Georgia Sobreira dos Santos Cêa
Neide Tiemi Murofuse
Roberto Antonio Deitos
(Organizadores)
•Alfredo Aparecido Batista
•Elfrida Korol Andreazza
•Fernando Luiz Borges
•Francisco A. de Castro Lacaz
•Laerson Vidal Matias
•Leny Sato
•Manoela de Carvalho
•Maria Helena Palucci Marziale
•Maria Lúcia Frizon Rizzotto
•Paulino José Orso
•Valquíria Padilha
•Vera Lucia Navarro
•Zuher Handar
TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE:
Formação permanente de profissionais e usuários
da saúde pública
VOLUME 2
Programa de Apoio à Extensão Universitária
PROEXT 2007 – MEC/SESu/DEPEM
1
REITOR
VICE-REITOR
Paulo Sérgio Wolff
Carlos Alberto Piacenti
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ EDUNIOESTE
DIRETORA
ASSISTENTE EDITORIAL
EDITORA CIENTÍFICA
ESTAGIÁRIA
CONSELHO EDITORIAL
A Edunioeste é afiliada a
2
Aparecida Feolla Sella
Daiane Soraia de Souza
Sanimar Busse
Jocineli Polis Colombo
Liliam Faria Porto Borges
Gilmar Baumgartner
Silvio César Sampaio
Aparecida Feola Sella
Clodis Boscarioli
Marina Kimiko Kadowaki
Loreni Teresinha Brandalise
Beatriz Helena Dal Molin
Lavínia Raquel Martins
Samuel Klauck
José Ricardo Souza
Adílson Francelino Alves
Yolanda Lopes da Silva
Antonio de Pádua Bosi
Mário Luiz Soares
Gustavo Biasoli Alves
Jefferson Andronio Ramundo Staduto
Soraya Moreno Palácio
Georgia Sobreira dos Santos Cêa
Neide Tiemi Murofuse
Roberto Antonio Deitos
(Organizadores)
•Alfredo Aparecido Batista
•Elfrida Korol Andreazza
•Fernando Luiz Borges
•Francisco A. de Castro Lacaz
•Laerson Vidal Matias
•Leny Sato
•Manoela de Carvalho
•Maria Helena Palucci Marziale
•Maria Lúcia Frizon Rizzotto
•Paulino José Orso
•Valquíria Padilha
•Vera Lucia Navarro
•Zuher Handar
TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE:
Formação permanente de profissionais e usuários da
saúde pública
VOLUME 2
Programa de Apoio à Extensão Universitária
PROEXT 2007 – MEC/SESu/DEPEM
EDUNIOESTE
CASCAVEL
2012
3
© 2012, EDUNIOESTE
Criação da Capa: Bruna Patrícia da Luz Santos
Ilustração da Capa: Com base em Ilustrações da Cartilha sobre a Saúde do
Trabalhador...; por Arivonil Policarpo Pereira, Unioeste, 2008, Projeto PROETEX,
2007 - MEC/SESU/DEPEM.
Revisão: Clarice Corbari
Projeto gráfico e diagramação: Bruna Patrícia da Luz Santos
Ficha catalográfica: Marilene de Fátima Donadel
Trabalho , educação e saúde : formação permanente de profissionais e usuários
da saúde pública / Georgia Sobreira dos Santos Cêa, Neide Tiemi
T758
Murofuse, Roberto Antonio Deitos, organizadores – Cascavel, PR :
EDUNIOESTE, 2012. Volume 2.
2. v.
Vários Autores
ISBN: 978-85-7644-245-5 (v.1)
978-85-7644-244-8 (v.2)
1. Saúde pública 2. Trabalho e trabalhadores – Saúde 3. Políticas
públicas 4. Saúde e trabalho 6. Saúde - Educação permanente 7.Políticas sociais
I. Cêa, Georgia Sobreira dos Santos, Org. II. Murofuse, Neide Tiemi, Org. III.
Deitos, Roberto Antonio, Org.
CDD 20. ed 614.098
613.62
Tiragem: 500 exemplares
Impressão e Acabamento
Edunioeste - Editora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Rua Universitária, 1619 - Jardim Universitário - CEP 85819-100 - Cascavel-PR
Home Pag: www.unioeste.br/editora - e-mail: [email protected]
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Gráfica da Universidade Estadual do Oeste do Paraná:
Telefone (45) 3220-3118 - e-mail:[email protected]
4
“Queremos manifestar nosso firme propósito
de manter e fortalecer as nossas ações de
enfrentamento a todas as situações dolorosas,
árduas e complexas que afetam a vida das vítimas
deste processo produtivo. Porque o trabalho não
deve doer, mutilar e matar. Mas, sim, garantir a
vida, a saúde e a dignidade das pessoas que vivem
do trabalho”.
