José Ortega y Gasset (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 131). O curso,
ministrado pelo professor demissionário, pretendia ser uma demonstração de força, de
que seria possível mobilizar outras pessoas fora do âmbito universitário para tratar de
filosofia. Dessa forma, os comentários de Fernando Vela, sutis, escondem um ar de
“desforra” pelo êxito, apesar das circunstâncias desfavoráveis.
El suceso ha rebasado la primera fila de los diletantti profesionales. [...] Al
periódico que reseñó por extenso las lecciones, piden ejemplares hombres
oscuros de oscuros pueblos. No se sabe hasta donde llega una semilla. [...]
Alabemos la perspicacia del que, seguro del disparo, nos ha revelado
qué cosas son ya posibles en España [...] No sé qué cosa es más importante: si
la nueva filosofía de Ortega o esa revelación casi mágica de una realidad
española diferente de la que alimentaba nuestro pesimismo y nuestra pereza.
(R. de O., t. xxiv, 263)
Como consequência dessa nova situação Ortega faz um chamamento à minoria
egrégia, os intelectuais, para assumirem os desafios impostos à sua geração.
“[...] Ortega nos decía: „Nuestra nación ha llegado a un momento feliz de su
interno desarrollo... Cuanto depende de las circunstancias es inmejorable.
Ahora se va a ver si lo que depende de los hombres, de su capacidad
intelectual y moral, está como suele decirse, a la altura de las circunstancias‟.
(R. de O., t. xxiv, 264)
O desejo de se pronunciar sobre um período politicamente “fervilhante” do país,
que já se manifestava nas notas de 1929 e que foi timidamente ensaiado no surgimento
da seção “visto y oído”5, em 1931, colocava a R. de O. ante um dilema. Opinar sobre os
conturbados acontecimentos significava abandonar a eficiente tática de “evitar a
política”, um importante recurso empregado pela revista para legitimar seu posto dentro
do campo intelectual, e garantir uma certa pluralidade de colaborações. Aparentemente,
5
“Visto y oído” foi uma seção publicada nas edições de maio, junho e setembro, incluída dentro do
espaço dedicado às notas, que abria espaço ao comentário de assuntos mais pragmáticos e menos teóricos,
como veremos na segunda parte desta tese.
19
ao extinguir a referida seção a publicação optava pela volta ao projeto inicial, abstendose de debates cruciais sobre o futuro do país.
Contudo, a questão não é tão simples e se esconde sob uma falsa polêmica.
Embora se autodenominasse apolítica, toda instituição é política no sentido de que
forma parte da organização social de um estado. O discurso “apolítico” é, como afirma
EAGLETON (1997, 268) sobre as teorias literárias, em última instância, político. O
desejo de oferecer um espaço de conhecimento e debate ao público culto espanhol
formou, desde o início, parte de um projeto político que se tornou anacrônico, e, por
isso fracassado, após 1930, construído por um setor da intelectualidade espanhola
simbolizado por Ortega y Gasset, de educação estética das minorias que conduziriam o
destino da nação.
A partir das estratégias de seleção e orientação da leitura, definidos nos
princípios de hierarquia e clareza, a R. de O. construiu o seu discurso, baseado na
sustentação teórica da fenomenologia. e no desejo de estabelecer o lugar do homem e da
verdade na sociedade moderna. Ao centrar o seu debate no indivíduo a poesia pura e a
biografia se destacaram como formas dentro da publicação, pois correspondiam ao
protagonismo do indivíduo e aos conceitos de pureza dos pressupostos filosóficos de
Ortega6. Em seu famoso ensaio “La deshumanización del arte” interessava ao ensaísta a
arte como precursora das novas tendências de ação e pensamento do homem do século
XX. Evidentemente, um projeto de “educação estética” tão “contemplativo” não poderia
se manter no centro das discussões do campo intelectual durante a Segunda República e
a Guerra Civil, momento em que se necessitavam ações e propostas mais concretas.
6
É preciso destacar que o objetivo de nosso trabalho consistia em observar como a publicação se
apropriava dos diversos textos publicados para construir o seu discurso. Sendo assim, a nossa análise de
questões suscitadas por um texto filosófico ou literário (fosse a teoria da relatividade ou um poema de
Jorge Guillén) publicado na R. de O. estava diretamente ligada à leitura que a publicação fazia do referido
texto.
20
Isto não significa afirmar que a publicação não se alterou. A inserção em 1931
da seção “Visto y oído” e a criação, no mesmo ano, da coleção “Libros de política” pela
editora R. de O. denotam o anseio de seus colaboradores de se manifestar sobre
problemas da sociedade espanhola da época. Embora o estudo do ano de 1929 não fosse
conclusivo sobre o comportamento da R. de O. durante os anos da Segunda República
pôde nos induzir a algumas reflexões.
Assim, o chamado “giro estético de 1930”, - em vez de ser propriamente uma
transformação real de objetivos se apresenta como uma reorganização interna do projeto
inicial, que precisava se adaptar às novas condições do campo intelectual espanhol e do
contexto histórico que o determinava. A R. de O., como veículo de expressão de um
grupo, alçou tímidos vôos em direção aos problemas mais emergenciais da Espanha,
cujas origens aparecem, modestamente, nos volumes de 1929, para depois, talvez,
recuar e voltar a ser o “recinto tranquilo y correcto” (“Propósitos”, R. deO., t. i, 03) tão
almejado na primeira edição.
Cabe pensar se realmente a Revista conseguiu se ausentar do calor das
discussões políticas após 1930, e perguntar pelas conseqüências da manutenção de um
projeto “cultural e apolítico” entre 1931 e 1936. Ao desistir da seção “visto y oído”
deve-se perguntar por que a revista se calou se tinha algo a dizer. Como todo discurso
político o silêncio é também uma forma de manifestação. O estudo do ano de 1929 não
pôde fornecer conclusões, mas despertou a pergunta pelo que significou o “silêncio” da
revista a partir de então.
Foi a partir desta pergunta que propusemos inicialmente o estudo dos volumes
da R. de O. de 1930, ano apontado pela crítica como o de uma mudança estética dentro
do projeto original, até 1936, último ano de publicação da sua primeira fase. No entanto
devido à limitação temporal, limitamos o nosso estudo até o ano de 1932, concentrando
21
nosso foco no período de transição do fim da Ditadura de Primo de Ribera até os anos
iniciais da 2ª República. Deste modo restringimos o nosso estudo a um relevante
período de intensa atividade polítca de Ortega y Gasset e seu grupo, marcado pelo início
da oposição política orteguiana à ditadura em 1929, passando pela intensa atividade
política de 1931 e concluindo com a posterior decepção com os rumos radicais do novo
regime, o que levou o filósofo a se “retirar” da vida pública em 1932.
É também neste período que Ortega publica La rebelión de las masas, um livro
que sintetiza a concepção do autor do papel do intelectual como representante de uma
minoria seleta responsável por guiar as massas no processo de contrução do Estado.
Frente à incapacidade das massas para guiarem o seu destino, a preocupação de Ortega,
situada no debate político do começo da Segunda República espanhola, procurava
estabelecer as bases do novo regime burguês, definindo as relações de poder inerentes
ao seu funcionamento. No entanto, o receio do poder da participação massiva que
implica um sistema democrático, o levou por caminhos no mínimo ambíguos, que se em
alguns momentos reafirmavam a importância da democracia, em outros excluíam a
massa das decisões de poder.
Conceitos como a defesa da guerra como cirurgiã da História, ou a ideia de que
há nações-massa, destinadas a serem subjulgadas pelas nações que guiam os destinos do
mundo eram no mínimo discursos perigosos em épocas de ascensão dos discursos
fascistas e nazistas. Nosso trabalho consistiu em analisar como nesse mesmo período o
discurso da R. de O. se aproxima das ideias contidas em La rebelión de las masas e se
distancia do seu outro ensaio canônico: La deshumanización del arte. Em outras
palavras, nosso objetivo foi estudar como, numa época de profundas transformações
históricas o eixo teórico da publicação de desloca do debate estético que exclui a massa
22
(a arte desumanizada) para a reflexão sobre exatamente o que era essa massa e como as
novas classes dominantes deveriam lidar com elas.
Eric Hobsbawn (2004, 07), no prefácio de Era dos extremos, afirma que “Não é
possível escrever a história do século XX como a de qualquer outra época, quando mais
não fosse porque ninguém pode escrever sobre seu próprio tempo de vida como pode (e
deve) fazer em relação a uma época conhecida apenas de fora, em segunda ou terceira
mão, por intermédio de fontes da época ou obras de historiadores posteriores” (2004,
07). O autor aponta, ainda, que “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos
sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos
fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX”. Por isso os
historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais
importantes que nunca no fim do segundo milênio. (2004, 13)
Acreditamos que tais afirmações são ainda pertinentes aos estudos do século
XXI e podem ser estendidas para além do território da história aos diversos campos do
saber em sua relação com o presente e em seus estudos historiográficos. Desde esta
perspectiva é que nos propusemos estudar a Revista de Occidente.
.
23
1ª PARTE
UMA HISTÓRIA DE INTELECTUAIS SEM MASSA
24
OS PRÓSPEROS ANOS 20 E A CONTURBADA DÉCADA DE 30
Esperamos poco a poco, corrigiendo en
cada número los defectos del anterior,
conseguir que algún día sea esta Revista el
recinto tranquilo y correcto donde vengan
a asomarse todos los espíritus resueltos a
ser claros. (Revista de Occidente, t. i, 03)
A Revista de Occidente, nos seus treze anos de existência, testemunhou uma
parte significativa da conturbada história espanhola do século XX. Entre 1923 e 1936
aconteceram no país nada menos que um golpe militar, uma experiência republicana e o
início de uma guerra civil de proporções arrasadoras, à qual a revista não sobreviveu.
Somou-se a estes fatos a ilusão do breve renascimento econômico mundial após a
Primeira Guerra e a decepção subseqüente, após a crise de 1929. Paralelamente, foi um
período de grande florescimento cultural, que vinha desde o final do século XIX, no
qual a atividade política dos intelectuais espanhóis aumentou progressivamente,
passando em alguns casos da simples “separação entre arte e política” ao convicto
engajamento, como no caso de alguns poetas da geração de 27.
Por ser um período complexo e de grandes impasses históricos, ainda que a
publicação
se
declarasse
não-política
nos
seus
“propósitos”,
tal
contexto
inevitavelmente incidiu sobre os seus rumos. Como afirma Bourdieu (1966, 144), devese entender a autonomia de um campo intelectual como parte um processo histórico
geral do qual o campo não se dissocia por completo, principalmente quando de trata de
períodos de maiores conflitos históricos. Justamente em tais épocas é que as relações
entre um campo intelectual e a história mais se enlaçam.
O surgimento da publicação antecedeu em poucos meses o golpe militar
executado pelo general Miguel Primo de Rivera, com apoio da monarquia de Alfonso
XIII, que colocaria fim a um regime parlamentar corrupto e, pelo menos em aparência,
25
traria prosperidade econômica ao país. As transformações políticas do período refletem
o acúmulo de tensões e conflitos entre um sistema arcaico de governo e uma crescente
burguesia de uma parte do país em modernização, aliado à profunda desigualdade
social, que remonta a períodos anteriores e aos quais nos referiremos em seguida.
Afirma Pierre Vilar (1992, 59) que “<A história contemporânea> do povo
espanhol começa, na realidade, com os seus primeiros esforços para se readaptar ao
mundo moderno.” Existia entre grande parte da intelectualidade espanhola do fim do
século XIX e início do século XX o sentimento de que a forma como se desenvolveu o
Estado espanhol, sobretudo a forte identidade entre o poder e a Igreja Católica, impediu
o desenvolvimento da Espanha como próspera nação capitalista. O atraso na
modernização das estruturas econômicas e de poder custou caro a esse país que não
acompanhou o desenvolvimento dos demais países, mas que, anacronicamente, ainda se
achava uma potência colonial no fim do século XIX. A perda das últimas colônias
americanas em 1898, na guerra contra os Estados Unidos, se tornou um símbolo da
decadência espanhola.
O país viveu nos séculos XIX e XX o acirramento de um processo de lutas e
divisões internas fruto das disputas de poder entre uma oligarquia “terrateniente”
(representante do que ainda era a nobreza) e a nova burguesia enriquecida, reflexo da
luta histórica de superação política das estruturas feudais pelas formas capitalistas de
poder. Desde as tentativas de Carlos III de trazer o espírito da Ilustração ao país no
século XVIII, o poder da Igreja e da elite conservadora freou as propostas de mudanças
mais radicais.
Instituições medievais como a Inquisição e a Mesta (o sindicato de proprietários
de gado, que dispunha de privilégios reais) prolongaram a sua existência até o século
XIX. A desapropriação da terra concentrada nas mãos na nobreza e da Igreja, essencial
26
no processo de modernização capitalista, proposta desde Godoy (primeiro ministro de
Carlos IV), foi algumas vezes protelada e, quando levada a cabo, não promoveu a
distribuição da terra. Em vez de minifúndios trabalhados por pequenos proprietários, os
terrenos foram comprados pelos grandes proprietários, aumentando a concentração da
terra. Este era o perfil de Andaluzia, a região sul do país, de território fértil e população
miserável submetida às piores condições de exploração.
No outro extremo do desenvolvimento estava o nascimento de uma próspera
burguesia no País Vasco e Catalunha, na primeira região devido à indústria siderúrgica e
na segunda, a uma forte indústria têxtil. O crescimento demográfico e a conseqüente
urbanização fortaleceram-nas e provocaram o surgimento de um proletariado
organizado e a valorização de sentimentos regionalistas opostos à centralização do
Estado Espanhol desde Madri. A Espanha se tornara um espelho de desigualdades
sociais e conflitos internos.
No plano político, as reformas foram de tal modo adiadas que a luta entre o
velho e o novo sistema gerou um período de profundo desgaste do sistema monárquico.
Desde os Reis Católicos a “unidade espanhola” esteve atrelada ao papel da monarquia e
o aparecimento da Segunda República foi, sobretudo, o resultado da perda de
credibilidade daquela, dividida entre o desejo de modernização e aceitação do
capitalismo e a velha forma absolutista “católica” de poder (JACKSON, 1999, 25).
Assim, a Espanha viveu durante o século XIX um período de várias guerras fratricidas e
instabilidade.
No início do século XIX sofreu a disputa entre Carlos IV e Fernando VII, pai e
filho, que culminou com o exílio de ambos e a ascensão francesa do Imperador José I,
irmão de Napoleão Bonaparte, em 1808. Graças à luta do povo espanhol pela
Independência, Fernando VII voltou ao trono, mas, sob a “bandeira” do “ódio ao
27
francês”, governou no pior estilo da “contra-reforma”. Após a morte deste monarca, em
1833, surgiram as guerras Carlistas de disputa pela sucessão, na qual se enfrentaram
“conservadores”, em torno do irmão do rei, Carlos, e “liberais”, na defesa da filha do
monarca, Isabel. Uma vez concluída a luta e transformada a princesa em Isabel II, o seu
reinado demonstrou-se instável, e a rainha, devido aos seus hábitos escandalosos,
impopular. Em 1868, um golpe a afastou do poder e estabeleceu um governo provisório,
seguido pelo coroamento de Amadeo de Saboya e um curto governo republicano,
derrubado pela volta da monarquia e a subida ao trono do filho de Isabel II, Alfonso
XII, em 1875.
Não se pode compreender a história deste período sem destacar a participação
dos militares.
Entre 1833, en que comenzó la guerra carlista, y 1875, en que se instauró la
Monarquía constitucional, el ejército dirigió los destinos del país. El único
medio de cambiar de gobierno era el „pronunciamiento‟, una repentina
sublevación de un general, de común acuerdo relativamente poco sangrienta y
en torno al cual se agrupaban las fuerzas de oposición como única esperanza
de cambio. (JACKSON, 1999, 26)
Esta participação não só não diminuiu após 1875 como esteve presente em todos
os momentos de lutas internas do século XX, que culminaram com a ascensão do
General Francisco Franco em 1939. Além dos “pronunciamientos”, golpes militares que
se tornaram comuns na época, o exército muitas vezes garantiu a governabilidade
funcionando como aparelho repressor dos movimentos populares.
Desta forma, um “pronunciamiento” em Sagunto, em 1874, restaurou a
Monarquia Borbônica, na figura de Alfonso XII, e pôs fim ao continuo “vaivém” de
governos. Os anos da “Restauração”, nome dado a período que vai de 1875 a 1923,
representaram uma época de “relativa estabilidade”, garantida por uma manobra política
vislumbrada pelo político Cánovas del Castillo, do Partido Conservador.
28
Proclamou-se uma Constituição que estabelecia a monarquia parlamentar e
garantia certas liberdades de expressão. Este sistema, na verdade se transformou em um
pacto de governabilidade entre os Partidos Conservador e Liberal. Selou-se a alternância
de poder entre os dois partidos no parlamento e gerou-se um sistema eleitoral
profundamente corrupto, marcado pela fraude e pelo “caciquismo” nas cidades do
interior, que desmoralizou o regime constitucional e desferiu o golpe de morte na já
desgastada imagem da monarquia.
Tal “turno pacífico”, expressão como se tornou conhecido o arranjo, não podia
existir com o consentimento nacional, dada a insatisfação que este modelo gerava em
vários setores da população. Outrossim, o assassinato de Cánovas em 1897 por um
militante anarquista, fragilizou sobremaneira este sistema e os Partidos Conservador e
Liberal se desintegraram progressivamente até 1917 (JACKSON, 1999, 27). Os
protestos vinham de vários lugares.
Por um lado, tal alternância de poder excluía a participação de liberais não
ligados aos dois partidos e não refletia a crescente influência dos movimentos populares
- e com eles, o desenvolvimento dos movimentos anarquista e socialista – e
regionalistas. Nessa época surgiram as primeiras formas organizadas de atuação
proletária - como a primeira seção espanhola da Associação Internacional de
Trabalhadores (1871), a CNT (Confederación Nacional del Trabajo, 1911), sindicato
ligado ao movimento anarquista, o PSOE (Partido Socialista Obrero Español, 1879), a
UGT (Unión General de Trabajadores, 1888), sindicato socialista - e alguns partidos
regionalistas - a Lliga regionalista (nacionalismo catalán, 1901) e o PNV (Partido
Nacionalista Vasco, 1894).
Dois fortes movimentos populares sacudiram o período: a semana trágica de
Barcelona em 1909 e as Greves Gerais de 1917. Após a perda de Cuba, os militares se
29
concentraram na manutenção dos territórios espanhóis no norte da África, em Marrocos.
Em 1909, após a derrota na batalha de Melilla, o exército decidiu mobilizar os
reservistas catalães, o que desencadeou uma greve geral e uma onda de revoltas durante
vários dias, com graves distúrbios urbanos, como queimas de templos e conventos. O
exército restabeleceu a ordem à força e condenou-se a fuzilamento um pedagogo
anarquista, Francisco Ferrer y Guardia, como responsável pelo movimento. O episódio
desencadeou uma onda de protestos nacionais e estrangeiros e provocou a queda de
outro dos pilares da política de “turno” da Restauração: o chefe de governo na época, o
conservador Antonio Maura.
Em 1917, as tensões sociais fomentadas pelo aumento do custo de vida
acirraram-se ainda mais, e a insatisfação abarcava vários setores. Oficiais de menor
patente fundaram as “Juntas militares de defensa”, espécie de sindicato que reivindicava
melhores salários e condições de trabalho; e setores da burguesia realizaram em
Barcelona uma assembléia de parlamentares para pressionar o governo a convocar
eleições para “Cortes Constituyentes”. Porém, a ação mais devastadora viria dos
movimentos operários. No mesmo ano, em 10 de agosto, se deflagrou uma greve geral
revolucionária, liderada pela UGT. Seu objetivo era proclamar uma “República
democrática socialista” nos moldes da revolução russa iniciada em fevereiro.
Ao contrário da movimentação russa, a unidade do exército, “juntistas” ou não,
conseguiu sufocar a rebelião após três dias de lutas sangrentas e assustar a burguesia. A
vitória “le hacía [ao exército] dueño de los destinos de España.” (VICENS VIVES,
1985, 356) Este episódio, pela sua envergadura, abalou profundamente o esquema de
poder, a ponto de marcar a etapa terminal da Restauração.
Se vimos até agora o teor das insatisfações civis deste período e da “mesocracia”
militar, por outro lado estava o descontentamento da cúpula militar. Como assinalamos,
30
criara-se na Espanha um exército conservador usado muitas vezes para reprimir os
movimentos populares. Foram eles os que tinham, de fato, sustentado a monarquia e
“garantido” a ordem da Restauração. Em “compensação”, Alfonso XIII garantiu um
orçamento avantajado ao exército, através das cortes, e financiou as suas “aventuras
marroquinas”. Paradoxalmente, este pilar do sistema também seria a sua ruína. Em
1921, a derrota na batalha de Annual, localidade marroquina perto de Melilla, na qual
uma rebelião popular matou doze mil soldados espanhóis (GARCIA DE CORTAZAR y
GONZALEZ VESGA, 1995, 546), desencadeou uma onda de protestos.
El desastre de Annual retificaba la crítica del 98 [perda de Cuba], en el preciso
instante que las fuerzas conservadoras hacían del Ejército la columna vertebral
del orden político y social en España. Incluso la persona de Alfonso XIII se
vio incluida en la demanda de responsabilidad que los partidos de izquierda
exigieron desde el Parlamento. (VINCENS VIVES, 1985, 368)
Ante a possibilidade de ter que dar explicações sobre o desastre em Annual no
Parlamento, e politicamente encurralado, o exército impôs um golpe militar dirigido
pelo general Miguel Primo de Rivera.
Apesar da história de lutas e participação popular até o momento descritas, a
ditadura se implantou sem uma resistência significativa.
[...] la masa neutra española recibió con satisfacción la noticia [...] El caos
civil, militar y social de los últimos cinco años, había roto los nervios del
hombre de la calle y éste deseaba paz y un gobierno que implantara
radicalmente unas medidas de emergencia. [...] Por otra parte, los mismos
elementos disidentes del viejo sistema constitucional abrieron crédito de
confianza a Primo de Rivera: la burguesía catalana, los socialistas e incluso
ciertos republicanos – como Lerroux – estimaban posible que la Dictadura
militar despejaría a su favor la incógnita planteada por las últimas cuestiones
políticas y sociales. (VINCENS VIVES, 1985, 368)
Assim é que a ditadura do General Primo de Rivera em 1923 se instalou com
certa tranqüilidade. A instabilidade não desapareceu completamente, mas “Se inicia un
periodo de paz social en el que desaparecen, casi por completo, atentados, huelgas
revolucionarias y gran parte de los conflictos laborales” (GARCÍA DE CORTAZAR,
31
1995, 557). É preciso destacar, no entanto, que esta tranqüilidade inicial, relacionou-se
também ao caráter autoritário do governo, que suspendeu os direitos civis e declarou
“Estado de Guerra”.
Sem a onda de prosperidade mundial que coincidiu com seu governo, a ditadura
não sobreviveria tanto tempo. Os preços se estabilizaram e a indústria se desenvolveu,
“a ritmo lento pero seguro” (VINCENS VIVES, 1985, 371). Investiu-se em obras de
infra-estrutura, como a criação da primeira grande rede de estradas da Espanha, e em
empreendimentos estatais, como a criação de CAMPSA (monopólio do petróleo e
derivados).
No entanto, não se alteraram as estruturas política, econômica e social
espanholas. Sob a ilusão de prosperidade, o governo não resolveu as questões centrais
de um desenvolvimento tardio e desigual, subvencionado por um Estado também falido.
O resultado, depois da suave brisa, era um vendaval em 1929. O rápido período de
“progresso” se convertia em mais uma época de crise, que levaria à demissão do ditador
em 1930 e à fuga do Monarca em 1931, deixando livre o caminho para a Segunda
República.
Depois da saída de Primo de Rivera, o rei Alfonso XIII ainda tentou uma
alternativa chamando para assumir o poder o General Berenger, com o pretexto de
organizar o país para um retorno à normalidade constitucional. No entanto, a pouca
demonstração prática dessa intenção e a agitação política do momento, que tinha
provocado a queda do próprio Primo de Rivera, levou à demissão do novo governo
pouco mais um ano após a sua configuração. Abandonado pelas diferentes forças
políticas que o acompanharam em outras empreitadas (Monárquicos, Liberais,
Conservadores e até os Reformistas) Alfonso XIII optou por mais um militar, o
Almirante Aznar, como chefe de governo. Sem conseguir apaziguar os ânimos, este
32
convocou eleições, como forma promover certa abertura política que desse sustentação
à Monarquia.
No entanto, o resultado da votação confirmou uma grande vitória dos
republicanos nos grandes centros urbanos. A habilidade política destes em capitalizar o
resultado das eleições “como uma espécie de plebiscito Monarquia X República e o
ambiente de festa popular instalado” (BAHAMONDE, 200, 544) foram fundamentais.
Dado o claro isolamento político da Monarquia, proclamou-se a República em 14 de
abril de 1931, tendo como presidente o católico conservador Niceto Alcalá-Zamora e
obrigando o rei a se exilar.
O peso dos desafios impostos ao novo sistema, de modernizar um país tão
atrasado, e a demora em efetivamente começar a resolvê-los, fruto das dificuldades
econômicas do período e, principalmente, das profundas diferenças de projeto entre os
vários grupos que assumiram o poder, feriram a credibilidade e inviabilizaram a
estabilidade do novo regime, deixando o caminho livre para o avanço das tropas
franquistas.
El nuevo régimen estaba llamado en apariencia a enterrar la vieja España
cacique de la Restauración. Se esperaba de él un verdadero revolcón social con
la palanca de la reforma agraria y el protagonismo del movimiento obrero; un
correctivo a la omnipresencia de la Iglesia; un reajuste de los cuerpos armados,
que a un tiempo podase los recargados cuadros de oficiales y ahuyentase el
espectro del militarismo; una labor cultural y de educación ciudadana para
hacer realidad las fórmulas democráticas y, finalmente, una respuesta política a
la singularidad regional de la península (GARCIA DE CORTAZAR y
GONZALEZ VESGA, 1995, 567)
O problema é que nem todas estas questões interessavam a todos os grupos
comprometidos com a República e os grupos interessados em uma mesma questão nem
sempre (ou quase nunca) concordavam com o modo de resolvê-las. Este era o preço a
pagar por uma “aliança” que incluía setores conservadores, republicanos de esquerda e
socialistas. Jesus A. Martínez se refere a “las Repúblicas de 1931” (2000, 543)
33
[...] República era sinónimo de modernización política y democracia, pero no era todo. La República [...]
era percibida y sentida emocionalmente como el símbolo de las expectativas que se abrían, y por ello fue
entendida de muy distintas formas, y a ella apeló un nutrido inventario de aspiraciones muy diferentes.
Por ello no cabe hablar de una sola República, aunque formal e institucionalmente sólo hubiera una, sino
de varias repúblicas, o dicho de otro modo, distintas formas de entender el régimen republicano en
función de aspiraciones sociales, proyectos políticos o inquietudes culturales y vitales diversas.
Deste modo a Espanha tinha dado o passo “mais fácil”. Restava então arrumar a
casa.
El objetivo de acabar con la Monarquía estaba colmado, y la adhesión
mayoritaria y popular al régimen era un hecho. Pero se abrió un gran debate
sobre la orientación que tomó, mientras las tensiones empezaron a aflorar fruto
de expectativas políticas, sociales, económicas e ideológicas contrapuestas.
(MARTÍNEZ, 2000, 545)
O primeiro biênio (1931-33) se caracteriza por uma composição inicial de
“centro-esquerda” que tenta tomar as primeiras medidas para “mudar o rumo da história
da Espanha”. (GARCIA DE CORTAZAR y GONZALEZ VESGA, 1995, 566) e para
garantir a legitimidade do novo regime. O primeiro governo provisório estava
composto, assim, por um amplo espectro de partidos que iam desde setores mais
conservadores como “Derecha Liberal Republicana” (depois Partido Republicano
Progresista), partido do presidente Alcalá-Zamora, e o Partido Radical, a tendências
mais progressistas, como Acción Republicana, do chefe de governo, Manuel Azaña
(presidente em 1936), e Partido Republicano Radical Socialista (dissidência da AR mais
à esquerda). Também incluía o PSOE (“Partido Socialista Obrero Español”), e os
partidos regionais autonomistas ORGA (Organización Republicana Gallega Autónoma)
e o Partido Catalanista Republicano. (MARTÍNEZ, 2000, 547)
Como primeira medida, devia-se garantir a base legítima do Estado, motivo
pelo qual se convocaram eleições para as cortes constituintes, com o objetivo de
estabelecer a nova Constituição Republicana, promulgada em dezembro de 1931. A
nova Carta Magna estabeleceu as bases do sistema democrático, que na prática
funcionava como um sistema parlamentarista, com um presidente com poucos poderes,
34
entre eles o de dissolver as cortes unicamerais, o poder legislativo, no máximo duas
vezes durante o seu mandato de sete anos, e um chefe de governo, nomeado pelo
presidente somente com a aprovação das cortes.
Além disso, o texto final e suas leis complementares asseguraram a igualdade
entre os cidadãos, definindo Espanha como uma “República democrática de
trabalhadores de toda classe”, e incluíram o sufrágio universal e o voto para maiores de
23 anos (o que instituía o voto feminino e dos soldados). Também afirmaram o caráter
laico do Estado, com a separação de Igreja e Estado e a liberdade de consciência e de
cultos, retirando a subvenção estatal à Igreja Católica, garantindo o fim da
obrigatoriedade do ensino de religião nas escolas e, inclusive, proibindo a existência de
instituições religiosas de ensino. Reconhecia-se, também, o casamento civil e o direito
ao divórcio. Por fim estabelecia o direito à expropriação de terras, com direito à
indenização, para uso social, cujo objetivo patente era o de promover a reforma agrária,
e garantia o direito de cada região a estabelecer um estatuto de autonomia.
Como
se
observa,
uma
grande
parte
destas
reformas
correspondia
essencialmente aos anseios de socialistas e de republicanos esquerda, o que contribuiu a
atrelar a imagem da República a estes grupos. 7
La constitución resultaba la plasmación de un proyecto intelectual para
modernizar el país y democratizar sus estructuras, pero no había sido el
resultado de un amplio consenso. Había quedado mutilada por los que se
inhibieron o se opusieron, y en todo caso era producto de un consenso de
izquierdas, vertebrado por socialistas y republicanos de izquierda, a los que
quedó asociada, perdiendo la vocación universalista con la que había nacido.
(MARTÍNEZ, 2000, 564)
A sua promulgação gerou descontentamentos por parte dos setores mais
conservadores, ligados à Igreja e das oligarquias que poderiam ver as suas terras
7
A coalisão de governo foi a grande vitoriosa nas eleições de 31, tendo o PSOE o maior número de
deputados (114), seguido pelo Partido Republicano Radical (89),o Partido Republicano Radical-Socialista
(55), Esquerra Republicana de Catalunya (36), Acción Republicana (30), Derecha Republicana (22) e a
ORGA, (16). Estes números somados a representação de pequenos partidos republicanos e independentes
representavam aproximadamente 90% do parlamento. (MARTÍNEZ, 2000, 556)
35
confiscadas para a reforma agrária, além de provocar a saída do governo da Derecha
Republicana e do Partido Radical.8 Do mesmo modo, a regulamentação de direitos
trabalhistas e o fortalecimento do papel dos sindicatos (o que favoreceria à UGT)
propostos pelo ministério do socialista Largo Caballero despertaram o medo dos
empresários e a oposição da CNT.
Se a Constituição desagradava aos setores mais conservadores, deveria, então,
responder aos anseios da classe trabalhadora, operários (base política do PSOE, através
da UGT) e camponeses (muitos afiliados a FNTT, braço político da UGT, que cresceu
após 1931), e do eleitor urbano em geral, os quais depositaram na República as suas
esperanças de melhoria de vida. No entanto, a fuga de capitais, as dificuldades
econômicas de um período marcado pela depressão de 29 e as dificuldades políticas
tornaram difícil a realização de projetos ousados e caros. A expropriação de terras, cuja
proposta inicial foi suavizada na constituinte, e o assentamento de famílias ficaram
muito abaixo do esperado, o número de escolas primárias estatais criadas para substituir
a ampla rede católica não foi suficiente9 e houve um aumento do desemprego. A demora
em se conseguir resultados efetivos, acabou minando o amplo apoio popular inicial.
Além das dificuldades de gestão, a coalizão teve que responder às diversas
movimentações oposicionistas ao regime, fossem elas à direita ou à esquerda.
Modernizar o país implicava acabar com a longa tradição de ingerências católicas e
militares no Estado. Este fato, consumado de forma radical na Constituição e nas
8
Após a promulgação da Constituição a Derecha Republicana e o Partido Radical não compuseram o
novo Governo, que se reduziu a uma aliança republicana de esquerda-socialista. A saída do Partido
Radical, segunda maior bancada do parlamento, e a sua aproximação aos setores oposicionistas serão
fundamentais para a composição de centro-direita do segundo biênio da República (1933-36).
9
No caso da educação, isto não significa que os números tenham sido irrisórios. Foram criadas cerca de
7.000 escolas públicas primárias no primeiro ano, 2.580, no segundo, e 3.990, no terceiro. Trata-se de
números relevante se comparados ao número de escolas existentes, que era de 35.000 em 1930, mas
insuficiente para uma demanda de 27.000 novas escolas. Também vale destacar que 13.000 novos
professores foram contratados no período. (MARTÍNEZ, 2000, 576)
36
medidas adotadas pelo governo, pouco a pouco situavam a católicos e militares, além
dos próprios monarquistas, num campo oposto ao da República.
A questão religiosa era extremamente delicada, uma vez que o amplo apoio
popular à república não significava o fim das profundas raízes católicas do povo
espanhol nem o fim do enorme poder da Igreja e da sua influência, principalmente no
campo. Após 14 de abril de 1931 a Igreja observou com desconfiança o novo sistema.
Depois das primeiras medidas provisórias desfavoráveis, um setor, representado pelo
Cardeal Segura, disparou os primeiros ataques, elogiando as relações entre a Monarquia
e a Igreja e taxando as medidas laicizantes de “atentado contra a Igreja”, além de incitar
os fiéis à oposição. Paralela à influência eclesiástica existia um forte anti-clericalismo
popular, de tipo mais emocional do que liberal, que tinha crescido ao longo do século
XIX, associando à Igreja os males que assolavam o país. Deste confronto surgiram os
ataques a igrejas e conventos em maio de 1931, por ocasião da Criação de um Círculo
Monárquico em Madri. (MARTÍNEZ, 2000, 553) O Cardeal Segura se negava a
reconhecer o regime e foi expulso do país. Desde então as relações foram sempre
conflituosas. A aprovação da Constituição, com as medidas laicizantes já citadas, e a
dissolução da Companhia de Jesus em 1932, a mais influente ordem eclesiástica do país,
aumentaram ainda mais a insatisfação da Igreja, o que levará um setor a se organizar
para intervir nas eleições através da CEDA (Confederación Española de Derechas
Autónomas), como veremos mais adiante.
Os militares desde o início também tramaram contra a República. Muitos eram
simpáticos ao velho regime, fruto do poder do exército como “afiançador da ordem”. A
insatisfação só foi aumentando ao longo do tempo, principalmente depois da política de
reorganização e modernização do exército, planejada da por Manuel Azaña. O então
ministro de Guerra optou por uma política de renovação de quadros militares, como
37
forma de dotar a República de lideranças fiéis ao novo regime. Deste modo obrigou os
militares a um juramento de fidelidade à República e promoveu a aposentadoria
voluntária de generais e oficiais, além de reorganizar a justiça militar, restringindo-a ao
âmbito interno. Estas e outras medidas geraram desconforto entre os oficiais e em 10 de
agosto de 1932 se realizou uma primeira tentativa fracassada de Golpe, liderada pelo
general Sanjurjo.
Su morfología recuerda al pronunciamiento del siglo XIX de carácter cívicomilitar, en una mezcla confusa de militares y civiles monárquicos alfonsinos,
carlistas – aunque no en nombre de la Comunión -, nacionalistas fascistas y
algún monárquico liberal, con fines muy heterogéneos, desde el frontal ataque
al régimen para instaurar la Monarquía [...] hasta un cambio de gobierno.
(MARTÍNEZ, 2000, 592)
A revolta foi sufocada e o seu líder condenado a morte, pena comutada em
prisão perpétua. Além disso, áreas de grandes proprietários ligados ao golpe foram
confiscadas para a reforma agrária e se perseguiram os monarquistas.
Era natural que os monarquistas conspirassem contra o regime desde o primeiro
momento, procurando como aliados os militares insatisfeitos com as reformas.
Contrários à República por convicção política, se dividiam em carlistas (organizados no
partido Comunión Tradicionalista) e alfonsinistas (através de Renovación Española).
Após o golpe, atuaram de forma colaboracionista, inclusive com uma tentativa,
infrutífera, de unificação das “linhas sucessórias”, chegando a fazer um pacto com
Mussolini para derrubar o governo.
