Georgia Sobreira dos Santos Cêa Neide Tiemi Murofuse Roberto Antonio Deitos (Organizadores) •Alfredo Aparecido Batista •Elfrida Korol Andreazza •Fernando Luiz Borges •Francisco A. de Castro Lacaz •Laerson Vidal Matias •Leny Sato •Manoela de Carvalho •Maria Helena Palucci Marziale •Maria Lúcia Frizon Rizzotto •Paulino José Orso •Valquíria Padilha •Vera Lucia Navarro •Zuher Handar TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE: Formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública VOLUME 2 Programa de Apoio à Extensão Universitária PROEXT 2007 – MEC/SESu/DEPEM 1 REITOR VICE-REITOR Paulo Sérgio Wolff Carlos Alberto Piacenti EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ EDUNIOESTE DIRETORA ASSISTENTE EDITORIAL EDITORA CIENTÍFICA ESTAGIÁRIA CONSELHO EDITORIAL A Edunioeste é afiliada a 2 Aparecida Feolla Sella Daiane Soraia de Souza Sanimar Busse Jocineli Polis Colombo Liliam Faria Porto Borges Gilmar Baumgartner Silvio César Sampaio Aparecida Feola Sella Clodis Boscarioli Marina Kimiko Kadowaki Loreni Teresinha Brandalise Beatriz Helena Dal Molin Lavínia Raquel Martins Samuel Klauck José Ricardo Souza Adílson Francelino Alves Yolanda Lopes da Silva Antonio de Pádua Bosi Mário Luiz Soares Gustavo Biasoli Alves Jefferson Andronio Ramundo Staduto Soraya Moreno Palácio Georgia Sobreira dos Santos Cêa Neide Tiemi Murofuse Roberto Antonio Deitos (Organizadores) •Alfredo Aparecido Batista •Elfrida Korol Andreazza •Fernando Luiz Borges •Francisco A. de Castro Lacaz •Laerson Vidal Matias •Leny Sato •Manoela de Carvalho •Maria Helena Palucci Marziale •Maria Lúcia Frizon Rizzotto •Paulino José Orso •Valquíria Padilha •Vera Lucia Navarro •Zuher Handar TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE: Formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública VOLUME 2 Programa de Apoio à Extensão Universitária PROEXT 2007 – MEC/SESu/DEPEM EDUNIOESTE CASCAVEL 2012 3 © 2012, EDUNIOESTE Criação da Capa: Bruna Patrícia da Luz Santos Ilustração da Capa: Com base em Ilustrações da Cartilha sobre a Saúde do Trabalhador...; por Arivonil Policarpo Pereira, Unioeste, 2008, Projeto PROETEX, 2007 - MEC/SESU/DEPEM. Revisão: Clarice Corbari Projeto gráfico e diagramação: Bruna Patrícia da Luz Santos Ficha catalográfica: Marilene de Fátima Donadel Trabalho , educação e saúde : formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública / Georgia Sobreira dos Santos Cêa, Neide Tiemi T758 Murofuse, Roberto Antonio Deitos, organizadores – Cascavel, PR : EDUNIOESTE, 2012. Volume 2. 2. v. Vários Autores ISBN: 978-85-7644-245-5 (v.1) 978-85-7644-244-8 (v.2) 1. Saúde pública 2. Trabalho e trabalhadores – Saúde 3. Políticas públicas 4. Saúde e trabalho 6. Saúde - Educação permanente 7.Políticas sociais I. Cêa, Georgia Sobreira dos Santos, Org. II. Murofuse, Neide Tiemi, Org. III. Deitos, Roberto Antonio, Org. CDD 20. ed 614.098 613.62 Tiragem: 500 exemplares Impressão e Acabamento Edunioeste - Editora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Rua Universitária, 1619 - Jardim Universitário - CEP 85819-100 - Cascavel-PR Home Pag: www.unioeste.br/editora - e-mail: [email protected] Telefone (45) 3220-3026 Gráfica da Universidade Estadual do Oeste do Paraná: Telefone (45) 3220-3118 - e-mail:[email protected] 4 “Queremos manifestar nosso firme propósito de manter e fortalecer as nossas ações de enfrentamento a todas as situações dolorosas, árduas e complexas que afetam a vida das vítimas deste processo produtivo. Porque o trabalho não deve doer, mutilar e matar. Mas, sim, garantir a vida, a saúde e a dignidade das pessoas que vivem do trabalho”. (Boletim da AP-LER, v. 12, n. 12, p. 1, fev. 2010) 5 6 SUMÁRIO Introdução....................................................................................................................09 O projeto de extensão Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública e seus resultados........................................15 •GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA •LAERSON VIDAL MATIAS •NEIDE TIEMI MUROFUSE Dilemas do trabalho no capitalismo contemporâneo.....................................................................................47 •VERA LUCIA NAVARRO •VALQUÍRIA PADILHA As relações entre trabalho e saúde nos serviços de saúde: discutindo o marco teórico.....................................69 •FRANCISCO ANTONIO DE CASTRO LACAZ Saúde do trabalhador: objeto de negociação cotidiana.........................................................................................83 •LENY SATO Processo de trabalho e saúde do trabalhador....................................................................................97 •PAULINO JOSÉ ORSO •NEIDE TIEMI MUROFUSE •LAERSON VIDAL MATIAS •MARIA HELENA PALUCCI MARZIALE 7 Agravos à saúde do trabalhador: processo saúde-doença-trabalho............................................................119 •ZUHER HANDAR Previdência e saúde do trabalhador.......................................139 •FERNANDO LUIZ BORGES •LAERSON VIDAL MATIAS Política social e controle social no Estado capitalista tardio.......................................................................151 •ALFREDO APARECIDO BATISTA Reflexões sobre o controle social em duas décadas de vigência do Sistema Único de Saúde................................191 •MANOELA DE CARVALHO •MARIA LUCIA FRIZON RIZZOTTO •ELFRIDA KOROL ANDREAZZA Sobre os autores.......................................................................227 8 INTRODUÇÃO Esta publicação, organizada em dois volumes, é um dos resultados do projeto de extensão Trabalho, Educação e Saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública. Nela são apresentados artigos que embasaram a participação dos autores nas principais atividades do projeto: as mesas redondas e o Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do Trabalhador. O projeto de extensão, realizado entre setembro de 2007 e setembro de 2008, foi coordenado e desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação – Nível Mestrado (PPGE), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), tendo a Associação de Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos (AP-LER) como entidade parceira. A grandeza do projeto foi garantida pela sua aprovação em edital do Programa de Apoio à Extensão Universitária PROEXT 2007 – MEC – Ministério da Educação/SESu – Secretaria de Ensino Superior/DEPEM, que oportunizou a compra de materiais de consumo, a contratação de serviços de terceiros e a aquisição de equipamentos. Os autores do primeiro volume são docentes que atuaram diretamente nas atividades do projeto. Os artigos reunidos nesse volume permitem uma compreensão contextual dos grandes temas abordados (trabalho, educação e saúde), especialmente quanto à configuração do Estado nacional e às ações do Estado brasileiro. O segundo volume reúne também capítulos de autores que participaram diretamente do projeto1 e de outros cuja produção contribui significativamente para a compreensão dos temas trabalho 1 Além de docentes, entre os autores do segundo volume estão médicos do trabalho, perito do INSS, conselheiros de saúde, sindicalistas e militantes sociais da área de saúde do trabalhador. 9 e saúde do trabalhador, ali privilegiados. São tratados pormenores da política pública voltada para a saúde do trabalhador, problematizados pelo enfoque da investigação do trabalho na sociedade capitalista, observado à luz das implicações engendradas pelo processo de trabalho, evidenciando a necessidade da organização e participação da sociedade organizada no controle social. Destacamse artigos que recuperam a construção teórica e histórica do controle social na política social de saúde pública. No conjunto, os temas discutidos nos dois volumes – explorados de diferentes formas, abrangências e enfoques pelos autores – revelam o caráter da formação que se buscou desenvolver junto aos participantes do projeto de extensão. Este segundo volume congrega os seguintes capítulos: O capítulo O Projeto de Extensão “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública” e seus Resultados, de autoria de GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA, LAERSON VIDAL MATIAS e NEIDE TIEMI MUROFUSE, publicado simultaneamente nos dois volumes, apresenta o panorama geral das realizações do projeto e os seus resultados obtidos com diversas atividades formativas de várias ordens, tais como a articulação de pesquisas com atividades sociais e de formação permanente, seminários temáticos e cartilha educativa sobre saúde do trabalhador, demonstrando a relevância do projeto e os seus resultados conquistados política, acadêmica e socialmente. O capítulo Dilemas do Trabalho no Capitalismo Contemporâneo, de autoria de VERA LUCIA NAVARRO e VALQUÍRIA PADILHA, examina aspectos sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho na virada do século XX para o XXI, e o crescimento em escala mundial do desemprego. Revela que, apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico, de todas as 10 importantes inovações operadas na base técnica dos processos produtivos, houve pouco alívio na labuta humana. Nessa direção, a reflexão considera ainda que as mudanças no conjunto da economia e da sociedade, resultantes da reestruturação produtiva, que ganhou maior visibilidade a partir dos anos 1990, acabaram por intensificar a exploração da força de trabalho e precarizar o emprego. O capítulo As Relações entre Trabalho e Saúde nos Serviços de Saúde: discutindo o marco teórico, de autoria de FRANCISCO ANTONIO DE CASTRO LACAZ analisa um dos maiores desafios que o campo Saúde do Trabalhador enfrenta, que é a utilização do conceito de processo de trabalho nos estudos e nas investigações das atividades que envolvem o setor terciário ou de serviços, e argumenta que o campo se depara com a necessidade de apropriar-se dos processos de trabalho do setor de serviços, até porque é nesse espaço que está alocado, hoje, o maior contingente da força de trabalho (IPEA, 2009). Assim, tal apropriação será instrumental e estratégica para o desenvolvimento de estudos e de pesquisas no que se refere ao trabalho em saúde, bem como em educação. O capítulo Saúde do Trabalhador: objeto de negociação cotidiana, de autoria de LENY SATO, avalia aspectos da história e a atuação do movimento sindical no Brasil e os problemas de saúde dos trabalhadores decorrentes das condições e das formas de organização do processo de trabalho. Examina questões reivindicatórias e as lutas dos trabalhadores e suas organizações sociais e sindicais que motivaram a construção de regulamentações legais dessas condições, presentes nos dias de hoje e na formulação e implementação de políticas públicas. O capítulo Processo de Trabalho e Saúde do Trabalhador, de autoria de PAULINO JOSÉ ORSO, NEIDE TIEMI MUROFUSE, LAERSON VIDAL MATIAS e MARIA HELENA 11 PALUCCI MARZIALE, reflete sobre os elementos teóricos e ideológicos do processo de trabalho, remetemo-nos imediatamente à compreensão de que o trabalho não se constitui numa forma definida, específica, pronta e acabada. Considera que o trabalho se define de um determinado modo, de acordo com o processo de transformação e desenvolvimento do conhecimento, da ciência e da tecnologia. E, da mesma forma, problematiza aspectos sobre a saúde do trabalhador nos contornos de contextos definidos de acordo com os processos de desenvolvimento social e humano. O capítulo Agravos à Saúde do Trabalhador: processo saúde-doença-trabalho, de autoria de ZUHER HANDAR, examina os aspectos em que o trabalho na sociedade atual apresenta efeitos negativos, como o adoecimento e a morte dos trabalhadores e revela que, entre os trabalhadores, os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho constituem um dos principais agravos. Desse modo, considera que, além das estatísticas, a divulgação desses eventos ilustra a gravidade da situação das condições de saúde, das condições e do ambiente de trabalho, como bem ilustram as notícias que a imprensa vem publicando: mortes de operários jovens têm sido constantes; setores que apresentam maior gravidade no quadro de acidentes ainda continuam não investindo na prevenção; o processo de terceirização acelerada e predatória tem contribuído cada vez mais para o aumento desses agravos; as doenças relacionadas ao trabalho, segundo infor mações do INSS, têm aumentado, por conta principalmente do uso de um novo instrumento utilizado pela Previdência Social, denominado de Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. O capítulo Previdência e Saúde do Trabalhador, de autoria de FERNANDO LUIZ BORGES e LAERSON VIDAL MATIAS, apresenta o conteúdo abordado no curso de capacitação 12 de multiplicadores de informações sobre a Saúde do Trabalhador, ocorrido no mês de setembro de 2008, nas dependências da Unioeste. O curso em questão constituía parte das atividades desenvolvidas pelo Projeto de Extensão intitulado “Trabalho, Educação e Saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública e a questão central da saúde do trabalhador e suas implicações e conceituação tratadas de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) entendida como o completo bem-estar físico, psíquico e social, e não como simples ausência de doenças”, foi o foco central do processo de reflexão. O capítulo Política Social e Controle Social no Estado Capitalista Tardio, de autoria de ALFREDO APARECIDO BATISTA, considera que a temática Política Social e sua relação com os Conselhos de Direito, mediada por elementos de controle social, é uma problemática que tem sua raiz no século XIX, em particular, a partir da segunda metade desse espectro temporal e com demarcação espacial – a Europa, ao problematizar que, no Brasil, somente a partir da Constituição Brasileira de 1988 é que se inicia uma possível vivência experimental de largo alcance. O capítulo Reflexões sobre o Controle Social em Duas Décadas de Vigência do Sistema Único de Saúde, de autoria de MANOELA DE CARVALHO, MARIA LÚCIA FRIZON RIZZOTTO e ELFRIDA KOROL ANDREAZZA, revela que muitos estudos têm discutido a questão da participação popular inserida no contexto da sociedade capitalista e reflete sobre os posicionamentos teóricos e políticos sobre: a) defesa da participação como meio para transformar esta sociedade, em busca de outra mais democrática e igualitária, na qual as necessidades da população sejam a referência para o plano e as políticas de governo e b) o fato de que a participação popular tem sido utilizada como meio dos governos 13 para legitimar as decisões tomadas por eles e como forma de desresponsabilizar o Estado pelas questões sociais, associando a ideia da participação à de voluntariado. A socialização do conteúdo das discussões que permearam as atividades do projeto, na forma de um livro organizado em dois volumes e distribuído gratuitamente, foi oportunizada pelo financiamento público recebido para a realização das atividades e o envolvimento de um conjunto de instituições sociais, sindicais e alunos, professores e pesquisadores e lideranças que estiveram dedicadas e atuantes na busca de reflexões individuais e coletivas voltadas para a construção de uma sociedade humana e socialmente viável. A todos desejamos uma boa leitura. Cascavel, PR e Maceió, AL, outubro de 2011. GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA NEIDE TIEMI MUROFUSE ROBERTO ANTONIO DEITOS (ORGANIZADORES) 14 O PROJETO DE EXTENSÃO “TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE: FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFISSIONAIS E USUÁRIOS DA SAÚDE PÚBLICA” E SEUS RESULTADOS GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA LAERSON VIDAL MATIAS NEIDE TIEMI MUROFUSE Introdução Esta publicação, organizada em dois volumes, é um dos resultados do projeto de extensão “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública”. Nela são apresentados artigos que embasaram a participação dos autores nas principais atividades do projeto: as mesas redondas e o Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do Trabalhador. No conjunto, os temas discutidos nos volumes – explorados de diferentes formas, abrangências e enfoques pelos autores – revelam o caráter da formação que se buscou desenvolver junto aos participantes do projeto de extensão. A socialização do conteúdo das discussões que permearam as atividades do projeto, na forma de um livro organizado em dois volumes e distribuído gratuitamente, foi oportunizada pelo 15 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” financiamento público recebido para a realização das atividades, que serão a seguir apresentadas. “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública” – Evidências de uma experiência O projeto de extensão “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública”, realizado entre setembro de 2007 e setembro de 2008, foi coordenado e desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação – Nível Mestrado (PPGE), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), tendo a Associação de Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos (AP-LER)1 como entidade parceira. A grandeza do projeto foi garantida pela sua aprovação em edital do Programa de Apoio à Extensão Universitária PROEXT 2007 – MEC/ SESu/DEPEM, que oportunizou a compra de materiais de consumo, a contratação de serviços de terceiros e a aquisição de equipamentos. Sem esse investimento público, o projeto não teria o alcance, as condições estruturais e o impacto social que serão aqui destacados. As atividades do projeto foram desenvolvidas e coordenadas por docentes e acadêmicos de cursos de graduação e de pós-graduação da Unioeste e membros da AP-LER. Participaram, ainda, como convidados: renomados pesquisadores das áreas de trabalho, educação e saúde, cujas investigações contribuem sobremaneira para a 1 A AP-LER é uma entidade social sem fins lucrativos, fundada em 1997 por um grupo de trabalhadores residentes em Cascavel-PR, vitimados pelo processo de trabalho. As principais finalidades da entidade são a organização da luta coletiva pelos direitos dos trabalhadores lesionados e a intervenção na realidade para diminuir os casos de adoecimento em função da organização do trabalho. Desde sua fundação, a AP-LER vem desenvolvendo uma série de ações e protagonizando disputas e 16 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse compreensão dos dilemas, limites e potencialidades das políticas sociais voltadas para os referidos temas; profissionais da saúde pública cuja atuação tem interface com o tema da saúde do trabalhador e que são responsáveis, em alguma medida, pela efetivação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), e representantes de entidades da sociedade civil envolvidas com a luta pela saúde do trabalhador. O objetivo geral do projeto foi contribuir com os gestores públicos por meio da capacitação de trabalhadores e usuários das políticas de saúde, em especial a política de saúde do trabalhador, para o aperfeiçoamento da participação nas instâncias e nos órgãos de atendimento à saúde e de controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Para o alcance deste objetivo geral, o projeto implementou duas frentes de ação, complementares e concomitantes: a) Formação permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da saúde (por meio da realização de 9 mesas redondas); b) Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do Trabalhador. direitos dos trabalhadores lesionados e a intervenção na realidade para diminuir os casos de adoecimento em função da organização do trabalho. Desde sua fundação, a AP-LER vem desenvolvendo uma série de ações e protagonizando disputas e enfrentamentos em diferentes âmbitos, podendo ser destacados os seguintes fatos e episódios, entre outros: ações judiciais, denúncias na Procuradoria Regional do Trabalho e no Ministério Público, representação política em conselhos municipais de saúde e comissões intersetoriais de saúde do trabalhador, ações junto à política estadual de saúde, organização de trabalhadores nos locais de trabalho, integração com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) em diversas atividades envolvendo a entidade e pesquisadores das áreas de saúde e educação, como por exemplo: realização de seminários, palestras, projetos de pesquisa e extensão. Email: [email protected]. 17 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” Os principais resultados do projeto foram três publicações: esta coletânea, composta de dois volumes, que reúnem 16 artigos, além desta apresentação, e a Cartilha sobre Saúde do Trabalhador. A primeira obra teve tiragem de 1000 (mil) exemplares (500 de cada volume) e a segunda, 20 mil. A proposição e a realização deste projeto foram movidas por dois motivos principais: a convicção dos integrantes do PPGE da Unioeste de que a universidade pública deve cumprir sua responsabilidade social – expandindo o conhecimento produzido, socializando-o com segmentos da sociedade civil e colocando-o a serviço de outras áreas e setores da política pública – e também pela compreensão de que o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão só tem sentido se orientar ações concretas de impacto e relevância social, envolvendo a universidade e a sociedade civil. Por isso a importância da parceria entre a Unioeste e a APLER, objetivando a efetivação de uma política pública de saúde do trabalhador, mediada pela estratégia de formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública. A primeira frente de ação do projeto, voltada para a formação permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da saúde, envolveu a realização de 9 (nove) mesas redondas, realizadas entre os meses de outubro de 2007 a setembro de 2008, tratando das seguintes temáticas: - A questão social na América Latina na atualidade e as duas décadas do SUS no Brasil; - Políticas Sociais e programas de saúde no Paraná: tendências e perspectivas; - Reforma do Estado, gestão e financiamento das políticas sociais: a saúde pública em questão; - Formação dos profissionais da saúde pública: perspectivas pedagógicas; 18 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse - Processo de trabalho e saúde do trabalhador; - Dimensões do trabalho no século XXI; - Mundo do trabalho e saúde do trabalhador; - Ação em saúde do trabalhador: a formação sindical e o replanejamento do trabalho; - O impacto da violência e do Estado policial e penitenciário sobre a vida das pessoas. As quatro últimas mesas redondas listadas integraram também as atividades do Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do Trabalhador, realizado entre os meses de maio a setembro de 2008, juntamente com as seguintes temáticas: - Agravos à saúde do trabalhador; - A saúde do trabalhador como política de Estado: o caso da RENAST; - O CEREST de Cascavel: estrutura organizacional e plano de ação; - Previdência Social e Saúde do Trabalhador; - Política social, controle social e conselhos de saúde: possibilidades e limites; - Oficina de trabalho, avaliação e encerramento do Curso e entrega da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador. Entre os palestrantes das mesas redondas e dos dinamizadores do curso de capacitação estiveram docentes da Unioeste (Mestrado em Educação, Licenciatura em Enfermagem, Bacharelado em Serviço Social), membros da AP-LER, representantes da 10ª Regional de Saúde do Estado do Paraná2, da Comissão Estadual de Saúde do Trabalhador do Conselho Estadual de Saúde do Paraná (CEST/CMSPR), da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador do Conselho Municipal de Saúde (CIST/CMS-Cascavel), do Centro de Referência 2 O Paraná tem 22 (vinte e duas) regionais de saúde, que são instâncias administrativas 19 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Cascavel e do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS – Cascavel), além de renomados pesquisadores de instituições universitárias brasileiras (Universidade de Campinas/Unicamp3; Universidade de São Paulo/USP-São Paulo e USP-Ribeirão Preto). As nove mesas redondas contaram com 824 participantes; o curso teve 36 concluintes, além de 28 participantes que frequentaram algumas atividades como ouvintes. No total, o projeto atingiu 888 sujeitos4, oriundos de vários órgãos e entidades, abaixo indicados: - Órgãos vinculados à saúde: 9ª, 10ª e 11ª Regionais de Saúde do Paraná, CEREST/Cascavel, conselhos municipais de saúde, conselhos locais de saúde, secretarias municipais de saúde, unidades básicas de saúde, centros de saúde, comissões de atenção à saúde básica, farmácias básicas, centros de atenção psicossocial, centros de atenção à saúde mental, postos de atendimento continuado, vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, Hospital Universitário da Unioeste; - Outros órgãos governamentais: Secretaria Estadual da Criança e Juventude, secretarias municipais de assistência social, intermediárias da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). Devem desenvolver cooperação técnica e apoio à gestão dos serviços de saúde nos municípios e consórcios. As regionais de saúde articulam-se em 6 (seis) macrorregionais, visando a sinergia das ações da política de saúde do estado do Paraná, visando ao enfrentamento de problemas comuns (Informações disponíveis em: <http://www.saude.pr.gov.br/ modules /conteudo /conteudo.php?conteudo=524>). 3 Trata-se do professor Ricardo Antunes, que proferiu palestra de abertura das atividades do projeto. 4 O número de participantes do projeto foi calculado com base nas listas de frequência de cada atividade (mesas redondas e frequência no curso). 20 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse centros socioeducacionais, corpo de bombeiros, Secretaria Estadual de Educação, INSS; - Entidades de defesa da saúde dos trabalhadores: Associação dos Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos/AP-LER; Associação dos Deficientes Físicos de Cascavel/ADEFICA; Associação Popular para Desenvolvimento e Promoção da Saúde/ APOS; - Sindicatos e outras entidades representativas dos trabalhadores: Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentos de Toledo/STIA; Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias Metalúrgicas Mecânicas e de Material Elétrico de Toledo/ SINTIMETAL; Sindicato dos Bancários de Toledo; Sindicato dos Bancários de Cascavel; Associação Docente da Unioeste; Sindicato de Saneamento/SAEMCA; Sindicato dos Trabalhadores e Servidores em Serviços Públicos de Saúde Pública e Previdência do Estado do Paraná/SindSaúde; Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná/APP-Sindicato; Sindicato dos Servidores Municipais de Toledo; Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Trabalho, Saúde, Previdência e Ação Social do Estado do Paraná/ SINDPREVS; Federação Nacional de Sindicatos em Saúde e Previdência Social; Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu/SISMUFI; Sindicato dos Servidores Municipais de Cascavel/ SISMUVEL; Sindicato dos Trabalhadores em Cooperativas de Cascavel e Região/Sindtracoop; - Outras entidades representativas da sociedade civil: Associação de Deficientes Visuais de Cascavel/ACADEVI; Movimento pelo Passe Livre, Associação dos Deficientes Físicos de Cascavel/ADEFICA; - Instituições de ensino superior: Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Unioeste (cursos: Enfermagem, Fisioterapia, 21 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” Medicina, Farmácia, Odontologia, Pedagogia, Direito, Serviço Social, Ciências Sociais, Letras, Ciências Contábeis, Administração, Ciências Econômicas, Ciências Biológicas, Especialização em Fundamentos da Educação, Mestrado em Educação, Mestrado em Letras; Hospital Universitário); Universidade Tecnológica Federal do Paraná/UTFPR; União Panamericana de Ensino/UNIPAN; Faculdade Assis Gurgacz/FAG; Universidade Paranaense/UNIPAR; Unidade de Ensino Superior Vale do Iguaçu/UNIGUAÇU; União Educacional de Cascavel/UNIVEL; União Dinâmica de Faculdades Cataratas/UDC; Pontifícia Universidade Católica de Toledo/PUCToledo; Faculdade Educacional de Medianeira/FACEMED; - Instituições de educação básica: Colégio Estadual José Angelo Baggio Orso; Colégio Estadual Wilson Joffre; Núcleo Regional de Educação de Cascavel; Colégio Marista de Cascavel; Colégio Estadual Presidente Castelo Branco; Colégio Incomar; Escola Municipal Ivone V. dos Passos; Escola Hermes Vezzaro; Colégio Estadual Professor Francisco Lima da Silva; Colégio Estadual Costa e Silva; Colégio Estadual Pacaembu; Colégio Estadual Ieda Baggio Mayer; Centro Estadual de Educação Profissional Pedro Boaretto Neto; - Outras instituições de ensino: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial/SENAI-Cascavel; - Outros: Ministério Público do Estado do Paraná; Unimed/ Oeste do Paraná; Laboratório Álvaro; Fundação de Saúde Itaiguapy; Instituto Iguaçu; Caixa Econômica Federal, Departamento de Segurança e Trânsito do município de Toledo. Os participantes das atividades do projeto residiam em diferentes municípios do Paraná: Cascavel, Toledo, Foz do Iguaçu, Cafelândia, Medianeira, Campo Mourão, Itaipulândia, Maripá, Umuarama, Maringá e União da Vitória. Essa abrangência geográfica 22 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse do projeto demonstrou a importância do tema e a existência de uma significativa demanda social no estado do Paraná, referente aos direitos do trabalho, educação e saúde, em especial da saúde do trabalhador. A diversidade representada pelos órgãos, entidades e municípios abrangidos nas atividades promovidas (mesas redondas e curso de capacitação) e a expressiva participação popular nas mesmas permite afirmar que o projeto atingiu o seu objetivo geral – contribuir com os gestores públicos por meio da capacitação de trabalhadores e usuários das políticas de saúde para o aperfeiçoamento da participação nas instâncias e nos órgãos de controle social do SUS, nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (MS, 2006b) – e os seus objetivos específicos, que foram: a) promover a formação permanente de trabalhadores da saúde e contribuir com a formação inicial de futuros profissionais do setor, tratando de temas amplos e específicos pertinentes à política de saúde, de modo a contribuir para que tais formações ocorram segundo as diretrizes atuais da Seguridade Social; e b) atualizar e informar os usuários da saúde pública dos seus direitos e de suas responsabilidades para um tratamento adequado, em especial no caso dos usuários que são trabalhadores, nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (MS, 2006b) e dos princípios da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador. Este último objetivo específico referiu-se, especialmente, ao Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do Trabalhador, ocorrido entre maio e setembro de 2008, e que teve 36 concluintes. O curso foi coordenado por membros da Unioeste (uma docente do Mestrado em Educação, duas docentes do curso de Enfermagem, uma técnica-administrativa) e pela AP-LER (um integrante da diretoria da entidade). A programação pedagógica do 23 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” curso resultou de encontros com professores e acadêmicos da Unioeste vinculados aos cursos citados acima, outros membros da AP-LER, um profissional da 10ª Regional de Saúde e membros de sindicatos (Sindicato dos Bancários e SINDPREVS). Desses encontros coletivos resultou a proposta do curso, sintetizada a seguir: - Título: Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do Trabalhador - Carga horária: 40 horas, distribuídas em 11 encontros ocorridos entre os meses de maio a setembro de 2008. - Finalidade: Socializar para os usuários e trabalhadores da saúde os fundamentos e a estrutura da política pública de saúde do trabalhador, além dos mecanismos e procedimentos necessários para que os trabalhadores possam atuar como sujeitos de direito à assistência e promoção da saúde, agentes do controle social e como personagens imprescindíveis para a identificação de causas e medidas corretivas e preventivas de doenças do trabalho e para a qualificação da atuação dos agentes públicos sobre as transformações necessárias em determinados ambientes de trabalho. - Objetivo: Promover a atualização e prestar informações aos usuários e trabalhadores da saúde pública acerca dos seus direitos e de suas responsabilidades para a adequada atenção integral em saúde do trabalhador e para o exercício do controle social, conforme a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde e dos princípios da RENAST. - Conteúdo programático: Dimensões do trabalho no século XXI; Mundo do trabalho e saúde do trabalhador; Ação em saúde do trabalhador: a formação sindical e o replanejamento do trabalho; O impacto da violência e do Estado policial e penitenciário sobre a vida das pessoas; Agravos à saúde do trabalhador; A saúde do trabalhador como política de Estado: o caso da RENAST; O CEREST de Cascavel: estrutura organizacional e plano de ação; 24 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse Previdência Social e saúde do trabalhador; Política social, controle social e conselhos de saúde: possibilidades e limites; Oficina de trabalho, avaliação e encerramento do Curso, com entrega da Cartilha; Público alvo: Membros de entidades sociais e/ou sindicatos com atuação na defesa da saúde do trabalhador; trabalhadores da saúde; membros da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST); conselheiros de saúde; Critérios para inscrição e frequência no curso: Compromisso de multiplicar as informações e conhecimentos adquiridos no curso e cumprimento de, no mínimo, 80% da carga horária da capacitação. A divulgação do curso foi feita por meio de folder impresso – distribuído em órgãos públicos e entidades várias –, de chamada na página eletrônica do Mestrado em Educação da Unioeste e de e-mails. As inscrições foram realizadas por e-mail, tendo sido disponibilizadas 50 vagas, a serem preenchidas por ordem de recebimento das mensagens eletrônicas. Ao final do período de inscrições (mês de abril de 2008), havia 72 interessados em frequentar o curso. Em função da pertinência dos inscritos ao público alvo previsto, os coordenadores do curso decidiram autorizar a frequência de todos os interessados, visto que alguns alegaram, desde a inscrição, o grande interesse de participação, não obstante a existência de dificuldades (horário de trabalho e distância geográfica, principalmente) para o cumprimento de todas as atividades previstas no curso. Dessa forma, o curso teve 36 concluintes, com direito a certificado, visto que estes cumpriram as exigências mínimas de frequência e assumiram o compromisso de multiplicação das informações recebidas e das aprendizagens alcançadas; os demais inscritos participaram de algumas atividades do curso como ouvintes. Entre os concluintes, 64% tiveram frequência entre 100% e 90% e 36% frequentaram de 89% a 80% das atividades do curso. As faltas, 25 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” quando ocorreram, foram seguidas de justificativas, demonstrando o compromisso e o sentido de grupo presentes entre os participantes do curso. Os concluintes do curso foram representantes dos seguintes órgãos e entidades5: - Associação dos Deficientes Físicos de Cascavel (ADEFICA): 2 participantes; - Associação de Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos (AP-LER): 1 participante; - Secretaria Municipal de Saúde de Toledo/Departamento de Segurança do Trabalho: 2 participantes; - Secretaria Municipal de Saúde de Toledo/Departamento de Vigilância Epidemiológica: 1 participante; - Secretaria Municipal de Saúde de Toledo/Departamento de Vigilância à Saúde: 7 participantes; - Secretaria Municipal de Saúde de Toledo/ Departamento de Vigilância Sanitária: 3 participantes; - Curso de Enfermagem da Unioeste (acadêmica): 1 participante; - SISMUFI (Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu): 2 participantes; - SindSaúde/Cascavel: 1 participante; - SindSaúde/ Campo Mourão: 1 participante; - SindSaúde/Foz do Iguaçu: 1 participante; - 9ª Regional de Saúde/Toledo: 1 participante; - 10ª Regional de Saúde/Cascavel: 1 participante; - 11ª Regional de Saúde/ Campo Mourão: 1 participante; - CEREST/Cascavel: 3 participantes; - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Toledo: 2 participantes; - Conselho Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu: 1 participante; - CIST/Cascavel: 1 participante; - Sindicato dos Bancários de Cascavel: 1 participante; - Sindicato dos Bancários de Toledo: 3 participantes; - APP-Sindicato/Cascavel: 1 participante; - Associação Popular para Desenvolvimento e Promoção da Saúde (APOS): 1 5 O número de concluintes não corresponde ao número de representantes indicados, uma vez que alguns inscritos representavam mais de uma entidade. 26 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse participante; - Sindicato de Trabalhadores em Cooperativas de Cascavel (Sindtracoop): 1 participante; - Sindprevs/Maringá: 1 participante; - Sindprevs/Cascavel: 1 participante. Deve-se destacar que a participação e assiduidade dos inscritos no curso superaram as expectativas da comissão organizadora. A distância geográfica, a rotina de trabalho, os dias de chuva e frio, além das limitações financeiras dos inscritos não foram empecilho para a frequência ao curso. Os residentes em outros municípios encontraram formas coletivas para realização do trajeto de suas cidades até Cascavel e houve pessoas que viajavam cerca de quatro horas para chegar à Unioeste. O mesmo se pode dizer dos sujeitos que participaram das mesas redondas. Esta constatação reforça a avaliação de que o conjunto de atividades do projeto respondeu a uma demanda significativa, visto o nível quantitativo e qualitativo de participação. A sistemática de avaliação das atividades do projeto ocorreu de duas formas: manifestação oral dos participantes ao final de cada mesa redonda e de cada atividade do curso e discussão avaliativa (opiniões e encaminhamentos) na oficina de trabalho que encerrou o curso. A síntese das manifestações, atestadas através de filmagem do último dia de encontro, é a seguinte: - Em geral, a temática, as atividades e a dinâmica do curso foram muito interessantes, uma vez que permitiram a aproximação entre a universidade (espaço de produção do conhecimento) e entidades sociais e órgãos públicos envolvidos com a saúde do trabalhador, com destaque para os debates sobre o controle social; - O curso oportunizou a formação de um grupo coeso de trabalhadores, envolvido em discussões acerca do trabalho, da educação e da saúde, que puderam trocar experiências referentes à luta pela garantia da saúde dos trabalhadores; 27 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” - O curso foi uma significativa estratégia de formação de representantes da sociedade civil que se sentem mais capacitados e com força política para continuar atuando no movimento em defesa da saúde, em especial da saúde dos trabalhadores, derrubando muros e aproximando trabalhadores e universidade; - As discussões ocorridas permitiram ter uma noção do que pode ser feito no campo da saúde do trabalhador, dando condições para que fossem pensadas ações efetivas referentes ao tema; - O curso revelou a necessidade de formação de uma frente regional para enfrentamento de problemas referentes à saúde do trabalhador no estado do Paraná; - A forma como os conteúdos do curso foram abordados demonstrou a necessidade de diversos conhecimentos para a orientação e o tratamento de pessoas que chegam aos órgãos de saúde adoecidos pelo trabalho; - Os encontros foram gratificantes e deixaram a inquietação acerca de como atrair usuários para maior participação nos conselhos municipais de saúde; - Alguns profissionais da área de saúde revelaram que participaram do curso por imposição das chefias (em especial os funcionários do CEREST/Cascavel), mas avaliaram como muito positiva a experiência, uma vez que o que foi tratado no curso em muito contribuirá com suas atividades; - Os participantes manifestaram a necessidade da continuidade de ações desse tipo voltadas para a formação e capacitação de militantes, trabalhadores da saúde e trabalhadores em geral. Os encaminhamentos resultantes do encontro de avaliação do curso foram os seguintes: - Compromisso de todos os participantes de reivindicarem e encontrarem formas de garantir a participação efetiva e qualificada 28 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse dos usuários no conselho municipal de saúde de seus municípios, verificando o cumprimento das normativas referentes à composição dos conselhos municipais de saúde, em especial o que orienta a Resolução n° 333, de 04 de novembro de 2003, do Conselho Nacional de Saúde, que apresenta as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos conselhos de saúde. - Organização e mobilização para efetivação do comitê estadual de óbitos e amputações em âmbito macrorregional, tendo em vista a grande incidência de doenças e acidentes de trabalho, e considerando que o referido comitê já foi instalado no estado do Paraná desde 1997, sendo que uma das atividades definidas em 2007 foi a realização de oficinas nas macrorregiões do estado para planejamento das ações para a prevenção de acidentes de trabalho, segundo a própria Secretaria de Estado da Saúde do Paraná; - Estudo e divulgação, junto a órgãos de saúde e entidades da sociedade civil, da Portaria n° 1969/GM, de 25 de outubro de 2001, que orienta as ações das instituições de assistência à saúde do Sistema Único de Saúde nos casos de internação hospitalar de pacientes vítimas de agravo à saúde do trabalhador e que torna obrigatória a indicação dos casos, considerando a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID); - Estudo e divulgação, junto a órgãos de saúde e entidades da sociedade civil, da Portaria GM/MS n°1339, de 19 de novembro de 1999, que apresenta a lista de doenças relacionadas ao trabalho; - Reforço das atividades das entidades voltadas para a defesa da saúde dos trabalhadores e criação de uma entidade macrorregional com a mesma finalidade; - Distribuição da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador em empresas com grande incidência de doenças do trabalho, entidades 29 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” sociais, instituições de assistência à saúde, hospitais, postos do INSS, etc.; - Lançamento da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador nas principais cidades onde estão instaladas empresas do setor frigorífico, em função da grande incidência de casos de acidente de trabalho e adoecimento em função das condições de trabalho; - Necessidade de continuidade do projeto, aprofundando as discussões e ampliando o número de trabalhadores capacitados para atuarem no campo da saúde do trabalhador. Durante os meses de desenvolvimento das mesas redondas e do curso, uma comissão, formada por membros da Unioeste (uma docente do Mestrado em Educação, duas docentes e três acadêmicas do curso de Enfermagem, uma técnica-administrativa) e da AP-LER (um integrante da diretoria da entidade), realizou estudos e elaborou a “Cartilha sobre Saúde do Trabalhador: Fique de olho para não entrar numa fria”. A cartilha, prevista desde o projeto original, recebeu um enfoque específico, por decisão da comissão que a organizou, tendo em vista que a situação mais alarmante na ocasião, quanto à saúde dos trabalhadores na região oeste do Paraná, dizia respeito à realidade dos trabalhadores em empresas frigoríficas. Essa demanda, apresentada pela AP-LER, em função das situações que chegam até a entidade, foi ratificada logo nas primeiras atividades do projeto, uma vez que considerável parte das intervenções dos participantes, nos momentos de debate, referiu-se à realidade dos trabalhadores do referido setor. Além disso, na fase de discussão e fundamentação teórica para elaboração da cartilha, foram realizados estudos que tomaram materiais do mesmo gênero como objeto de análise. Tais estudos indicaram que o efeito desse tipo de material é maior quando se trata de áreas específicas de trabalho, permitindo a identificação dos trabalhadores com o conteúdo abordado, visto o tratamento que 30 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse se dá às especificidades dos setores de trabalho, no caso o setor frigorífico. A entrega da cartilha a cada um dos participantes do curso, ocorrida no último dia da atividade, marcou o encerramento do projeto. Já nesse momento identificou-se a validade da edição da cartilha, consideradas as intervenções dos concluintes do curso. O relato aqui apresentado das atividades do projeto de extensão “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública” indica que as metas previstas inicialmente foram cumpridas: a) foram organizadas as nove 9 (nove) mesas redondas, com carga horária total de 36 h, entre os meses de outubro de 2007 a setembro de 2008 (um a cada mês, excetuando-se os períodos de férias letivas). Originalmente, previase o encerramento das mesa-redonda no mês de maio de 2008; entretanto, a inclusão de algumas mesas na programação do curso possibilitou a concentração de esforços e não impediu o alcance das metas previstas; b) realizou-se o Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Direitos da Saúde do Trabalhador, com carga horária de 44 h (quatro além do planejado), desenvolvido entre os meses de maio a setembro de 2008. Optou-se por realizar o curso depois do previsto (fevereiro a maio de 2008, inicialmente), considerando a concentração de esforços apontada acima. Ademais, a vinda de pesquisadores como convidados para participação nas atividades do projeto dependeu, em alguns casos, das agendas individuais; c) durante o desenvolvimento das mesas redondas e do curso ocorreu, em paralelo, a elaboração, a revisão, a impressão e o início da distribuição gratuita dos 20 mil exemplares da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador, publicada pela Editora da 31 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” Unioeste (Edunioeste); d) publicação resultante do projeto6, reunindo artigos dos palestrantes das mesas redondas, dos sujeitos que ministraram o curso e de renomados pesquisadores sobre os temas trabalho, educação e saúde7. Considerando os resultados concretos do projeto, pode-se afirmar que todos aqueles previstos originalmente foram alcançados: - O perfil das entidades representadas pelos participantes demonstra que o projeto oportunizou, de forma significativa, o estreitamento das relações entre a Unioeste e diferentes organismos públicos (Secretarias Estadual e Municipais de Saúde, além de outras correlatas; 3 (três) regionais de saúde; Conselho Estadual de Saúde e vários conselhos municipais de Saúde) e da sociedade civil (entidades de defesa da saúde do trabalhador, sindicatos e outras entidades sociais); - As mesas redondas e o curso, imediatamente, e a cartilha e os livros publicados, mediatamente, permitiram a efetiva promoção da qualificação dos profissionais da saúde da região de abrangência da Unioeste. Foi significativa a participação de acadêmicos de diversas instituições de ensino superior da região oeste do Paraná e de diferentes cursos relacionados ao trabalho, educação e saúde nas atividades, assim como a participação de inúmeros profissionais das mesmas áreas, em especial da saúde. Essas participações fizeram jus 6 Coletâneas em dois volumes, distribuídos gratuitamente para universidades e outros espaços formativos na área da saúde, instituições de assistência à saúde do Sistema Único de Saúde localizadas na região oeste do Paraná, conselhos estadual e municipais de saúde e entidades sociais. 