(Boletim da AP-LER, v. 12, n. 12, p. 1, fev. 2010)
5
6
SUMÁRIO
Introdução....................................................................................................................09
O projeto de extensão Trabalho, educação e saúde:
formação permanente de profissionais e usuários
da saúde pública e seus resultados........................................15
•GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA
•LAERSON VIDAL MATIAS
•NEIDE TIEMI MUROFUSE
Dilemas do trabalho no capitalismo
contemporâneo.....................................................................................47
•VERA LUCIA NAVARRO
•VALQUÍRIA PADILHA
As relações entre trabalho e saúde nos serviços
de saúde: discutindo o marco teórico.....................................69
•FRANCISCO ANTONIO DE CASTRO LACAZ
Saúde do trabalhador: objeto de negociação
cotidiana.........................................................................................83
•LENY SATO
Processo de trabalho e saúde do
trabalhador....................................................................................97
•PAULINO JOSÉ ORSO
•NEIDE TIEMI MUROFUSE
•LAERSON VIDAL MATIAS
•MARIA HELENA PALUCCI MARZIALE
7
Agravos à saúde do trabalhador: processo
saúde-doença-trabalho............................................................119
•ZUHER HANDAR
Previdência e saúde do trabalhador.......................................139
•FERNANDO LUIZ BORGES
•LAERSON VIDAL MATIAS
Política social e controle social no Estado
capitalista tardio.......................................................................151
•ALFREDO APARECIDO BATISTA
Reflexões sobre o controle social em duas décadas
de vigência do Sistema Único de Saúde................................191
•MANOELA DE CARVALHO
•MARIA LUCIA FRIZON RIZZOTTO
•ELFRIDA KOROL ANDREAZZA
Sobre os autores.......................................................................227
8
INTRODUÇÃO
Esta publicação, organizada em dois volumes, é um dos
resultados do projeto de extensão Trabalho, Educação e Saúde:
formação permanente de profissionais e usuários da saúde
pública. Nela são apresentados artigos que embasaram a participação
dos autores nas principais atividades do projeto: as mesas redondas
e o Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre
Saúde do Trabalhador. O projeto de extensão, realizado entre setembro
de 2007 e setembro de 2008, foi coordenado e desenvolvido pelo
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação – Nível
Mestrado (PPGE), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste), tendo a Associação de Portadores de Lesões por Esforços
Repetitivos (AP-LER) como entidade parceira. A grandeza do projeto
foi garantida pela sua aprovação em edital do Programa de Apoio à
Extensão Universitária PROEXT 2007 – MEC – Ministério da
Educação/SESu – Secretaria de Ensino Superior/DEPEM, que
oportunizou a compra de materiais de consumo, a contratação de
serviços de terceiros e a aquisição de equipamentos.
Os autores do primeiro volume são docentes que atuaram
diretamente nas atividades do projeto. Os artigos reunidos nesse
volume permitem uma compreensão contextual dos grandes temas
abordados (trabalho, educação e saúde), especialmente quanto à
configuração do Estado nacional e às ações do Estado brasileiro.
O segundo volume reúne também capítulos de autores que
participaram diretamente do projeto1 e de outros cuja produção
contribui significativamente para a compreensão dos temas trabalho
1
Além de docentes, entre os autores do segundo volume estão médicos do trabalho,
perito do INSS, conselheiros de saúde, sindicalistas e militantes sociais da área de saúde do
trabalhador.
9
e saúde do trabalhador, ali privilegiados. São tratados pormenores
da política pública voltada para a saúde do trabalhador,
problematizados pelo enfoque da investigação do trabalho na
sociedade capitalista, observado à luz das implicações engendradas
pelo processo de trabalho, evidenciando a necessidade da organização
e participação da sociedade organizada no controle social. Destacamse artigos que recuperam a construção teórica e histórica do controle
social na política social de saúde pública.
No conjunto, os temas discutidos nos dois volumes –
explorados de diferentes formas, abrangências e enfoques pelos
autores – revelam o caráter da formação que se buscou desenvolver
junto aos participantes do projeto de extensão.
