BIODIESEL DE PINHÃO-MANSO?
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APRESENTACAO ORAL-Ciência, Pesquisa e Transferência de Tecnologia
RENATA MARTINS1; ARILSON FAVARETO2.
1.INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA, SAO PAULO - SP - BRASIL;
2.UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, SANTO ANDRÉ - SP - BRASIL.
BIODIESEL DE PINHÃO-MANSO?
BIODIESEL FROM JATROPHA?
Grupo de Pesquisa: Ciência, Pesquisa e Transferência de Tecnologia
Resumo
Este estudo tem por objetivo mapear as condições atuais de produção do pinhão-manso no
Brasil. Encontra motivação nos resultados da produção brasileira de biodiesel com
predomínio da soja e descolada dos objetivos iniciais do PNPB, onde a inserção do pinhãomanso é apontada como um vetor para mudar essa assimetria. A análise apóia-se na
sociologia da ciência, mais especificamente, na tecnociência e nas redes sociotécnicas. Os
resultados permitiram identificar a organização, o posicionamento e as ações dos agentes
dedicados à pesquisa agropecuária, ao setor de produção e à regulação da agricultura,
frente ao cenário de incertezas que acomoda a produção de pinhão-manso.
Palavras-chaves: Biodiesel, Pinhão-manso, Tecnociência, Redes Sociotécnicas
Abstract
This study aims to map the current conditions of production of Jatropha in Brazil.
Motivation lies in the results of the Brazilian biodiesel production with a predominance of
detached soybean and the initial goals of PNPB, where the insertion of Jatropha is seen as
a vector to change the asymmetry. The analysis is based on the sociology of science, more
specifically, with techno-science and sociotechnical networks. The results showed the
organization, positioning and actions of agents devoted to agricultural research, the
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production sector and the regulation of agriculture, against the backdrop of uncertainties
that accommodates the production of jatropha.
Key Words: Biodiesel, Jatropha, Techoscience, Sociotechical Networks.
1. INTRODUÇÃO
A geração e uso de energia, um dos principais constituintes da vida humana,
sempre foi motivo de preocupação das sociedades na busca constante por alternativas
viáveis aos sistemas de produção adotados nas diversas trajetórias escolhidas pela
humanidade. Os sistemas de produção encontram as estruturas de condução da oferta e
demanda por bens e serviços nas técnicas utilizadas e legitimadas pelos modelos de
sociedade, incluem as fontes de energia, as tecnologias de transformação dos recursos
naturais e o destino dado à produção atrelado aos resultados esperados.
O entrelaçamento das técnicas de produção e dos resultados esperados a partir da
transformação dos recursos naturais tem no desenvolvimento científico o alicerce que
revoluciona a cada instante as formas de produção das sociedades. O período que segue
após a segunda guerra mundial configura num dos mais intensos em avanços científicos,
tecnológicos, crescimento econômico e consumo dos recursos naturais. Na geração de
energia, o petróleo passa a dominar o setor de transportes e mais recentemente ser o centro
das atenções nas discussões que envolvem a relação entre economia, sociedade e meio
ambiente. Para Sachs (2007), a civilização do petróleo está no seu limite e seus resultados
aquecem o debate em torno da mudança que preconiza a redução dos gases causadores do
aquecimento global e o enfrentamento de outro problema, a inclusão social por meio da
geração de emprego e renda. Nesse cenário o uso da biomassa é discutido principalmente a
partir das produções de etanol e de biodiesel, acomodadas em políticas públicas que
objetivam a redução dos gases de efeito estufa, a segurança energética e a inclusão social,
presentes especialmente nos Estados Unidos, na União Européia e no Brasil (FAO, 2008).
O Brasil, um dos principais produtores de etanol do mundo, tem sua produção de
biodiesel incentivada por meio do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel
(PNPB) e traz a clara intenção de incluir a agricultura familiar com fornecedora de
matéria-prima através do Selo Combustível Social. Os resultados do programa, lançado em
2005, apontam o predomínio da soja como principal matéria-prima, o que para Abramovay
e Magalhães (2007) atrela o biodiesel à competição com o mercado de alimentos, com um
padrão de produção em grandes extensões de terra, dificultando a participação da produção
familiar. Ao mesmo tempo, conforme Dias (2007), a saída para essa assimetria estaria na
busca por matérias-primas adequadas às características da produção familiar de regiões
mais carentes e que não participam de cadeias de produção voltadas para alimentação
humana e animal.
Nessas condições vários produtos estão sendo experimentados dentre eles está o
pinhão-manso, apontado como promissor para a inclusão da agricultura familiar de áreas
pouco favoráveis à produção de oleaginosas tradicionais e carentes de alternativas que
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possam promover o seu desenvolvimento, como a Região do Semi-árido brasileiro. As
atenções se voltam a essa cultura por conta de sua rusticidade – pouco exigente em
nutrientes e água, apresentando alta produtividade de óleo e possibilidade de condução do
seu manejo de produção pela agricultura familiar. Mas se são tantas as vantagens do
pinhão-manso para a produção brasileira de biodiesel de acordo com as premissas do
PNPB por que essa oleaginosa não participa efetivamente do programa? Quais as
principais controvérsias que permeiam sua produção? Suas potencialidades são realidade?