Por outro lado, além de enfrentar os setores mais conservadores (militares,
monarquistas e religiosos), a República teve que lidar com as Greves e manifestações
organizadas pela CNT, o sindicato anarquista. Desde o seu congresso de junho de 1931
a CNT optou pelo não-reconhecimento do novo regime e a “ação direta” rumo a um
“comunismo libertário”. Assim, estimulou a Greve geral e a insurreição popular como
formas de tomar o poder e derrubar a República, percebida como modo de governo
38
burguês, incapaz, portanto, de defender os interesses do povo. A partir de 1931
organizou várias greves na cidade (Telefónica) e no campo andaluz, misturadas a
ocupações de cortiços. A crise culmina em janeiro de 1933, quando a CNT promove
uma insurreição geral e várias localidades da área de influência cenetista se rebelam.
Em Casa Viejas, uma pequena cidade andaluza, os rebeldes são assassinados pela
“guardia civil”. A dura repressão ao movimento provocaria a queda do governo,
chefiado por Azaña, e o desgaste das relações entre republicanos e socialistas, os quais
se afastam do governo e adotam uma linha mais radical.
Assim, marcada pela campanha anarquista de abstenção, pelo desânimo dos
trabalhadores e camponeses, pelo medo da burguesia à revolução e, finalmente, pela
desarticulação das esquerdas, que concorrem separadas ao pleito, a direita venceu as
eleições de 1933, dando início ao chamado biênio conservador ou de centro-direita.
Da união de partidos católicos de direita, especialmente da “Acción Popular”,
surgira em 1933 a CEDA (Confederación Española de Derechas Autónomas), com o
objetivo de ser um partido de direitas organizado para influir nos rumos da República, a
partir das próprias instituições do sistema republicano. Seu lema era "Religião, Família,
Pátria, Ordem, Trabalho e Propriedade"
Através de alianças com outros partidos conservadores a CEDA se tornou o
partido com mais cadeiras no parlamento e com o apoio do Partido Radical, o segundo
maior, definiu o novo governo. Uma vez no poder a direita revogou medidas do período
anterior, favorecendo a Igreja, anistiando os insurretos de Sanjurjo e devolvendo as
terras expropriadas a seus antigos donos. A reação foi grande culminando com as
revoltas de outubro de 1934, duramente sufocadas.
“Aunque constitucionalmente era un nuevo episodio político con una base de
continuidad, en la práctica era otra República la que se configuraba, por cuanto era
39
entendida de forma distinta, cuestionándose los soportes en los que había descansado
hasta entonces.” (MARTÍNEZ, 2000, 596). Como diría Lázaro de Tormes ao mudar de
amo “Escapé del relámpago y di en el trueno”. Para os camponeses e trabalhadores a
situação tinha piorado.
Após escândalos envolvendo o governo de Lerroux, em 1936 o presidente
Alcalá-Zamora dissolveu as Cortes e convocou novas eleições. Desta vez a esquerda se
uniu na Frente Popular e saiu vitoriosa. A direita protestou e o país se converteu em
foco de pequenos ataques violentos e rebeliões. Em 13 de julho de 1936, o líder da
oposição José Calvo Sotelo é assassinado pela “Guardia de Asalto”, polícia da
República. Era o pretexto para o início do “Pronunciamento” (golpe militar), que levaria
à Guerra Civil.
Procuramos até agora mostrar um panorama do contexto histórico espanhol no
qual a Revista de Occidente se inseria. Passaremos, a continuação, a observar como, em
função da conjuntura assinalada, se posicionava a intelectualidade espanhola (ou parte
dela) nos anos imediatamente anteriores e posteriores ao golpe de Primo de Rivera.
40
2. OS INTELECTUAIS E A DITADURA DE PRIMO DE RIVERA
Unos venían de lejos, de principios de siglo, como el intelectual de protesta, el que proponía
agitar espíritus; otros habían logrado imponer desde 1913 la figura del intelectual como
miembro de una minoría selecta; pero estaban ya también moviéndose por la escena,
tanteando su papel y su posición en la obra, los nuevos, los que acababan de aparecer,
habían descubierto al pueblo y pugnaban por salir a su encuentro. En 1930, algunos de esos
modos de presencia de intelectuales vinieron a coincidir en un propósito común: liquidar la
monarquía, alumbrar la República: en ese punto, nada separaba a fin de año a Unamuno de
Ortega, a Ortega de Azaña o de De los Ríos, ni a todos éstos de los jóvenes, los nacidos en
torno a 1900 [...].” (SANTOS JULIÁ, 2006, 210)
Se, como vimos anteriormente, a ditadura de Primo de Rivera se instalou com
relativa tranquilidade graças um desejo plasmado em vários setores da sociedade de
volta à ordem, os últimos anos de seu governo foram marcados por vários confrontos.
Antes de analisar estes últimos anos, convém observar quem eram alguns dos
intelectuais envolvidos no processo e a partir de que caminhos chegam à reivindicação
da República em 1930. Vale destacar que este não pretende ser um capítulo sobre a
história dos intelectuais do primeiro terço do século XX, mas sim sobre a trajetória de
uma parte da intelectualidade de perfil liberal e a construção de um relato sobre a
origem da decadência espanhola que se relaciona diretamente com o pensamento de
Ortega y Gasset. Por tanto a inclusão ou a ausência de nomes importantes do campo
intelectual espanhol responde às necessidades de compreensão de tal processo.
2.1. ANTECEDENTES
Analisar essas trajetórias implica diretamente em abordar a questão dos
discursos históricos que se criaram desde o fim do século XIX sobre a crise da nação.
Espanha versos Europa, essência nacional versos ingerência estrangeira, Espanha velha
versos Espanha Nova, decadência, regeneração, velha e nova política são eixos que
refletem as sucessivas releituras da idéia de “duas Españas”, posta em cena desde o
discurso liberal forjado a partir de 1808 com a resistência à invasão napoleônica. Tal
41
discurso se baseia na idéia de uma força do “povo” como o elemento transformador que
tiraria Espanha do atraso político e econômico em que se encontrava, porque a causa
dos males do país se encontrava precisamente na desconsideração de um passado
medieval autêntico (godo), atropelado pela intromissão estrangeira provocada pela
chegada de Carlos V, um príncipe que mal sabia o idioma do seu povo. A partir desta
dinastia, mais preocupada em usar o dinheiro público em disputas que, no fim das
contas, não eram problemas espanhóis, se dá a falência da España.
“Sin miramientos a las costumbres, a la constitución y a las leyes
del país, sólo trataron de disfrutar del patrimonio, esquilmar esta
heredad, disipar sus riqueza, prodigar sus bienes y su sangre en
guerras destructoras que nada importaban a la nación: ésa fue la
causa de la ruina de Espanã”. (MARTINEZ MARINA apud
SANTOS JULIÁ, 2006, 32)
Aliada à Monarquia estrangeira surge o outro pilar do atraso espanhol: o
fanatismo católico e o uso do tribunal do Santo Oficio da Inquisição. „[...] con objeto de
reforzar la tiranía, los monarcas españoles se sirvieron grandemente del instrumento
legado por un príncipe ilustre y la princesa más bondadosa que ha ocupado el trono de
Castilla”. (LAFUENTE apud SANTOS JULIÁ, 2006, 37).
Se nesta “epopeya de un pueblo en lucha por su libertad e independencia”
(SANTOS JULIÁ, 2006, 23) a força emanava do povo, nada melhor do que as suas
instituições naturais para dirigi-lo. Ao modelo monárquico centralista introduzido desde
os Austrias, e seguido pelos bourbons, ambas casas estrangeiras, e por isso inimigas do
espírito nacional, se opõe o “Fuero Juzgo, que reconocía ya „la soberanía de la nación
del modo más auténtico y solemne‟, de los fueros y leyes, en fin, que protegían las
libertades de la nación y que con tanto cuidado se habían guardado en Aragón y
Castilla” (SANTOS JULIÁ, 2006, 24) 10
10
Como afirmamos anteriormente, em seu livro Santos Juliá estabelece como marco inicial do discurso
em torno às duas Espanhas os episódios em torno à expulsão das tropas napoleônicas. Dentro deste
42
Em resumo, só através do levantamento popular em defesa da sua liberdade e do
seu poder de decisão, representado pelo reestabelecimento das suas instituições locais,
Espanha se renovaria. Se forjava, assim, o discurso liberal sobre a nação espanhola.
No entanto, quase um século depois, os reveses políticos e a reação deste mesmo
povo ante a ascensão de Fernando VII, o fracasso da 1ª República, o início da
Restauração e sua política de “turno pacífico” e a Guerra de Cuba levaram a uma série
de reflexões de caráter mais pessimista sobre o problema da Espanha. “No, el marasmo
en el que caía España no se debía a una injerencia exterior, no se le podía echar por
completo la culpa a la dinastía, ni al absolutismo, ni a la Inquisición. El daño, por así
decir, lo llevaban los españoles en el tuétano.”(SANTOS JULIÁ, 2006, 59)
Para os primeiros regeneracionistas, os criadores da Institución Libre de
Enseñanza (ILE), primeira instituição laica de ensino na Espanha, de caráter privado, a
solução consistia em levar a cabo uma tarefa de educação que dotasse o país de
cidadãos livres. Unidos por se oporem à política educacional conservadora da
monarquia de Alfonso XII - cuja constituição confirmava o caráter católico do ensino
oficial – a ILE surgiu em 1876 de um grupo de professores liberais, sob a liderança de
Francisco Giner de los Ríos. Imbuídos do espírito krausista, seu objetivo era criar um
“homem novo”, mais ético, capaz de realizar a “regeneração moral” da Espanha. Mais
do que ensinar disciplinas específicas, a instituição se propôs formar indivíduos com
uma profunda base moral, condição prévia para o desenvolvimento científico e técnico
espanhol.
Conscientes da grandiosidade do desafio e da necessidade de um trabalho a
longo prazo, os “institucionistas” aos poucos foram aumentando a área de influência da
ILE através de uma série de iniciativas, convertendo-a em pólo aglutinador de uma
período além do discurso liberal “laicizante” citado, o autor aborda também o discurso das duas Españas
forjado a partir da leitura dos intelectuais católicos, que não será objeto de nosso estudo.
43
importante parte da intelectualidade espanhola das gerações de 14 e 27. Dessa
influência surgiria em 1907 a Junta de Ampliación de Estudios e Investigaciones
Científicas (JAE), um órgão dentro do “Ministerio de Instrucción Pública” 11, destinado
a fomentar a educação. Além de fornecer bolsas de estudo no exterior (das quais se
aproveitaram, por exemplo, Federico García Lorca para ir à Nova York em 1930 e
Ortega Y Gasset, para a Alemanha) a professores e estudantes, a JAE criaria algumas
instituições fundamentais dentro de um projeto de desenvolvimento educacional, como
o Centro de Estudos Históricos e a Residencia de Estudiantes.
Em resumo
“Lo que había que emprender era una larga obra de educación para modificar el carácter de
modo que salieran de las escuelas ciudadanos libres, formados en el espíritu público, que hubieran
aprendido a amar la cultura de la patria y sobre los que se pudiera edificar el progreso y la libertad”
(SANTOS JULIÁ, 2006, 60)
Educação também seria um dos pilares do famoso lema de Joaquin Costa,
símbolo do regeneracionismo espanhol, «Escuela, despensa y siete llaves para el
sepulcro del Cid», que consistia em saciar a fome fisiológica e intelectual do povo e
em afastá-lo de qualquer idealização quimérica e nostálgica de um “passado” glorioso,
ou seja, em modernizar a nação, seguindo o modelo das demais nações européias.
Tal tarefa hercúlea exigia uma verdadeira revolução, que para Costa, no entanto,
tinha que acontecer “siempre desde dentro y desde arriba; por lo cual, importa no
confundirla con lo que llamamos revolución de abajo o revolución de la calle”.
(COSTA, 2001, 79) Isto significava que as soluções propostas não incluíam o povo
como força motriz, este era o sentido de uma reforma de cima para baixo. O problema é
que também faltava na Espanha uma classe dirigente qualificada.
“Pero donde los vicios y diferencias de la cultura nacional nótanse más de relieve es en la
de las clases superiores e ilustradas. Qué atraso! [...] Hemos perdido la poca educación
11
A existência desse ministério representou um avanço político no sentido de que se destinou um
ministério específico à educação. A sua criação também se deve à influência de Giner e da ILE.
44
clásica que nos restaba, y tampoco hemos adquirido la nueva educación experimental y
positiva.” (MACIAS PICAVEA, 2001, 77)
Na ausência de uma elite dirigente capaz, não resta outra alternativa além da
intervenção de um “cirurgião de ferro”.
¿Que por qué he denominado «quirúrgica» a esa política necesaria y «cirujano de hierro» a
su órgano personal? Porque, en nuestro caso, no se trata sencillamente de administrar tal o
cual medicamento a un enfermo, sino que entre éste y aquél se ha interpuesto un obstáculo,
tumor, quiste, cáncer, hueso, como se quiera, que obsta a la medicación tan eficazmente
como acabamos de ver; y no hay más remedio que abrir paso a través de él por fuerza
material, apartándolo, eliminándolo, reduciéndolo. Imposible curar el caciquismo por
dentro, en su raíz, si no se principia por reprimirlo en sus manifestaciones exteriores. Y para
reprimir un estorbo tan gigante, que más que cosa de hombres parece una fuerza natural, la
mano férrea de un Fernando V o de un Cisneros es indispensable. Stuart Mill admitía por
excepción hasta la dictadura cuando, «como Solón o Pittaco, el dictador emplea el poder que
se le ha confiado en derribar los obstáculos que se alzan entre la nación y la libertad».
(COSTA, 1975, s/n)
Sentimento de impotência para mudar a política de turnos, desejo de uma
revolução feita a partir das elites intelectuais e, finalmente, uma medida radical como
um cirurgião de ferro: não será difícil ver neste discurso um apoio à implementação da
Ditadura de primo de Rivera em 1923, doze anos após a morte de Joaquín Costa, bem
como as bases da idéia de “minoria seleta” de Ortega y Gasset.
Frente a este discurso científico e educacional, surgiria a vertente pessimista e
espanholizante da Geração de 98, que encontrou no “Desastre”, isto é, a perda das
últimas colônias americanas na guerra contra os Estados Unidos em 1898, um terreno
fértil para as suas divagações internas. Mais do que nunca era preciso regenerar a pátria,
levada ao fundo do poço através de uma batalha que chocava os intelectuais mais do
que pela derrota em si do que pela forma como se deu, “rápida y sin gloria. Nada que
evocara Trafalgar: aquí no hubo lugar para más heroísmo que el de dejarse matar en un
inicuo ejercicio de tiro al blanco”.12 (SANTOS JULIÁ., 2006, 86),
12
Batalha de Trafalgar – batalha travada em 1805 entre a França Napoleônica e a sua aliada, Espanha, de
um lado, e Inglaterra, de outro. Apesar da superioridade britânica, a marinha espanhola conseguiu resistir
durante algumas horas, o que envolveu a batalha de certa “aura” de dignidade, destacando a bravura dos
espanhóis. Em 1898, a enorme superioridade tecnológica da frota americana, impediu sequer a resistência
heróica vista na batalha anterior, convertendo o episódio numa chacina
45
Era esta a sensação plasmada por Pío Baroja através do diálogo entre André
Hurtado y su tío Iturrioz en El árbol de la ciencia
- Pues no hay más que tener ojos en la cara y comparar la fuerza de las escuadras
[...] Con dos de sus barcos pueden echar a pique toda nuestra escuadra; con veintiuno no van
a tener sitio donde apuntar.
- ¿De manera que usted cree que vamos a la derrota?
- No a la derrota, a una cacería. Si alguno de nuestros barcos puede salvarse será
una gran cosa. (BAROJA, 1997, 237)
Sensação que convertia a guerra no símbolo da decadência, do desastre nacional
“en la imagen perfecta de la muerte de España.” (SANTOS JULIÁ, 2006, 86) Morte
muito mais para os que de agora em adiante seriam chamados de intelectuais do que
para a população, que logo voltou aos seus afazeres, distante como poderia estar de
umas ilhas pequenas que não alteravam em praticamente nada a sua rotina de vida, fato
que reforçava o discurso da incapacidade do povo para a ação.
“A Andrés le indignó la indiferencia de la gente al saber la noticia. Al menos é
había creído que el español, inepto para la ciencia y para la civilización, era un patriota
exaltado y se encontraba que no; después del desastre de las dos pequeñas escuadras
españolas en Cuba y en Filipinas, todo el mundo iba al teatro y a los toros tan tranquilo;
aquellas manifestaciones y gritos habían sido espuma, humo de paja, nada.” (BAROJA,
1997, 237)
Estes homens então romperam com o relato liberal de 1808, que colocava o
povo como protagonista das mudanças, instituindo o pessimismo no fim da linha:
“el pueblo, la raza, la nación española habían sido grandes en el pasado, desde
luego; pero eran una pena en el presente; no había nada que hacer, excepto
protestar o, hartos de la inútil protesta, irse a Toledo y, a la vuelta, meterse en
casa y frecuentar la tertulia con unos pocos amigos”. (SANTOS JULIÁ, 2006,
79)
Este é o perfil da chamada de 98, constituída de nomes de grande prestígio
dentro do campo intelectual nacional e a sua posição frente ao “problema” da Espanha:
a constatação do atraso econômico, social e cultural espanhol em plena fase de
desenvolvimento do capitalismo na Europa. A visão pessimista desta geração de
46
literatos impediu-os de buscar novas soluções a velhos problemas. Empenhados em
olhar para trás e ver onde estavam os erros, não puderam enxergar com otimismo o
futuro.
Ao adentrarmos no território do pensamento da Geração de 98 é obrigatório
mencionar a discussão sobre a validade do termo13. Contudo, como esta discussão não
se insere nos propósitos do presente trabalho, preferimos utilizar esta nomenclatura,
pois se trata de um conceito amplamente conhecido e referendado e que, para nosso
caso, serve para traçar um perfil da intelectualidade da época.
Outra questão importante, que deriva da primeira, é a definição da sua lista de
membros. Evitaremos esta polêmica, na medida do possível, tentando relacionar os
intelectuais mais significativos para nosso estudo: Miguel de Unamuno, Ramiro de
Maeztu, Azorín e Pío Baroja (aos quais se costuma incluir a Antonio Machado e ValleInclán), atentando para o fato de que constituem em nossa opinião o núcleo que aglutina
as características intelectuais que estabelecem “la configuración definitiva de la
„generación del 98‟ como una suerte de vaga y dilatada diacronía de preocupación por el
„problema de España‟ y de matizada inquietud intelectual‟. (MAINER, 2000, 238)14
Embora desejassem mudanças, chegando a participar da vida pública (mais do
exercício da política, talvez), sendo Unamuno o caso mais notável, não atuaram de
forma coletiva, não se constituíram como grupo com objetivos e ações em comum, com
13
Entre as referências utilizadas nesta tese, consultar MAINER (2000), RAMOS-GASCON (1989),
CACHO VIU (1997), FOX (1969) para a discussão sobre a validade do termo.
14
Sobre este aspecto MAINER defende a existência de uma separação , tanto na geração de 98 como na
de 14, de uma aglutinação “de los rasgos „intelectuales‟ dejando para las anchas afueras de un
„modernismo‟ inespecífico” [no caso de 14 um ] „novecentismo‟ importado de Cataluña). (MAINER,
2000, 319) Da mesma forma, embora não faça nenhuma delimitação explícita do que considera como
geração de 98, SANTOS JULIÁ, no capítulo que trata da elaboração do discurso da morte e ressurreição
da Espanha por estes intelectuais (Capítulo 2), menciona uma vez a Antonio Machado y 4 vezes a ValleInclán,, em ambos casos em breves passagens que ilustram alguma explicação sobre a atitude de um
intelectual dessa época. Quando se trata de mostrar o eixo de tal discurso sobram citações a Unamuno,
Azorín, Baroja e Maeztu.
47
exceção de uma efêmera colaboração entre Azorín, Ramiro de Maeztu e Pío Baroja, o
chamado “grupo dos três” (RAMOS-GASCON, 1989, 220).
O propósito do grupo, que passava agora assinar artigos em conjunto, principalmente na
revista Juventud, era
“aplicar los conocimientos de la ciencia en general a todas las llagas sociales,
unas comunes a todos los países, otras peculiares a España [...] Poner al
descubierto las miserias de las gentes del campo, las dificultades y tristezas de
millares de hambrientos, los horrores de la prostitución y del alcoholismo;
señalar la necesidad de la fundación de las cajas de crédito agrícola, de la
implantación del divorcio, como consecuencia de la ley de matrimonio civil
(AZORIN, BAROJA, MAEZTU, 2001, 90)
Este conhecimento da ciência era o laço comum perceptível pelos três membros
como o único capaz de canalizar o ímpeto de “un gran número de jóvenes que trabajan
por un ideal vago” (AZORIN, BAROJA, MAEZTU, 2001, 89). No entanto, a falta de
uma proposta concreta de ação, unida à fragilidade de uma organização baseada num
“eixo científico”, mas cujos membros não eram em si homens de ciência, resultou num
empreendimento fracassado, levando os seus mentores ao isolamento e a um
pessimismo crescente. Isto porque a pesar de desejarem a ciência, estes intelectuais de
98 não eram intelectuais da sistematização, nem do rigor científico nem da atuação
organizada como coletivo, como serão os jovens da chamada geração de 14.
Se a ciência aparece como base de uma proposta de ação, a evolução pessimista
reformulará as bases desse saber científico na direção da idéia de decadência “las ideas
dominantes del positivismo darwinista se leyeran al revés, no como postulado de un
progreso universal, sino como inexorable proceso de decadencia. (SANTOS JULIA,
2006, 81) , ou seja, em vez de um diagnóstico que constatasse o mal espanhol mas que
vislumbrasse uma saída, fosse através da rebelião popular dos liberais de 1808 ou da
educação institucionista, os intelectuais do fim do século viram na apatia popular e na
miséria do campo a absoluta falta de saída além da espera de um salvador.
48
Incapazes de se articularem a estes senhores não restava outra alternativa além
provocar, agitar espíritos, cada um a seu modo e desde a sua tribuna, numa tentativa de
salvação individual. A contradição já estava inserida no mesmo manifesto de fundação
do grupo
La aplicación de la ciencia social a las miserias de la vida puede ser el
lazo de unión entre los hombre de tendencias altruistas. Al unir las
aspiraciones de unos y otros dentro de lo práctico y de lo posible, sin
confundirlas en su parte doctrinal, sabemos que no vamos a realizar
inmediatamente nuestros proyectos, pero queremos que las ideas se agiten,
se aireen y que conozcan las soluciones científicas de los problemas de los
más interesados en resolverlas. (AZORIN, BAROJA, MAEZTU, 2001, 89)
(grifo nosso)
cuja “sentença de morte” já estava implícita na resposta de Unamuno a Azorín ao
convite para participar do grupo
A continuación nos prometía su concurso con reservas. Copio sus palabras:
„Ahora, aunque no me parece mal, ni mucho menos, la forma concreta que
piensan dar a esa acción social, en ella no podría más que ayudarles
indirectamente, porque ni entiendo de enseñanza agrícola nómada, ni de ligas
de labradores [...] ni creo sea eso lo más necesario para modificar la
mentalidad de nuestro pueblo, y con ella su situación económica y moral. [...]
Lo que el pueblo español necesita es cobrar confianza en sí, aprender a pensar
y sentir por sí mismo, y no por delegación, y sobre todo, tener un sentimiento y
un ideal propios acerca de la vida y de su valor.‟ (AZORIN, 2001, 86-87)
con a qual Azorin se vê obrigado a concordar: “Sí, era y es cierto: lo importante era y es
que España tenga confianza en sí misma.” (AZORIN, 2001, 87)
Poderia parecer que o interesse sobre a autoconfiança espanhola refletisse um
desejo de ação conscientizadora, mas, de fato, é entre os coetâneos de 98, uma
constatação da inércia da pátria. Inércia ante a qual eles próprios se sentiram incapazes
de vencer coletivamente
¿Qué se ha hecho de los que hace veinte años partimos a la conquista
de una patria? ... Nos encontrábamos sin ella, huérfanos espirituales. [...]
Ninguno de nosotros sabía lo que buscaba. Aunque sí, lo sabíamos muy bien,
muy bien. Cada uno de nosotros buscaba salvarse como hombre, como
personalidad...Nuestro pecado fue partir a buscar una patria – o una matria, es
igual – y no una hermandad No nos buscábamos unos a otros, sino que cada
cual buscaba su pueblo. O mejor dicho, su público. La patria que buscamos
era un público, un público, y no un pueblo y mucho menos una hermandad
(Unamuno (1918) apud GARCIA DE LA CONCHA, 1984, 28)
49
“Compartían la desesperación cultural tan característica del fin de siglo, mezcla
de un dolorido nacionalismo y de una inquietud ante la cara fea de la modernidad”.
(SANTOS JULIA, 2006, 68), modernidade esta que converteu estes homens do
intelecto em intelectuais ao mesmo tempo que forjava a sua contra-parte: o povo
convertido em massa . É “el escritor y el artista que, al mirarse en el pueblo, ve la
multitud, la masa, siente horror o lástima, y se percibe a sí mismo como ser aparte, con
una misión específica ante la masa y frente al Estado. (SANTOS JULIÁ, 2006, 64)
Intelectual e massa são conceitos, pois, que a partir do fim do século XIX entram
em cena como resultado do processo de autonomização do campo intelectual dentro dos
marcos do desenvolvimento da sociedade capitalista.
Se já se pode falar de intelectuais em 1898 não se pode, como vimos, pensá-los
como “intelectualidade” (SANTOS JUIA), isto é, um grupo consciente de ser uma
categoria especializada da sociedade, com função própria e formas de atuação próprias,
diferentes das dos marcos políticos, fato destinado à chamada geração de 14.
Isto porque, embora houvesse um incipiente desenvolvimento industrial na
Espanha do fim do século XIX, sobretudo, como vimos, no País Vasco e Catalunha, o
verdadeiro “boom” do processo de modernização nacional, com a explosão demográfica
das cidades e esvaziamento do campo, consequência do desenvolvimento acelerado da
indústria e sua crescente necessidade de mão de obra, só se daria a partir de 1910,
especialmente a partir de 1ª Guerra. Como resultado deste processo surge, por um lado,
o novo tipo de intelectual, uma “classe” de profissionais liberais (médicos, advogados,
engenheiros...) que se caracteriza pelo conhecimento técnico especializado que exigem
suas profissões e que opõe ao intelectual literato anterior (entenda-se aqui no contexto
espanhol, geração de 98) averso a organizações. Por outro lado surge uma enorme
massa urbana proletária que precisa ser alfabetizada, cuja diferença em termos de
50
bagagem cultural e letrada será abismal. É neste contexto que surge o conceito de
minoria seleta responsável por conduzir os destinos da nação.
“Pensar el intelectual como minoría selecta sólo es posible cuando
una masa de la población está en proceso de devenir alfabetizada, el acceso a
la enseñanza secundaria es minoritario y la entrada a la Universidad está
reservada a una elite que amplía sus rangos con los vástagos de una nueva
clase media profesional. Es precisamente en los inicios del proceso de
alfabetización universal cuando se produce la eclosión de la intelectualidad
como minoría selecta. (SANTOS JULIÁ, 2006, 152)
À “incapacidade dos finisseculares em oferecer ao país uma moral pública”,
como remédio aos males que afligiam a nação, oporiam os homens de “1914” a nova
moral espanhol baseada na reconciliação entre ciência e tradição, superando a velha
dicotomia Espanha X Europa. O pensamento sistematizado e o rigor intelectual e
científico de significativa parte dos integrantes da geração de 14 se opunha à aversão a
todo tipo de sistematização dos homens de 98 (RAMOS-GASCON, 1989, 234).
Mas quem são estes novos homens, que entram em cena? Cabe aqui destacar
que as mesmas restrições feitas ao conceito de Geração e a dificuldade de
enquadramento de seus membros também se aplicam a este caso. Contudo, este se torna
mais complicado na medida em que além do termo Geração de 14 se aplica também a
denominação novecentismo, ora restrita à intelectualidade catalã, ora como termo
abrangente de todo o processo espanhol. Citaremos a Ortega y Gasset, Mauel Azaña,
Gregorio Marañon, Eugenio D‟Ors, Ramón Perez de Ayala, Ramón Menéndez Pidal,
sólo como exemplo do perfil da especialização técnica anteriormente citada15. Se trata
de jovens de instrução de nível superior, muitos com estudos fora do país e que ao
regressar se convertem em professores universitários, dotados de prestígio nas suas
15
Entre esses “jovens de 14”, GARCÍA DE LA CONCHA (1984, 07) aponta um núcleo formado por José
Ortega y Gasset, Gregório Marañón (médico), Ramón Pérez de Ayala (romancista); e uma órbita na qual
se inserem Juan Ramón Jiménez e Gabriel Miró; Manuel Azaña (presidente da República Espanhola entre
1936 e 1939); Américo Castro (historiador), Salvador de Madariaga e Claudio Sánchez Albornoz ;
Eugenio D‟Ors y outros.
51
áreas. O caso de Ortega, sem dúvida é singularmente representativo desta trajetória
intelectual, convertendo-se em pólo aglutinador de seus coetâneos.16
Esta consciência de responsabilidade coletiva de atuação como grupo social
detentor de uma ilibada reputação, apto, portanto, para julgar a verdade dos fatos, e
destinado a intervir na política nacional, se manifesta por primeira vez na resposta
conjunta aos episódios da semana trágica de Barcelona.
Após uma série de rebeliões populares em 1909, na Catalunha, o professor
anarquista Ferrer y Guardia, diretor de “Escuela moderna”, foi condenado à morte
acusado de ser “promotor moral” dos fatos. Tal episódio provocou uma onda de
protestos de intelectuais espanhóis e de outros países (VICENS VIVES, 1985, 340). A
crítica estrangeira à atitude do governo espanhol colocou em lados opostos as atitudes
dos “noventaioitistas” e de Ortega y Gasset: enquanto Azorín qualificava de farsantes a
uma série de escritores franceses e Unamuno ridicularizava a atitude dos intelectuais
“europeizantes”, através do jornal ABC, Ortega y Gasset respondia desde El imparcial
com severas críticas a ambos. Em resposta a Azorín afirmava
Sólo quisiera rogar (...) que abandonara ese triste ejercicio de avivar las más
bajas pasiones de la sociedad española: la inercia mental de las clases
acomodadas, la codicia capitalista y la vanidad aristocráticas de quienes no son
aristócratas ni de alma ni de nación. (ORTEGA Y GASSET apud RAMOSGASCÓN, 1989, 222)
Já para Unamuno reserva frases mais alteradas
Puedo afirmar que en esta ocasión don Miguel de Unamuno, energúmeno
español, ha faltado la verdad. Y nos es la primera vez que hemos pensado si el
matiz rojo y encendido de las torres salmantinas les vendrá de que las piedras
aquellas, venerables, se ruborizan oyendo lo que Unamuno dice cuando, en la
tarde , pasea entre ellas. (ORTEGA Y GASSET, 1946, 122)
16
Com esta afirmação quero dizer somente que Ortega y Gasset é quem encarna por antonomásia o ideal
de intelectual como minoria seleta e que, neste sentido, e também na indiscutível importância pública da
sua figura, o tomaremos aqui como o perfil a ser analisado.
52
A partir desse episódio de repercussão nacional o campo intelectual espanhol se
reconfigura, e a balança pende a favor do jovem intelectual. “Educadamente” Azorín
reconhece que é preciso abrir caminho aos mais jovens.
Otra generación ha llegado. Hay en estos jóvenes más método, más sistema,
una mayor preocupación científica. Son los que este núcleo forman: críticos,
historiadores, filósofos, eruditos, profesores. Saben más que nosotros. ¿Tienen
nuestra espontaneidad? Dejémosles paso. (AZORIN, 2001, 272)
Uma vez separadas nova e velha geração e afirmado o mito da nova Espanha a
ser forjada pela juventude seleta destinada a dotar o país de ciência, chegava o momento
em que talvez o mito se transformasse em projeto concreto. Era o biênio 1913/14, anos
da fundação da Liga de Educación Política Española e da conferência “Vieja y Nueva
política”, pronunciada por Ortega no teatro da comédia de Madri. O eixo do discurso
seria a constatação inicial de que existiam
“dos Españas que viven juntas y que son perfectamente extrañas: una España
oficial que se obstina en prolongar los gestos de una edad fenecida, y otra
España aspirante, germinal, una España vital, tal vez no muy fuerte, pero vital,
sincera, honrada, la cual, estorbada por la otra, no acierta a entrar de lleno en la
historia. (ORTEGA Y GASSET, 1946, 271)
Frente ao impasse criado dentro do Governo, resultado da crise que afetaria tanto
o partido liberal quanto o conservador, a partir dos sucessivos desgastes do sistema de
turno, agravada pelo assassinato do líder liberal Canalejas em 1912 e pelos efeitos da
semana trágica de Barcelona, um grupo de intelectuais, Ortega à frente, se organiza e
publica um prospecto no qual se convoca a essa Espanha vital a atuar conjuntamente:
“La intervención vigorosa y consciente en la política nacional es un deber de todos”
(ORTEGA Y GASSET, 1946, 301).
Não se tratava de um partido político, pois seu objetivo era se constituir em um
órgão de outra natureza, supra-partidária, independente, específico para o exercício
intelectual da denúncia de da proposição de soluções. Cada membro, portanto, poderia
pertencer ao partido que desejasse, uma vez que a Liga não indicaria candidatos à
53
eleição, nem muito menos pediria votos. Este é um dos eixos da conferência “Nueva y
Vieja política”: convocar a nova intelectualidade a intervir de forma conjunta contra a
velha Espanha, mas desde a sua posição específica dentro da sociedade, a saber, a de um
grupo especializado que atua a partir de um campo intelectual, cuja relação com a
política só pode ser mediada pela ação dentro deste campo.
Para Ortega, o intelectual não é um político, embora a reforma do modo de fazer
política na Espanha fosse uma questão muito relevante para o seu projeto de
modernização nacional. O problema é que a convocação aos intelectuais para se
organizarem nas suas esferas próprias (não necessariamente só através da Liga, também
em suas instituições de ensino, ateneus, círculos culturais e científicos, etc.) sem um
projeto de a ação concreta enfraqueceu consideravelmente a canalização de forças para
a transformação efetiva. Isto, e a esperança orteguiana de que a monarquia, encurralada
pelas disputas entre liberais e conservadores, se aproximasse ao recém-criado partido
reformista17 e se abrisse às modernizações necessárias, inviabilizou tanto a durabilidade
como a eficiência da Liga de Educação Política. A decepção para Ortega resultou na sua
retirada da vida política e na criação da sua publicação individual El espectador.
O seu efeito mais duradouro talvez tenha sido a criação do periódico España,
revista pensada como órgão de difusão das idéias da liga, dirigido inicialmente pelo
próprio Ortega y Gasset e depois por Luis Araquistain, intelectual socialista. Ortega se
retiraria logo do projeto, após a revista perder a sua “isenção intelectual” tomando um
rumo mais político, devido principalmente a que a publicação, sem recursos próprios,
recorre em plena guerra ao financiamento dos aliados. Apesar do desligamento do seu
17
O partido reformista, criado em 1912 por Melquíadez Álvarez, era um partido de base liberal com
propostas de reformas sociais, ao qual Ortega y Gasset e Manuel Azaña, entre outros intelectuais,
chegaram a se afiliar. Em sua origem se ergueu como uma alternativa aos partidos republicanos que, por
sua natureza anti-monárquica, não poderiam atuar dentro do reinado de Alfonso XIII. Seu objetivo era
atrair pessoas que acreditassem na viabilidade de se fazer uma reforma desde dentro do sistema
monárquico. A esta noção Ortega se aproxima ao propor “fazer a experiência monárquica”. (SANTOS
JULIA, 2006, 155-156)
54
mentor, o nascimento da revista significou o início de uma preocupação que seria uma
constante orteguiana: a do uso da imprensa como veículo de expressão dos intelectuais.
Claro que os intelectuais já usavam a imprensa antes de Ortega: Unamuno,
Azorín e companhia se desdobravam, como vimos, entre as páginas de diversos jornais.
No entanto, a geração de Ortega vai mais além: não se trata de publicar em vários
jornais e sim de criar um periódico que fosse o espaço de difusão das idéias de um
grupo específico, com opiniões confluentes. Uma espécie de tribuna consciente de um
setor da intelectualidade. Da confluência dos interesses de Ortega e de Nicolás María de
Urgoiti, representante de empresários da indústria de papel de Bilbao, se dá o
desenvolvimento de um verdadeiro império editorial18, ao qual a Revista de Occidente
está diretamente relacionada.
Os contatos entre Urgoiti e Ortega começaram quando este ainda publicava no
jornal El imparcial, um dos mais importantes de Madri na época, de espírito liberal
“conservador” e que pertencia à sua família. O empresário bilbaíno representava um
grupo de investidores da indústria do papel decididos a expandir os negócios, motivados
pela expansão comercial dos anos da Primeira Guerra.