Este segundo volume congrega os seguintes capítulos:
O capítulo O Projeto de Extensão “Trabalho, educação e
saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde
pública” e seus Resultados, de autoria de GEORGIA SOBREIRA
DOS SANTOS CÊA, LAERSON VIDAL MATIAS e NEIDE TIEMI
MUROFUSE, publicado simultaneamente nos dois volumes,
apresenta o panorama geral das realizações do projeto e os seus
resultados obtidos com diversas atividades formativas de várias
ordens, tais como a articulação de pesquisas com atividades sociais
e de formação permanente, seminários temáticos e cartilha educativa
sobre saúde do trabalhador, demonstrando a relevância do projeto e
os seus resultados conquistados política, acadêmica e socialmente.
O capítulo Dilemas do Trabalho no Capitalismo
Contemporâneo, de autoria de VERA LUCIA NAVARRO e
VALQUÍRIA PADILHA, examina aspectos sobre as transformações
ocorridas no mundo do trabalho na virada do século XX para o XXI,
e o crescimento em escala mundial do desemprego. Revela que, apesar
de todo o desenvolvimento científico e tecnológico, de todas as
10
importantes inovações operadas na base técnica dos processos
produtivos, houve pouco alívio na labuta humana. Nessa direção, a
reflexão considera ainda que as mudanças no conjunto da economia
e da sociedade, resultantes da reestruturação produtiva, que ganhou
maior visibilidade a partir dos anos 1990, acabaram por intensificar
a exploração da força de trabalho e precarizar o emprego.
O capítulo As Relações entre Trabalho e Saúde nos
Serviços de Saúde: discutindo o marco teórico, de autoria de FRANCISCO ANTONIO DE CASTRO LACAZ analisa um dos maiores
desafios que o campo Saúde do Trabalhador enfrenta, que é a
utilização do conceito de processo de trabalho nos estudos e nas
investigações das atividades que envolvem o setor terciário ou de
serviços, e argumenta que o campo se depara com a necessidade de
apropriar-se dos processos de trabalho do setor de serviços, até porque
é nesse espaço que está alocado, hoje, o maior contingente da força
de trabalho (IPEA, 2009). Assim, tal apropriação será instrumental
e estratégica para o desenvolvimento de estudos e de pesquisas no
que se refere ao trabalho em saúde, bem como em educação.
O capítulo Saúde do Trabalhador: objeto de negociação
cotidiana, de autoria de LENY SATO, avalia aspectos da história e
a atuação do movimento sindical no Brasil e os problemas de saúde
dos trabalhadores decorrentes das condições e das formas de
organização do processo de trabalho. Examina questões
reivindicatórias e as lutas dos trabalhadores e suas organizações
sociais e sindicais que motivaram a construção de regulamentações
legais dessas condições, presentes nos dias de hoje e na formulação
e implementação de políticas públicas.
O capítulo Processo de Trabalho e Saúde do Trabalhador,
de autoria de PAULINO JOSÉ ORSO, NEIDE TIEMI
MUROFUSE, LAERSON VIDAL MATIAS e MARIA HELENA
11
PALUCCI MARZIALE, reflete sobre os elementos teóricos e
ideológicos do processo de trabalho, remetemo-nos imediatamente à
compreensão de que o trabalho não se constitui numa forma definida,
específica, pronta e acabada. Considera que o trabalho se define de
um determinado modo, de acordo com o processo de transformação
e desenvolvimento do conhecimento, da ciência e da tecnologia. E,
da mesma forma, problematiza aspectos sobre a saúde do trabalhador
nos contornos de contextos definidos de acordo com os processos
de desenvolvimento social e humano.
O capítulo Agravos à Saúde do Trabalhador: processo
saúde-doença-trabalho, de autoria de ZUHER HANDAR, examina
os aspectos em que o trabalho na sociedade atual apresenta efeitos
negativos, como o adoecimento e a morte dos trabalhadores e revela
que, entre os trabalhadores, os acidentes e as doenças relacionadas
ao trabalho constituem um dos principais agravos. Desse modo,
considera que, além das estatísticas, a divulgação desses eventos
ilustra a gravidade da situação das condições de saúde, das condições
e do ambiente de trabalho, como bem ilustram as notícias que a
imprensa vem publicando: mortes de operários jovens têm sido
constantes; setores que apresentam maior gravidade no quadro de
acidentes ainda continuam não investindo na prevenção; o processo
de terceirização acelerada e predatória tem contribuído cada vez mais
para o aumento desses agravos; as doenças relacionadas ao trabalho,
segundo infor mações do INSS, têm aumentado, por conta
principalmente do uso de um novo instrumento utilizado pela
Previdência Social, denominado de Nexo Técnico Epidemiológico
Previdenciário.
O capítulo Previdência e Saúde do Trabalhador, de
autoria de FERNANDO LUIZ BORGES e LAERSON VIDAL
MATIAS, apresenta o conteúdo abordado no curso de capacitação
12
de multiplicadores de informações sobre a Saúde do Trabalhador,
ocorrido no mês de setembro de 2008, nas dependências da Unioeste.