A tentativa de resposta a essas perguntas conduz o objetivo de artigo que se
concentra em mapear as condições atuais de produção do pinhão-manso no Brasil. Para
tanto, apóia-se na sociologia da ciência, mais especificamente, na teoria das redes
sociotécnicas proposta por Latour (2000). Dessa forma, este estudo foi estruturado em
quatro seções além desta introdutória, a primeira busca apresentar o panorama atual da
produção brasileira de biodiesel, em seguida trabalha-se o referencial teórico, para nas
próximas seções apresentar as condições de produção do pinhão-manso e as considerações
finais.
2. O BIODIESEL NO BRASIL
Esta seção apresenta uma breve introdução dos mecanismos de regulação presentes
na produção de biodiesel no Brasil, destacando principalmente as premissas que buscam a
produção sustentável do biocombustível abarcando aspectos sociais, econômicos e
ambientais.
O biodiesel foi inserido na matriz energética brasileira com a publicação da Lei
11.097, de 13 de janeiro de 2005, que estabeleceu a obrigatoriedade da adição de um
percentual mínimo de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor em todo o
território nacional. Inicialmente o percentual era de 2% para após oito anos, chegar a 5%.
Porém, em 2009, novas resoluções estabeleceram o percentual de 4%, adiantando a meta
pré-estabelecida e no mesmo ano autorizou 5% na mistura a ser utilizada a partir de janeiro
de 2010.
Para dar tratamento ao objetivo estabelecido foi implantado o Programa Nacional
de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). O programa está estruturado de forma
interministerial e organizado em equipes de trabalho (Comissão Executiva Interministerial
e Grupo Gestor); tem por objetivo principal implantar a produção e o uso de biodiesel no
Brasil de forma sustentável, promovendo a inclusão social, garantindo preços
competitivos, qualidade, suprimento e a produção a partir de diferentes fontes oleaginosas
em regiões diversas.
Para trabalhar a inclusão social e o desenvolvimento regional foi criado, no âmbito
do PNPB, o Selo Combustível Social. Esse instrumento visa estimular a produção de
biodiesel a partir de diferentes oleaginosas priorizando a participação da agricultura
familiar. Para tanto, estabelece medidas para as ações da indústria produtora do
biocombustível e do produtor das matérias-primas. O Ministério de Desenvolvimento
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Agrário (MDA)1 é responsável pela certificação das usinas produtoras, a partir do
enquadramento de projetos que garantam a compra de oleaginosas produzidas por
agricultores2 alinhados às regras do Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura
Familiar (PRONAF), além da oferta de assistência técnica.
O PNPB prevê, ainda, o Programa de Financeiro a Investimentos em Biodiesel com
incentivos à indústria por meio de financiamento junto ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras instituições financeiras. Neste
programa, as usinas detentoras do Selo participam de forma diferenciada dos benefícios
que se destinam a todas as fases de produção: agrícola; produção de óleo bruto;
armazenamento; logística; beneficiamento de subprodutos e aquisição de máquinas e
equipamentos. E também vincula a desoneração tributária em níveis distintos, aplicada ao
PIS/PAESP e COFINS, além de garantir a participação das usinas certificadas nos leilões
de compra de biodiesel promovidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP). Já para os agricultores familiares inseridos no fornecimento de
matérias-primas são disponibilizadas linhas de créditos junto ao PRONAF.
A regulação e a fiscalização das atividades relativas à produção, controle de
qualidade, distribuição, revenda e comercialização do biodiesel e da mistura óleo dieselbiodiesel (BX) é atribuição da ANP. Desde 2005 a agência promove leilões, com o
objetivo de criar mercado e estimular a produção em quantidade suficiente para atingir as
metas de misturas. Nos leilões a Petrobrás compra o biodiesel para misturá-lo ao diesel
derivado de petróleo e distribuí-lo dentro dos padrões de qualidade estabelecidos pela
ANP.
A breve explanação das particularidades do PNPB leva ao entendimento de que o
marco regulatório do PNPB estabelece regras que buscam envolver os objetivos de
inclusão da agricultura familiar e de desenvolvimento regional por meio da produção
sustentável de biodiesel. O selo combustível social, as normas de tributação e de
financiamento além das bases dos leilões de compra são os instrumentos formatados para
atingir o objetivo do programa e criar um mercado que ano a ano amplia suas
possibilidades. Apesar dos aparatos institucionalizados no PNPB os resultados da produção
brasileira de biodiesel caminham de forma assimétrica ao projetado inicialmente.
Segundo o Boletim Mensal do Biodiesel de dezembro de 2009, produzido pela
ANP, a capacidade total autorizada para produção de biodiesel está em 12.933,30 m3 por
dia. Esse total refere-se a 63 plantas autorizadas para operação, das quais 47 são
autorizadas para comercialização do B100; 20 plantas novas estão em processo de
autorização e 12 em processo de ampliação. As plantas autorizadas trabalham tanto a rota
etílica quando a metílica, embora a maioria utilize a rota metílica. Em relação à origem do
1
O selo será concedido aos produtores de biodiesel que compram matéria-prima da agricultura familiar em
percentual mínimo de: 30% região Nordeste, Sudeste e Sul; e 10% regiões Norte e Centro-Oeste até a safra
2009/2010 e de 15% a partir da safra 2010/2011. Façam contratos negociados com os agricultores familiares,
constando, pelo menos: prazo contratual, valor de compra e critérios de reajuste do preço contratado,
condições de entrega da matéria-prima, salvaguardas de cada parte, identificação e concordância de uma
representação dos agricultores que participou das negociaçõese asseguram assistência e capacitação técnica
aos agricultores familiares (MDA, 2009).