O projeto de ambos era comprar o jornal “liberal conservador” de propriedade
familiar para transformá-lo em porta-voz dos setores industrial e financeiro vascos
avançados, e dos intelectuais que desejavam se expressar fora dos meios tradicionais
(LÓPEZ CAMPILLO,1972, 49). Este grupo pretendia disputar espaço com os órgãos de
imprensa ligados aos interesses dos grandes e médios “terratenientes”, como ABC, La
época, o El Debate (CHABÁS, 1952). A questão é que El Imparcial se aproximava
mais dos interesses agrícolas que dos industriais, o que inviabilizou a venda e resultou
na ruptura de Ortega com o órgão da família e na criação do diário El Sol em 1917.
18
Em nossa dissertação de mestrado, no sub-capítulo 3.1, que se refere às condições materiais da sua
existência, indicamos como a Revista de Occidente está diretamente ligada a este processo. (SANTOS,
2005)
55
O jornal teve à sua disposição a tecnologia mais moderna, o que indica que
dispunha de consideráveis recursos financeiros, e se constituiu como um projeto
arrojado.
Tanto desde el punto de vista de la tipografía como de la información o de la
calidad de los colaboradores, este periódico representó un gran paso adelante
en la prensa española [...] entre los periódicos creados desde el final de la
primera guerra [...] es el que concede más importancia a la vida cultural.
(LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 50).
A experiência positiva de El Sol, ao se tornar um dos mais importantes de
Madrid, e o desejo do grupo de Urgoiti de expandir os negócios no mundo editorial
ocasionaram a fundação, em 1919, da editora Calpe. O novo empreendimento também
contou com a colaboração do intelectual, que dirigiu a coleção “Biblioteca de Ideas del
Siglo XX”. A expansão dos negócios levou Calpe a fundir-se com a editora catalã
Espasa, transformando “Espasa-Calpe” em um dos grandes grupos editoriais da época.
A criação de tal império não seria entendida sem a consolidação da autonomia
relativa do campo intelectual espanhol.
[...] a medida que se multiplican y se diferencian las instancias de
consagración intelectual y artística [...] y también las instancias de
consagración y difusión cultural, tales como las casas editoras, los teatros, las
asociaciones culturales y científicas, a medida, asimismo, que el público se
extiende y se diversifica, el campo intelectual se integra como sistema cada
vez más complejo y más independiente de las influencias externas [...], como
campo de relaciones dominada por una lógica específica, la de la competencia
por la legitimidad cultural. (BOURDIEU, 1967, 137)
Algumas destas condições aparecem plenamente no início do século XX, quando
se criou uma série de instituições, muitas delas a partir da constituição do “Ministerio de
Instrucción Pública” e da JAE (Junta de Ampliación de Estudios e Investigaciones
Científicas). A partir de 98 e através do trabalho da JAE a velha universidade da
Restauração se renova pouco a pouco em prol de preocupações técnicas e científicas.
Entre 1910 y 1923 los nuevos profesores impulsaron laboratorios, seminarios,
bibliotecas y revistas. La ciencia española sacudió el marasmo en que había
vivido, y sobre todo en los campos de la filología, arqueología, historia, arte,
matemáticas y ciencias naturales labró profundos surcos que la empalmaron
con la extranjera (VINCENS VIVES, 1985, 365)
56
Do mesmo modo, o público leitor aumentava progressivamente. Apesar do alto
índice de analfabetismo no país, surge uma crescente demanda de uma classe intelectual
em florescimento, fruto da modernização iniciada desde as lutas da ILE. E é justamente
deste abismo entre uma massa pouco mais que alfabetizada em alguns casos e uma
classe média recém especializada, que surge o novo tipo de intelectual que escreve para
um jornal determinado. Em vez de figuras individuais à procura de um espaço para
colocar o seu artigo, o novo intelectual se representa dentro do seu coletivo de idéias, ou
seja, do seu grupo intelectual, através das seções de opinião, nas quais publicará com
assiduidade. (SANTOS JULIA, 2006, 166)
À diferença dos anteriores, também não escreverá sobre tudo. Como
consequência da sua especialização técnica, cada intelectual abordará temas sobre os
quais está autorizado, diante de um público que a partir de então também está
autorizado a exigir a competência técnica de quem escreve. No caso de Ortega, seria
através das páginas de El Sol que grande parte desta minoria seleta imbuída de guiar os
destinos da nação expressaria tanto as expectativas quanto as frustrações em relação às
suas últimas esperanças de que a monarquia mesma propusesse as bases da reforma
parlamentar democrática que tanto esperavam. Só que o ano agora era o de 1918, e o
contexto o fim da 1ª guerra mundial. A vitória dos aliados foi lida como a vitória final
do novo sobre o velho regime e a expectativa girava em torno à chegada das mudanças à
Espanha.
Com a queda das dinastias alemã (Hohenzollern), Austro-Hungara (Habsburgos)
e russa (Romanov) era inevitável a modernização nacional, para a qual Ortega chega a
divulgar um “programa mínimo: “reforma constitucional, descentralización, política
social. (El sol, 4/11/1918 apud SANTOS JULIA, 2006, 172). O problema é que para
57
Ortega esta reforma só poderia ser realizada pela minoria seleta, a quem cabia guiar os
destinos da nação. Sendo assim, as mudanças não viriam de baixo para cima, uma vez
que a massa não estava apta para reivindicar nada, principalmente depois dos episódios
de manifestações populares da greve geral e da semana trágica, os quais a
intelectualidade pequeno-burguesa observa com terror. O que desejam “es que el rey,
clave de arco de la vieja política, llame a Melquíades Álvarez y le confiera el cargo de
formar Gobierno con objeto de convocar elecciones a Cortes Constituyentes para acabar
de una vez con la vieja política.”(SANTOS JULIA, 2006, 172)
Claro que as mudanças não chegaram e, depois de uma série de governos de
concentração e alternâncias de ministros (todos figuras recorrentes da Restauração:
Maura, Romanones, Dato, entre outros) o tempo passou e na Espanha, como sempre,
“no pasó nada”. O entusiasmo cede lugar à decepção, posto que não se viabilizaram as
mudanças estruturais de que o país tanto necessitava. É neste panorama, mistura de
florescimento intelectual e descrédito das instituições políticas que representam o poder,
incluídas aqui a Monarquia e a figura do Rei, os partidos de turno e o próprio sistema
parlamentarista, aliado ao desgaste político e social provocado pelos acontecimentos de
1917 (greves) e de 1921 (desastre de Annual), que se instalaria o Golpe militar do
General Primo de Rivera.
2.2 CHEGA A DITADURA
Em 13 de setembro de 1923, o General estabelecia o Estado de Guerra em
Barcelona e lançava um manifesto aos espanhóis, no qual apresentava o seu governo
como uma alternativa não desejada, mas necessária para resolver a profunda crise em
que se encontrava a nação. Sua missão consistia em libertar a Pátria “de los
profesionales de la política, de los que por una u otra razón nos ofrecen el cuadro de
58
desdichas e inmoralidades que empezaron el año 98 y amenazan a España con un
próximo fin trágico y deshonroso.” (PRIMO DE RIVERA, 1923, s/n). Assim
caracterizava a Ditadura como uma solução provisória, encarregada de manter a ordem
pública até que, em breve tempo, o país dispusesse de “hombres rectos, sabios,
laboriosos y probos, que puedan constituir ministerio a nuestro amparo, pero en plena
dignidad y facultad para ofrecerlos al rey por si se digna aceptarlos.” (PRIMO DE
RIVERA, 1923, s/n).
Não é difícil observar nestas linhas a representação dos anseios de uma tradição
regeneracionista: combate à incompetência e corrupção políticas, crise da nação (com
alusão explícita ao ano de 98) e no aparecimento de um cirurgião de ferro, que tomaria
as rédeas da situação até a constituição de uma classe intelectual capaz de guiar o país.
“Basta ya de rebeldías mansas, que, sin poner remedio a nada, dañan tanto y más la
disciplina que esta recia y viril a que nos lancemos por España y por el rey. (PRIMO
DE RIVERA, 1923, s/n).
Parece que nisto de “melhor uma rebeldia viril do que um monte de bravatas de
jornal” coincidiu uma grande parte da intelectualidade, que compactuou com o sistema
desde o começo, como Ortega. Em sua primeira intervenção pública após o golpe, o
ensaísta via neste a possibilidade de acabar com o velho parlamentarismo corrupto dos
partidos liberal e conservador. “Alfa y omega de la faena que se ha impuesto el
directorio militar es acabar con la vieja política” [...] a un propósito tan excelente, no
cabe ponerle reparos. (ORTEGA Y GASSET, 1946, 176) Como ele, os colaboradores
de El Sol também plasmavam a sua esperança em torno às mudanças que poderiam
derivar do novo governo. Através do próprio editorial do jornal reconheciam que o que
seria destruído com a nova ditadura não era em si um regime parlamentarista e sim, na
melhor das hipóteses, “un seudoliberalismo” (SANTO JULIÁ, 2006, 176)
59
Mas o consentimento viria não só das páginas da publicação liberal.
Representante do nacionalismo catalão, o presidente da Mancomunitat de Cataluña
(órgão administrativo criado em 1914) Josep Puig i Cadafalch dizia ao General que,
diante do dilema de optar entre “un hecho extralegal y la corrupción”, se decidiria pelo
primeiro, desde que Primo de Rivera levasse em consideração as questões regionais na
construção do futuro Estado. (SANTOS JULIÁ, 2006, 177) Suas expectativas seriam,
talvez, as primeiras a se verem frustradas, uma vez que em questão de 3 meses o novo
governo diria a que veio, iniciando o processo de dissolução da Mancomunitat.
Mais longa foi a colaboração socialista, apesar das divergências entre os
oriundos da tradição parlamentar (Indalecio Prieto y Fernando de los Ríos), contrários
ao reconhecimento do governo, e os sindicalistas (Largo Caballero) da UGT, mais
propensos a colaborar com o regime. A participação se deu em torno da política sindical
de Primo de Rivera, que estabelecia uma organização vertical (constituída com o
mesmo número de representantes patronais e sindicais) que partia dos comitês paritários
(locais) até chegar a um conselho de corporação de cada ofício, cuja presidência era
nomeada pelo governo. (QUEIPO DE LLANO, s/d, s/n). Na verdade mais do que uma
esperança nas transformações políticas a serem postas em prática pela ditadura, a
colaboração socialista se baseava no fato de que para o socialismo tanto Monarquia
quanto República eram, em última instância, formas de governo burgueses, que não
atendiam às necessidades do proletariado. De qualquer forma a sua posição
colaboracionista se alterou a partir de 1928, quando se convocou uma Assembléia
Nacional escolhida indiretamente e o PSOE se recusou a participar. A partir de então e
com a crise da ditadura, os socialistas tomam o rumo do republicanismo.
60
Poucos foram os intelectuais que se manifestaram contra o regime desde o
começo. Sem considerar os anarquistas e comunistas19, relegados à ilegalidade desde o
começo, destacou-se caso de Miguel de Unamuno, que pelas suas declarações foi
desterrado em Fuerteventura, de onde não deixaria de se posicionar criticamente. No
entanto, o modo isolado de ser intelectual, característico do reitor salmantino e sua
geração, não representava uma ameaça em potencial, pelo menos não como articulador
de um movimento que derrubasse não só a ditadura como também a monarquia.
Este era o perfil mais adequado para Manuel Azaña, quem ao início da Ditadura
abandonaria o partido reformista e se lançaria, junto a José Giral e Enrique Martí Jara, à
formação de Acción Republicana. Este era um grupo pequeno em sua origem, mas que
se converteria em partido20 importante durante as transformações de 1930/31 e os anos
da Segunda república. Apesar de coincidir com muitos intelectuais da sua geração e de
gerações anteriores em que o atraso espanhol se devia à distância que separava
historicamente a pátria do desenvolvimento europeu, o caminho para a solução era
diferente. Defensor da democracia, Azaña acreditava que o problema de Espanha não se
resolveria nem com escolas e despensas, nem com a criação de uma minoria seleta.
Ainda que estas fossem questões importantes para o jurista, essencialmente se tratava de
uma questão de Estado, ou seja, da reformulação da estrutura do poder, o que não se
resolveria por si só com mais escolas ou um com grupos de intelectuais que atuassem
desde o seu campo especializado, mas sim com democracia. À diferença dos senhores
de 98 e de Ortega, a sua trajetória inevitavelmente teria que rumar para a ação política.
(SANTOS JULIA, 2006)
19
O Partido Comunista da Espanha (PCE), recém criado em 1921, não constituiria uma força de grande
expressão no período.
20
Acción Republicana se converte em partido só em 1930, pelo qual Manuel Azaña se candidata nas
eleições de1931 e pelo qual chegará a ser presidente da República
61
Se em 1913, assim como Ortega - ou influenciado por ele, como quase todos os
de sua geração, o futuro presidente tinha tomado o rumo do reformismo, na expectativa
de que a democracia chegasse sem derramamento de sangue, em 1923 Azaña pediu o
desligamento do Partido e se colocou na primeira fila da oposição à ditadura. Na sua
concepção já não era possível nenhuma transformação dentro dos limites da Monarquia,
uma vez que enxergava no Rei a responsabilidade, se não pelo golpe, pela legitimação
do poder de Primo de Rivera. A partir deste momento se dedicaria a organizar os
republicanos e reeditar a aliança republicano-socialista de 1909, pois entendia que estas
eram as duas forças capazes de derrotar a Monarquia.
Até então, observamos como desfilavam pelo cenário político nacional figuras já
conhecidas do campo intelectual espanhol, com mais ou menos idade e com diferentes
formas de atuação. Diferente, pois, era o panorama da nova geração. Os nascidos por
volta do início do século e que iniciam sua produção sem preocupação outra que a
questão estética das suas obras até descobrirem o povo nos anos 30 (SANTOS JULIA,
2006, 227).
Estes intelectuais são os que se encontraram em Madrid, oriundos de diversos
lugares da Espanha, e viveram na juventude a modernização da cidade: o aumento da
população, a criação da Gran Vía, como novo espaço de circulação, o trânsito de carros
e bondes e a construção do edifício Telefónica, primeiro arranha-céu da Europa (ABC,
2010). Se sentiam à vontade, portanto, dentro desta modernidade, como afirma Rafael
Alberti
Yo nací - !respetadme! – con el cine.
Bajo una red de cables y de aviones.
Cuando abolidas fueron las carrozas
de los reyes y al auto subió el Papa.21
21
Este poema e uma série de comentários de alguns autores da Geração de 27 citados à continuação
foram extraídos de uma entrevista de Luis García Montero a Rosa Chacel, Rafael Alberti, Francisco
Ayala e José Bello. Intitulado “Memoria viva del 27”, o texto está publicado no volume monográfico
sobre o tema da revista Cuadernos Hispanoamericanos (ver referência completa no final deste trabalho).
62
À essa urbanização da cidade correspondia uma urbanização da vida intelectual,
fruto de uma abertura que começou com a ILE e que mostrava os seus frutos numa
geração que dispunha de espaços diversificados para se encontrar e trocar idéias. Desde
os lugares institucionais como a Residencia de estudiantes, onde viveram Lorca, Luis
Buñuel e Salvador Dali, o Centro de Estudios Históricos ou as bibliotecas públicas, até
os espaços das tertúlias do Café Pombo ou de algumas revistas, como a própria Revista
de Occidente, se misturava o debate entre as duas gerações anteriores e as novas
tendências de vanguarda. Porque esta geração, desavenças e naturais debates à parte,
não precisava negar os anteriores para afirmar os seus propósitos.
Ao contrário, as leituras de Unamuno, Machado, Juan Ramón Jiménez ou
Gómez de la Serna foram consideradas parte da sua bagagem cultural. Se tratava de
uma “República das Letras”, segundo Francisco Ayala (MONTERO, 1993, 17) marcada
pelo grande interesse literário e científico e fomentada pela amizade. “La seguridad que
proporciona situarse en una tradición creadora se multiplicaba con la solidez de los
vínculos afectivos que traban así que se conocen. (SANTOS JULIA, 2006, 235)
Se até agora viemos adotando o conceito de geração, apesar das limitações já
referidas, seria natural que seguíssemos o mesmo caminho, mas como o conceito de
Geração de 27 se aplica, com frequência, apenas a um grupo de poetas, que se destaca
neste período, evitaremos o termo. Mesmo conscientes de que o que estamos relatando
brevemente é a trajetória de uma parte da intelectualidade espanhola que surge neste
momento, não mencionando, por exemplo, a “outra geração de 27”22, entendemos que o
uso de tal terminologia excluiria de nossa análise nomes importantes como alguns já
citados: Buñuel, Dali, Francisco Ayala e Rosa Chacel. O que tratamos de retratar,
22
Termo a que se refere a uma série de escritores, principalmente romancistas, que não se inserem na
perspectiva associada à definição de arte desumanizada de Ortega. (BOETSCH, 1998, 22)
63
portanto, é este espírito de efervescência cultural e de fraternidade que marca a década
de 20 e que aos poucos cederá lugar ao tipo de intelectual comprometido.
Seguindo o entusiasta esteticismo das vanguardas iniciais e da proliferação da
vida acadêmica e literária estes jovens se depararam no meio do caminho com a com as
novas manifestações populares, com as manifestações estudantis de 1929, fruto da crise
da Monarquia nos últimos anos da ditadura. Da sua torre de marfim, de repente são
impelidos a se misturarem com o povo, a rehumanizar a sua arte e a vida.
A estas alturas, até os que inicialmente não se opuseram a ditadura, como
Ortega, pertenciam ao coro da oposição. Assim sendo, uma série de intelectuais, de
gerações diferentes, chegava a 1930 com uma reivindicação comum na bagagem:
derrotar a Monarquia e proclamar a República.
No início deste capítulo aludimos à ideia de uma “história dos intelectuais sem a
massa” mas só agora podemos esclarecer o significado de tal expressão: o que vimos foi
(talvez à exceção dos recém-chegados) a trajetória de um setor da intelectualidade que
em grande medida evitou o contato com a massa e que, até o advento da República não
precisou encará-la como problema seu.
Vimos, brevemente, como o desenvolvimento do capitalismo na Espanha se deu
principalmente depois do começo da Primeira Guerra Mundial e foi nesse processo que
aumentou consideravelmente a concentração nas cidades. Isto não quer dizer que não
houvesse manifestações de massa antes, ou que esta não existisse como conceito. Fosse
em 1909, na semana trágica de Barcelona, ou em 1917, nas greves, a massa já estava ali.
Mas a questão é que até 1930 esta não era um problema direto a resolver, uma vez que
aqueles intelectuais não estavam dentro das esferas de poder. Podiam analisá-la, criticála, mas ao mesmo tempo manter-se distantes. Podiam se lançar ao debate na defesa do
caso do professor Ferrer, mas o faziam desde a sua posição de intelectuais, desde este
64
lugar superior e etéreo, que até se solidariza, mas não se mistura com os verdadeiros
anseios da maioria.
O problema é que a partir de 1930/31 isto se tornou impossível porque a massa,
paradoxalmente, se converteria em aliado e em problema ao mesmo tempo. A conquista
do poder político pela burguesia implicava que agora ela teria que governar para essa
massa que detestava, que lhe provocava repulsa. Digo governar, não no sentido de fazer
o bem ou se preocupar pelo desenvolvimento coletivo e sim no sentido de que agora
todas as atitudes da massa se tornavam questões que passariam pelas decisões de quem
exercia o novo poder, a burguesia. Ser oposição era mais conveniente em certo modo, já
que se poderia gritar ou racionalizar soluções, mas estas sempre seriam tomadas por um
outro.
Ironicamente tinha sido a massa excluída dos projetos reformistas de 1914 e do
golpe de 1923 quem apontou a solução, votando e desautorizando a monarquia. A “via
pacífica”, tão elogiada, como se deu o trânsito para o novo sistema levava em si o germe
do seu paradoxo. A massa que derrubava o rei também passava a ser a massa com a qual
a República obrigatoriamente teria que lidar. Enquanto foram oposição, os intelectuais
podiam protestar distanciados da massa. Agora que “governavam” eram obrigados a se
relacionar com ela.
A democracia, como valor, se converte em problema, já que essa mesma
democracia traz a reboque o sufrágio universal, que por sua vez “dá poder as massas”.
Isto acontece porque “democracia”, no fundo, é um conceito relativo, só preenchido a
partir do sujeito que a proclama. Para uma burguesia opositora ao sistema monárquico,
em luta pela obtenção de um poder político referendado pelo domínio econômico,
democracia significa a ruptura da hegemonia do “sangue”, da linhagem. Neste caso, os
ideais de “igualdade, fraternidade e liberdade” são lidos como chave da disputa entre
65
uma classe ascendente baseada na “igualdade do capital” frente a um estrato
descendente, baseado nos privilégios sanguíneos.
Quando a burguesia assume o poder este conceito libertador se converte em
ameaça. A democracia liberal se converte em “império das massas”. O sufrágio que
democratiza vulgariza a própria democracia. Contradições de uma intelectualidade que
ao mesmo tempo em que é profundamente burguesa, não consegue deixar de ser
“aristocrática”. Começava, então, efetivamente, em 1930 a Rebelião das massas
espanholas.
Como a partir de agora, entraremos no estudo dos anos específicos do nosso
estudo, passaremos a tratar das questões referentes ao campo intelectual espanhol e à
política mais geral dentro das análises do corpus à medida que forem necessárias. Este
procedimento é importante uma vez que estudar os textos lançados nas revistas culturais
implica estudar os sentidos que adquirem no momento da sua publicação. À diferença
do livro, estas são mais dinâmicas e intimamente ligadas ao contexto em que foram
geradas, pois se tratan de “publicaciones periódicas deliberadamente producidas para
generar opiniones (ideológicas, estéticas, literarias, etc.) dentro del campo intelectual.”
(ALTAMIRANO; SARLO, 1983, 96)
66
2ª PARTE
COMEÇA A REBELIÃO DAS MASSAS
67
3. METODOLOGIA
Antes de iniciar a análise dos volumes estudados é preciso esclarecer a
metodologia aplicada. Ao afirmarmos em nossa dissertação de mestrado que a
construção do discurso da R. de O. passava pela escolha e seleção dos temas publicados,
definidos como princípios de “hierarqua e clareza”23 nos Propósitos da revista,
precisávamos definir que critérios utilizar para englobar tantos textos e observar as
afinidades entre eles24.
O primeiro critério se relacionou à organização formal da publicação. O sumário
da R. de O. estava dividido em duas partes: artigos e notas, claramente diferenciados
pelo tamanho das letras e o espaçamento entre linhas 25.
“A primeira parte continha, em geral, escritos de autores de reconhecida
importância, ou nomes jovens que a publicação pretendia destacar como
importantes. [...] Em geral eram textos mais longos (ensaios, capítulos de
livros, fragmentos de romances, ou romances curtos, obras de teatro) que
ocupavam cerca de 30 páginas, com exceção da poesia, que naturalmente
necessitava de um espaço menor, mas nem por isso menos importante. Quando
o texto era demasiado extenso a revista tinha o hábito de publicá-lo dividido
em duas, ou se fosse o caso, três edições.” (SANTOS, 2005: 71)
“Um dos principais instrumentos de orientação da leitura constitui a segunda
parte da revista, intitulada “notas”. Tratava-se, muitas vezes, de resenhas de
livros, mas também apareciam comentários sobre filmes, sobre os artigos
publicados na primeira parte da mesma ou de outras edições, sobre um evento
considerado importante, homenagens (por morte, recebimento de prêmios,...)
etc. Muitas vezes o estudo das notas relativas a um tema resultou ser mais
relevante, para nosso trabalho, do que a leitura dos artigos em si, uma vez que
revelavam o pensamento da revista sobre um tópico em específico, ou,
principalmente, porque demonstravam certa unidade de opiniões. Sob o rótulo
de “seção de notas”, revestidas de uma “diversidade aparente”, disfarçadas de
“pequenos” comentários secundários frente aos grandes “artigos”,
apresentadas em espaço e fontes menores, a Revista de Occidente construía o
seu discurso crítico.” (SANTOS, 2005: 76)
Como a relação entre forma e conteúdo é sempre uma relação de mútua
construção, em que o desenvolvimento de um responde e gera necessidades ao outro,
23
ver “esclarecimentos prévios”.
Como esta metodologia foi desenvolvida durante o mestrado, me pareceu interessante apresentar em
anexo o capítulo da minha dissertação referente ao tema. Ver anexo E.
25
Ver Anexos A, B e C.
24
68
pode-se afirmar que o modo como a publicação se organizou respondia a necessidades
intrínsecas ao seu projeto. “A divisão em duas partes (artigos e notas) plasmava,
fundamentalmente, os processos de seleção e orientação propostos nos conceitos de
“hierarquia e clareza”. (SANTOS, 2005, 77)
Os dados quantitativos fornecidos pelo livro de López Campillo26 (número de
autores que publicaram, número de textos que publicaram, número de autores nacionais
e estrangeiros, por exemplo) nos ajudaram na construção de um panorama geral mas,
além dos números, ou melhor, diante dos números era preciso saber o que fazer.
Por isso elaboramos pequenos bancos de dados, separados por ano de
publicação27, que nos fornecessem informações mais específicas como, por exemplo, se
o texto era sobre literatura (literário ou crítico), e em caso afirmativos se se tratava de
poesia ou prosa (dentro da prosa, se era biografia), se era filosófico, científico... Ainda
assim essas definições se mostraram igualmente confusas, uma vez que se revelou
muito difícil a separação estrita de tais textos, principalmente porque muitos se
encontram em fronteiras muito tênues como é o caso das biografias, ora “romanceadas”
ora mais “históricas”. Deste modo, dentro do critério “quantitativo” intervieram os
dados qualitativos fornecidos pela nossa leitura dos textos. Lidos dentro do contexto da
publicação os textos apresentam características que são suficientes para aglutiná-los em
grupos e ajudar nossa análise.
26
CAMPILLO, E. López. La revista de Occidente y la formación de las minorías. Madrid, 1972. É o
principal estudo publicado sobre a primeira etapa da Revista de Occidente. Na primeira parte a autora
traça um perfil da trajetória de Ortega y Gasset, examina algumas questões sobre o surgimento da
publicação (tais como, a intelectualidade da época, os primeiros passos e o público) e sobre os
colaboradores da revista. Na segunda parte, é feito um apanhado da “evolução” das áreas do saber
(filosofia, sociologia, literatura, historia...) dentro da R. de O. ao longo dos anos. Além disso, o livro
conta com um anexo sobre as coleções publicadas pela editora Revista de Occidente e uma lista dos
colaboradores e seus artigos publicados. Trata-se de um levantamento muito interessante, uma análise
quantitativa dos dados que nos serve como ponto de partida para uma apreciação qualitativa das
informações. Segundo a autora, a leitura dos artigos da R.deO. corrobora a intenção de “pluralidade”
definida no texto “Propósitos”, publicado no primeiro número. Nosso trabalho consiste em analisar como
por trás desta pluralidade se constrói um discurso unificado e bastante coeso, expressão de um projeto
político para a Espanha.
27
Nossa intenção é juntá-los no futuro.
69
Também é preciso esclarecer o critério utilizado para as citações. Como o nosso
estudo partiu da análise das edições da Revista de Occidente num formato encadernado,
em que cada volume está composto de três edições, perfazendo um total de quatro
volumes por ano de publicação, as referências se fazem em relação à numeração dos
volumes e não a das edições mensais. Além disso, mantivemos a referência a estes
volumes como aparecem em espanhol, ou seja, representados pela palavra “Tomo”.
Assim numa citação (R. de O., t. XXIX, 1930, 40) nos referimos ao “tomo” (volume)
XXIX. Nosso objetivo foi somente facilitar a identificação visual entre a referência e a
forma como aparecem identificados os volumes.
Como em muitos casos aqui analisados a referência ao mês da edição se faz
importante, optamos por incluir estes dados nas primeiras citações de cada artigo ou
nota, no caso de que não haja alusão explícita ao período no corpo do texto. Esta
operação visa a facilitar o entendimento do leitor, a situá-lo cronologicamente no debate
da publicação.
Por fim, é importante ressaltar que a maioria dos dados aqui avaliados serão
fornecidos na medida em que forem necessários às análises. Deste modo, passaremos,
agora, ao estudo dos textos referentes aos volumes de 1930 e 1931.
70
4. A MASSA
A massa [...] é uma metáfora do incognoscível e do invisível. Não podemos
ver a massa. Multidões podem ser vistas; mas a massa é a multidão em seu
aspecto metafísico – a soma de todas as multidões possíveis, e isto pode
assumir forma conceitual apenas como metáfora. A metáfora da massa serve
aos propósitos da auto-afirmação individual porque transforma as demais
pessoas em um conglomerado. Nega-lhes a individualidade que atribuímos a
nós mesmos e às pessoas que conhecemos. (CAREY, 1993, 27)
A historia da “massa”, e o da racionalização deste conceito, se insere nas
profundas transformações sociais da segunda metade do século XIX, com a
consolidação do desenvolvimento industrial e o consequente aprofundamento das
contradições do sistema capitalista, cujo ponto de partida é a “desencantada reflexão de
liberais franceses e ingleses no convulsivo período pós-napoleônico que vai da
Restauração à Revolução de 1848” (MARTIN-BARBERO, 2008, 52) É nesta mistura
de decepção com o caos social gerado pelo progresso e medo à multidão que
conformam as classes trabalhadoras, que se desenvolve “um movimento intelectual que,
a partir da direita política, trata de compreender, de dotar de sentido o que está
acontecendo.” (MARTIN-BARBERO, 2008, 53)
Do povo heróico conduzido pela liberdade do quadro de Delacroix às barricadas
na Paris de 1848, o que se observa não é só uma transformação no modo como a
burguesia percebe e se relaciona com a multidão empobrecida pelos efeitos do sistema
capitalista, mas também uma modificação na forma como se dão as relações “entre
práticas culturais e movimentos sociais” que revelam a passagem do popular ao massivo
ressituando o problema “no espaço histórico dos deslocamentos da legitimidade social
que conduzem da imposição da submissão à busca do consenso.” (MARTINBARBERO, 2008, 131) É neste processo de luta pela hegemonia que se inserem os
discursos que procurariam identificar e realizar uma verdadeira análise de um fenômeno
então emergente e assustador. Desde a declaração de guerra às massas por homens
71
superiores postulada por Nietzche, passando pela análise da democracia americana de
Tocqueville como a “tirania das maiorias” até a psicologia das massas de Gustave Le
Bon, se produz esta abstração da massa a partir das multidões que permeará boa parte
do imaginário burguês mais conservador até a Segunda Guerra Mundial.
Nesta linha se desenvolve o pensamento de Ortega, que se dedica à questão das
massas em dois textos fundamentais para a compreensão das suas idéias políticas:
Espanha Invertebrada e A rebelião das massas28. Ambos os textos se originam de
artigos publicados por Ortega no Diário El Sol e partem da ideia fundamental de Ortega:
o que caracterizava a sua época era o Império das massas, maioria de pouca capacidade
intelectual que passou a controlar os destinos das nações.
O capítulo inicial de “A rebelião das massas” se intitula “o fato das
aglomerações” e sua observação inicial é a de que “as cidades estavam cheias de gente”.
Ortega parte de um fato visível real, identificando as massas com as multidões que
invadem “os hotéis, os trens, os cafés, as salas dos médicos famosos, os espetáculos ou
as praias”. Mas para Ortega a novidade não era a existência de muita gente, embora
reconhecesse que tal “maioria” vinha se multiplicando com uma velocidade assustadora:
a população européia tinha passado em pouco mais de um século de 180 para 460
milhões de habitantes!“(ORTEGA Y GASSET, 1930, 72). O problema era que aquela
gente passara a existir como multidão, isto é, ela tinha se tornado visível.
Los individuos que integran estas muchedumbres preexistían, pero no
como muchedumbre. Repartidos por el mundo en pequeños grupos, o
solitarios, llevaban una vida, por lo visto, divergente, disociada, distante. Cada
cual [...] ocupaba un sitio, tal vez el suyo, en el campo, en la aldea, en la villa,
en el barrio de la gran ciudad.
28
Neste momento analisaremos especificamente a questão da massa. Outros aspectos igualmente
importantes dos textos serão abordados mais adiante. Como a concepção de massa é a mesma nos dois
trabalhos e a diferença entre eles é que o segundo é um desenvolvimento mais aprofundado das questões
que já estavam em “Espanha invertebrada”, com uma maior análise do cenário mundial, utilizaremos
citações de ambos para caracterizar o pensamento de Ortega y Gasset sobre o tema.
72
Ahora, de pronto, aparecen bajo la especie de aglomeración, y
nuestros ojos ven dondequiera muchedumbre. ¿Dondequiera? No, no;
precisamente en los lugares mejores, creación relativamente refinada de la
cultura humana, reservados antes a grupos menores, en definitiva, a minorías.
(ORTEGA Y GASSET, 1930, 11)
A heresia consistia justamente nesta inversão de papéis, pois, na concepção
orteguiana, a historia da organização social dos homens se regia pela relação entre uma
maioria vulgar, de capacidade intelectual limitada e destinada a saber obedecer, e uma
minoria seleta, cuja função era guiar as massas e cuja característica era saber mandar.
Esta relação se daria em uma espécie de “forma natural” em que a massa, reconhecendo
a superioridade da elite intelectual, reconheceria também o seu direto a mandar.
Ocorreria uma articulação entre o que autor chamava de “exemplaridade e
docilidade”. Diante da presença de um ser superior, o homem exemplar, a admiração
que este suscitava em uma pessoa inferior a levaria a reorientar a sua vida de modo a
segui-lo de forma dócil. “He aquí el mecanismo elemental creador de toda sociedad; la
ejemplaridad de unos pocos se articula en la docilidad de otros muchos. El resultado es
que el ejemplo cunde y que los inferiores se perfeccionan en el sentido de los mejores.”
(ORTEGA Y GTASSET, 1922, 64)
Aqui entronca o pensamento de Ortega com o arquétipo de Jung
“Esta capacidad de entusiasmarse con lo óptimo, de dejarse arrebatar por una
perfección transeúnte, de ser dócil a un arquetipo o forma ejemplar, es la
función psíquica que el hombre añade al animal y que dora de progresividad a
nuestra especie frente a la estabilidad de los demás seres vivos”. (ORTEGA Y
GASSET, 1922, 64)
Estes arquétipos existiam desde o início da organização social do homem,
convertidos depois em mitos e lendas, funcionando como aglutinadores da espécie em
torno ao exemplar mais perfeito. Quando as massas se rebelam, isto é, quando se
negam a ser massas e se tronam indóceis, começa a dispersão dos indivíduos e a
73
decadência do Estado. Esta era a situação da Espanha, e da civilização ocidental, para
Ortega.
5. A MASSA NA REVISTA DE OCCIDENTE
Os dados quantitativos aportados não só pelo livro de LÓPEZ CAMPILLO, mas
também pelo nosso “banco de dados” revelam em 1930 uma distribuição de textos que
apontam continuidades e mudanças no perfil da publicação, se comparado ao ano
anterior. O estudo das edições de 1930 é emblemático no sentido de que este ano é
apontado pela crítica como o ano do “giro estético” (mudança estética), ou seja, aquele
que marca o aumento crescente da preocupação “política” na revista. Junto aos anos de
1929, já estudado em nossa dissertação, 1931 e 1932 (ano do retraimento de Ortega),
nosso trabalho procurou observar as transformações pelas quais passou a Revista de
Occidente no intervalo de tempo marcado pelo início da oposição de Ortega y Gasset à
Ditadura de Primo de Rivera, com o episódio da sua demissão da Universidad central de
Madri, até a decepção com a República, marcada pela publicação de “Rectificación de
la República”, no final de 1931, cujo impacto se verifica nas edições de 1932.
Tais transformações se relacionam não só ao conteúdo dos textos apresentados,
mas também à presença de una nova seção intitulada “Visto y oído”, ao debate sobre o
papel da arte, e da literatura em especial, e à reorganização do campo intelectual rumo à
polarização que caracterizaria a Guerra Civil. Entender este momento da publicação
como um momento de redefinições e, portanto, de transição, é muito importante na
medida em que não deixa escapar “um dos elementos essenciais da produção cultural: a
inovação no momento em que acontece; a inovação em processo.” (WILLIAMS, 2000,
198)
74
Em termos de continuidade se observa, de um lado, o grande espaço dedicado à
literatura, que ocupa aproximadamente cinquenta por cento dos textos publicados
(sejam textos literários ou textos críticos), e a manutenção de um bom espaço para a
biografia até 193129. De outro, prossegue a forte presença de textos sobre
fenomenologia, acompanhada, no entanto, da diminuição de escritos sobre a nova física
quântica e o seu impacto na filosofia30.