7 A complexidade do trabalho que envolve a organização de obras coletivas e a necessidade de respeito ao fluxo de publicações da Edunioeste, que exige a avaliação das obras por pareceristas qualificados, justificam a impossibilidade de que as publicações estivessem prontas exatamente no mês de encerramento do projeto. 32 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse à perspectiva do projeto atuar como uma oportunidade de apoio à formação inicial e continuada de profissionais de diferentes áreas e instituições; - Diversos acadêmicos da Unioeste (Mestrado em Educação e curso de Enfermagem) participaram de momentos de elaboração e organização das atividades do projeto, permitindo o reconhecimento de créditos acadêmicos para os mesmos. Foi também expressiva a presença de acadêmicos de inúmeros cursos da Unioeste como participantes das atividades realizadas, permitindo-lhes a certificação em atividades extracurriculares e o reconhecimento de carga horária em seus currículos; - Foram publicados os 2 (dois) volumes previstos do livro “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública”; - Foi elaborada e publicada a Cartilha sobre Saúde do Trabalhador, com tiragem de 20 mil exemplares. Vários exemplares foram entregues aos participantes do curso, marcando o encerramento de suas atividades. A cartilha, enfocando a realidade dos trabalhadores de empresas frigoríficas, apresenta relações entre trabalho e saúde do trabalhador, características da organização do trabalho em frigoríficos e de seus efeitos negativos sobre a saúde do trabalhador, além dos direitos dos trabalhadores vítimas de agravos e dos procedimentos básicos para garanti-los; - Foi concluído o projeto de iniciação científica que tratou do resgate histórico da Associação de Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos/AP-LER, parceira da Unioeste no projeto e uma das principais motivadoras da sua idealização, realização e resultados. O relatório do projeto de iniciação científica, intitulado “A luta pela saúde do trabalhador: um histórico da associação de portadores de lesões por esforços repetitivos (AP-LER)”, foi aprovado pela 33 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” Comissão Local do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e apresentado no XVII Encontro Anual de Iniciação Científica (EAIC), ocorrido entre os dias 19 e 22 de novembro de 2008, em Foz do Iguaçu. Além desses resultados, outros foram decorrentes do envolvimento dos participantes nas atividades realizadas, embora não estivessem previstos originalmente no projeto: - O projeto contribuiu com a organização de entidades da sociedade civil que vêm somando esforços para a efetiva estruturação e consolidação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Cascavel, que abrange as macrorregiões de Cascavel, Toledo e Foz do Iguaçu, envolvendo 52 municípios. O CEREST funciona junto à 10ª Regional de Saúde e é gestionado pelo Estado do Paraná. A urgente necessidade de efetivação do CEREST foi revelada pelos participantes do projeto, visto a intensa demanda de orientação e tratamento adequado a trabalhadores vitimados pelo trabalho, além da necessidade de identificação dos setores de trabalho mais vulneráveis. No caso dos trabalhadores de empresas frigoríficas, identificados como principal população carente desse tipo de serviço público de saúde, a efetivação do CEREST será um passo fundamental no enfrentamento da problemática vivenciada por eles; - Essa organização das entidades, estimulada pelo projeto, contribuiu também para a criação da Comissão Provisória do Comitê Macrorregional de Investigação de Óbitos e Amputações Relacionados ao Trabalho, em reunião organizada pelo CEREST de Cascavel, ocorrida no dia 27 de novembro de 2008. Na ata da referida reunião, constata-se a presença de vários trabalhadores e representantes de entidades que participaram das atividades do curso. A articulação entre o CEREST e o Comitê de Investigação de Óbitos e Amputações Relacionadas ao Trabalho demonstra o compromisso 34 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse dos participantes do curso na criação e integração de ações e organizações macrorregionais fundamentais para a luta em defesa da saúde do trabalhador; - O projeto de extensão aqui relatado foi utilizado como referência pela Comissão Estadual de Saúde do Trabalhador, vinculada ao Conselho Estadual de Saúde do Paraná, para a elaboração de uma política de formação de recursos humanos para atuação no campo da saúde do trabalhador; - Criação da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST), dos Conselhos Municipais de Saúde de Francisco Beltrão e Foz do Iguaçu, por força da mobilização e intervenção de membros que participaram das atividades do projeto; - Compromisso público do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unioeste de realização de uma segunda edição do projeto, visto a reivindicação dos participantes do curso. Essa possibilidade é a melhor prova dos bons resultados do projeto, da disposição de todos os envolvidos em continuar a organizar e participar de ações de capacitação e formação de usuários e trabalhadores e do êxito da relação mais do que necessária entre a Unioeste e a comunidade em que se insere; - Lançamentos oficiais da cartilha, tendo o primeiro ocorrido na Unioeste, campus de Toledo, em dezembro de 2008; - Distribuição da cartilha para membros da AP-LER, durante as assembléias da entidade, e entrega de exemplares na entrada de empresas frigoríficas localizadas no oeste do Paraná, permitindo a trabalhadores do setor o acesso ao material; - Adesão da Associação Docente da Unioeste/Seção Sindical do ANDES-Sindicato Nacional (Adunioeste) nas atividades de lançamento e distribuição da cartilha. A deliberação acerca da adesão 35 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” foi tomada em assembléia da entidade realizada no dia 9 de dezembro de 2008; - Confecção de um vídeo amador fazendo a apresentação da cartilha para ser utilizado nas atividades de lançamento. Deve-se exaltar, ao fim deste relato, duas ocorrências imprescindíveis para o êxito do projeto: a decisiva e fundamental importância do sentido e da aplicabilidade do Edital nº 06/2007PROEXT 2007, de 20 de junho de 2007, lançado pelo Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Superior (SESu) e Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior (DEPEM), e o apoio incondicional da Unioeste durante o desenvolvimento das atividades do projeto. A primeira ocorrência criou e garantiu as condições estruturais para a realização do projeto, especialmente por meio do seu financiamento. O financiamento resultante do PROEXT 2007 viabilizou a publicação das produções resultantes do projeto (compra dos materiais gráficos necessários para a publicação de dois volumes do livro, com 500 exemplares cada, e dos 20 mil exemplares da cartilha, além do pagamento do serviço de revisor e ilustrador), a divulgação e certificação das atividades (banners e emissão de certificados) e a aquisição de equipamentos necessários para a realização das atividades (um notebook e um equipamento multimídia, patrimoniados pela Unioeste sob os números 01004839 e 01003637, respectivamente). O apoio da Unioeste permitiu que as atividades do projeto pudessem contar com a presença de competentes pesquisadores convidados, oriundos de outros estados do país, nas atividades do projeto. A participação desses convidados abrilhantou ainda mais a qualidade dos debates e discussões que foram travados. Aqui cabe destacar a compra de passagens pelo Mestrado em Educação e a 36 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse garantia de transporte, hospedagem e alimentação para os convidados, oportunizada pela Direção do Campus de Cascavel. Considerações finais Esse longo relato, logo na apresentação desta publicação, intenta ratificar a necessidade da aproximação da universidade com a sociedade civil e outros órgãos públicos, atendendo demandas populares; no caso, a saúde do trabalhador, compreendida a partir das intrínsecas relações entre trabalho, educação e saúde. Uma necessidade histórica. A Constituição de 1988 pode ser considerada um marco na história das políticas sociais no Brasil, por pelo menos dois aspectos, no que diz respeito à saúde pública: em primeiro lugar, por propor um modelo de participação societária na política de saúde; em segundo lugar, por articular a saúde, a previdência social e a assistência social num conjunto integrado de políticas, denominado Seguridade Social. O modelo de participação societária, definido constitucionalmente, apesar de representar uma possibilidade de avanço democrático nas relações entre o Estado e a sociedade civil, não garante, per si, que o exercício do controle social se efetive. Para tanto, são necessários movimentos e posturas políticas, no âmbito estrito do Estado e no espaço diverso da sociedade civil, que constituam, de fato e de direito, a disponibilidade republicana para a participação social. Esta se constitui num elemento recente na história das políticas sociais brasileiras; entretanto, a implementação da cultura participativa deve ser entendida como um processo social em curso, ainda em estr uturação, que deve, cada vez mais, chamar à responsabilidade os profissionais e os usuários da saúde. Tal cultura, 37 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” se não aprofundada, pode redundar na absorção dos organismos sociais “[...] por agências do Estado ou, pelo contrário, na sua autonomização na sociedade civil enquanto movimento social” (RIBEIRO, 1997, p. 88). A modernização e a democratização das relações entre Estado e sociedade civil, iniciada no Brasil no bojo da luta social contra o regime ditatorial, são processos em curso, que se viram seriamente ameaçados pela tendência neoliberal que se manifesta no país a partir dos anos 1990. Recentes medidas governamentais que anunciam a retomada do caráter universal e popular das políticas de saúde são, ao mesmo tempo, advertências para que a sociedade civil reconfigure e reestruture suas alternativas de formação, organização e intervenção, na direção da repolitização das relações estabelecidas com o Estado, em diferentes frentes e aspectos. No Pacto pela Saúde, que consolida o Sistema Único de Saúde no país, é reiterada a “[...] importância da participação e do controle social com o compromisso de apoio à sua qualificação” (MS, 2006a, p. 3). Para tanto, é necessário recuperar o empenho coletivo (do Estado e da sociedade civil) para fazer predominar o estatuto das políticas sociais como políticas que assegurem direitos efetivos, em oposição à forte característica assistencial que ainda é hegemônica. Nesse aspecto, a idéia de descentralização na execução e no controle das políticas sociais deve revigorar alguns indicativos e medidas a serem adotadas, tais como: a participação popular nos processos de formulação, implementação e controle das políticas sociais, e a democratização do acesso aos bens públicos, de modo a reduzir a marginalização de parcelas não desprezíveis da população a esses bens (SOARES, 2001, p. 211). Assim, é fundamental que os processos formativos dos profissionais de saúde confiram significativa atenção à sua formação inicial e continuada e que os usuários de saúde tomem 38 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse conhecimento das diversas estratégias de participação (direitos e deveres) na condução da política de saúde. A qualificação dos profissionais da saúde e a participação dos usuários – dimensões fundamentais da democratização do acesso a bens públicos de saúde – pressupõem, no mínimo, o conhecimento dos fundamentos e dos processos envolvidos na implementação do Sistema de Seguridade Social, de modo a poder se vislumbrar formas cada vez mais sólidas de atuação profissional, de acesso e de controle sobre as políticas públicas que lhes são pertinentes. Nesse aspecto, o Pacto pela Saúde, recentemente definido como instrumento do Sistema de Seguridade Social, prevê, no item “Responsabilidades na educação na saúde”, que deve caber aos estados da federação a promoção, entre outros, da “[...] integração de todos os processos de capacitação e desenvolvimento de recursos humanos à política de educação permanente, no âmbito da gestão estadual do SUS” (MS, 2006a, p. 29-30). As instituições públicas voltadas para a formação profissional, em especial as universidades, devem mobilizar seus agentes educacionais no sentido de voltarem sua atuação para a formação e aperfeiçoamento de recursos humanos em saúde, não só nos limites das ações formativas tradicionais (cursos de graduação e pósgraduação), mas também por meio de outras estratégias, como a pesquisa e a extensão. Essa perspectiva foi assumida pelos pesquisadores da Unioeste (do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação, do Curso de Enfermagem e do Curso de Serviço Social) e pela APLER ao proporem o projeto aqui apresentado. E o fizeram por três motivos fundamentais: pela competência resultante da busca constante de aperfeiçoamento científico, por meio do 39 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” desenvolvimento de pesquisas sobre os temas propostos; pela convicção de que a universidade pública deve cumprir sua responsabilidade social, expandindo o conhecimento produzido, socializando-o com segmentos da sociedade civil e colocando-o a serviço de outras áreas e setores da política pública; pela compreensão de que o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão só tem sentido se orienta ações concretas – envolvendo a universidade e a sociedade civil – de impacto e relevância social, como é o caso, aqui, do tema da promoção da saúde e/ou prevenção de doenças, mediado pela estratégia de formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública. Conforme apresentado neste capítulo, o projeto extensionista “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública”, aprovado pelo Edital nº 06/2007PROEXT 2007 e financiado com recursos públicos, foi uma forma de a Unioeste atender ao chamamento de sua responsabilidade social, por meio de duas frentes de ação: a) Formação permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da saúde; b) Curso de Capacitação de Multiplicadores da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador. Esse formato buscou atender ao previsto pelo Conselho Nacional de Saúde, o qual aprovou, em 2003, a “Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde” (SUS, 1998). As principais proposições dessa política incluem a conquista de “[...] relações orgânicas entre as estruturas de gestão da saúde (práticas gerenciais e organização da rede), as instituições de ensino (práticas de for mação, produção de conhecimento e prestação de serviço), os órgãos de controle social (conselhos de saúde, movimentos sociais e de educação popular) e 40 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse os serviços de atenção (profissionais e suas práticas)” (CECCIM e FEUERWERKER, 2004, p. 54). Para contribuir com a referida política, o projeto propôs a abordagem de temas e questões de diversas ordens sobre a saúde pública, através de estratégias formativas, organizadas em forma de mesas redondas, envolvendo pesquisadores e profissionais de diferentes áreas, integrantes de entidades sociais atinentes à área da saúde pública e membros de órgãos de controle social, numa perspectiva interdisciplinar e interinstitucional. Os temas e questões tratados nas atividades do projeto foram definidos em função: a) de demandas identificadas nos diversos estudos realizados pelos pesquisadores da Unioeste e de outras instituições universitárias e por suas competências teóricas, práticas e metodológicas (atestadas em seus currículos) para abordar os assuntos definidos; e b) das articulações entre os pesquisadores envolvidos e outros órgãos públicos e agentes sociais, próprias do constante esforço para aproximar as atividades de ensino e de pesquisa com a extensão, por meio da relação com a sociedade, visando ao tratamento de questões sociais candentes. As temáticas definidas para as frentes de ação “Formação permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da saúde” e “Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Direitos da Saúde do Trabalhador” foram organizadas em dois blocos: contexto sócio-econômico-político das políticas de saúde e temas e dilemas da luta em defesa da saúde do trabalhador. As frentes de ação do projeto buscaram obedecer ao Pacto pela Saúde, editado em 2006 pelo Ministério da Saúde, que apresenta como uma de suas diretrizes o estabelecimento de ações no campo da saúde que devem se tornar prioritárias e executadas “[...] com foco em resultados e com a explicitação inequívoca dos compromissos orçamentários e 41 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” financeiros para o alcance desses resultados” (MS, 2006a, p. 2). Alguns dos problemas que afetam o equilíbrio financeiro do sistema público de saúde são a morosidade no tratamento de doenças e suas recidivas e a ineficiência do combate sobre as causas desse fenômeno, muitas vezes pela falta de uma sistemática de atendimento que considere a possibilidade de origens não biológicas para o surgimento e agravamento de enfermidades. Esse é o caso dos problemas envolvidos com o tema da saúde do trabalhador, que se tornou um sério problema social e que engendrou a iniciativa da formação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), integrada ao Sistema Único de Saúde, a partir de 2002. O Manual de Gestão e Gerenciamento da RENAST indica que as ações de saúde do trabalhador visam à indissociabilidade das ações assistenciais e de vigilância em saúde e compreendem os seguintes aspectos: assistência aos agravos; vigilância dos ambientes e condições de trabalho (vigilância sanitária); da situação de saúde dos trabalhadores (vigilância epidemiológica) e da situação ambiental (vigilância ambiental); produção, coleta, sistematização, análise e divulgação das informações de saúde; a produção de conhecimento e as atividades educativas, todas elas desenvolvidas sob o controle da sociedade organizada (BRASIL, 2006, p. 59). Quanto a este último item, uma preocupação expressa no documento citado é [...] o grau de infor mação dos cidadãos responsáveis por exercer o controle social e que têm o compromisso de zelar para que essas ações sejam executadas na direção de preservar o 42 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse direito dos brasileiros e brasileiras garantidos na Constituição Cidadã de 1988" (id., p. 7). Tal preocupação ganha maior relevância quando se verifica que entre os princípios da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde estão os seguintes: “[...] todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema” e “[...] todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça da forma adequada” (MS, 2006b, p. 1). Desta forma, a qualidade do nível, tipo e abrangência do conhecimento dos trabalhadores sobre esse recente modelo qualificado de atenção à saúde dos trabalhadores no Sistema Único de Saúde torna-se fundamental. Em função dos argumentos apresentados acima, o projeto promoveu a socialização para os usuários da saúde pública residentes nos municípios da região oeste do Paraná – e de outros que se fizeram representar – dos fundamentos, funcionamento, mecanismos e procedimentos necessários para que os trabalhadores pudessem qualificar sua atuação como sujeitos de direito à assistência e promoção da saúde, como agentes do controle social e, principalmente, como personagens imprescindíveis para a identificação de causas e medidas corretivas e preventivas de doenças do trabalho, e para a qualificação da atuação dos agentes públicos sobre as transformações necessárias em determinados ambientes de trabalho. Dessa forma, foi possível promover a atualização e prestar informações aos profissionais e usuários da saúde pública dos seus direitos e de suas responsabilidades para um tratamento adequado, em especial no caso dos usuários que são trabalhadores, nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/MS/2006) e dos princípios da RENAST (BRASIL, 2006). 43 O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde” A opção pela abrangência de temas tratados nas atividades do projeto resultou não só do caráter inter, transdisciplinar e interinstitucional da equipe, mas também da necessidade de enfrentamento de questões de fundo, que remetem à compreensão de que formação deve-se tratar: Como for mar sem colocar em análise o ordenamento das realidades? Como formar sem colocar em análise os vetores que forçam o desenho das realidades? Como formar sem ativar vetores de potência contrária àqueles que conservam uma realidade dada que queremos modificar?” (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 47). Ao final do projeto, os seus idealizadores e realizadores puderam constatar que simples medidas, quando condizentes com as expectativas das demandas populares, apresentam processos e resultados de grande expressão e significado social. É a grandeza do que foi proporcionado pelo projeto, expressa pelos seus resultados, que esta publicação deseja socializar. Significativos “vetores de potência” que podem contribuir para a modificação de condições adversas que produzem tantos trabalhadores doentes. 44 Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse Referências BRASIL. SUS. RENAST. Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador. Manual de Gestão e Gerenciamento. São Paulo, 2006. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/ManualRenast06.pdf>. Acessado em: 30 abr. 2007. CECCIM, Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, 2004. MS. Ministério da Saúde. Portaria n. 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. 2006a. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/ Port2006/GM/GM-399.htm>. Acessado em: 22 out. 2006. ___________. Portaria n. 675/GM, de 30 de março de 2006. Aprova Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que consolida os direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde em todo o País. 2006b. Disponível em: < http://dtr2001.saude.gov. br/sas/ PORTARIAS/Port2006/GM/GM-675.htm>. Acessado em: 22 out. 2006. RIBEIRO, José Mendes. Conselhos de saúde, comissões intergestores e grupos de interesses no Sistema Único de Saúde (SUS). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, 1997, p. 81-92. SOARES, Laura Tavares Ribeiro. Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2001. SUS. Norma operacional básica do Sistema Único de Saúde. NOBSUS 01/96. Disponível em: <http://www.saude.rj.gov.br/Ces/ Legisl/NOB96.pdf>. Acessado em 17 fev. 2006. 45 46 DILEMAS DO TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO VERA LUCIA NAVARRO VALQUÍRIA PADILHA Não se deve tirar a conclusão de que minhas opiniões inspiram-se em nostalgia de uma época que não pode mais voltar. Pelo contrário, minhas opiniões sobre o trabalho estão dominadas pela nostalgia de uma época que ainda não existe (BRAVERMAN, 1987, p. 18). Introdução Iniciamos, este capítulo1, considerando que foram marcantes as transformações ocorridas no mundo do trabalho na virada do século XX para o XXI, e o crescimento em escala mundial do desemprego é, certamente, a face mais perversa deste quadro. Constatamos que, apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico, de todas as importantes inovações operadas na base técnica dos processos produtivos, houve pouco alívio na labuta humana. Em realidade, tais mudanças no conjunto da economia e da sociedade, resultantes 1 Este capitulo foi publicado originalmente na revista Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 19. Número especial. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000400004&lng=en&nrm=iso>. 47 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo da reestruturação produtiva, que ganhou maior visibilidade a partir dos anos de 1990, acabaram por intensificar a exploração da força de trabalho e precarizar o emprego. Neste cenário, podemos observar uma contradição marcante: enquanto parte significativa da classe trabalhadora é penalizada com a falta de trabalho, outros sofrem com seu excesso. Além da precarização das condições de trabalho, da informalização do emprego, do recuo da ação sindical, crescem, em variadas atividades, os problemas de saúde, tanto físicos quanto psíquicos, relacionados ao trabalho. A busca da compreensão dessa questão nos remete à discussão acerca das mudanças do processo de trabalho no capitalismo que expressam a necessidade constante de reprodução ampliada do capital ao longo de sua história. Para tentarmos entender como isso se processa, faz-se necessária a retomada de alguns conceitos que nos possibilitam acompanhar o movimento e as transformações operadas no trabalho sob o capitalismo. Revendo os significados do trabalho Entendemos que o trabalho tem caráter plural e polissêmico e que exige conhecimento multidisciplinar; é também a atividade laboral fonte de experiência psicossocial, sobretudo dada a sua centralidade na vida das pessoas: é indubitável que o trabalho ocupa parte importante do espaço e do tempo em que se desenvolve a vida humana contemporânea. Assim, ele não é apenas meio de satisfação das necessidades básicas: é também fonte de identificação e de autoestima, de desenvolvimento das potencialidades humanas, de alcançar sentimento de participação nos objetivos da sociedade. Trabalho e profissão (ainda) são senhas de identidade. Compreendemos que as pessoas, apesar das transformações que 48 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro testemunhamos hoje, continuam ancorando sua existência na atividade laboral, mesmo aquelas que se encontram em situação de desemprego. A centralidade do trabalho dá-se não só na esfera econômica (o trabalho é a fonte de renda da maioria da população mundial) como também na esfera psíquica – o que, certamente, representa um paradoxo, uma vez que a atividade laboral ainda parece ser uma importante fonte de saúde psíquica (tanto que sua ausência, pelo desemprego ou pela aposentadoria, é causa de abalos psíquicos), ao mesmo tempo em que se registram cada vez mais pesquisas que evidenciam o trabalho como causa de doenças físicas e mentais e de mortes (cf. SELIGMANN-SILVA, 1994). É preciso perguntar: que tipo de trabalho adoece corpo e mente e até mata? Certamente, não é o trabalho criativo, produtivo, prazeroso, que deveria ser central na vida das pessoas. Quando afirmamos ser o trabalho central na vida das pessoas, partimos do princípio marxiano2 de que é por meio do trabalho que o homem torna-se um ser social. Assim, o trabalho é compreendido como momento decisivo na relação do homem com a natureza, pois ele modifica a sua própria natureza ao atuar sobre a natureza externa quando executa o ato de produção e de reprodução. Nesse sentido, o trabalho é um ato que pressupõe a consciência e o conhecimento dos meios e dos fins aos quais se pretende chegar. Pode-se afirmar 2 Marx definiu o trabalho como “[...] um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindolhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificandoa, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza” (MARX, 1989a, p. 202). 49 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo que não há trabalho humano sem consciência (enquanto finalidade), na medida em que todo trabalho busca a satisfação de uma necessidade. Nas palavras de Marx (1989a, p. 208), O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. (grifos nossos). Vale lembrar que, quando se fala da dimensão do trabalho como categoria primeira, está se pensando em atividade que cria valorde-uso e que trava relações entre o homem e a natureza, ou seja, referimo-nos ao trabalho concreto – que é divergente do trabalho abstrato, uma atividade estranhada e fetichizada, que cria valor-detroca. Com o desenvolvimento do capitalismo, a dimensão do trabalho concreto – que produz objetos úteis – perde espaço para a dimensão do trabalho abstrato. Nas sociedades contemporâneas, o uso perde valor para a troca; os produtos não são mais produzidos prioritariamente para serem usados até o seu fim. Essa é uma tendência que se acentua nas sociedades capitalistas nas quais a descartabilidade das mercadorias é cada vez mais prematura. O descarte, independentemente da 50 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro qualidade da mercadoria, é induzido para que novos produtos sejam comprados, o que leva os produtos para o lixo muito antes de esgotada a sua vida útil. Para Mészáros (1989), o modo capitalista de produção é inimigo da durabilidade; portanto, deve solapar as práticas produtivas orientadas para a durabilidade, inclusive comprometendo deliberadamente a qualidade. O capitalismo traz consigo uma série de contradições, muitas delas relacionadas ao mundo do trabalho. Ao mesmo tempo em que o trabalho é a fonte de humanização e é o fundador do ser social, sob a lógica do capital, torna-se degradado, alienado, estranhado. O trabalho perde a dimensão original e indispensável ao homem de produzir coisas úteis (que visariam a satisfazer as necessidades humanas) para atender às necessidades do capital. Sob o capitalismo, explicou Marx, o trabalhador decai à condição de mercadoria e a sua miséria está na razão inversa da magnitude de sua produção. Em suas palavras, O trabalhador se torna tão mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz só mercadorias; produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na proporção em que produz mercadorias em geral (MARX, 1989b, p. 148, grifos do autor). 51 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo O produto do trabalho aparece, no final, como algo alheio ou estranho ao trabalhador, como um objeto que não lhe pertence. “O trabalhador coloca a sua vida no objeto; mas agora ela não pertence mais a ele, mas sim ao objeto” (Ibid., p. 150). Quando se faz a crítica à sociedade capitalista, deve-se, então, passar pela crítica do trabalho abstrato, pois é ele que contém a dimensão de estranhamento. Quanto mais essa dimensão do trabalho predomina numa sociedade, mais esta sociedade é estranhada. O estranhamento é o afastamento do homem de sua essência humana, é a sua conversão em coisa, sua reificação. Uma sociedade estranhada é uma sociedade que cria, por sua lógica estrutural, barreiras sociais para o livre desenvolvimento das potencialidades humanas. O fenômeno do estranhamento se apoia na “histórica apropriação desigual dos produtos do trabalho humano” (RANIERI, 2001, p. 61). Sobre essa questão, o autor explica que, “na medida em que o trabalho estranhado rebaixa a atividade humana a mero meio de subsistência, a própria vida humana transforma-se num meio de efetivação da atividade estranhada” (Ibid., p. 62, grifos do autor). Em contrapartida, uma sociedade emancipada é aquela que conseguiu abortar todas as formas de estranhamento do ser, inclusive e principalmente o trabalho assalariado abstrato e todas as formas de propriedade privada. Assim, o que defendemos é que o homem não pode abdicar da dimensão concreta do trabalho, sob pena de perder a principal referência do seu caráter de humano e de ser social. Os riscos de essa perda acontecer são constantes, sobretudo quando entendemos e levamos em consideração o caráter do fetichismo presente na produção das sociedades capitalistas. O fetiche da mercadoria é a aparência que se sobrepõe à essência, é o mundo das coisas como objetivo final, provocando o comprometimento e/ou supressão da subjetividade: a “coisa” sufoca 52 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro o “humano”. O fetichismo – este caráter misterioso das mercadorias – provém do fato de que elas ocultam a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total. Para Marx (1989a, p. 80-81), “uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas.” O estranhamento e o fetichismo fazem parte do mesmo processo de coisificação dos sujeitos. Conforme Silveira (1989, p. 50), [...] na atividade alienada, em que o homem, a classe, o indivíduo não se apropriam do resultado de sua atividade vital, a energia vital dispendida se torna própria do ‘objeto’, que rigorosamente se torna coisa no sentido de ter adquirido vida própria, um poder autônomo: o estranhamento, o alheamento [...]. É neste sentido também [...] que esse sujeito é determinado, é limitado, é, radicalmente falando, coisificado, posto pela coisa que se apropriou do que era próprio ao sujeito da atividade vital. A coisa, o capital, a mercadoria, o dinheiro pondo sujeitos físicos, isto é, sujeitos de que dependem – elas, as coisas – para se reproduzirem como tais (grifos do autor). O fetichismo da mercadoria e o controle que o capital exerce sobre o trabalho humano, no capitalismo, são causas diretas da alienação ou estranhamento dos trabalhadores. Cada vez mais o trabalhador – que, como “ser genérico”, representa toda a humanidade – encontra-se estranhado. Esse estranhamento intensifica-se com o desenvolvimento do capitalismo. 53 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo O desenvolvimento do trabalho no século XX A principal abordagem desenvolvida aqui é a de que o trabalho é o elemento fundante do ser social, é o ponto de partida da humanização. Diante disso, podemos perguntar: quais são as implicações das transformações do mundo do trabalho para a vida dos trabalhadores? O avanço das forças produtivas (a ciência e a técnica) intensifica o estranhamento. O desenvolvimento das forças produtivas é um processo contraditório: capacita o capital ao mesmo tempo em que suprime o trabalho. A lógica desse avanço tecnológico é a lógica do capital; assim, não são a ciência e a técnica perversas em si. Isso fica claro quando conhecemos a história do surgimento das fábricas, conforme nos sugere Decca (1988, p. 7). Este autor afirma que, “dentre todas as utopias criadas a partir do século XVI, nenhuma se realizou tão desgraçadamente como a da sociedade do trabalho”. A dimensão crucial da glorificação do trabalho deu-se com o surgimento da fábrica mecanizada, que aparecia, aos olhos do mundo ocidental, como a nova ilusão de que não haveria limites para a produtividade humana. Decca (1988) afirma que é preciso encontrar a fábrica em todos os lugares em que se teve a intenção de disciplinar e assujeitar o trabalhador. Isso quer dizer que o sucesso da fábrica não foi, como se pode pensar, a mecanização e o desenvolvimento tecnológico, mas, sim, o fato de ela ter sido um locus privilegiado da disciplinarização dos trabalhadores, que acabou por introjetar dentro de cada um o relógio moral do desenvolvimento capitalista. O que o autor assevera é que a divisão do trabalho criada para o funcionamento da fábrica significou a apropriação dos saberes 54 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro (anteriormente pertencentes aos artesãos) por meio de sutis mecanismos de controle social. A tecnologia é vista, então, como mais uma forma de controle social. A imposição da noção de “tempo útil” parece ser um bom exemplo disso, na medida em que prevalece, cada vez mais, a ideia “moralizante” de que não se pode perder tempo, de que tempo é dinheiro. Essa introjeção definitiva da imagem e do valor do tempo como moeda de mercado (cf. THOMPSON, 2002) é uma ilustração de que são dominantes as ideias da classe dominante. Marglin (1989, p. 41) afirma: [...] a origem e o sucesso da fábrica não se explicam por uma superioridade tecnológica, mas pelo fato dela despojar o operário de qualquer controle e de dar ao capitalista o poder de prescrever a natureza do trabalho e a quantidade a produzir. A partir disso, o operário não é livre para decidir como e quanto quer trabalhar para produzir o que lhe é necessário; mas é preciso que ele escolha trabalhar nas condições do patrão ou não trabalhar, o que não lhe deixa nenhuma escolha. Os capitalistas reuniram os trabalhadores em fábricas muito mais por uma questão organizacional que tecnológica. No entanto, a técnica não deve ser entendida como neutra: ela serviu e continua servindo aos interesses de controle e hierarquia do capital. O capital conseguiu que a ciência se colocasse a seu serviço, o que se deu num processo de “docilização” da mão-de-obra (DECCA, 1988). A apropriação do saber – inicialmente do artesão e posteriormente do operário – pelos capitalistas nas fábricas é uma das formas desse estranhamento que continua se manifestando nos dias atuais. 55 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo Os relatos de Simone Weil, professora de Filosofia na França, que optou por trabalhar como operária na fábrica para sentir na pele o sofrimento do trabalhador, descrevem sensações interessantes e explicam o que a vida na fábrica fez com ela: [...] E não creio que tenham nascido em mim sentimentos de revolta. Não, muito ao contrário. Veio o que era a última coisa do mundo que eu esperava de mim: a docilidade. Uma docilidade de besta de carga resignada. Parecia que eu tinha nascido para esperar, para receber, para executar ordens – que nunca tinha feito senão isso –, que nunca mais faria outra coisa. Não tenho orgulho em confessar isso. É a espécie de sofrimento de que nenhum operário fala; dói demais, só de pensar (WEIL apud BOSI, 1996, p. 79). A história da organização do trabalho é a história do desenvolvimento tecnológico em favor da acumulação capitalista, ao mesmo tempo em que é a história do sofrimento dos trabalhadores. Os avanços científicos ocorridos em nome do progresso não conseguiram eliminar as formas de exploração física e psíquica dos trabalhadores, nas fábricas ou fora delas. As técnicas de organização da produção e do trabalho, baseadas nos princípios taylorista, fordista e toyotista, só fizeram aumentar essas formas de exploração. Taylorismo, fordismo e toyotismo: formas de intensificação e controle do trabalho Ao longo de todo o desenvolvimento do processo de trabalho no capitalismo, o que podemos observar é a perda progressiva do 56 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro controle do trabalhador sobre o processo produtivo e, em consequência, a perda de controle sobre seu próprio trabalho. O que varia, em diferentes momentos, são as formas disso se objetivar. O taylorismo não promoveu mudanças importantes na base técnica do processo de trabalho: sua preocupação foi com o desenvolvimento dos métodos e a organização do trabalho. Ele aprofundou a divisão do trabalho introduzida pelo sistema de fábrica, assegurando definitivamente o controle do tempo do trabalhador pela gerência, o que significou uma separação extrema entre concepção e execução do trabalho. De acordo com Braverman (1987), o que Taylor buscava não era a melhor maneira de trabalhar em geral mas uma resposta ao problema específico de como controlar melhor o trabalho alienado, ou seja, a força de trabalho comprada e vendida. Para Braverman, o controle do trabalho ao longo da história da gerência sempre foi o aspecto essência, mas foi a partir de Taylor que essa questão adquiriu dimensões sem precedentes. Em geral, antes de Taylor, admitia-se que a gerência tinha o direito de controlar o trabalho, o que usualmente significava apenas a fixação de tarefas, com pouca interferência direta na maneira do trabalhador executá-las. Com Taylor, essa prática foi invertida, sendo substituída pelo seu oposto: ele alegava que a gerência se tornaria um empreendimento limitado e frustrado se deixasse ao trabalhador qualquer tipo de decisão sobre o trabalho. Seu “sistema” era tão-somente um meio para que a gerência efetuasse o controle do modo concreto de execução de toda a atividade no trabalho, desde a mais simples à mais complicada. Nesse sentido, ele foi pioneiro de 57 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo uma revolução muito maior na divisão do trabalho que qualquer outra havida. (BRAVERMAN, 1987, p. 86). O fordismo continuou requerendo esse tipo de trabalhador estranhado que o taylorismo havia evidenciado 3. Ford mantém o essencial do taylorismo e aperfeiçoa o método introduzindo a linha de montagem e um novo modo de gerir a força de trabalho, com destaque aos incentivos dados aos trabalhadores por meio de aumento dos níveis salariais. A história registra, no entanto, uma significativa resistência operária ao fordismo, uma vez que os trabalhadores sentem a perda de seu savoir-faire e o peso de um trabalho puramente mecanizado, rotinizado, gerando um alto índice de absenteísmo e o aumento de paralisações e sabotagens. Em contraposição, houve considerável aumento de salário, para amenizar temporariamente os problemas com a força de trabalho. Crise do padrão taylorista-fordista e a propagação do toyotismo Nos anos o padrão de regulação taylorista-fordista começa a dar sinais de esgotamento em meio à crise estrutural vivida pelo 3 Vale lembrar que é muito difícil entender o fordismo (que pressupõe também a produção e o consumo em massa) fora do contexto do americanismo: a propagação do fordismo exigiu uma nova forma de organização social do processo de produção que está intimamente ligada com o modo de viver e de ser do conjunto dos trabalhadores. O americanismo pode ser entendido como um conjunto de caracterizações próprias, originadas nos Estados Unidos, que visavam à construção de um novo homem para um novo tipo de trabalho. O modo de viver deveria ser adaptado ao modo de produzir. O objetivo foi o de criar um novo tipo de trabalhador (cf. GRAMSCI, 1989). 