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Agricultores familiares enquadrados nos termos da Declaração de Aptidão ao PRONAF, que conta com a
participação das Associações e Sindicatos Rurais.
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óleo utilizado prevalece a vegetal a partir de várias oleaginosas, mas o sebo animal
também figura entre os óleos utilizados, com destaque para o sebo bovino. Dentre as
oleaginosas a soja se destaca como a principal matéria-prima utilizada, respondendo por
75% da produção brasileira de biodiesel, em seguida está a gordura bovina, em torno de
18% do total, e o restante fica para o óleo de algodão e para outros materiais graxos.
Mesmo considerando dados do ano de 2009 o panorama da participação das matériasprimas na produção de biodiesel, desde 2005 apresenta a soja dominando entre 90 e 75%
da origem de óleos e gorduras no total produzido do biocombustível.
Em relação à distribuição regional da produção do biodiesel no Brasil, ainda de
acordo com informações da ANP, em 2005 o estado do Pará e, em 2006 o estado do Piauí
foram os principais produtores brasileiros de biodiesel. O ano de 2007 registra maior
variação e a inserção de outros estados como Bahia, Ceará, Goiás, Rio Grande do Sul, São
Paulo, Tocantins e Maranhão, bem como aumento no total da produção nacional. A partir
de 2008 pode-se observar a concentração da produção em determinados estados.
Para o ano de 2008 os estados brasileiros que mais se destacaram na produção de
biodiesel foram Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e São Paulo, que juntos
representaram 87% do total da produção e 60% do total de usinas que produziram biodiesel
no período 2005-2008. Essa configuração de produção concentrada nesses estados pode ser
acompanha da visualização da regionalização da produção de soja. Os principais
produtores de soja são os estados do Mato Grosso, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul. A
exceção fica para o Estado de São Paulo que, além de produzir soja, conta também com o
biodiesel de sebo bovino. Outro fator importante e determinante nessa regionalização é a
localização da indústria esmagadora que também segue a mesma logística.
Nesse contexto a permanência do predomínio da soja na produção de biodiesel
poderá condicionar a inclusão de outras regiões brasileiras que não dispõem de condições
edafoclimáticas adequadas, bem como infra-estrutura que possa dar suporte ao
processamento do grão. Além da questão de concentração, a permanência da soja,
conforme apontam Abramovay e Magalhães (2007) acirra a concorrência entre alimentos e
biocombustíveis e suas conseqüências nos níveis de oferta de um produto inserido no
mercado de commodities e pertencente a uma cadeia de produção que também inclui o
preço do farelo para alimentação animal, além de pouco favorecer a inclusão da agricultura
familiar menos estruturada e, portanto, demandante de oportunidades como a preconizada
pelo PNPB.
As informações até aqui trabalhas indicam a produção de biodiesel destacada das
intenções previstas no PNPB pelo menos no que se refere ao desenvolvimento regional e à
inclusão social e ao estabelecimento de novas oportunidades para regiões carentes de
alternativas. O ponto chave está na diversificação de matérias-primas, conforme aponta
Dias (2007), matérias-primas ideais aos diversos arranjos de produção possíveis à
produção familiar no território brasileiro. No entanto, é preciso registrar, que a situação de
dependência da soja, não parece ser uma novidade, para Campos e Carmélio (2009), o
PNPB não descartou o potencial da soja como matéria-prima para a produção de biodiesel
no Brasil; pois a garantia de oferta é fundamental para uma escala de produção adequada a
um mercado em formação e também, pelo fato de que a diversificação de matérias-primas
não seria algo que pudesse ocorrer em curto prazo de tempo.
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Para Sachs (2005), as discussões sobre a inserção de matérias-primas para o
biodiesel deveriam considerar a produção de óleos a partir de culturas que não são
produzidas para fins alimentares e que fossem adequadas a áreas com condições de clima e
solo adversas ou degradadas.
Esses aspectos são considerados fundamentais quando o pinhão-manso é apontado
como uma alternativa viável na produção brasileira do biodiesel, suas possibilidades são
reforçadas pela visão de rusticidade da planta e pela alta produtividade de óleo que pode
apresentar. Porém como alerta Dias (2007), matérias-primas descoladas das cadeias de
produção voltadas à alimentação humana ou animal são pouco conhecidas e demandam por
investimentos em atividades de pesquisa.
Para o pinhão-manso a situação não escapa da convivência de gargalos entre o
técnico e o econômico que se revelam no posicionamento das organizações dedicadas à
pesquisa agropecuária, do órgão regulador da atividade agrícola e dos interessados na
produção comercial da planta. Um emaranhado de estratégias e ações, entre aqueles que
fazem ou não ciência, que determinam a formação das redes sociotécnicas; objeto de
análise proposto por Latour (2000), um dos principais autores da sociologia da ciência, que
será tratado na próxima seção.
3. A TECNOCIÊNCIA E SUAS REDES SOCIOTÉCNICAS
No final dos anos 1920, a constituição do chamado “Círculo de Viena”,
impulsionou as discussões a respeito da natureza do conhecimento científico, do seu papel
na sociedade e no estabelecimento das bases da Sociologia da Ciência. Esse movimento
tinha por objetivo demarcar o campo específico da ciência em defesa da ciência pura,
enfatizando a verdade, a racionalidade e a neutralidade científicas, conhecido também
como positivismo lógico (TRIGUEIRO, 2008).