O foco se desvia de um debate mais teórico acerca dos postulados filosóficos da
fenomenologia e da elevação da filosofia à categoria de ciência, autorizada pelas
recentes descobertas no campo da física, para destacar a importância da redução
fenomenológica como método. Tal operação já tinha começado em 1929 com a
publicação em novembro e dezembro do artigo “El asco” (“O nojo”), de Aurel Kolnai
(R. de O., t. XXVI). Como parte da função de orientar a leitura, a publicação inseriu una
pequena introdução ao texto, estabelecendo a relação entre a corrente filosófica antes
apresentada e o interesse específico que ela suscita.
La corriente fenomenológica suscitada en Alemania por Edmund Hüsserl (del
cual esta Revista ha publicado su famosa obra Investigaciones lógicas) ha
logrado sus mejores resultados en la descripción de los sentimientos humanos.
Como ejemplo de análisis fenomenológico publicamos el siguiente de Aurel
Kolnai sobre un sentimiento, tan indescriptible a primera vista. En este análisis
se puede ver de qué manera la fenomenología descubre valores y leyes
objetivas determinables científicamente en lo que, como los sentimientos,
parecía vago, fluctuante, subjetivo, caprichoso. (R. de O., t.XXVI, nov. 1929,
161)
Deste modo, o direcionamento iniciado em 1929 se consolida em 1930 como
uma tendência a um distanciamento da questão filosófica mais metafísica e uma
aproximação às questões mais concretas do ser humano, seja no plano do indivíduo ou
29
Sobre o papel da biografia romanceada na Revista de Occidente, ver SANTOS, 2005, cap. 6
Em nossa dissertação estabelecemos a relação entre a crise do sujeito e as descobertas da nova física: a
teoria da relatividade, o princípio da incerteza, a idéia de que a matéria é constituída de energia. Se em
1929 se publicaram 5 artigos e duas notas, em 1930 aparecem somente dois artigos: “Continuidad e
individualidad en la física moderna”, de Luis de Broglie (R. de O., t. XXVII), e “La ciencia y el mundo
invisible”, de Eddington (R. de O., t. XXIX).
30
75
no seu aspecto coletivo: por um lado certo psicologismo dos sentimentos e por, outro a
questão do Estado.
5.1 A PSICOLOGIA DAS MASSAS
Como “psicologismo dos sentimentos” caracterizamos não só os artigos e notas
cujo discurso se insere no âmbito da psicologia como ciência (textos normalmente
escritos por intelectuais especializados nessa área do conhecimento), entre os quais se
incluem os de fenomenologia clínica31, y caracterologia32, mas também aqueles que de
alguma forma apresentam questões ligadas à psicologia ainda que esta não seja o foco
principal
do
assunto
(como
podem
ser
textos
filosóficos,
antropológicos,
sociológicos...).
Com tal preocupação aparecem em 1930 seis artigos e duas notas: “Lugar del
amor en la vida humana” (Bertrand Russel, t. XXIV, jan.), “El esnobismo como fuerza
intelectual en el mundo” (Franz Werfel, t. XXVIII, maio), “Las sensaciones táctiles”
(nota de Ledesma Ramos sobre el libro de David Katz, El mundo de las sensaciones
táctiles, t. XXVIII, jun.), “El origen del pudor” (nota de Juan Dantín Cereceda sobre
livro homônimo de Enrique Casas Gaspar, t. XXIX, ago.), “Fragmentos sobre la
angustia” (Soren Kierkegaard, t. XXX, nov.), “La psicología del llanto” (B. Schwartz, t.
XXX, dez.), Climaterio de la cortesía (G. Pittaluga, t. XXX, dez.).
31
A fenomenologia clínica surge fundamentalmente como aplicação do método de redução
fenomenológica (Husserl) aos fatos psíquicos, cuja operação consiste em “en abordar las realidades, sean
externas y objetivas o precisamente íntimas y subjetivas, observándolas, con completa imparcialidad, tal
como aparecen, excluyendo cualquier juicio de valor y las posibles relaciones de causa o efecto con otros
hechos.” Como antecedentes, além de Husserl, se situam a filosofia do ser de Nicolai. Hartmann e
principalmente as idéias de Max Scheler, da qual parte uma “fenomenologia dos sentimentos”, em cuja
linha se observam os trabalhos de David Katz, promotor da psicologia da Gestalt, sobre a fenomenologia
das cores, e os de Merleau-Pointy sobre a percepção. (Enciclopedia GER).
32
Caracterología - Comprende los estudios relativos a lo que hay de específico en las diferentes
variedades de individuos y a lo originalmente personal de los mismos; es, pues, el conocimiento y
clasificación de los caracteres, tema implicado con el de los temperamentos, por lo que existen diversas
clasificaciones según que los autores asimilen más o menos el carácter (v.) al temperamento (v.) o
viceversa. (Enciclopedia GER).
76
Em 1931 contamos cinco artigos: “Esquema de los problemas prácticos y
actuales del amor” (Rosa Chacel, t. XXXI, fev.), “La templanza” (Valentín Andres
Alvarez, t. XXXI, fev.), “Berlín 1931” (Máximo José Kahn, t. XXXI, mar.), “El hombre
arcaico” (Jung, t. XXXII, abril) e Amiel. Un estudio sobre la timidez (Gregorio
Marañón, t. XXXIV, dez.), além de um comentário da Revista a respeito da intenção de
publicar um número monográfico sobre Max Scheler (t. XXXIV, nov.)33.
Em comum essas análises se relacionam com uma preocupação em identificar
características do ser humano em estreita ligação com os valores éticos modernos.
Assim se parte de determinado sentimento, ou sensação, para identificá-los a
degenerações dos valores morais da sociedade de então. A partir das questões sobre o
amor, ou o pudor, ou ainda o esnobismo se encontram valores negativos de uma
sociedade que favorece o maquinismo, a mecanização do homem em detrimento da sua
capacidade criadora universal. Cabe lembrar que não é nosso objeto de estudo proceder
a uma profunda análise das correntes científicas e filosóficas citadas em relação com os
debates específicos de seus respectivos meios acadêmicos. Nos referiremos a elas a
partir da leitura que a Revista de Occidente faz de tais questões, entendendo que assim a
publicação constrói o seu discurso a fim de se posicionar no campo intelectual.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que a publicação incluía uma considerável
série de análises fenomenológicas, em consonância com a importância dada ao método
em 192934, podia permitir a inserção de outros textos relativos à preocupação com os
sentimentos que complementassem o debate. O caso de Kierkgaard é significativo, uma
vez que cronologicamente não pertence ao debate fenomenológico, mas aporta uma
33
Neste comentário a publicação reafirma a intenção de produzir tal número monográfico, mas lamenta
que as urgentes ocupações e preocupações de “caráter nacional” dos principais colaboradores da revista
impeçam a sua realização imediata. Tais ocupações se referem ao envolvimento do grupo de Ortega na
elaboração da nova Constituição republicana, como veremos mais adiante.
34
Como afirmação sobre a importância do método fenomenológico aparecem em 1930 o artigo Ludwig
Klages y su lucha contra el "espíritu" (Gerda Walther, tomos XXIX e XXX, setembro e outubro, 1930), e
duas notas escritas por Ramiro Ledesma Ramos, “De Rickert a la fenomenología” (tomo XXVIII, abril
1930) e “Esquemas de Nicolai Hartmann”
77
importante discussão que não só analisa o sentimento da angústia mas que o eleva como
motor da vontade humana e deste modo se insere no debate com os demais textos em
relação ao estudo dos sentimentos humanos. 35
Tal também é o caso do artigo “Lugar del amor en la vida humana” (Bertrand
Russel, R. de O, t. XXIV, jan. 1930) Para Russell, por uma lado, a exaltação do dinheiro
e do trabalho e o excessivo individualismo da época impedem que o ser humano cultive
o amor, “el medio principal de librarse de la soledad que aflige a casi todos hombres y
mujeres, durante la mayor parte de su vida [puesto que] [...] derriba las fuertes murallas
en que el yo está encastillado.(R. de O., t. XXIV, 1930, 04). Por outro, tanto a educação
convencional e a doutrina cristã, quanto a “confusa rebelião contra toda moral sexual”,
presente entre juventude, constituem empecilhos para a vivência do amor segundo os
seus ideais próprios e a sua moral intrínseca. Homens e mulheres se encontram, assim,
frustrados: os primeiros, obrigados a viver exclusivamente para o triunfo econômico,
relegando a vida matrimonial, e sexual, a segundo plano; as segundas, impedidas de
encontrar o amor, pois são cerceadas pela exigência da virgindade.
“Si una muchacha ha de llegar virgen al matrimonio, ocurrirá muy a menudo que
se deje prender en una atracción sexual pasajera y fútil, que una mujer con experiencia
distinguiría fácilmente del amor”. .(R. de O., t. XXIV, 1930, 06). Não se trata de fazer
apologia do sexo indiscriminado, mas de reconhecer a sexualidade como item
importante das relações amorosas, que devem ser “livres, generosas, sem travas e de
“todo o coração”.
La significación pecaminosa que una educación convencional confiere al
amor, incluso al amor en el matrimonio, obra a menudo subconscientemente
en los hombres como en las mujeres, y en aquellos cuyas opiniones
conscientes son libres como en aquellos en los que se adhieren a las
tradiciones rancias. .(R. de O., t. XXIV, 1930, 06).
35
. Poder-se-ia alegar que o objetivo da inclusão fosse divulgar a publicação, no mesmo ano, do livro El
concepto de la angustia, de Kierkgaard, pela Editora da Revista de Occidente mas, na verdade é a
publicação do livro que revela a intenção de apresentar a obra do autor.
78
Tratando do mesmo tema, mas sob uma perspectiva fenomenológica, Rosa
Chacel, no ano seguinte, aborda a questão do amor de um ponto de vista mais
metafísico. Sua tese é a de que a questão da dificuldade de que o ser humano consiga
amar consiste não em uma diferenciação de que existam a priori características inerentes
do sexo masculino e do sexo feminino, como, segundo a autora, defendem Simmel e
Jung, mas sim a partir da dificuldade que um ser em sua individualidade seja capaz de
compreender suficientemente outra individualidade “modalmente diferente de la mía
para poder ponerme en su lugar, aún concibiéndole como otro que no soy yo, como
diferente de mí mismo, afirmando al mismo tiempo con calor emocioal y sin reserva
alguna su realidad, su modo de ser” (R. de O., tomo XXXI, 164)
Sua teoria parte de Max Scheler para afirmar que a retração da alma e da
consciência a um centro íntimo, fenômeno que caracterizaria a época, constituem um
retrocesso, uma volta ao ponto de partida que só se faz quando se pretende avançar
rumo ao seu “sentido interno”.
Mediante la posesión y reconocimiento de su yo íntimo, el hombre concibe la
identidad y la diferencia de otros orbes externos. Scheler define la conciencia
de esa identidad de este modo: „El otro, en tanto que hombre, en tanto que ser
viviente, posee el mismo valor que tú; todo valor que te es exterior debe ser
situado en el mismo rango que los valores que te son propios‟. (R. de O., tomo
XXXI, 164)
Mas, a diferença do próprio Scheler, e de Russell, Rosa Chacel não vê em
termos de aspectos sociais, ou culturais, as dificuldades das relações amorosas. Não se
trata da idealização da mulher em épocas anteriores, nem da supervalorização da
importância social da mulher levada a cabo pelo movimento feminista, nem, muito
menos, da “virilização” dos valores de então, como sinônimos de “cerebralização,
tecnicismo, praticismo ou finalismo” (este último o centro da discordância com
Scheler), o problema pertenceria a uma espécie de plano “supra-social”, uma vez que
79
“este prurito de hallar el alma individual exenta de toda posible clasificación o
jerarquización que no estribe en su singular esencia, es el verdadero móvil íntimo de
nuestra época.”36 (R. de O., tomo XXXI, 165)
Em comum os dois textos apresentam a preocupação em identificar as causas de
uma crise de valores que marcam o fracasso das relações entre homens e mulheres. Esta
discussão aparece em outros artigos. Em “Climaterio de la cortesia”, a partir da
pergunta “O que é a cortesia?” Gustavo Pittaluga analisa o fim da necessidade da
cortesia masculina, como um sintoma de “un conocimiento más exacto, perspicacia
mayor, intuición más fina de la realidad”, característica dos jovens de então, que através
das novas formas de relação com a mulher, despertariam “un estado de espíritu más
serio”. (R. de O., t. XXX, 352)
Estaria o homem obrigado a abandonar as fórmulas de cortesia por exigência da
mulher atual. “Es lo cierto que hoy la mujer es la que invita al hombre a esa renuncia.
Es la mujer – hablo de las mujeres jóvenes – la que suprime las formas, la que desdeña
el homenaje, la que se enoja del empalago de la finura, la que se ríe de los modales
refinados, la que prefiere el gesto sencillo.” (R. de O., t. XXX, 352) Embora essa
descrição não venha acompanhada a princípio de uma valorização negativa do sexo
feminino, pois para o autor a consequência desta mudança nas relações inter-sexuais é a
demonstração da superioridade espiritual da mulher sobre o homem, no fim baseia tal
superioridade no fato de que a mulher não precisa do subterfúgio da cortesia para se
relacionar com o outro. “Una mirada, una sonrisa, los ademanes espontáneos de su
persona, bastan para fijar la atención, para ejercer la atracción. Son sus calidades
intrínsecas, corpóreas o espirituales, patentes por la sola virtud de la presencia, las que
la sitúan y la hacen estimar”. (R. de O., t. XXX, 358)
36
Na verdade, a autora se contradiz ao ser obrigada, para defender o seu ponto de vista “supra-social”, a
recorrer a ao que define como uma necessidade histórica, e social, de seu tempo.
80
Apesar de afirmar que no homem
“la renuncia a las formas de la cortesía le coloca en una situación de
inferioridad [...] se queda pobre, falto de cualidades nativas capaces de
atracción, entregado a la mera y escueta apreciación de sus capacidades
técnicas [...] que depende más de circunstancias ajenas a la propia persona, de
orden profesional o económico” (R. de O., t. XXX, 358)
o autor não questiona a distribuição inerente de papéis femininos e masculinos. Como
símbolo da sua defesa do feminino argumenta que se por um lado tem razão Nietzsche
ao afirmar que a mulher não é dada à invenção, característica masculina, por outro ela
“sugiere todas las invenciones, suscita en el hombre el deseo del invento, excita sus
facultades lógicas, exalta su impulso para la acción.” (R. de O., t. XXX, 358)
Esta aproximação de Pittaluga, conservadora na medida em que os “valores
inerentes” atribuídos a cada sexo coincidem com os valores morais tradicionais,
constituem a tônica de uma linha de pensamento que se expressa na revista com a
corrente Jung, Simmel, Ortega, Marañón. (LOPEZ CAMPILLO, 1972, 104).
Já em 1929 esta forma de percepção se apresentava no artigo “La mujer en
Europa (R. de O., t.XXVI, 1929), no qual Jung analisa o papel da mudança do
comportamento feminino, fundamentalmente a sua entrada no mercado de trabalho e o
questionamento das relações matrimoniais. Numa Europa arrasada pela Guerra, cujas
consequências são físicas e psicológicas, onde o homem está ocupado em “reparar os
danos exteriores”, a mulher representa a possibilidade de “curar as feridas interiores” a
partir da remodelação das bases do casamento, marcado pelas relações supérfluas, rumo
a uma verdadeira aproximação “anímica” entre os sexos.
Embora pareça esperançosa, esta constatação é angustiante na medida em que o
autor se dá conta de que a mulher, cuja característica fundamental é o Eros, acaba
levando a dianteira e conduzindo um processo em que o homem, o verdadeiro portador
do Logos, vai a reboque e na medida em que tal processo começa, contraditoriamente,
81
num aspecto ao mesmo tempo negativo e positivo para Jung: uma certa masculinização
feminina.
Por um lado, no plano individual, esta masculinização constituiu um falseamento
da mulher, que passa a ocupar profissões destinadas ao homem e a produzir certas
opiniões que na verdade brotam da sua natureza masculina37, sendo resultado, muitas
vezes, de um processo inconsciente. São “colectivas y de carácter sexual opuesto, como
si las hubiera pensado un hombre, por ejemplo: su padre” (R. de O., t. XXVI, 10) Em
alguns casos, essa opinião inconsciente pode levar ao choque com a sua verdadeira
essência feminina, produzindo a neurose.
Por outro, frente ao medo de Jung em relação à falta de objetividade feminina,
que se perde em caprichos, a aproximação com o Logos masculino talvez represente a
possibilidade da elevação cultural feminina e, portanto, uma maior objetividade em
alcançar a sua meta.
El método indirecto de la mujer es peligroso, porque puede comprometer su
fin irremisiblemente. Por eso anhela la mujer del presente una conciencia más
alta, un sentido y designación del fin, para escaparse ella misma de su ciego
dinamismo natural. Ella busca en la teosofía y en toda clase de otras cosas que
no le son peculiares [...] A este hambre reacciona el alma de la mujer, pues el
eros es lo que une, allí donde separa el Logos. La mujer del presente tiene
delante de sí una formidable tarea cultural que tal vez significa el comienzo de
una nueva época. (R. de O., t. XXVI, 32)
Na mesma linha de discussão sobre o papel feminino, Giménez Caballero
analisa o significado do mito de San Juan, cujo culto se intensifica, segundo o autor, na
segunda metade do século XIX, como resposta católica a uma maré “nórdica, liberal,
socialista: Ibsen, as promiscuidades de Zola, diabolismos de Dostoiewsky, os primeiros
escândalos do “sufragismo" em Inglaterra ou os livros socialistas sobre a mulher, Engels
e Bebel.
37
Cabe destacar que em Jung um ser humano reúne em sua natureza o masculino e o feminino e, deste
modo, um homem pode viver o feminino como uma mulher, o feminino.
82
Frente a la marea nórdica, liberal, socialista, es natural que Roma se apresara a
una defensa. Y de la mano con la fiel y patriarcal España, procurase dejar en la
conciencia de la mujer católica un límite romántico, de “neurosis”, de “mito”,
sobre lo que venía planteándose en la calle radical, brutalmente, sin misticismo
alguno. (R. de O., t.XXVII, 205)
Apesar de deixar claro o seu respeito à figura santa de São José, o autor conclui
definindo o culto “josefino” como um ideal de mulheres, dominadas por homens. “un
ansia sublime y secreta de matriarcas esclavizadas en un ambiente de tirana
patriarcalidad. Por tanto: un culto romántico femenino”.
O autor, a partir de uma reconstituição do debate iniciado com Bachofen sobre
as sociedades matriarcais, postula a existência de épocas patriarcais, baseadas no
nomadismo, na ação, na virilidade (como a época da luta peninsular contra os árabes, ou
a da Conquista da América), e outras de signo feminino, baseadas na tranquilidade
advinda do sedentarismo, fundamentalmente românticas. Seu objetivo é observar a que
signo pertencem os anos 30.
Uma diminuição do culto a São José seria o indício da entrada numa época
matriarcal38, já que o culto só tem sentido como válvula de escape de uma repressão do
masculino sobre o feminino. Apesar de não valorizar explicitamente nenhuma das
épocas, Gimenez Caballero comparte o mesmo temor que Jung no que diz respeito ao
comando transformador feminino. Como epílogo, aparece uma explicação do próprio
autor de que o texto publicado foi inicialmente uma conferência proferida no Lyceum
Club Femenino de Madrid, uma instituição criada em 1927 e destinada a defender os
direitos da mulher.
A continuação esclarece que “escolheu” tal instituição para discursar, pois esta
lhe pareceu a única atual no sentido matriarcalóide que lhe interessa: por um lado abriga
38
Vale destacar que para Giménez Caballero nenhuma época foi totalmente ginecocrática, uma vez que
não se pode comprovar a existência de uma soberania exclusiva da mulher ou mesmo da existência de um
Estado de mulheres. Se trata, portanto, originalmente de uma época de predomínio do feminino que se
deu na passagem do nomadismo para o sedentarismo na Pré-História e que ele acredita possa se repetir ao
longo da história mas de forma “atenuada”.
83
uma influência anglo-saxônica, protestante, liberal, mas por outro se baseia numa
“essência genuína” espanhola, o fato de que se deixar influenciar pela Igreja, já que
muitas associadas ao mesmo tempo que defendem a liberdade, participam da novena de
São José e regem suas vidas pela “perfecta tradicionalidad española”. Sua esperança, e o
verdadeiro motivo de falar no “Club”, é que se neste processo “elas” talvez não escutem
mais as idéias masculinas através da figura do “padre”, que agora elas escutam o que
dizem o seu correlato moderno: o intelectual
Bastante diferente é o texto Berlim 1931 de Maximo José Kahn, quem analisa a
mudança de comportamento da mulher alemã, que “em vez de ser mãe, que ser somente
mulher”, o que leva a uma redefinição do papel do casamento e a uma mudança no
modo de encarar as relações sexuais. Kahn se aproxime mais a de Russell, ao ver nessa
decisão um processo positivo.
Apesar das diferenças, podemos afirmar que, fundamentalmente, todos os textos
anteriores se debruçam sobre este mesmo fato. Todos partem de uma realidade,
pertencente a um senso comum: a entrada da mulher no mercado de trabalho durante a
Primeira Guerra, fruto, entre outros fatores, da necessidade de assumir postos deixados
pelos homens obrigados a ir para o campo de batalha, alterou a sua função social e
levou a um questionamento das relações sexuais. Como uma espécie de clichê, todos se
referem à crise do casamento, baseado no que eram relações de fachada, e à separação
entre sexo e amor.
Todos, em última instância, aspiram, por um lado, ao desejo do amor livre,
verdadeiro, (no sentido de comprometido com o ser amado e não com as regras morais
tradicionais), e todos “sublimam” este amor como verdadeiro novo motor da sociedade.
Mas, por outro, talvez à exceção dos textos de Russell, Kahn e Chacel, nem
sempre o que se entende por amor ou novas relações são de fato relações que postulam a
84
ruptura do paradigma tradicional da submissão feminina. A associação entre
mentalidade feminina e ordem e norma e mentalidade masculina e poder criador (único
capaz de modificar a sociedade existente) permite estabelecer uma analogia entre a
mentalidade feminina e o inconsciente coletivo (LOPEZ CAMPILLO, 1972, 105), o
que relega o feminino ao âmbito da massa, passível, portanto, de se enquadrar na
psicologia desta.
Embora esta preocupação com os fenômenos psíquicos que caracterizam o ser
humano não desapareçam após 193139, cabe observar que aparição do tema se
intensifica de maio de 1930 até abril de 1931, quando se interrompe até novembro de
1931, provavelmente devido à atividade política do grupo de Ortega, envolvido na
elaboração da nova Constituição espanhola. Ortega, Gregorio Marañón e Gustavo
Pittaluga (os dois últimos, médicos que colaboravam assiduamente na publicação)
foram eleitos deputados para a assembléia constituinte em junho de 1931, cuja
Constituição se publicou em dezembro do mesmo ano. Este envolvimento é um dos
aspectos mais relevantes para a análise das questões políticas presente na Revista de
Occidente no período de nosso estudo.
5.2 A CRISE DO ESTADO
Passaremos a bordar, então, a questão do Estado. Observando os volumes de
1930 e 1931, verifica-se a presença de textos preocupados com a crise dos valores
europeus, frente ao surgimento da massa e do modo de vida americano, com o papel do
Estado como instituição e, especificamente, textos que aludem a estas questões dentro
da sociedade alemã.
39
LÓPEZ CAMPILLO (1972, 94) indica que os principais colaboradores sobre o tema (Simmel, Ortega,
Marañón e Jung) publicam com regularidade ao longo da primeira etapa da revista
85
Como vimos no sub-capítulo anterior, a questão das relações amorosas, o papel
da mulher e do homem na construção de uma nova sociedade estavam na ordem do dia
e se relacionavam com as mudanças advindas dos novos modos e comportamentos da
massa. Mas a questão do que são atributos femininos e masculinos, como massas e
minorias, não está isolada de uma reflexão maior acerca do papel do Estado e da
cultura.
O motivo inicial do citado texto de Giménez Caballero é discutir se a Espanha
passa por um período masculino ou feminóide, sendo a maior ou menor força do culto a
San José, respectivamente, uma forma de comprovação de um ou outro estado. Da
mesma forma, em Jung a análise do papel da mulher européia está relacionada à
transformação necessária ao renascimento da Europa como um entreposto, um lugar
intermediária entre o oriente “asiático” e o ocidente anglo-saxão (entenda-se, aqui,
Estados Unidos), separados por “abismos raciais e ideológicos”
En Occidente, la mayor libertad política y la mayor servidumbre personal; en
Oriente, lo contrario. En el Occidente, un desarrollo inabarcable de la
tendencia técnica y científica de la cultura europea; en Oriente, una erupción
de todos aquellos poderes que amenazaron en Europa este impulso cultura. El
poder del Oeste es material, el del Este es ideal. (JUNG, R. de O., t. XXVI, 02)
Esta é uma das preocupações centrais de Ortega em 1930. Vimos como na
primeira parte de A rebelião das massas se estabelece o que o autor entende como
dinâmica do crescimento das sociedades: a relação entre umas minorias seletas,
responsáveis pela condução dos destinos de uma nação, e amassa vulgar, que deve
seguir a orientação da minoria. É no não cumprimento dessa “lei social”, ou seja, no que
caracteriza como o impulso da massa em “asumir las actividades propias de las
minorías” (ORTEGA Y GASSET, 1930, 19), fato característico do seu tempo, que
radica o processo de decadência da Europa.
86
A partir desta conclusão, na segunda parte Ortega defende uma unidade européia
a través da superação dos Estados Nacionais, comparando-a com os dois poderes
emergentes de então: Estados Unidos e União Soviética. Para Ortega nem um nem outro
se constituem como possíveis líderes mundiais na medida em que, por diferentes
motivos, se constituem em nações jovens incapazes de prover o mundo de um novo
espírito, porque no fundo os motores do desenvolvimento de tais nações não são outros
que idéias originadas na Europa: o marxismo na Rússia e a evolução da técnica nos
Estados Unidos.
Este triplo eixo de análise ganharia corpo em toda a dimensão editorial
capitaneada pelo próprio Ortega. À publicação de La rebelión de las masas em El Sol,
corresponde uma intensa produção na Revista de Occidente, tanto na revista em si
quanto na Editora, sobre a crise dos valores espirituais da Europa (CAMAZON
LINACERO, 2000, 381) e sobre a situação dos Estados Unidos e a Russia.
Desde a crise 1929 se observa a preocupação em estudar o fenômeno americano,
cuja visão pragmática, de negócios, por um lado, e de frivolidades, por outro, não
agradam ao rígido pensamento intelectual europeu, “La invasión del norteamericanismo
es un problema que, en mayor o menor grado, está planteado hoy a casi todos los países
europeos. Es un problema, no sólo económico, sino de cultura, del cual no podemos
desentendernos los occidentales.” (R. de O., t. XXVII, 1930, 377. nota introdutória ao
texto “El americanismo, realidad y tópico, de Teodoro Luddecke)
A publicação promove uma série de artigos que visam a destacar os aspectos
negativos da sociedade americana, que conectam com a idéia de Ortega da “América
jovem”, sem experiência para se tornar líder mundial, e que ganham, depois do crack de
1929, um aspecto de sansão histórica irrefutável. (CAMAZON LINACERO, 2000, 382)
87
Esta é a tese de Keyserling, cujo sugestivo título “El sobreestimado niño” (algo
como “A criança super-valorizada”) fere duplamente esta noção de jovialidade
americana: mais do de nação jovem inexperiente, América conta com adultos infantis,
desde uma perspectiva psicológica. A socialização da criança americana que ocorre no
jardim de infância, em oposição à educação “do lar”, leva a uma homogeneidade do
caráter americano, ao seu espírito sempre infantil, alheio ao pensamento e suas
abstrações. A culpa é do pai que ao não se dedicar aos filhos, por chegar cansado do
trabalho e ainda ter que realizar “tarefas femininas” relativas ao cuidado da prole, não
consegue “susucitar en sus hijos el desarrollo de esa superioridad sobre la naturaleza, de
la que dependen tanto la individualización como la espiritualización, y que constituye la
verdadera diferencia entre el niño y el adulto”. (R. de O., t. XXVIII, 1930, 110)
Assim também os artigos de janeiro de 1929 de Waldo Frank, “La mujer
norteamericana”, e Las artes actuales en norteamérica, (R. de O., t. XXIII), para quem o
êxito material americano é resultado de uma separação entre impulso e ação que impede
o desenvolvimento espiritual em todos os sentidos, incapacitando o homem para o
amor, “Todo hombre cuyo impuso motor es el Poder, es un mal amante. Pues, ¿cómo
puede hablar de amor quien no lo siente?” (R. de O., t. XXVIII, 1930, 110), e para arte
Y nuestra estabilidad política, de la cual estamos tan orgullosos, es el resultado
de la misma insensibilidad ante nuestras instituciones, nuestros sentimientos y
convicciones, y el mismo escape de éstos en gestos estereotipados que (hechos
ya de antemano) nos dan la ilusión del éxito, nos hace pobres en arte. Su
desorden es un signo negativo de vida; nuestro orden es una amenaza de
muerte... (R. de O., t. XXIII, 85)
A partir de uma leitura do espaço, da arquitetura das cidades americanas, Paul
Fechter (“El espacio americano”) também localiza uma das origens do materialismo
norte-americano na falta de identidade espiritual entre o americano, no fundo ainda um
88
“imigrante europeu que não sente o novo continente como a sua “terra” e sim apenas
como um lugar, e o solo que ocupa.
La comunidad europea – por muy escéptica que se juzgue – era, sin embargo,
y en definitiva, una comunidad espiritual; en cambio, al otro lado se constituyó
rápidamente una comunidad de negocios, sobre la que no flotaba – como ideal
de unión – ninguna idea nacional, espiritual o religiosa, sino la simple idea de
éxito. (R. de O., t.XXV, 185)
Como remate de pessimismo, duas análises sobre economia americana “El
capitalismo norteamericano”, de Charlotte Lutkens (R. de O., t. XXXII, mayo 1931) e
“El sentido de la crisis norteamericana”, de M. J. Bonn (R. de O., t. XXXIV, out.
1931)40. Para LUTKENS o grande desenvolvimento econômico norte-americano não
pode ser interpretado como um maior desenvolvimento do capitalismo como sistema
nem e, como consequência, as suas instituições político-econômicas podem ser
consideradas modelos. Favorecida por uma “peculiar e excepcional situação das bases
naturais da economia”, que não é a expressão de seu estado sociológico, o capitalismo
americano não é mais do que “um pseudo-capitalismo tardio”.
Como pano de fundo, o que está em jogo é a necessidade imposta por Ortega de
retificação das idéias européias a respeito dos Estados Unidos como portador das
respostas à crise da civilização ocidental.41 Se a América não se constituía, portanto, em
uma solução, também não convencia como alternativa uma adesão à revolução
bolchevique, à qual se tecem várias críticas. Mas é curioso observar que, se sobre os
Estados Unidos se plasmam uma série de artigos sobre os valores americanos, nesta
mesma linha aprecem somente dois textos sobre Rússia: uma nota de Antonio Espina,
40
Ambos capítulos de livros publicados no mesmo ano de pela Editora Revista de Occidente.
“Después de la Rebelión de las masas [...] se publicó el libro de Keyserling América, un libro lleno de
intuiciones certeras. Yo quise entonces tratar el asunto en todo su desarrollo. Inicié la versión de ciertas
obras que aportaban una rectificación de las ideas europeas en torno a Estados Unidos, entre ellas la de
Carlota Lutkens El Estadoy la sociedad en Norteamérica. “ Fragmento do artigo “Sobre los Estados
Unidos”, publicado por Ortega y Gasset no periódico Luz, 27 de julho de 1932. Citado por LÓPEZ
CAMPILLO, 1972, 137.
41
89
resenha do livro “Rusia a los doce años”. (R. deO., t.XXIV, abril 1929) e “Situación
actual de la Rusia Soviética”, de Paul Fechter (R. de O., t. XXXII, jun. 1931).42
Isto não significa que o país passasse quase inadvertido pela publicação. Além
das referências presentes em outros textos que tratam sobre os Estados unidos ou a
Alemanha, observamos uma série de notas que comentam produções artísticas russas,
cujo teor, a partir de 193043, revela um ponto de vista sobre a situação daquele país.
Observamos duas tendências diferentes na avaliação sobre a Rússia. Por um lado, a de
que, superada a violência inicial de um período de guerra, o país estaria entrando numa
etapa de revolução instalada, que poderia ser construtiva.
Antonio Espina, na resenha do livro Rusia a los doce años, de Julio Alvarez del
Vayo, indica que “A los doce años la situación es muy distinta. El régimen se afianza y
la contrarrevolución desaparece como peligro material, para convertirse en inolvidable
ejemplo del pretérito”. (R. de O., t.XXIV, abril 1929, 128). Do mesmo modo, Francisco
Ayala, comentando o livro Citroen 10 H.P., do escritor russo Eliá Erenburg, destaca que
o leitor “En seguida reconocerá allí la Revolución instalada, constuctiva, con su peculiar
genio y su peculiar temperamento” (R. de O., t. XXX, nov. 1930).
42
Este último capítulo do livro La política económica de la Rusia Soviética, publicado, junto com o
citado de livro de Lutkens, dentro de uma coleção da Editora da Revista de Occidente intitulada Libros de
Política . Esta coleção foi lançada em 1931 e só constou desses dois títulos.
43
Esta afirmação se refere somente aos anos por mim estudados, ou seja, de 1929 a 1932. De fato, à
exceção do texto de Antonio Espina, os outros textos de 1929 tratam de outros aspectos que não a
Revolução. LÓPEZ CAMPILLO (1972, 131) assinala uma certa evolução dos artigos sobre a Rússia que
passam “de una objetividad indulgente a una relativa apología del régimen (principalmente en Antonio
Espina) y luego, a partir de 1931, a una actitud más crítica, pero a cargo de colaboradores extranjeros
(Haensel, Waldo Frank, Liam O”Flaherty)”. Isto leva a autora a argumentar a favor de que a objetividade
e a amplitude dos diferentes testemunhos apresentados colocam a Revista de Occidente no lado oposto à
propaganda anti-soviética habitual nos meios conservadores espanhóis. No entanto, acreditamos que seria
preciso um olhar mais atento ao momento de publicação dos artigos e notas para relativizar esta
afirmação. Seria importante considerar que este é um período conturbado da Revolução soviética,
marcado pelo acirramento das disputas internas, do controle de Stalin, do plano quinquenal (1928-1932),
da expulsão de Trostki (1929), do debate acerca do realismo socialista que culmina com o decreto de
Stalin de 1932 e o Congreso de Escritores Socialistas de 1934. Assim nas notas sobre a Rússia aparecem
confusas as figuras de Trostsky e Stalin, por exemplo. Não se pode desconsiderar que dois dos textos que
analisamos foram escritos por russos que estão fora do país e outro por um visitante estrangeiro
simpatizante do comunismo.
90
Por outro lado se observa a partir de 1931 uma linha mais crítica a respeito das
verdadeiras condições de vida e da Revolução marcada pela presença, em 1932, de dois
textos literários “El cadáver del zarismo”44, do escritor irlandês Liam O‟Flaherty (R. de
O., t. XXXV, jan.), introduzido por um artigo de Antonio Marichalar acerca do autor 45,
e “La alegre ventura, do escritor russo Mikhail Zochtchenko (R. de O., t.XXXVIII,
nov). O primeiro é o resultado de uma visita a Rússia, na qual o escritor se mostra
decepcionado pela visão de Leningrado, uma cidade desolada, o próprio cadáver do
czarismo, onde “ninguém sorria e todas as caras tinham “una expresión oprimida de
miedo, hambre y agotamiento nervioso”.(R. de O., t. XXXVIII, 71). A construção da
imagem negativa do país vai se afirmando no contraste do diálogo entre o visitante e um
médico russo que lhe serve de guia no percurso que vai do porto até a casa do doutor
anfitrião. O efusivo discurso revolucionário do médico russo aparece como algo
mecânico, decorado, diametralmente oposto à realidade que vai descrevendo. Frente à
sugestão de O”Flaherty de irem nas carruagens que ele lera nos livros o médico replica:
“- Comprenda usted – me dijo - . La realidad es ésta. Esos coches son una
reliquia del zarismo. Es el deber de nuestro proletariado liquidarlos. [...] Es
imposible para todo amigo del soviet ruso favorecerles utilizando sus
servicios. No; iremos en tranvía [bonde], que es un método científico de
transporte, y el que emplea comúnmente el proletariado.” (R. de O., t.
XXXVIII, 70).
Depois de uma série de peripécias que vão desde a tentativa de tentar no bonde
lotado, passando pelo “inconveniente” de estar misturado entre uma multidão
“malcheirosa”, disputando espaço entre socos e pontapés, até o fato de só conseguirem
saltar dois pontos depois do lugar desejado, a conclusão do narrador não poderia ser
outra: “Esto es lo que él llama transporte científico – pensé yo maliciosamente. [...] Si
44
O primeiro era um capítulo do livro Como está Rusia (no original I went to Russia) a ser publicado pela
editora Espasa-Calpe.