58 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro capitalismo nesse período. O taylorismo e o fordismo passam a conviver ou mesmo a ser substituídos por outros modelos considerados mais “enxutos” e “flexíveis”, melhor adequados às novas exigências capitalistas de um mercado cada vez mais globalizado. É a partir dos anos 1980 que se observa o acirramento da chamada reestruturação produtiva. Em um cenário de maior competitividade, as empresas, visando à redução dos custos de produção, ao aumento da variedade de suas mercadorias, à melhoria da qualidade de seus produtos e serviços e de sua produtividade, investiram em mudanças de ordem tecnológica e organizacionais que repercutiram negativamente nas relações e condições de trabalho. Novas formas de organização do trabalho, “mais flexíveis” e alternativas ao taylorismo-fordismo, considerado muito rígido, emergiram em várias partes do mundo, mesclando-se, fundindo-se ou mesmo superando a(s) anterior mente predominante(s) (ANTUNES, 1995). Alguns estudos chegam mesmo a afirmar a existência de um novo paradigma de produção industrial alternativo ao fordismo. São exemplos dessas novas experiências o modelo sueco, o modelo italiano e o modelo japonês4. No entanto, foi este último que conseguiu maior capacidade de propagação. Os métodos produtivos japoneses aparecem sempre como 4 Segundo Hirata (1994, p. 40), “os modelos sueco e italiano [...] podem ser caracterizados, conjuntamente, em oposição ao modelo japonês, como sendo modelos produtivos de envolvimento negociado dos trabalhadores nos novos processos de produção de qualidade e produtividade e só se realiza com sindicatos fortes e independentes. Tanto o modelo italiano quanto o sueco se apoiam numa formação profissional importante dos trabalhadores e na polivalência do trabalho em grupo. Embora tenham por objetivo, como todos os modelos industriais, alcançar a produtividade por meio de um máximo de eficiência, não se baseiam na produção enxuta.” 59 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo [...] a materialização de um novo sistema de organização, desenvolvimento e competitividade industrial, como exemplo de modernidade capitalista a ser reproduzido pelas empresas que pretendam chegar à condição de world class company (empresa de categoria mundial). O toyotismo é a marca de um modelo de exploração vendido mundialmente e adaptado a qualquer situação nacional. Na visão dos capitalistas e da maior parte dos pesquisadores, as relações de produção deste modelo japonês são também a própria realização da harmonia entre capital e trabalhador (MARTINS, 1994, p. 124). O sistema Toyota, ou, como prefere Coriat (1994, p. 24), o ohnismo5, “constitui um conjunto de inovações organizacionais cuja importância é comparável ao que foram em suas épocas as inovações organizacionais trazidas pelo taylorismo e pelo fordismo”. O objetivo maior de seu método é produzir, a baixos custos, pequenas séries de produtos variados. Um dos primeiros problemas de Ohno, no início de seu empreendimento, foi a questão dos estoques, visto que o Japão não é um país que dispõe de vastos espaços como os Estados Unidos. Segundo Coriat, duas descobertas nascem a partir desse problema: a “fábrica mínima” e a “administração pelos olhos”. A primeira está relacionada com o fato de que, por trás do estoque, há um “excesso de pessoal”, o que leva à conclusão de que, se o estoque é permanente, 5 Em referência direta ao nome do engenheiro Taiichi Ohno (1912-1990), a quem se atribui o mérito principal pela criação da “nova escola japonesa”, que teria sido originada na fábrica da Toyota. 60 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro há por detrás dele um excesso de equipamento. É nas entrelinhas deste princípio que, segundo Coriat (1994, p. 33), [...] se desenha aquilo que seríamos tentados a designar como a ‘fábrica mínima’, a fábrica reduzida às suas funções, equipamentos e efetivos estritamente necessários para satisfazer a demanda diária ou semanal. Observe-se também que, no espírito de Ohno, a fábrica mínima é primeiro e antes de tudo a fábrica de pessoal mínimo. Na Toyota de Ohno, o conceito de economia é indissociável da busca da “redução de efetivos” e da “redução de custos”. Obviamente, não se pensa nos altos custos psicossociais dessa política. A segunda descoberta de Ohno é o método de “gestão pelos olhos”. A meta a alcançar é a eliminação de tudo o que for considerado “supérfluo”, dos “excessos gordurosos”, de tudo aquilo que uma fábrica pode dispensar. Nasce, então, segundo Coriat (CORIAT, 1994, p. 36), a fábrica “magra”, transparente e flexível, que se opõe à fábrica fordista, qualificada como “gorda”. O ponto forte dessa “fábrica mínima” é o just in time, que organiza a produção de modo a fabricar os produtos apenas na quantidade e no momento de serem escoados, o que pressupõe estoque mínimo e número reduzido de operários. Outra característica do modelo japonês bastante difundida no meio empresarial e, em parte, no meio acadêmico, diz respeito à qualificação do trabalhador. Contrariamente ao operário do taylorismo/fordismo que desempenhava tarefas altamente simplificadas, repetitivas, monótonas e embr utecedoras, no 61 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo toyotismo, o trabalhador estaria transformando-se em um trabalhador “altamente qualificado”, “polivalente”, “multiprofissional”. Na prática, várias pesquisas demonstram que essas mudanças, de forma geral, ao invés de qualificarem o trabalhador, sobrecarregam-no de mais trabalho. O que se observa é que o toyotismo mantém as formas objetivas de exploração do trabalho e amplia as formas subjetivas dessa exploração. [...] o taylorismo e o fordismo tinham uma concepção muito linear, onde a Gerência Científica elaborava e o trabalhador manual executava. O toyotismo percebeu, entretanto, que o saber intelectual do trabalho é muito maior do que o fordismo e taylorismo imaginavam, e que era preciso deixar que o saber intelectual do trabalho florescesse e fosse também ele apropriado pelo capital (ANTUNES, 1999, p. 206). Para Har vey (1993), esse novo quadro (“acumulação flexível”) em que o mercado de trabalho passa por uma reestruturação radical possibilita maior controle do trabalho pelos empregadores, na medida em que o conjunto da força de trabalho sai muito mais enfraquecido desse processo. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente 62 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro (desempregados e subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis (Ibid., p. 143). Apesar de a luta de classes estar presente nas relações antagônicas entre capital e trabalho no século XX e agora no século XXI, a organização coletiva de trabalhadores, no mundo e no Brasil em particular, vem enfrentando impasses importantes. Devido ao enfraquecimento dos sindicatos nas últimas décadas, estes não têm conseguido impedir o processo de precarização do trabalho, conforme analisamos neste capítulo. Segundo Ramalho (1997, p. 86), O movimento sindical passa pelas dificuldades de lidar com uma situação fabril à qual políticas e estratégias de ação sindical parecem impotentes para deter a destruição de direitos e se relacionar com uma força de trabalho de características diversas daquelas encontradas no pátio das grandes empresas. As metamorfoses do trabalho ferem não só os direitos e a subjetividade do trabalhador, mas também suas formas de organização na luta contra o capital. Conforme afirma Antunes (1997, p. 72), desde os anos 1980, o sindicalismo vem-se configurando como um sindicalismo “de negociação”, que aceita a ordem do capital e do mercado, que abandona a luta pelo socialismo e pela emancipação e que debate “no universo da agenda e do ideário neoliberal”. 63 Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo Considerações finais Considerando o conjunto das transformações operadas no mundo do trabalho no último século – do taylorismo ao toyotismo – , podemos pensar que, conforme sugere Tomaney (citado por ANTUNES, 1999, p. 49), “as mudanças no processo capitalista de trabalho não são tão profundas, mas exprimem uma contínua transformação dentro do mesmo processo de trabalho, atingindo sobretudo as formas de gestão e o fluxo de controle, mas levando frequentemente à intensificação do trabalho”. O que pretendemos destacar é que, ao longo do desenvolvimento do processo de trabalho nos séculos XIX e XX, apesar de algumas transformações e crises, não houve uma verdadeira ruptura com o caráter capitalista do modo de produção e com seu complexo plano ideológico de fragmentação da subjetividade para facilitar a manutenção de seu projeto hegemônico. Exemplos disso são a apologia do individualismo, o aumento do desemprego, a intensificação e a crescente precarização do trabalho nos diferentes setores da economia. Podemos pensar que, nos últimos anos, as perdas para a classe trabalhadora foram importantes não apenas do ponto de vista financeiro, mas também de sua saúde física e psíquica. Não é por acaso que Sennet (1999) denominou de “corrosão do caráter” uma das principais consequências pessoais do modelo atual de organização do trabalho no capitalismo. A flexibilização trazida pela reestruturação produtiva – que exige trabalhadores ágeis, abertos a mudanças em curto prazo, que assumam riscos continuamente e que dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais – não causa apenas sobrecarga de trabalho para os que sobreviveram ao enxugamento dos cargos, mas acarreta grande impacto para a vida 64 Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro pessoal e familiar de todos os trabalhadores, sejam eles empregados ou desempregados. Os direitos sociais duramente conquistados pelos trabalhadores estão sendo substituídos ou subtraídos nos quatro cantos do mundo. O desemprego força as pessoas, desesperadas pela falta de dinheiro e de reconhecimento social, a enfrentarem filas aviltantes para tentar uma vaga no mercado do emprego formal, mesmo que este seja alienado e estranhado. Tragicamente, até mesmo o trabalho que pode comprometer a saúde física e psíquica passa a ser objeto de desejo. Concordamos com Silveira (1989, p. 63) quando diz que, “se é ridículo ‘sentir nostalgia’ das relações de dependência das formas pré-capitalistas, é também ridículo crer que ‘é preciso deter-se neste esvaziamento completo’”, típico da universalização do estranhamento que se estabelece sob a lógica do capital. Referências ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamofoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. ______. Trabalho, reestruturação produtiva e algumas repercussões no sindicalismo brasileiro. In: ______ (Org.). Neoliberalismo, trabalho e sindicato: reestruturação produtiva na Inglaterra e no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1997. p.71-84. ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. BOSI, E. Simone Weil. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 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Fundado sobre a realidade do trabalho industrial, a partir da urbanização e industrialização ocorrida nos principais países da América Latina nos anos 1970 (LAURELL; NORIEGA, 1989), o campo depara-se com a necessidade de apropriar-se dos processos de trabalho do setor de serviços, até porque é neste espaço que está alocado, hoje, o maior contingente da força de trabalho (IPEA, 2009). Assim, tal apropriação será instrumental e estratégica para o desenvolvimento de estudos e pesquisas que hoje são mandatórias tanto no que se refere ao trabalho em saúde como em educação (BLANCH; STECHER, 2009) e, aqui, o marco teórico coloca-se como uma questão central (LACAZ ; SANTOS, 2009). 69 As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde A saúde e o trabalho dos trabalhadores da saúde Do ponto de vista conceitual, a base teórica para a investigação sobre a saúde dos trabalhadores da saúde, nos dias que correm, deve situar-se nos marcos da reorganização do trabalho de cunho neoliberal à qual são submetidos hospitais e outros serviços de saúde e que tem como marca um [...] novo paradigma [...] de reorganização flexível do trabalho. [...] iniciado nos anos 80 como resultado do projeto político neoliberal e de suas máximas de desregulamentação, liberalização e privatização, [o que] implicou na colonização mercantil de diversas organizações (hospital, universidade etc.) tradicionalmente autônomas em relação à economia política de mercado, à ética do negócio, à pragmática da gestão flexível do trabalho, à retórica da produtividade, competitividade e rentabilidade, ao cálculo de custobenefício e à axiologia da livre concorrência, da qualidade total, do lucro individual e do negócio privado (BLANCH; STECHER, 2009, p. 1, grifos nossos). No que se refere aos ser viços de saúde, o chamado “capitalismo sanitário” é algo que vem sendo observado desde o início dos anos 1990, a partir da publicação do livro de autoria de Navarro (1993) que analisava a mercantilização que ocorria nos serviços de saúde nos Estados Unidos já àquela época. Na América Latina, pode-se dizer que o conceito de “capitalismo sanitário” surge na esteira da reforma neoliberal do setor da saúde fomentada pelo Banco Mundial e colocada em marcha desde 70 Francisco Antonio de Castro Lacaz a década de 1980, em vários países da região, cuja expressão maior foi o modelo adotado no Chile sob Pinochet (BORÓN, 2000). Mesmo considerando que o conceito de “capitalismo sanitário” seja um interessante referencial para embasar pesquisas empíricas que iluminem a especificidade de processos de reforma política em realidades específicas, a adoção do conceito de “capitalismo organizacional” ajuda a dar conta de outros aspectos envolvidos na relação trabalho-saúde, como os processos de subjetivação e objetivação no trabalho em serviços de saúde, na perspectiva da psicologia social do trabalho, quando se busca analisar a reorganização de tais espaços sob a influência do novo modelo de gestão “da coisa” pública (BLANCH; STECHER, 2009, p. 8). Para melhor entendimento do que se está falando e atualizar a temática central do objeto que se pretende investigar conforme propõem Blanch et al. (2007), é necessário apontar o que se entende por “objetivação”, ou seja, a [...] ‘institucionalização’ do novo modelo empresarial (a materialização operativa pelo New Management de um conjunto de dispositivos, códigos, normas, regras, procedimentos, tecnologias e práticas estruturais da organização) e, por outra, sua naturalização (construção pelo discurso gerencial do novo modelo de organização como pertencente à ordem da natureza e, portanto, como realidade necessária, imutável e inquestionável) (BLANCH; STECHER, 2009, p. 9, grifos dos autores). 71 As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde Por outro lado, entende-se por “subjetivação” [...] um conjunto de processos de construção de subjetividade, pelos quais a experiência de trabalho em universidades e hospitais reorganizados empresarialmente dá lugar nos trabalhadores, a particulares formas de pensar, sentir e atuar com relação a si mesmo, às demais pessoas e ao mundo. Consiste [...] naquela dinâmica pela qual cada indivíduo torna-se (é constituído ou se constitui) um tipo particular de sujeito através (a) de sua sujeição, inserção e submissão a um específico ordenamento sócio-simbólico, isto é, a uma particular configuração histórica de relações de saber-poder; mas também (b) de sua atividade (individual e coletiva) de apropriação reflexiva, resignificação, desestabilização e resistência em relação às determinações que o constituem como ser social e em cujo horizonte está inscrito [...] (Ibid., p. 9, grifo nosso). Ao se debruçar sobre os marcos teóricos de pesquisas nesta área, ao lado da noção de objetivação que envolve a própria institucionalização das novas formas de gestão do trabalho em vários níveis e espaços da administração pública, pode-se dizer que o que aproxima os estudos de Lacaz et al. (2008) e de Blanch et al. (2007) – mesmo considerando o fato de que têm como objeto de estudo a macropolítica da gestão em saúde na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde, o primeiro; e os efeitos psicossociais da micropolítica de gestão do trabalho nos hospitais públicos da Catalúnia, o segundo – é a ideia de “resistência”. Esta é analisada e discutida mais diretamente no estudo de Lacaz et al. (2008) por referência ao 72 Francisco Antonio de Castro Lacaz conceito de estratégia gerencial ou “gerencialismo” (PAULA, 2005) e à possível luta dos trabalhadores para reverter essa tendência observada. Tal tendência se expressa, por exemplo, na própria estratégia defendida pelo Ministério da Saúde do Brasil, que visa a buscar a “desprecarização” do trabalho em Saúde no SUS, ou seja, a adoção de Planos de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) que recoloquem em pauta a contratação com estabilidade, regida pelo concurso público como forma desta contratação, da evolução funcional e da capacitação permanente do pessoal de saúde (LACAZ et al. 2008; NOGUEIRA, BARALDI; RODRIGUES, 2004; BRASIL, 2003). Frise-se que esta nova realidade de gestão do trabalho, embutida na flexibilização produtiva, caracteriza-se por uma “consciência apologética” que decreta [...] o fim das relações antagônicas entre capital e trabalho, que estão sendo substituídas por relações de cooperação e de amizade entre parceiros. [...] acredita[-se] que a reestruturação da economia está a criar novas formas de organização e gerenciamento do processo de trabalho, que não lembram mais os princípios de padronização, especialização, sincronização e de centralização que configuravam e alicerçavam a estruturação do processo produtivo. No lugar da produção padronizada, surge a produção flexível que requer [...] trabalhadores polivalentes e altamente qualificados, com alto grau de responsabilidade e autonomia (TEIXEIRA, 2008, p. 114-115). 73 As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde Mais ainda, [...] esta nova forma de produção de mercadorias engendra outros métodos de produção [...]. Com a diferença de que, agora, o poder do capital é substituído pelo poder impessoal do mercado. Poder que não mais se identifica com a administração de uma empresa particular, mas, sim, com a necessidade abstrata que obriga todos a se submeterem à racionalidade do trabalho abstrato: trabalhar [...], sem se importar com a natureza do trabalho, o lugar em que é realizado e como deve ser efetivado (Ibid., p. 131). De certa forma, são os reflexos da dinâmica da produção flexível sobre a subjetividade dos trabalhadores que Blanch et al. (2007) buscam apreender quando investigam os efeitos psicossociais observados em trabalhadores dos serviços hospitalares de saúde, consequentes da colonização, da lógica de gestão calcada na reestruturação produtiva. Frise-se que tal lógica é também uma realidade dos serviços de saúde que compõem a rede do Sistema Único de Saúde (LACAZ et al., 2008). Assim, renova-se, aqui, um dos desafios mais importantes colocados aos estudos em Saúde do Trabalho, ou seja, como utilizar a categoria “processo de trabalho”, principal marco referencial do campo, aplicando-o aos estudos do trabalho no setor terciário ou de serviços (LACAZ, 1996; MINAYO-GOMES; THEDIM-COSTA, 2003). Para auxiliar a preocupação de estudos empíricos que envolvam o trabalho e a saúde nos serviços de saúde, contribuição importante surge da sociologia do trabalho em anos recentes. Aqui, há importantes aportes advindos de uma certa sociologia do trabalho 74 Francisco Antonio de Castro Lacaz que aponta para elementos conceituais que poderão desamarrar os nós que atam estudos nesta área. Trata-se de conceitos que permitem avançar no conhecimento das especificidades dos processos de trabalho no setor de prestação de serviços em sua relação com a saúde dos trabalhadores que aí atuam. Numa revisão sobre o conceito de serviços (MEIRELLES, 2006), é apontado que a noção de “simultaneidade” pode ser uma ferramenta central para abordar o trabalho em serviços, mediante estudos empíricos, na sua relação com a saúde, dado que ocorre o seu consumo ao mesmo tempo em que é produzido, colocando diretamente em contato trabalhador e “consumidor/clientela”, conformando o que é chamado de “copresença”, o que pode exercer pressão no tempo de produção de tais serviços, como se observa na fila dos caixas de bancos ou dos serviços de saúde. Daí deriva outro conceito importante para pensar-se aquela relação, o de “coprodução” (ORBAN, 2005), já que, na produção flexível, o que importa não é mais a produção em escala, característica do fordismo/taylorismo, mas sim a produção acoplada às demandas da clientela, situação esta que, no caso dos serviços, depende basicamente da postura do cliente/consumidor (GORENDER, 1997). Frise-se que a coprodução tem como “subproduto” o autosserviço, em que o consumidor/cliente age sobre o (no) processo de trabalho, trazendo como consequência a queda do número de postos de trabalho, sendo que, no caso dos serviços de saúde, o chamado autocuidado ou corresponsabilização pelo cuidado é uma das expressões dessa realidade. Ademais, é mister também salientar que, nos ser viços, interfere sobremaneira a emoção e sua “administração”, o que traz importantes efeitos para a saúde mental no trabalho (LACAZ; SATO, 2006). 75 As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde Considerações finais Considerando que as questões aqui colocadas têm como pano de fundo a noção de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) a partir de um viés que coloca como aspecto central para que seja atingida a referida qualidade a noção de “controle” que os coletivos de trabalhadores devem ter sobre seus processos de trabalho (LACAZ, 2000; LACAZ; SATO, 2006), postula-se, então, que tais referenciais e abordagens podem fazer avançar a profundidade dos estudos nesta área, questão central para se entender, inclusive, os desafios colocados para a qualidade da atenção na rede de serviços do SUS. E, falando-se de QVT, é importante considerar sua historicidade quando se transita dos anos 60 do século passado aos anos 2000 do novo século. Na verdade, esta temática surge com força no final dos anos 1950, quando se relaciona com as experiências de trabalho vivenciadas por trabalhadores na perspectiva de uma produtividade por eles regulada (LACAZ, 2000). Mais recentemente, a discussão da QVT a partir dos anos 1980 também se relaciona com a globalização neoliberal, a qual passa a influenciar a visão da QVT quando busca dar conta de questões relacionadas à produtividade, mas agora articulada com a qualidade do produto, a competitividade, envolvendo a motivação e o pertencimento à empresa como algo intrínseco à produção capitalista. A isso se soma a saúde no trabalho, envolvendo aspectos relativos a formas diferenciadas de organização do trabalho e a novas tecnologias de gestão do trabalho (LACAZ, 2000). Esse enfoque vai ser a tônica também dos anos 1990 e 2000. A “novidade” desta abordagem relaciona-se com o esgotamento da organização do trabalho taylorista/fordista que se associou ao 76 Francisco Antonio de Castro Lacaz aumento do absenteísmo, ao mal-estar no trabalho e à não-aderência dos trabalhadores às metas definidas pela gerência (ANTUNES, 1999). Agora, o modelo japonês, calcado na experiência da Toyota, o toyotismo, é o novo paradigma de organização do trabalho a ser implantado (ANTUNES, 1995; GORENDER, 1997). Ocorre que entendemos que a QVT está intimamente relacionada ao controle que o trabalhador coletivo consegue conquistar, e não é por acaso que esta visão foi incorporada pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) quando lançou, no hoje distante ano de 1976, o seu Programa Internacional de Melhoramento das Condições de Trabalho (PIACT). Historicamente, nos anos de 1970, a noção de QVT relacionava-se com a luta reivindicatória dos trabalhadores organizados pela melhoria de condições, ambientes, organização do trabalho, visando a uma maior satisfação no trabalho, o que também repercutia na produtividade. Essa postura foi influenciada pelo movimento originado a partir do chão de fábrica, especialmente na Europa, em que a “gestão participativa” e a “democracia industrial” são ideais a serem perseguidos e garantidos. E é justamente influenciada por essa realidade que, em meados dos anos de 1970, mais precisamente em 1976, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou o Programa Internacional para o Melhoramento das Condições de Trabalho (PIACT), o qual preconizava a melhoria geral de vida como aspiração da humanidade, melhoria esta que não poderia ser barrada no portão da fábrica, o que tinha como pressuposto a participação dos trabalhadores nas decisões relativas à sua vida e às suas atividades profissionais (MENDES, 1986; BAGNARA et al., 1981; ROUSTANG, 1983). Esta temática vai se estender à busca da garantia das conquistas obtidas na luta pelo Estado 77 As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde de Bem-Estar Social, inclusive com reflexos até os dias atuais nos países da Europa como França, Alemanha e Inglaterra e Itália (BORÓN, 2000). Considera-se que são aportes como os acima que farão avançar o conhecimento em ST num campo eminentemente inter(trans)disciplinar, o que deve pautar os estudos diante da complexa realidade introduzida pela reestruturação produtiva neoliberal (GORENDER, 1997; TEIXEIRA, 2008), como vinha acontecendo desde meados dos anos 1990 no campo da Saúde Coletiva (LACAZ, 2007), mesmo sabendo-se que tais estudos deverão consumir maior tempo de maturação, execução e publicação. Para que tal avanço ocorra, esta deve ser a forma de abordar as relações trabalho-saúde e a qual se impõe, apesar da pressão produtivista que hoje caracteriza a produção e os critérios de avaliação acadêmicos, frutos e função dos padrões mercantilistas que norteiam as investigações científicas empreendidas na academia nos dias que correm, como apontam Liria e Garcia (2009) ao discutirem os reflexos da influência do chamado Plano Bolonha sobre a Universidade na Europa e seus desdobramentos pelo resto do mundo. 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Muitas das reivindicações motivaram a construção de regulamentações legais dessas condições, presentes nos dias de hoje. Mais recentemente, no final da década de 70, com o ressurgimento do movimento sindical na cena pública, a saúde do trabalhador foi tomada como um dos temas e como bandeira de luta dos sindicatos, consolidando-se, inclusive, na criação de um órgão com a finalidade de assessorar os trabalhadores nessa área, o DIESAT – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (RIBEIRO et al., 2002). Posteriormente, com a criação das centrais sindicais, foram criadas estruturas específicas, como é o caso do INST (Instituto Nacional de Saúde no Trabalho) e da CUT (Central Única dos Trabalhadores). 1 Este capítulo foi originalmente publicado na Revista Democracia e Mundo do Trabalho, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 76-81, 2005. 83 Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana Além disso, configurando-se como um problema de saúde pública, nessa mesma época, inicialmente no Estado de São Paulo, os serviços públicos de saúde deram início à implementação de Programas de Atenção à Saúde do Trabalhador, expandida posteriormente a diversas outras regiões do país. É importante frisar que tal política não se restringia à oferta de assistência à saúde, mas visava a atuar nas condições e na organização de trabalho que explicavam e causavam tais problemas (prevenção primária). Por se considerar que os problemas de saúde dos trabalhadores não podem ser compreendidos senão à luz das relações de trabalho e da correlação de forças presente numa sociedade de classes – portanto, um problema político –, buscou-se garantir a presença ativa dos órgãos sindicais de trabalhadores na definição dessa política pública. Num desses casos, o Programa de Atenção à Saúde do Trabalhador Químico do ABCD contou com a cogestão do Sindicato dos Químicos do ABCD e de órgãos públicos de saúde (LACAZ, 1996; FREITAS; LACAZ; ROCHA, 1985; SATO; LACAZ; BERNARDO, 2004). Foi no contexto do ressurgimento da atuação sindical na cena pública e do processo de redemocratização do país que a Saúde do Trabalhador, enquanto um campo teórico e prático, foi construído 2 (LACAZ, 1997; MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). Desde então, têm se tornado cada vez mais reconhecidos os malefícios à saúde sentidos pelos trabalhadores no seu cotidiano de trabalho, nas diversas categorias profissionais. Não pretendemos, aqui, apresentar a diversidade de situações e problemas, mas sabe-se que continuam sendo importantes os acidentes de trabalho, as doenças profissionais e do trabalho, além do sofrimento e dos esforços que 2 É importante frisar que, como bem o mostrou Lacaz (1996), o conceito de Saúde do Trabalhador não se confunde com o de Saúde Ocupacional. 84 Leny Sato nem sempre se conformam como doenças, pois são menos visíveis3 Se, de um lado, a atuação sindical sobre a saúde dos trabalhadores tem dado frutos importantes, utilizando-se do instrumento das negociações coletivas e da participação em processos de mudanças de dispositivos legais (CLT) sobre segurança e medicina do trabalho, verifica-se que, no dia-a-dia, os trabalhadores, mesmo sem o respaldo da atuação de organizações nos locais de trabalho, como as CIPAs e Comissões de Empresa livremente compostas, buscam lidar, por meio dos instrumentos, do poder e dos recursos disponíveis, com as agruras decorrentes das condições e da organização do trabalho e suas repercussões para a saúde, construindo mecanismos de contrapoderes. Saúde do trabalhador: problema vivido pelos trabalhadores e objeto de negociação cotidiana Não é novidade o reconhecimento de que os trabalhadores são criativos, inventam novas “tecnologias” e, no dia-a-dia, resolvem os mais diversos problemas que se apresentam no trabalho. É fruto desse reconhecimento a implementação de Programas de Qualidade, a premiação de operários pela apresentação de “projetos” que conduzam à economia de insumos e à melhoria da qualidade dos produtos, dentre outros. Diversos estudos já mostraram que os procedimentos planejados pelo staff gerencial sofrem múltiplas interpretações e reinterpretações até chegar ao “chão de fábrica”. Testemunhos da 3 Diversas são as publicações que versam sobre situações concretas que provocam danos à saúde dos trabalhadores. São publicações sindicais, de órgãos públicos e de pesquisas desenvolvidas nas universidades. Não haveria espaço, no escopo deste trabalho, para anunciar tais publicações. 85 Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana existência de múltiplas racionalidades podem ser encontrados nos estudos clássicos da Escola de Relações Humanas (os grupos informais), nas descrições atentas da ergonomia e nos casos de gerenciamento cotidiano apresentados pela Escola Sociotécnica. Essas múltiplas racionalidades podem ser compreendidas como evidência da existência de múltiplas realidades organizacionais, que também podem ser vistas em processos manufaturados de fabricação, com atividades repetitivas, monótonas e todo o rol de atributos que caracterizam o trabalho fordista e rotinizado. Esse é o caso que pudemos observar no setor fabril de uma grande indústria alimentícia localizada na cidade de São Paulo (SATO, 1997; 2002). Operários e operárias trabalhavam cerca de nove horas por dia, seis dias por semana, além de horas extras, muitas vezes cumpridas aos domingos. Além das tarefas realizadas no interior da fábrica, diretamente na produção, eles deviam cumprir uma outra, no pátio externo: fazer ginástica laboral. Isso porque as lesões por esforços repetitivos eram uma realidade que atingia grande contingente de trabalhadores e trabalhadoras, muitos deles conduzidos ao afastamento do trabalho ou à aposentadoria por invalidez. Observando aquela fábrica, ninguém, em sã consciência, ousaria duvidar que ali havia um gerenciamento centralmente planejado, fixando pessoas em postos de trabalho, com regras e procedimentos padronizados e com metas de produção. Ademais, a fisionomia deferente dos operários e operárias, carregando seus corpos dóceis, diria-nos que qualquer possibilidade de barganha, ali, seria impossível. A eterna e hipnotizante repetição de movimentos, o barulho contínuo das máquinas, as pessoas vestidas de branco da cabeça aos pés, tudo isso compunha um ambiente praticamente monocromático e impessoal que podia ser visto da sala de supervisão, a qual, seguindo 86 Leny Sato os ditames de uma arquitetura disciplinar, oferecia uma visão panorâmica de toda a planta fabril. A imagem de organização como uma máquina, nos moldes apresentados tão brilhantemente por Charles Chaplin, no filme Tempos modernos, tomava-nos imediatamente. A primeira sensação que atingia o observador externo era a da grande impotência das pessoas que operavam, as quais, alienadas, só podiam fazer o que lhes era mandado. Se esta era a fachada apresentada, a convivência no chão de fábrica nos possibilitou acessar outras realidades, que mostravam o quanto o gerenciamento nos locais de trabalho deve ser compreendido no plural, por diversos motivos. E, primeiro lugar, não há um único objeto que solicita ser gerenciado. Se há, como foco privilegiado, o gerenciamento da produção com vistas à fabricação de bens a serem comercializados – seguindo-se metas de eficiência e produtividade, sendo que tudo o mais decorre desse foco –, há também o gerenciamento que toma como foco principal os esforços e o sofrimento decorrentes das condições e da organização do processo de trabalho. Em segundo lugar, são múltiplas as pessoas que realizam o gerenciamento, às vezes buscando microacordos negociados em diversos microespaços da empresa: numa linha de produção, num setor, num turno de trabalho. A peculiaridade das diversas atividades de gerenciamento e, consequentemente, das diversas “fábricas”, reside no fato de também não haver sombra de dúvida de que os operários não eram donos daquele lugar. Para lidar com a assimetria de poder e de controle sobre o trabalho, os trabalhadores utilizavam-se de táticas astuciosas para dar espaço a seus interesses em meio aos hegemônicos. Segundo Michel de Certeau, a tática consiste na 87 Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana [...] ação calculada que é determinada pela ausência de um [lugar] próprio. Então, nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é movimento ‘dentro do campo de visão do inimigo’, como dizia Büllow, e no espaço por ele controlado. Ela não tem portanto a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia (CERTEAU, 1994, p. 100-101). A astúcia da tática, no caso desses trabalhadores e trabalhadoras com quem convivemos longamente, consistia em se aproveitarem do discurso gerencial, no caso, sintetizado no discurso da “qualidade”. Inteligentemente, os operários sabiam que a condição para serem “ouvidos” era empregar o discurso introduzido e permitido 88 Leny Sato pela empresa, e assim o faziam, de modo a cavarem espaços simbólicos que possibilitassem conduzir mudanças em favor de seus interesses como pessoas e como trabalhadores – no caso específico, os que garantiriam a amenização dos esforços e do sofrimento no trabalho, como, por exemplo, mudança de procedimentos no trabalho e melhoria de condições de higiene e saúde. Uma primeira aproximação com o emprego da palavra “qualidade” veiculada pelos operários e operárias da fábrica davanos a impressão de que a ideologia gerencial era totalmente eficaz, o que era expresso por meio de frases como: “Aqui todo mundo tem que trabalhar com qualidade!”. Porém, ao nos aproximarmos dos significados atribuídos a essa frase, vimos as múltiplas compreensões que nela estavam ancoradas. É essa multiplicidade de significados que guarda a astúcia dos operários e operárias e que torna factível a ancoragem de diversos argumentos nessa frase, sustentando a defesa de interesses os mais diversos, e até mesmo opostos. Assim, se para o staff gerencial, trabalhar com “qualidade” significava adotar uma série de procedimentos de controle durante o processo (controle estatístico de processo, por exemplo), para muitos operários e operárias, trabalhar com qualidade significava respeitar o limite do que para eles e elas era suportável (diminuir a intensidade do ritmo de trabalho, contar com maior número de colegas por linha, ter condições mínimas de conforto). Um dos casos foi protagonizado por um operário do almoxarifado, Paulo. Sua insatisfação deu-se com as condições ambientais de trabalho (espaço físico, bebedouro, ventilação, equipamentos etc.). Muito embora Paulo tenha tido uma atuação individual, seu incômodo era partilhado por cerca de 35 operários que trabalhavam no mesmo espaço, sendo, portanto, um representante de interesses coletivos, mesmo que tal condição não tenha sido 89 Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana explicitada nem pelo representante e nem pelos representados. Embora seu incômodo já fosse sentido há muito tempo, a oportunidade para negociar a melhoria das condições de trabalho com a gerência deu-se quando Paulo tomou conhecimento de que a empresa seria, em breve, objeto de uma auditoria. Observando as preocupações e a movimentação de gerentes e supervisores para prepararem a empresa para essa auditoria (relatórios, padronização de procedimentos, reforma predial, higienização etc.), Paulo começou a desenvolver uma micropesquisa, na qual descobriu que os seus interesses poderiam ser escudados nos interesses gerenciais, e concluiu que algumas de suas antigas reivindicações poderiam, agora, ser alcançadas. Simulando um comportamento deferente para esconder a insubordinação, Paulo, reconhecendo mais uma vez a hegemonia do discurso gerencial, disse: “Aqui na empresa todo mundo tem que falar a mesma língua!”. Seguindo essa máxima, Paulo empregou o eufemismo, nos mesmos moldes em que se empregam hoje as palavras ‘colaboradores’ e ‘parceiros’ para designar os empregados. Ao invés de reivindicações, Paulo apresentou “sugestões de melhoria”, “idéias”, procurou “buscar soluções”. E essa forma de fazer com que reivindicações fossem escutadas foi possível porque todos sabiam, na fábrica, que a direção da empresa, dentro do seu programa de empowerment, queria “discutir idéias porque problemas nós já temos demais, e então eles [a gerência] querem que você apresente uma solução possível” (Paulo). Essa linguagem e essa forma de apresentação pública escamoteavam os conflitos e as contradições, mas foi por meio delas que as negociações cotidianas, denominadas pelos trabalhadores de “conversas”, desenvolveram-se. Desse modo, Paulo, em contato direto com o gerente, “sugeriu” que fossem instalados bebedouros, ampliados os espaços 90 Leny Sato de circulação, instalados ventiladores e providenciadas outras condições que oferecessem maior conforto aos trabalhadores. O argumento apresentado por Paulo ao gerente consistiu em dizer-lhe que, se as condições ambientais fossem melhoradas, isso tornaria a gerência de produção mais bem vista pela equipe de auditoria. Aceitando os argumentos, o gerente garantiu recursos para que as melhorias fossem implementadas. Embora não verbalize, Paulo reconhecia que, para desenvolver o contrapoder e apresentar suas reivindicações, deveria mostrar-se deferente e esconder a insubordinação, pois, ao ser perguntado se os operários podiam falar o que considerassem inadequado na empresa, disse: “Eu vou falar?, vou falar pra quê ?, não sou louco!”. Na fábrica, afirma, os operários têm “medo de assumir uma idéia, uma postura”, e finaliza: [...] se fala em autonomia, iniciativa, criatividade... mas a hierarquia, minha querida Leny, tem que ser seguida, porque dizem, e nunca vai deixar de ser verdade, que a corda só arrebenta do lado do mais fraco, no caso, o nosso. A gente trabalha aqui... [...] só que na minha cabeça sempre vai continuar a certeza de que um dia eu posso sair sem valor nenhum daqui, sabe? [...] com a consciência de que a empresa não é nossa (Depoimento de Paulo). Outra situação ocorrida na mesma fábrica nos mostra como o argumento da “qualidade” foi empregado para negociar, tomandose como foco os esforços e o sofrimento dos trabalhadores. Vejamos: à demanda do gerente para intensificar o ritmo de uma linha de produção, um operador de máquina contra-argumenta: “Sim, eu poderia aumentar o ritmo da máquina, só que vai prejudicar a qualidade!”. Com essa resposta, o operador convenceu o gerente 91 Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana sobre a adequação em manter-se a situação como estava e, com isso, conseguiu evitar que mais esforços fossem despendidos e mais sofrimento vivido, não apenas por ele, mas por suas colegas de linha (as embaladoras). Esses são exemplos do que Stewart Clegg (1992, p. 64) afirma: Onde existem regras, deve existir reinterpretações [...]. As regras não podem jamais fornecer sua própria interpretação. [...] Portanto, estabelecer regras é em si mesmo uma atividade de poder. Porém, esta atividade só se concretiza por ações, processo que constitui a concretização do sentido pelo qual o simbólico fixa-se. Muitos outros casos podem ser encontrados nessa fábrica. Negociações contínuas, muitas vezes invisíveis, acontecem no diaa-dia de uma empresa e versam sobre os problemas que atingem cotidianamente o trabalhador “na pele”. E a necessidade de negociar é explicitada por Antonia, auxiliar de produção: “Não é de qualquer jeito que se tira dinheiro dessa fábrica!”. Os alcances e os limites das negociações cotidianas É necessário trazer alguns apontamentos sobre as negociações cotidianas. Se, de um lado, elas permitem operar micromudanças que, sem dúvida, amenizam o sofrimento, o incômodo e os esforços sentidos pelos trabalhadores no seu dia-a-dia, de outro, há limites importantes postos pelo próprio contexto no qual se dão. Deve-se pontuar que há outras situações nas quais não há qualquer possibilidade de negociação no “chão de fábrica”. As ordens provenientes dos superiores devem ser acatadas, e pronto. A 92 Leny Sato assimetria de poder e de controle, que se materializa, no limite, na possibilidade de demissão, inviabiliza a criação de circunstâncias para a construção de mecanismos de contrapoderes. Há outras situações nas quais, muito embora haja tentativas de se conduzir tais negociações, elas, do ponto de vista dos trabalhadores, fracassam. Justamente porque as negociações cotidianas acontecem num contexto de assimetria de poder e de controle é que elas são de natureza tática e astuciosa. Ademais, é importante ressaltar que a amplitude das mudanças e das melhorias das condições/organização do trabalho é restrita ao que essa micropolítica permite. Dessa forma, como defende Gardell (1982), as ações relativas à Saúde do Trabalhador devem ser conduzidas em múltiplos níveis (local de trabalho, sindicatos e centrais sindicais). Além disso, é importante considerar que a presença de uma legislação do trabalho que garanta e amplie direitos aos trabalhadores e aos seus órgãos de representação, de modo a garantir o suporte necessário para que tais ações se deem, é muito importante. Tal sustentação do Estado mostrase ainda mais relevante num contexto em que a globalização da economia e suas relações com a reestrutuação da produção articulamse a níveis cada vez mais altos de desemprego. E, sabe-se, o desemprego torna-se uma potente arma de controle simbólico sobre os trabalhadores empregados, diminuindo ainda mais o seu poder de barganha. 