As discussões sobre as características da atividade científica foram questionando a
visão positivista de ciência do Círculo de Viena e dando espaço ao entendimento dos
mecanismos de interação e motivação dos cientistas, fundamentais na organização e
condução das atividades de pesquisa, como as comunidades científicas e os campos
científicos.
O questionamento dos fatos científicos como realidades puras e a introdução da
idéia de ciência provida de conteúdo técnico e social está no trabalho de Kuhn que
considera os fatos científicos como consensos produzidos socialmente no interior das
comunidades científicas. Embora os aspectos históricos da ciência sejam a principal
preocupação de Kuhn; esse autor trouxe contribuições para sociologia da ciência
especialmente quando define os estágios de desenvolvimento das ciências.
Para Kunh (2007), os primeiros estágios do desenvolvimento da maioria das
ciências têm se caracterizado pela competição contínua entre diversas concepções de
natureza distintas; cada uma delas parcialmente derivada e todas apenas aproximadamente
compatíveis com os determinantes da observação e do método científico. A diferenciação
dessas concepções não está no insucesso do método, mas na dificuldade de mensurar as
várias maneiras de ver o mundo e de nele praticar a ciência.
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O padrão usual de desenvolvimento da ciência se dá pela ruptura e transformação
de paradigmas, vistos como a aceitação e o predomínio de teorias e métodos nas atividades
das comunidades científicas que compartilham pressupostos e pontos de vistas que
condicionam suas pesquisas. A mudança de paradigma, ou a revolução científica, é
construída a partir da ciência normal que tem como base a articulação simultânea do
paradigma como a realidade – teoria e fatos, onde quando um não explica o outro há uma
ruptura e a busca por outros paradigmas. Dessa forma, os problemas científicos não
surgem gratuitamente; emergem apenas em ocasiões especiais geradas pelo avanço da
ciência normal, onde abandonar um paradigma é deixar de praticar a ciência que esse
define (KUNH, 2007).
O campo científico de Bourdieu traz rupturas com a idéia de ciência autônoma e de
comunidade científica com um grupo de pesquisadores unidos por um objetivo e cultura
comum. A noção de campo científico, tal como os outros campos, é um campo de forças
dotado de uma estrutura e também de um espaço de conflitos pela manutenção ou
transformação desse campo, um microcosmo dotado de leis próprias e de autonomia mais
ou menos acentuada. Bourdieu (2004) aponta que é preciso escapar da alternativa da
ciência pura, totalmente livre de qualquer necessidade e da ciência escrava sujeita a todas
as demandas sócio-econômicas. O campo científico é um mundo social que faz imposições
e recebe as pressões do mundo social global que o envolve.
Os agentes cientistas isolados ou em equipes criam pelas suas próprias relações o
próprio espaço que os condiciona conferindo-lhe uma determinada estrutura. A relação de
forças específicas propriamente simbólicas é estruturada pelo capital científico, uma
espécie de capital simbólico que age na comunicação e é detido pelos cientistas isolados ou
em equipes. O capital científico se define pelo volume e pela estrutura do capital específico
presente e determina o nível de forças que se exercem sobre a produção científica e sobre
as práticas científicas.
Na noção de campo científico construída por Bourdieu, o capital científico funciona
como o capital simbólico exclusivo dentro dos limites do campo científico, embora
convertido noutras espécies de capital, principalmente econômico. Dessa forma, o capital
científico atrai o capital simbólico, o campo científico dá crédito aos que o já tem; são os
mais conhecidos que mais se beneficiam dos ganhos simbólicos aparentemente distribuídos
em partes iguais entre os signatários nos casos de autorias múltiplas ou de descobertas
múltiplas por pessoas de fama desigual. Nessa lógica das lutas científicas é compreendida
pela dualidade dos princípios de domínio, pois a ciência depende de dois tipos de recursos
- científicos e financeiros-, e os cientistas sempre lutam para conquistar os seus meios
específicos de produção num campo. A participação dos investigadores, individual ou
coletivamente nas atividades orientadas para a procura dos recursos econômicos depende
da atividade colocada, dos recursos econômicos e da posição hierárquica do cientista no
laboratório ou no campo. Por outro lado, os critérios de avaliação estão permanentemente
em jogo no campo, nunca fogem às controvérsias e tem tendência de recorrer aos poderes
externos para reforçar ou modificar seus critérios e regras.
Segundo Trigueiro (2008), as análises que buscam evidenciar os mecanismos
internos de regulação da ciência, expressos nas comunidades científicas ou nos campos
científicos e nas relações entre os pares, mostram-se de certa maneira limitadas para
verificar as dinâmicas de interesses entre aqueles que fazem ciência e os que não fazem
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ciência. Assim passam a fazer parte mais intensa e decisiva da prática atual, a científicotecnológica, ou seja, a visão construtivista.
O construtivismo está em Latour; para quem observar a ciência pronta não seria a
melhor maneira de entender a ciência, assim abrir a caixa preta, ou seja, o mundo da
ciência e da tecnologia é encontrar um processo de construção que se revela como uma
mistura caótica de incerteza, trabalho, decisões, concorrência e controvérsias.
Latour (2000) parte de literatura e estabelece regras e princípios para nortear o
estudo que procurou observar cientistas durante o desenvolvimento das suas atividades.