45
“Liam O‟Flaherty (R. de O., t. XXXV, jan.)
91
me hubiera quedado algún aliento le hubiera dicho lo que pensaba del transporte
científico, del plan quinquenal y de toda su maldita tierra. .(R. de O., t. XXXVIII, 72).
O segundo é um conto que relata a história de um jovem russo, Sergio (em
espanhol), que convida uma moça para ir ao cinema, mas não tem dinheiro. Depois de
várias tentativas de consegui-lo, marcadas pela angustia da contagem regressiva do
tempo até a hora do início da sessão, decide pedir emprestado a uma tia distante, de
quem será o único herdeiro. Para sua sorte a tia falece e ele se casa com a jovem e passa
a ter uma situação razoável. A ironia reside no fato de que o autor se dirige ao leitor par
dizer que pretende escrever uma história amena, feliz, ao contrário do que estão fazendo
atualmente os escritores russos. No entanto, há uma contradição entre o suposto final
feliz e a condição miserável de Sergio e da Rússia, marcada pela descrição do mercado
público e das baratas que sobem pela casa da tia, e os desejos materialistas do jovem,
que não sente a mínima compaixão pela morte do seu parente mais próximo, pois seu
único desejo é o de se encontrar com a jovem Katucha.
Ambos autores tinham sido comentados na nota “Ironías rusas”, de Antonio
Marichalar. (R. de O., t. XXXIII, set. 1931) O autor parte do rechaço à atitude da crítica
russa de condenar uma peça de teatro do diretor russo Meyerhold não pela sua falta de
qualidade mas sim por seu desenvolvimento inoportuno, porque atenta contra o “dogma
comunista”. Segundo Marichalar, na Rússia a obra não precisa ser de qualidade, o que
não pode é colocar o sistema em dúvida e por isso não pode admitir a ironia. Isto é o
que diferencia o trabalho de Zochtchenko e O”flaherty. Apesar da crítica inscrita em
ambos, o primeiro, mesmo sendo comunista, é incapaz de transmitir uma impressão
irônica, seu texto é pesado “gruñón y sombrío”. Para Marichalar, “No es Zochtchenko
un rebelde. Sirve al gobierno ruso y, entre burlas y veras, propaga su política y su credo
forzando los opacos destellos del humorismo.” (R. de O., t. XXXIII, 1931, 345).
92
Já o texto do irlandês “que se considerava comunista”, é, para o autor, o primeiro
livro irônico escrito sobre a Rússia, que paradoxalmente é menos rígido justamente por
ser mais ambíguo, como explica melhor no texto introdutório ao artigo de Liam
O‟Flaherty. Se por um lado O‟Flaherty “repugna del fanatismo bolcehvique” por outro
se identifica com os aspectos humanos universais da vida russa. “Encuentro que la
humanidad en Rusia es esencialmente la misma que en cualquier otro país; que las
gentes tienen las mismas necesidades, las mismas ambiciones, las mismas virtudes, los
mismos vicios. “ (apud MARICHALAR. R. de O., t. XXXIII, 1931, 58). O
Bolchevismo seria, então, o verdadeiro antídoto religioso ao materialismo do século
XX.
Por fim, a análise sociológica está escrita por Paul Haensel,um intelectual russo
refugiado, ex-professor da Universidade de Moscou. Do livro La situación actual de la
Rusia soviética, se publica na revista o capítulo que trata da questão da falsa democracia
sob controle forte do Estado e do insignificante, ou melhor, humilhante papel que
exercem os intelectuais na Rússia soviéticas, subordinados à ditadura da massa operária
inculta. Embora se trate de um livro sobre os aspectos econômicos do novo sistema, é
emblemático que o capítulo publicado na revista seja o alusivo às precárias condições
do intelectual. Haensel descreve os baixos salários de professores, engenheiro e médicos
(menores que os dos operários) e a constante perseguição pelos membros do Partido
Comunista.
A partir da presença de tais textos, o leitor não pode menos que ir construindo
uma opinião negativa. Em comum os três textos têm a autoridade de terem sido escritos
por pessoas ligadas à Rússia, os dois últimos por intelectuais russos exilados e o
primeiro, por um irlandês convertido ao comunismo.
93
Cabe destacar que as duas “tendências” aqui sinalizadas não constituem
divergências teóricas profundas entre os intelectuais da Revista de Occidente. No fundo,
a leitura “esperançosa” sobre a Rússia constitui uma reflexão sobre os prós e os contra
dessa nova experiência “colossal”, em palavras de Espina, a qual não se pode fechar os
olhos, em contraposição a uma “serie degradatoria de imperialismos alucinados” que se
vê na Europa. Nem Espina nem Ayala percebem o sistema de governo russo como uma
superação histórica do capitalismo. O primeiro pretende destacar a importância russa
como o único freio ao que denomina “Internacional de imperialismos alucinados”, na
medida em esta constitui um “fermento de insurreição” temido pelas nações capitalistas
(R. de O., t. XXIV, 128). O segundo elimina esta dicotomia ao ver o capitalismo
moderno “tan semejante en ciertos rasgos fundamentales al socialismo soviético [...]
como divergente en otros. (R. de O., t. XXX, 262)
Por outro lado a “costura” que Marichalar faz dos textos de Zochtchenko e
O‟Flaherty permanece no campo da ambiguidade, da ironia, dentro de uma distância
que não discute a teoria comunista em si e que inscreve os artigos no âmbito do
anedótico, criando uma imagem vaga e patética da Ditadura do Proletariado também
com uma forma de governo que não funcionou.
O que fazer, então, se a Europa estava imprensada por duas formas de governo
que não correspondiam às suas necessidades vitais? Porque no fundo, para Ortega se
tratava um problema de Estado. Na segunda parte de La rebelión de las masas, o
ensaísta indica que a crise dos valores europeus não consistia, como creia Spengler, na
decadência e morte da cultura européia, e sim, ao contrário, no fato de se encontrar esta
civilização com excesso de energia vital impedida de se desenvolver pela limitação dos
Estados nacionais europeus, pequenos em tamanho para um grande empreendimento
expansionista.
94
Só a superação rumo a um novo Estado Europeu forte manteria a civilização à
frente do mundo. Num mundo regido pela lei natural da composição minorias-massas segundo a qual em todos os povos existe uma minoria seleta destinada a saber mandar
na maioria, a massa, cujo papel consiste em saber obedecer - também existem as
nações-massa, destinadas a reconhecer e estimar a superioridades das nações destinadas
a mandar. É imperativo de todos os tempos que haja sempre um grupo que mande no
mundo, se ele for globalizado, como o de Ortega, certamente terá um só mandante. Se
for o mundo antigo, por exemplo, disperso em vários focos organizados, deve-se
perguntar que manda em cada “grupo de convivência”.
Residia para Ortega (1930, 206) este direito de mandar, atribuído à Europa
durante toda a Idade Moderna, não na força, que em última instância só pode ser um
instrumento deste poder quando ele já estiver instaurado. O que o caracteriza é um
“mandar natural”, baseado no “exercício normal da autoridade”, que por sua vez se
funda na opinião pública. Mas o que entende por opinião pública Ortega y Gasset?
O que revela como “opinião pública” ou mando natural não é outra coisa que a
disposição hegemônica da ideologia de uma classe dominante e de como esta se
apresenta como uma espécie de senso comum, “na medida em que representa interesses
que também reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas”
(MARTIN-BARBERO, 2006, 112). O que Ortega vê em termos naturais de mandar e
obedecer só o pode ser desde o ponto de vista de uma burguesia que identifica os seus
valores com valores universais, como verdades absolutas, inquestionáveis.
Do mesmo modo a superação das nações européias rumo a um Estado maior
único só pode ser entendida nos marcos das disputas imperialistas pelos mercados
consumidores. O exemplo dado por Ortega (1930, 246) é sugestivo
“El automóvil es invento puramente europeo. Sin embargo, hoy es superior la
fabricación norteamericana de este artefacto. Consecuencia: el automóvil
europeo está en decadencia. Y sin embargo el fabricante europeo sabe muy
95
bien [...] que la superioridad del producto americano no procede de ninguna
virtud específica gozada por el hombre de ultramar, sino sencillamente de que
la fábrica americana puede ofrecer su producto sin traba a ciento veinte
millones de hombres. Imagínese que una fábrica europea viese ante sí un área
mercantil formada por todos los Estados europeos y sus colonias y
protectorados. [...] Todas las gracias pecuniarias de la técnica americana son
casi seguramente efectos y no causas de la amplitud y homogeneidad de su
mercado. La “racionalización” de la industria es consecuencia automática de
su tamaño.
Se o filósofo coloca no centro do problema a criação do novo Estado Europeu
não esclarece qual a melhor forma que dever ter até porque o problema não é de formas
e sim da falta de um projeto futuro a ser realizado. “No son las instituciones , en cuanto
instrumentos de vida pública, las que marchan mal en Europa, sino las tareas en que
emplearlas”. (ORTEGA Y GASSET, 1930, 242) Para Ortega é preciso realizar uma
reforma do Parlamento para que este represente os verdadeiros interesses da
democracia, mas não subordina esta à existência daquele. Embora, em sintonia com sua
tradição liberal, defina os Estados Parlamentares do século XIX como as mais eficientes
formas de organização do Estado já desenvolvidas pelo homem (ORTEGA Y GASSET,
1930, 243), reitera que a democracia num mundo de “mandantes” e “obedientes” deve
adotar a melhor forma para a sua plena realização segundo o momento vivido, o que
tanto pode ser uma ditadura como um sistema parlamentarista. Frente à burocratização
da República romana, nada melhor que o Império de César
“Ese poder ejecutor y representante de la democracia universal sólo podía ser
la Monarquía con su sede fuera de Roma.
¡República, Monarquía! Dos palabras que en la historia cambian
constantemente de sentido auténtico, y que por lo mismo es preciso en todo
instante triturar para cerciorarse de su eventual enjundia.” (ORTEGA Y
GASSET, 1930, 266)
Por fim, cabe esclarecer que este princípio “europeizante” de Ortega, o seu
desejo de superação dos Estados Nacionais por uma forma superior de Estado europeu,
que reunisse a tradição de pensamento comum que incluía França, Inglaterra e
Alemanha, mas também Itália e Espanha (1930, 274), não constituía, de forma alguma,
96
uma antítese entre o crescimento espanhol e o crescimento europeu. Se Ortega propunha
uma “união européia” esta não se daria pela simples boa vontade dos povos em
cooperação: para fazer uma nação maior seria preciso que uma das nações européias
liderasse o processo, fosse “a nação que manda”. Seu pensamento representava a
essência de um nacionalismo disfarçado, cujo desejo não era outro além de inclui a
Espanha na liderança desta nação européia destinada a saber mandar.
“El hecho de que como buen nacionalista negara su condición de tal, no obvia
que el filósofo madrileño persiguiera siempre a lo largo de su vida la
nacionalización de los españoles, del pueblo y de las instituciones, de la
Monarquía o de la República, de los partidos, del liberalismo o del socialismo,
de las clases y, por supuesto, de las regiones.” (SAZ CAMPOS, 2003, 87).
É nesta direção que podemos entender o sentido de “cosmopolitismo” do texto
“Propósitos” da R. de O., que “en vez de suponer un abandono de los genios y destinos
étnicos” significa um estado de “reconhecimento e confronto com o outro”(R. de O., t. I,
03), um “cosmopolitismo nacionalista” que colocasse a Espanha em condições de
disputar espaço com as grandes nações.
A escolha do topônimo “ocidente” como título revela a intenção de usar “una
imagen que convoca a pensar un espacio más amplio que el de aquella Europa que había
sido arrasada – material y simbólicamente – por la guerra.” (VÁZQUEZ, 2003, 12)
Como afirmamos em nossa dissertação de mestrado, ao deslocar a questão para o
ocidente, a revista procurou “construir um mapa” do qual a Espanha e a revista podiam
formar parte, associados ao novo panorama dessa cultura. Ao redefinir seu espaço, ao
mesmo tempo em que se afastavam da visão de uma cultura “destruída” pela guerra
também resolviam o problema interno da geração de intelectuais anterior, que
acreditava na incompatibilidade entre a adoção do modo de vida moderno europeu e a
manutenção das “tradições” do povo espanhol. A necessidade de europeização de
97
Espanha cede lugar ao “novo cosmopolitismo do pós-guerra” anunciado nos
“Propósitos”.
La occidentalidad del título alude a uno de los rasgos más genuinos del
momento actual. La postguerra, bajo adversas apariencias, ha aproximado a los
pueblos. Los vocablos de hostilidad no impiden que hoy cuenten más los unos
con los otros y, aunque de mal humor, se penetren y convivan. Antes de la
guerra existía, en cambio un internacionalismo verbal y de gesto, un
cosmopolitismo abstracto, engañoso, que nacía previa anulación de las
peculiaridades nacionales. [...] El cosmopolitismo de hoy es mejor, y en vez de
suponer un abandono de los genios y destinos étnicos, significa su
reconocimiento y confontación. (R. de O., t. i, 02)
Ao mesmo tempo em que ser “ocidente” solucionava o dilema interno “Espanha
X Europa”, elevava o país ao mesmo patamar das outras nações, e, portanto, das outras
“culturas”. Se antes a nação precisava ser “europeizada”, não precisava ser
“ocidentalizada”, já que sua tradição e história, além do aparecimento de movimentos
artísticos sintonizados com as novas tendências, “hablaban de su legítima pertenencia a
la cultura occidental” (VÁZQUEZ, 2003, 12).
Este desejo nacionalista se expressa através da leitura de España Invertebrada.
Para Ortega (1994, 112) a razão do fracasso da Espanha consiste na “rebelião
sentimental das massas, no ódio aos melhores e na escassez destes”. O mundo se rege
pela lei fundamental de que sempre em todas as raças, e todos os povos, existem umas
minorias destinadas a mandarem, a funcionarem como o modelo a ser seguido, e uma
maioria destinada a obedecer docilmente. É a partir desta harmonia natural que as
sociedades se desenvolvem e chegam às suas épocas de apogeu (épocas Kitra). Mas
quando a massa se nega a ser massa, ou seja, se revolta e decide seguir os seus
impulsos, começam as épocas de decadência (épocas Kali), de degeneração, da qual só
sairão após a constatação do fracasso total, depois de muito sofrimento.
No entanto, esta rebelião, no caso espanhol, não era, como a intelectualidade
nacional pensava, uma questão de decadência do presente após um apogeu passado. A
nação espanhola sempre foi marcada, desde a sua formação, pela ausência dos
98
melhores, cuja origem estaria na herança visigoda, raça germana desprovida de toda
vitalidade germânica e corrompida pelas leis de Roma, incapaz de prover a Península de
minorias egrégias. “Aquí lo ha hecho todo „el pueblo‟, y lo que el pueblo no ha podido
hacer se ha quedado sin hacer” (ORTEGA Y GASSET, 1994, 93). E como o povo não
pode organizar um Estado de “prolongada consistência”, não se pode falar de
decadência de algo que nunca chegou a ser esplendoroso. A única época gloriosa,
compreendida entre 1480 e 1600, com a Conquista de América, nunca passou de uma
exceção, possível graças à precipitada união peninsular. Como Espanha foi a primeira
nação unificada tirou vantagem deste processo que por si só impulsionaria as nações.
Uma vez feita a Conquista, o país entrou numa etapa de decadência consecutiva, que
duraria até a época de Ortega.
Embora, por um lado esta trajetória negativa da história nacional pudesse soar
pessimista, Ortega não deixava de ver uma saída. Se era verdade que a Espanha vivia
sob Império das massas esta não era uma prerrogativa sua e sim uma característica de
decadência de toda uma época, a Idade Moderna. Toda uma série de valores construídos
pelas sociedades que conduziram este período, Inglaterra, França e, em menor, parte
Alemanha seriam derrubados por outros, o que diminuiria a potencialidade das grandes
nações “y los pueblos menores pueden aprovechar la coyuntura para instaurar su vida
según la íntima pauta de su carácter y apetitos”. (ORTEGA Y GASSET, 1994, 110)
Trata-se, portanto, de uma situação favorável para Espanha. Mas se esta deseja
“ressuscitar” é preciso que predomine um “apetite de todas as perfeições, um imperativo
de seleção”
La gran desdicha de la historia española ha sido la carencia de minorías
egregias y el imperio imperturbado de las masas. Por lo mismo, de hoy en
adelante, un imperativo debiera gobernar los espíritus y orientar las voluntades:
el imperativo de selección.
99
Porque no existe otro medio de purificación y mejoramiento étnicos que
ese eterno instrumento de una voluntad operando selectivamente. Usando de ella
como de un cincel, hay que ponerse a forjar un nuevo tipo de hombre español.
No basta con mejoras políticas: es imprescindible una labor mucho más
profunda que produzca el afinamiento de la raza. (ORTEGA Y GASSET, 1994,
116)
Deste “imperativo” de seleção desprende-se a real dimensão da importância do
projeto da Revista de Occidente para o filósofo como um instrumento de formação
destas minorias seletas. Vimos em nossa dissertação como o pensamento alemão
sempre foi importante para Ortega como exemplo de rigor científico a servir de modelo
para a Espanha, em oposição à frouxidão do pensamento francês que dominava na
península46.
“Esa conclusión era resultado de una diagnosis inmisericorde: la francesa era
ahora una „cultura decadente‟ que, por angostas miras nacionalistas, se resistía
a aceptar la evidencia palmaria de que „el centro de gravedad espiritual se
había desviado hacia las razas germánicas‟. (ORTEGA Y GASSET, 1901
apud LÓPEZ-MORILLAS, 1986, 21) (grifo nosso)
A citação de LÓPEZ- MORILLAS se refere ao texto “Alemán, latin, griego”
(1946), no qual Ortega defendia o ensino do alemão em todas as instituições de nível
superior espanholas, uma vez que a cultura latina, representada pela hegemonia da
língua francesa no ensino nacional, estava já superada. Não restava outra solução aos
povos românicos que “absorver o germanismo”: “La cultura germánica es la única
introducción a la vida esencial.” (ORTEGA Y GASSET, 1946, 210)
Assim, se nem Estados Unidos nem Rússia eram alternativas viáveis, ambos
dominados pelo império das massas, não restava muita alternativa a não ser escutar o
que os alemães tinham a dizer. Tal parece ser o sentido da presença dos textos alemães
46
Em nossa dissertação apontávamos que “germanizar Espanha, para o fundador da revista, não
significava substituir uma hegemonia por outra, mas buscar uma nova fonte onde beber conhecimentos
capazes de, pelo menos, abrir novas perspectivas sobre o “problema de España”. (SANTOS, 2005, 60)
Também indicamos que “numericamente se observava a superioridade da presença alemã comparada a
outras nacionalidades. Do total de 308 colaboradores, 175 são estrangeiros, dos quais 78 são alemães e
cerca de 20 são franceses. Enquanto estes produzem cerca de 30 textos, aqueles são responsáveis por 128,
quase a metade dos escritos não-espanhóis, que chegam a 267. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 71-72)
Para maior informação ver SANTOS, 2005, cap 4 “Nosostros y ellos: a cartografia da revista”.
100
na Revista de Occidente, como se desprende da nota introdutória ao artigo “El
americanismo, tópico y realidad”:
Teodoro Luddecke ensaya una definición de „americanismo‟, un poco distinta
de la corriente, y estudia, particularmente, su influencia en Alemania, pero
cuanto dice acerca de la situación de su país frente al norteamericanismo es
aplicable, en varia medida, a casi todas las naciones europeas. (R. de O.,
t.XXVII, 377)
O autor escreve sobre o domínio econômico americano e a incapacidade de
atuação alemã, imobilizada pela inércia do pensamento.
“Hay una pasión del pensar en Alemania que resulta estéril en alto grado,
porque se dirige a cosas sin importancia y porque enfoca desde un punto de
vista erróneo. El saber llegó a ser un terrible lastre. Y ¿qué sucede cuando esto
limita la capacidad de obrar del hombre, cuando, por tener demasiado lastre en
la cabeza, no alcanza a obrar más hábil y elásticamente? Esta fue la pregunta
que Nietzsche, por vez primera, hizo a la cultura alemana. Hoy se plantea el
problema de valor de la cultura alemana por segunda vez, pero mucho más
urgentemente. América está llamando a la puerta. ¿Qué es propiamente esta
América, con la cual tenemos que tratar?” (R. de O., t. XXVII: 383)
A idéia do autor é a de que a intelectualidade alemã precisa conciliar o
pragmatismo norte-americano com a reflexão alemã para assumir a tarefa política de
combater o domínio econômico estrangeiro, conseqüência da desastrosa política da
República de Weimar.
El americanismo como potencia económica positiva nos ataca con inmensa
energía en nuestro propio suelo, y una tras otra, conquista todas nuestras
posiciones económicas. Debemos ponernos en guardia enérgicamente para
conservar al menos la parte decisiva del régimen de nuestra casa. Podemos
hacerlo, por una parte, estudiando los medios y métodos americanos para
utilizarlos en nuestro beneficio. [...] Por otra parte, podemos hacerlo
tomando el rodeo de la política. El americanismo no hubiera avanzado
nunca en Alemania si no hubiera habido Versalles y la lucha de clases
alemana. Nuestra postura en la política interior y exterior desde 1919
abrió a la superioridad económica de América todas las puertas.[...] Se
combate al ulterior avance del americanismo en Alemania solamente por
medio de un cambio radical del sistema alemán actual, para impedir que los
restos de la potencia económica alemana queden bajo el influjo extranjero.
La decisión, la grandiosidad, la actividad, el cálculo frío en cuestiones
económicas, que son incompatibles con el romanticismo, es lo que nos enseña
América. Y a Alemania esta teoría le hace mucha falta. (R .de O., t. XXVII:
395, 396, grifo nosso)
101
Esta visão, tanto do intelectual quanto do processo político, coincide com a de
Ortega na medida em que expressa a importância de ser ter tanto uma “força individual”
(as minorias) quanto um projeto coletivo de futuro, o que define a força de uma nação
que manda, em última instância, pela sua capacidade de se expandir.
Neste sentido é importante esclarecer que para Ortega ser minoria seleta não
significava, de modo algum, ser inerte. Para Ortega o homem é sempre “o homem e a
sua circunstância”, um projeto vital a ser realizado conforme as necessidades do seu
tempo e isto implica ser um homem de ação, de “saber mandar”. Sendo assim, o
chamamento de Luddecke aos homens egrégios de Alemanha para que saibam “obrar”
(“atuar”) é também o clamor de Ortega aos intelectuais espanhóis. Não por coincidência
ambos partem de Nietzsche e do desejo de “ação”. Nietzsche sostenía, con razón, que en
nuestra vida influyen no solo las cosas que nos pasan, sino también y acaso más, las que
no nos pasan. (ORTEGA Y GASSET, 1994, 108)
Agora, se por um lado este “saber mandar” tem uma dimensão individual, pois é
um processo de constituição de indivíduos capazes, ele é essencialmente coletivo, dado
que o saber mandar existe para “fazer algo juntos”. Esta é a definição de nação para
Ortega e este fazer algo juntos é sempre uma tarefa expansionista, dada pelo
estabelecimento de um objetivo externo à nação. “Las grandes naciones no se han hecho
desde dentro, sino desde fuera; sólo una acertada política internacional, política de
magnas empresas, hace posible una fecunda política interior, que es siempre, a la postre,
política de poco calado”. (ORTEGA Y GASSET, 1994, 40) Este objetivo deve ser
externo porque é o único modo de convertê-lo em elemento de união das diferentes
forças internas, sejam elas diferentes raças, diferentes classes ou outro qualquer fator de
dispersão.
102
O relevante para uma nação, portanto, é a sua política exterior, que na análise de
Luddecke, vem sendo conduzida equivocadamente, abrindo às portas à superioridade
americana (lembre-se que para a R. de O., o texto de Luddecke se aplica a quase todas
as nações européias. Para Luddecke, assim como para Ortega, o problema é a falta de
intelectuais e de um projeto comum expansionista.)47
Se a interpretação de Luddecke era modélica da crise de projeto que atravessava
Alemanha (leia-se Europa) não menos o era “Clima y revolución”
48
, de K. Olbricht,
justificativa, através de “estudos climatológicos”, da superioridade do povo germânico.
Ao delimitar a nova ciência que apresenta, a bioclimática, a define como “la nueva rama
del saber que se ocupa del efecto del clima y sus alteraciones sobre la evolución y
funciones vitales de los seres vivos” (R. de O., t. XXVII, 1930, 41) e revela a sua
inquietude científica em estabelecer uma relação entre clima e nível de cultura
“Desde hace mucho tiempo me he dado cuenta clara de que entre el nivel de
cultura de la humanidad en diversas zonas y el clima tenían que existir
relaciones estrechas. Sólo faltaba encontrar un procedimiento para reducir a
números los diversos niveles de la civilización” (R. de O., t. XXVII, 1930, 56)
Deste modo, através de “dados científicos”, uma representação cartográfica de
linhas que se relacionam ao clima, conclui que
las regiones ofelotérmicas49. de los continentes septentrionales son,
particularmente, adecuadas, a consecuencia de la distribución del calor, de la
intensidad de los cambios de tiempo y de humedad media del aire, para la
producción y el desarrollo de formas elevadas de seres de sangre caliente. (R.
de O., t. XXVII, 1930, 262)
47
Deve-se ter muito cuidado para não entender desta análise a idéia de que Ortega se ressentia da derrota
alemã durante a Primeira Guerra. O autor se colocou do lado dos aliados, mas sempre “salvando” da
condenação o “espírito intelectual” alemão. O que nos interessa, no momento, é somente destacar a
proximidade entre a análise da situação alemã de então e os pontos de convergência com as idéias
orteguianas.
48
O texto foi publicado em duas edições, janeiro e fevereiro, o que era uma prática comum da publicação,
quando um artigo era muito longo.
49
São regiões que contemplam uma série de fatores, entre eles uma certa temperatura ideal, que
propiciam o desenvolvimento da cultura. Segundo o autor, zonas muito quentes e de abundância de
recursos naturais, como as selvas tropicais, levariam a uma falta de estímulo, preguiça intelectual, que
criaria seres humanos menos capazes de forjar grandes civilizações.
103
Suas explicações justificam que “Lo que llamamos historia universal no es
esencialmente otra cosa más que la elevación de la raza europea, su extensión por el
mundo y su lucha por el espacio y las materias.” (R. de O., t. XXVII, 1930, 248)
E dentro desta história do mundo
“Alemania, como núcleo de Europa, volverá a colocarse en una posición
elevada, por virtud de su situación y gracias a su energía climática; pues el
derrumbamiento de Europa que estamos pasando no está determinado por
decadencia y pérdida de energía, como el de la cultura de la antigüedad, sino
más bien, por un exceso de energías, para las cuales el espacio era
demasiado estrecho. Esta riqueza de energías del clima puede considerarse
seguramente, en primer término, como causa de la capacidad de trabajo del
pueblo alemán, y ella será la que haga posible nuestra restauración. . (R. de O.,
t. XXVII, 1930, 269)
Que existiam raças superiores e inferiores Ortega sabia na própria pele, dado que
era a herança visigoda, uma raça degenerada, a causa do males nacionais. Mas que a
ciência, o saber supremo, o rigor metodológico por excelência, o confirmasse era sem
dúvida o corolário final da sua tese. Observe-se aqui outra vez a coincidência com
Ortega: se a raça ariana é superior, o problema é o excesso de energia, seja num espaço
estreito, para Olbricht, seja num Estado estreito, em Ortega. Enfim, Alemanha (ou
Espanha, ou Europa) precisava se expandir.
Sobre a questão da raça surge um texto no mínimo duvidoso de Fernando Vela:
se trata da nota “De la mosca al hombre” (R. de O. t. XXVII, jan. 1930). O autor parece
fazer um apanhado das questões mais atuais que surgem a partir das descobertas na área
da genética. O texto é revestido de certa “isenção científica”, como se o autor se
limitasse a resumir as tendências da época: começando pelas descobertas de Mendel e
da explicação de como opera a hereditariedade o texto vai avançando na direção do
debate sobre a eugenia. A princípio Vela se mostra cético ante a possibilidade de
resultados positivos decorrente de qualquer intervenção eugênica.
Em primeiro lugar, “cientificamente falando”, porque ao contrário dos
organismos inferiores, que se reproduzem por divisão e que, portanto, efetivamente
104
reproduzem uma multidão de indivíduos iguais, a combinação dos diversos
cromossomos humanos torna impossível a obtenção de um mesmo tipo de indivíduo. O
resultado é sempre imprevisível: “Dos combinaciones „buenas‟ pueden engendrar una
inferior; de dos combinaciones „inferiores‟ nace, a veces, una superior.” (R. de O. t.
XXVII, 1930, 128).
Em segundo lugar, a própria escolha do que seria “a classe de indivíduo mais
desejável” é algo discutível.
Prescindiendo de que es discutible cuál es la clase de individuo más apetecible
y de que se escogiera, efectivamente, la más excelente, y no la más
conveniente a las clases directoras, esta regulación eugenésica – caso de ser
posible – acabaría por empobrecer la vida. (R. de O., t. XXVII, 1930, 128)
Na verdade, o que inquieta o seu pensamento, neste caso, é especificamente a
questão dos gênios (sejam da arte, da história, da ciência, etc.) vinculada a uma
concepção destes como seres humanos únicos, quem sabe resultado às vezes de
combinações genéticas boas e más, que talvez não chegassem a existir em um mundo
homogêneo. Neste caso, a defesa da multiplicidade da vida está vinculada ao medo da
perda dos melhores (genialidade) como paradoxo da busca pelos melhores (melhoria da
raça). Este é o sentido de empobrecimento da vida.
Este medo se acentua ao final, quando o autor conclui que os intelectuais
praticam um “malthusianismo prejudicial à espécie humana”, que contribui à
perpetuação dos mais fracos da espécie. Se os avanços da civilização impedem a ação
da seleção natural, a situação se agrava pela “anti-seleção a que estamos submetidos: “la
antiselección que diezma, por virtud de la guerra, el elemento robusto; la antiselección
eclesiástica que condena al celibato a muchos individuos”. Assim não sobrevive o tipo
mais apto, mais forte, sobre o mais fraco, e sim o mais “prolífico”, o indivíduo inferior.
Como solução Fernando Vela volta à questão do eugenismo, afirmando que este
só é plausível na sua parte negativa, ou seja, se não podemos produzir um ser superior
105
“sabemos evitar una combinación mala”. Além de citar casos de esterilização em massa
o autor destaca que se abrem novas perspectivas
[...] suplir las carencias hereditarias por medio de tratamientos ejercidos sobre
el organismo en formación. Existen medios artificiales para obtener, en ciertas
especies de animales inferiores, embriones más robustos que los normales.
¿No llegará el hombre a encontrarlos para su propia especie? (R. de O. t.
XXVII, 1930, 132).
Por fim aparecem dois textos de Carl Schmitt, intelectual que aderiu ao nazismo
e cuja teoria do Estado serviu de suporte a este sistema: “El processo de neutralización
de la cultura” (R. de O., t. XXVII, fev. 1930), no qual apresenta uma análise do papel da
técnica na sociedade moderna, e “Hacia el Estado total” (R. de O., t. XXXII, maio
1931), no qual faz uma dura crítica ao Estado “mínimo” liberal burguês e à sua idéia de
auto-regulação. Em oposição a este Estado inoperante defende a criação do Estado
Total, no qual se daria a identidade entre Estado e sociedade, cujos exemplos seriam a
Rússia e a Itália.
A sociedade alemã se encontraria em um estágio intermediário, o Estado
Pluralista, caracterizado por partidos sólidos
[...] son hoy la mayoría de los partidos, en parte, formaciones sólidas
completamente organizadas, en parte están insertos en un complejo social
completamente organizado, con una burocracia de mucha influencia, con un
ejército permanente de funcionarios pagados y un sistema entero de
organizaciones de ayuda y apoyo que abarca una clientela conexionada
espiritual, social y económicamente. La extensión a todas las esferas de la
existencia humana, la anulación de las separaciones y neutralizaciones
liberales de las diversas esferas, como religión, economía y cultura; en una
palabra, lo que antes hemos llamado la conversión hacia el Estado „total‟, se ha
realizado ya, para una parte de los ciudadanos y en cierto grado, por algunas
organizaciones sociales, de modo que, si bien no tenemos todavía un Estado
total, ya hay formaciones de partidos sociales que tienden a la totalidad y que
abarcan totalmente a sus huestes desde la juventud. [...] una al lado de otra,
forman y sostienen el Estado pluralista”. (R. de O., t. XXXII, 1931, 150)
No entanto, apesar do avanço que representam, são estes partidos os que
retardam o caminho da sociedade alemã em direção a este estágio superior do
desenvolvimento organizacional humano. É a existência de uma pluralidade de partidos
106
em um sistema Parlamentarista, que usam e abusam da Constituição, os que convertem
o processo legislativo em um jogo de interesses grupais fragmentados “por medio [del]
cual la división pluralista se fortalece cada vez más más y la formación de una unidad
estatal cada vez más se encuentra en mayor peligro.” (R. de O., t. XXXII, 1931, 150)
Como conclusão, para seguir na direção do estado total “no sirve ya para nada
andar con fórmulas y antifórmulas adecuadas a la situación de la monarquía
constitucional del siglo XIX, tales como la de la „soberanía del Parlamento‟, para
resolver el problema más difícil del Derecho constitucional actual.” (R. de O., t. XXXII,
1931, 156)
Semelhante atitude já se encontrava no texto de Jiménez Caballero, que atribui o
desejo de “seguranças políticas (Parlamento, Constituição) ao signo feminóide da era
que atravessa Espanha:
Si el signo es viril: lejos está lo romántico. La virilidad no consiente el gemido,
la desolación, ni el tiquismiquis. Pero si eses signo se afemina, como en la
España nueva que adviene poco a poco: ideas pacifistas, pelo en el hombre,
temor a lo violento, disgusto por la aventura lejana – conquistas,
intervenciones, raids -, libertad sexual, predominio del intelectual y del orador
[...] retorno a ciertas tradiciones tranquilas, a ciertas “seguridades políticas”
(Parlamento, Constitución), es que el romanticismo está a las puertas: pálido,
malévolo y serpentino; con la faz de Eva, la manzana ingerida. (R. de O., t.
XXVIII, 179)
No início deste capítulo afirmamos que tanto as discussões sobre o psicologismo
ou o papel do Estado destacam nos volumes da R. de O. estudados. Agora podemos
afirmar que é mais do que compreensível que estes textos apareçam com mais força em
1930. É certo que a publicação desde o seu início se inseria no projeto de criar uma
intelectualidade capaz de conduzir as massas e que, portanto, os textos publicados de
certa forma se relacionavam à solução deste problema, fosse a teoria da relatividade de
Einstein ou a poesia de Guillén, mas a mudança do cenário político, espanhol ou
mundial, transformam as discussões sobre o papel do Estado, do intelectual ou da
massa, que deixam de ser abstrações distantes da realidade de 1923, para se tornarem
107
questões prementes, materializáveis nas aspirações de uma burguesia espanhola que há
muito tempo vinha desenganada. Analisar o Estado alemão, soviético ou americano,
bem como os seus valores culturais e sociais implicava em definir um modelo para a
nova Espanha possível, aquela que há mais de um século esperava a República, mas que
ao mesmo tempo que desejava a democracia, temia que esta se convertesse no império
das massas.
Até aqui fizemos uma análise das questões teóricas em torno da questão das
massas postas pela Revista de Occidente aos seus leitores, ressaltando uma operação
esperada por uma publicação cultural, cujo propósito era falar de intelectuais para
intelectuais. Fossem questões sobre o estado ou sobre psicologia o debate apresentado
remete a problemas centrais vividos na Europa, e claro na Espanha, mas mantendo
sempre a distancia necessária com a alusão a fatos da realidade imediata espanhola, ,
operação condizente com perfil de “discurso científico” que reveste de autoridade uma
“crítica especializada”. Passaremos a continuação a observar os textos que já não podem
se manter no suposto plano “acadêmico” e estabelecem um diálogo com o leitor sobre o
cotidiano. Sinal dos tempos contraditórios, plasmado na metáfora de Fernando Vela a
respeito da importância do vitalismo, da necessidade de a filosofia superar a “falsa
contradição entre vida e espírito”
Los filósofos se han percatado, ante la avalancha del irracionalismo, de que es
llegado otra vez en la historia el momento de “salvar el espíritu. Pero también
se han percatado de que el espíritu no puede salvarse si se empeña en resistir
sin ceder. No hay más que un camino de salvación: renunciar, circunscribir el
espíritu, colocarle en su verdadero lugar, dentro de sus límites reales,
abandonando a la “vida” sus verdaderos derechos. Ni uno más ni uno menos.