93 Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana Referências CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. CLEGG, S. Poder, linguagem e ação nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1992. p. 47-66. FREITAS, C. U.; LACAZ, F. A. C.; ROCHA, L. E. 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Podemos dizer que o trabalho realmente dignifica o homem? 1 Este capítulo foi publicado originalmente na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, em setembro de 2002, tendo como título Reflexões acerca das Lesões por Esforços Repetitivos e a organização do trabalho. Para integrar esta coletânea, o mesmo sofreu algumas modificações. 97 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador Partindo do pressuposto de que o homem é genuinamente um produto da natureza, assim como todos os demais seres vivos o são, pelo trabalho ele adquire sua especificidade enquanto um ser à parte dela, ligado a ela, mas não mais indiferenciado. Ele se constituiu e se constitui no responsável pela sua diferenciação e constituição em cada momento do processo de hominização. Até este momento, podemos dizer que, pelo trabalho, o homem se hominizou, transformou-se em homem, mas daí a, pelo trabalho, transformar-se em um ser realmente humano, ainda está longe de acontecer; está à espera de um novo modo de produção que possibilite a libertação dos grilhões do próprio trabalho e deste modo de produção. Embora para os burgueses o trabalho seja compreendido reduzidamente como um meio de produzir riqueza e capital, podemos dizer, contrário a isso, que o trabalho, ao longo de todas as épocas, transformou-se na condição existencial e essencial para o ser humano. Pelo trabalho, o homem não só foi transformando o meio, mas também foi se transformando; foi produzindo o meio e se produzindo; foi produzindo bens materiais necessários à sobrevivência e também bens imateriais, ideais, ou seja, foi produzindo cultura, entendida aqui como o cultivo e a produção do homem. Foi pelo trabalho que o homem foi organizando o meio e se organizando para garantir sua sobrevivência. Isto, porém, não significa necessariamente incorporar aqui qualquer juízo de valor que imprima um caráter de superioridade do homem, como se fosse uma espécie superior, por eleição divina. Se assim o fosse, talvez a condição humana fosse outra. Contudo, por meio do trabalho, muitas vezes, ao invés de encontrar uma condição de humanização, encontramos nele debilitação, doenças a até morte, justamente porque a forma mercadoria se generalizou na sociedade. Assim, não poderia acontecer de modo diferente com o homem, com a educação, com a saúde. Em função disso, neste 98 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale capítulo, pretende-se trazer à discussão a questão do trabalho, sua forma de organização, suas contradições e seus efeitos sobre a saúde dos trabalhadores. Na prática social do conjunto da sociedade, o trabalho constitui-se na questão fundamental. Ou seja, além de ser o meio de garantir a vida material, constitui-se na essência do ser humano. Contudo, a forma de trabalho utilizada para garantir a sobrevivência, muitas vezes, coloca o homem numa situação conflituosa. Se por um lado garante a vida, por outro, contraditoriamente, pode provocar doenças, diminuir a capacidade vital e até provocar a morte. Pelo trabalho, a humanidade, ao longo de seu processo de transformação, desenvolveu experiências, conhecimentos e tecnologias que poderiam resolver a maioria dos problemas sociais. Mas, concentrados nas mãos de poucos e instrumentalizados, prioritariamente, em função do capital e do lucro, ao invés de resolvêlos, agravam-nos ainda mais (ORSO; ANTUNES, 1998). Neste trabalho, pretende-se chamar a atenção para essas contradições. Mais especificamente, pretende-se abordar a organização do trabalho e sua incidência sobre a produção das chamadas doenças do trabalho, particularmente, das Lesões por Esforços Repetitivos (LER), que vêm crescendo assustadoramente e estão sendo consideradas por alguns especialistas e pesquisadores como uma epidemia, como uma questão de saúde pública. Estas lesões vêm sendo objeto de debate, pesquisa, discussão e preocupação em todo o mundo. Contudo, a maioria das pesquisas realizadas até o momento praticamente tem se limitado a estudar suas manifestações, os grupos de incidência, os aspectos psicológicos, as predisposições individuais dos portadores de LER, a ergonomia e as formas de tratamento dos lesionados, que, sem dúvida, é necessário estudar. Ou então, dito de outro modo, pode-se afirmar que a grande 99 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador maioria dos estudos limita-se a uma análise fenomenológica. Todavia, para uma compreensão mais efetiva, esta perspectiva é insuficiente: é preciso buscar as causas que provocam tais lesões e ir à raiz da questão. Mas, mesmo sendo apontada por trabalhadores, associações de lesionados, pesquisadores, profissionais da saúde e até pelo governo como sendo a organização do trabalho a gênese das lesões, poucas são as referências de estudo a esse respeito. Se o trabalho produz o próprio homem, então, ele deve ser o centro de nossa preocupação, pois aquilo que os homens são depende do que e do como produzem sua vida material. Por isso, o objetivo central deste texto é tratar do processo de trabalho e sua relação com a saúde do trabalhador e, principalmente, relacionar a organização do trabalho e a produção das LER. Como diz Bisso (1990, p. 15), “[...] o trabalho foi uma atividade incorporada à própria existência do ser humano”. E o foi de tal forma que se tornou a condição sine qua non da existência humana (apesar de uns viverem à custa de seu trabalho e outros, à custa da expropriação do trabalho de outros). De qualquer forma, o trabalho tornou-se a essência do homem. Através dele, o homem se produz e se reproduz socialmente. Nesse sentido, Marx e Engels (1991, p. 27) dizem que, “[...] ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material”. Mas não o fazem sós e isolados, nem o fazem sempre da mesma maneira e nas mesmas condições. Fazem-no situados historicamente, independente de sua vontade (MARX, 1987), uma vez que a necessidade de sobreviver é muito maior que a vontade, o interesse, o gosto das pessoas em submeter-se a um ou a outro tipo de trabalho, a uma ou a outra condição que lhe é exigida para satisfazer suas necessidades existenciais. Mesmo que não escolham o que fazer para 100 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale sobreviver, o certo é que, “[...] como exprimem a sua vida, assim os indivíduos são. Aquilo que eles são coincide, portanto, com a sua produção, com o que produzem e também com o como produzem” (MARX; ENGELS, 1991, p. 27-28). Como os indivíduos não produzem sozinhos tudo de que necessitam para sobreviver, precisam se organizar. Todavia, no modo de produção capitalista, cuja base da produção é a propriedade privada e nem todos têm propriedade, então, sobrevivem trabalhando no que é seu ou de outro. Ao trabalhador, cuja única propriedade é a sua força de trabalho, a condição de sua existência está na venda da mesma. Para garantir sua sobrevivência na sociedade de classes, como diz Giovani Berlinguer (1983, p. 16), precisa “[...] vender a única mercadoria da qual dispõe, a própria capacidade de trabalho”. E, ao trabalhar numa propriedade que não é sua, ao alienar sua força de trabalho, o trabalhador deixa de escolher as condições em que quer trabalhar, deixa de escolher o que, o como, quando, de que forma, em que condições produzir e se submete à vontade, ao interesse, aos objetivos do capitalista, assim como qualquer instrumento de trabalho, porém, com uma diferença, pois o trabalhador é o único que adiciona valor e produz mais-valia. O fato é que, [...] com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho, e que só encontram trabalho na medida em que este aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se diariamente, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em conseqüência, estão sujeitos a todas a vicissitudes da concorrência, a 101 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador todas as flutuações do mercado (MARX apud BERLINGER, 1983, p. 26-27). Em decorrência disso, [...] a produção capitalista que essencialmente é produção de mais-valia, absorção de trabalho excedente [...], não causa apenas a atrofia da força de trabalho humana, à qual rouba suas condições normais, morais e físicas de atividade e de desenvolvimento; ela ocasiona o esgotamento prematuro e a morte da própria força de trabalho. Aumenta o tempo de produção do trabalhador num período determinado, encurtando a duração de sua vida (MARX apud BERLINGER, 1983, p.34-35). Nessa mesma perspectiva, Engels diz: [...] se a sociedade coloca centenas de proletários numa situação tal que devam necessariamente ser vítimas de uma morte prematura, não natural [...] se subtrai de milhares de indivíduos o necessário para a existência, se os coloca em condições nas quais nao podem viver [...] isto é assassinato, exatamente como a ação de um só, assassinato oculto e traiçoeiro [...] é sempre um assassinato (ENGELS, 1991, p. 120-121, grifo nosso). Na sociedade de classes, o homem deixa de ser o centro, que passa a ser ocupado pelo capital; as condições de trabalho e a própria organização do trabalho passam a ser direcionadas à produção e ao 102 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale lucro e não para a satisfação e bem-estar do homem. Por isso, embora o trabalho deva ser considerado como um meio de vida, não é raro que nele o trabalhador encontre acidentes, doenças, degradação, mutilação e até a morte. Por essa razão, as condições e a organização do trabalho são fatores importantes a se considerar quando se pensa no tipo de vida que o trabalhador leva e nos tipos de acidentes e doenças provocados pelo trabalho. Conforme analisam Marx e Engels, [...] o crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojando o trabalho do operário de seu caráter autônomo, tiraram-lhe todo atrativo. O produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de manutenção que lhe são necessários para viver e perpetuar sua existência. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao custo de sua produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Mais ainda, a quantidade de trabalho cresce com o desenvolvimento do maquinismo e da divisão do trabalho, quer pelo prolongamento das horas de labor, quer pelo aumento do trabalho exigido em um tempo determinado, pela aceleração do movimento das máquinas, etc. (MARX; ENGELS, 1986, p. 27). Em decorrência da ampliação das exigências, acumulam-se problemas para o trabalhador. Dentre os problemas que ele enfrenta, relacionados à organização do trabalho, poderíamos citar uma 103 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador infinidade de acidentes, que, mesmo analisados por si só, já causam preocupação devido ao número e à gravidade com que acontecem. Mas o trabalho não produz só acidentes: “[...] além dos acidentes do trabalho, que são processos que causam lesões imediatas nos trabalhadores, devemos considerar também que certas condições ambientais ou atividades de trabalho irão fazer como que, após algum tempo, o trabalhador adoeça” (BISSO, 1990, p. 46). Dentre as doenças causadas pelo exercício de determinadas atividades profissionais denominadas doenças do trabalho, temos, como exemplos, a silicose, a asbestose, a surdez, o reumatismo, a pneumonia, distúrbios digestivos, neuroses e infartos, alergias, dermatites, escoliose, câncer, hérnias e a tenossinovite (LER). E, além dessas, poderíamos citar infindáveis outras. Segundo Berlinger (1983, p. 126), “[...] as causas destas doenças devem ser procuradas nas condições ambientais nas quais o operário é obrigado a trabalhar [...]”, nas disfunções estruturais, na falta de prevenção adequada, nos altos ritmos de trabalho, na falta de espaço, na falta de preparo profissional, na falta de normas ou na desobediência às normas de segurança, na imposição de ritmos de trabalho impossíveis ou quase impossíveis de serem atingidos. Enfim, devemos buscar as causas num tipo de organização do trabalho que está voltada para a racionalização dos processos, para a maximização dos lucros com o mínimo de custos possíveis, transformando o trabalhador num meio para a concretização desses fins. Isto faz com que suas condições psicofísicas piorem, a tensão nervosa aumente, o trabalho torne-se monótono e extenuante, provocando diminuição da atenção, confusão dos reflexos, desgaste e diminuição da resistência, acarretando-lhe acidentes e doenças do trabalho. Esses fatores e a demanda por mais trabalho, maior produtividade e mais horas também está por trás da LER, que, de 104 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale acordo com a norma de 1993, é considerada como a mais grave doença relacionada ao trabalho, na sociedade moderna. Dentre as diversas caracterizações da LER, podemos destacar três. A primeira, estabelecida pelas próprias Normas Técnicas para Avaliação das Lesões por Esforços Repetitivos, adota a terminologia LER [...] para as afeções que podem acometer tendões, sinóvias, músculos, nervos, fáscias, ligamentos, isolada ou associadamente, com ou sem degeneração de tecidos, atingindo principalmente, porém não somente, os membros superiores, região escapular e pescoço, de origem ocupacional (BRASIL, 1993, p. 7). A segunda, apontada por Yeng, caracteriza as lesões por esforços repetitivos como “[...] acometimento de estruturas ósseas, musculares, tendíneas, nervosas e do tecido conjuntivo que lhe dá sustentação em decorrência de solicitações cumulativas excessivas e repetitivas de um segmento do corpo” (YENG, 1995, p. 89). A terceira caracterização, realizada por Joanna Bawa, diz: As lesões por esforços repetitivos (LER) não são uma doença específica; é o nome para uma série de distúrbios que atingem principalmente o pescoço, ombros, membros superiores, mão e punhos. Apesar de as evidências mostrarem o contrário, as LER não surgiram de uma hora para outra. Suas altas e repentinas notoriedades devemse ao fato de terem sido identificadas – isoladas como uma condição específica, resultado de sua gradativa predominância dentro do mundo industrializado. Tem sua origem no local de 105 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador trabalho, sendo muito frequente entre trabalhadores submetidos a determinados fatores organizacionais (BAWA, 1997, p. 57-58). Nessas caracterizações, são apontados como fatores desencadeadores a ocupação do trabalhador, as solicitações cumulativas excessivas e repetitivas e os fatores organizacionais. Já em relação à terminologia, existem várias: LER (Lesões por Esforços Repetitivos), LTC (Lesões por Traumas Cumulativos), DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) – todas aceitas no Brasil. Mas, além dessas, há outras: RSI (Repetitive Stain Injury), na Austrália; OCD (Occupational Cervicobrachial Disorder), no Japão; CTD (Cumulative Trauma Disorders), nos EUA. Porém, mesmo que a denominação da patologia não seja igual em todos os países, há quase um consenso em praticamente todos eles quanto às possíveis causas da doença: a organização do trabalho e os fatores psicológicos (COUTO et al., 1998). Dentre os muitos sintomas ocasionados pelas lesões por esforços repetitivos, citamos alguns, tais como: dor, dormência, ardor, fraqueza, peso, fadiga, queimação, sensação de frio e inchaço nos membros superiores, cãibras, distúrbios do sono, diminuição da agilidade dos dedos, incapacidade de manutenção da força motora e de permanecer sentado por muito tempo, enrijecimento doloroso da musculatura, limitação dos movimentos das articulações, alta sensibilidade, sinais de distrofia simpático-reflexa, dificuldade para pegar e manusear pequenos objetos, para manter os membros superiores elevados, para escrever, para segurar telefone, para carregar sacolas e bebês, para pentear, para dirigir (SETTIMI; SILVESTRE, 1995). Como diz Bawa (1997, p. 72), 106 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale [...] a fadiga muscular é a precursora das lesões por esforços repetitivos. Ela não é a causa direta, mas os músculos cansados do trabalho constante em uma sequência repetida estão mais predispostos a ser usados de uma forma nada saudável. Por exemplo, a digitação por um tempo prolongado causará uma sensação generalizada de fadiga nas mãos, punhos e antebraços, o que encorajará o digitador despreparado a largar os braços sobre a mesa. Isso pode aliviar a fadiga, mas força o trabalhador a flexionar os pulsos aproximadamente em um ângulo agudo para alcançar as teclas. E é essa flexão que leva à pressão e à compressão dos tendões e, por fim, à tenossinovite e à síndrome do túnel do carpo2. Apesar das lesões por esforços repetitivos serem mais evidentes na atualidade, o surgimento dos primeiros casos documentados remonta ao ano de 1700, registrados pelo médico italiano Bernardino Ramazzini, que angariou o epíteto de Pai da Medicina do Trabalho. Ele observou o desenvolvimento de processos de adoecimento em trabalhadores que precisavam manter ‘qualquer postura específica dos membros’ ou realizar ‘movimentos não naturais do corpo’ enquanto desempenhavam suas funções. Ramazzini também descrevia as rotinas diárias de ‘escribas e notários’ e explicava 2 Tenossinovite e síndrome do túnel do carpo são os dois tipos mais comuns de LER. 107 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador as ‘enfermidades’, que eram resultado de ‘contínuo e sempre o mesmo movimento da mão (BAWA, 1997, p. 58). Ramazzini narrou o caso de um trabalhador (escriba) que, “[...] devido à fraqueza e à dor contínuas no braço direito, ‘as quais não se curavam com remédio algum’, aprendeu a escrever com a esquerda, ‘que logo seria acometida do mesmo mal’” (BAWA, 1997, p. 58). Mais tarde, Charles Turner Thackrah, em 1832, fala dos efeitos do “excesso de trabalho”. E, em 1893, Gray’s Anatomy refere-se à “entorse de lavadeira”, um inchaço do tendão provocado por movimentos como torcer tecidos. Ambos destacam como fator comum os movimentos repetitivos e frequentes de um grupo isolado de músculos, enquanto o resto do corpo permanece horas a fio parado na mesma posição. Como vimos, as LER ou DORT não são uma condição nova na vida dos trabalhadores. Mas, [...] apesar da existência das LER antes do início da Revolução Industrial, somente depois de 1980 a expressão ‘lesões por esforços repetitivos’ foi criada. Aconteceu na Austrália, após uma aparente epidemia de problemas musculares e ósseos entre funcionários de escritórios. A incidência de pessoas que se queixavam de dores, formigamentos e insensibilidade nos membros superiores começou a crescer de maneira dramática por volta de 1981, passando de um a nove pacientes por dez mil para seis novos pacientes a cada mil trabalhadores em 1987 (BAWA, 1997, p. 63). 108 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale O problema vem se agravando. Recentemente, o jornal britânico Financial Times e a empresa de telecomunicações British Telecom tiveram de pagar altas indenizações a funcionários que os processaram, alegando que seus empregadores eram os maiores responsáveis por seus casos de incapacitação devido às LER. Onze digitadoras entraram com uma ação conjunta, mencionando “anos de dor e sofrimento” como razão que motivou o processo. Elas tinham de digitar até treze mil caracteres por hora, sob a ameaça de perderem o emprego, e sofriam descontos no salário se os dados não fossem rapidamente digitados. Muitas vezes, o aumento de salário e as promoções eram determinados pela velocidade do trabalho (digitação), monitoradas por computadores, mesmo que muitas digitadoras não recebessem qualquer treinamento formal no teclado. Além das exigências da função, as mulheres não contavam com cadeiras ajustáveis nem eram instruídas sobre saúde no trabalho e, caso sua taxa de digitação baixasse para menos de dez mil toques por hora, eram verbalmente ameaçadas. Muitas funcionárias usavam talas ou bandagens para trabalhar e acabaram ficando incapacitadas para a utilização das mãos em tarefas corriqueiras, como lavar e pentear os cabelos ou cozinhar. A LER está crescendo assustadoramente. A partir da década de 1990, ela passa a ser considerada um dos distúrbios ocupacionais mais difundidos entre os trabalhadores. Nos EUA, o Bureau of Labor Statistics (Escritório de Estatísticas Trabalhistas) registrou as LER como as responsáveis por 61% das doenças ocupacionais em 1991. [...] O ano de 1992 registra para os americanos 281.800 novos casos de LER somente no setor privado. Em 1993 atinge a casa dos 300 mil novos casos. E 109 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador em 1994 quase 350 mil novos casos invadem o mercado de trabalho americano (BAWA, 1997, p. 62). Se tomarmos os dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, veremos que, “em 1998, nos Estados Unidos, ocorreram 650 mil casos de LER/DORT, responsáveis por dois terços das ausências ao trabalho, a um custo estimado de US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)” (O’NEILL; MORÁS, 2001). Outro problema torna a LER ainda mais preocupante: tratase de uma síndrome que, mesmo que lhe seja atribuída uma dificuldade no diagnóstico, envolve patologias já conhecidas por muitos especialistas médicos (OLIVEIRA, 1998). Por se constituir numa doença em que o diagnóstico é fundamentalmente clínico, os trabalhadores ficam submetidos à “autoridade” de médicos para que eles possam ser reconhecidos como pessoas portadoras de uma doença relacionada ao trabalho. Mas é comum encontrar doentes que não apresentem sinal clínico algum com efeito visível. Bawa diz que, [...] em sua primeira ‘epidemia’ verdadeira, na Austrália do início da década de 1980, menos de 5% dos casos registrados de LER eram oficialmente diagnosticados como síndrome do túnel do carpo, epicondilite (cotovelo de tenista) ou tenossinovite. Os 95% restantes não apresentavam quaisquer sinais objetivos com testes radiológicos, vasculares, patológicos, de eletrodiagnóstico ou qualquer outro fisiológico. Esse extraordinário desequilíbrio entre doenças mensuráveis e faltas no trabalho levou à rotulação 110 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale das LER como ‘o mal dos preguiçosos’, e suas vítimas foram chamadas de ‘gazeteiros’ (BAWA, 1997, p.54-55). A dificuldade no diagnóstico e o fato de ser uma doença relacionada à organização do trabalho têm gerado uma série de malentendidos e preconceitos em relação aos lesionados. Alguns acham que é fantasia de trabalhador preguiçoso, problema de pouca autoconfiança, medo, fr ustração; outros chamam a LER pejorativamente de doença de mulher, tratando-a como um problema emocional ou sintoma histérico. Ou seja, trata-se de descaracterizar a LER como doença do trabalho, pois, se for comprovada, a relação organização do trabalho/LER certamente provocará um questionamento sobre toda a estrutura social. No entanto, a LER/DORT passou a ser uma questão de saúde pública devido aos expressivos casos que estão ocorrendo. Por exemplo, em 2001, [...] no Banco do Brasil, um entre quatro funcionários, apresentavam algum sintoma de LER/DORT. As empresas, em sua maioria, não têm conhecimento dos níveis dessa doença em seus quadros funcionais (O’NEILL; MORÁS, 2001). Mesmo que alguns procurem descaracterizar a LER, seja pelo motivo que for, o fato é que ela existe, atestada por milhares de trabalhadores acometidos pelas lesões, por profissionais ligados à saúde, por pesquisadores e até pelos órgãos governamentais. A maioria 111 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador desses pesquisadores e entidades admitem que a LER está relacionada a um determinado tipo de organização do trabalho. Aliás, não se tem referência de nenhum caso de LER em que o portador não tenha realizado ou não esteja realizando algum tipo de trabalho. Mesmo que não se saiba exatamente o modo como o trabalho ou sua organização interfere no organismo humano e produza tal lesão, é quase um consenso de que está relacionada com a organização do trabalho. Por isso, dada a importância do trabalho para o ser humano, para a produção e manutenção da vida (FREIRE, 1995) e do próprio homem, é preciso que os pesquisadores auxiliem a compreender melhor esta epidemiologia, sua etiologia e sua profilaxia. Também é necessário realizar estudos sobre a organização do trabalho e suas implicações para o ser humano, para que, ao invés de ser sinônimo de dor, destruição, degradação e morte, o trabalho se transforme em sinônimo de melhores condições de vida para todos. A organização do trabalho na sociedade capitalista volta-se prioritariamente ao capital em detrimento do ser humano. “O trabalho [...] sob o capitalismo é trabalho alienado e implica o uso deformado e deformante tanto do corpo como das potencialidades psíquicas” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 116). Este tipo de trabalho acarreta “[...] movimentos estereotipados, redução do trabalhador à condição de autômato, de robô, fatores esses de decisiva importância na origem da tensão pela dissociação corpo-mente, conforme preconiza a interpretação estruturalista das causas das LER” (COUTO et al., 1998, p. 44). Como se pode perceber, existem reiteradas referências a respeito da LER e sua relação com a organização do trabalho. Ribeiro (1997) chega a ser enfático ao afirmar que a LER é uma doença inequivocamente relacionada ao trabalho. O grupo que mais tem 112 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale pesquisado sobre a LER no Brasil, em Belo Horizonte, também afirma que “[...] os resultados da investigação indicam que a LER é uma doença cuja gênese está relacionada tanto às condições materiais quanto à organização do trabalho” (RIBEIRO, 1997, p. 21). O pesquisador Francisco de Paula Antunes Lima, integrante desse grupo, diz que “[...] a LER não pode ser atribuída à tecnologia [...] e que o foco de análise deve ser recentrado nos aspectos organizacionais” (LIMA; ARAÚJO; LIMA, 1997). Há uma concordância quanto à relação entre a organização do trabalho e as LER, ainda que não se tenha estudos que explicitem como, quando, de que forma e em que condições aquela interfere e contribui para a produção desta. Devido à importância da questão, O reconhecimento da dimensão e transcendência das LER tem suscitado nos últimos anos, inúmeros seminários, congressos e pesquisas, algumas multicêntricas, não pairando qualquer dúvida aos institutos, centros e grupos que pesquisam as inter-relações do trabalho com a saúde, de que o trabalho repetitivo, a sobrecarga músculo-esquelética estática e a nova organização do trabalho, aliadas à automação estão estreitamente associadas na causalidade das LER (RIBEIRO, 1997, p. 25). Nos anos de 1990 e nesta década, as tenossinovites e as síndromes do túnel do carpo tiveram um crescimento expressivo e não param de crescer. As exigências de maior produtividade, competição e concorrência, pressão de todos os lados sobre os trabalhadores, estão potencializando o aparecimento de lesionados. 113 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador Contudo, [...] é errado afirmar que antes do sistema de organização do trabalho proposto por Taylor, Ford e Gilbreth não houvesse LTC. Mas podese afirmar ter a incidência destas lesões aumentado exponencialmente após a instituição deste tipo de organização do trabalho numa fábrica ou num escritório (RIBEIRO, 1997, p. 237). As mudanças ocorridas na organização do trabalho têm sido intensas. Muitas delas realizadas sem pesquisas prévias para avaliar o impacto de tais mudanças para a saúde e para a vida dos trabalhadores, para o meio e para o conjunto da sociedade. No Brasil, as lesões por esforços repetitivos começaram a ser descritas em meados da década de 1984, mas só mais tarde foram reconhecidas como doença do trabalho. Na época, chamou a atenção o impacto da velocidade de trabalho e dos incentivos à produção existentes nas empresas, com pagamento de adicionais de produtividade e de privilégios para quem digitasse mais e se dispusesse a fazer horas-extras e a dobrar turnos (COUTO et al., 1998, p. 30). Além disso, “pelas plagas brasileiras, também em 1994 o Centro de Referência de Saúde do Trabalhador de São Paulo (CEREST-SP) registrou que de 1.598 trabalhadores atendidos com doenças ocupacionais 65,4% sofriam de LER (BAWA, 1997, p. 62). No Brasil os dados apresentados no Relatório Anual de 1995, elaborado pelo Núcleo de Saúde do Trabalhador de Minas Gerais, são bastante reveladores e nos permitem ter uma ideia da gravidade da situação. Segundo este relatório, 114 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale [...] a LER ocupa, entre as doenças profissionais, o primeiro lugar em número de atendimentos, no decorrer de 1995. Foram atendidos 1160 casos de LER, o que significou 70,6% do total dos atendimentos [...]. Os trabalhadores mais jovens continuam sendo os mais atingidos por essa doença [...] um contingente enorme de trabalhadores jovens e produtivos está sendo atingido e lesado em sua capacidade laborativa e funcional, ficando muitas vezes afastado por longos períodos e até incapacitado para o trabalho (LIMA; ARAÚJO; LIMA, 1997, p. 11). A preocupação começa a mexer com os empresários e com o governo devido aos altos custos que ela acarreta. Segundo o economista José Pastore, da USP, o governo brasileiro gasta cerca de R$ 20 bilhões com acidentes e doenças relacionadas ao trabalho e as empresas despendem outros R$ 15 bilhões por ano (O’NEILL; MORÁS, 2001). Atualmente, as LER constituem um tema de preocupação central em um grande número de países industrializados e prevê-se que elas vão se tornar um dos principais problemas laborais nos próximos anos. Os dados disponíveis mostram que a incidência das LER está aumentando na maior parte dos países industrializados. Segundo Castro et al. (1994, p. 142), as lesões por esforços repetitivos já se constituem numa questão de saúde pública. Como já observamos, se não bastasse a grande incidência de casos de LER que estão ocorrendo, outros fatores agravam ainda mais a situação dos lesionados. A imprecisão nas causas e, consequentemente, na profilaxia, tem provocado nos portadores de LER situações conflituosas, tanto no âmbito individual e familiar 115 Processo de Trabalho e saúde do trabalhador quanto no social. Além disso, enfrentam o descaso por muitos profissionais que atuam nos órgãos governamentais responsáveis. Através de muitas referências, parece-nos que tornamos evidente a existência de relação entre a organização do trabalho e a produção das LER. Ao chegarmos ao final deste capítulo, voltamos à premissa inicial: se o trabalho produz o homem, constitui-se na sua essência. Dadas as constatações feitas, perguntamo-nos: que tipo de homem e sociedade estamos produzindo a partir da forma como nos organizamos para garantir a nossa sobrevivência? Ao que parece, o trabalho aproxima-se de seu sentido etimológico: tripalium, ou seja, instrumento de tortura. Depois que vimos tudo isso, perguntamo-nos novamente: o problema está onde: no trabalho, na tecnologia ou no modo de produção e organização do trabalho? Vimos que o trabalho é algo que foi incorporado à vida do homem, tornou-se sinônimo do próprio homem, ou seja, a sua essência. Portanto, trata-se de colocar o trabalho a serviço do homem e não o homem a serviço do trabalho, que se tornou sinônimo de capital. Então, trata-se de superar a organização da produção da vida centrada no capital e não no homem. No caso da LER, já foram feitas muitas pesquisas e escritos muitos trabalhos sobre as predisposições individuais, os fatores psicológicos, a ergonomia. Contudo, sobre a questão aqui enfocada, existem poucos. Torna-se, portanto, necessário que estudos e pesquisas sejam feitas, tanto para desvelar esta relação, quanto para contribuir com sua profilaxia e com a produção de um mundo humanizado. Mas isto somente as classes que ora enfrentam a burguesia, somente o proletariado como uma classe verdadeiramente revolucionária pode enfrentar (MARX; ENGELS, 1986, p. 29). Entretanto, é preciso que se repense e se transforme todo o processo de trabalho, isto é, é preciso refletir sobre o que e como os homens 116 Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale produzem e se produzem se quisermos pensar e enfrentar de fato os problemas relacionados à saúde dos trabalhadores para que, ao invés de debilitação, doenças, sofrimento e morte, o trabalho torne-se condição de vida e dignidade. Referências AMARAL, L. A. Atividade física e diferença significativa/deficiência: algumas questões psicossociais remetidas à inclusão/convívio pelo. In: Congresso Brasileiro de Atividade Motora Adaptada, 4., 2001, Curitiba. Anais... Curitiba: SOBAMA, 2001. p. 30-31. BAWA, Joanna. Computador e saúde. Trad. Eduardo Farias. São Paulo: Summus, 1997. BERLINGUER, Giovani. A saúde nas fábricas. Rio de Janeiro: CEBES-HUCITEC-OBORÉ, 1983. BISSO, Ely Moraes. O que é segurança do trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1990. BRASIL. Instituto de Previdência e Assistência Social. LER: normas técnicas para avaliação da incapacidade. 1993. Mimeografado. CASTRO, Ana Lúcia de et al. Mulher, Muler: saúde, trabalho, cotidiano. 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Além das estatísticas, a divulgação desses eventos ilustra a gravidade da situação das condições de saúde, das condições e do ambiente de trabalho, como bem ilustram as notícias que a imprensa vem publicando: mortes de operários jovens têm sido constante; setores que apresentam maior gravidade no quadro de acidentes ainda continuam não investindo na prevenção; o processo de terceirização acelerada e predatória tem contribuído cada vez mais para o aumento desses agravos; as doenças relacionadas ao trabalho, segundo informações do INSS, têm aumentado, por conta principalmente do uso de um novo instrumento utilizado pela Previdência Social, denominado de Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. 119 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho Mesmo reconhecendo que o processo saúde-doença dos trabalhadores não é determinado apenas no âmbito da fábrica, do processo de produção e de trabalho, é indiscutível o papel e a importância dos riscos para a saúde gerados em processos de trabalhos particulares. Portanto, inúmeros são os fatores que contribuem para provocar agravos na saúde do trabalhador, dentre os quais se destacam as denominadas “cargas de trabalho”, que abarcam aspectos como poeiras, substâncias químicas tóxicas, ruído, vibração, calor ou frio excessivos, radiações ionizantes e não-ionizantes, microorganismos, posturas e movimentos requeridos pelo trabalho, tensão, monotonia, relações autoritárias e conflituosas com as chefias e as gerências. A situação da saúde dos trabalhadores De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que há mais de 200 milhões de desempregados no mundo. Esse índice nunca foi alcançado em outros tempos. Chama a atenção o fato de a metade dos que estão trabalhando (1,4 bilhão de pessoas) viver com menos de dois dólares por dia; ou seja, soma-se à população pobre. A OIT constata ainda que 86 milhões de desempregado, cerca da metade do total das pessoas nessa condição, são jovens entre 15 e 24 anos. Outra situação que continua sendo um agravo para a sociedade é a persistência do trabalho infantil: uma em cada sete crianças no mundo continua desenvolvendo algum tipo de trabalho infantil. Esses fatos contribuem para a piora das condições de vida dos trabalhadores no trabalho e levam ao aparecimento de mais acidentes e, principalmente, de mais doenças. Diante das condições de pobreza e da possibilidade de ficarem desempregados, os trabalhadores são obrigados a aceitar qualquer condição de trabalho, 120 Zuher Handar pois o que está em jogo, nesse momento, é a própria sobrevivência e a de sua família. O panorama mundial da Segurança e Saúde no Trabalho também é bastante preocupante, conforme mostram os dados divulgados pela OIT desde 2005. A cada ano, ocorrem cerca de 270 milhões de acidentes de trabalho não-fatais, que resultam em, no mínimo, três dias de afastamento do trabalho. Chama a atenção, ainda, o número divulgado de novos casos de doenças relacionadas ao trabalho que surgem a cada ano: 160 milhões. É importante observarmos que esses dados demonstram que os agravos do trabalho, que geram milhares de novos casos de doentes pelo trabalho, configuram um grande desafio que a sociedade precisa enfrentar. Essa é a preocupação que devemos ter neste momento, não desconsiderando a importância que os acidentes têm também na vida dos trabalhadores. No entanto, apesar dos índices elevados, a informalidade não permite que se chegue ao número real de doentes e acidentados. O trabalho tem gerado danos e agravos que ficam escondidos e subnotificados. No Brasil, somente 5% das notificações ao INSS são provenientes da economia formal. Os dados da OIT ainda indicam que morrem anualmente mais de dois milhões de trabalhadores por acidentes e doenças do trabalho, o que representa cerca de 6.000 mortes diárias. Desse total, mais de 70% representam morte por doença do trabalho. De acordo com a Tabela 1 abaixo, os casos de óbito por acidente e por doença relacionada ao trabalho são distribuídos em vários sistemas e aparelhos do corpo humano, com destaque para as doenças do aparelho circulatório e as neoplasias, além das doenças transmissíveis. 121 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho TABELA 1 – Estimativas mundiais de acidentes e de doenças fatais relacionadas aomundiais trabalho, separadas por gênero (OIT 2000) TABELA 1 – Estimativas de acidentes e de doenças fatais relacionadas ao trabalho, separadas por gênero (OIT 2000) Causas Doenças transmissíveis Neoplasias malignas Doenças do sistema respiratório Doenças do sistema circulatório Afecções neuropsiquiátricas Doenças do sistema digestivo Doenças do sistema geniturinário Acidentes e atos de violência no local de trabalho Mortalidade total Mortalidade relacionada ao trabalho, homens Mortalidade relacionada ao trabalho, mulheres 108.256 570.008 127.226 517.404 64.975 17.562 Mortalidade relacionada ao trabalho, estimativa total 625.660 634.984 144.788 337.129 112.214 449.343 18.827 5.384 24.212 16.307 4.959 21.266 9.163 1.200 10.362 311.493 34.226 345.719 1.498.409 757.924 2.256.334 Fonte: informações disponíveis em <www.ilo.org/safework>. Ainda de acordo com os organismos internacionais, o custo dos acidentes e das doenças do trabalho gera um custo muito grande para a sociedade, que pode ser dividido em duas categorias: custo humano-social e custo econômico para as empresas e para o país. É indiscutível o impacto do custo humano e social para os trabalhadores e suas famílias, gerando dor e sofrimento para todos, desagregando as relações sociais e familiares. Por outro lado, o custo econômico não pode deixar de ser considerado, pois ele contribui para enormes perdas de recursos públicos, que poderiam estar sendo direcionados para setores mais prioritários e para políticas de prevenção e de promoção da saúde e da vida das pessoas. 122 Zuher Handar Ademais, o custo para as empresas também é grande. Entretanto, infelizmente, elas não percebem isso. Não conseguem enxergar que há um custo direto e indireto produzido pelo afastamento do trabalhador, custo esse demonstrado pelo pagamento das indenizações, pela perda de tempo de trabalho, pela interrupção da produção, pelos gastos com a formação e a requalificação de novos trabalhadores, bem como com a reabilitação dos trabalhadores atingidos, além de tantos outros prejuízos. De acordo com pesquisas realizadas, estima-se que se gaste 4% do PIB global anualmente com problemas de saúde relacionados ao trabalho. Somente em 2001, foram gastos 1,23 bilhões de dólares com os acidentes e as doenças do trabalho. Acidentes de trabalho no Brasil Nos últimos dez anos, o Brasil apresentou aproximadamente 500 mil casos de acidentes e de doenças notificadas pelo sistema previdenciário. Ou seja, esse índice refere-se somente à parcela dos trabalhadores que compõem a economia formal, que têm o regime de trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que estão segurados da previdência social. De acordo com dados de instituições de pesquisas, esse número deve aumentar de três a quatro vezes se considerarmos os trabalhadores que estão à margem do sistema, ou seja, que estão na informalidade. Dos dados registrados pela Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), 80% dos problemas de saúde referem-se a acidentes típicos, e somente 5% são registros de doenças relacionadas ao trabalho, restando então 15% para os acidentes de trajeto. Esses dados podem estar sofrendo uma transformação significativa, levando-se em consideração a implantação do Nexo Técnico Epidemiológico 123 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho Previdenciário (NTEP), que começou a ser implantado em 2007 e provocou o aumento do número de notificações de doenças do trabalho. Os dados parciais demonstram que, devido ao NTEP, houve um aumento de registro de doenças ocupacionais entre fevereiro e dezembro de 2008, época em que a pesquisa foi realizada. Esse crescimento está acima de 130%. As notificações de doenças do sistema osteomuscular – incluídas aí as lesões por esforço repetitivo (LER), que representam 84,77% do total das doenças do trabalho – aumentaram 512,3%, segundo dados do Ministério da Previdência. Se considerarmos somente as notificações advindas da economia formal, a mortalidade por acidente e por doença relacionados ao trabalho continua em patamar elevado, oscilando nos últimos dez anos entre 10 a 15/100.000 trabalhadores. Esse número é três a quatro vezes maior do que o índice apresentado por países desenvolvidos, principalmente pela Europa. TABELA 2 – Acidentes de trabalho registrados no Brasil entre 1995 e 2005 124 Zuher Handar De acordo com os dados, é alarmante o número de mortes de trabalhadores com menos de quarenta anos de idade e o número de incapacitados total e permanente para o trabalho, que corresponde a aproximadamente 15.000 trabalhadores por ano. Se somarmos as incapacidades e as mortes (que geram um benefício de pensão), cerca de 18.000 benefícios são gerados anualmente, engrossando as contas da Previdência Social. Ao analisar a série histórica dos últimos dos últimos vinte anos, observamos uma diminuição do número de acidentes de trabalho e de óbitos relacionados ao trabalho. Não há dúvida de que houve melhora das condições de trabalho em alguns setores, como também reconhecimento da situação por parte de muitos empresários, que têm contribuído para mudar a triste realidade. Entretanto, essa mudança é ainda incipiente, pois a realidade atual ainda é dura e penosa, o que requer que atitudes mais incisivas sejam tomadas. A ideia, criada pelo sistema capitalista, de que a causa dessa situação está vinculada ao descuido dos trabalhadores faz com que muitos programas das empresas se concentrem em ações relacionadas unicamente à prevenção dos acidentes de trabalho, principalmente no que tange à mudança de comportamento dos trabalhadores. Com isso, deixa-se de lado a análise dos reflexos que o processo de globalização e de reestruturação produtiva tem trazido para a produção de doenças do trabalho, pois essas mudanças têm transformado a maneira de trabalhar, bem como o gerenciamento e a gestão do processo produtivo e de trabalho, impondo aos trabalhadores muita dor e sofrimento. 