Baseou sua observação no mapeamento constante das controvérsias, na idéia de ciência e
tecnologia caminhando juntas e no entendimento de que o destino do conhecimento estará
nas mãos de quem o usará. Essas bases apresentam a construção de fatos e máquinas como
um processo coletivo que não se esgota nas relações sociais presentes nas práticas
cotidianas dos cientistas, ao mesmo tempo dá contorno à tecnociência envolvendo aqueles
que fazem e aqueles que não fazem ciência. Assim, a construção da ciência dá-se a partir
das teorias, dos experimentos e das relações sociais internas e externas entre os praticantes
e não os praticantes da ciência, marcada por controvérsias, escolhas, afirmação, fatos,
disputa e alianças.
Nessas características da ciência em construção, os cientistas procuram novos
aliados que acrescentam recursos e trazem o equilíbrio de forças fundamentais na
capacidade de prosseguir uma controvérsia. As controvérsias movem a tecnociência e
surgem das relações internas e externas às atividades de pesquisa. Esse movimento
depende crucialmente dos recursos que cada um é capaz de ter ao seu lado. A tecnociência
é feita em lugares que reúnem uma quantidade enorme de recursos e estes podem ocupar
posições estratégicas inter-relacionadas entre vários agentes, o que revela a característica
de rede. Dessa forma, os recursos estão concentrados em poucos locais interligados por
conexões transformadas numa teia que parece se estender por várias partes, conectas aos
cientistas e também aos não-cientistas numa interação em constante permeabilidade. Essas
conexões entre laboratórios e o seu entorno formam as redes sociotécnicas (LATOUR,
2000).
Na ciência socialmente construída, proposta por Latour, a invenção, o
desenvolvimento e a inovação não são claramente identificados, ao contrário, separar essas
fases é inútil. O mesmo se aplica na manutenção dos limites entre ciência, tecnologia e
sociedade, para o autor as controvérsias alimentam a tecnociência e são legitimadas pelo
modelo de sociedade, assim uma controvérsia científica só será “solucionada” se a
sociedade estiver preparada para acolher as respostas encontradas.
4. OS DESAFIOS DO PINHÃO-MANSO
O pinhão-manso (Jatropha curcas L.), pinhão-da-índia, pinhão-de-purga, pinhãode-cerca, pinhão-dos-barbados, pinhão-branco, pinhão-paraguaio, pinhão-bravo, purgantede-cavalo, figo-do-inferno, mandobi-guaçu, medicineira, pinhão-croá, purgueira ou,
simplesmente, purga são todos nomes da mesma planta. Ele é uma espécie da família das
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euforbiáceas, a mesma da mandioca, seringueira e mamona. Trata-se de um arbusto
grande, com altura variando entre três e cinco metros, rústico, com origem na América
tropical, de onde foi levado pelos navegadores portugueses para todas as demais partes
tropicais do mundo (CÁRCERES et al., 2007).
Suas características físicas foram muito utilizadas para compor cerca viva. Em
alguns momentos foi explorado e estudado como elemento medicinal e num passado não
muito distante o óleo de seus frutos alimentava as chamas de candeeiros e de postes de
iluminação. Recentemente suas qualidades estão sendo observadas como promissoras para
a produção de biodiesel. Estudos mostram que utilização do pinhão manso para produção
de biodiesel apresenta-se dentro das características exigidas pelas especificações da
Petrodiesel3. Quando são consideradas as propriedades fluidosinâmicas, o biodiesel de
pinhão-manso apresenta massa específica, viscosidade e ponto de fulgor dentro das
especificações determinadas (MELO et al, 2005).
Esse é um dos primeiros aspectos investigados dessa planta considerada promissora
para a produção de biodiesel no Brasil e em outros países. Tomada como uma cultura
rústica e pouco exigente em relação à água e à qualidade do solo, apresentando boa
produtividade, vem sendo colocada como adequada para regiões com condição adversas de
solo e clima e demandantes por alternativas econômicas viáveis a sua realidade, como o
Semi-árido nordestino.
A vantagem sobre outras oleaginosas está na fácil conservação das sementes após a
colheita, podendo ser armazenada por longos períodos sem os inconvenientes da
deterioração do óleo. Porém, essas características mencionadas são acompanhas de muitas
incertezas e da falta de conhecimentos sobre o comportamento da planta em produção,
desconfianças essas que são ainda mais evidenciadas quando se trata de culturas perenes,
como o pinhão-manso, onde o imediatismo torna-se inimigo do conhecimento.
Salé (2008), que estudou a oportunidade para países em desenvolvimento na
exportação de produtos a base de pinhão-manso, destaca a Índia como um dos países mais
adiantados na produção de pinhão-manso. Os esforços são concentrados em dois grandes
projetos, o Chattisgharh Biofuel Development Authority (CBDA) e o Tamil Nadu Biodiesel
Program. Ambos têm como objetivo a distribuição de mudas aos agricultores e o apoio a
instalação de micro-refinarias, bem como a compra da produção a preços préestabelecidos, onde já foram plantados cerca de 200 mil hectares. A autora aponta ainda
iniciativas em países da África e também na Nicarágua e no México, que estabeleceu um
banco de germoplasma para as variedades de Jatropha não-tóxicas.
No Brasil o grande desafio é colocado por técnicos da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas
Gerais (EPAMIG) quando publicaram, em fevereiro de 2007, o manifesto Pinhão manso:
verdades e mentiras, enfatizando que o conhecimento técnico sobre a cultura é
extremamente limitado e que é evidente a necessidade de desenvolvimento de pesquisas
com metodologia adequada, na busca por: organizar programa de melhoramento genético e
banco de germoplasma; definir formas de propagação e plantio; estabelecer sistemas de
manejo, em especial o trato de pragas e doenças para plantios comerciais, e técnicas de
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Portaria ANP Nº 42/2004 (B100) e Portaria Nº 310/2001 (petrodiesel).