Se trata de algo semejante a una nueva Constitución. (R. de O., t. XXIX,
set. 1930) (grifo nosso)
A metáfora que se refere à nova Constituição como única salvação para a
filosofia encontra o seu referente em 1930, no desejo de uma nova Constituição
nacional, que também se apresentava como a única salvação para as urgentes
108
transformações políticas de que a Espanha necessitava, e que o governo Berenguer, e
por consequência, a Monarquia, insistiam em não promover.50
5.3 VISTO Y OÍDO
Observamos no capítulo 2, como intelectuais de diferentes gerações chegaram ao
ano de 1930, constituindo um grupo de oposição à Ditadura de primo de Rivera com
grandes expectativas a cerca da República. Este ano começou com a queda da Ditadura
e a subida ao poder do General Berenguer, numa tentativa monárquica de voltar à
normalidade política. No entanto, a lentidão do processo de redemocratização e a
insatisfação com os desmandos da Ditadura desgastaram a figura do Rei e da Monarquia
tanto à direita quanto à esquerda, o que a levou a um grande isolamento político.
Berenguer recorreu aos velhos políticos do caciquismo da Restauração, mas a
situação era insustentável. Um dos ex-ministros liberais antes da Ditadura, Niceto
Alcalá Zamora, manifestaria seu desencanto com a Monarquia e passaria a defender
uma República conservadora, sendo depois o primeiro presidente da Segunda
República. Alacalá Zamora foi um dos que participou do encontro, em agosto de 1930,
que resultou no pacto de San Sebastián, acordo entre vários setores do republicanismo
(desde os mais conservadores aos mais radicais, passando por movimentos nacionalistas
catalão e galego) com o objetivo de estabelecer a República no país.
Em dezembro do mesmo ano se deu a sublevação de Jaca, município de Aragão,
em que um setor do exército, em contato com alguns segmentos do Pacto de San
Sebastian, promoveu um Golpe contra a Monarquia. No entanto, devido à má
articulação do golpe, os rebeldes foram controlados e os líderes, os capitães Fermín
Galán Rodríguez e Ángel García Hernández, condenados ao fusilamento. De qualquer
50
109
forma, o episódio contribuiu a enfraquecer ainda mais o poder oficial, a república já
tinha os seus mártires.
Paralelamente a esta movimentação havia um grande movimento de gente nas
ruas num momento em que a opinião pública jogou um papel ativo na vida política
(QUEIPO DE LLANO, s/d, s/n)
“Todo el mundo parecía sentir prisa por definirse, un ejercicio en que los
intelectuales tomaron la delantera hasta llenar la esfera pública con sus dos
armas habituales: la palabra, dicha en el homenaje, el discurso o el mítin, y la
escritura, con nuevas publicaciones, artículos sensacionalistas o libros
lanzados al servicio de alguna causa”. (SANTOS JULIA, 2006, 208)
Ortega também se definiria, mas só em novembro de 1930, quando publicou o
seu famoso artigo “El error Berenguer”, no qual afirmava que a nomeação do Governo
Berenguer, com o objetivo de restaurar a normalidade, constituía o erro central da
Monarquia. Para o autor não se poderia propor um “seguir a diante”, como se nada
tivesse acontecido51, baseado na ideia que o Estado fazia da inércia do povo espanhol.
Observe-se que Ortega não nega esta inércia e o que condena é que para ele o
verdadeiro papel da Monarquia consistiria, diante de tal situação, em fomentar o
desenvolvimento intelectual dos espanhóis, ajudá-los a suprir esta deficiência da raça
para fazer surgir um novo Estado potente.
Em vez disso o que se via era um governo que se aproveitava de tal situação
para tirar vantagem às custas de vinte milhões de espanhóis. No entanto, Ortega advertia
que desta vez, seria diferente, a Espanha estava indignada. Por fim, conclamava a nação
a reconstruir o inexistente Estado Espanhol. Era preciso destruir a monarquia!
A estrondosa frase com que termina o artigo, “Delenda est Monarchia”,
repercutiu fortemente no meio intelectual e na opinião pública. Se Ortega demorava a
51
No texto original ele parte de uma crítica a um famoso jargão, útil à manutenção de um poder
incompetente, que diz “¡En España no pasa nada!”, algo como “Na Espanha não acontece nada”.
110
entrar no circuito agora o fazia propondo, como sempre, alternativas a partir das
minorias seletas. De uma “extravagante Junta Magna, formada por 150 a 200 pessoas,
representantes das “grandes forças nacionais”, passaria a algo mais concreto, mas que
de qualquer forma não se relacionava com uma possível organização partidária.
Se em 1914 criava a Liga de Educação Política, em fevereiro de 1931 surgia a
“Agrupación al Servicio de la República”, também de efêmera existência mas que
recebeu uma adesão massiva. “En la segunda semana de febrero de 1931 „se afiliaron a
la Asociación cerca de dos y tres mil personas por día (catedráticos, médicos,
arquitectos, ingenieros, abogados, oficiales del ejército y de la Guardia Civil,
industriales, comerciantes, empleados, obreros)‟ .” (SANTOS JULIA, 2006, 217)
De fato a associação só acabou oficialmente em 29 de outubro de 1932, com o
"Manifiesto disolviendo la Agrupación al Servicio de la República" (ASR), publicado
no jornal Luz, depois da decepção do seu mentor com os rumos da República. Antes
disso, porém Ortega e alguns intelectuais da ASR se aventuraram a participar
efetivamente da política dos primeiros anos do novo Regime. Ao chamado de
reconstruir o Estado, compareceram como deputados eleitos para as Cortes
constituintes, começando os trabalhos em julho de 1931 e concluindo em dezembro do
mesmo ano.
A questão das datas, em nosso caso, se torna relevante porque à continuação
analisaremos a inserção em 1931 da coluna “Visto y Oído” na Revista de Occidente. Se
trata de um espaço inserido dentro da parte dedicada à seção de notas, composto de um
conjunto de pequenos comentários publicados em maio, junho e setembro de 1931, que
em sua grande maioria abordavam aspectos da atualidade. Nos dois primeiros números
os textos foram assinados por Antonio Marichalar e o último, por ele e Fernando Vela.
111
A primeira coluna estava composta de sete pequenos textos que ocupavam doze
páginas: “Lo prohibido”, sobre uma palestra do socialista Julian Besteiro convocada
pela F.U.E., "Potemkin, film piadoso”, uma análise do filme, “Iluminaciones”, sobre a
visita de Mme Curie ao país e sobre uma atuação de Margarita Xirgu, “Sombras
Blancas”, uma crítica aos surrealistas em relação aos episódios das queimas de
conventos, “Simulacros”, sobre a violação de imagens sacras pelo povo, e "Ça-Ira" e
“Terror Pánico”, ambos sobre o temor à República.
Observa-se que nesta primeira coluna, de fato, todos os textos se relacionam
diretamente à nova situação do país como República. Também se nota uma espécie de
trajetória dos textos, que vai dos aspectos positivos aos negativos, plasmados nas
declarações iniciais e finais da coluna: do entusiasmo com a participação estudantil
“Los estudiantes son el diablo” ao clamor final “Alto la debandada”. Assim os três
primeiros tratam do resgate da vida intelectual e política espanhola depois do fim da
censura ditatorial e os quatro últimos entram, digamos, nas feridas do novo regime.
Por um lado, pode-se comparecer a uma conferência organizada pelos
estudantes, atores fundamentais desses anos, ver um filme antes censurado, como o
Encouraçado Pomtenkim, ou assistir às iluminadas Marie Curie, primeira convidada de
honra da República, ou Margarita Xirgu, em sua encenação da peça “Um día de
octubre”, de Georg Kaiser. Por outro, percebe-se a chegada do pânico e do
irracionalismo que aquele provoca: queima de conventos, destruição de imagens, fuga
de capitais. De qualquer forma, esta separação é, na verdade, temática, que longe de
propor uma visão dicotômica da coluna, procura estabelecer uma trajetória para os
assuntos, que vai do estético ao político, permeados, ambos, por suas ponderações
críticas e demarcações de campo.
112
Assim, por exemplo, se em “Lo prohibido” se comenta a conferência proferida
por Julián Besteiro dentro de um ciclo de conferencias organizada por la F.U.E.
(Federación Universitaria Escolar). O entusiasmo de Marichalar com a importante
participação estudantil naqueles “años duros de una tenaz intervención política, frenada
a tiempo”52 serve, na verdade, de introdução a um debate que estabelece com Besteiro.
Frente à crítica do socialista às chamadas “filosofias elegantes”, Marichalar ironiza as
palavras de conferencista e se pergunta o que isso quer dizer, já que “A una mirada más
superficial le parecería Besteiro un inglesote con palos de golf y medias de lana, un
laborista de peluca blanca.” (R. de O., t. XXXII, 1931, 194) . Como conclusão, declara:
“Empiezo a comprender que lo que don Julián Besteiro designa, en su enojo, con el
peyorativo nombre de elegante, no es sino aquello que yo he creído cursi siempre. (R. de
O., t. XXXII, 1931, 195)
Do mesmo modo, a admiração pelo filme russo não vem desvinculada de uma
crítica ao estado atual da Russia soviética e, antecipando o que o dirá o crítico Radeck
sobre o perigo de obras inoportunas, se pergunta se “¿no podría ser la proyección de
Potemkin, aun en la propia Rusia, de efecto subversivo?” (R. de O., t. XXXII, 1931,
197). Para o crítico o filme é bom porque não é comunista e sim “revolucionário”, seu
objetivo não é persuadir, elogiar ou propagar algo e sim “perturbar os ânimos”, é arte.
Se Potemkin era arte justamente porque não era comunista, não poderiam ser
artistas, e, portanto, intelectuais, os “comunistas” do surrealismo francês, que lançaram
um folheto na França sobre a queima de conventos na Espanha. Esta é a tônica do texto
“Sombras blancas”.
52
Em nossa dissertação de mestrado analisamos este texto em relação a uma nota de Fernando Vela,
publicada em 1929, sobre um curso de filosofia que Ortega y Gasset organizou após o seu pedido de
demissão.
„Los estudiantes son el diablo‟, habrá pensado, más de una vez, el filisteo en España. Y acaso no se haya
equivocado. Claro que a título de excepción y por muy distintas razones que las suyas. Las razones las da
Baudelaire cuando dice que aquel que todo lo que hace, lo hace bien, es el diablo.
En años duros de una tenaz intervención política, frenada a tiempo, los estudiantes españoles han
demostrado capacidad para ser electores. Más aún, para ser elegidos. (R. de O., t. xcv, 1931, 193)
113
Um dos principais problemas da República foi a sua relação com a igreja
Católica. Apesar da presença de republicanos católicos no governo provisório, como o
próprio presidente Alcalá-Zamora, a intenção republicana inicial de realizar a separação
entre Estado e Igreja obviamente não foi bem acolhida entre os setores mais
conservadores. Tal foi a desconfiança, que o próprio Vaticano não reconheceu de início
o novo governo espanhol, embora tivesse recomendado aos fiéis a obediência às
autoridades estabelecidas. Seu argumento se baseava no fato de que o governo era
provisório e que o rei não tinha abdicado. (JACKSON, 2008, 30)
De fato, no seu texto de renuncia Alfonso XIII se limita a reconhecer que não
dispõe do apoio de seu povo e que se ausenta do país para evitar uma guerra civil,
reconhecendo a Espanha como senhora do seu destino. No que se refere à Monarquia
esclarece: “No renuncio a ninguno de mis derechos, porque más que míos son depósito
acumulado por la Historia, de cuya custodia ha de pedirme, un día, cuenta rigurosa.”
(ALFONSO XIII, 1946, 393)
Quando no dia 6 de maio o governo decretou o fim do ensino religioso
obrigatório, a resposta oi imediata: no dia seguinte se publicou na imprensa a Carta
Pastoral escrita pelo Cardeal Segura, arcebispo de Toledo e primeiro na hierarquia
eclesiástica nacional, conclamando os católicos, monarquistas ou republicanos, a se
juntarem e participarem organizadamente na política nacional, de modo a garantir os
direitos da Igreja. Também nesta mesma semana o diário ABC anunciava para o dia 10
de maio a abertura de um Círculo Monárquico para organizar os partidários do Rei.
(JACSON, 2008, 31) Como consequência, no dia seguinte à criação de tal círculo foram
queimados seis conventos em Madri e quinze em outras cidades do sul da Espanha.
114
O folheto dos franceses conclama os cidadãos da França a se solidarizarem com
a atitude “revolucionária” dos espanhóis que queimaram conventos e a não aceitarem a
presença das ordens religiosas que estavam migrando para o pais.
Ateos franceses, no podréis tolerar que, en nombre de un derecho de asilo
totalmente falaz [...] Francia permita el establecimiento sobre su territorio de
las congregaciones que huyeron de la España revolucionaria [...] Impondréis
[...] el retorno de los religiosos a la frontera en donde les esperarán los
tribunales populares. (apud LOPEZ CAMPILLO, 1972, 207)
Marichalar ridiculariza a atitude dos surrealistas, de muitas bravatas, mas de
pouco conhecimento científico, uma vez que ignoram a histórica origem cristã do
comunismo. Como conclusão explica que “se publica ahora, en Francia, el primer tomo
de la copiosa Histoire du Comunisme, de G. Walter. Pero ni Breton, ni Péret, ni Crevel,
ni Eluard, quieren saber nada de eso. (R. de O., t. XXXII, 1931, 200)
Nos seguintes comentários, Marichalar continua tratando das desordens
populares de alguma forma relacionadas às queimas de conventos. En “Simulacros”,
analisa o fenômeno das manifestações anti-monárquicas e anti-clericais reveladas nas
atitudes iconoclastas: a decapitação da estátua de Felipe III no centro de Madri e a ideia
de vestir a virgem como uma cigana em Málaga. Se é um fato que a ira espanhola se
descarrega contra os símbolos, também é verdade que neste ato de catarse ambos os
lados atuaram representando papéis. Por um lado estão os vencedores, que se cobrem de
glórias com a exaltação do ocorrido, mas do outro estão os vencidos, que mostram
fervorosa dedicação à imagem de um monarca que eles mesmos teriam decapitado, e
que introjetam a imagem do sofrido, ao que imolam. Na verdade, o que caracteriza
Marichalar é a massa, tanto a de um bando quanto a de outro. É esta que o autor ao final
não sabe dizer se é iconoclasta ou, na verdade, iconódula.
Ça Ira, o título do próximo texto, remete a uma das músicas cantadas pelo povo
na Revolução francesa, como “La Marseillaise”, cujas letras falavam de revolução, fim
115
da monarquia, luta pela liberdade. A análise der Marichalar se dirige aos derrotistas que
ao não verem verdadeiro significado do movimento revolucionário (metaforizado em
“Ça Ira”) no que ele tem de “clamor esperanzado, de confianza en que las cosas saldrán
adelante” (R. de O., t. XXXII, 1931, 201), acabarão descobrindo o outro “Ça Ira”,
aquele que carrega a ira popular.
Por fim, o último texto, “Terror pánico”, trata da questão da terra y da fuga de
capitais do país, duas outras espinhas da República. Marichalar critica a atitude do
“espanhol privilegiado” que passa da “fruición ciega a la desbandada”, entendendo que
neste caso a culpa do alarmismo é dos próprios “alarmados”. É o pânico gerado pelos
que “dispararon huyendo, porque siempre se encontraron de espaldas a la realidad
viva”.
São também os “terratenientes”, “los que se obstinan en parar [la tierra] en su
revolución [...] hacia la izquierda, que geram o “terror pânico”. Mas a estes o crítico
adverte
[...] ¡Alto la desbandada! Es el momento de hacerse cargo, de ver claro, de
creer, de una vez, en lo evidente. Los que quieran un estado consciente, que
aporten un estado de conciencia. Y tengan fe. Que con fe se transportan
montañas..., pero no de otro modo. (R. de O., t. XXXII, 1931, 202, 204)
Ao concluirmos a da leitura da coluna de Marichalar observamos a difícil
situação do intelectual de perfil liberal tipo “Ortega”, que se pauta pela “razão”, diante
dos conflitos de uma República que em menos de um mês mostrara as suas profundas
contradições sociais e políticas. A sua república liberal deveria “se resolver sozinha”, a
partir deste “estado de consciência”, da “claridade” hegemônica tão óbvia, que não seria
necessário ter de se “separar o joio do trigo”, o seja, de fazer que os setores burgueses
entendessem o papel que lhes cabia naquele momento histórico de superação da
Monarquia. Justamente porque era fundamental evitar que a República se convertesse
116
no império das massas, fosse como metáfora da Revolução francesa e o período do
Terror, ou da Revolução burguesa convertida em Revolução proletária, que não se podia
abandonar o país. Do terror pânico poderia surgir o “Ca Ira irado”.
A segunda edição da coluna (R. de O., t. XXXII, 1931), publicada em junho,
continha cinco textos, “Bajos Fondos”, “Pruebas de resistencia”, “Atavismos”, “Al
outro lado del vidrio” e “Un hombre de letras”, e a terceira e última, publicada em
setembro, (R. de O., t. XXXIII, 1931) apenas quatro, “Ironías Rusas”, “El sillón del
Club inglés”, “Los economistas” e “La genealogía como ciencia”. Consideravelmente
menos beligerantes que as de maio, pode-se afirmar que nas edições sub-sequentes
apenas um texto se relacionava explicitamente ao contexto político espanhol imediato,
quatro se relacionavam à política, e as demais constituíam discussões no âmbito da arte.
Além disso, a exceção de “Bajos Fondos”, “El sillón del Club inglés y “Economistas”,
cuja linguagem ainda é mais informal, embora não chegue à apelação direta como em
maio, observamos que os textos já se caracterizam pela linguagem academicista usual,
ou seja, se observa uma manutenção do debate “no plano das ideias, característica da
seção de notas.
Em “Bajos fondos” (R. de O., t. XXXII, 1931), primeiro texto de junho, o autor
critica ao mesmo tempo o sensacionalismo cultivado pelos jornais em momentos
críticos e a atitude passiva dos espanhóis que consomem tais notícias
“Cuando el español está perplejo culpa, en su zozobra, a los que rigen sus
destinos. Mas hay que preguntarle: ¿cuál es el director a que obedeces: el que
dirige tu gobierno o el que dirige tu diario? [...] En los momentos críticos se
cultiva el sensacionalismo> pero es un método de doble filo que acaba por
llevar al fracaso. (R. de O,, t.XXXII, 1931, 297)
Como conclusão aponta a necessidade urgente de se combater o lucro
indiscriminado, seja daquela nova imprensa sensacionalista, seja de qualquer atividade
especulativa, atividades exploradoras, no final das contas. “Hay que acudir a toda prisa.
117
[...] Si no se acude a tiempo, le va a explotar la explotación entre las manos”. (R. de O.,
t. XXXII, 1931, 299)
No segundo grupo, observa-se a aparição do tema da crise na India, que em 1930
tinha sido marcada por um grande movimento de desobediência civil liderado por
Mahatma Gandhi. “Pruebas de resistencia” (R. de O., t. XXXII, jun. 1931, 299) é uma
reflexão sobre a figura do líder indiano e sua desobediência civil, texto motivado pela
decisão do indiano de ir a uma conferência em setembro de 1931 no parlamento inglês.
Mais do que uma análise da situação política, o que interessa a Marichalar é a sua figura
enigmática, que se busca uma verdade é “uma verdade esfumada pela ironia”.
“El sillón del Club inglés” (R. de O., t. XXXIII, set. 1931, 347) é uma análise da
decadência da figura do gentleman, figura dedicada ao ócio, que só pode existir quando
há uma estrutura colonial que lhe dê suporte. “Se calcula cuántas Indias, cuántos
Canadá, cuántas Australia son necesarias para que un inglés pueda permitirse unas horas
de spleen en el sillón de cuero de un club londinense y para que Inglaterra tenga
gentleman?” (R. de O., t. XXXIII, 1931, 347) A deformação que produz este ócio é a
geração de homens desacostumados a lutar pela vida, que não sabem combater e por
isso desaparecem, como o fidalgo espanhol da época em a Espanha também tinha a suas
índias”. Como se observa não é difícil verificar nestas linhas a analogia entre a situação
inglesa e a Espanhola: a decadência de uma nação pela da constituição de umas
minorias ineptas para a ação.
Da decadência voltamos, então, para a questão da raça. “La genealogía como
ciencia” (R. de O., t. XXXIII, set 1931) é o último texto publicado dentro de “Visto y
oído”, e é também o único escrito por Fernando Vela. O autor afirma que os estudos
levados a cabo pela “Associação Heráldica” podiam contribuir com a sociologia. Se por
um lado revelava que algumas profissões tendem a durar no seio das famílias e outras,
118
não, o que possibilitava o estudo do comportamento humano ao longo de gerações 53,
por outro permitia postular que era possível desenvolver o talento humano, “mediante
cruzamentos guiados por un criterio racional” de mistura de sangue ou raça, ainda que
tal procedimento somente permita aumentar a probabilidade de se produzir um gênio.
Por fim, a genealogia registrava a crescente infecundidade das classes cultas.
“Según estadísticas del americano Davenport, los 1.000 graduados de la Universidad de
Harward no tendrán más que cincuenta descendientes dentro de dos siglos. En cambio,
los individuos inferiores son muy prolíficos, y la higiene moderna los conserva, aunque
Nietzsche dijera que „el diablo y las estadísticas se los llevan‟”. (R. de O., t. XXXIII,
1931, 351) Ao que parece a preocupação de Vela com o “Neomalthusianismo
intelectual” , visto no capítulo 5.2, prosseguia.
Falta ainda mencionar os textos relativos à arte e que serão analisados mais
adiante. Por enquanto, nos limitaremos a assinalá-los. São eles “Atavismos”, “Al outro
lado del vidrio” e “Un hombre de letras”, em junho, e “Ironías Rusas” (já visto no
capítulo 5.2 ) em setembro.
O balanço final da leitura dos textos de “Visto y Oído” revela uma
transformação na trajetória desta coluna. Primeiro se observa uma aproximação inicial
muito identificada com os temas mais urgentes do país, motivada pela instabilidade do
início da República, especialmente, a polêmica gerada pelo episódio da queima de
conventos. Tal discurso revela um envolvimento maior do autor, que se distancia da
forma impessoal do texto científico-acadêmico e adota o uso de um tom apelativo,
chamamento à participação do leitor. Este constitui o discurso da coluna de maio de
1931.
53
Um dos exemplos é que as linhagens dos primeiros capitalistas alemães não são as mesmas que as dos
grandes capitalistas atuais. Isto significaria que com o passar dos tempos as grandes fortunas tendiam a
ser empregadas em terras e que assim as primeiras gerações ativas dariam lugar a gerações passivas, “em
linhagens contemplativas. (R. de O., t. XXXIII, 1931, 350) Mais uma vez surge a noção de que a
contemplação é um valor negativo para o homem.
119
Depois se observa um distanciamento temático mais característico da seção de
notas, que embora em alguns casos ainda mantenha uma motivação política explícita,
vai se aproximando das reflexões tradicionais da seção de notas. Esta trajetória se
observa no próprio plano do discurso, que deixa o tom mais direto e apelativo de maio
na direção do discurso mais cientificista da revista. Estes são textos que se conectam
outra preocupação da Revista de Occidente, a literatura e a arte, a ser abordada a seguir.
Mais do que expressar uma tendência à mudança, parece que a coluna “Visto y
oído” refletia a necessidade urgente de responder a uma situação única no país, de
chamar os intelectuais a ajudarem a recente República apesar dos conflitos iniciais da
queima de conventos. Passada a confusão de maio, diminuiu a importância deste tipo de
abordagem na coluna de junho e a de setembro apenas mantinha alguma relação com o
objetivo inicial.
Poderíamos atribuir tal fato a várias causas, desde uma possível saída do
colaborador, o que não é o caso, já que Antonio Marichalar continuou publicando da R.
de O. até 1936, ao aumento das atividades políticas do grupo de Ortega, mobilizado
para as eleições e sem tempo para outras atividades, o que se contradiz no fato de que
Marichalar continuou publicando normalmente ao longo de 1931. Também poderia se
especular a cerca da falta de novos conflitos de impacto, o que definitivamente não era o
caso.
Não se pode esquecer que em quatro de julho os anarquistas deflagraram uma
grande greve na Companhia Telefónica, mas que não foi mencionada nem na edição de
julio-agosto, nem na seção “Visto y oído” de setembro, pelo menos não explicitamente.
O único texto que de alguma forma faria alusão à situação poderia ser “Los
economistas” (R. de O., t. XXXIII, set. 1930). Em um texto breve, de menos de uma
página, Marichalar critica a importância dos economistas na atualidade e o que define
120
como sua forma de atuação pouco científica: “são meteorologistas cujas predições quase
sempre não se confirmam”.
Poderíamos estabelecer a motivação do texto no desencanto com a economia,
em geral, principalmente após a grande crise de 1929 e que simbolizam os economistas,
fazendo as suas predições sobre mercados instáveis, mas também observar o caso
particular da Espanha, vítima da já citada debandada de capitais, por uma lado, e sem
respaldo financeiro internacional, por outro. Ao assumir como ministro da fazenda, o
socialista Indalecio Prieto se viu diante do cancelamento de um importante empréstimo
conseguido pelo último governo dentro da Monarquia, da fuga de capitais e da
desvalorização da peseta. (JACKSON, 2008, 39)
Quando a CNT começou a greve em junho na Companhia Telefónica,
subsidiária de uma companhia norte-americana, pretendia colocar em situação delicada
o partido socialista que, na época da ditadura de Primo de Rivera, tinha acusado o rei de
ter se vendido ao capitalismo americano ao estabelecer um contrato a longo prazo com a
empresa. Só que então os socialistas estavam no governo e “En julio de 1931, o ministro
socialista de Hacienda, Indalecio Prieto, estaba haciedo todo lo posible para tranquilizar
a los acreedores, cortar las fugas de capital y detener la baja de la peseta.” (JACKSON,
2008, 45) O governo declarou estado de Guerra em Sevilla e reestabeleceu a ordem,
depois de 30 mortos de 200 feridos (JACKSON, 2008, 46). O episódio produziu várias
reações dentro e fora do governo e marcou o clima inicial dos trabalhos das Cortes que
elaborariam a nova Constituição.
O fato sem dúvida foi de forte repercussão, mas por algum motivo já não seria
objeto de interesse direto da publicação. Se “Los economistas” se relaciona ao fato, só o
faz de forma bastante indireta, muito diferente da abordagem relativa aos conventos de
Madri. Embora fosse necessária uma análise de mais elementos relacionados à trajetória
121
da coluna, do próprio Marichalar e do panorama geral, bem como da recepção dos
leitores a um texto de perfil bastante diferente do usual na R. de O., para podermos
estabelecer a verdadeira dimensão da coluna, podemos postular que se tratou de uma
espécie de “desabafo”, que respondeu apenas a uma necessidade pontual da revista de se
inserir no novo panorama político espanhol, desaparecendo em seguida.
No entanto, o que para nós é mais relevante não é o porquê do aparecimento ou
do fim da coluna e sim mostrar como a sua contribuição ao debate político no seio da
Revista foi muito menor do que toda a mobilização de artigos e notas que a publicação
expôs a partir de 1930. Foram os textos analisados no sub-capítulos anteriores, desde os
estudos psicológicos até o debate sobre o papel do Estado, os que realmente situaram a
Revista de Occidente no centro do debate pelo futuro da Espanha54. Se é verdade que
muitos intelectuais naquele momento se “definiram” independentemente de Ortega,
continuava existindo uma boa parcela que esperava pelas atitudes do mestre e que,
certamente, acompanhava a leitura do seu periódico mais nobre.
54
Além dos artigos publicados a Revista de Occidente foi responsável pela publicação de vários livros
através da sua editora. Desde filosofia até a produção poética da Geração de 27, a R. de O. publicou
constantemente ao longo dos treze anos. Sendo assim, torna-se relevante observar que, como
complemento ao debate gerado em suas páginas, a editora Revista de Occidente lançou entre 1931 e 1932,
uma série de livros dentro de duas coleções de curta duração, dedicadas à questão do Estado. São elas:
Colección libros de política
LUTKENS, Charlotte: El Estado y la sociedad norteamericana, 20-IV-1931.
HAENSEL, Paul: La política económica de la Rusia soviética, 10-VIII-1931.
Colección cuadernos de política
GODEBRARD; EBERS, G.; CUEVAS: Derecho eclesiástico del Estado, 9-X-1931
LASKI, Harold J.: Introducción a la política, 19-XI-1931
ORTEGA Y GASSET, José: Rectificación de la república, 21-XII-1931.
WEBER, Alfredo: Crisis de la idea moderna del Estado, 29-I-1932
Referências retiradas de LÓPEZ CAMPILLO (1972: 277-278)
É interessante observar que um dos últimos textos publicados é um texto do próprio Ortega Y gasset, que
será analisado mais adiante.
122
6. ALGUMAS REFLEXÕES
Ao concluirmos esta série de análises sobre a mudança no perfil de textos
selecionados pela Revista de Occidente, inserindo o periódico no debate sobre a
elaboração de um projeto político para a Espanha dos anos trinta, é preciso esclarecer
alguns pontos acerca das implicações deste discurso dentro e fora da publicação. Ao
analisarmos algumas posições ideológicas, devemos ter o cuidado de observar a
diferença entre a construção de um discurso característico da R. de O. e a identificação
de todos os colaboradores, ou de todos o textos, com a perspectiva da publicação. Por
contraditório que pareça, não podemos afirmar que os textos publicados apresentam
exatamente a mesma perspectiva ou defendem as mesmas ideias, mas também não
podemos concluir, por isso que se tratam de textos de um amplo leque de teorias, que
corroborariam a idéia de a R. de O. foi uma publicação “permeável e disponível”
(LOPEZ CAMPILLO, 1972, 250) a todos os debates intelectuais de seu tempo, abrindo
espaço para diversas correntes de pensamento atuais.
Se Bertrand Russell e a defesa de uma libertação do amor, Giménez Caballero e
a adoração feminina a São José, Jung e a diferença entre o Eros feminino e o Logos
masculino, ou Rosa Chacel e a crítica a Jung, sem mencionar os diferentes intelectuais
que usam o método fenomenológico (Hartmann, Klages, Katz), não constituem
precisamente uma corrente filosófica única ou mesmo um grupo de intelectuais com
uma atitude única (exemplo disso serão as diferentes posições tomadas em relação à
Segunda Guerra, por exemplo) também não podem escapar a um certo perfil de
intelectual conservador burguês, preocupado com os rumos da Europa do pós-guerra,
imprensada de um lado pelo novo modelo americano e de outro pela revolução
soviética.
123
Ao mesmo tempo, essa relativa diversidade de colaborações reflete a
necessidade da existência de certa “polêmica”, de questionamento, como exigência do
processo intelectual de construção do conhecimento. Uma revista cultural, antenada
com as novidades do seu tempo não deveria se furtar ao debate, embora na verdade este
esteja sempre filtrado pela polêmica que se permite instalar na publicação, a partir, tanto
da seleção dos artigos de colaboradores notáveis, quanto da orientação das notas
publicadas pelo grupo da revista.
Assim, não importam demasiado as diferentes opiniões expostas desde que
permaneçam dentro do perfil ideológico da R. de O, responsável pela manutenção de
um espaço hegemônico dentro do campo intelectual espanhol. O sistema absorve as
diferenças e a vida continua: o que não se pode é escapar muito desta perspectiva,
romper os fundamentos da sua unidade. Este constituiu um dos problemas do êxodo de
colaboradores a partir de 1930. Como dinâmica própria das revistas culturais, o seu
caráter de instância coletiva leva em si mesmo as tensões que provocam os movimentos
de rupturas, deserções e os novos recrutamentos. (ALTAMIRANO; SARLO, 1983, 97)
Uma das questões oriundas de um primeiro contato com os volumes de 1930,
1931 e 1932 que nos chamaram a atenção foi a diminuição do número de páginas de
cada volume. A publicação, cujas edições trimestrais55 de 1929 tinham cerca de 400
páginas, chega a ter no primeiro semestre de 1931 dois volumes com 320 páginas. Isto é
perfeitamente compreensível se observarmos que este é o período do surgimento da 2ª
República, e que pode ser um indício de uma série de novos interesses por parte dos
colaboradores.
No entanto, fenômeno mais significativo e complementar, em nossa opinião a
este movimento foi a diminuição do número de notas publicadas a partir de julho de
55
Vale lembrar que o nosso corpus foram as edições da Revista de Occidente organizadas em edições
trimestrais, organizadas pelas “Juntas de Relaciones Culturales” do governo espanhol.
124
1931. Os volumes dos anos de 1929 continham uma média de 400 páginas, com 116
textos (57 artigos e 59 notas), em que se observava um certo equilíbrio entre o número
de artigos e o de notas publicadas. No entanto, após julho de 1931, e principalmente em
1932 o número de notas se reduz consideravelmente, chegando a apresentar edições sem
elas (fevereiro e abril não tinham notas e os meses de março, maio, agosto e setembro
têm apenas uma). Poderíamos atribuir tal diminuição à participação do grupo de Ortega
em torno da nova Constituição, fato plausível somente se o auge da redução se
concentrasse nas edições de 1931 e não nas de 1932. No entanto, a hipótese mais correta
aponta para o fenômeno de transição de colaboradores, marcada por uma relevante
debandada no biênio 1930/1931 e cujo espaço só seria preenchido em 1932/3356.
Paralelamente às mudanças internas oriundas dessa redefinição do projeto da
revista, procuramos observar a origem desta mudança. Em nossa dissertação de
mestrado, observamos como a fenomenologia se constituía como um suporte filosófico
para a R. de O. e como esta, apesar do seu relativismo, era uma tentativa de recolocar o
lugar do homem e da verdade no mundo em meio a um caos de teorias e idéias
irracionalistas, de um lado, ou positivistas do outro.
Han caído las concepciones idealistas – religiosas y metafísicas – y tampoco
puede sostenerse ya la concepción materialista que las arruinó [...] El hombre
actual vive en contradicción interior – de la que esta multitud de doctrinas
es, simplemente, el reflejo -, separado de la vida por la excesiva
intelectualización y mecanización de su cultura y, sin embrago, sumido en la
vida. (VELA, R. de O., t. XXIX, set. 1930)
56
A seguir colocamos uma lista de colaboradores que deixam a revista e outros que começam a publicar.
Entre parênteses o período de colaboração. Fonte: LOPEZ CAMPILLO (1972, 75)
1. Grupo dos que deixam a revista- Francisco Ayala (1927-1931), M. Fernández Almagro (1924-1931),
Giménez Caballero (1924-1930), Ledesma Ramos (1929-1930), Rosa Chacel (1927-1931), Rafael Alberti
(1925-1929), Valentín Andrés Alvarez (1925-1931), García Lorca (1926-1931), Antonio Machado (19231931)
2. Grupo dos que entram – Lino Novás Clavo (1932-1936), José Antonio Maravall (1933-1936), Antonio
de Obregón (1931-1935), María Zambrano (1933-1935), Ricardo Gullón (1935-1936), José Antonio
Muñoz Rojas (1934-1935), Xavier Zubiri (1933-1936), José Gaos (1935), Julián Marías (1936). Eugenio
Imaz (1936), José Moreno Villa (1930-1935) y Manuel Altolaguirre (1931-1932)
Para uma maior explicação acerca da definição do grupo de colaboradores da Revista ver SANTOS,
2005, cap. 3.2.
125
Neste contexto de “urgência vital”, nada mais normal que a procura pela
redefinição de conceitos. Por isso ainda que os textos citados não respondessem da
mesma forma às questões postas, a busca por uma ciência, ou melhor, a necessidade de
se fazer ciência na Espanha, revestia de importância a Revista de Occidente como um
suporte, um meio de comunicação da elite, que não poderia, ou não queria, mais
sustentar a sua posição somente no debate estético. Em uma entrevista de Fernando
Vela a Ortega aquele lhe pergunta por que tinha abandonado as questões estéticas que
nunca faltavam nos seus textos. E Ortega respondeu: “-No los he abandonado yo
solamente; los ha dejado el mundo, y yo acompaño a la naturaleza, como, según Goethe,
se debe hacer. (VELA, 1933, xvi)
Da mesma forma, a R. de O. “abandonava” a análise estética da arte de
vanguarda que se distancia das massas, representada pelo ensaio “La deshumanización
del arte”, e passava a se dedicar à conceituação teórica, sob o seu ponto de vista, da
“constituição histórica do massivo [...] ligada ao longo e lento processo de gestação do
mercado, de Estado e da cultura nacionais.” (MARTIN-BARBERO, 2008, 132)
Agora bem, ao fazer esta operação não se pode negar que nos referidos anos
apareceram uma série de textos que se relacionariam diretamente com a questão tanto
do nazismo, em franca ascensão, quanto do fascismo espanhol posterior. Ao analisar os
processos constitutivos da massa, a revista caiu em conceitos como eugenia,
superioridade da raça alemã ou estado total. É certo que não se pode estabelecer uma
relação direta entre os artigos de Karl Schmitt, ou mesmo os de Gimenez Caballero e as
ideias de Ortega y Gasset, ou de Fernando Vela. O próprio Ortega na Rebelião das
massas se distanciava do populismo das tendências nacionalistas57. Mas se Ortega
nunca se atribuiu uma filiação falangista durante sua campanha por um partido
57
Não importa aqui o teor exato do distanciamento entre a concepção orteguiana e as políticas de
Mussolini ou Hitler.