125 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho Evolução da relação de trabalho e dos processos produtivos O processo de produção tem início com a Primeira Revolução Industrial, por volta de 1700, com a invenção da máquina a vapor, por James Watt. Nesse período, há um imenso fluxo migratório da área rural para as cidades, motivado pela busca por trabalho nas fábricas. Com o crescimento das cidades, há também a preocupação com a situação da saúde pública, já que aumenta o risco de epidemias devido à desorganização urbana e à falta de saneamento. No que tange ao mundo do trabalho, as características desse período são: trabalho pesado e insalubre na indústria têxtil, controle autoritário, agressões físicas, ameaças, castigos, longas jornadas, condições de trabalho precárias, salários baixíssimos, movimento sindical frágil, tímida função reguladora do Estado, sem proteção social, acidentes de trabalho graves. A Segunda Revolução Industrial é marcada pela administração científica do trabalho, pela produção em série e pelo surgimento das esteiras. Esse processo tem como marca a presença de Taylor e Ford, e, por isso, também é conhecido como modelo Taylorista-Fordista. Nos moldes tayloristas, a administração científica do trabalho prega a racionalização da organização do trabalho e a observação do modo de se fazer, pela descrição e pela medição do que se faz. A preparação do trabalho passou a ser atribuição de especialistas, e o único e melhor método de execução como norma a ser seguida permanentemente pela empresa. Nesse contexto, prega-se o princípio do “homem certo no lugar certo.” As fábricas tinham estruturas organizacional rígida, hierarquizada e permanente vigilância, feita por supervisores, característica que persiste ainda nos nossos tempos. O modelo fordista inicia o processo de trabalho com a criação das esteiras rolantes, unindo as tarefas individuais e sucessivas. O 126 Zuher Handar trabalhador fica isolado, sem comunicação. Dá-se continuidade ao processo de absorção do saber do trabalhador. Esse modelo fixa uma cadência regular de trabalho e reduz o transporte entre as operações. Os trabalhadores ficam mais submetidos ao ritmo automático, à cadência das máquinas, à rotina, executando várias vezes um mesmo movimento em uma linha de montagem. A divisão do trabalho e a divisão das tarefas se intensificam. Portanto, nesse modelo, a organização do trabalho em linha de montagem contribui para evitar o deslocamento do trabalhador de um posto a outro, evitando, assim, o contato entre os trabalhadores. Assim, o capital controla o seu medo: a articulação entre a categoria. Marca ainda esse processo o ritmo de trabalho determinado pela velocidade da esteira. O trabalho é exaustivo até a fadiga. Procura-se quantificar a produção, não mais pela vontade do trabalhador, mas pela vontade da máquina e dos supervisores. Com a fixação do trabalhador em determinada posição, evita-se a perda de tempo e são aperfeiçoados os movimentos, garantindo, assim, mais rapidez ao processo de trabalho. A produção passa a ser feita em grandes volumes, garantindo redução dos preços e aumento do lucro. Essa busca exagerada pela produtividade trouxe problemas, tais como o desencadeamento de distúrbios osteomusculares por sobrecarga funcional, pois, para aumentar o ritmo, coloca-se a pessoa mais hábil na primeira posição da linha de montagem, com o objetivo de puxá-lo. Associado a isso, estímulos com pagamento de adicional de produtividade são implantados, sem a análise da condição de execução do trabalho. Atualmente, vivemos a Terceira Revolução Industrial, ou, ainda, o início da Quarta Revolução Industrial. Nesse período, vivemos questões essenciais de uma política mundial, caracterizada por: 127 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho - Profundas mudanças nos processos de trabalho; - Forte tendência de terceirização da economia dos países desenvolvidos; - Início do declínio do setor secundário industrial e o crescimento acentuado do setor terciário (serviços); - Mudança do perfil da força de trabalho empregada; - Transferência de indústrias para o Terceiro Mundo – uma verdadeira transnacionalização da economia –, principalmente daquelas que provocam poluição ambiental ou risco para a saúde (asbesto, chumbo, agrotóxicos e outros), e das que requerem muita mão-deobra com baixa tecnologia, como é o caso típico das fábricas que rapidamente se instalam nas “zonas livres” ou “francas”, mundo afora. Os países do Terceiro Mundo, pressionados pela recessão que se instala universalmente, buscam o desenvolvimento econômico a qualquer custo e aceitam ou estimulam essa transferência das indústrias, supostamente capaz de amenizar o desemprego e de gerar divisas. Num nível “micro”, observa-se a rápida implantação de novas tecnologias, a automação (máquinas de controle numérico, robots e outros) e a informatização. São viabilizadas, nesse contexto, profundas modificações na organização do trabalho. Por exemplo, o capital diminui sua dependência em relação aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que aumenta a possibilidade de controle. Ressurge com vigor redobrado o taylorismo, por meio de dois de seus princípios básicos: a primazia da gerência via apropriação do conhecimento do operário e a interferência direta nos métodos e processos, importantes para o planejamento e para o controle do trabalho. Os modelos implantados até momento têm trazido consequência não somente para o mundo do trabalho, mas também para a sociedade, pois o modelo de desenvolvimento até agora seguido é marcado por sérios problemas para a saúde pública e para o meio ambiente. 128 Zuher Handar O capital é sinônimo de desenvolvimento e, nesse contexto, o crescimento ilimitado da produção e a capacidade de crescer sempre são colocados como norma natural desse processo, que tem por princípio a economia, o progresso, a expansão e o crescimento, dkeixando de lado os princípios humanos e sociais. Segundo a OIT, vivemos em um mundo com grandes lacunas, marcado pela falta de trabalho, pelo aumento do desemprego e do subemprego. Persiste o trabalho de baixa qualidade e, muitas vezes, improdutivo. Ganha força o trabalho inseguro e as contratações instáveis. Aumentam a informalidade e o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores. Nesse cenário, observa-se o crescimento das desigualdades caracterizadas pela concentração do poder político e econômico, da deterioração da qualidade de vida, da poluição e degradação ambiental, do desemprego estrutural. Crescem também as formas variadas de violência e o recr udescimento de movimentos fundamentalistas. Observa-se, ainda, o aumento da expectativa de vida: vive-se cada vez mais e melhor, apesar das desigualdades. O processo de globalização, que é caracterizado pela aceleração e pela liberalização das barreiras do comércio mundial traz consigo a difusão de novas tecnologias, proporcionando, assim, novos riscos de organização do trabalho e novos modos de exposição aos riscos de acidente e de doenças relacionadas ao trabalho. Esses são alguns dos fatores que têm marcado e contribuído para a incidência dos agravos à saúde dos trabalhadores. Outro fator que tem contribuído para os agravos à saúde é a reestruturação produtiva, que pode ser definida também como um conjunto de transformações no mundo do trabalho. Inclui-se, aí, a utilização de novos padrões de gestão e de organização do trabalho, configurando o trabalho como uma obrigação e uma necessidade e 129 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho considerando somente os critérios de eficiência e de custo. Nesse momento, as mudanças têm ocorrido pelo desejo de alcançar cada vez mais um crescimento econômico ilimitado. Na evolução e na busca de um modelo de maior produtividade, e tendo como princípio a qualidade total, surge o modelo Toyotista como um novo modelo de gestão e de organização do trabalho, que impõe ao trabalhador uma diversidade de operações e procura envolvê-lo com os objetivos da empresa. Nesse período, intensificase o desenvolvimento da informática, a automação e a robótica. Também são objetivos a elevação da produtividade, a redução dos custos e a promoção de um controle preciso da qualidade. Com isso, promove-se a diminuição dos postos de trabalho. Como consequência, aumentam as exigências de qualificações dos trabalhadores, resultando na exclusão dos menos qualificados, dos muito jovens e dos mais idosos, dos menos escolarizados e dos portadores de algum tipo de desvantagem biopsíquica ou social. O Toyotismo tem imposto muitas exigências ao trabalhador. São requeridas características como: - Maior grau de escolarização; - Raciocínio lógico; - Capacidade de operar equipamentos diversificados e complexos; - Competência para realizar diversas operações; - Motivação para o trabalho; - Engajamento com os objetivos da empresa, atitude colaborativa; Nesse contexto, o próprio grupo exerce pressão sobre os indivíduos. Com relação à saúde do trabalhador, o Toyotismo tem proporcionado aos trabalhadores sentimentos como insegurança, 130 Zuher Handar medo, angústia e ansiedade. Quem quer se manter empregado acaba tendo a tensão como parte de seu cotidiano. Os trabalhadores vivenciam o medo do desemprego, e, por conta disso, assumem condutas de obediência, de submissão, quebrando a reciprocidade e a solidariedade entre os colegas de trabalho. Há também o sofrimento daqueles que têm medo de não serem capazes de manter uma performance (de tempo, de cadência, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de conhecimento, de experiência, de adaptação à cultura ou à ideologia da empresa). Dificuldades, desafios e oportunidades O medo do desemprego é um dos maiores problemas para a saúde do trabalhador, pois tem levado à deterioração do poder de compra de bens e serviços essenciais ao bem-estar dos indivíduos e de suas famílias, à deterioração da auto-estima e da auto-imagem dos trabalhadores atingidos, ao desenvolvimento de mecanismos de defesa para garantir a estabilidade no emprego, ao acirramento dos conflitos interpessoais no trabalho e ao sofrimento biopsíquico de todos os envolvidos. O aumento do número de pequenas e médias empresas pode ser entendido como uma dificuldade e, ao mesmo tempo, como um desafio para quem lida com a saúde do trabalhador, pois as dificuldades econômicas e financeiras e o insucesso da gestão em garantir um ambiente de trabalho saudável são fatores que contribuem para o aumento do número de acidentes e de doenças no trabalho. Isso porque essas empresas seguem, quando muito, somente o mínimo da legislação, não possuem uma assessoria em saúde e geram cada vez mais contratações informais ou instáveis. Outra questão que preocupa é o fato de as empresas não 131 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho verem na Segurança e Saúde no Trabalho (SST) uma ferramenta estratégica, mas a entenderem somente como uma exigência legal. Procuram, assim, formas possíveis de sair dos limites que a lei lhes impõe. Vivemos hoje com o desafio das mudanças rápidas na organização do trabalho, processo que traz consigo maiores exigências e tensões organizativas no trabalho. Em consequência, tem-se um aumento significativo de transtornos relacionados ao estresse no trabalho, fato que resulta na elevação das estatísticas de doenças e de agravos relacionados com o trabalho. As empresas terceirizadas contribuem também para as atuais preocupações com a saúde do trabalhador. Isso porque, por princípio, deveriam qualificar fornecedores e aumentar a qualidade dos produtos. Entretanto, o que vem acontecendo é a redução de custos via precarização das relações e das condições de trabalho, com diminuição do nível de remuneração. A tendência é a redução dos benefícios sociais, como fornecimento de transporte e alimentação, e a intensificação do ritmo de trabalho, com prolongamento das jornadas. Nesse setor, observa-se a alta incidência de acidentes de trabalho, inclusive fatais, e o aumento das doenças profissionais clássicas. O adoecimento dos trabalhadores e suas causas Os trabalhadores podem adoecer por diversas causas. Além de concorrer com a população em geral no que tange às causas do aparecimento de doenças, os trabalhadores podem adoecer por causas específicas, originadas no trabalho. 132 Zuher Handar QUADRO 1 – Doenças que podem acometer os trabalhadores Tipos de doenças Causas de doenças Doenças profissionais Têm relação com condições de trabalho específicas Doenças relacionadas ao Têm sua frequência, surgimento ou gravidade modificados pelo trabalho trabalho Doenças comuns ao conjunto da Não guardam relação de causa com o trabalho, mas população condicionam a saúde dos trabalhadores Formas de adoecimento mal Expressões de sofrimento, “problemas”, disfunções, distúrbios, caracterizadas “mal-estar”, etc. Outra classificação dos agravos relacionados ao trabalho é apresentada por Schilling, que os distribui em três categorias: a primeira refere-se às doenças que têm o trabalho como causa necessária; a segunda apresenta o trabalho como elemento que contribui para o aparecimento da doença; a terceira abarca as doenças para as quais o trabalho pode ser concausa, bem como as doenças latentes que são ressurgidas por conta do trabalho. As três categorias são ilustradas no quadro abaixo. QUADRO 2 – Classificação de Schilling (1984) CATEGORIA I-Trabalho como causa necessária II-Trabalho como fator de risco contributivo ou adicional, mas não necessário III-Trabalho como provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença prévia, já estabelecida EXEMPLOS Intoxicação por chumbo Silicose “Doenças profissionais” legalmente prescritas Outras Doença coronariana Doenças do aparelho locomotor Câncer Varizes dos membros inferiores Outras Bronquite crônica Dermatite de contato alérgica Asma Doenças mentais Outras 133 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho Podemos, ainda, classificar as causas dos acidentes e das doenças do trabalho em três categorias, conforme ilustra a figura abaixo. FIGURA 1 – Causa dos acidentes e das doenças do trabalho Diante disto tudo, devemos refletir: como e o que fazer para enfrentarmos tudo isto? O que fazer para que as tragédias não aconteçam? As perguntas que mais vem à nossa mente são: É possível evitar os riscos? Se o trabalho se der em outras condições, é possível reduzir ou eliminar os problemas que levam às tragédias? O que se pode fazer para que não voltem a acontecer tragédias como aquelas demonstradas nas estatísticas nacionais e mundiais? Um dos fundamentos da prevenção necessário para a superação dessa realidade refere-se à promoção da gestão do risco no ambiente de trabalho, que poderia ser entendida como o desenvolvimento de medidas que possam controlar e reduzir os riscos em seus locais de trabalho, com o objetivo de prevenir lesões e de proteger a saúde. Além de garantir um trabalho sem risco, a gestão do risco pode proporcionar e promover um trabalho digno e decente. 134 Zuher Handar Outro fator que pode contribuir para mudarmos a triste realidade é a persistência no desenvolvimento de uma Política de Saúde Trabalhador mais efetiva e mais eficaz, que possa promover o estudo e a intervenção nas relações entre o trabalho e a saúde e, ainda, promover mudanças nos processos de trabalho por meio de uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial. Devemos garantir uma Política de Saúde do Trabalhador que contemple ações de vigilância sobre os riscos presentes nos ambientes, sobre as condições de trabalho e sobre os agravos à saúde dos trabalhadores. Essa política deve promover, ainda, o estudo e o acompanhamento dos agravos por meio de um Sistema de Informação e Vigilância Epidemiológica, bem como a organização e a prestação da assistência à saúde dos trabalhadores, compreendendo procedimentos de diagnóstico, tratamento e reabilitação, de forma integrada ao Sistema Único de Saúde. Nesse contexto, é preciso garantir que trabalhador, empregador, governos e sociedade assumam funções compartilhadas. Cada esfera deve garantir que os locais de trabalho, as máquinas, os equipamentos, as operações e os processos sob seu controle sejam seguros e não tragam risco algum para a segurança e para a saúde dos trabalhadores, conforme prevê a Convenção 155, da OIT. Responsabilidades e atribuições Empregadores A Convenção da OIT sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores (1981, nº 155) estabelece que deverá ser exigido dos empregadores que, na medida do razoável e do factível, garantam que os locais de trabalho, as máquinas, os equipamentos e as operações e os processos sob seu controle sejam seguros e não tragam 135 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores. Assim, pois, todos os riscos que se apresentam no local de trabalho, quer sejam de origem física, química ou biológica, devem ser gestionados adequadamente. Deverão, ainda, ser proporcionadas a todos os trabalhadores a informação e a formação necessárias. Quando as circunstâncias exigirem, os empregadores devem distribuir gratuitamente roupas e equipamentos de proteção adequados. Trabalhadores Os trabalhadores, por sua vez, devem cooperar com os empregadores no cumprimento das obrigações que lhes cabem, e, ainda, informar sobre situações que apresentam perigo eminente. Governos O governo deve estabelecer uma Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, implantar um sistema eficaz de inspeção e controle do cumprimento da legislação correspondente e coletar dados estatísticos de interesse sobre acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. As instituições de educação e for mação também desempenham uma função importante na orientação e na difusão de conhecimento sobre os riscos relacionados com o trabalho e, ainda, na gestão dos riscos de maneira eficaz. As universidades e os institutos de pesquisas têm um importante papel, já que pesquisam e estudam os riscos. Além disso, proporcionam uma sólida base técnica e científica para a avaliação e a gestão dos riscos e podem desenvolver meios inovadores de reduzi-los, como os derivados da introdução de novas tecnologias. 136 Zuher Handar Portanto, temos um desafio dentre tantos: a formulação e a implementação de políticas capazes de garantir, simultaneamente, o desenvolvimento econômico e social, a inclusão social e o trabalho decente. Por fim, as diretrizes de um novo estilo de desenvolvimento devem ser norteadas por uma nova ética, na qual os objetivos do progresso estão subordinados à preservação do meio ambiente, aos critérios de respeito à dignidade humana e à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Com isso, se possibilitará uma melhora da qualidade de vida das pessoas e se evitará o sofrimento, a dor e a morte no trabalho. Este será, então, um instrumento de alegria, felicidade e dignidade humana. Referências MERLO, Álvaro Roberto Crespo; LÁPIS, Naira Lima. A saúde e os processos de trabalho no capitalismo: reflexões na interface da Psicodinâmica do Trabalho e da Sociologia do Trabalho. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 61-68, jan./abr. 2007. ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Programa sobre Seguridad y Salud en el Trabajo y el Medio Ambiente (Trabajo Seguro). Ginebra, Suiza, s/d. RIGOTTO, Raquel Maria. Saúde dos trabalhadores e meio ambiente em tempos de globalização e reestruturação. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo. v. 25, n. 93/94, p. 9-20, dez. 1998. _____. Produção e consumo: saúde e ambiente em busca de fontes e caminhos. In: MINAYO, M. C de Souza; MIRANDA, A. C (Org.). Saúde e Ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. 137 Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho RODGERS, Gerry. El trabajo decente como una meta para la economía global. Boletín Cintefor, n. 153, p. 9-28, OIT, s/d. SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente e trabalho decente para todos. Documento preparado para a comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, OIT, outubro de 2002. Oficina Internacional do Trabalho, Escritório do Brasil. 138 PREVIDÊNCIA E SAÚDE DO TRABALHADOR FERNANDO LUIZ BORGES LAERSON VIDAL MATIAS O presente texto apresenta o conteúdo abordado no curso de capacitação de multiplicadores de informações sobre a Saúde do Trabalhador, ocorrido no mês de setembro de 2008, nas dependências da Unioeste. O curso em questão constituiu parte das atividades desenvolvidas pelo Projeto de Extensão intitulado Trabalho, Educação e Saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é entendida como o completo bem-estar físico, psíquico e social, e não como simples ausência de doenças. Sobre tal entendimento, Oliveira (1996) comenta que o conceito negativo de saúde (como ausência de doença) perdurou por longo tempo, influenciando muito no estudo da doença em detrimento do estudo da saúde. O autor menciona ainda que o completo bem-estar social acaba consagrando as interferências do ambiente social na saúde. A questão da saúde não pode mais ser tratada de forma isolada, desvinculada de outras dimensões da vida. Observa-se cada vez mais uma preocupação constante do trabalhador brasileiro com a Previdência Social, não mais apenas como simples Previdência Social, mas como parte do grande tripé chamado Seguridade Social, o qual engloba Saúde, Ação Social e Previdência Social. Na verdade, trata-se de um conceito já inscrito na Constituição Federal de 1988, mas que só nos últimos anos vem chamando a atenção do trabalhador brasileiro. Dessa forma, a Previdência Social insere-se no amplo conceito de Saúde engajada na Política Nacional de Segurança e Saúde 139 Previdência e Saúde do trabalhador do Trabalhador, ampliando assim suas metas de prover a subsistência do trabalhador na ocorrência de eventos infortunísticos, como as doenças, a velhice, a morte e até mesmo a reclusão. Recentemente, em agosto do ano de 2008, atingiu-se a marca de 40 milhões de trabalhadores inscritos como contribuintes da Previdência Social, todos com carteira assinada, o que significa dizer que, todos estão cobertos pelo SAT (Seguro de Acidente de Trabalho), cujos recursos são provenientes de alíquotas recolhidas pelas empresas sobre o total da folha de pagamentos realizados mensalmente. Tais alíquotas destinam-se a financiar os gastos com os acidentes de trabalho e benefícios geradores de incapacidade. A lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, que trata da organização e do custeio da Seguridade Social, determinou, em seu artigo 22, o recolhimento de recursos com base em alíquotas fixadas em razão do grau de risco da atividade preponderante das empresas. Dentro dessa visão, as alíquotas dos graus de risco das empresas foram fixadas em 1%, para empresas consideradas de grau de risco leve, de 2% para risco médio, e de 3% para risco grave (BRASIL, 1991, p. 5). Ao longo dos anos, a taxa de incidência de acidentes de trabalho vem caindo paulatinamente. Contudo, vem aumentando a gravidade desses acidentes, levando o Brasil a um gasto total de 40 bilhões de reais por ano com custos diretos e indiretos, o que levou a Previdência Social a implementar uma nova política de saúde prevencionista para procurar controlar e estancar essa terrível sangria dos cofres públicos: gastos com acidentes de trabalho. O panorama atual do Brasil aponta para três vítimas fatais de acidentes de trabalho a cada duas horas de trabalho efetivo, e para três acidentados a cada minuto. Esse índice considera apenas os trabalhadores cobertos pelo “guarda chuva” do Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT), o que re presenta um grande risco de 140 Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias subnotificação de casos, visto que uma massa muito mais expressiva de trabalhadores da População Economicamente Ativa (PEA) não está acobertada pelo SAT. A população coberta é estimada, grosso modo, em cerca de 30 milhões de trabalhadores, enquanto cerca de 70 milhões de trabalhadores seguem sem cobertura previdenciária de seguro de acidente de trabalho. Dentre os não cobertos, muitos são contribuintes individuais, incluindo nessa categoria autônomos (a maioria), empresários, donas de casa, síndicos etc. A Tabela 1, abaixo apresentada, mostra dados do Boletim Estatístico da Previdência Social, do ano de 2007 (BRASIL, 2007b), acerca da População Economicamente Ativa existente no Brasil. TABELA 1 – Dados populacionais – 2006 DISCRIMINAÇÃO População Residente Urbana Rural População Economicamente Ativa Ocupada Desocupada População Não Economicamente Ativa (3) População Ocupada Segundo Posição no Trabalho Principal: Total Empregados Com carteira de trabalho assinada Funcionários públicos estatutários e militares Outros e sem declaração Trabalhador Doméstico Com carteira de trabalho assinada Sem carteira de trabalho assinada e sem declaração Conta Própria Empregador Trabalhadores na produção para o próprio consumo e na construção para o próprio uso Não remunerados Contribuintes para instituto de previdência em qualquer trabalho TOTAL Empregados TOTAL 187.227.792 155.933.826 31.293.966 97.528.322 89.318.095 8.210.227 58.755.071 89.318.095 50.055.523 28.343.584 5.901.449 15.810.490 6.782.111 1.841.252 4.940.859 18.924.327 3.976.813 4.177.459 5.401.862 43.585.777 33.604.137 26.576.068 141 Previdência e Saúde do trabalhador Na verdade, o foco prevencionista da Previdência Social, nesse momento, está voltado para a população coberta pelo SAT, principalmente devido aos gastos gerados com indenizações, pensões e aposentadorias por invalidez acidentária. Tais gastos estão orçados atualmente em cerca de quarenta bilhões de reais/ano, representando 500 mil acidentados/ano, incluindo 2.700 óbitos/ano. Só no Estado do Paraná a soma desses gastos atinge a astronômica quantia de dois bilhões de reais/ano. Além disso, há um registro de custo direto de nove bilhões e oitocentos milhões de reais (mês de novembro de 2007) referentes aos pagamentos realizados com aposentadoria especial1 e aos custos direitos com os próprios acidentes de trabalho de qualquer tipo, fatais ou não, como pagamento de salários em caso de afastamento temporário do trabalho e custeio de despesas com tratamento médico. Ora, se esses números dizem respeito aos custos diretos, o que dizer dos custos indiretos? E a que estes se referem exatamente? De forma simplificada, mas não menos impactante, os custos indiretos representam os gastos realizados com a assistência à saúde do acidentado, indenizações, treinamento, reinserção no mercado de trabalho e horas de trabalho perdidas. Isso sem mencionar os reparos realizados com maquinários danificados e a parada do processo produtivo. 1 A aposentadoria especial é um benefício concedido somente pela Previdência Social, após a comprovação do tempo de trabalho e da atividade profissional do segurado, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do mesmo. Para ser concedida esta aposentadoria, faz-se necessário a comprovação da exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação dos mesmos, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, por um período de quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso (FUNASA, 2001, p. 74, grifo do autor). 142 Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias Compondo mais um aspecto desse panorama de descaso com a prevenção da saúde do trabalhador, os afastamentos do trabalho por licença médica – auxílio doença – atingem 1.500.000 trabalhadores, dos quais 210.000 estão afastados por acidentes de trabalho, e outros 90.000 por doenças do trabalho. Perante esses números – que representam uma realidade incontestável, associados à inércia de grande parte dos setores ligados à área de acidentes –, desde o ano de 2004, a Previdência Social decidiu estabelecer uma nova política de combate aos acidentes de trabalho, com base em estudos realizados pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS). Tais estudos resultaram na Lei n° 11.432, de 26 de dezembro de 2006, que foi regulamentada no ano de 2007 pelo Decreto 6.042, de 1° de abril de 2007, que estabelece e normatiza o chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP (BRASIL, 2007a). É de capital importância transcrever aqui alterações sofridas pela Lei no 8.213 (Regimento Geral dos Benefícios da Previdência social – RGBPS), de 24 de julho de 1991, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 21-A: A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em confor midade com o que dispuser o regulamento. § 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar 143 Previdência e Saúde do trabalhador o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social (BRASIL, 1991). Com essa alteração legal, estabelece-se a natureza acidentária da incapacidade laboral quando houver relação estreita entre o trabalho exercido e a doença que o trabalhador apresentar e a atividade econômica da empresa. Para tornar mais clara a afirmação dada no parágrafo anterior, apresenta-se um exemplo: se em determinada empresa existe o fator de repetitividade na linha de produção e o trabalhador é acometido por LER/DORT, a perícia médica do INSS caracterizará aquela doença como doença originária do trabalho exercido, uma vez que tais agravos incidem muito mais em empresas apresentam atividades repetitivas e outros fatores como vibrações localizadas, exposição ao frio e monotonia. Dentro da lógica do NTEP, o objetivo é estimular e sensibilizar as empresas a investirem e estabelecerem políticas de prevenção. Para tais empresas, está prevista a diminuição da alíquota SAT (Seguro de Acidente de Trabalho); para a empresa que não investir na prevenção e persistir produzindo mais acidentes, é previsto o aumento da alíquota SAT. O sistema está desenhado de tal forma que, se entre duas empresas de mesma atividade econômica – como, por exemplo, frigoríficos –, uma delas produzir mais doenças e acidentes de trabalho do que a outra, uma poderá ter sua alíquota SAT reduzida, e a outra poderá ter sua alíquota aumentada. Nada mais justo. 144 Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias Como operacionalizar tal metodologia? Na realidade, o princípio de flexibilização do SAT já estava previsto pelo Fator Acidentário de Prevenção (FAP), criado pela Lei n° 10.666, em maio de 2003 (BRASIL, 2003). Trata-se de um mecanismo para aumentar ou diminuir as alíquotas de contribuição das empresas ao seguro de acidente de trabalho, dependendo do grau de risco de cada uma delas. O FAP é um multiplicador a ser aplicado às alíquotas de 1%, 2% ou 3%, incidentes sobre a folha de salários, para financiar o SAT. O índice do SAT varia entre 0,5 e 2,0%, o que significa que a alíquota de contribuição da empresa pode ser reduzida à metade ou dobrar. O FAP nada mais é do que uma espécie de medidor da quantidade de acidentes de trabalho ocorridos em uma determinada empresa, em um determinado período, cuja vigência estava prevista para janeiro de 2009. Fato é que essa nova metodologia despertou paixões e adversários dentro do setor ligado à Segurança do Trabalho. Aqueles que nunca tinham antes discutido a subnotificação maciça dos acidentes de trabalho, e nem mesmo os gastos descomunais com essa catástrofe, se levantaram e passaram a bradar contra tal metodologia, sob alegações as mais estapafúrdias possíveis. Interessante notar que tais figuras, ligadas à área de Segurança do Trabalho, nunca se preocuparam antes em trazer à tona soluções ou formas de melhorar o panorama atual. A princípio, as críticas ao FAP partiram do setor dos trabalhadores, que, após uma reflexão mais consistente, reconheceu pontos positivos nessa nova metodologia de caracterização dos acidentes de trabalho; mas, numa segunda fase, os adversários surgiram dentro da classe empresarial, somada a alguns “próceres” da área de Segurança do Trabalho. Como resultado da resistência da classe empresarial e do capital em assumir suas responsabilidades, o Ministério da Previdência Social adiou para janeiro de 2010 a entrada em vigor do Fator 145 Previdência e Saúde do trabalhador Acidentário de Prevenção (FAP), que inicialmente seria adotado a partir de janeiro de 2009 (BRASIL, 2007c). Alegou-se que o governo pretendia aperfeiçoar a metodologia para a definição das alíquotas do Fator Acidentário, que passariam a incidir sobre a contribuição das empresas à previdência social. O adiamento, segundo o ministro da Previdência, foi decidido para aguardar a finalização dos trabalhos da Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho e para ampliar as discussões nas demais comissões pertinentes. Ao menos essa nova metodologia tem o condão de trazer à superfície um tema que antes parecia ser proibido: o descaso com a política nacional de combate aos acidentes de trabalho. Com a entrada em vigor do NTEP, houve um aumento significativo do número de doenças e acidentes de trabalho notificados junto ao INSS. De 2006 para 2007, aproximadamente 141 mil novos acidentes de trabalho foram registrados (BRASIL, 2007b), conforme mostra a Tabela 2: TABELA 2 – Número de acidentes de trabalho – Brasil 2006/ 2007 Acidentes de trabalho em 2007 653.090 Acidentes de trabalho em 2006 512.232 Aumento em números absolutos 140.858 Aumento em percentual 27,50% Acidentes de trabalho em 2007 Estado de SP 232.364 Acidentes de trabalho em 2006 Estado de SP 191.426 Aumento em números absolutos 41.499 Aumento em percentual 22% Acidentes de trabalho em 2007 Intermediários Financeiros 9269 Acidentes de trabalho em 2006 Intermediários Financeiros 7867 Aumento em números absolutos Aumento em percentual Acidentes de trabalho em 2007 653.090 Acidentes de trabalho em 2006 512.232 Aumento em números absolutos 140.858 Fonte: Brasil (2007b). 146 1402 18% Aumento em percentual 27,50% Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias Ressalta-se que, para registros de acidente de trabalho, o Ministério da Previdência Social considera a ocorrência envolvendo os empregados com carteira assinada, os quais corresponderam a um universo de 36.421.009 contribuintes/segurados em 2007 (BRASIL, 2007b). Ainda com base nos dados da Previdência Social, observa-se um aumento significativo de doenças do trabalho notificadas, dentre elas as doenças osteomusculares que atingem os trabalhadores, especificamente as tenossinovites, lesões do ombro e a dorsalgia, compondo o quadro da síndrome conhecida como LER/DORT. TABELA 3 – Números de afastamento do trabalho segundo a maior incidência (2006/2007) Grupos da CID-10 M65 – Sinovite e Tenossinovite M75 – Lesões do ombro F43 – Reações ao estresse grave F32 – Episódios depressivos M54 - Dorsalgia 2007 2006 22.217 18.896 5.170 3.560 50.706 9.845 7.191 3.037 Zero 16.773 Fonte: Brasil (2007b). É importante destacar o aparecimento da CID F-32 – episódios depressivos –, com 3560 casos registrados em 2007 e nenhum em 2006. Com a introdução do NTEP, o grupo F-32 da CID-10 passou a ser caracterizado como acidente de trabalho na categoria bancária, em função da grande ocorrência de casos nesse setor. O aumento do número de acidentes de trabalho registrados nas Tabelas 2 e 3 também pode ser atribuído à introdução do NTEP, que, ao inverter o ônus da prova, caracteriza o acidente de trabalho 147 Previdência e Saúde do trabalhador mesmo quando o empregador não emite a CAT. Para se ter ideia do impacto dessa mudança, tem-se o seguinte: TABELA 4 – Quantidade de Acidente de Trabalho com ou sem CAT emitida (2007) Acidente de Trabalho com CAT emitida 514.135 Acidente de Trabalho sem CAT emitida 138.955 Fonte: Brasil (2007b). As estatísticas apresentadas pela Previdência Social (BRASIL, 2007b) revelam que a questão dos acidentes de trabalho é um problema social e que só será resolvido com a introdução de políticas públicas de Estado que valorizem a prevenção e a promoção da saúde dos trabalhadores em todos os ambientes de trabalho. Essa meta, por sua vez, só será alcançada com o cumprimento da legislação referente à fiscalização e à vigilância dos ambientes de trabalho, com a participação decisiva dos sindicatos no processo de vigilância dos ambientes e na organização do trabalho e, por fim, com a regulamentação do Fator Acidentário de Prevenção – FAP, que visa a taxar os setores da economia que mais adoecem os trabalhadores. O INSS apontou que mais de 138 mil benefícios acidentários foram concedidos sem a emissão de CAT por parte das empresas (BRASIL, 2007b). Tais dados reforçam a real intenção dos empregadores em manter a subnotificação das doenças relacionadas com o trabalho, com o objetivo de não assumir responsabilidade civil diante do acidente de trabalho. Esse fato é agravado pela inexistência de qualquer tipo de punição, por parte da Previdência Social, às empresas que não emitem CAT. Prova-se que a subnotificação é muito grande para os casos em questão. 148 Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias Apesar de inúmeros problemas, a introdução do Nexo Epidemiológico revela um grande avanço na concessão de benefício acidentário. O método deve ser mantido e aprimorado pela Previdência Social em conjunto com a comissão interministerial que acompanha a implementação e a execução da nova metodologia. Vale lembrar, entretanto, que esse método volta-se apenas aos trabalhadores formais, e sabe-se que isso representa menos da “metade” do problema, se forem considerados os trabalhadores precarizados, terceirizados e quarteirizados, que são submetidos a condições ainda mais perversas de trabalho. Referências BRASIL. Decreto nº 6.042 de 12 fev. 2007. Altera o regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, disciplina a aplicação, acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário de Prevenção – FAP e do Nexo Técnico Epidemiológico e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 fev. 2007a. Seção 1, p. 2. _____. Boletim Estatístico da Previdência Social ano de 2007. Disponível em: <http://www.previdenciasocial.gov.br/ pg_secundarias/previdencia_social_13_05-A.asp>. Acesso em: 12 abr. 2009, 2007b. _____. Decreto nº 6.257 de 19 nov. 2007. Altera a redação dos arts. 4o e 5o do Decreto no 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, que altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, disciplina a aplicação, acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP e do Nexo Técnico Epidemiológico. Diário Oficial [da] República Federativa 149 Previdência e Saúde do trabalhador do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 nov. 2007c. Seção 1, p. 8. _____. Lei nº 8.212 de 24 jul. 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio e dá outras providências. Brasília. 1991. Presidência da República: Casa civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L8212cons.htm>. Acesso em: 06 maio 2009. _____. Lei nº 8.213 de 24 jul. 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 1991. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Seção 1, p. 14809. _____. Lei n. 10.666 de 08 maio 2003. Dispõe sobre a concessão de aposentadoria especial ao cooperado de cooperativas de trabalho ou de produção e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 maio 2003. Seção 1, p. 1. FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Boletim de Pneumologia Sanitária, v. 9, n. 2, jul./dez. 2001. Disponível em: <http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/bps_ vol09nr2.pdf#page=57>. Acesso em: 12 fev. 2008. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTr, 1996. 150 POLÍTICA SOCIAL E CONTROLE SOCIAL NO ESTADO CAPITALISTA TARDIO ALFREDO BATISTA [...] o que está em causa não é se produzimos ou não sob alguma forma de controle, mas sob que tipo de controle; dado que as condições atuais foram produzidas sob o “férreo controle” do capital que nossos políticos pretendem perpetuar como força reguladora fundamental de nossas vidas. (MÉSZÁROS, 1987, p. 23) Tratamos, neste capítulo1, a questão da temática Política Social e sua relação com os Conselhos de Direito, mediada por elementos de controle social, como uma problemática que tem sua raiz no século XIX, em particular, a partir da segunda metade desse espectro temporal e com demarcação espacial – a Europa. No entanto, no Brasil, somente a partir da Constituição Brasileira de 1988 é que se inicia uma possível vivência experimental de largo alcance. 1 Este capítulo é parte constitutiva dos conteúdos apresentados na palestra “Política social, controle social e Conselhos de Saúde: possibilidades e limites”, proferida em mesa redonda realizada como parte do Projeto de Extensão “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública”. Informamos que, no presente texto-artigo, algumas das reflexões fazem-se presentes na Tese de Doutorado intitulada A questão social e as refrações no Serviço Social brasileiro na década de 1990, defendida pelo autor deste texto na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em outubro de 2002. 151 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Para tratarmos dessa relação estabelecida entre Estado e sociedade civil por meio das estruturas constituídas em processos permanentes de disputa de projetos societários, entendemos que pautar a materialidade da relação capital/trabalho e da centralidade da categoria trabalho, neste processo, é parte constitutiva da nossa exposição e análise. Partimos da premissa que relações concretas materializadas no cotidiano dos seres sociais constroem, no tecido da sociedade civil, diferentes formas de Estado. Nesse espaço permeado por contradições, modelos de projetos societários movimentam-se e, em momentos específicos, datados, entram em processo de disputas, ganhando legitimidade. Verificamos, nos resultados e registros na história, que o projeto que domina materialmente também domina ideologicamente (MARX, 1986). Sob esta base concreta, o Estado de Direito ganhou expressão e tem, durante os séculos XIX, XX e início do XXI, demarcado, em particular no Brasil, diferentes momentos de expressão, prevalecendo, em seu percurso temporal, larga extensão da prática do Estado sob a ausência dos direitos políticos (CARVALHO, 2001; FERNANDES, 1989). É sob esta fundamentação que iremos expor nossa contribuição neste capítulo. Em primeiro lugar explicitaremos elementos ontológicos que orientam nossa argumentação na direção de que o trabalho é a fonte de toda riqueza humana, porém, o trabalho é mais do que esta dimensão humana efetivada desde os primórdios do processo civilizatório. Para Engels (1985b), o trabalho é compreendido como elemento cêntrico que cria o próprio homem. Conforme apresenta Lukács (1979b; LUKÁCS in KOFLER, 1969), o trabalho é a protogênese da existência humana. Sob esta orientação, em seguida, abordaremos como se funda, na sociedade produtiva e reprodutiva capitalista, um projeto societário e como os protagonistas 152 Alfredo Batista deste projeto têm demarcado o entendimento dos resultados efetivos de criação de um tipo histórico de sociabilidade. Para finalizar, apresentaremos, sob a perspectiva analítica, portanto crítica, a política social, entendendo-a como uma construção no interior da sociedade burguesa, permeada por elementos de controle social, em específico, os conselhos de direito que, na condição de instrumentos de controle, efetivam o processo no cotidiano presente, dando amplitude à participação de diferentes instâncias representativas da sociedade civil, reduzindo o poder do Estado e atribuindo aos sujeitos históricos o papel de fazer a história e não de sofrer a história. É neste horizonte que, nos marcos da democracia liberal ou liberal democracia, temos registrado um verdadeiro campo de possibilidades em construir o novo a partir do velho, no tempo presente. Objetivações entre capital e trabalho: a centralidade da categoria trabalho A relação de intercâmbio material existente historicamente na esfera denominada civilização entre os homens e a natureza é uma batalha interminável. Cada ação que o ser social realiza, transforma-o, e cria um campo de possibilidades para ultrapassar os limites do ser singular em direção ao genérico. O ser social é um complexo cuja reprodução se encontra em múltiplas e variadas inter-relações com o processo reprodutivo dos complexos parciais relativamente autônomos, porém onde a totalidade exerce sempre uma influência predominante no interior dessas relações (LUKÁCS, apud LESSA, 1995). 