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colheita. Todo esse conjunto de medidas condicionado às determinadas condições
edafoclimáticas das diversas regiões brasileiras (SEVERINO, 2009).
No início do ano seguinte o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), publica a Instrução Normativa 4, que autoriza a inscrição no Registro Nacional
de Cultivares (RNC)4 da espécie Jatropha curcas L sem a exigência de mantenedor.
Segundo a Instrução, essa decisão se baseia na demanda por óleos vegetais para atender o
PNPB e na necessidade de estabelecimento de cultivares comerciais para a espécie. O ato
considera o fato da espécie ainda não ter sido totalmente domesticada e de não existir
nenhum programa de melhoramento genético que tenha resultado em um cultivar, bem
como a ausência de sistema de produção, validado a campo, capaz de recomendar a forma
de propagação e condução da cultura. Assim, traz a exigência de assinatura de Termo de
Compromisso e Responsabilidade (TCR) constando as limitações da cultura que deverá ser
firmado entre o produtor de material de propagação vegetal e o agricultor. Cabe ao
produtor do material vegetativo encaminhar o TCR ao órgão fiscalizador da unidade da
federação em que se encontra sua inscrição no Registro Nacional de Produtores de Mudas
e Sementes (RENASEM), sob pena de sanções caso do descumprimento (MAPA, 2009).
Em novembro de 2008 o MAPA, por meio da Instrução Normativa 33, aprova os
requisitos fitossanitários para importação de sementes de pinhão-manso (Jatropha curcas
L.) produzidas na China. Em 2009 vários Atos do mesmo ministério aprovam pedidos de
Registro Especial Temporário (RET). Esses registros autorizam empresas produtoras e
vendedoras de defensivos agrícolas para testar e avaliar a eficácia e praticabilidade
agronômica na cultura de pinhão-manso. São vários grupos químicos como, por exemplo,
estrobirulina e triazol, óleo de crucíferas, neonicotinóide e metilcarbamato e produtos
biológicos, onde figuram empresas de insumos agropecuários, como a Basf.
Os mecanismos utilizados pelo MAPA vêm de encontro com Saturnino et al.
(2005) quando apontam que o pinhão-manso encontra-se em processo de domesticação e
somente nos últimos anos começou a ser mais pesquisado agronomicamente. Porém dadas
às possibilidades de produção de biodiesel, num curto espaço de tempo, foram iniciados
projetos de pesquisa em várias organizações brasileiras. As pesquisas remontam à década
de 1980, eram conduzidas nas estações experimentais da EPAMIG e focavam as
propriedades medicinais ou biocidas do pinhão-manso. No início da década de 2000 as
pesquisas são retomadas, porém, como novo objetivo, o fornecimento de óleo para
produção de biodiesel.
As pesquisas focam vários aspectos da fenologia da planta e das necessidades de
manejo, como: botânica e características da planta, origem e distribuição, condições
edafoclimáticas dos países que cultivam e origem, condições climáticas e ambientais para
cultivo no Brasil, solos e adubação, germoplasma e variedades, propagação, sistema de
plantio, implantação da cultura, controle fitossanitário e colheita beneficiamento e
armazenamento. Os resultados de pesquisa, considerando as condições experimentais de
Minas Gerais, apontam que o pinhão-manso apresenta produtividade boa em solos de
fertilidade considerável, o que de certa forma questiona a visão inicial de pouco exigência
4
No Brasil, o registro de cultivar é regulado por legislação própria que exige comprovação técnicas das
características fenologias do objeto a ser registrado o mesmo ocorre com os defensivos e/ou agrotóxicos a
serem utilizados em determinados cultivos, esses também dependem de prévio registro junto ao MAPA.
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em relação à qualidade do solo. O mesmo ocorre para a necessidade de água: a boa
produtividade é alcançada quando há oferta de água, embora a planta produza mesmo em
condições de seca. Em relação aos tratos culturais, há necessidade de poda, do manejo e
controle de plantas daninhas, especialmente no período inicial, e o controle sanitário varia
de acordo com a idade da planta e das condições nutricionais, porém ainda foram
identificados poucos insetos e doenças que atacam o pinhão-manso (SATURNINO et al,
2005).
Em Heiffig-del Aguila (2009) as preocupações colocadas acima também podem ser
observadas. Destaca que embora o pinhão-manso seja resistente à seca seu nível de
produtividade fica bastante afetado pela distribuição irregular de chuvas, o mesmo
acontecendo quando privado de nutrientes. A autora, que conduziu experimentos no Estado
de São Paulo, enfatiza também que apesar do avanço no conhecimento da planta, o pinhãomanso é uma cultura ainda não totalmente domesticada e, portanto, sem modelos de
manejo e de produção a serem recomendados aos agricultores.
No que diz respeito à utilização dos subprodutos resultantes da extração óleo, o
farelo de pinhão-manso para alimentação animal, é rico em proteína bruta (mínimo 25 e
máximo 60%), e outros nutrientes. No experimento conduzido por Abdalla et al. (2008), a
mistura de farelo de pinhão-manso ao capim elefante apresentou redução de digestibilidade
e possibilidade da gordura auxiliar na mitigação de metano. Outro aspecto importante está
em estudos que buscam desintoxicar o farelo para alimentação animal e/ou estabelecer
padrões para utilizá-lo in natura como fertilizante do solo.