126
nacional58 ou nos seus discursos cada vez mais severos contra a República, a partir do
final de 1931, parece que o filósofo soube se deter “en la puerta del infierno”
(ELORZA, 2002, 210), não se pode negar que vários aspectos do seus textos permitiam
uma interpretação em termos fascistizantes. Toda a elaboração fascista a partir das
leituras de Ortega foi obra dos próprios fascistas (SAZ CAMPOS, 2003, 99), mas não se
devemos esquecer o fato de que este fértil material estava ali, disponível para uma parte
importante da intelectualidade espanhola, passado pelo crivo de hierarquia e clareza, ou
seja, atestado pela autoridade da Revista.
58
Falaremos deste partido mais adiante.
127
7. REFLEXÕES PARA O FUTURO59
7.1 O PAPEL DA LITERATURA
Cuando los años veinte llegan a su fin, todo está todavía
por decidir: mantener una estética vanguardista o haber
optado por la novela social no determina una actitud
política, ni vice-versa. (SANTOS JULIA, 2008, 243)
Se como vimos anteriormente, os intelectuais da Revista de Occidente, próximos
a Ortega, se viam numa situação delicada diante da nova República, “imprensada entre
os setores anti-republicanos e os movimentos de massa, o mesmo se podia dizer com
relação às questões estéticas. Apesar de a crítica mencionar o fato de o interesse da
Revista pela literatura diminuir após 1930 ao ceder espaço para as preocupações
relativas ao cenário político espanhol60, a leitura dos anos estudados revela que
aproximadamente a metade dos textos publicados (fossem artigos ou notas) continuava
sendo sobre literatura. Nossa observação indica, então, que o que houve foi uma
mudança no perfil do espaço dedicado à literatura, cujas reflexões derivaram das
mudanças na relação entre arte e sociedade. Uma delas foi a interrogação sobre o
próprio papel da arte nos anos trinta. Ou antes, se é que arte deveria ter algum papel?
Estas perguntas estavam no centro do debate intelectual dos anos trinta não só na
Espanha como também na Europa. A crise de 1929 e o fim dos “felizes anos 20”
levaram ao desgaste do liberalismo e da imagem da democracia, de cuja fragilidade
emergiram os totalitarismos fascista e nazista, por um lado, e se consolidou a alternativa
soviética, por outro. Se no final da Primeira Guerra a queda dos Impérios pressagiava a
59
Infelizmente por questões de tempo não foi possível elaborar uma análise mais abrangente deste
capítulo. No entanto, como se tratam de observações interessantes, preferimos adiantar informações que
no futuro poderão servir de início para uma análise da literatura entre 1929 e 1932 na Revista de
Occidente.
60
El interés de Ortega por la literatura fue muy grande siempre, y especialmente durante los años que
preceden a su libro La rebelión de las masas (1930), pues parece que a partir de este momento, lo que más
atrajo su atención fueron los problemas de orden social y político. Esta es la impresión general que se
saca cuando se repasan lo 52 volúmenes de la Revista de occidente por orden cronológico, y que confirma
el estado de ánimo propio de los años veinte.[...] (BLANCH, 1976, 38)
128
aurora democrática, o final dos anos trinta revelava as contradições da própria estrutura
do capitalismo e a incapacidade destas democracias para resolvê-las. Do mesmo modo
esta crise consolidava a imagem do socialismo russo como uma alternativa de um
mundo novo de justiça e igualdade, sob o governo do proletariado. Some-se a isso o
desgaste dos movimentos estéticos da vanguarda iniciada com os primeiros anos do
século XX e teremos um coquetel explosivo que levaria o artista a repensar a sua obra e
na maioria os casos, a dedicá-la a uma causa.
Na Espanha, a mudança incluiu as especificidades do cenário espanhol: foi com
fim da Ditadura de Primo de Rivera em 1930, e todo o processo de desgaste dos seus
últimos anos, que os artistas sentiriam o apelo das ruas. Embora o tema mereça uma
ampla análise dos caminhos tomados por vários dos escritores envolvidos nesta
passagem da pureza à revolução (RAMOS ORTEGA, 2001, 25), nos limitaremos a
expor as reflexões presentes nos textos da Revista de Occidente, entendendo que estas
linhas constituem algumas considerações iniciais norteadoras de um trabalho futuro que
articule as diferentes produções artísticas que convivem neste período dentro da
Publicação com os debates mais amplos nos quais se inserem.
Na nota “Examen de consciencia” (R. de O., t. XXIV, jun. 1929) Benjamin
Jarnés comenta a publicação do livro homônimo de Guillermo de Torre61, quem faz uma
análise das questões estéticas da sua geração e que, para Jarnés, poderia ser o exame de
consciência de toda a nova geração espanhola. (R. de O., t. XXIV, 1929, 392) Depois de
haver publicado Literaturas españolas de vanguardia, um livro no qual de Torre reunia
a produção vanguardista espanhola em pleno campo de batalha, este, na sua revisão de
consciência, chegava à conclusão de que aquele movimento não se tratava de uma
verdadeira vanguarda e sim “de un grupo vehemente que se lanza a lo desconocido sin
61
TORRE, Guillermo de. Examen de conciencia. Problemas estéticos de la nueva generación española.
Buenos Aires: Humanidades, 1928.
129
tropas de enlace” que caminhava para a “dispersão em guerrilhas”e finalmente, para a
“desbandada total”. Nesta auto-avaliação geracional, Jarnés identificava o verdadeiro
problema para os poetas que permaneciam, lutando já entre as “tropas normais”: “Su
enemigo es ya sólo el interior, cansado de atisbar y desdeñar los exteriores: íntimo
enemigo a quien [Guillermo de Torre] vigila desde la más sólida acitara.” (R. de O., t.
XXIV, 1929, 395).
Seria desta insatisfação interior que já não podia mais ignorar o exterior, a vida
contraditória dos anos 30, que surgiriam os diferentes modos de se posicionar dos
intelectuais. Se abria assim um leque de vários modos de ser intelectual. Por um lado
estariam os escritores comprometidos, aqueles cuja obra estaria ao serviço de uma
causa, seja o comunismo, como Rafael Alberti, ou o fascismo, como Giménez
Caballero. Por outro estariam desde os que acreditavam que o escritor não poderia se
isentar do mundo, embora sua obra não precisar servir às suas ideias, como Francisco
Ayala, até os que mesmo entendendo a urgência dos tempos, se diziam pouco
interessados pela política, como Benjamin Jarnés. (SANTOS JULIA, 2006, 241)
Se observa na Revista de Occidente, por exemplo, uma dupla movimentação dos
seus principais colaboradores62 sobre a relação entre literatura e política: uma condena
ao surrealismo, associado à sua relação política com o comunismo63, e por outro um
sentimento comum de necessidade de renovação da produção literária. Tal sentimento,
se revelaria de modos diferentes entre os colaboradores.
62
“Quanto aos seus colaboradores, podemos concluir que havia um grupo jovem de início que, de certa
forma, dirigia a revista. Quem eram exatamente é difícil precisar, mas podemos indicar um núcleo
formado por Fernando Vela, Antonio Espina, Benjamín Jarnés, Antonio Marichalar, Ortega, e mais
alguns nomes que publicaram por um longo tempo como Gómez de la Serna, Corpus Braga , Juan
Chabás, García Morente, Guillermo de Torre, Gregorio Marañon, Pedro Salinas, Jorge Guillén. Este
grupo se manteve após a debandada de 1931, cuando uma nova safra de jovens intelectuais como Maria
Zambrano, Xavier Zubiri, Julián Marías vieram a formar parte do “novo” projeto.” (SANTOS, 2005, 52)
(grifo nosso)
63
Neste sentido será interessante analisar os textos confrontando com a afirmação de GEIST (1980, 173)
de que a passagem da poesia pura à poesia comprometida está ligada à introdução do surrealismo na
Espanha.
130
Em dezembro de 1930, Antonio Espina comenta o livro “El nuevo
romanticismo” (R. de O., t. XXX, 1930), de José Díaz Fernández. O título do livro era
já significativo da reflexão sobre a literatura e a sua relação com as vanguardas, bem
como com os conceitos de “pureza poética” e arte desumanizado.
El momento obliga a todos los intelectuales del mundo a problematizar
sus vidas y sus ideas concienzudamente. [...] Y esto es, en íntima estructura, el
libro de José Díaz Fernández. (p. 375)
Al término “vanguardia”, [...] opone el autor de El nuevo romanticismo
el término “avanzada”. La literatura de avanzada significa, pues, no una simple
escuela de estética deportiva, egoísta, y aparte, llena de pequeños trucos [...] sino
un conjunto de formas de expresión; todo lo diversas y exquisitas que se quieran,
pero que tengan, como fondo común, verismo en el pensamiento y autenticidad
en la emoción. Calidades que difícilmente se hallan en las zonas frívolas del
mero deportismo literario. He aquí el camino por el que de nuevo se sale al
encuentro de lo específico romántico. (p. 376)
Para Espina, estava claro que “novo romanticismo” significava a volta da
literatura a se relacionar com os problemas humanos, a deixar de lado a arte como
“jogo”.
Embora não tão contundentes, nem Benjamin Jarnés nem Antonio marichalar
ignoravam este sinal dos tempos: “Vivimos en una etapa de revisión de los valores
literarios, no apreciables desde el punto de vista del género [literario], sino del hombre.
El mundo espiritual contemporáneo no puede ser ya concebido sin una robusta
proyección del autor en su obra...” Un certain plume (JARNES, R. de O., t. XXXII,
maio 1931, 208) Para Marichalar este é o centro da crise do romance
El arte, aun el más estridente, precisa levantar mucho la voz para que
se le atienda en momentos en que clama la vida y se juega en la más azarosa
intriga. Cuando el hombre se lanza detrás de realidades más directas, más
hondas, más arbitrariamente decisivas, no puede reclamar un primer
plano la ficción lírica. Y hay que acudir entonces al paranoico delirio.
Por eso, cada vez, grita con más desgarrador ahínco este
superromanticismo desollado, y siente más y más el empeño de emplear
truculencias feroces, arrolladores efectismos. Se raja, se desgarra, estalla, se
hace trizas. Pero sabemos que es mentira, que es mentira desnuda: sincera
inspiración y artística envoltura. Último grito (MARICHALAR, R. de O., t.
XXXI, 101, jan. 1931, 107) (grifo nosso)
Mas este esforço surrealista não deve ser confundido, por exemplo, com o novo
romanticismo de Díaz Fernández ou o signo romântico daqueles anos. “Ahora bien, lo
131
que acaso impide a muchos reconocer ese romanticismo intrínseco del arte actual, es el
equívoco de que, probablemente, los más románticos son los llamados hoy
superrealistas”. (MARICHALAR, R. de O., t. XXXI, 101, jan. 1931, 107)
Para Marichalar, ao mesmo tempo que a literatura precisava se renovar,
precisava distinguir o que era renovação artística do que era compromisso político. Ao
convocar o intelectual a agir, a despertar para aquele momento de relevo, esclarecia que
uma coisa era a revolução e outra arte revolucionária
El propio Berl64 observa cómo un Picasso halla su público en la burguesía y no
en el proletariado. Si los comunistas no aceptan la colaboración del
superrealismo, por ejemplo, es porque la eficacia de los actos depende más de
su8 perpetración decisiva que del enunciado. Y el arte es siempre enunciado.
El arte para renovarse aprovecha del ocio que le lance a rizar el rizo. la vida se
renueva, en cambio, ante las eminencias del apremio. (MARICHALAR, R. de
O., t. XXVIII, abril 1930)
Em “visto y oído” Marichalar também apresentava dois textos que criticavam a
estética de Breton: “Sombras blancas” (R. de O., t. XXXII, 1931), no qual vimos como
critica os surrealistas francesas pela confecção de um panfleto sobre as queimas de
conventos na Espanha, e “Atavismos” (R. de O., t. XXXII, 1931), no qual critica a arte
de Dali, e os “descontentadizos superrealistas”, cuja estética entroncava com o
“modernismo catalão”, o “modern-style” “que mezcla, del modo más horrible y con la
mayor impureza, todas las cosas con la pureza inmaculada del sueño”. “Es inútil hablar
de Le Corbusier a Dalí. Ha dado el salto atrás, y está, más cerca de Gaudí y de su estilo
vegetal, que de las arquitecturas sintéticas”. (R. de O., t. XXXII, 1931, 304).
Uma leitura inicial das notas de Marichalar aponta para esta consciência de um
momento de mudança na arte, ligada às urgências do contexto, mas se mostra por um
lado, reticente a adoção de uma arte revolucionária nos moldes do movimento
surrealista francês. Será necessária uma leitura mais ampla, que inclua não só as notas
64
O texto de Marichalar, intitulado “Alerta”, parte dos livros “Mort de la pensée burgeoise” e “Mort de la
morale burgeoise”, do jornalista francês Emmanuel Berl, frequentador dos círculos surrealistas, para
pensar o lugar do intelectual e da literatura.
132
dos demais colaboradores com também uma análise dos textos literários publicados para
traçar um perfil mais claro do estágio em que se encontrava o debate sobre o papel da
literatura na Revista de Occidente no biênio 1930-193165. No entanto, uma análise
inicial dos volumes referentes ao ano de 1932 parece confirmar a tendência da
publicação orteguiana em se converter num reduto da poesia pura.
7.2 A VOLTA DA POESIA PURA
1932 é o ano que representa a reclusão definitiva de Ortega da vida pública
republicana. O entusiasmo com que o prospecto da Agrupación al servcio de la
República convocava os intelectuais a participarem da vida pública nacional seria
substituído pela fria expressão “No es eso, no es eso”, com que critica a República. A
decepção com a radicalização do governo republicano o levaria a escrever uma série de
artigos, publicados com o título “Rectificación de la República”.
No final de 1931, Ortega y Gasset publicava uma série de artigos no jornal El
Sol66 no qual proporia a criação de “un partido gigante”, de intelectuais, como saída
para reverter o desvio da República. Apesar da sua análise, correta em alguns aspectos,
sobre como os diferentes interesses dentro do Governo republicano fragilizavam a
consolidação do novo regime, a saída concebida por Ortega ignorava, ou camuflava, as
grandes desigualdades existentes no país ao propor a união de operários, intelectuais e
capitalistas em prol de um governo para todos, imparcial. No seu próprio discurso
condensa elementos que inviabilizavam esta união, ao pedir sacrifícios impossíveis
tanto a socialistas quanto a capitalistas e ao indicar como figura destacada de tal partido
D. Miguel Maura, filho de Antonio Maura, um republicano conservador como Ortega.
65
E aqui também falta uma inserção das questões estéticas para Ortega nesse momento. Será preciso
observar como uma das diferenças do fundador da R. de O. , tanto com o comunismo russo quanto com o
fascismo e o nazismo, consistia na importância da arte como instrumento de convencimento ideológico
das massas, ou melhor, da identificação das massas com a arte naqueles regimes.
66
Tomamos como base o artigo publicado em 08/11/1931 “Es preciso rectificar el perfil de la República”.
133
Em resumidas contas, este partido “imparcial” e nacional nada mais seria do que
o partido da ideologia de Ortega, esboçada já em La rebelión de las masas e outros
textos “filosóficos”: uma crescente massa trabalhadora, fenômeno histórico ao qual não
se poderia fugir, guiada por intelectuais que conduziriam o destino da nação. A fraca
recepção deste projeto e o agravamento da crise do governo republicano levaram o
ensaísta a demitir e a se tornar uma vez mais “espectador” da cena política, uma vez que
seu projeto era naquele momento, claramente anacrônico, um quase delírio conciliador
no meio das radicalizações exigidas pela época. Depois de uma série de posições
públicas cada vez mais críticas aos rumos do novo governo, Ortega voltaria aos seus
afazeres filosóficos e intelectuais.
Parece que este também foi o rumo da Revista de Occidente. A leitura dos
volumes referentes a 1932 aponta uma maior presença da poesia. Os anos de 1929, 1930
e 31 apresentam apenas quatro artigos “poéticos” (isto é, um conjunto de poemas de um
mesmo autor) publicados. Em comparação em 1932 se publicam oito conjuntos de
poemas. Em janeiro aparecem poemas de Jorge Guillén, agrupados sob o título “Varios
poemas” (R. de O., t. XXXV, 1932); em fevereiro, poemas do livro Espadas como
labios (R. de O., t. XXXV, 1932), de Vicente Aleixandre; em março, “Décimas” (R. de
O., t. XXXV, 1932) de Juan José Domenchina; en junho “Alta tensión” (R. de O., t.
XXXVI, 1932), de José María Quiroga Plá; em julho “Amor y sombras” (R. de O., t.
XXXVII, 1932), de Pedro Salinas; en agosto “Roca maternal” (R. de O., t. XXXVII,
1932), de Manuel Altolaguirre; en novembro, “Salvación de la primavera” (R. de O., t.
XXXVIII, 1932), outra vez de Jorge Guillén; e em dezembro, “Donde habite el olvido”
(R. de O., t. XXXVIII, 1932), de Luis Cernuda,
Além disso, surgem sete notas sobre o tema, um número bastante significativo se
comparado às três notas de 1930 e às três de 1931. São elas, La poesía y "Soledades
134
juntas", de Vicente Aleixandre (R. de O., t. XXXV, jan. 1932), “Inocencia y misterio”,
de Manuel Altolaguirre (R. de O., t. XXXV, mar. 1932), “Josefina de la Torre: Poemas
de la isla”, de Agustín Miranda Junco (R. de O., t. XXXVI, jun. 1932), “Sóngoro
cosongo”, de Manuel Altolaguirre (R. de O., t. XXXVI, jun. 1932), “La blusa de
Baudelaire”, de Antonio Marichalar (R. de O., t. XXXVII, jul. 1932), “José María de
Cossío: Los toros en la poesía castellana”, de Antonio Espina (R. de O., t. XXXVII,
ago. 1932) e “Espadas como labios”, de Dámaso Alonso (R. de O., t. XXXVIII, dez.
1932).
Em nossa dissertação estudamos a relação entre a poesia pura da chamada
Geração de 27 e a sua significativa presença67 nas páginas da Revista de occidente,
fundada no interesse orteguiano sobre a arte nova revelado no ensaio “La
deshumanización del arte”.
Para o ensaísta o fato que separava artistas e massa em lados opostos
era a incapacidade destas em compreender uma arte que não fosse mimética,
imitação da vida. A nova arte, ao romper com os vínculos das sensações
percebidas como humanas, dividia o público não mais entre “aqueles que
apreciavam” e “os que não apreciavam” certa obra. A incapacidade de
enxergar uma obra simplesmente como “arte”, com um conjunto de códigos
próprios, criava por primeira vez uma cisão entre a “minoria seleta” que a
entendia e a “maioria” incapaz de entendê-la.
Ao não buscar a imitação da vida, o prazer que proporcionava era
puramente estético, o que não podia ser compreendido pela massa. Esta
procura o prazer na intenção mimética da obra, desfruta “cuando ha
conseguido interesarse en los destinos humanos que le son propuestos”
(ORTEGA Y GASSET, 1932, 892) Desta forma reconhecia Ortega que el arte
nuevo no es para todo el mundo, como el romántico, sino que va desde luego
dirigido a una minoría especialmente dotada. (ORTEGA Y GASSET, 1932,
892)
67
Podemos concluir que a Revista de Occidente funcionou como um espaço de reconhecimento e
divulgação destes poetas. Durante este período e inclusive depois, Rafael Alberti publicou seis vezes
(1926-1929), García Lorca, cinco vezes (entre 1926 e 1931), Jorge Guillén, dezenove vezes (1923-1935),
Pedro salinas, catorze vezes (1924-1936), Gerardo Diego, 22 vezes (1924-1931) e Luis Cernuda e Vicente
Aleixandre menos de 5 vezes na revista de Occidente. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 71) Além do número
significativo de textos publicados, é preciso destacar que a grande maioria consistia em poemas (uma
pequena parte era de pequenos ensaios sobre literatura), entre os quais estava a produção mais relevante
destes autores na época. (SANTOS, 2005, 92)
Além de “abrigá-los e incentivá-los através da Revista de Occidente, o impulso dado por Ortega a estes
jovens complementou-se com o lançamento pela editora da Revista das coleções “Centenario de
Góngora” (já mencionada), em 1927, e “Los Poetas”, em 1928, que trouxe à luz os livros mais
importantes destes escritores (BLANCH, 1976, 39). (SANTOS, 2005, 93)
135
O interresse de Ortega se baseava no fato de que
lhe interessava especificamente entender a dimensão das transformações
propostas por pelos artistas. Para ele, devia-se compreender a arte e a ciência
como indicadores das novas tendências humanas, precursoras de um novo
pensamento que se aproximava, uma espécie de ante-sala do futuro. E como
para Ortega a função de todo ser humano de cada nova geração era aceitar os
desafios que lhe impunha a sua época e viver para realizá-los, desvendar os
“sinais” desse novo tempo que a arte e a ciência antecipavam constituía uma
tarefa fundamental para o homem que quisesse cumprir o seu destino.
(SANTOS, 2005, 85)
Nosso objetivo foi estabelecer como em 1929 ainda apareciam textos que
indicavam, por um lado a manutenção da produção poética como forma residual
(WILLIAMS, 2000, 202) através de poemas de Guillén, Salinas, Diego y Cernuda, e
por outro a construção de um discurso que procurava estabelecer as características desta
poesia, e, portanto, defini-la como cânone, através da seção de notas.
Observando a poesia publicada em 1932, não se pode ignorar a coincidência de
escritores presentes em 1929, nem desconsiderar a semelhante presença de uma
importante contribuição teórica realizada na seção de notas.
[...] la estética purista elaborada en los años veinte continuó siendo practicada
en la década siguiente. Varios poetas de la generación del 27, con Juan Ramón
Jiménez a la cabeza, continúan fieles a un ideal de pureza poética. Las
poéticas que Salinas, Guillén Altolaguirre, Diego y Domenchina, entre otros,
escribieron para la Antología de Gerardo diego dan testimonio del hecho.
(GEIST, 1980, 192)
Um grupo ao qual se somaria Vicente Aleixandre, cuja poesia de raíz surrealista
“aunque reduce la importancia de la razón en la poesía, continúa la tendencia evasiva
del purismo, que huye de un mundo alienante”. (GEIST, 1980, 187) Além de publicar
poemas do livro Espadas como labios, Aleixandre apresenta um comentário sobre a
poesia de Manuel Altolaguirre, a qual define como “una poesía libre, con un anhelo de
libertad que sirve a lo humano sin precio, y sin política en sus páginas en cuanto
realidad práctica”. Após estabelecer a relação do poeta com a revista Litoral, Aleixandre
conclui que
136
La “soledad”, de Manuel Altolaguirre [...] es también una originalidad
radical, como ocurre siempre que una sustancia lírica pasa a través de un
auténtico temperamento. Su voz viene a prolongar una línea muy clara de la
poética española [...]
Cerrado el libro, una impresión señorea sobre todas: la de que ante
todos los poetas de hoy acaso sean muy pocos los que hayan conseguido en el
mismo excelso grado que él lo que es la suprema consagración de la misteriosa
actividad: hacer su poesía „trascendente‟” (R. de O., t. XXXV, 1932, 120)
Como dissemos anteriormente, estas são linhas iniciais de um trabalho que
precisa considerar ainda, além das outras manifestações literárias publicadas na R. de
O.no mesmo período, um outro aspecto relevante apontado por Marichalar em Visto y
oído e que a parece também em alguns comentários da revista: a questão da literatura de
massas presente, por um lado nas histórias de detetives, e por outro no sensasionalismo
das notícias cotidianas que aproveita as formas do relato ficcional para “roubar” o
espaço da literatura. Nossa pretensão será observar a tendência da R. de O., de abrigar
esta poesia pura, uma literatura duplamente deslocada, pelo compromisso político, de
um lado, pelo sensacionalismo das notícias dos jornais de massa, por outro.
137
CONCLUSÃO
Antenada com o que de mais atual havia no seu tempo, a R. de O. pretendia
trazer as novas idéias que chegavam da Europa e da América e abrir novos horizontes
para a intelectualidade espanhola. A publicação se distinguia por apresentar textos de
autores nacionais e estrangeiros que hoje são destacados e reconhecidos pela
historiografia de suas áreas. Como afirmava o seu editor no prólogo da primeira edição,
não se tratava de uma revista temática – nem literária nem científica – e sim de um
espaço de preocupação com as grandes questões da época nos mais diversos campos do
conhecimento.
De fato a revista publicava uma grande variedade de artigos, entre os quais
dedicava uma parte importante à literatura. Parece que suas portas se mantinham
fechadas unicamente à política, a qual, segundo Ortega y Gasset, “não aspirava a
entender as coisas” e talvez por isso não merecesse fazer parte de um projeto cujo
desejo é o de “saber”. Assim, por um longo período este foi o perfil da Revista,
concentrada no objetivo de criar uma intelectualidade capaz de dirigir a nação.
A idéia de modernização espanhola pela via do acesso à cultura e do papel do
intelectual como condutor deste projeto não era nova nem no país nem no mundo
ocidental. Fazia parte de um projeto de um humanismo liberal de modernização
conservadora, que buscava “reformar” alguns preceitos da sociedade capitalista que
devolvesse a tranquilidade, sobretudo às classes médias burguesas, profundamente
abaladas pela guerra, sem, no entanto, propor uma transformação radical, como a
revolução soviética.
Segundo a crítica, a partir de 1930 os problemas sociais e políticos passaram a se
destacar na Revista de Occidente e na sua editora e ao mesmo tempo diminuiu o espaço
dedicado à literatura. Relaciona-se esta mudança ao crescente interesse de Ortega y
138
Gasset pela política após a publicação do seu livro A rebelião das massas (1930). Este
fato não é estranho uma vez, que o cenário político mundial e espanhol passava a ser
marcado por instabilidades políticas de grandes dimensões, às quais não mais se podia
fazer “ouvidos surdos”.
No mundo a grande depressão de 1929 era o estopim de uma crise que levaria
Hitler ao poder e o mundo à segunda guerra mundial, da qual não podemos esquecer
que a guerra civil espanhola foi uma espécie de “ante-sala”. Na Espanha, se vivia a
pressão contra o fim da ditadura do General Primo de Rivera, que culminaria na
segunda República e na Guerra Civil.
Embora esta mudança de foco pareça ir de encontro ao programa “apolítico”
definido no prólogo da primeira edição, mantinha a intenção original de “sintonia” entre
o projeto da revista e a intelectualidade espanhola, envolvida agora nas inquietudes
sociais do fim da ditadura do General Primo de Rivera e o estabelecimento da 2ª
República. Na verdade, se tratava de uma “reorganização” de um projeto em função de
uma nova realidade social. Uma série de intelectuais que podiam refletir sobre a massa a
partir do debate estético da arte desumanizada precisaram passar à análise das massas
como fenômeno com o qual precisariam lidar, uma vez que com a proclamação da
República, estes se tornaram representantes do poder . Com o acirramento das disputas
internas dos diversos interesses que compuseram o grupo republicano, e o agravamento
das contradições políticas na Europa, campos vão se demarcando no cenário político
espanhol, fazendo com que seja impossível uma idéia de “neutralidade” e levando o
mundo intelectual e artístico nacional a uma cisão “precisamente por la cuestión de la
relación entre arte y sociedad” (RAMOS ORTEGA, 2001:25). Deste modo, o projeto
da Revista não estava isento de posição.
139
Do ponto de vista ideológico, a “isenção” ou a neutralidade, ou ainda a
preocupação “cultural” da Revista é também um projeto político, característico deste
humanismo assustado pelo surgimento da massa. Vimos em nossa dissertação como
problema deste humanismo não era “não ser político”, uma vez que tudo é político se
entendemos política como forma de organização social humana. Seu problema estava
em negar seu caráter político em nome de uma suposta isenção, de uma leitura dos fatos
por cima de toda “ideologia” como verdades isentas de posicionamento (EAGLETON,
1997). “A pretensão de que o conhecimento deve ser „isento de valores‟ é, em si, um
juízo de valor” (EAGLETON, 1997:19) que, no caso de Ortega y Gasset e a sua
representação “da lei natural que divide o mundo entre minorias egrégias e massas
incultas”, constitui a base de um discurso que se pretende hegemônico e estabelece a
sua verdade como uma verdade compartilhada pelas demais classes a que submete.
Assim, embora a Revista mantivesse o seu discurso de isenção, o fato é que a
publicação, de verdade, se debruçou sobre questões que estavam no centro do debate
político daquele momento, em estreita sintonia com as ideias do seu fundador. Assim,
durante os anos 30 observa-se na publicação um crescente interesse sobre a questão da
massa. Desde artigos de fundo psicológico que caracterizam os sentimentos e emoções
humanas, passando pelo debate sobre o papel do Estado, e chegando até a uma breve
coluna política sobre episódios do conturbado panorama espanhol, se levantaram
questões sobre o que é a massa, como se comporta, quais são os seus gostos, como se
reproduz... Fosse como alusão “implícita” ou “debate “explícito”, pensar a massa (não
como algo abstrato, distante, mas sim a massa que estava nas ruas naqueles anos), o
papel do Estado e a sua forma (Monarquia, República, ditadura, democracia), ou mesmo
o lugar da literatura neste novo cenário eram, em si, questões vitais para a
intelectualidade da época.
140
Época de contrastes, de mudanças bruscas que exigiam ações rápidas dos
intelectuais. Ortega y Gasset, por exemplo, em 1929 rompeu com a ditadura de Primo
de Rivera, em 1930 vaticinou que a Monarquia estava morta, no ano seguinte participou
da criação da “Agrupación al Servicio de la República”, se elegeu deputado e em
seguida abandonou seu cargo por desacordos com a Constituição e se distanciou da vida
política, o que de certa forma também significou se distanciar da República”.
As opções políticas da R. de O. e de seu fundador levaram a um esvaziamento da
publicação, com a saída de vários colaboradores de peso. Tal saída não se deveu a que
alguns intelectuais não tivessem espaço para expressar-se num projeto “cultural” como
o da Revista, uma vez que vimos como o discurso da publicação adquire tons políticos.
A debandada se devia, pois, a que o espaço da publicação não servia para o que estes
tinham a dizer.
O deslocamento do eixo estético subsidiado pelo ensaio “La deshumanización
del arte” para a análise da “massa” presente em La rebelión de las masas leva a revista a
se aproximar dos debates da sua época. No entanto, este discurso, profundamente
nacionalista e conservador, seria lido, anos mais tarde, como o germe de uma corrente
fascista que serviria de suporte ao franquismo. Sem desconsiderar a relevância do
empreendimento orteguiano para a difusão de uma importante parte da produção
intelectual espanhola e internacional do momento, podemos afirmar que o forma da
construção do discurso da R. de O., revestido de neutralidade e de autoridade científica,
e perfeitamente coerente com os seus princípios, serviu, pelo menos no período
estudado, de porta voz de discursos perigosos para a democracia. Nos tempos de crises
atuais, momento em que se observa a releitura e a revalorização de nacionalismos
exacerbados (cuja xenofobia é uma consequencia natural), torna-se muito importante
reler o passado. Com distanciamento histórico, sim, com isenção, impossível.
141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Corpus
Propósitos. Revista de Occidente. Madrid. t. i, p. 01-03 jul-ago-sep. 1923.
Revista de Occidente. Madrid. t. xxiii, ene-feb-mar 1929. 408p
______. Madrid. t. xxiv, abr-mayo-jun 1929. 400p
______. Madrid. t. xxv, jul-ago-sep 1929. 386p
______. Madrid. t. xxvi, oct-nov-dic 1929. 432p
______. Madrid. t. xxvii, ene-feb-mar 1930. 416p
______. Madrid. t. xxviii, abr-mayo-jun 1930. 408p
______. Madrid. t. xxix, jul-ago-sep 1930. 400p
______. Madrid. t. xxx, oct-nov-dic 1930. 378p
______. Madrid. t. xxxi, ene-feb-mar 1931. 328p
______. Madrid. t. xxxii, abr-mayo-jun 1931. 320p
______. Madrid. t. xxxiii, jul-ago-sep 1931. 360p
______. Madrid. t. xxxiv, oct-nov-dic 1931. 360p
______. Madrid. t. xxxv, ene-feb-mar 1932. 360p
______. Madrid. t. xxxvi, abr-mayo-jun 1932. 384p
______. Madrid. t. xxxvii, jul-ago-sep 1932. 352p
______. Madrid. t. xxxviii, oct-nov-dic 1932. 344p
2. Demais referências
ALFONSO XIII, “Documento de renuncia del Rey Alfonso XIII”. In: BERENGUER,
Damaso. De la Dictadura a la República. Madri: 1946. p. 393. Disponível em:
http://www.segundarepublica.com/index.php?opcion=6&id=22. Acesso em:
08/07/2010.
ALONSO IGLESIAS, Remedios. Ortega y la revista de occidente: una nueva
configuración de la prosa narrativa (1923-1930). Barcelona: Servicio de Publicacións e
Inntercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 1996.
ALTAMIRANO, Carlos & SARLO, Beatriz. Literatura/Sociedad. Buenos Aires:
Hachette, 1983.
AZORIN. “Intervención social”. In: RAMONEDA, Arturo. Antología de la literatura
española del siglo XX. Madri: SGEL, 1988.
AZORIN; BAROJA, Pío; MAEZTU, Ramiro de. “La circular de los tres”. In:
RAMONEDA, Arturo. Antología de la literatura española del siglo XX. Madri: SGEL,
1988.
142
BAHAMONDE. Angel. (coord.) Historia de España siglo XX 1875-1939. Madri:
Cátedra. 2000.
BAROJA, Pio. El árbol de la ciencia. Madri: Cátedra, 1997.
BLANCH, Antonio. La poesía pura española. Madrid: Gredos, 1976.
BOETSCH, Laurent. “José Ortega y Gasset en el nuevo romanticismo de José Díaz
Fernández.” In: MARSHALL, J. Schneider & VAZQUEZ, Mary. (eds.), Ramón J.
Sender y sus coetáneos. Homenaje a Charles L. King. Huesca: Instituto de Estudios
Altoaragoneses; Davidson: Davidson College, 1998, pp. 21-36. Disponível em:
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2366323. Acesso em: 20/06/2010.
BOURDIEU, Pierre. Campo intelectual y proyecto creador. In: Problemas del
estructuralismo. México D. F.: Siglo XXI editores, 1967. pp 135-182
CACHO VIU, Vicente. “El compromiso público de Ortega y Gasset en la España de su
tiempo”. In: MOLINUEVO, J.L. (Coord.). Ortega en la Argentina. Madrid: Fondo de
Cultura Económica, 1997. Pp 151-165
______. “La imagen de las dos Españas”. In: Revista de Occidente: n. 60, pp 49-77,
1996.
CAMAZON LINACERO, Juan Pablo. La crisis europea en Revista de Occidente
(1923-1936). Revista Espacio, tiempo y forma, serie V, vol. 13. Madrid:UNED, 2000.
pp 369-391. Disponível em: http://espacio.uned.es/fez/eserv.php?pid=bibliuned:ETFSerie5-76C6130E-5EEA-D509-E94991C684804274&dsID=PDF. Acesso em: 15/06/2010.
CAREY, John. Os intelectuais e as massas. São paulo: Ars Poética, 1993.
CHABÁS, Juan. Literatura española contemporánea. La Habana: Cultural S.A., 1952.
COSTA, Joaquin. “Oligarquía y caciquismo como la forma actual de gobierno en
España: memoria y resumen de la información”. (edição digital baseada nesta edição)
Madrid, Revista de Trabajo, 1975. Disponível em:
http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/12405085388048940221802/index.
htm. Acesso em: 04/06/2010.
143
COSTA, Joaquin. “Quiénes deben gobernar después de la catástrofe”. In:
RAMONEDA, Arturo. Antología de la literatura española del siglo XX. Madri: SGEL,
1988.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes,
1997. 348p
______. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
ELORZA, Antonio. La razón y la sombra. Una lectura política de Ortega y Gasset.
Barcelona: Anagrama, 2002.
FOX, E. Inman. El uso y el abuso del sentido de la “generación de 98” de España. In:
____ La invención del 98 y otros ensayos. Madri: Gredos, 1969. pp 5-16
FUENTES, Victor. “La narrativa española de vanguardia”. In: GARCÍA DE LA
CONCHA, Víctor. (org) Historia y crítica de la literatura española – época
contemporánea (1914-1939). Barcelona: Crítica, 1984. pp 561-564
GARCIA DE CORTÁZAR, Fernando e GÓNZALEZ VESGA, José Manuel. Breve
Historia de España. Madrid: Alianza, 1995.
GARCÍA QUEIPO DE LLANO, Genoveva. Intelectuales y política en la dictadura de
Primo de Rivera. www.artehistoria.com. Acesso em :23/06/2010.
GEIST, Antony Leo. La poesía de la generación del 27 y las revistas literarias: de la
vanguardia al compromiso (1918-1936). Barcelona: Labor-Guadarrama, 1980.