153 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Nesse sentido, os homens, atuando “sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modificam sua própria natureza. Desenvolvem as potencialidades nelas adormecidas e submetem ao seu domínio o jogo das forças naturais” (MARX, 1975, p. 202). Esse movimento, determinado historicamente em seu tempo e espaço, cria condições simples e complexas para que os homens, paulatinamente, diferenciem-se dos animais e os resultados possam criar um campo concreto de afastamento, de distanciamento do seu ser natural. Esse processo diferencial é que traz, como elemento central, o trabalho humano como “a única forma existente de um ser finalisticamente produzido que funda, pela primeira vez, a especificidade do ser social” (LUKÁCS, 19-?, p. 3)2. Os homens, a partir desta determinação primeira, criam relações sociais3. Conforme Lukács (1979a, p. 141), “quando uma relação existe, ela existe para mim; o animal não “tem relações” com algo ou, mesmo dizendo não tem absolutamente nenhuma relação. Para o animal suas relações com outros não existem como relações”. Ao relacionar-se com a natureza, a relação mais natural, direta, é do homem com o homem, e quando o homem relaciona-se com a mulher. De acordo com Marx (1985, p. 7), “nesta relação aparece, pois, de maneira sensível, reduzida a um fato visível, em que medida a essência humana se converteu para o homem em natureza ou a natureza tornou-se a essência do homem”. 2 Para Lukács, a história é um campo de batalha, um campo que põe possibilidades. Dessa forma, o trabalho não é percebido e entendido como a categoria primeira que se põe no movimento da história. 3 Este momento é diferencial na constituição do homem como ser social, pois marca, desde o início, a sua diferenciação com os animais não humanos. 154 Alfredo Batista Nesse momento, abrem-se as possibilidades dos homens iniciarem o processo de humanização do mundo. Tal processo cria aos homens condições concretas de se colocarem desafios e necessidades, as quais, no cotidiano, exigem que sejam resolvidas. Assim, os homens, repletos de possibilidades, são materializados historicamente sob a estrutura de uma determinada base produtiva, cujas ações humanas objetivam-se lógica e historicamente, presente nos diferentes momentos da construção humana e também no interior dos particulares modos de produção. Essa relação, que não se manifesta de forma mágica, para ser colocada em movimento, necessita de que algo a impulsione. Direta e indiretamente, é o trabalho humano que possibilita o processo de produção no momento em que se age sobre um determinado objeto de trabalho. Marx, partindo de pressupostos ontológicos, nos coloca diretamente em relação à categoria social trabalho. Mas, não é qualquer trabalho, é trabalho humano dotado de consciência e força. [...] O trabalho humano é consciente e proposital, ao passo que o trabalho dos outros animais é instintivo (BRAVERMAN, 1981, p. 50). Na visão de Lukács (1989, p. 16), “o trabalho dos animais, não humanos, é realizado por instinto e não apreendidos, enquanto que o homem age com consciência. O homem, ao agir com consciência, [...] reflete a realidade e adquire certo grau de possibilidade”. O trabalho permite dar finalidade à sua ação antes de iniciá-la. “A teleologia, [...] por sua própria natureza, é uma categoria posta: todo processo teleológico implica uma finalidade e, portanto, numa consciência que estabelece um fim” (Ibid., p. 5). 155 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio É o trabalho humano que possibilita o processo de produzir, pois, ao realizar tal façanha, ocorre o movimento de objetivação sob determinado objeto que está presente em qualquer matéria, e “todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com seu meio natural constituem objetos de trabalho, fornecidos pela natureza” (MARX, 1975, p. 203). Essa relação estabelecida entre os homens e a natureza, somente o trabalho humano, num primeiro momento, pode colocar em movimento e retirar o objeto da sua situação estagnada e transformá-lo, e, ao mesmo tempo, ser transformado por ele. Para realizar o processo de intervenção e transformação é necessário que algo mediador interfira neste universo4; entra em cena o instrumento de trabalho, entendido como sendo “uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre o objeto” (Ibid., p. 203). Isso significa que o homem, por exemplo, por meio do trabalho individual ou coletivo, utiliza-se da ferramenta para cortar a árvore. A ferramenta, instrumento de trabalho, é aqui nominada como meio de trabalho e este é o conduto, a mediação entre o homem que trabalha e o objeto. O grau de determinações simples ou complexas 4 Historicamente, os homens foram percebendo e vivenciando em suas ações cotidianas que o trabalho, na forma natural, possuía limites. O corpo humano, ao expressar-se em suas dimensões físicas e psíquicas como uma máquina que se move pela motricidade, apresentou, historicamente, o esgotamento de suas dinamicidades. Os instrumentos de trabalho operacional presente no corpo humano eram limitados. Assim, os homens precisam continuamente, para que dominem a natureza e coloquem-na ao seu serviço, objetivar-se por meio da construção de instrumentos de trabalho que vão além da elasticidade do trabalho humano. Este processo ocorre historicamente enquanto dimensão emancipadora ou negadora do homem, conforme ele se põe como homem na sociedade. 156 Alfredo Batista de um instrumento de trabalho indica “o grau de desenvolvimento das forças produtivas e as condições sociais sobre as quais o trabalho se realiza” (Ibid., p. 203; LUKÁCS, 1989, p. 26). Marx ainda acrescenta que [...] o homem foi definido como o animal que constrói os seus próprios utensílios. É correto, mas é preciso acrescentar que construir e usar instrumento implica necessariamente, como pressuposto imprescindível para o sucesso do trabalho, [...] que o homem tenha domínio sobre si mesmo (LUKÁCS apud KOFLER, 1969, grifo nosso). Mas, o domínio dos homens sobre si mesmos só é possível se tiverem condições concretas para exercer o livre arbítrio, o que não ocorreu/ocorre com o desenvolvimento e efetivação do modo de produção capitalista em que os seres sociais, pertencentes às classes sociais deter minantes, agiam/agem cotidianamente sob a arbitrariedade do mercado. As suas escolhas não são possíveis de serem explicitadas no campo das alternativas, pois são escolhas determinadas socialmente, por meio dos princípios racionais e irracionais do projeto societário burguês. Para a verificação do movimento dessa lógica, é necessário compreender, entender e analisar como a força de trabalho movimenta-se nas dimensões objetiva e subjetiva, constr uídas e/ou negadas nos diferentes campos particulares na relação intrínseca com o capitalista. 157 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio O processo de trabalho em mutação: conceitos e categorias Resgatando as imbricações que envolvem os elementos que fazem parte do processo de trabalho, identifica-se, na produção de qualquer produto, a participação de três componentes centrais: a matéria-prima, os instrumentos de trabalho e o trabalho 5. Os dois primeiros componentes são denominados meios de produção, os quais, no sistema capitalista, estão sob o domínio da classe burguesa. Na condição de meios de produção, a matéria-prima e os instrumentos de trabalho participam na produção das mercadorias; no entanto, desempenham papéis diferenciados na composição do produto final. Isto porque, a partir do momento em que se inicia a produção de uma determinada mercadoria, até o final de sua produção, tanto a matéria-prima como o instrumento de trabalho participam desse processo sofrendo transformações. Esta relação realizada pelo homem, por meio de determinada quantidade de força de trabalho, implica no processo possível de realizar uma possível transformação nas relações, isto é, sujeito e objeto são transformados. De um lado, a matéria-prima, em sua forma inicial, sofre transformações. E ao transformar-se, incorpora-se na mercadoria, no produto final e assume uma outra forma. “A matéria-prima constitui a substância do produto, mas muda sua forma. Matériaprima e materiais acessórios perdem a figura com que entraram no processo de trabalho como valores-de-uso” (MARX, 1975, p. 228). 5 O trabalho é o componente principal na materialização do processo de trabalho, pois, “ao converter o trabalho, por meio da troca, em um de seus elementos materiais, somente se aprecia uma diferença substancial entre o trabalho e os demais elementos objetivos do capital, é que o trabalho reveste uma forma de atividade, enquanto que os outros elementos aparecem em estado de repouso” (MARX, 1985, v. 1, p. 344). 158 Alfredo Batista Porém, adquirem uma nova forma enquanto valor agregado. Por outro lado e, ao mesmo tempo, no processo, o instrumental de trabalho, ou meio de trabalho, não se incorpora ao produto e, além de não se incorporar, desgasta-se em sua utilização. Segundo Marx (Ibid., p. 228), “uma ferramenta, uma máquina, um edifício de fábrica, um recipiente só são úteis ao processo de trabalho”. Trazendo nossa reflexão para o cotidiano, tomemos como exemplo a construção de cadeiras no processo de trabalho. No momento em que a madeira é transformada, pelo e através do trabalho vivo, em cadeira, ela perde a forma que tinha no início do processo de produção. A cadeira, enquanto produto, expressa uma nova forma de madeira. Ou seja, o produto cadeira incorporou a matéria-prima, enquanto os instrumentos de trabalho que agiram sobre a matériaprima, madeira, não adquiriram uma nova forma no produto final cadeira; ao contrário, todos os dias, entram e saem com a mesma forma. O que ocorre com os instrumentos de trabalho não é a transformação da forma inicial e sua incorporação no produto final. No entanto, ocorre um desgaste dos instrumentos de trabalho. Tanto a matéria-prima como os instrumentos de trabalho, apesar de se diferenciarem no processo de produção, trazem algo em comum no processo de valorização do produto, isto é, ambos transferem valor. Dessa forma, pode-se dizer que os meios de produção não criam valor, mas transferem valor ao produto, pela incorporação da matéria-prima e pelo desgaste dos instrumentos. É a utilização da força de trabalho na produção de mercadorias que possibilita aos meios de produção transferir valores ao produto final. Isso ocorre porque, durante o processo de trabalho, os meios de produção apresentam, em sua forma original, um valor de uso que é de propriedade do capitalista. Para que os meios de produção possam realizar-se, é necessário que os capitalistas adquiram uma determinada 159 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio quantidade de trabalho no mercado e a coloquem em movimento todos os dias. Esse ritual permite que os meios de produção ganhem outras dimensões durante o processo de trabalho e o capitalista obtenha, no final do processo, um produto. No decorrer do processo de produção, ocorre uma transformação da forma inicial da matériaprima, que será incorporada ao produto final enquanto um valor agregado. Ao mesmo tempo, os instrumentos de trabalho terminam o processo final de produção de forma diferenciada de como entraram no produto, isto é, não o instrumento, mas o seu desgaste. Assim, o desgaste provocado no instrumento não é agregado ao produto, mas transferido. Nesse mesmo processo, como parte determinante, é fundamental que se ressalte a centralidade do trabalho humano. Este possui uma dupla natureza em um mesmo tempo. Em primeiro lugar, o trabalho humano é a fonte principal – na condição de força de trabalho – que, por meio do desgaste de energia, músculos e cérebros, produz certa quantidade de produtos. Ao atingir o estatuto de produto final, este incorpora, por meio do trabalho, valor. Isto é, os homens, com sua força de trabalho, criam valor, que é apropriado pelo capitalista enquanto trabalho excedente, quer dizer, não pago. Ao mesmo tempo, uma segunda determinação está presente: o mesmo trabalho que cria excedente agrega, no produto final, valores advindos dos meios de produção (Ibid.). Dessa forma, os meios de produção comportam-se no processo como sendo a parte que não produz valor. O máximo que se realiza é a agregação de valores. É a parte do processo que não muda, isto é, sua incorporação e seu desgaste são expressos no produto final não como valor criado, mas como valor transferido. A esta parte do processo, Marx denominou “capital constante”. “A parte do capital, portanto, que se converte em meios de produção, isto é, 160 Alfredo Batista em matéria-prima, materiais e acessórios e meios de trabalho, não muda a magnitude de seu valor no processo de produção” (Ibid., p. 224). No entanto, a parte do produto final expressa na dimensão de capital fixo somente é retirada da sua condição de repouso se o trabalho for acionado. É neste momento que o capitalista, na esfera do mercado, adquire por um tempo determinado a mercadoria força de trabalho ou capacidade de trabalho, que, para Marx (Ibid., p. 187), é o “conjunto das capacidades físicas e mentais, existente no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie”. Sem a presença da força de trabalho, o capital constante permaneceria em sua forma inicial, não criaria campos de possibilidades para que a relação homem/natureza saísse do estágio natural6. É a força de trabalho – expressão conceitual particular ao se tratar do modo de produção capitalista – que permitirá expressar no ente e no ser de cada objeto – produto ou mercadoria – sua substância presente em todos os valores-de-uso. Durante o processo de produção, toda mercadoria, ao expressar seu valor-de-uso, possui uma vinculação relacional entre o homem e a coisa. Nesse sentido, “o valor-de-uso de cada mercadoria representa determinada atividade produtiva subordinada a um fim, isto é, um trabalho útil particular” (Ibid., p. 49). Essa subordinação teleológica do trabalho é que faz o homem diferenciar-se dos animais, distanciando-se destes, a cada ato que realiza do estágio do homem natural. Os homens são únicos seres sob essa condição ontológica. Somente os homens colocam o pôr teleológico. Fundamentando esta 6 A parte do capital convertida em força de trabalho, ao contrário, muda de valor no processo de produção. Reproduz o próprio equivalente e, além disso, proporciona um excedente, a mais-valia, que pode variar, ser maior ou menor. 161 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio condição ontológica humana e não pertencente ao qualquer outra particularidade de ser, Marx dimensiona o distanciamento real existente entre o ser animal não humano e o humano, dizendo que [...] uma aranha executa operações semelhantes à do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade (Ibid., p. 202). O pôr teleológico, a ação finalística apresentada pelos seres sociais, coloca o ser de dimensão social e humana em condição privilegiada e diferenciada em relação aos demais seres. Somente os homens podem emancipar-se individual e coletivamente, por isso, toda e qualquer produção humana é social. Portanto, a saída histórica na construção, no desenvolvimento e na efetivação de uma nova sociedade emancipada só é possível coletivamente, e é esta particularidade que o trabalho possui, pois só ele cria a possibilidade de os homens emanciparem-se enquanto seres genéricos. Porém, para o capitalista, os valores-de-uso produzidos só representam algum significado se forem direcionados para o mundo do mercado, quer dizer, se forem trocados por outras mercadorias. É necessário adquirirem for ma social. Caso esse caminho seja interrompido, essa construção esgota-se em si mesma. Nesse sentido, os valores-de-uso são veículos materiais de valores-de-troca, isto é, ao tornarem-se sociais, possibilitam a ocorrência de trocas por outras mercadorias. “Para criar mercadoria, é mister não só produzir valorde-uso, mas produzir para outros, dar origem a valor-de-uso social” (Ibid., p. 48). 162 Alfredo Batista Adquirindo origem social, as mercadorias expressam-se no mercado com determinadas características que as colocarão em condições de troca. Na troca, as mercadorias (enquanto valores equivalentes ou valores relativos), possuem certas qualidades de valores-de-uso que desaparecem no momento da troca, ficando somente na relação com a quantidade produtiva nelas presente. Esta quantidade não possui uma determinação horizontal e eterna, mas varia no tempo e no espaço conforme o desenvolvimento dos meios de produção e das forças produtivas. Desaparecendo as qualidades das mercadorias, trabalho concreto, estas, enquanto valores-de-troca, expressam, no mercado, suas quantidades, isto é, trabalho humano abstrato, materializado no produto. E por apresentarem-se como valores-de-troca na dimensão do trabalho social abstrato, as mercadorias podem ser trocadas umas pelas outras quantas vezes forem necessárias: em um determinado momento, com valores equivalentes, em outro, com valores relativos. Isto enquanto o mercado apresentar mercadorias com propriedades de valores-de-uso. Uma mercadoria A relaciona-se com uma mercadoria B, efetivando-se uma troca simples. Mas, uma mercadoria, para ser lançada no mercado, deve relacionar-se, enquanto troca, com infinitas outras mercadorias oferecidas, independentes da sua espécie, pois, [...] nenhuma mercadoria se relaciona consigo mesma como equivalente, não podendo transformar seu próprio corpo em expressão de seu próprio valor, tem ela de relacionar-se com outra mercadoria, considerada equivalente, ou seja, fazer da figura física de outra mercadoria sua própria forma de valor (Ibid., p. 65). 163 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Todo esse processo ocorre com todos os homens em suas ações cotidianas, mas não aparece de forma transparente. No momento da troca, os homens não percebem que estão trocando trabalho concreto: trabalho que apresenta qualidade, imbuído da criatividade humana. Nesse sentido, o que os homens trocam aparece como coisas, e estas assumem o papel determinante, escondendo, assim, as relações sociais existentes na transação. A relação entre as coisas passa a ser reconhecida como relações sociais, e as relações sociais aparecem como coisas. É no momento da troca que o valor se expressa. É neste momento que certa quantidade de trabalho abstrato, enquanto excedente, aparece em sua liquidez e vai para as mãos de um determinado capitalista. Este valor, que só aparece no momento da troca das mercadorias, esconde, no decorrer da transação, a sua substancialidade, sua magnitude e sua forma. Essas propriedades não aparecem claramente para quem está trocando, mas ganham outras dimensões, aparecem como uma relação fetichizada. A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la com relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho (Ibid., p. 81). Na condição de relação fetichizada, coisificada, os homens realizam-na entre si sem tal discernimento. Apesar de estarem trocando 164 Alfredo Batista seus produtos “sem saberem o que estão fazendo”, há uma relação entre os homens, pois, sabendo ou não, querendo ou não, no processo de troca, algo comum está presente na mercadoria como expressão de valor equivalente ou valor relativo. Trata-se da presença de trabalho humano. Mesmo “se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria, só lhe resta ainda uma propriedade: a de ser produto do trabalho” (Ibid., p. 44). Por apresentar trabalho humano, o valor é intrínseco em toda mercadoria, porque toda mercadoria é fruto do produto do trabalho humano que, na troca, coloca-se como trabalho humano abstrato. “O valor, ao contrário do valor-de-troca, é uma propriedade inerente à mercadoria porque nesta está contida trabalho humano abstrato, e este por sua vez uma propriedade comum a todas as mercadorias” (Ibid., p. 451). Assim, o valor é comum a todas as mercadorias, porque, para que haja trocas, é necessário que o valor-de-uso apresente-se em quantidades diferentes no mercado, e esta designação revela, em seu conteúdo, uma quantidade determinada de trabalho socialmente necessário. Quer dizer, “o tempo de trabalho requerido para produzirse um valor-de-uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destrezas em intensidade de trabalho (Ibid., p. 46). Esse trabalho socialmente necessário, na troca, apresenta-se como trabalho socialmente abstrato. E, por ser abstrato, parte do trabalho é utilizado para pagar a força de trabalho (trabalho necessário), e parte é apropriado pelo capitalista (trabalho excedente), fator que lhe possibilita acumular capital. O trabalho excedente é uma quantidade de trabalho não pago. Este recurso – produção de trabalho necessário e excedente – é um processo realizado por diferentes forças de trabalho que se 165 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio expressam no decorrer do processo de trabalho e de produção das relações sociais. No entanto, algo místico paira sobre esta relação: o fetichismo da mercadoria que, ao apresentar-se no mercado, está imbuída de certa quantidade de trabalho humano abstrato para ser trocada. Por que ela aparece sob a forma de trabalho abstrato e não como trabalho concreto? Por uma razão muito especial: no momento da transação, a relação existente apresenta-se de forma fetichizada, e por apresentar-se desta forma, o comprador e o vendedor abstraem todas as qualidades que existem no conteúdo das mercadorias, celebrando uma relação entre coisas. O que prevalece, enquanto possibilidade de troca no mercado, não é quem produz acompanhado de suas qualidades criativas, mas o que se produz. E no ato da troca, o que se produz resume-se a quantidades de valores. As coisas assenhoram-se e tornam-se sujeitos enquanto as pessoas escravizamse, subordinam-se e são reconhecidas como predicados em todos os sentidos. “Este salto é mortal”. Aparece uma dada relação que, fetichizada, esconde as relações sociais que estão presentes em cada mercadoria. Isto é, trabalho humano concreto. Aparecem os homens relacionando-se entre si, não como pessoas, mas como propriedades das coisas. Desaparece todo o processo da construção entre homens, e aparece o mundo das coisas. As coisas aparecem configuradas como relações sociais, e as relações sociais aparecem como relações entre coisas. Sob a lógica da razão instrumental, as relações de produção atribuem uma forma social às coisas, “pelas quais e através das quais as pessoas mantêm essa dada relação” (RUBIN, 1987, p. 38), e, mesmo que ela seja interrompida, “as coisas se apresentam como uma forma social determinada, fixada, começam por sua vez a influenciar as pessoas, moldando sua motivação e induzindo-as a estabelecer relações de produção concretas uma com as outras” (Ibid., p. 38). 166 Alfredo Batista Essa forma social determinada, fixada na produção e na circulação, põe-se na condição de materialização das relações de produção. Os homens relacionam-se uns com os outros e o produto dessa relação final é a sua materialização específica 7. E, no capitalismo, ao materializar-se em relação, confere-lhe uma determinada forma social. É neste momento que as coisas ganham uma dada personificação. Os homens reconhecem os outros não pelo que são, mas pelo que eles possuem ou fazem. As relações sociais aparecem como coisas, fetichizadas, e ao realizarem-se como fetiche, elas se apresentam, em todo o processo, estranhas aos produtores. E, ao personificar as relações, ocorre uma reificação das pessoas, criandose uma aparente contradição entre a “reificação das pessoas” e a “personificação das coisas”. “Dos dois aspectos mencionados do processo de produção, apenas o segundo – ‘personificação da coisa’ – permanece na superfície da vida econômica e pode ser diretamente observado (Ibid., p. 39). Porém, para que este universo pudesse ser construído no cotidiano, necessitou-se que a força de trabalho estivesse à disposição no mercado. Assim, [...] quando os grandes donos das terras inglesas per mitiram a seus ser ventes que antes consumiam uma parte da produção excedente arrancando da terra, ao par que seus arrendatários expulsavam das suas terras os campesinos, 7 “Por materialização das relações de produção entre as pessoas, Marx entendia o processo através do qual, determinadas relações de produção entre pessoas (por exemplo, entre capitalistas e operários) conferem uma determinada forma social ou características sociais, as coisas através das quais as pessoas se relacionam uma com as outras (por exemplo, a forma social do capital)” (RUBIN, 1987, p. 35). 167 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio lançando no mercado de trabalho uma massa de forças de trabalho que ficavam livres em dois sentidos: livres das velhas relações de clientela, servas e dependentes, e livres também de todos os seus bens, de toda forma de existência objetiva e material, livres de toda propriedade e, portanto, obrigados a vender sua capacidade de trabalho ou a dedicar-se na mendicância, à vagabundagem ou ao roubo, para poder subsistir (MARX, 1985, p. 363). Essa conquista foi fundamental para os donos do capital e representou um fator determinante no processo de produção, pois a força de trabalho é o único elemento no processo de produção que cria valor8 e, no estado de potência, é fonte viva do valor. Sob esta forma de se relacionar e da necessidade imediata, o modo de produção capitalista traz uma peculiaridade que o diferencia radicalmente dos modos de produção anteriores. É necessário que exista um determinado número de pessoas “livres” e despossuídas para oferecerem seus trabalhos. A subsunção formal inicia-se neste momento. A partir daí, os homens colocam-se no mercado para venderem sua força de trabalho, suas energias, registrando sua dependência como operários. Ao vender seu trabalho ao capitalista, o operário adquire somente o direito em obter o preço do trabalho, porém não o produto deste trabalho 8 “O trabalho, é certo, apresenta primeiramente uma relação de negatividade com respeito a si mesmo, é o trabalho ainda não objetivado, quer dizer, carente de objeto e que possui, portanto, uma existência meramente subjetiva. Portanto, ainda que o trabalho careça de objeto, é uma atividade; pode não ter um valor por si mesmo, porém é a fonte viva do valor” (MARX, 1975, p. 203). 168 Alfredo Batista nele acrescentado por ele. [...] Vender o trabalho é igual a renunciar a todos os frutos do trabalho. Portanto, todos os progressos da civilização ou, dito de outro modo, todo o incremento das forças produtivas sociais, que são, se você quiser, as forças produtivas do trabalho mesmo, os resultados da ciência, dos inventos, da divisão e combinação do trabalho, os avanços dos meios de comunicação, da criação do mercado mundial, da maquinaria, etc., não enriquecem, consequentemente, aos operários senão ao capital; somente servem para acrescentar mais e mais o poder que domina o trabalho; potenciam somente a força produtiva do capital (Ibid., p. 363). Por outro lado, não basta ao operário querer vender sua força de trabalho; é necessário que existam no mercado pessoas que queiram comprá-la e colocá-la em movimento. Necessita-se da existência do capitalista9. Os operários vendem sua força de trabalho para o capitalista, recebendo, em troca, um salário. Portanto, a apropriação do trabalho alheio marca a dependência do operário em relação ao capitalista por um determinado período. Essa apropriação, no entanto, ocorre não só em relação ao trabalho, mas também da vontade do operário, 9 Neste primeiro momento, os capitalistas se utilizavam não somente da força de trabalho do operário, mas também de seus instrumentos (muitos operários não conseguiam colocá-los em movimento devido à concorrência que já existia no mercado). Num segundo momento, os operários, despossuídos de todos os bens, inclusive de seus instrumentos de trabalho, resumem-se em uma única mercadoria: a força de trabalho. 169 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio retirando-lhe sua liberdade – a liberdade de decidir sobre sua vontade –, reduzindo o seu campo de reflexo em relação a si mesmo e ao mundo. De acordo com Lukács (1989, p. 37), “o reflexo correto da realidade é a condição inevitável para que um dever-ser funcione de maneira correta; no entanto o reflexo, correto, só se torna efetivo quando conduz realmente à realização daquilo que deve ser”. Assim, o operário é expropriado, definhado de todas as determinações que lhe possibilitem perceber o reflexo correto da realidade e, sob o jugo do capital, transforma-se em nada. Esse mecanismo vivo, porém, não é percebido pelo trabalhador, mas materializa-se a partir da passagem da cooperação simples para a manufatura e nesta se efetiva. A subordinação do trabalho em relação ao capital explicita-se concretamente. Mesmo no interior na velha produção feudal, caracterizada pela cooperação simples, ensaiavam-se as formas de se colocar o trabalhador subordinado ao capital. Porém, quando o processo de trabalho materializou-se, no período manufatureiro, o que eram ensaios, tentativas, tornou-se realidade. A manufatura dominava o universo produtivo e social, impondo, naquele momento histórico determinado, como a relação capital-trabalho deveria ser. A manufatura foi o passo inicial. O capitalista se aproveitou das condições existentes, pois não nasce do nada uma nova forma de subsunção. Existe uma construção anterior que determina a forma de se relacionar na produção. Há uma separação dos meios de produção, mas também de decomposição destes, o que leva o trabalhador, aos poucos, a perder a dimensão do todo e apreender apenas uma parte do ofício. Neste trilhar antagônico e contraditório presente nas relações estabelecidas entre classes, porém de forma embrionária, a manufatura 170 Alfredo Batista [...] não se limita a aproveitar as condições para cooperação como as encontra, ela as cria, até certo ponto, decompondo a atividade do artesão. Por outro lado, consegue esta organização social do processo de trabalho apenas aprisionando cada trabalhador a uma única fração do ofício (MARX, 1975, p. 396). Nessa fase da subordinação, a relação capital-trabalho ocorre por meio da produção de valor excedente, por meio da mais-valia absoluta, quando o capitalista passa a utilizar-se da força de trabalho do operário o maior tempo possível. Isso lhe possibilita aumentar constantemente o trabalho excedente. Embora os meios de trabalho mantenham certa rotatividade, o aumento da mais-valia dá-se na ampliação das horas de trabalho, inclusive reduzindo os horários de refeições, e no não cumprimento dos feriados e dos dias santos. Os operários não assistiram a essa relação de braços cruzados. Posicionaram-se contrários e lutaram bravamente, em vários momentos da história, por meio dos movimentos reivindicatórios. A luta entre o capitalista e o trabalhador remonta à própria origem do capital. Ressoa durante todo o período manufatureiro. Mas, só a partir da introdução da máquina, passa o trabalhador a combater o próprio instrumental de trabalho, a configuração material do capital. Revolta-se contra essa forma deter minada dos meios de produção, vendo nela o fundamento material do modo capitalista de produção (Ibid., p. 489). Essa postura do trabalhador em relação ao capital foi-se complexificando. E os trabalhadores conseguiram, em alguns países, 171 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio a redução da jornada de trabalho, dificultando a ação dos capitalistas na correlação de força, porém, não conseguiram impedir o movimento da classe capitalista, que continuou extraindo trabalho excedente e, se não bastasse isso, colocando em movimento a mais-valia relativa. Porém, os capitalistas foram, aos poucos, sentindo a necessidade de criarem mecanismos para alterarem esta relação de desvantagem. Era necessário dar um salto qualitativo na forma de produzir, ou o modo de produção capitalista corria o risco de entrar num processo de estagnação profunda. E a resposta não tardou a ser anunciada, por meio de ações individuais e coletivas: houve a revolução tecnológica que, acompanhada pela racionalização e burocratização das relações de produção e social, possibilitou a superação da mais-valia absoluta, mas não a extinguiu, pois esta é parte constitutiva de toda produção social mercantil. Assim, o aumento da jornada de trabalho e a criação de leis que beneficiassem os capitalistas colocaram em movimento um processo de extração de valor por meio da maquinaria. Com o motor a vapor, fruto da primeira revolução tecnológica, esse mecanismo “morto” contribuiu para ampliar a apropriação do trabalho vivo e acumular maior valor excedente. Dessa forma, as máquinas passaram a controlar os homens, fazendo deles um apêndice dos instrumentos de produção, pois a única lei que se preservava era a da produtividade, e de como produzir em um menor espaço de tempo uma quantidade maior de mercadorias. Essa posição capitalista foi alcançada devido à primeira revolução tecnológica, que permitiu reestruturar a forma de produzir, exigindo que os operários aumentassem a intensidade e a elasticidade das suas atividades. É a máquina que diz para o operário quanto tempo é necessário para produzir uma determinada mercadoria. Ao colocar as potencialidades descobertas a serviço do capital constante, 172 Alfredo Batista obtendo uma maior lucratividade, o capitalista não só ampliou o ritmo das atividades, como também as indústrias começaram a ser movidas em turnos alternados. A verdadeira subsunção real estava posta em prática. “Na subordinação real do trabalho ao capital efetua-se uma revolução total (que prossegue e se repete continuamente) no próprio modo de produção, na produtividade do trabalho e na relação entre capitalista e operário” (Ibid., p. 89). O trabalhador, definitivamente, além de perder seus meios de produção, perde a liberdade de construir seu produto. Há uma inversão de papéis. O trabalhador é dominado pelo instrumento que ele mesmo produziu: as dimensões criativas e suas habilidades são impedidas de serem desenvolvidas. Amplia-se o grau de embrutecimento dos homens em relação aos próprios homens. Formata-se nas relações cotidianas, nos diferentes processos de trabalho, o domínio dos capitalistas no âmbito do capital constante, ampliando a acumulação e concentração do capital fixo. A subsunção real é o marco de uma nova forma no interior do processo de trabalho, dentro de um mesmo modo de produção. Na subsunção formal, o domínio do capitalista é relativizado: uma grande parte dos operários vende sua força de trabalho para aquele, mas possui ainda a possibilidade de manejar instrumentos que são do seu domínio, permanecendo o processo de trabalho que antes se procedia. Porém, na subsunção real, o trabalhador perde a liberdade total, relativizando a sua vontade individual e coletiva. A preocupação dos capitalistas não foi, em nenhum momento, com o homem como ser social, humano, que, objetivando suas teleologias por meio do trabalho, tivesse a possibilidade de libertar-se em direção à emancipação do meio natural. Os capitalistas somente se preocuparam em extrair a maior quantidade possível de mais-valia. Este objetivo central é o que determina a sua forma de ser. 173 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Para atingir este objetivo “promissor”, os capitalistas, por meio da apropriação do conhecimento científico e tecnológico, começaram a criar e fabricar máquinas revolucionárias. Com a introdução das máquinas, ocorreu uma transformação significativa no processo de trabalho e dos instrumentos de trabalho. Essa transformação não poderia ocorrer se, ao mesmo tempo, o trabalho não passasse por uma divisão pormenorizada, que “tem a ver, em princípio, com a mudança no método de trabalho, mas é afetada, como também afeta as alterações no instrumental do trabalho” (PARO, 1991, p. 49). Mas a esfera da organização do trabalho é também atingida em suas determinações centrais. Dividir o trabalho em funções pormenorizadas foi um avanço para os capitalistas e uma “desgraça” para o operário. O capitalista deixou de se preocupar, em parte, com o trabalho individualizado. E conseguiu, por meio de treinamentos, adequar o trabalho a diferentes funções dentro da fábrica. Com essa possibilidade posta na ordem do dia, o capitalista adquiriu vantagens desde o momento da compra da força de trabalho. Assim, foi necessário comprar apenas uma força de trabalho que tivesse o conhecimento de todo o processo de produção. Considerando que o mercado dispõe de um grande e qualificado exército de trabalhadores, “com a divisão pormenorizada do trabalho, torna-se possível comprar separadamente, de diferentes possuidores, o tipo de capacidade de trabalho requerida para cada elemento do processo” (Ibid., p. 53). Sob essas condições materializadas no mercado, o resultado para o capitalista é certo: aumento exponencial do lucro 10 E realizar 10 Por apresentar uma maior redistribuição do trabalho, é possível encontrar a qualquer momento o tipo de capacidade de trabalho de que necessita o capitalista. Para conseguir aumentar a intensidade desse capital, o capitalista propõe “sugar” a maior quantidade de potencialidade que cada trabalhador possui. 174 Alfredo Batista esta imposição sobre a força de trabalho não só é possível porque o capitalista se apropria da força de trabalho do operário, mas também porque exerce sobre esta um determinado controle. “A divisão manufatureira do trabalho pressupõe a autoridade incondicional do capitalista sobre seres humanos transformados em simples membros de um mecanismo que a ele pertence” (MARX, 1975, p. 480). Ao controlar o trabalho dos operários, o capitalista, no período da manufatura, exercia o domínio da força sobre o trabalho individual. Para isso, buscava dominar e controlar a ponto de “apoderarse de suas raízes”, isto é, da potencialidade de cada operário. Ocorre, portanto, mais uma reestruturação da organização das formas de trabalho. Concomitante a essa reestruturação, ocorre na manufatura um processo de racionalização e burocratização que leva à criação de uma hierarquia entre os próprios trabalhadores. “A manufatura propriamente dita não só submete ao comando e à disciplina do capital antes independente, mas também cria uma graduação hierárquica entre os próprios trabalhadores” (Ibid., p. 412). Todas as “grandezas revolucionárias” criadas pelo capitalismo, colocando o operário diretamente sob as regras da subsunção real, atingiram o grau mais perverso que até este momento a humanidade presenciou. Ocorreu uma transformação radical nos meios de produção, o que propiciou ao capitalismo atingir um grau de acumulação de excedente até então nunca visto. E, ao mesmo tempo, levou o operário e seus familiares a atingirem graus máximos de miséria humana. Essa gradação revela o seu nada, pois o trabalhador, no decorrer do processo, apresenta-se comto um ser desqualificado, humana e profissionalmente. “O homem necessitado, cheio de preocupações, não pode admirar nem o mais belo espetáculo” (Ibid., p. 40). 175 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Profissionalmente, o operário, ao se entregar a dado objeto, tem a finalidade de, por meio dos seus conhecimentos de base técnica e/ou científica, apropriar-se das deter minações singulares, particulares e da totalidade que o objeto é. No entanto, devido à situação em que o operário se encontra nesse estágio do desenvolvimento produtivo, o máximo que consegue atingir é parte insignificante da riqueza do que é o objeto, mesmo quando há um domínio da parte mais complexa. Este fato ocorre porque os operários são treinados e organizados na base produtiva para saber o máximo do mínimo, tornando-se especialistas 11. No modo de produção capitalista, essa dimensão é criada e desenvolvida para estar sempre a serviço do capital e, jamais, reverter-se contrariamente à lógica. “A especialização de manejar uma ferramenta parcial, uma vida inteira, se transforma na especialização de servir sempre a uma máquina parcial” (Ibid., p. 482). Enquanto força de trabalho especializada, a subsunção real ao capital torna-se mais nítida, possibilitando o reconhecimento social. O capitalista enquadra o operário como apêndice da máquina, e utiliza-se da sua especialidade o máximo possível, transformando-a em um instrumento que domina o próprio operário. “O feitiço vira contra o feiticeiro”, a máquina construída pelo próprio homem apodera-se das suas potencialidades e de todo o seu tempo disponível. É importante lembrar que, para o capitalista, não existe tempo livre12. 11 Tornar-se especialista é uma condição posta pelo próprio modo de produção estabelecido, pois quanto mais se desenvolvem as forças produtivas, mais se necessita de especialistas. No entanto, no momento em que o especialista não consegue dimensionar a parte – complexos de complexos – no todo complexo, torna-se um ser parcelado, fragmentado e, portanto, fragilizado em sua individualidade. 12 Para o capitalista, não existe tempo disponível para criar valor-de-uso (para construir uma sociedade com vida). Se hoje há um desmoronamento do 176 Alfredo Batista [...] Fica desde logo claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo o seu tempo disponível é por natureza e por lei tempo de trabalho, a ser empregado no aumento do próprio capital. Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o descanso dominical mesmo no país dos santificadores de Domingo (Ibid., p. 300). Essa perda da amplitude do que representam realmente as dimensões do trabalho social é prolongada com maior evidência no momento em que os trabalhadores perdem o ritmo de seus trabalhos e são colocados à vontade do ritmo da máquina. É a máquina que diz a hora de iniciar e a hora de parar. É a máquina que diz como iniciar e como parar. Há uma “inversão” na relação homem/natureza: “não é mais o trabalhador que utiliza os instrumentos de produção para transformar a matéria-prima em objeto útil; pelo contrário, é a máquina que utiliza o trabalhador, determinando-lhe o movimento e o ritmo de trabalho” (PARO, 1991, p. 53). Há, dessa forma, o domínio de um mecanismo morto em relação a um mecanismo vivo. É a máquina dominando e impondo o ritmo ao trabalhador: “na manufatura, os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica eles se tornam complementos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles” (MARX, 1975, p. 353). trabalho humano e livre, como pensar uma sociedade de tempo “livre”? Hoje, o shopping center é o espaço para o tempo livre. 