No Paraná estudos buscam traçar o zoneamento climático do pinhão-manso,
especialmente para aquele estado. As regiões de plantio devem ser aquelas em que as
geadas não ocorram com grande intensidade, pois a planta não sobrevive a temperaturas
muito baixas. Os resultados apontam que grande parte do norte, litoral e partes das regiões
oeste e do Alto Ribeira, podem ser aptas à produção de pinhão-manso por apresentarem
baixo risco de geadas (ANDRADE et al., 2007).
Estudo preliminar conduzido por Heiffig-del Aguila (2009), que procurou avaliar a
fitotoxicidade do pinhão-manso em relação a herbicidas com vários modos de ação e de
ingredientes ativos; os resultados apontam que a cultura não é tolerante à aplicação em
pós-emergência para flazasulfuron e mesotrine e apresenta elevados níveis de fitotoxidez
para a aplicação de carfentrazone-ethyl e lactofen.
O consórcio do pinhão-manso com outras culturas também vem sendo investigado.
Experimentos com culturas anuais como feijão, arroz, amendoim, sorgo e girassol, além da
produção de mel e pastagens para criação de animais, são conduzidos no Estado de São
Paulo. O desafio está, entre outros, em conhecer o comportamento das plantas e os níveis
de competição por nutrientes e água para estimar o espaçamento e as técnicas de manejo
para cada consórcio (HEIFFIG-DEL AGUILA, 2009).
No Estado da Bahia, a Empresa Bahiana de Desenvolvimento Agropecuário
(EBDA) em convênio com universidades federais e estaduais localizadas no estado, vem
trabalhando em pesquisas voltadas para o espaçamento e o consórcio com culturas
alimentícias, visando definir um sistema de produção de pinhão-manso para várias regiões
daquele estado.
As iniciativas acima pontuadas reforçam a necessidade da continuidade das
pesquisas com a cultura, apontada pela comunidade científica como a principal medida
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para que o pinhão-manso se revele como uma opção viável à produção de biodiesel no
Brasil. Assim os esforços são inúmeros, distribuídos em várias regiões do território
brasileiro e conduzidos por várias organizações públicas de pesquisa agropecuária5 nos
estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Tocantins, Paraíba e Pará, que contam com
apoio financeiro de órgãos públicos de fomento à pesquisa e também da iniciativa privada.
Além das pesquisas, Saturnino et al. (2005) destaca o interesse pelo plantio
comercial do pinhão-manso por parte de produtores e de indústrias de biodiesel dos estados
de Minas Gerais, Bahia, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Paraná e São Paulo.
Goellner (2009) aponta a possibilidade de utilização do óleo refinado de pinhão-manso em
motores a diesel, descartando o processo de transesterificação, presente atualmente na
produção de biodiesel, e também, do bioquerosene de aviação. Isso revela o potencial de
inserção do pinhão-manso em novos mercados, fomentados nos Estados Unidos e na
Europa, principalmente Alemanha.
Essa dinâmica tem reflexos na rápida organização e inserção dos agentes
interessados na consolidação da produção do óleo de pinhão-manso. O destaque dessa ação
fica para as associações estaduais de produtores de pinhão-manso como a instalada no
estado do Paraná. Porém, principalmente, na figura da Associação Brasileira dos
Produtores de Pinhão Manso (ABPPM), empenhada em regularizar e proteger os plantios
dos produtores pioneiros que correram o risco, no Brasil, de exploração comercial desta
planta, segundo a associação são 40.000 hectares plantados.
Segundo a ABPPM, a cultura já é reconhecida mundialmente como sendo a mais
promissora na substituição de oleaginosas da cadeia alimentar para a produção do
biodiesel. Ao mesmo tempo, busca normatizar o plantio da cultura e assim incluí-la nos
programas oficiais de financiamento agrícola (ABPPM, 2009). Além dessas diretrizes, a
ABPPM promoveu em parceria com o MAPA o I Circuito Nacional Dias de Campo sobre
a Cultura do Pinhão-manso. Para tanto realizou reuniões no Estado de Minas Gerais,
municípios de Barbacena, Janaúba e Itapagipe, no Pará, em Tucuruí, em Palmas no
Tocantins, em Jales no Estado de São Paulo e Mutum no Mato Grosso. Outra iniciativa foi
o Jatropha World Congress 2008, realizado em Palmas, Tocantins e o I Congresso
Brasileiro de Pesquisa em Pinhão-manso, realizado em Brasília com apoio da Embrapa, em
novembro de 2009. Esses eventos procuram reunir as autoridades locais e apresentar
aspectos técnicos e comerciais da cultura do pinhão-manso.
A iniciativa empresarial criou o consórcio Jatropha Br, composto por seis empresas,
dentre elas a Caramuru e a Fusermann, visando a cooperação mútua no desenvolvimento
do pinhão-manso (VALOR ECONÔMICO, 2009). Além dessas empresas destacam-se a
Curcas Diesel Brasil, com empreendimentos de pinhão-manso no Maranhão, a Biouato, no
Mato Grosso, e a Saudibras, no Tocantins, com 6.000 hectares em plantio extensivo e
2.000 hectares com agricultura familiar. E também a TD New Energy e a Biojan em Minas
Gerais que trabalham com a produção de mudas e sementes de pinhão-manso
(REPÓRTER BRASIL, 2009).