GRAN Enciclopedia Rialp. (GER) Disponível em:
http://www.canalsocial.net/GER/ficha_GER.asp?id=5729&cat=filosofia
Acesso em : 17/06/2010.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
JACKSON, Gabriel. La República Española y la Guerra Civil. Barcelona: Crítica,
1999.
144
LÓPEZ CAMPILLO, Evelyne. La revista de Occidente y la formación de las minorías.
Madri: Taurus, 1972.
LÓPEZ-MORILLAS, Juan. “Sanz del Río, Ortega y el equívoco de Alemania”. In:
Revista de occidente n. 60 mayo,1986. pp 1-27
MACIAS PICAVEA, Ricardo. “El problema nacional”. In: RAMONEDA, Arturo.
Antología de la literatura española del siglo XX. Madri: SGEL, 1988.
MAINER, Jose Carlos. Historia, literatura y sociedade y una coda: literatura nacional
española. Madri: Biblioteca Nueva, 2000. 373p
MARTIN-BARBEIRO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. (trad. Ronald Polito eSérgio Alcides) Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
356p
MARTÍNEZ, Jesús, A. “La Segunda República”. In: BAHAMOONDE, Angel. (coord.).
Historia de España Siglo XX. Madrid: Cátedra, 2000. pp 541-636
MONTERO, Luis García. “Memoria viva del 27”. In: Cuadernos hispanoamericanos:
n. 514-515 pp11-22, 1993. pp 10-22
OLIVER, miguel. “El primer rascacielos de Europa.” Disponível em:
http://www.abc.es/20100214/madrid-madrid/primer-rascacielos-europa-20100214.html.
Acesso em 20/06/2010.
ORTEGA Y GASSET. “Alemán, latín y griego”. In: Obras completas. Madri: Revista
de Occidente, 1946. v.1 pp 206-210
______. El tema de nuestro tiempo. Madrid: Espasa-Calpe, 1975. 156p
______. España invertebrada. Madri: Alianza, 1994.
______. La deshumanización del arte. In: Obras completas. Madrid: Espasa-Calpe,
1932.
______. La rebelión de las masas. Madrid: Revista de Occidente, 1930. 315p
______. “Sobre un periódico de las letras”. La gaceta Literaria, año I, núm.01, 1º. de
145
enero de 1927. Disponível em: www.filosofia.org Acesso em: junho de 2005.
______. “Unamuno y Europa, una fábula”. In: Obras completas. Madri: Revista de
Occidente, 1946. v.1 pp 128-132
______. “Vieja y nueva política”. In: Obras completas. Madri: Revista de Occidente,
1946. v.1
OSUNA, Rafael. Las revistas españolas entre dos dictaduras: 1931-1939. Valencia:
Pré-textos, 1986. 246p
PRIMO DE RIVERA. Miguel. “Al país y al ejécito”. Manifiesto del 13 de septiembre
de 1923. http://www.generalisimofranco.com/opinion/347d.htm
Acceso en 23/06/2010
RAMOS-GASCÓN, Antonio. “Historiología e invención historiográfica: el caso 98”.
In: REYES, Graciela. Teorías literarias en la actualidad. Madrid: El arquero, 1989. pp
203-228
RAMOS ORTEGA, Manuel J. “Las revistas españolas entre 1918 y 1950”. In: ____.
Las revistas literarias en España entre la Edad de plata y el medio siglo. Madrid:
Ediciones de la Torre, 2001. pp13-27. Disponível em: primeiravistalibros.com. Acesso
em: agosto de 2004.
RODRÍGUEZ DE LECEA, T.; LAPOTA, F.; RUIZ, A. “La Institución Libre de
Enseñanza”. Disponível em: www.almendron.com. Acesso em: 03 de junho de 2005.
SANTOS, Flavia. A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação: um estudo
do ano de 1929. Dissertação de mestrado defendida em 2005. Programa de PósGraduação em Letras Neolatinas. UFRJ.
SANTOS JULIÁ. Historia de las dos Españas. Madri: Taurus, 2006. 562p
SAZ CAMPOS, Ismael. España contra España: los nacionalismo franquistas. Madri:
Marcial Pons, 2003. 441p
VÁZQUEZ, Karina. De la modernidad y sus mapas. Revista de occidente y la “nueva
generación” en la Argentina de los años veinte. In: Revista intellectus – Ano 02 Vol.II
– 2003. Disponível em: www2.uerj.br/~intellectus Acesso em : 23 de abril de 2005.
146
VELA, Fernando. “Prólogo-conversación”. In: ORTEGA Y GASSET, José. Goethe
desde dentro, El punto de vista en las artes y El hombre interesante. Madrid: Revista de
Occidente, 1933. pp viii-xxx
VICENS VIVES, J. (org.) Historia de España y América - social y económica.
Barcelona: Vicens-Vives, 1985. Vol. V.
VILAR, Pierre. História de Espanha. Lisboa: Horizonte, 1992. 142p
WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 239p
www. Ortegygasset.edu-revista de occidente-revista.htm. Acesso em: agosto de 2004.
www.residencia.csic.es. Acesso em: 03 de julho de 2004.
ZULETA, Emilia de. Historia de la crítica española contemporánea. Madrid: Gredos,
1966.
147
ANEXOS
148
ANEXO A – MODELO DE CAPA DA REVISTA DE OCCIDENTE
149
ANEXO B – MODELO DE APRESENTAÇÃO VISUAL DA PRIMEIRA SEÇÃO
150
ANEXO C - MODELO DE APRESENTAÇÃO VISUAL DA SEÇÃO DE NOTAS
151
ANEXO D – TEXTO “PROPÓSITOS” (Revista de Occidente, t. 01, 01-03)
152
153
ANEXO E – CAPÍTULO 5 - O PERFIL DA REVISTA 68
A organização dos textos na revista de Occidente não variou muito nos seus
treze anos de existência. Em formato 214 X 149 mm, destacavam a tipografia - segundo
Gómez de la Serna (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 60), marcada por caracteres de
longas “pes y des” - e o verde das letras da Capa. Seu sumário dividia-se em duas
partes: artigos e notas, claramente diferenciados pelo tamanho das letras e o
espaçamento entre linhas
69
. Além destes, em poucos volumes, até 1928, constavam
também uns comentários curtos, assinados pelos principais redatores, intitulados
“Asteriscos” ou “La flecha en el blanco”. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 61)
A primeira parte continha, em geral, escritos de autores de reconhecida
importância, ou nomes jovens que a publicação pretendia destacar como importantes.
Uma grande parte estava dedicada à literatura, pelo menos até o ano de 1930, quando
outras preocupações entraram em cena. Em geral eram textos mais longos (ensaios,
capítulos de livros, fragmentos de romances, ou romances curtos, obras de teatro) que
ocupavam cerca de 30 páginas, com exceção da poesia, que naturalmente necessitava de
um espaço menor, mas nem por isso menos importante. Quando o texto era demasiado
extenso a revista tinha o hábito de publicá-lo dividido em duas, ou se fosse o caso, três
edições.
Em sua maioria vinham acompanhados somente do título e do crédito do autor,
com exceção das colaborações estrangeiras, geralmente apresentadas através de um
pequeno parágrafo introdutório. Situado entre o título e o corpo do texto (ou, nos anos
em que houve, na seção de asteriscos), indicava-se assim a origem do autor e lugar de
atuação, às vezes o título de suas obras mais importantes e uma explicação sobre a fonte
68
Capítulo da minha dissertação de mestrado “A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação:
um estudo do ano de 1929.” Referência completa junto às referências bibliográficas.
69
Ver Anexos A, B e C.
154
do artigo e a pertinência de sua publicação. Uma das funções deste procedimento
consistia em “autorizar” a revista, legitimando uma rede de contatos culturais e
acadêmicos que lhe conferiam prestígio. (VÁZQUEZ, 2003, 12) Assim, por exemplo,
ao apresentar na primeira parte o artigo “La nueva teoría del campo”, de Einstein (R. de
O., t.xxiii, 129), a revista publica na seção de “notas” o seguinte comentário:
Hace poco más de un mes, el gran físico Alberto Einstein presentó a la
Academia de Ciencias de Berlín una pequeña comunicación[...] Era la nueva
teoría del campo único, que Einstein esboza en el primer artículo de este
número. Descubrimiento de tal importancia tenía que repercutir en seguida en
la revista de Occidente. Y hemos obtenido del señor Einstein el trabajo que
encabeza nuestro sumario de este mes. Impresos ya los primeros pliegos, el
señor Einstein nos escribe adviritiendo que quisiera perfeccionar la
consideración geométrica con que termina su trabajo [...] (Revista de
Occidente, t. xxiii, 01)
Nota-se na citação uma espécie de “autopropaganda” da revista, que ao mesmo
tempo demonstrava atualidade, ao publicar o que de mais novo se pensava em física, e
autoridade, ao receber de ninguém menos que o próprio Einstein o texto a ser publicado.
Em outra ocasião, ao publicar por primeira vez um trabalho de A. S. Eddington, a
revista apresenta diretamente o astrônomo em um parágrafo anterior ao seu texto.
Publicamos en el número anterior un capítulo de la obra filosófica de Max
Scheler, El puesto del hombre en el cosmos. A.S. Eddington estudia en el
trabajo que damos a continuación cuál es el lugar del hombre en el universo,
desde otro punto de vista completamente distinto. A. S. Eddington es profesor
de la Universidad y director del Observatorio de Cambridge. Es, con Jeans –
del cual hemos publicado varios trabajos-, la figura más alta de la astronomía
contemporánea [...](Revista de Occidente, t. xxv, 01)
Como era a primeira vez que o cientista aparecia na Revista, o texto de
apresentação justificava o porquê de sua inclusão ao defini-lo como “a figura mais alta
da astronomia contemporânea”, situando-o em relação ao astrônomo J. Jeans e ao
filósofo Max Scheler, já conhecidos do leitor. Deste modo estabelecia-se uma rede de
afinidades, não necessariamente relativas a uma área de estudo, mas de problemáticas
que constituíam a preocupação da revista. Como veremos nas análises dos volumes
referentes ao ano de 1929 a existência de diferentes “problemáticas” dentro da
155
publicação constitui uma particularidade da assimetria de um campo intelectual, no qual
em uma mesma época podem conviver formas residuais, dominantes e emergentes.
(SARLO, 1983, 84; WILLIAMS, 2000, 201)
Segundo Vázquez (2003,12), além da função de “autorizar” a revista, os textos
introdutórios pretendiam orientar e controlar a leitura, processo fundamental para uma
instância do campo intelectual que se pretendia legitimadora. Ao adentrarmos no
território do “leitor” e nos referirmos aos mecanismos de que uma revista dispõe para
seduzi-lo, é preciso distinguir entre o leitor que a revista constrói, como implícito a todo
texto, e o leitor “real” da revista. Deve-se postular a existência de
un destinatario interno [...] aludido en el texto por el sistema de señales cuya
interpretación exige dominar destrezas y supuestos socioculturales; y un lector
empírico, colocado fuera del texto, cuyo habitus puede coincidir o no con el
del destinatario interno. (SARLO, 1983, 109).
No caso das revistas culturais, é preciso levar em conta que elas articulam
discursos alheios enquanto constroem um discurso próprio que pretendem legitimar.
Deste modo, é natural que tendam a “organizar su público, es decir el área de lectores
que la reconozca como instancia de opinión intelectual autorizada” (SARLO, 1983, 96).
A revista surgiu de uma conversa entre Fernando Vela e Ortega y Gasset, quem
apontava a necessidade de colocar o leitor espanhol ao corrente “de todas las nuevas
ideas en todos los dominios de la cultura” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 59). Este
leitor era fundamentalmente culto, oriundo da universidade (estudantes e professores) e
de setores mais abertos de profissionais liberais, entre os quais se reconhecia uma
demanda por outras leituras além das estritamente universitárias e da sua área de
trabalho. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 66). (Se tratava, pois, do novo tipo de intelectual
especializado, ao que aludimos no capítulo ___ da presente tese , minoria seleta com a
qual Ortega pretendia dialogar.)
156
Uma considerável parte era jovem, muitos dos quais estudantes que
possivelmente conheceram a revista através da “fama” de Ortega como professor ou da
influência de outros colaboradores da publicação, também professores de Universidades
e Institutos70. Além do contato através das instituições de ensino deve-se destacar o
papel fundamental de outro lugar muito freqüentado por jovens: as “tertúlias de café”.
Ali “los temas culturales ocupaban un sitio por lo menos tan importante como los temas
políticos, [...] se difundían las informaciones sobre los últimos libros publicados, los
nuevos artículos o las recientes conferencias.” (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 65).
Também colaborou a participação de Ortega no diário El Sol e nas publicações
da Editora Calpe, que o tornou conhecido entre um público não ligado diretamente à
filosofia. Como exemplo, destacamos a declaração de Eugenio D‟Ors ao descrever a
biblioteca de um jovem de dezoito anos, na qual se encontravam “varios números de la
Revista de Occidente” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 65).
Este público, mais velho ou mais novo, localizava-se não só na Espanha, mas
também na América Hispânica, para onde iam, como vimos (buscar a citação) a metade
dos 3.000 exemplares de cada edição, comprados pela editora Espasa-Calpe. A própria
experiência de Ortega, ao visitar a Argentina em 1916, contribuiu para identificar os
países americanos de língua espanhola como um mercado em potencial.
[...] la repercusión en los medios periodísticos, la respuesta positiva de un
público amplio (no sólo profesores y alumnos de la universidad, sino también
profesionales y mujeres), contribuyó a conformar en Ortega la percepción de
que, más allá del atraso en materia filosófica, en América era posible encontrar
un público excepcionalmente dispuesto a la novedad. (VÁZQUEZ, 2003, 05)
A percepção não estava equivocada, conforme se comprova na declaração de
Juan Marichal (1993, 31)
[...] uno de mis más admirados y queridos maestros universitarios, el
historiador mexicano Edmundo O‟Gorman, me contó cómo un grupo de
70
Institutos eram instituições de ensino “básico”, onde os jovens estudavam antes de ir à universidade.
157
jóvenes escritores mexicanos se congregaban en una librería, el día que llegaba
de madrid mensualmente, la Revista de Occidente.
É interessante observar como a descrição do público da revista coincide com o
perfil de leitor traçado nos “Propósitos”. Diferentemente do livro, que aspira a ser um
projeto de longa duração, lido por pessoas de várias épocas, as revistas culturais
pretendem estabelecer um “diálogo” com os seus contemporâneos, para discutir
problemáticas inerentes ao seu tempo (não importa se elas se referem ao passado ou ao
futuro e sim como são vistas desde o presente). Sendo assim, é fundamental convencer
o “leitor”, atraí-lo, não uma vez, como um livro que lemos e, talvez, relemos uma ou
algumas vezes, mas mês a mês, número a número no caso de uma publicação mensal
como a Revista de Occidente. Há uma relação mais direta, e o “leitor real”, ou empírico,
se aproxima bastante do “leitor implícito”, construído pela revista.
A definição desse leitor implícito é o primeiro aspecto abordado nos
“Propósitos”
Los propósitos de la Revista de Occidente son bastante sencillos. Existe en
España e Hispano-América un número crecido de personas que se
complacen en una gozosa y serena contemplación de las ideas y del arte.
Asimismo les interesa recibir de cuando en cuando noticias claras y meditadas
de lo que se siente, se hace y se padece en el mundo: ni el relato inerte de los
hechos, ni la interpretación superficial y apasionada que el periódico les
ofrece, concuerdan con su deseo. [...] Es la curiosidad ni exclusivamente
estética ni ceñudamente científica o política. Es la vital curiosidad que el
individuo de nervios alerta siente por el vasto germinar de la vida en
torno y es el deseo de vivir cara a cara con la honda realidad
contemporánea (grifo nosso) (R. de O., t. i, 01)
Observe-se a forma sedutora da descrição. As palavras iniciais da sua primeira
edição revelam o aspecto provocativo das expressões “individuo de nervios”, “alerta”.
Somos levados, como leitores, a nos sentirmos mais importantes, diferentes, capazes de
viver “cara a cara” com essa “realidade contemporânea”. Embora a revista esteja feita
para uma minoria de intelectuais, as suas palavras nos induzem a pensar que não somos
158
poucos e sim “un número crecido” de pessoas. Tal provocação sedutora seria mantida
ao longo dos anos.
Ao referir-se às pequenas apresentações que introduzem os textos estrangeiros,
Vázquez afirma que “Es posible ver allí – siguiendo las sugerencias metodológicas
planteadas por Roger Chartier – cómo, a partir de una representación previa de lectura,
se activan estrategias de control y de seducción del lector”. (2003: 12) Ao mesmo tempo
em que seduzia e convidava o leitor a conhecer o seu projeto, a revista necessitava
orientar a leitura na direção do que pretendia demonstrar. Para realizar esta operação de
“orientação e controle da leitura” a revista lançou mão de dois conceitos também
definidos nos “Propósitos”: “clareza” e “hierarquía”.
No basta que un hecho acontezca o un libro se publique para que deba hablarse
de ellos (...) Nuestra Revista reservará su atención para los temas que
verdaderamente importan y procurará tratarlos con la amplitud y rigor
necesarios para su fecunda asimilación. (R. de O., t. i, 02)
Mesmo preconizando a chegada de um novo espírito, devia-se advertir o leitor
de que não bastava ser novo para ser bom. À publicação cabia estabelecer uma
“hierarquia da informação”, selecionar os textos fundamentais para então promover o
debate do que fosse relevante. E o conceito de relevante se aplicava àquilo que servisse
para esclarecer as idéias (este é o sentido de “clareza”), ou seja, para abrir os olhos dos
espanhóis aos “síntomas de una profunda transformación en las ideas, en los
sentimientos, las maneras, en las instituciones.” (R. de O., t. i, 01).
Além da seleção prévia dos textos e da sua apresentação quando necessário
(como vimos no caso dos textos estrangeiros) um dos principais instrumentos de
orientação da leitura constitui a segunda parte da revista, intitulada “notas”. Tratava-se,
muitas vezes, de resenhas de livros, mas também apareciam comentários sobre filmes,
sobre os artigos publicados na primeira parte da mesma ou de outras edições, sobre um
evento considerado importante, homenagens (por morte, recebimento de prêmios...) etc.
159
Muitas vezes o estudo das notas relativas a um tema resultou ser mais relevante, para
nosso trabalho, do que a leitura dos artigos em si, uma vez que revelavam o pensamento
da revista sobre um tópico em específico, ou, principalmente, porque demonstravam
certa unidade de opiniões. Sob o rótulo de “seção de notas”, revestidas de uma
“diversidade aparente”, disfarçadas de “pequenos” comentários secundários frente aos
grandes “artigos”, apresentadas em espaço e fontes menores, a Revista de occidente
construía o seu discurso crítico. Efetivamente, destacados ensaios do grupo da revista
aparecem neste espaço, como a nota “Vidas oblicuas” (R. de O., tomo xxvi, 251) sobre
o papel das biografias, de Benjamín Jarnés (SERRANO ASENJO, 2002, 13) ou “Anejo
a mi folleto Kant” (R. de O., tomo xxv, 124), de Ortega y Gasset (um excelente texto
para se entender a filosofia vitalista de Ortega).
Ao iniciarmos este capítulo, aludimos aos aspectos formais que configuravam a
revista. Agora podemos afirmar que o modo como a publicação se organizou respondia
a necessidades intrínsecas ao seu projeto. A relação entre forma e conteúdo é sempre
uma relação de mútua construção em que o desenvolvimento de um responde e gera
necessidades ao outro. A divisão em duas partes (artigos e notas) plasmava,
fundamentalmente, os processos de seleção e orientação propostos nos conceitos de
“hierarquia e clareza”.
Por este motivo, e para efeitos de organização de nosso estudo, chamaremos
“artigo” a todo texto publicado na primeira seção da revista e “nota” aos pertencentes à
segunda parte. Obedecemos, deste modo, aos mesmos critérios usados por López
Campillo e Vázquez em seus trabalhos. Veremos agora como o projeto da Revista de
Occidente apresenta questões formais e temáticas resolvidas, ou pelo menos com
tentativas de resolução, até 1929, quando outras demandas entraram em cena e o projeto
foi
reavaliado.
160
ANEXO F- LISTA DE TEXTOS (ARTIGOS E NOTAS) PUBLICADOS SOBRE A ALEMANHA
Tomo
Vol.
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
obs
obs literatura
Tomo
XXVI
LXXVI
1929
octubre
artículo
Megalomanía
espiritual
Friedrich
Gundolf
sociología
ensayo
57
Alemania /
literatura
espacio
Tomo
XXVI
LXXVII
1929 noviembre artículo
¿Un renacimiento
católico? Liturgía y
espíritu
Luis de
Zulueta
filosofía
ensayo
203
Alemania - sobre
la "Primavera
alemana, la
Reforma católica
raza
Tomo
XXVII
LXXIX
1930
enero
artículo
Clima y evolución
K. Olbricht
ciencias
ensayo
40
Bioclimática orígenes del
hombre, raza
superiores e
inferiores según
latitud donde
viven
Tomo
XXVII
LXXX
1930
febrero
artículo
El proceso de
neutralización de la
cultura
Carl Schmitt
humanidades
ponencia
199
autor "facha" germanista, cita
raza
Tomo
XXVII
LXXX
1930
febrero
artículo
Clima y evolución
K. Olbricht
ciencias
ensayo
222
Bioclimática (cont.)
raza
sociológía
298
sobre el papel de
la mujer
alemamna en la
sociedad
prosa?
sociología
140
autor "facha" germanista,
Estado
Tomo
XXXI
XCIII
1931
marzo
artículo
Berlín 1931
Máximo José
Kahn
Tomo
XXXII
XCV
1931
mayo
artículo
Hacia el Estado
Total
Carl Schmitt
artículo
tema
biografía de
un lugar?
161
LISTA DE TEXTOS DE AUTORES ALEMÃES OU RESENHAS SOBRE TEXTOS DE AUTORES ALEMÃES
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
obs
Tomo
XXIII
LXVIII
1929
febrero
artículo
La nueva teoría del
campo
Alberto
Einstein
física
artículo
129
Revista Nature
Tomo
XXIII
LXVIII
1929
febrero
artículo
La situación
presente de la
fenomenología
Arnold
Metzger
filosofía
capítulo
178
continuación del
no LXV (Nov
1928)
arte / filosofía
ensayo ??
307
obs literatura
Tomo
XXIII
LXIX
1929
marzo
Rembrant y Spinosa
( contribución
artículo
histórica al
Carl Gebhardt
problema del
Barroco)
Tomo
XXIII
LXIX
1929
marzo
artículo
La muerte del
pequeno burgués
Franz Werfel
literatura
novela
352
prosa
Tomo
XXIV
LXX
1929
abril
artículo
La muerte del
pequeño burgués
(conclusión)
Franz Werfel
literatura
novela
42
prosa
julio
El puesto del
hombre en el
artículo
cosmos (Los grados
del ser psicofísico)
Max Scheler
filosofía
capítulo
1
Tomo
XXV
LXXIII
1929
libro homónimo
espacio
tema
162
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
Tomo
XXV
LXXIII
1929
julio
artículo
Un día de octubre
Georg Kaiser
literatura
teatro
40
prosa
Tomo
XXV
LXXIV
1929
agosto
artículo
Un día de octubre
Georg Kaiser
literatura
teatro
201
prosa
Tomo
LXXV
1929 septiembre artículo
Un día de octubre
Georg Kaiser
literatura
teatro
329
prosa
Tomo
XXVI
LXXVI
1929
aetículo
Megalomanía
espiritual
Friedrich
Gundolf
sociología
ensayo
57
Alemania /
literatura
espacio
Tomo
XXVI
LXXVIII
artículo
El centurión de
Cafarnaum
Ernst
Wiechert
literatura
novela
273
la novela del
premio 5 revistas
prosa
raza
octubre
1929 diciembre
obs
obs literatura
tema
Tomo
XXVII
LXXIX
1930
enero
artículo
Clima y evolución
K. Olbricht
biología
ensayo?
40
Bioclimática orígenes del
hombre, raza
superiores e
inferiores según
la latitud donde
viven
Tomo
XXVII
LXXX
1930
febrero
artículo
El proceso de
neutralización de la
cultura
Carl Schmitt
historia /
antropología
ponencia
199
autor "facha" germanista, cita
Raza
Tomo
XXVII
LXXX
1930
febrero
artículo
Clima y evolución
K. Olbricht
biología
ensayo?
222
Bioclimática (cont.)
Raza
Tomo
XXVIII
LXXXII
1930
abril
artículo
El sobreestimado
niño
Conde de
Keyserling
filosofía
capítulo
76
capítulo del libro
Norteamérica,
libertada
Tomo
XXVIII
LXXXII
1930
abril
nota
De Rickert a la
fenomenología
R. Ledesma
Ramos
filosofía
reseña
123
norteamérica
fenomenología
163
Tomo
Tomo
XXIX
Volume
LXXXV
Ano
1930
Mes
julio
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
artículo
El reclamo y su
influencia sobre la
fisionomía de la
cultura
Teodoro
Lüddecke
historia /
antropología
ensayo?
89
Teodoro
Lüddecke
historia /
antropología
ensayo?
89
Tomo
XXIX
LXXXV
1930
julio
artículo
El reclamo y su
influencia sobre la
fisionomía de la
cultura
Tomo
XXIX
LXXXV
1930
julio
nota
Keyserling y el
"sentido"
R. Ledesma
Ramos
filosofía
reseña
113
Ludwig Klages y su
lucha contra el
"espíritu"
Gerda
Walther
filosofía
ensayo
265
nota
De antropología
filosófica
Fernando
Vela
filosofía
ensayo?
389
artículo
Ludwig Klages y su
lucha contra el
"espíritu"
Gerda
Walther
filosofía
ensayo
117
Tomo
XXIX
LXXXVII 1930 septiembre artículo
Tomo
XXIX
LXXXVII 1930 septiembre
Tomo
XXX
LXXXVIII 1930
octubre
obs
obs literatura
tema
libro El
conocimiento
creador
fenomenología
sobre el concepto
desarrolado por
Max Scheler
164
Tomo
XXX
LXXXIX
1930 noviembre
Tomo
Volume
Ano
Tomo
XXX
XC
Mes
1930 diciembre
nota
Esquemas de
Nicolai Hartmann
R. Ledesma
Ramos
filosofía
ensayo
252
fenomenología
fenomenología
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
obs
obs literatura
artículo
La psicología del
llanto
B. Schwartz
psicología
capítulo
267
fenomenología
fenomenología?
ensayo
298
sobre el papel de
la mujer
alemamna en la
sociedad
prosa?
Tomo
XXXI
XCIII
1931
marzo
artículo
Berlín 1931
Tomo
XXXII
XCIV
1931
abril
nota
Berlín-Norte
Francisco
Ayala
literatura
ensayo
117
sobre la novela
prosa
Tomo
XXXII
XCV
1931
mayo
artículo
Hacia el Estado
Total
Carl Schmitt
sociología?
artículo?
140
autor "facha" germanista,
Estado
Tomo
XXXIII
XCVII
1931
julio
artículo
Casa de tristeza
Franz Werfel
literatura
novela?
51
Tomo
XXXIII
XCVIII
1931
agosto
artículo
Los grados de lo
infinito
Hermann
Weyl
matemáticas?
artículo
170
Tomo
XXXIII
XCVIII
1931
agosto
artículo
Casa de tristeza
Franz Werfel
literatura
novela
201
continuación
prosa
Tomo
XXXIII
XCIX
Los sistemas de la
historia universal
Hans Freyer
historia
capítulo
249
1931 septiembre artículo
Máximo José
sociológía/literatura?
Kahn
tema
biografía de
un lugar?
165
Volume monográfico sobre Goethe
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
Tomo
XXXVI
CVI
1932
abril
artículo
Pidiendo un Goethe
desde dentro
Ortega y
Gasset
literatura
ensayo
1
Tomo
XXXVI
CVI
1932
abril
artículo
Goethe, según la
psicopatología
José Miguel
Sacritán
psicología
artículo?
42
Tomo
XXXVI
CVI
1932
abril
artículo
La nueva Melusina
J. W. Goethe
literatura
cuento
92
prosa
Tomo
XXVI
CVI
1932
abril
artículo
Apuntes al Werther
Antonio
Espina
literatura
ensayo
118
prosa
Tomo
XXXVI
CVI
1932
abril
artículo
Goethe y el mundo
hispánico
Manuel
García
Morente
literatura
discurso
131
prosa
abril
La curva
simbolicogeográfica
artículo
de la vida de
Goethe
Máximo José
Kahn
literatura/geografía
ensayo
148
Tomo
XXXVI
CVI
1932
obs
Continuação dos volumes referentes a 1932
Tomo
XXXVI
CVIII
1932
junio
artículo
Las conquistas del
idealismo alemán
Heinz
Heimsoeth
filosofía
artículo?
311
Tomo
XXXVII
CIX
1932
julio
artículo
El humanismo
como iniciativa
Ernest Robert
Curtius
sociología?
ensayo
1
Tomo
XXXVII
CX
1932
agosto
artículo
El porvenir del
capitalismo
Werner
Sombart
sociología?
capítulo?
129
estado
obs literatura
tema
prosa
biografía
166
Tomo
XXXVII
CXI
1932 septiembre
nota
Oswald Spengler:
El hombre y la
técnica
Fernando
Vela
filosofía
reseña
348
Contribuições de Jung
Corpo
Nota
Tomo
Volume
Ano
Mes
Título
Tomo
XXVI
LXXVI
1929
octubre
Tomo
XXXII
XCIV
1931
abril
artículo
Tomo
XXXVI
CVII
1932
mayo
El problema
artículo psíquico del hombre
moderno
artículo La mujer en Europa
El hombre arcaico
Autor
Matéria
Tipo texto
página
C. G. Yung
psicología
ensayo ??
1
C.J.Jung
psicología
artículo??
1
C. G. Jung
psicología
ensayo
202
obs
obs literatura
tema
espacio
167
ANEXO G- LISTA DE TEXTOS (ARTIGOS E NOTAS) PUBLICADOS SOBRE OS ESTADOS UNIDOS - 1929
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
obs
obs literatura
Tomo
XXIII
LXVII
1929
enero
artículo
La mujer
norteamericana
Waldo Frank
sociología
capítulo
70
del libro Nuevo
descubrimiento
de América
espacio
Tomo
XXIII
LXVII
1929
enero
artículo
Las artes actuales
en norteamérica
Waldo Frank
arte
capítulo
83
del libro Nuevo
descubrimiento
de América
espacio
Tomo
XXV
LXXIV
1929
agosto
artículo
El espacio
americano
Paul Fechter
historia / filosofía
ensayo ??
169
tema
espacio
Tomo
XXVII
LXXXI
1930
marzo
artículo
El americanismo,
realidad y tópico
Teodoro
Lüddecke
historia /
antropología
ensayo
377
definicion de
americanismo y
su influjo en
Europa- el pensar
esteril intelectual
p.383
Tomo
XXVIII
LXXXII
1930
abril
artículo
El sobreestimado
niño
Conde de
Keyserling
filosofía
capítulo
76
capítulo del libro
Norteamérica,
libertada
Tomo
XXXII
XCV
1931
mayo
artículo
El capitalismo
norteamericano
Charlotte
Lütkens
sociología?
capítulo
177
Tomo
XXXIV
C
1931
octubre
artículo
El sentido de la
crisis
norteamericana
M. J. Bonn
historia /
antropología
capítulo
105
prosa
norteamérica
Estado
168
LISTA DE TEXTOS DE AUTORES NORTE-AMERICANOS OU RESENHAS SOBRE TEXTOS DE AUTORES NORTE-AMERICANOS
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
obs
obs literatura
Tomo
XXIII
LXVII
1929
enero
artículo
La mujer
norteamericana
Waldo Frank
sociología
capítulo
70
del libro Nuevo
descubrimiento
de América
espacio
Tomo
XXIII
LXVII
1929
enero
artículo
Las artes actuales
en norteamérica
Waldo Frank
arte
capítulo
83
del libro Nuevo
descubrimiento
de América
espacio
Tomo
XXIV
LXX
1929
abril
artículo
Nota sobre el
Emperador Jones
Ricardo
Baeza
literatura
comentario
74
prosa
Tomo
XXIV
LXX
1929
abril
artículo El Emperador Jones
Eugenio
O´Neill
literatura
teatro
76
prosa
Tomo
XXIV
LXXI
1929
mayo
artículo
El teatro de Eugenio
O-Neill
Ricardo
Baeza
literatura
ensayo
189
prosa
Tomo
XXIV
LXXI
1929
mayo
artículo
El emperador Jones
(conclusión)
Eugenio
O´Neill
literatura
teatro
235
prosa
Tomo
XXIV
LXXII
1929
junio
artículo
Europa destruida
Waldo Frank
historia
capítulo
354
libro
Redescubrimiento
de América
espacio
tema
169
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
Francisco
Ayala
literatura
reseña
122
obs
Tomo
XXV
LXXIII
1929
julio
nota
JOHN DOS
PASSOS. Manhattan Transfer.
Editorial Cenit.
Madrid.
Tomo
XXXIV
C
1931
octubre
artículo
El sentido de la
crisis
norteamericana
M. J. Bonn
historia /
antropología
capítulo
105
Tomo
XXXVI
CVIII
1932
junio
artículo
Salida de la crisis
económica
E. Lederer
sociología?
capítulo?
353
Tomo
XXXVII
CIX
1932
julio
artículo
Salida de la crisis
económica
E. Lederer
sociología?
capítulo?
70
estado
Tomo
XXXVIII
CXII
1932
octubre
artículo
El destino del
capitalismo alemán
M. J. Bonn
sociología?
capítulo?
69
estado
obs literatura
tema
prosa
crisis
170
ANEXO H- LISTA DE TEXTOS (ARTIGOS E NOTAS) PUBLICADOS SOBRE A RUSSIA- 1929
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
obs
Antonio
Espina
historia / política
reseña
127
fenomenología
política
internacional ??
sociología?
capítulo
256
Tomo
XXIV
LXX
1929
abril
nota
JULIO ALVAREZ
DEL VAYO: Rusia
a los doce años.
Espasa-calpemadrid, 1929.
Tomo
XXXII
XCVI
1931
junio
artículo
Situación actual de
la Rusia Soviética
Paul Haensel
Tomo
XXXV
CIII
1932
enero
artículo
Liam O'Flaherty
Antonio
Marichalar
Tomo
XXXV
CIII
1932
enero
artículo
El cadáver del
zarismo
Liam
O'Flaherty
sociología?
capítulo
62
Tomo
XXXVIII
CXIII
nota
El zar escarlata y el
diablo literario
Antonio de
Obregón
literatura
reseña?
214
1932 noviembre
51
obs literatura
tema
nota introductoria
al artículo de
Liam O'Flaherty
estado
entrevista de Emil
Ludwig a Stalin
prosa
biografía
171
LISTA DE TEXTOS DE AUTORES RUSSOS OU RESENHAS SOBRE TEXTOS DE AUTORES RUSSOS
Tomo
Volume
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
Tomo
XXIII
LXVIII
1929
febrero
nota
FEDOR
GLADKOV: El
cemento
Luis G. de
Valdeavellano
literatura
reseña
248
Tomo
XXIII
LXIX
1929
marzo
nota
Rasputin: Film sin
epígrafes
Rosa Chacel
cine
reseña
400
Tomo
XXVI
LXXVI
1929
octubre
nota
Diaghileff
Adolfo
Salazar
arte
esquela
121
Tomo
XXVII
LXXXI
nota
Cine - La lucha por
la tierra
Francisco
Ayala
cine
reseña
412
Tomo
XXX
LXXXIX
nota
Elías Erenburg:
Citroën 10 H. P.
Francisco
Ayala
literatura
reseña
262
Tomo
XXXII
XCV
1931
mayo
visto y
oído
Potemkin, film
piadoso
Antonio
Marichalar
195
peculiar
"lectura"
de la
película
Tomo
XXXII
XCV
1931
mayo
nota
La vie de
Bakounine
Antonio
Espina
literatura
reseña
212
Tomo
XXXII
XCVI
1931
junio
artículo
Situación actual de
la Rusia Soviética
Paul Haensel
sociología?
capítulo
256
Tomo
XXXIII
XCIX
1931 septiembre
visto y
oído
Ironías Rusas
Antonio
Marichalar
comentario?
343
literatura
rusa
1930
marzo
1930 noviembre
obs
obs literatura
tema
prosa
reseña solbre la
película rusa destaca la
"plasticidad
frente a la
politicidad de la
película
prosa
prosa
prosa
biografía
172
Tomo
Volume
Tomo
XXXVIII
CXIII
Tomo
XXXVIII
CXIII
Ano
Mes
Corpo
Nota
Título
Autor
Matéria
Tipo texto
página
1932 noviembre artículo
La alegre aventura
Miguel
Zochtchenko
literatura
ensayo?
160
prosa
1932 noviembre
El zar escarlata y el
diablo literario
Antonio de
Obregón
literatura?
reseña?
214
prosa
nota
obs
obs literatura
tema
Download

baixar - Faculdade de Letras