177 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Ao dominarem os membros de um mecanismo vivo, a máquina (mecanismo morto) leva os homens a um certo grau de monstruosidade, até então nunca visto, atingindo um alto grau de negação das próprias atividades humanas. As ações bárbaras realizadas pelos homens em seu cotidiano são delegadas como sendo obras do demônio ou, numa visão mais moralista, como casos de vadiagem, de descompromisso social. Essas ações nunca são entendidas como fruto da relação conflituosa entre capital e trabalho em seu cotidiano porque [...] deformam o trabalhador monstruosamente levando-o artificialmente a desenvolver uma atividade parcial, à custa da repressão de um mundo de instintos e de capacidades produtivas, lembrando aquela prática das regiões platinas onde se mata um animal apenas para tirar-lhe a pele e o sebo. Não só o trabalho é dividido e suas diferentes frações distribuídas entre os indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado e transformado no aparelho automático de um trabalho parcial, tornando-se assim, realidade a fábula absurda de Menennius Agrippa que representa o ser humano como simples fragmento do seu próprio corpo (Ibid. p. 413). A desumanização dos operários atinge outros limites. No decorrer do processo de produção capitalista, o trabalhador vai chegando a uma dada situação em que, para manter-se em pé e propiciar condições mínimas de vida, não como sujeito, mas como um ser insignificante, chega aos extremos: além de um operário escravo, torna-se também um traficante de escravos. Ou seja, não 178 Alfredo Batista basta ao operário perder sua dimensão de homem enquanto sujeito: o capitalismo exige que seus filhos e sua mulher também cheguem à mesma condição13. E, com essa dimensão destruidora do ser social colocada em prática, a classe-que-vive do trabalho excedente consegue abstrair e materializar “da desgraça dos outros” a sua felicidade. Expropriados da própria produção, os trabalhadores e seus familiares necessitam reivindicar junto às esferas do Estado direitos positivos para manterem-se vivos e em condições básicas humanas, físicas e psíquicas, para produzir e reproduzir-se como seres sociais. Esse processo contínuo e histórico coloca diariamente os trabalhadores em processo de organização para materializarem conquistas e/ou ajudas por meio de ações, projetos, programas e políticas sociais que respondam às metamorfoses da questão social que estes sujeitos estão imersos desde as primeiras relações estabelecidas no interior do modo de produção capitalista, a partir do final do século XVIII e, com mais intensidade, após a segunda metade do século XIX. No Brasil, este cenário marca seu princípio no pós-1930, porém, é com a constituição de 1988 que iremos sedimentar no campo legal direitos humanos em diferentes dimensões, encontrando na criação dos conselhos de direito, instância consultiva, propositiva e deliberativa, uma possibilidade de ampliar direitos positivos já existentes, bem como estabelecer, por meio deste instrumento, o controle social do papel do Estado. Este exercício humano de inferir nas decisões da vida cotidiana encontra no tripé da Seguridade So13 A revolução ocorrida na ciência, principalmente após 1870, levou a divisão do trabalho ao seu limite, criando e ampliando novas profissões e novos postos de trabalho, em que a força de trabalho das crianças e das mulheres ganha espaços. Essa ação não é inocente: ela contribui para fragilizar a relação dos trabalhadores em relação ao capital. 179 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio cial – saúde, previdência e assistência social – espaços privilegiados para exercitar e materializar decisões coletivas. Entendemos que esse espaço é uma conquista política possível de avançar na ampliação da sociabilidade humana, efetivando realizações que se encontram na esfera da emancipação humana, especialmente a ampliação da democracia, momento em que a pluralidade é conquistada e executada. No entanto, esse processo pode também expressar a continuidade da negação da vida, expressar retrocessos, pois, ao invés de colocarmo-nos na história como sujeitos, nossa concretude sedimenta-se enquanto objeto. Per manecendo esta última possibilidade, vivenciam-se experiências que desenvolvem a construção e efetivação de uma sociedade bárbara. Política social e controle social Com a criação e efetivação da sociedade assalariada durante a última quadra do século XVIII e em todo o século XIX (CASTEL, 1988; ENGELS, 1985a), consolida-se nas bases estruturais do projeto societário burguês a presença da figura do Estado, aportando elementos teórico-práticos e históricos que culminaram com uma inovada estrutura na esfera de governo, ou seja, o campo dos direitos14. Ações irracionais ampliam-se nos diferentes cantos das cidades e do campo: algo era necessário fazer. Não havia tempo para esperar o pior. A contradição e o antagonismo de classes instauramse a céu aberto na metade do século XIX (MARX, 1995; 1998). 14 O campo dos direitos é uma dimensão particular reclamada pela classe trabalhadora, estruturada em entidades com elementos de organização ou não. Este espaço requer a implantação e implementação do sistema democrático de governo (VIEIRA, 1992). 180 Alfredo Batista Pobreza, miséria, desemprego e outras profundas manifestações da questão social “colocam a cabeça para fora”. A classe burguesa, despida de argumentos e ações democráticas liberais, distancia-se dos princípios progressistas conquistados durante a Revolução Francesa e passa a assumir na história o papel de classe conservadora. Suas ações pautam-se não mais na preocupação com a manifestação da verdade científica, mas com a verdade que agrada aos interesses do projeto societário burguês em movimento. A verdade materializava-se caso fosse do interesse dos membros da classe burguesa e das instituições estatais responsáveis pela segurança da propriedade privada e corporal dos indivíduos, destacando-se a corporação policial (COUTINHO, 1972). Os trabalhadores, movimentados por princípios humanistas, avançaram em seus propósitos; porém, quando apresentaram ações de intervenção de cunho revolucionário, não conseguiram sustentar seus propósitos nobres e, sem nenhum cuidado, as forças dominantes destruíram, em sua raiz, a manifestação da contradição em movimento na Europa. Por meio de uma interferência brutal realizada pelas forças repressivas dos países europeus, estas conseguiram, em curto espaço temporal, colocar ponto final no movimento reivindicatório dos trabalhadores em 1848. No entanto, não conseguiram destruir o germe da contradição gestado na história de alcance universal (MARX, 1977). A contradição percorria os espaços públicos e privados. As manifestações da “questão social” abarcavam os diferentes extratos sociais, não deixando suspeitas sobre o que poderia acontecer: de um lado, uma resposta dos trabalhadores e de seus familiares; de outro, a desconfiança dos membros da classe dominante em dar respostas que acabassem com as epidemias e outras implicações no campo da saúde pública que assolavam também os lares burgueses. 181 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Quem cumprirá o papel de realizar um novo arranjo para mediar as relações contraditórias? O Estado, na condição de esfera de governo que cria mecanismo de controle social. Como expressa Mészáros (1987): em qualquer sistema de governo, o controle social é parte constitutiva da política; a questão é saber quais bases teórico-práticas e históricas o fundamentam. A interferência do Estado assume uma inovada particularidade em sua constituição política: por meio dos recursos públicos, é convocado a responder às exigências das políticas sociais, efetivadas em instâncias diferenciadas pelo processo histórico de luta explicitado por membros da classe trabalhadora. Em particular, suas metas intervencionistas estavam voltadas para os trabalhadores com carteira profissional assinada (BEHRING, 1998). Quanto aos demais trabalhadores, em compasso diferenciado em relação aos arranjos e rearranjos do capital, diferenciados na dosagem atribuída em cada país, a interferência do Estado assume uma particularidade em sua constituição política. No Brasil, até 1930, as manifestações da questão social foram tratadas como caso de polícia e não de política (CERQUEIRA FILHO, 1982). Entre ações manipulatórias governamentais por meio de planos econômicos e golpes militares, o campo dos direitos sociais avançou minimamente e, mesmo quando estes direitos eram anunciados pelos governantes, tinham e ainda hoje têm a retórica e a concretude da dimensão da filantropia estatal. Este cenário ganha inovada configuração a partir das décadas de 1970 e 1980, momento em que novos sujeitos históricos “entram em cena” (SADER, 1988; ANTUNES, 2000). 182 Alfredo Batista Marcado pela erupção de uma nova crise mundial de fundamentos estruturais, o capitalismo tardio, como é apresentado por Mandel (1985), sofre retração em seu processo de acumulação, iniciando uma nova “onda longa” de caráter recessivo. Envoltos nesse processo, os trabalhadores ganham as ruas durante o governo ditatorial e, além das lutas por direitos de fundamentos econômicos, expressos diretamente em recuperar ganhos salariais, homens e mulheres de todas as idades expressam – por meio de mecanismos os mais diferenciados possíveis – lutas cotidianas para recuperarem a retomada dos direitos civis e políticos, abrindo caminho para colocarem na ordem do dia uma gama de reivindicações de direitos sociais. Este processo materializou-se na esfera jurídica com a aprovação da constituição de 1988. Durante este recorte temporal vivenciado no Brasil – décadas de 1970 e 1980 –, o projeto societário burguês – sob o comando dos governos Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos, países cêntricos – coloca em movimento, a partir de 1979, a experiência do receituário neoliberal (HARVEY, 1989), em resposta ao processo recessivo instaurado. [...] o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan (CHESNAIS, 1996, p. 34). 183 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio Quando trazemos nossas reflexões para os dias atuais – ou pós-Constituição de 1988 –, deparamo-nos com elementos inovados do processo de controle social no âmbito das políticas sociais, em particular, na esfera da Seguridade Social: saúde, previdência e assistência. As duas últimas ganharam as ruas e, por meio de processos democráticos, avançaram na esfera pública, criando, na instância legal, os Conselhos de Direitos. A maioria deles, além de poder manifestar a dimensão consultiva, garantia também em lei dimensões deliberativas e propositivas. Porém, na esfera do governo, as ações, projetos, programas e residuais políticas sociais, ao reduzirem a responsabilidade do Estado, transferem-na para a esfera privada15 (BATISTA, 1999). A terceirização dos serviços, por meio das entidades privadas – denominadas de “terceiro setor” –, situa-se sob uma nova modalidade de firmar convênios com as diferentes esferas de governo para garantir a lógica da retirada do Estado com o controle público, abrindo as comportas para as falsas regras de mercado. No momento que estes dois movimentos caminham no mesmo espaço – porém, com fundamentos teóricos, metodológicos e históricos diferenciados –, constata-se, nas disputas cotidianas, que os Conselhos de Direitos têm ocupado o papel de certificar as ações terceirizadas, enquanto as ações públicas diretas reduzem a intervenção no campo do direito positivo. Há um elemento que determina essa prática em tempos neoliberais: a apropriação do lucro em escala exponencial, advindo 15 Um novo discurso é retomado dos fundamentos liberais e ganha especificidades inovadas nos dias atuais. Determina-se ao Estado que transfira para o mercado o papel de execução das políticas sociais geradoras de lucro, em destaque as políticas sociais da saúde e da educação. 184 Alfredo Batista das diferentes fontes, inclusive da expropriação dos fundos públicos nas diferentes esferas de governo. A questão não é nova. Os mecanismos criados por meio do projeto burguês e pelas manifestações reivindicatórias dos movimentos e agrupamentos de trabalhadores, organizados ou não, é que apresentam características inovadas. Na esfera do capital, a cooptação dos trabalhadores e de seus familiares ganha expressões sutis, ampliando a dominação física e psíquica (ANTUNES, 1988; 2000). Nas vinculações ofensivas dos trabalhadores, suas intervenções retrocedem no tempo e no espaço e, impossibilitados em avançar no campo da ruptura, direcionam suas ações para garantir mínimos sociais ou negociarem vantagens efêmeras em troca da permanência no emprego. Também cresce a aceitação por atividades desregulamentadas ou sob as novas e opressivas regulamentações trabalhistas. Este cenário ampliou sua manifestação nas categorias profissionais vinculadas às esferas públicas; em particular, podemos exemplificar a situação contratual que os docentes colaboradores estão celebrando por meio do contrato de trabalho nas universidades estaduais do Paraná. Pensar em direitos é dar espaços ao campo de lutas que tem como horizonte os princípios que fundamentam a democracia. Esta conquista histórica assentou seus primeiros pilares filosóficos e de exercícios práticos na Grécia Antiga, adormeceu em todo o período medieval e estr uturou-se sob novos parâmetros a partir dos fundamentos reconhecidos na atualidade como universais, nos escritos de Hobbes, Locke e Rousseau. Ao mesmo tempo e com expressão deter minante, o movimento que o capitalismo comercial e, posteriormente, o industrial tomou, em particular, nos países Europeus, criou na base desses processos embrionários, que culminaram com a construção das classes 185 Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio sociais – burguesia e proletariado –, princípios de igualdade, fraternidade e liberdade, trazendo, em seus fundamentos, conteúdos que referiam-se à implantação de uma dada sociabilidade, em que os direitos humanos ganhariam centralidade. É neste cenário que o Estado de Direito ganha formatação, tendo como expressão máxima, em sua base estrutural, a Revolução Industrial em suas dimensões econômica e política na Inglaterra e na França. Em decorrência dessas duas concretizações históricas e suas implicações no cotidiano das ações das classes em construção, o Estado de Direito, com diferentes configurações, é instaurado em vários países – e na estrutura de seu propósito, dá sinais efetivos da construção de uma estratégia de governo denominada “política social” (VIEIRA, 1992). No berço desta nova configuração das relações estabelecidas na sociedade civil, enfatizamos que este movimento histórico que se registra nas décadas de 70 e 80 do século XIX não é expressão da criação divina ou da linearidade da história mas, sim, é expressão do espaço que a classe trabalhadora ocupava/ocupa no interior do modo de produção capitalista. No entanto, o movimentar-se dos trabalhadores não ocorria para além das margens estabelecidas pela classe burguesa dominante. Em outras palavras: se o Estado de Direito é a concretização necessária para que as políticas sociais possam ser criadas, desenvolvidas e aprimoradas, esta situação não ocorre de forma livre, mas sob o controle da classe que domina materialmente e ideologicamente (MARX, 1986). Num primeiro momento, sob a máxima da cenoura e do porrete – no governo de Bismark, na Alemanha. Num segundo momento, por ações de disputa na própria elaboração das políticas. Este mecanismo ganhou outras dimensões 186 Alfredo Batista e, no Brasil, no pós-Constituição de 1988, registra-se e desenvolvese a criação dos conselhos de direito em diferentes instâncias das políticas sociais. Assegurar a continuidade e aprofundamento do debate, a ampliação dos direitos por meio das ações realizadas pelos movimentos dos trabalhadores, propiciando o aumento das instituições de direitos, é uma meta diária a seguir. Porém, não podemos deixar de ter a clareza de que os avanços possíveis de se alcançar são sempre limitados, pois nosso horizonte de embate são os espaços em que impera o direito burguês. Dentro desse universo, o máximo que possamos avançar, e é necessário, são conquistas que se encontram no marco da cidadania burguesa. Referências ANTUNES, R. A Rebeldia do trabalho: o confronto operário no ABC paulista, as greves de 1978/80. São Paulo: Ensaio, 1988. ______. Adeus ao trabalho?. 7 ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 2000. BATISTA, A. Reforma do Estado: uma prática histórica de controle social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 61, p. 6390, nov. 1999. BEHRING, E. R. Política social no capitalismo tardio. São Paulo: Cortez, 1998. BRAVERMAN, H. 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Nesta concepção, a população é incentivada a sentir-se responsável pelas ações e serviços que o Estado deveria manter em função das contribuições que a população paga (tributos, impostos, taxas, etc.). No Brasil, as conferências e os conselhos de saúde resultaram de mobilizações e lutas de setores da sociedade que conseguiram, em determinado momento histórico, fazer prevalecer um projeto político para o setor saúde, o projeto do Movimento da Reforma 191 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Sanitária. Estas conquistas também são, atualmente, espaços de disputas de projetos políticos e interesses de grupos sociais distintos, muitas vezes antagônicos e com recursos diferentes de poder, que nos diversos enfrentamentos buscam fazer prevalecer seus interesses. Por serem espaços de disputa de projetos políticos, podem apontar, em determinados momentos, para direções distintas daquelas originalmente pensadas, pois, outros grupos sociais podem mobilizarse para fazer prevalecer os seus interesses. Ou seja, não está determinado que estes espaços expressem todo o tempo, as necessidades dos setores populares da sociedade. Talvez, até então tenha se sobressaindo as propostas de cunho popular, mas isto não é imutável. É necessário fazer a distinção entre o conjunto de entidades que compõem os conselhos de saúde para compreender a participação popular como possibilidade de ambas as situações, ou seja, ao mesmo tempo em que pode mobilizar a população para o enfrentamento das desigualdades sociais em busca de melhor qualidade de vida, pode também ser manobrada em favor daqueles que buscam a manutenção e conservação da situação vigente. Ainda que os conselhos e as conferências de saúde sejam reconhecidos como espaços de disputa de projetos políticos diferentes, e às vezes contraditórios, no campo social e da saúde o princípio constitucional da participação popular no SUS pressupõe que as propostas aprovadas nas conferências de saúde e as decisões deliberadas nas reuniões dos conselhos, em sua maioria, expressam a compreensão acerca da assistência à saúde dos segmentos que participam desses espaços, quais sejam, os usuários e trabalhadores de saúde, majoritariamente, prestadores e gestor. E que, ali, explicitam as suas necessidades e anseios com relação aos serviços públicos de saúde. Portanto, as decisões e proposições advindas dessas instâncias 192 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza deveriam ser observadas pelo poder público no momento em que planejam, executam e avaliam as políticas de saúde implementadas, indicando respeito às conferências de saúde como o grande momento consultivo do processo de participação da população no Sistema Único de Saúde, e os conselhos de saúde como órgãos deliberativos, além de fiscalizadores, conforme os preceitos legais. No entanto, ao analisar as necessidades de saúde da população, expressas nos relatórios finais das conferências, há que se considerar o contexto sociocultural e a interferência da ideologia hegemônica do atual estágio de desenvolvimento capitalista, na formação cultural dos sujeitos e das suas representações sociais sobre saúde e doença. Afinal, o que ou quem determina realmente as necessidades de saúde da população? Compreendendo que a saúde se transformou em uma mercadoria no sistema capitalista e, enquanto tal, possuidora de valor de troca, não é fácil afirmar que as necessidades apontadas pela população, nas conferências, estão isentas deste caráter ideológico e da lógica de mercado. Nesse sentido, em parte são compreensíveis as reivindicações dos usuários de determinados medicamentos, maior número de médicos, mais ambulâncias ou, ainda, de implantação de programas apresentados pelo governo como a solução para todos os problemas de saúde. Contudo, há que se perguntar se são reais estas demandas ou são apenas a resposta da população ao processo de educação para a doença. Há necessidade de medicamentos, exames e procedimentos para o atendimento curativo de agravos que já estão acometendo a população, porém, há necessidade, ainda que não sentida ou percebida, de implementar medidas amplas para promover a saúde daqueles que ainda não a perderam e de prevenir muitos agravos que poderiam e deveriam estar sendo abordados preventivamente. 193 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Há indícios e denúncias que revelam que as atuais políticas de saúde não estão de acordo com as decisões provenientes do exercício do controle social do SUS, ao contrário, na maioria das vezes estão atreladas ao projeto de desmonte do Estado, que busca “modernizar” o aparelho estatal e ampliar a participação da iniciativa privada nas ações lucrativas do setor saúde. Esse projeto propõe a focalização dos serviços públicos para grupos marginalizados da população e a participação da comunidade nos sistemas de saúde, com o intuito de responsabilizar a população pelos cuidados com a saúde, portanto, com entendimento distinto do defendido pelo Movimento da Reforma Sanitária Brasileira. Como se observa não são poucos os problemas enfrentados para que a participação da população realmente se concretize conforme o exposto na legislação do SUS. O despreparo dos conselheiros de saúde, a apatia política da maioria da população, resultado de vários fatores, incluindo o desemprego, associado à disseminação da idéia de divisão dos custos do sistema de saúde com a população, o co-pagamento e o estímulo ao terceiro setor, aos trabalhos voluntários, solidários, tudo tem feito com que as discussões sobre políticas de saúde, nas várias instâncias institucionais como conselhos e conferências de saúde, se apresentem com caráter meramente homologador das propostas dos gestores do sistema de saúde, colaborando para o ponto de vista de que o espaço de participação, quando consentido pelo Estado, serve mais para atenuar os conflitos do que para enfrentá-los e superá-los (NASCIMENTO, 2001). As formações sociais capitalistas são caracterizadas pelo conflito, ainda que velado, entre classes sociais distintas e com interesses antagônicos. De acordo com Saes (1998), na maioria dos 194 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza casos o resultado concreto de um processo social não corresponde às intenções, nem de um, nem de outro agente, ou seja, [...] não corresponde nem à intenção da classe exploradora, nem à intenção da classe explorada. A prática da classe explorada, de resistência à dominação de classe, põe obstáculos à concretização das intenções da classe exploradora [...]; mas as concessões (materiais, no plano do discurso), com as quais a classe exploradora responde à prática de resistência, desencaminham a classe explorada, levando-a a agir por vias que não levam à concretização de sua intenção [...] (SAES, 1998, p. 154). Como se observa, o Estado capitalista busca atenuar os conflitos por meio da instituição de estratégias ou políticas sociais que, apesar de na maioria das vezes resultarem de amplos processos de mobilização e pressão social, geralmente têm caráter assistencialista, com a finalidade de compensar as desigualdades e injustiças sociais, contribuindo, assim, para a conservação deste sistema político e econômico. Segundo Coutinho (1989), em nome da restrição econômica, de um lado, e da necessidade da modernização do aparelho estatal para o desenvolvimento dos países periféricos, de outro, a partir da década de 1980, o Estado brasileiro adotou medidas de redução das suas responsabilidades, seguindo o modelo neoliberal, por meio de privatizações de empresas e instituições públicas, cortes dos gastos públicos, principalmente na área social, incentivo a participação da iniciativa privada em todos os setores públicos, desregulamentação das relações de trabalho, entre outras. 195 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Os países centrais e suas principais agências de financiamento (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional) financiaram os países em desenvolvimento para auxiliar na implantação destas políticas, na reestruturação do Estado e, juntamente com os recursos, repassaram também as orientações de como obter êxito na implementação destas medidas. As consequências sociais podem ser percebidas, sem grandes esforços, no aumento do desemprego, no crescimento da pobreza na piora das condições de vida de grandes contingentes da população (SOARES, 1997). Para o setor saúde, estas políticas também trouxeram consequências para a qualidade e acesso aos serviços, como aborda Soares (1997, p. 14) ao afirmar que as políticas neoliberais reduziram a responsabilidade do Estado e destruíram políticas públicas historicamente consolidadas: “ao invés de avançarmos do estágio onde as políticas sociais eram meramente compensatórias e assistencialistas para o estágio no qual as políticas sociais passam a ser equânimes e universais, [...] retrocedemos às políticas residuais”. A subordinação dos recursos destinados à saúde a uma política econômica de redução de gastos na área social vem fazendo com que o SUS seja cotidianamente questionado no que diz respeito à sua incapacidade de atender a demanda dos serviços de saúde, bem como de impedir o reaparecimento de doenças consideradas sob controle. A alternativa encontrada pelos governos para solucionar estes problemas tem sido a apresentação de programas e estratégias simplificados e focalizados nas populações mais pobres, ao mesmo tempo em que incentiva a expansão da rede privada, por meio da transformação de hospitais públicos em Organizações Sociais Autônomas e da transferência de serviços para associações comunitárias, desobrigando-se das responsabilidades de oferecer uma 196 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza assistência integral e universal, conforme os preceitos do SUS. Estas propostas, de acordo com Rizzotto (2000), foram e são defendidas por organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial, e estão expressas em vários documentos oficiais que tratam do setor saúde de um modo geral e do sistema de saúde brasileiro em particular, muito embora colidam com os princípios e diretrizes do SUS. A emergência da ideia de participação popular na saúde A discussão da participação popular é marcada por ambiguidades que expressam as diferentes perspectivas políticoideológicas com que se utiliza o ter mo. Valla (1998) define participação popular como múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social. Este autor, ao diferenciar a participação popular dos termos modernização, integração da comunidade, mutirões, aponta para uma participação política da sociedade civil em órgãos, agências ou serviços do Estado alertando para duas possibilidades desta participação: de um lado legitima a política do Estado diante da população e, de outro, abre canal para as entidades populares disputarem o controle e o destino da verba pública. Entendida a participação popular como a mobilização e organização das classes populares para exigir do Estado políticas públicas que garantam condições dignas de vida, é possível localizar o início da discussão sobre participação popular nos anos 30 e 40 do século XX, em relação estreita com o surgimento das políticas públicas (VALLA, 1998). Neste período, o desenvolvimento do capitalismo 197 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS no Brasil por meio do processo de industrialização e com o aumento da urbanização e a expansão das periferias, agravou as desigualdades socioeconômicas no espaço das cidades. Este fato fez com que, a partir da década de 1970, aumentassem significativamente as demandas por serviços de infra-estrutura e sistema de transporte (BÓGUS, 1998). Lopes (2000) considera que a atual forma de organização dos serviços de saúde e dos diferentes órgãos colegiados de participação teve seu início em 1923, com a aprovação da Lei Eloy Chaves, legalizando a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) que favorecia os trabalhadores de categorias mais organizadas, como os ferroviários e, mais tarde, em 1926, estendidas aos portuários e marítimos, oferecendo serviços de saúde de caráter curativo aos integrantes e seus familiares. Nas CAPs os trabalhadores participavam dos Conselhos de Administração formados por representantes da empresa e dos trabalhadores, eleitos diretamente a cada três anos, sendo o presidente escolhido por seus pares. A participação do Estado se restringiu à criação da lei, mas não interferia na administração ou na gestão financeira, somente em casos de problemas entre as Caixas e os segurados. Com o processo de industrialização, que ampliou o número de trabalhadores na zona urbana, o Estado unificou as CAPs por categoria profissional nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), fazendo parte da administração, ficando a participação dos trabalhadores e dos empregadores com um papel secundário de assessoria e fiscalização a posteriori dos atos do presidente, agora indicado pelo Presidente da República, e não por voto direto (LOPES, 2000). 198 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza Em 1966, com a unificação dos IAPs no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o modelo médico privatista consolidase, e, respaldado por uma política geral opressora, o controle e o gerenciamento das ações de saúde passaram a ser totalmente centralizados e a participação dos trabalhadores na gestão do sistema previdenciário foi extinta. O Estado assumiu sozinho a direção do INPS e os empregados e empregadores perderam por completo o direito de gerir e definir as políticas previdenciárias e de saúde (CARVALHO; PETRIS; TURINI, 2001). Em 1977 com a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), foi reforçada a assistência médica de caráter individual e especializada e, no que se refere à participação, a maioria da população retraída pelo medo devido ao regime de ditadura militar, assumiu uma postura passiva, esperando que o Estado resolvesse seus problemas. Entretanto, na segunda metade da década de 1970, com a crise do INAMPS, consequência da ampliação dos serviços e da proliferação de contratos com empresas privadas sem controle por parte da Previdência, que deu margem a uma enorme corrupção e desvio de recursos que levaram à falência do sistema, associado aos movimentos sociais que contestavam o regime militar, mobilizações populares começaram a exigir melhores serviços de saúde. Embora a história da participação popular seja anterior a este momento, foi no século XX, durante a década de 1980, que as manifestações populares chegaram ao ápice no Brasil (VALLA,1998). Bógus (1998) também localiza no final da década de 1970 e início da década de 1980 os movimentos baseados nas reivindicações quanto aos bens e serviços, inexistentes ou insuficientes para solucionar os problemas urbanos vivenciados nos bairros periféricos das cidades. 199 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Na década de 1970, o papel dúbio e contraditório do Estado de prover condições dignas de vida para a população trabalhadora e atender os interesses dos grupos sociais comprometidos com o impulso da economia capitalista industrial compôs o quadro em que começaram a surgir os movimentos sociais. De acordo com Lopes (2000), os movimentos sociais tornaram-se mais evidentes com a retomada das discussões sobre cidadania, ocorrida na segunda metade dos anos de 1970 com a luta contra o regime autoritário imposto pelo modelo político durante o governo militar e pela democratização do país. Junto às reivindicações dos movimentos sociais por melhores condições concretas de vida da maioria da população, como água, esgoto, iluminação, transporte, etc., aglutinou-se a luta pelo direito à saúde, que assumiu grande relevância com o Movimento da Reforma Sanitária, o qual propunha profundas mudanças para a Saúde e Previdência Social daquele período. O descontentamento da população deu origem a movimentos crescentes de reflexão e discussão da política de saúde. Neste período, a população organizada passou a reivindicar mudanças nas políticas sociais e defender a saúde como direito de todos e dever do Estado. A saúde passou a ser percebida, pela primeira vez na história do país, como resultante das condições de vida das pessoas e não apenas como um estado biológico de ausência da doença. Nesse sentido, o modelo de assistência pautado na doença é questionado e emerge a proposta de um sistema de saúde público descentralizado, organizado regional e hierarquicamente, de acesso universal e igualitário para toda população, cuja participação deveria ser assegurada por lei (VALLA, 1998). Na década de 1980, com a implantação das Ações Integradas de Saúde (AIS), estratégia racionalizadora das despesas com saúde proposta pelo Plano Conselho Nacional de Assistência e Saúde 200 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza Pública (CONASP), já se defendia muitos dos princípios do SUS como a universalidade do acesso aos serviços de saúde, a integralidade e equidade da atenção, a regionalização e hierarquização dos serviços, a descentralização das ações e do poder decisório e, também, a participação de setores organizados da sociedade civil e o controle pelos usuários. Com as AIS, [...] foram instituídos órgãos colegiados, denominados Comissões Interinstitucionais de Saúde, organizados em nível estadual (CIS), regional (CRIS) e municipal (CIMS); e contavam com a participação de gestores governamentais, prestadores de serviços públicos e privados e representantes da população (ANDRADE; CORDONI JÚNIOR; SOARES, 2001 p. 98). A defesa de um sistema de saúde descentralizado para os municípios surge ainda em 1963, antes da instauração do regime militar, na 3ª Conferência Nacional de Saúde, cujos temas oficiais foram a situação sanitária da população brasileira, a distribuição das atividades médico-sanitárias nos níveis federal, estadual e municipal, a municipalização dos serviços de saúde e fixação de um plano nacional de saúde. Porém, estas discussões foram interrompidas pela ditadura militar, que retomava a centralização das políticas no nível federal e propunha, para o setor de saúde, a privatização dos serviços. A luta pela municipalização da saúde é retomada na década de 1970 e reunia pessoas ligadas a movimentos das universidades, movimento de técnicos interessados e movimento da população, das associações de moradores e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica (CARVALHO, 2002). 201 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Mas, é na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) que o projeto de Reforma Sanitária Brasileira atinge o momento apical na sua definição político-ideológica. O sistema de saúde proposto seria de responsabilidade do Estado, com complementaridade do setor privado, com os objetivos de eficiência, eficácia e equidade sendo construída, concomitantemente à ampliação da consciência sanitária dos cidadãos, à inversão do modelo assistencial, ao desenvolvimento de uma nova ética profissional e da criação de meios para favorecer o controle popular sobre o sistema. A 8ª Conferência Nacional de Saúde se constituiu no instr umento político-ideológico que influenciou a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), em 1987, e na elaboração da nova Constituição Brasileira (MENDES, 1994). Santos (2000), ao avaliar os aspectos da conjuntura da Reforma Sanitária Brasileira, afirma que o movimento iniciado a partir da década de 1970 e desenvolvido na década de 1980, realizouse no bojo do aguçamento das contradições nos setores previdenciário e da saúde no regime militar, e do esgotamento das soluções do próprio modelo autoritário militar. Os movimentos sociais na luta pela liberdade e fim do regime militar buscaram, na época, soluções em espaços subalternos das práticas e organização dos serviços de saúde, como também se espelhou no modelo italiano de reforma sanitária e nos modelos de sistemas de saúde inglês e cubano. Segundo o autor citado anteriormente, na década de 1990, a Reforma Sanitária Brasileira se ampliou e apoiou-se na crescente reflexão, formulação de estratégias e produção de conhecimentos, geradas na prática de novos atores como os gestores do sistema de saúde, seus assessores, membros do Ministério Público, os 202 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza conselheiros de saúde, as Comissões Intergestores, as organizações não-governamentais, que buscavam ampliar trincheiras no esforço de construir o SUS e o novo modelo assistencial. Cortes (1996) aponta que as origens da criação de novas formas de envolvimento dos cidadãos no processo político podem ser encontradas, em primeiro lugar, na desilusão com as instituições políticas verificadas em várias democracias liberais ocidentais, desilusão representada pela diminuição do número de votantes em eleições nos Estados Unidos e em países europeus, poucas filiações em partidos políticos e a crescente desconfiança nos representantes eleitos pelo voto, a falta de credibilidade nas principais instituições políticas, fatos constatados por estudos realizados nestes países. Em segundo lugar, a autora aponta, como fator predisponente para a criação de mecanismos participatórios institucionalizados nas democracias liberais, o crescimento de novos movimentos sociais ao final dos anos de 1960 e durante os anos de 1970, como, por exemplo, a Revolução de Maio, em Paris (1968) e o crescimento de organizações de moradores, ecológicas e de consumidores nos Estados Unidos, países europeus e latino-americanos. Estes movimentos distinguiamse pela posição anti-institucional e pela busca de autonomia frente às instituições organizadas, até mesmo partidos políticos e sindicatos, temendo novas formas de cooptação. E, em terceiro lugar, a autora afirma que a crise econômica mundial, na segunda metade da década de 1970, o endividamento público que pressionava as organizações de bem-estar social a promover cortes em suas despesas e reformas com o objetivo de racionalizar as estruturas burocráticas estatais, implicaram na criação de mecanismos participatórios, os quais poderiam, ao mesmo tempo, exercer pressão e servir como fiscalizadores sobre uma burocracia resistente às mudanças (CORTES, 1996, p. 31). 203 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Naquele contexto, governos conservadores simultaneamente abriram para o setor privado serviços e produtos até então mantidos pelo governo e promoveram a participação do consumidor individual, em conjunto com entidades que representavam os interesses de diversos setores sociais, promoveram a privatização e defenderam o fim da dependência cultural promovida pelo Estado de bem-estar social que produzia indivíduos preguiçosos. Já os governos socialdemocratas, propondo a reforma do setor público, incentivaram canais de expressão das opiniões, reclamações e sugestões, pautados pela concepção de provisão pública de bens e serviços e a manutenção dos ideais igualitários de eqüidade e justiça social (CORTES, 1996). O objetivo de ambos era lidar com as [...] dificuldades financeiras do governo, com a falta de resposta das burocracias às demandas dos cidadãos, a ausência de controles públicos sobre essas burocracias, a insatisfação e desconfiança públicas e a redefinição das formas de relacionamento entre os governos e os novos movimentos sociais (CORTES, 1996, p. 32). A implementação de políticas racionalizadoras e o incentivo à participação fizeram com que diversos setores sociais demandassem cada vez mais por participação nas decisões políticas e nos rendimentos do desenvolvimento econômico. Em alguns países como Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha, Itália e Alemanha, foram criados canais participativos para os setores sociais nas áreas como tráfico aéreo, licenciamento de alimentos e drogas, gerenciamento costeiro, regulamentação, administração e definição de políticas ambientais, educacional, habitacional, assistencial e de saúde (CORTES, 1996). 