5
No Brasil a pesquisa agropecuária é em grande parte desenvolvida por organizações públicas de pesquisa
que formam o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) que conta também com centros de
pesquisas das universidades de públicas e de empresas privadas.
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Do lado daqueles que fazem ciência, as iniciativas são recentes e buscam, ainda
com pouco sucesso, articular a comunidade científica por meio da Rede de Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação de Jatropha curcas L. para Produção de Biodiesel na
América Latina e Caribe (Rede Jatropha LAC). Essa rede conta com a participação de
pesquisadores de instituições de pesquisa do Brasil, do México, da Guatemala, da
Nicarágua, da Costa Rica, do Panamá, da Colômbia, do Peru, do Equador e da Venezuela.
Tem por objetivo promover o intercâmbio de conhecimento e de germoplasma entre os
países para acelerar o processo de seleção de cultivares de alto desempenho agronômico,
além de técnicas de manejo e colheita. (REDE JATROPHA – LCA, 2009). Além dessa
iniciativa foi criada a Rede Brasileira de Pesquisa com Pinhão-manso que conta com a
coordenação da EMBRAPA.
As colocações acima apontam o pinhão-manso como uma planta potencial para a
tão desejada diversificação de matérias-primas na produção brasileira de biodiesel, como
um vetor de inclusão da agricultura familiar e de áreas degradadas. Porém, o pinhão-manso
se apresenta também como uma cultura ainda em processo de domesticação e, portanto,
demandante de pesquisas e de conhecimento. A breve exploração da dinâmica que envolve
o pinhão-manso revela, ainda, o interesse e a forte articulação do setor de produção, em
contraste com o posicionamento cauteloso da autoridade reguladora da agricultura e dos
pesquisadores agropecuários, mas que também têm procurado manter esforços.
O contexto descrito revela um processo de aprendizagem marcado por incertezas e
controvérsias. Fundamenta, ainda, o papel da pesquisa agropecuária na busca por respostas
que regulem e estabeleçam a produção de pinhão-manso e sua inserção no PNPB. Por
outro lado, identifica várias formas de organização, algumas especialmente criadas para
acomodar os interesses em relação ao pinhão-manso e outras para abrigá-lo em suas rotinas
de trabalho. Dessa forma, buscam soluções para o gargalo entre o técnico e econômico,
onde empresas e organizações de pesquisas procuram maneiras de acomodar as
oportunidades e os limites oferecidos pelo marco regulatório do PNPB, alicerçados em
variáveis fundamentais: a região e a agricultura familiar; justamente as que devem ser
observadas nos esforços pela diversificação de matérias-primas na produção brasileira de
biodiesel.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da humanidade registra a convivência de inúmeras formas de geração e
uso de energia e de exploração dos recursos naturais para manutenção, reprodução e
mudanças dos modelos de sociedade. A chamada civilização do petróleo ganha contornos
intensos no período que se segue após a segunda guerra mundial, ao mesmo tempo em os
avanços técnico-científicos caminham e encaminham as inter-relações sociais, econômicas
e ambientais que atualmente buscam dar o tom das discussões que envolvem a produção
sustentável dos biocombustíveis.
A produção e uso dos biocombustíveis encontram incentivos em políticas públicas
que visam reduzir GEE, segurança energética e a inclusão social. No Brasil, liderança
mundial na produção de etanol, o biodiesel é trabalhado por meio do PNPB que traz no seu
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marco regulatório premissas de inclusão social e desenvolvimento regional, mas seus
resultados apontam poucos avanços nesse sentido. O grande desafio está na diversificação
de matérias-primas para reduzir as conseqüências do predomínio da soja como principal
fonte oleaginosa. Nesse contexto está o pinhão-manso e todas as suas possíveis vantagens
sobre outras opções, mas ainda sem participação efetiva na produção brasileira de biodiesel
como vetor de inclusão social. Dessa forma, este estudo procurou identificar e
compreender as circunstâncias que envolvem as potencialidades dessa planta, mapeando as
principais controvérsias e os esforços de pesquisa, institucionais e econômicos reunidos
nos interesses de cultivo da planta.
O desafio encontra apoio na sociologia da ciência e na análise sociotécnica proposta
por Latour, que compreende o conhecimento e seu uso, a tecnociência, como uma
construção social. Os limites entre ciência, tecnologia e sociedade são suprimidos em favor
de um processo de construção que se revela como uma mistura caótica de incerteza,
trabalho, decisões, concorrência e controvérsias. As controvérsias movimentam os agentes,
cientistas ou não, e impulsionam a formação das redes que buscam reunir recursos
essenciais na condução das pesquisas. Esses conceitos foram relevantes para mapear as
ações dos agentes interessados no pinhão-manso, permitiram identificar as posições e
ações das organizações de pesquisa, das empresas e da regulação da atividade agrícola,
mantendo uma mistura entre a euforia da promessa inovadora e a cautela frente à realidade
de incertezas.
Os resultados apontam esforços no sentido de construir conhecimentos em relação
ao pinhão-manso que vão além das atividades científicas. As ações buscam também
oferecer oportunidade para troca de informações e de organização na defesa de interesses
técnico e econômicos que motivam a disputa por posições e ao mesmo tempo permitem a
reunião de recursos destinados às atividades de pesquisa. Quanto ao futuro da cultura, a
resposta na construção de condições capazes de acomodar as controvérsias que envolvem a
produção de biodiesel de pinhão-manso e seus interesses econômicos, sociais e ambientais.
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