O curso em questão constituía parte das atividades desenvolvidas
pelo Projeto de Extensão intitulado “Trabalho, Educação e Saúde:
formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública e
a questão central da saúde do trabalhador e suas implicações e
conceituação tratadas de acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS) entendida como o completo bem-estar físico, psíquico
e social, e não como simples ausência de doenças”, foi o foco central
do processo de reflexão.
O capítulo Política Social e Controle Social no Estado
Capitalista Tardio, de autoria de ALFREDO APARECIDO
BATISTA, considera que a temática Política Social e sua relação
com os Conselhos de Direito, mediada por elementos de controle
social, é uma problemática que tem sua raiz no século XIX, em particular, a partir da segunda metade desse espectro temporal e com
demarcação espacial – a Europa, ao problematizar que, no Brasil,
somente a partir da Constituição Brasileira de 1988 é que se inicia
uma possível vivência experimental de largo alcance.
O capítulo Reflexões sobre o Controle Social em Duas
Décadas de Vigência do Sistema Único de Saúde, de autoria de
MANOELA DE CARVALHO, MARIA LÚCIA FRIZON
RIZZOTTO e ELFRIDA KOROL ANDREAZZA, revela que
muitos estudos têm discutido a questão da participação popular
inserida no contexto da sociedade capitalista e reflete sobre os
posicionamentos teóricos e políticos sobre: a) defesa da participação
como meio para transformar esta sociedade, em busca de outra mais
democrática e igualitária, na qual as necessidades da população sejam
a referência para o plano e as políticas de governo e b) o fato de que
a participação popular tem sido utilizada como meio dos governos
13
para legitimar as decisões tomadas por eles e como forma de
desresponsabilizar o Estado pelas questões sociais, associando a ideia
da participação à de voluntariado.
A socialização do conteúdo das discussões que permearam
as atividades do projeto, na forma de um livro organizado em dois
volumes e distribuído gratuitamente, foi oportunizada pelo
financiamento público recebido para a realização das atividades e o
envolvimento de um conjunto de instituições sociais, sindicais e
alunos, professores e pesquisadores e lideranças que estiveram
dedicadas e atuantes na busca de reflexões individuais e coletivas
voltadas para a construção de uma sociedade humana e socialmente
viável. A todos desejamos uma boa leitura.
Cascavel, PR e Maceió, AL, outubro de 2011.
GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA
NEIDE TIEMI MUROFUSE
ROBERTO ANTONIO DEITOS
(ORGANIZADORES)
14
O PROJETO DE EXTENSÃO “TRABALHO,
EDUCAÇÃO E SAÚDE: FORMAÇÃO
PERMANENTE DE PROFISSIONAIS E
USUÁRIOS DA SAÚDE PÚBLICA” E SEUS
RESULTADOS
GEORGIA SOBREIRA DOS SANTOS CÊA
LAERSON VIDAL MATIAS
NEIDE TIEMI MUROFUSE
Introdução
Esta publicação, organizada em dois volumes, é um dos
resultados do projeto de extensão “Trabalho, educação e saúde: formação
permanente de profissionais e usuários da saúde pública”. Nela são
apresentados artigos que embasaram a participação dos autores nas
principais atividades do projeto: as mesas redondas e o Curso de
Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do
Trabalhador.
No conjunto, os temas discutidos nos volumes – explorados
de diferentes formas, abrangências e enfoques pelos autores – revelam
o caráter da formação que se buscou desenvolver junto aos
participantes do projeto de extensão.
A socialização do conteúdo das discussões que permearam
as atividades do projeto, na forma de um livro organizado em dois
volumes e distribuído gratuitamente, foi oportunizada pelo
15
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
financiamento público recebido para a realização das atividades, que
serão a seguir apresentadas.
“Trabalho, educação e saúde: formação permanente de
profissionais e usuários da saúde pública” – Evidências de uma
experiência
O projeto de extensão “Trabalho, educação e saúde: formação
permanente de profissionais e usuários da saúde pública”, realizado
entre setembro de 2007 e setembro de 2008, foi coordenado e
desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu em
Educação – Nível Mestrado (PPGE), da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (Unioeste), tendo a Associação de Portadores de
Lesões por Esforços Repetitivos (AP-LER)1 como entidade parceira.
A grandeza do projeto foi garantida pela sua aprovação em edital do
Programa de Apoio à Extensão Universitária PROEXT 2007 – MEC/
SESu/DEPEM, que oportunizou a compra de materiais de consumo,
a contratação de serviços de terceiros e a aquisição de equipamentos.