204 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza Na área da saúde, a autora lembra que, além das pressões dos movimentos sociais, também podem ter influenciado a criação de novos espaços institucionais para a participação da comunidade, o estímulo das agências internacionais, sendo que, no final dos anos de 1960 e na década de 1970, os Estados Unidos estimularam a participação dos cidadãos em centros de vacinas, centros de saúde mental e criaram serviços de ouvidoria em programas de saúde. Na Grã-Bretanha, em 1974, foram criados conselhos comunitários de saúde nos níveis administrativos mais baixos do Serviço Nacional de Saúde, enquanto no Canadá, em Quebec (19701972), as leis que reformaram o setor de saúde da província estabeleceram que os cidadãos participariam das diretorias (boards) dos hospitais e casas de saúde e nas agências de assistência social. Também criaram os Centros Locais de Serviços Comunitários, que seriam a porta de entrada para todos os serviços de saúde e de assistência social na província do Quebec (CORTES, 1996). As recomendações das agências internacionais, segundo a autora anteriormente citada, representavam, na década de 1950 e início dos anos de 1970, um guia seguro para atingir o desenvolvimento. Para tanto, era necessária a contínua incorporação de inovações tecnológicas para aumentar a produtividade, a habilidade de exploração dos recursos naturais e de transformação do meio ambiente (CORTES, 1996). Neste período a participação da população era vista com muita relutância pelos setores sociais dominantes, uma vez que, nos estágios iniciais de desenvolvimento, a renda deveria concentrar-se nas mãos dos empresários ou do Estado. Já entre os anos 60 e 70 do século XX, foi constatado que o modelo de desenvolvimento anterior, ainda que tendo induzido um intenso processo de industrialização e modernização, exacerbou as desigualdades sociais e de distribuição 205 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS de renda, e as aglomerações urbanas ocasionavam problemas ambientais e sociais sem precedentes, em função da urbanização desordenada nesses países. Neste contexto, nos anos setenta, surgiram concepções opostas de desenvolvimento. A primeira considerava a intervenção estatal [...] um inibidor do processo de desenvolvimento. A segunda concepção [...] enfatizava as dimensões sociais do desenvolvimento, criticando as propostas que ressaltavam apenas seus aspectos econômicos [...] defendia a adoção de medidas que viessem habilitar os setores populares a participar do processo de desenvolvimento (CORTES, 1996, p. 34). É nesse contexto que organizações internacionais como o Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as Fundações Rockfeller e Kellogg, entre outras, incorporaram em seus projetos, em certa medida, a idéia de participação. Porém, algumas poucas organizações, como a UNICEF e a OMS, consideravam a participação popular como um elemento estratégico para atingir o desenvolvimento social e recomendavam a implementação de políticas de cuidados primários de saúde que estimulariam o autocuidado e a autonomia das comunidades, assumindo, elas próprias, a responsabilidade por sua própria saúde, pontos discutidos na Conferência de Alma Ata, em 1978. A estratégia dos cuidados primários de saúde representava a racionalização de custos de sistemas de saúde centrados nas atividades hospitalares e, por meio do envolvimento dos usuários nesses sistemas, estabelecia um controle externo sobre aqueles governos que resistiam em aceitar 206 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza os cortes de gastos ou outras medidas racionalizadoras. A participação da comunidade poderia dar-se pela criação de espaços de participação ou pela ênfase nos autocuidados envolvendo os participantes como co-financiadores ou como mão-de-obra para a construção de unidades de saúde ou equipamentos sanitários (CORTES, 1996). Já no final dos anos 70 e meados dos 80 do século XX, com o agravamento da crise econômica e a ascensão de políticos conservadores ao poder de países centrais as agências internacionais incentivavam a promoção de políticas de ajustamento estrutural visando reduzir drasticamente o tamanho do aparelho estatal, secundarizando a questão da participação, sendo útil apenas como estratégia de redução de custos e para incentivar ações autônomas autofinanciadas pelas populações locais (CORTES, 1996, p. 35). É nesse contexto que, aqui no Brasil, emergia o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira. A participação popular na legislação do SUS A intensa mobilização social ocorrida nas décadas de 70 e 80 do século XX, assumiu, no caso específico da saúde, papel importante nas formulações da 8ª Conferência Nacional de Saúde, cujas discussões resultaram na consagração institucional da saúde como direito de todos e dever do Estado, princípio expresso legalmente pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Federais nº 8080/90 e nº 8142/90. Juntas, estas leis constituem e sistematizam a proposta de modificar a forma de organização dos serviços de saúde em nível nacional, bem como as relações entre o Estado e a sociedade em 207 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS todas as esferas de governo, propiciando a emergência da participação e do controle da população nas decisões referentes à saúde (LOPES, 2000). No entanto, conforme afirma Valla (1998), os avanços legais, incluindo os conselhos municipais de saúde, não têm levado a transformações efetivas na realidade dos serviços. A implantação do SUS, a partir da incorporação das propostas do Movimento da Reforma Sanitária no texto constitucional de 1988, impõe a reorganização da rede pública de saúde, baseada em alguns princípios e diretrizes, dentre eles a participação da comunidade. Mas, este autor lembra que a participação popular legalmente aceita limita-se, geralmente, à representação civil em setores da administração pública responsáveis por determinada política setorial, mas não a interferência da população organizada sobre o conjunto das políticas sociais e econômicas do Estado. Ainda que a participação de alguns setores da população tenha se institucionalizado desde a década de 1980, com as Comissões Interinstitucionais de Saúde, quando da implantação das AIS (1985), de acordo com Lopes (2000), a 8ª Conferência Nacional de Saúde influiu de forma determinante nos poderes executivo e legislativo. No executivo, por meio da implantação do SUDS que manteve obrigatória a participação dos setores da sociedade nas comissões Interinstitucionais e recomendava a criação de conselhos de saúde. No legislativo, influiu na elaboração da seção saúde na Constituição Federal, que propunha a criação do SUS. Este novo sistema de saúde, legitimado pela Constituição Federal, possibilitaria a concretização das diretrizes da Reforma Sanitária Brasileira através de seus princípios norteadores. A participação popular foi garantida legalmente no arcabouço jurídico do Sistema Único de Saúde constituído, principalmente, pela 208 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza Constituição Federal de 1988, pelas Leis Orgânicas de Saúde nº 8080, de 19 de setembro de 1990 e nº 8142, de 28 de dezembro de 1990, e pela Lei Federal nº 8689, de 27 de julho de 1993 (BRASIL, 2000a,b,c). A legislação federal estabeleceu as normas gerais que orientam a participação da comunidade na gestão do SUS, por meio das conferências e dos conselhos de saúde. Ambos são paritários, pois os usuários têm direito à metade dos representantes, e sua organização e funcionamento são definidos em regimento próprio aprovado por cada conselho. A Resolução nº 33, do Conselho Nacional de Saúde/ 1992, incorporou as recomendações da 9ª Conferência Nacional de Saúde (1992) quanto à constituição e estruturação dos conselhos estaduais e municipais, estabelecendo o percentual de cada segmento para a composição paritária nestes órgãos. A Lei Federal nº 8080/90 refere-se às condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, além da organização e funcionamento dos serviços estatais e privados. Em razão dos vetos sofridos e, posteriormente, em decorrência da intensa mobilização e luta dos setores organizados da saúde, após três meses é aprovada a Lei Federal nº 8142/90, que regulamenta a transferência intergovernamental de recursos financeiros e a participação da comunidade, estando esta, em seu artigo 1º, garantida da seguinte forma: O SUS contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde (BRASIL, 2000a). Há consenso de que o SUS representa um grande avanço no tocante às políticas públicas no Brasil, principalmente em relação às políticas de saúde anteriores à Constituição de 1988, sendo o único setor com propostas e práticas claras de controle social, transparência administrativa, gestão participativa e democratização. Os conselhos de saúde foram criados e estão em processo de consolidação em 209 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS praticamente todos os municípios brasileiros. Mas os avanços são dificultados pelo fato de que a proposta do SUS, um sistema construído com base em princípios de solidariedade social e que assegura a universalidade do acesso e a integralidade da atenção, não é compatível com o atual modelo econômico. E, num contexto social em que a cultura política é marcada pelo autoritarismo, pelo clientelismo e pela exclusão, a luta pela preservação das conquistas sociais é dificultada pela frágil organização da sociedade, em especial dos setores que mais sofrem as consequências da pobreza e da iniquidade social (SOARES, 2000). As ações de saúde, acatadas as orientações da proposta neoliberal para minimizar o papel do Estado, são vistas como uma concessão aos pobres e são de responsabilidade privada, restando aos governos agirem somente naquilo que não interessa ao setor privado. Esta concepção sintetiza a “versão moderna da caridade” e, nesse contexto, a implementação do SUS é desafio ainda maior (SOARES, 1997). A prática do controle social no SUS Os conselhos de saúde são órgãos colegiados do SUS, fazem parte da estrutura do governo e são espaços coletivos onde se manifestam, com maior ou menor representatividade, os interesses dos diferentes segmentos sociais, possibilitando a negociação de propostas que pretendem direcionar os recursos para prioridades diferentes, participando, assim, da discussão das políticas de saúde em cada esfera de governo (BRASIL, 1998). A lei confere aos conselhos de saúde o poder de atuar na formulação de estratégias e no controle da execução das políticas de saúde, sendo que estas são também atribuições do poder executivo e 210 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza do poder legislativo, portanto, conselhos e gestores compartilham atribuições. Com relação à formulação de estratégias, os conselhos deverão apresentar uma postura combativa, ofensiva e criadora de construção do novo modelo, preferencialmente articulada e sinérgica com o gestor do SUS quando este também estiver disposto a construílo de acordo com a legislação vigente, enquanto que no controle da execução das políticas deverá ter uma postura defensiva contra desvios e distorções, mas sem acompanhamento permanente de execução dos programas prioritários do SUS. São objetivos dos conselhos contribuírem para a gestão dos princípios do SUS, seja na situação da saúde da população (riscos sociais e epidemiológicos e direito de cidadania), nas prioridades das intervenções e promoção, proteção e recuperação da saúde, na formulação de diretrizes e estratégias das intervenções do SUS e no planejamento de metas, orçamento e execução, no acompanhamento e avaliação da execução dos planos, orçamentos e metas. Os grandes objetos sobre os quais os conselhos devem atuar são: os indicadores de saúde para orientar os conselheiros quanto às prioridades e estratégias; os princípios do SUS para a construção do novo modelo; o modelo assistencial de saúde voltado aos interesses e direitos de cidadania dos usuários; o novo modelo de gestão financeira, materiais e pessoal e a permanente informação e alimentação às entidades representadas nos conselhos (BRASIL, 1998). A criação de comissões nos conselhos de saúde pode estar prevista na lei ou no decreto de criação do conselho, ou ser instituída em plenário, sempre considerando que o caráter deliberativo do conselho é privativo do seu plenário. As comissões temáticas têm 211 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS finalidade exclusiva de assessorar o plenário do conselho, subsidiando discussões para deliberação e formulação de estratégias de controle da execução de políticas de saúde. Apesar da existência de problemas, os conselhos de saúde têm se configurado como um novo espaço coletivo para discussões e articulações para a construção do SUS. O retorno das informações e deliberações do conselho para as entidades representadas pelo conselheiro configura importante ação para a conquista de adesão das mesmas no processo de construção e fortalecimento do SUS. As articulações junto ao Poder Legislativo, para que os conselhos sejam reconhecidos por lei, são desejáveis e pertinentes a uma forte atuação dos conselhos. As entidades e instituições representadas nos conselhos de saúde e os próprios conselheiros ainda não desenvolveram suficientemente as imprescindíveis articulações com o Poder Legislativo do seu município, Estado e da União. A força política do Poder Legislativo é poderosa aliada para as questões pertinentes ao fortalecimento do SUS nas ações dos conselhos (BRASIL, 1998). Os conselhos de saúde foram criados a partir de experiências vividas nos próprios municípios que os constituíam, sem nenhuma orientação. Assim foi com os conselhos municipais que buscavam apoio nos municípios vizinhos onde os conselhos já estavam funcionando, valendo também para os conselhos estaduais. Foi só em 1992, através da Resolução nº 33/1992, que o Conselho Nacional de Saúde se pronunciou sobre as diretrizes para a criação, estruturação e funcionamento dos conselhos de saúde, e que em 2003 foi revogada pela Resolução nº 333/2003. Um aspecto também importante é o intercâmbio de experiências de conselhos e conselheiros em plenárias, que permite o fortalecimento do controle social. O último destaque refere-se a 212 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza uma prática que vem se tornando bastante construtiva, que é o papel dos conselhos estaduais de saúde como instâncias de mediação e conciliação para as tensões e questões internas pendentes dos conselhos municipais do mesmo Estado, o mesmo acontecendo com o Conselho Nacional de Saúde em relação aos conselhos estaduais. Controle social entendido como o controle da população, ou do conjunto da sociedade organizada, sobre o Estado, deve visar ao benefício da maioria da população, permanentemente. Por isso, quanto mais os segmentos da sociedade forem mobilizados e organizados, maiores serão as chances de exercer pressão sobre os grupos hegemônicos no interior do Estado, almejando como resultado o Estado Democrático de fato. Todas essas formas de pressão e controle deram-se e continuam ocorrendo por iniciativas preponderantes dos movimentos e entidades da sociedade organizada, o que tende a ser o controle mais efetivo e legítimo, a favor do conjunto da sociedade. Porém, anteriormente já foi destacado o papel das Agências Internacionais e dos governos de alguns países na instituição de canais de participação da população nos serviços de saúde, visando a legitimidade das decisões governamentais e o controle de despesas e gastos desnecessários nos casos de governos tidos como corruptos. A composição dos conselhos tem características distintas e, ao mesmo tempo, representativas de todos os segmentos da sociedade. Sua composição deve ser tão heterogênea e plural quanto a própria sociedade, constituída por conselheiros sendo metade (50%) de entidades representantes dos usuários e, na outra metade, além do governo, entidades representantes dos prestadores de serviços (25%) e dos profissionais de saúde (25%). Apesar da garantia legal da participação popular no SUS como possibilidade do exercício do controle social sobre as políticas públicas, são vários os obstáculos para que esta prática se consolide 213 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS plenamente como um dos pilares na construção do Sistema Único de Saúde. Cecílio (1999) destaca como aspectos dificultadores do processo de controle social sobre os serviços públicos de saúde, (a) a existência de múltiplas racionalidades e projetos de saúde em disputa, de forma nem sempre explicitada; (b) a pouca clareza do conceito de qualidade em saúde; (c) o modelo de gestão vertical e pouco transparente adotado no setor público e (d) o enorme poder médico que se mantém fechado sobre si mesmo. Segundo este autor, seria lógico e esperado que houvesse uma parceria entre usuários e serviços públicos, uma vez que o usuário deveria ter interesse em acompanhar, cobrar a qualidade dos serviços que utiliza, pois financia através do pagamento de impostos, e o serviço deveria ter interesse de ser informado sobre suas falhas e inadequações na busca de melhorar seu funcionamento. Mas isto não ocorre com tanta facilidade, em decorrência dos fatores anteriormente pontuados. As organizações de saúde constituem espaços nos quais são disputados vários projetos políticos com diferentes visões de um mesmo objeto, no caso a saúde, o SUS e os modelos assistenciais, decorrentes de suas inserções diferenciadas tanto na sociedade como no espaço específico das organizações da saúde. Assim, gestores, prestadores de serviços privados, trabalhadores de saúde e usuários possuem, geralmente, concepções diferenciadas e, por vezes, contraditórias da saúde e do SUS. E mais, mesmo os trabalhadores de saúde comportam várias categorias muito diferenciadas e também possuem projetos políticos às vezes conflitantes, assim como os usuários. As organizações públicas de saúde são habitadas por distintos atores que têm interesses e projetos nem sempre coincidentes (CECÍLIO, 1999). 214 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza E assim como possuem projetos diferenciados, controlam recursos muito diferenciados também. O gestor controla recursos financeiros e de poder; os trabalhadores controlam o recurso do saber, além da força de trabalho que mantém o ser viço em funcionamento; aos usuários cabe controlar o recurso de poder eleger os representantes no poder executivo e legislativo, o que, em decorrência de vários fatores mediadores entre o ato de eleger nas eleições, deixa o usuário em uma situação muito inferiorizada perante os trabalhadores, na maioria das vezes, quando o recurso comparado é o saber (CECÍLIO, 1999). Além da existência de diferentes projetos políticos nas organizações de saúde, outro aspecto apontado por este autor como dificultador da prática do controle social é o caráter subjetivo do conceito de qualidade da atenção à saúde, que remete à necessidade de avaliar a qualidade dos serviços considerando, igualmente, a opinião dos usuários e os critérios mais científicos e objetivos estabelecidos pelos técnicos. Somados aos aspectos anteriores, o modelo de gerência adotado no setor público, inclusive na saúde, pode ser considerado como dificultador quando se observa que não há tradição de se explicitar claramente a missão da organização e seu desdobramento em objetivos e metas bem-esclarecidos e que não existem mecanismos regulares de avaliação de desempenho e prestação de contas no interior das organizações. Destaca-se, neste ponto, a forte tradição de autonomia e do segredo médico como um dificultador importante do controle dos usuários sobre os serviços de saúde. Desta forma, é possível afirmar que será necessário enfrentar cada um destes pontos para contribuir na efetividade do controle social como estratégia de melhoria do funcionamento dos serviços de saúde. 215 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS Contudo, existem possibilidades reais para melhorar a participação popular no setor da saúde. As instituições de ensino superior, por exemplo, podem realizar diversas ações junto aos conselhos de saúde ou a comunidade, estreitando o vínculo e contribuindo com os mesmos, ouvindo-os antes de estabelecer as atividades, além de devolver para a comunidade os resultados obtidos através de atividades e pesquisas, realizar atividades de forma constante e permanente, estabelecer parceria com os conselhos, ampliar a atuação através de projetos e estágios e, proporcionar atividades de educação em saúde e educação continuada. A prática do controle social nas Conferências de Saúde De acordo com a Lei Federal nº 8142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, são duas as instâncias colegiadas existentes em cada esfera de governo para a população exercer o controle do sistema de saúde: os conselhos de saúde e as conferências de saúde. A lei afirma que a conferência de saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, com a finalidade de “avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para a formulação da política de saúde” nos níveis correspondentes (BRASIL, 2000c). Portanto, legalmente, as conferências de saúde não possuem caráter deliberativo, ainda que, na prática, elas venham exercendo certa pressão sobre o poder público que acaba por acatar, em alguma medida, suas deliberações. O próprio Sistema Único de Saúde é exemplo disso: a Constituição Federal de 1988 praticamente incorporou o resultado das discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Obviamente isso só foi possível em 216 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza razão da mobilização contínua da sociedade mesmo após o término da conferência. As Conferências Nacionais de Saúde compõem a história das políticas de saúde brasileiras dos últimos tempos, expressando a busca pela democracia do Estado e a manifestação do controle social sobre as políticas públicas. Baseada na história das Conferências Nacionais de Saúde, as primeiras sete conferências de saúde realizadas no Brasil, de 1941 a 1980, não tiveram a participação da sociedade civil, destacando-se, porém, a importância da 3ª Conferência Nacional de Saúde, que já propunha a descentralização do sistema de saúde para os municípios e, ainda, a 7ª Conferência que ressaltou a importância e a necessidade da participação popular. De acordo com Carvalho (2002), qualquer análise da saúde no Brasil, no período mais recente, implica necessariamente tomar como referência a 3ª Conferência Nacional de Saúde, que discutiu quatro temas centrais: situação sanitária da população brasileira; distribuição das atividades médico-sanitárias nos níveis federal, estadual e municipal; municipalização dos serviços de saúde e fixação de um Plano Nacional de Saúde. A 8ª Conferência Nacional de Saúde é considerada um marco para o SUS, uma vez que foi nesta conferência que as principais características deste novo modelo para o sistema de saúde foram pontuadas, por meio de princípios e diretrizes que deveriam nortear o Sistema Único de Saúde e, também, pela primeira vez na história das conferências de saúde do Brasil, contou com a participação da sociedade civil, onde a participação popular foi defendida e deliberada como uma das diretrizes do SUS. Deliberou pela formação de conselhos de saúde em níveis local, municipal, regional e estadual, compostos de representantes eleitos pela comunidade (usuários e prestadores de serviço), que permitissem a participação plena da 217 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS sociedade no planejamento, execução e fiscalização dos programas de saúde. Também foi proposta a garantia de eleição das direções das unidades do sistema de saúde pelos trabalhadores desses locais e pela comunidade atendida. Para que a participação popular fosse viabilizada enquanto prática de controle social do SUS, foi afirmada a necessidade de garantir o acesso da população às informações necessárias ao controle social dos serviços, assegurando, a partir da constituição de um Sistema Nacional de Informação, a maior transparência às atividades desenvolvidas pelo setor e adoção de políticas de saúde que respondessem efetivamente à complexidade do perfil sócio-sanitário da população. Muitas das propostas em torno da participação e do controle social, assim como pontos polêmicos dentro do tema financiamento, perduram até hoje, como, por exemplo, o gerenciamento dos fundos de saúde, nos diferentes níveis, juntamente com a participação colegiada de órgãos públicos e da sociedade organizada (CORREIA, 2000). Os problemas que permanecem acabam fazendo parte da pauta das próximas conferências. Na 9ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1992, em meio a uma conjuntura de insatisfação social com as medidas antipopulares do governo Collor (CORREIA, 2000), o tema “Municipalização é o caminho” foi reafirmado como indispensável à implementação e fortalecimento dos mecanismos de controle social já existentes. Dentre as várias propostas aprovadas no evento, consta a garantia de efetiva implantação dos conselhos de saúde nos diversos níveis, em no máximo seis meses após a publicação do relatório desta conferência, e assegurada, aos mesmos, autonomia financeira, constituindo-os como unidades orçamentárias em cada esfera de governo. Para efeito da composição de tais conselhos, foi decidido, nesta conferência, que os usuários deveriam ser representados por entidades populares, representantes de 218 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza trabalhadores, entidades da sociedade civil voltadas para a organização de usuários do SUS e outras de natureza similar. Esta conferência também aprovou a composição paritária nos conselhos entre usuários e demais segmentos, assim como o seu caráter deliberativo e fiscalizador, com autonomia inclusive quanto à dotação orçamentária e gestão colegiada, devendo o presidente ser eleito entre seus membros, resultando na Resolução nº 33/1992, do Conselho Nacional de Saúde. (CORREIA, 2000). Dentre as propostas da 9ª Conferência Nacional de Saúde, ainda foram destacadas por Correia (2000) as que exigem o cumprimento das leis orgânicas no que diz respeito ao repasse de recursos, aplicação dos artigos 33 e 35 da Lei Federal nº 8080/90 e do artigo 3º da Lei Federal 8142/90, que tratam dos critérios para transferência de recursos e a obrigatoriedade dos fundos de saúde em todas as esferas de governo. Ressalta-se a proposta de destinar 10 a 15% dos orçamentos fiscais de cada esfera de governo exclusivamente para a saúde e pelo menos 30% do orçamento da seguridade social para a saúde, que mais tarde transformou-se no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 169 dos então deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires. Destaca-se que a atual Emenda Constitucional nº 29 não atende às proposições da PEC 169, uma vez que não vincula nenhum percentual obrigatório a ser destinado pela União ao setor saúde e não define percentualmente os recursos da saúde em relação ao orçamento da seguridade social. A 10ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1996, manteve as mesmas recomendações das anteriores com relação ao controle social, reafirmando os princípios do SUS e exigindo a efetivação dos espaços de participação popular. Os participantes desta conferência deliberaram pelo aprofundamento e pelo fortalecimento do controle social, reafirmando a obrigação dos gestores de cumprirem 219 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS a legislação do SUS também no que se refere ao caráter permanente e deliberativo dos conselhos de saúde na formulação e no controle da execução da política de saúde. Deter minaram ainda as responsabilidades dos gestores do SUS no estabelecimento de medidas que garantam o pleno funcionamento dos conselhos de saúde. Destacaram proposições para o cumprimento da composição dos conselhos de saúde e de reforço da articulação autônoma entre conselhos e conselheiros de saúde. As propostas foram mais incisivas com relação ao controle dos recursos da saúde por parte dos conselhos, demonstrando preocupação e dificuldade dos conselheiros em exercer este controle, diante da falta de transparência e de informações dos setores de finanças das secretarias de saúde e limites na compreensão e entendimento das contas prestadas pelo governo, conforme aponta Correia (2000). Na 11ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2000, é aprovada uma Agenda para a Efetivação do SUS e do Controle Social, que defende que o fortalecimento do exercício da cidadania pode ser realizado por meio do controle social da sociedade sobre as políticas públicas e, em especial na área de saúde, por meio das conferências e conselhos de saúde deliberativos e paritários com exigência de respeito às suas decisões. O balanço realizado pelos participantes desta conferência, sobre a operacionalização do SUS e o exercício do controle social, nos dez anos de esforços para sua implantação, indicou avanços e desafios que deveriam ser enfrentados para a sua consolidação. Nesta conferência foi reconhecido que, no Brasil, as desigualdades sociais, a concentração de renda e a existência de um verdadeiro “estado de mal-estar social”, produzem as condições que determinam a atual situação de saúde da população, e que as lutas setoriais apresentam resultados significativos de mudanças nestas condições de vida, 220 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza mesmo quando travadas numa perspectiva compensatória. Portanto, elas devem existir, somando-se às lutas por uma ordem social e econômica mais justa (NASCIMENTO, 2001). As Conferências de Saúde podem e devem contribuir, ainda, na definição de prioridades para melhorar a qualidade dos serviços de saúde, na avaliação da atuação dos Conselhos de Saúde no encaminhamento das propostas levantadas nas conferências anteriores, possibilitando a construção do SUS a partir das necessidades dos usuários e caminhando em direção à concretização do direito à saúde para todos. Porém, alguns entraves vêm se colocando para o alcance desses objetivos. Carvalho (2002) analisa que se deve repensar desde o período em que são realizadas as conferências, a representatividade dos segmentos sociais e participação dos conselheiros nas conferências, até o que se está fazendo depois das conferências para acompanhar e avaliar a execução dos planos de saúde. O autor propõe que as conferências devam ser realizadas em sincronia com a elaboração dos planos plurianuais (PPAs), ou seja, no primeiro semestre do primeiro ano de governo. A grande vantagem é agregar aos planos tudo o que se constituiu em rica discussão do processo eleitoral com seus anseios e promessas. Servirá para os governantes nos seus três anos seguintes e no primeiro ano da gestão seguinte. E, claro, cuidando-se para que, nos anos seguintes, sejam realmente realizadas avaliações da execução do que está proposto no plano. Atualmente as conferências de saúde apontam uma infinidade de propostas, como se o fato de participar da conferência e propor tudo o que se espera dos serviços de saúde fosse suficiente para que o poder público incluísse essas propostas nos seus planos e na execução da política de saúde. Tem que haver a mobilização permanente, ao menos no Conselho de Saúde, eleito na conferência, 221 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS para encaminhar tais propostas. Porém, aqui também reside outro problema: como a quantidade de propostas é muito superior ao tempo que o conselho terá para encaminhá-las e não há uma definição de prioridades na conferência para o tempo determinado para a atuação do conselho (geralmente dois anos nos municípios e Estados), o governo supostamente tem a incumbência de definir e priorizar as ações de saúde dentre aquelas propostas nas conferências, de acordo com o projeto político com o qual está comprometido. E, desta forma, tem alegado cumprir em alguma medida as propostas elaboradas nas conferências. Considerações finais As reflexões acerca do controle social e das práticas associadas a ele não podem ser feitas unicamente a partir do setor onde estas se realizam, mas, devem levar em consideração a realidade sócio, econômica e política de cada contexto histórico especifico, bem como os limites impostos pela concepção de mundo que caracteriza determinado modo de produzir e reproduzir a vida material e espiritual dos homens. Da mesma forma que se entende que essas condições são determinantes para a ação dos homens, deve-se levar em consideração que a realidade é dinâmica e contraditória e os processos históricos têm revelado alternativas nem sempre visíveis ou apreensíveis às análises realizadas próximas em termos temporais. Neste sentido, em face da pouca experiência de participação democrática vivida em nosso país, cerca de vinte anos, e da própria perspectiva teórica, não se buscou realizar, neste texto, uma análise onde fossem ressaltados apenas as mazelas do exercício do controle social no âmbito do SUS, tampouco se procurou relevar os problemas já identificados por vários autores, o que buscamos foi apresentar 222 Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza alguns elementos que em nosso entendimento possam contribuir para que o exercício do controle social avance, tencionando a própria democracia burguesa, na direção da construção de outra sociedade mais humanizada e efetivamente democrática. Referências ANDRADE, S. M. de, CORDONI JÚNIOR, L., SOARES, D. A (organizadores). Bases da saúde coletiva. Londrina: Editora UEL, 2001. BOGUS, C. M. Participação popular em saúde: formação política e desenvolvimento. São Paulo: FAPESP, 1998. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Incentivo à participação popular e controle social no SUS: Textos técnicos para conselheiros de saúde. Brasília: NESP/UNB, 2 ed., 1998. ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde. A prática do controle social: conselhos de saúde e financiamento do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2000a. ______. Lei Federal nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Legislação Básica do SUS 11ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília , 2000b. ______. Lei Federal nº 8142, de 29 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde e dá outras providências. Legislação Básica do SUS 11ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília, 2000c. 223 Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS CARVALHO, G. C. M. O financiamento público federal do Sistema Único de Saúde (1988-2001) São Paulo: 2002. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade Estadual de São Paulo - USP, São Paulo. CARVALHO, B. G.; PETRIS, A. J.; TURINI, B. Controle Social em Saúde. In ANDRADE, S. M. de, CORDONI JÚNIOR, L., SOARES, D. A (organizadores). Bases da saúde coletiva. Londrina: Editora UEL, 2001. CECÍLIO, L. C. O. Pensando mecanismos que facilitem o controle social como estratégia para a melhoria dos serviços públicos de saúde. Saúde em debate, Rio de Janeiro, v.23, n.53, p.30-36, set/dez 1999. CORREIA, M. V. C. Que controle social? Os conselhos de saúde como instrumento. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. CORTES, S. M. V. As origens da idéia de participação na área de saúde. Saúde em debate. Londrina/PR, n. 51, p.30-37, jun. 1996. COUTINHO, C. N. 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Revista Tema. Rio de Janeiro, nº 20, p. 9-13, fev. 2001. RIZZOTTO, M. L. F. O Banco Mundial e as políticas de saúde no Brasil nos anos 90: um projeto de desmonte do SUS. Campinas: UNICAMP - FCM (Tese de Doutorado), 2000. SAES, D. Estado e democracia: ensaios teóricos. 2 ed. Campinas: UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1998. SANTOS, N. R. A prática do controle social através dos conselhos de saúde. Divulgação em Saúde para Debate. Rio de Janeiro, n. 22, p. 71-91, dez/2000. SOARES, L. T. R. Globalização e exclusão: o papel social do enfermeiro. Revista de Enfermagem da Escola Anna Nery. Rio de Janeiro, ano I, n. 2, p.13-22, 1997. ______. As atuais políticas de saúde: os riscos do desmonte neoliberal. Revista Brasileira de Enfermagem: Saúde da Família , Rio de Janeiro: ABEn, 2000. VALLA, V. V. Sobre participação popular: uma questão de perspectiva. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.14, n. sup. 2, p.7-18, 1998. 225 226 SOBRE OS AUTORES Alfredo Aparecido Batista Doutor em Serviço Social (PUC-SP). Professor adjunto da Unioeste, campus de Toledo, atuando no Curso de Serviço Social e no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio. Líder do Grupo de Pesquisa Fundamentos em Serviço Social: Trabalho e Questão Social (Unioeste/CNPq). Desenvolve estudos na área de Serviço Social do Trabalho, com ênfase nos seguintes temas: trabalho, serviço social, Estado, questão social e formação profissional. E-mail: [email protected]. Elfrida Korol Andreazza Especialista em Educação Profissional da Área de Saúde (ENSP); especialista em Enfer magem de Saúde Pública (Unioeste); especialista em Vigilância em Saúde (ESPP/ENSP). Atua como enfermeira da vigilância epidemiológica da 10ª Regional de Saúde-PR. Membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores em Serviços Públicos da Saúde Pública e Previdência do Estado do Paraná (SindSaúde-PR) na gestão 2008/2011. Conselheira Estadual de Saúde no Paraná no biênio 2008/2009, representando o SindSaúde-PR. E-mail: [email protected] 227 Sobre os Autores Fernando Luiz Borges Médico graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Perícia Médica (Sociedade Brasileira de Perícia Médica). Pós-Graduação lato sensu em Docência do Ensino Superior. Especialista em Medicina do Trabalho pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). Professor de Pós-Graduação em Engenharia e Segurança do Trabalho da União Pan Americana de Ensino (UNIPAN). Assistente Técnico Judicial. Perito Judicial. Perito Médico Previdenciário. Médico chefe perito do INSS – Gerência Executiva de Cascavel. E-mail: [email protected] Francisco Antonio de Castro Lacaz Estágio de Pós-Doutorado em Psicologia Social na Universidade Autônoma de Barcelona (2009). Doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp (1996). Professor Associado III da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atuando nos cursos de graduação em Medicina e em Fonoaudiologia e no Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva (mestrado e doutorado), do Departamento de Medicina Preventiva. Líder de grupo de pesquisa Política, Planejamento e Gestão em Saúde (UNIFESP/CNPq). Desenvolve estudos sobre Política e Processo de Trabalho e Gestão e(m) Saúde, com ênfase nos seguintes temas: Trabalho e Saúde, Saúde do Trabalhador, Política de Saúde do Trabalhador e Processo e Gestão do Trabalho no Sistema Único de Saúde. Email: [email protected] e [email protected] 228 Sobre os Autores Georgia Sobreira dos Santos Cêa Doutora em Educação: História, Política, Sociedade (PUCSP). Professora adjunta da UFAL, atuando em cursos de licenciatura e no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação. É professora colaboradora externa do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação da Unioeste. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Estado, Sociedade e Educação (GP-TESE/ CNPq). Membro do Coletivo de Estudos de Política Educacional (FIOCRUZ/CNPq). Organizadora do livro O estado da arte da formação do trabalhador no Brasil: pressupostos e ações governamentais a partir dos anos 1990 (Edunioeste). Desenvolve estudos na área de Trabalho e Educação, com ênfase nos seguintes temas: fundamentos econômicos e políticos da educação, formação do trabalhador, processo de trabalho, políticas sociais e Estado. E-mail: [email protected] Laerson Vidal Matias Bancário. Vice-presidente do Sindicato dos Bancários de Cascavel. Diretor da Associação dos Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos (AP-LER), com sede em Cascavel-PR. Membro da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador do Conselho Municipal de Saúde de Cascavel-PR. Integrante da coordenação do Fór um Sindical de Cascavel. E-mail: [email protected] 229 Sobre os Autores Leny Sato Doutora em Psicologia Social (USP); livre-docente em Psicologia (USP). Professora titular da USP, atuando no Instituto de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (mestrado e doutorado). Foi coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho (CPAT/USP), de 1995 a 2005. Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho e processos organizativos na contemporaneidade (USP/CNPq). Co-editora dos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. Desenvolve estudos sobre os seguintes temas: saúde do trabalhador, psicologia social do trabalho, psicologia social, trabalho e psicologia do trabalho. E-mail: [email protected] Manoela de Carvalho Doutora em Saúde Coletiva (Unicamp). Mestre em Saúde Coletiva (UEL); Professora adjunta da Unioeste, campus de Cascavel, atuando no Curso de Enfermagem. Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS/CNPq) e do Grupo Gestão e Avaliação em Saúde (UEL/CNPq). Autora do capítulo As políticas do Governo Lerner para o setor de saúde no Estado do Paraná (1995-2002), publicado no livro Estado e Políticas Sociais (Edunioeste). Desenvolve estudos na área de Saúde Coletiva, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas de saúde, SUS e epidemiologia. E-mail: [email protected] Maria Helena Palucci Marziale Doutora em Enfermagem (USP/Ribeirão Preto); livredocente em Enfermagem (USP/Ribeirão Preto). Professora Titular 230 Sobre os Autores da USP, atuando na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP) no Curso de Enfermagem e nos Programas de PósGraduação em Enfermagem Fundamental (mestrado e doutorado) e Doutorado Interunidades (EEUSP/EERP-USP). Coordenadora da Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho em Hospitais (REPAT/ USP). Líder do Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho (NUESAT/CNPq). Coordenadora do Portal de Revistas de Enfermagem REV@ENF da Biblioteca Virtual em Saúde. Editora da Revista Latino-americana de Enfermagem. Desenvolve estudos na área de Enfermagem, com ênfase em Saúde do Trabalhador, atuando nos seguintes temas: enfermagem do trabalho, ergonomia hospitalar, promoção da saúde, prevenção de doenças, acidentes do trabalho e violência ocupacional. E-mail: [email protected] Maria Lucia Frizon Rizzotto Pós-doutora em Educação (UFSC/CENDES-UCV-Venezuela); doutora em Saúde Coletiva (Unicamp). Professora associada da Unioeste, campus de Cascavel, atuando como docente no Curso de Graduação em Enfermagem, na Especialização em Saúde Pública e no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação. Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS/CNPq). Autora do livro História da Enfermagem e sua relação com a Saúde Pública (AB Editora). Desenvolve estudos nas áreas de Saúde e Educação, com ênfase nos seguintes temas: políticas de saúde, planejamento e gestão em saúde, enfermagem em saúde pública e for mação de recursos humanos em saúde. E-mail: [email protected] 231 Sobre os Autores Neide Tiemi Murofuse Doutora em Enfermagem Fundamental (USP-Ribeirão Preto). Professora adjunta da Unioeste, campus de Cascavel, atuando no Curso de Enfermagem e na Especialização em Saúde Pública. Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS/CNPq) e do Núcleo de Estudo em Saúde e Trabalho (NUESAT/USP/CNPq). Desenvolve estudos na área da Saúde, com ênfase nos seguintes temas: enfermagem, saúde do trabalhador com enfoque no processo de trabalho e sua relação com o processo saúde-doença (acidentes e doenças do trabalho). E-mail: [email protected] Paulino José Orso Doutor em Educação: História e Filosofia da Educação (Unicamp). Professor adjunto da Unioeste, campus de Cascavel, atuando no Curso de Pedagogia, na Especialização lato sensu em História da Educação Brasileira e no Programa de PósGraduação stricto sensu em Educação. Líder do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação – GT da Região Oeste do Paraná (HISTEDOPR/CNPq). Organizador do livro Educação e lutas de classes (Expressão Popular), dentre outros. Desenvolve estudos na área de Educação, com ênfase em História e Filosofia da Educação. E-mail: [email protected] 232 Sobre os Autores Roberto Antonio Deitos Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE (1992), mestrado (2000) e doutorado (2005) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. Professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Colegiado do Curso de Pedagogia e do Programa de PósGraduação em Educação. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social – GEPPES, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado e políticas sociais, política educacional brasileira, organismos internacionais, ensino médio e profissional. Publicações: FIGUEIREDO, Ireni Marilene Zago; ZANARDINI, Isaura Monica Souza; DEITOS, Roberto Antonio (Orgs.). Educação, políticas sociais e Estado no Brasil. Cascavel, PR: Edunioeste/Fundação Araucária, 2008. E-mail: [email protected] Valquíria Padilha Pós-doutorado junto ao departamento Travail, Gestion et Economie (Téluq/UQAM - Canadá, 2010/2011). Pós-doutorado em Ciências Sociais (UFSCar). Doutorado em Ciências Sociais (UNICAMP). Professora Doutora na USP (Universidade de São Paulo), campus de Ribeirão Preto, no Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP). Autora do livro Shopping center: a catedral das mercadorias (Boitempo). Desenvolve estudos qualitativos sobre 233 Sobre os Autores aspectos psicossociais do trabalho, emoções do trabalhador, shopping center e consumo. E-mail: [email protected] Vera Lucia Navarro Doutora em Ciências Sociais (Unicamp). Professora da USP, campus de Ribeirão Preto, atuando na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no Programa de Pós-Graduação em Saúde na Comunidade, da Faculdade de Medicina e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (mestrado e doutorado). Membro do Grupo de Estudos sobre o Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses (Unicamp/CNPq) e do Grupo de pesquisa Terra, Trabalho, Memória e Migrações (UFSCar/CNPq). Autora do livro Trabalho e trabalhadores do calçado: a indústria calçadista de Franca (SP): das origens artesanais à reestruturação produtiva (Expressão Popular). Desenvolve estudos sobre Sociologia do Trabalho, com ênfase no estudo das relações entre trabalho e saúde. E-mail: [email protected] Zuher Handar Especialista em Saúde Pública (FEPAR); especialista em Medicina do Trabalho pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). Médico sanitarista da Secretaria Estadual de Saúde-PR. Professor auxiliar da Faculdade Evangélica do Paraná. Professor auxiliar da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; coordenador do Curso de Pós Graduação em Medicina do Trabalho. Professor do curso de Pós-Graduação em Saúde do Trabalhador do Instituto Brasileiro de Pós Graduação e Extensão. Consultor na área de saúde e segurança no trabalho da Organização Internacional do 234 Sobre os Autores Trabalho (OIT). Organizador do livro O desafio da equidade em saúde e segurança no trabalho: temas de saúde ocupacional nos países da América Latina (Editora VK). Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em medicina do trabalho, atuando principalmente no seguinte tema: gestão em segurança e saúde no trabalho. Email: [email protected]; [email protected] 235 236 Editora e Gráfica Universitária Diretor: Assistente Administrativa: Criação e Diagramação: Hélio Augustinho Zenati Laurenice Veloso Antonio da Silva Junior André Crepaldi Bruna Patrícia da Luz Santos Impressão: Gilmar Rodrigues de Oliveira Izidoro Barabasz Acabamento: Gentil David Teixeira Marizelda Webber Vera Müller Juliane Alves Rafael Basgal 237