Sem esse investimento público, o projeto não teria o alcance, as
condições estruturais e o impacto social que serão aqui destacados.
As atividades do projeto foram desenvolvidas e coordenadas
por docentes e acadêmicos de cursos de graduação e de pós-graduação
da Unioeste e membros da AP-LER. Participaram, ainda, como
convidados: renomados pesquisadores das áreas de trabalho, educação
e saúde, cujas investigações contribuem sobremaneira para a
1
A AP-LER é uma entidade social sem fins lucrativos, fundada em 1997 por um
grupo de trabalhadores residentes em Cascavel-PR, vitimados pelo processo de
trabalho. As principais finalidades da entidade são a organização da luta coletiva pelos
direitos dos trabalhadores lesionados e a intervenção na realidade para diminuir os
casos de adoecimento em função da organização do trabalho. Desde sua fundação, a
AP-LER vem desenvolvendo uma série de ações e protagonizando disputas e
16
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
compreensão dos dilemas, limites e potencialidades das políticas
sociais voltadas para os referidos temas; profissionais da saúde pública
cuja atuação tem interface com o tema da saúde do trabalhador e
que são responsáveis, em alguma medida, pela efetivação da Rede
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), e
representantes de entidades da sociedade civil envolvidas com a luta
pela saúde do trabalhador.
O objetivo geral do projeto foi contribuir com os gestores
públicos por meio da capacitação de trabalhadores e usuários das
políticas de saúde, em especial a política de saúde do trabalhador,
para o aperfeiçoamento da participação nas instâncias e nos órgãos
de atendimento à saúde e de controle social do Sistema Único de
Saúde (SUS), nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde.
Para o alcance deste objetivo geral, o projeto implementou
duas frentes de ação, complementares e concomitantes: a) Formação
permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da
saúde (por meio da realização de 9 mesas redondas); b) Curso de
Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde do
Trabalhador.
direitos dos trabalhadores lesionados e a intervenção na realidade para diminuir os
casos de adoecimento em função da organização do trabalho. Desde sua fundação,
a AP-LER vem desenvolvendo uma série de ações e protagonizando disputas e
enfrentamentos em diferentes âmbitos, podendo ser destacados os seguintes fatos
e episódios, entre outros: ações judiciais, denúncias na Procuradoria Regional do
Trabalho e no Ministério Público, representação política em conselhos municipais
de saúde e comissões intersetoriais de saúde do trabalhador, ações junto à política
estadual de saúde, organização de trabalhadores nos locais de trabalho, integração
com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) em diversas atividades
envolvendo a entidade e pesquisadores das áreas de saúde e educação, como por
exemplo: realização de seminários, palestras, projetos de pesquisa e extensão. Email: [email protected].
17
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
Os principais resultados do projeto foram três publicações:
esta coletânea, composta de dois volumes, que reúnem 16 artigos,
além desta apresentação, e a Cartilha sobre Saúde do Trabalhador. A
primeira obra teve tiragem de 1000 (mil) exemplares (500 de cada
volume) e a segunda, 20 mil.
A proposição e a realização deste projeto foram movidas por
dois motivos principais: a convicção dos integrantes do PPGE da
Unioeste de que a universidade pública deve cumprir sua
responsabilidade social – expandindo o conhecimento produzido,
socializando-o com segmentos da sociedade civil e colocando-o a
serviço de outras áreas e setores da política pública – e também pela
compreensão de que o princípio da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão só tem sentido se orientar ações concretas de
impacto e relevância social, envolvendo a universidade e a sociedade
civil. Por isso a importância da parceria entre a Unioeste e a APLER, objetivando a efetivação de uma política pública de saúde do
trabalhador, mediada pela estratégia de formação permanente de
profissionais e usuários da saúde pública.
A primeira frente de ação do projeto, voltada para a formação
permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da
saúde, envolveu a realização de 9 (nove) mesas redondas, realizadas
entre os meses de outubro de 2007 a setembro de 2008, tratando das
seguintes temáticas:
- A questão social na América Latina na atualidade e as duas
décadas do SUS no Brasil;
- Políticas Sociais e programas de saúde no Paraná: tendências
e perspectivas;
- Reforma do Estado, gestão e financiamento das políticas
sociais: a saúde pública em questão;
- Formação dos profissionais da saúde pública: perspectivas
pedagógicas;
18
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
- Processo de trabalho e saúde do trabalhador;
- Dimensões do trabalho no século XXI;
- Mundo do trabalho e saúde do trabalhador;
- Ação em saúde do trabalhador: a formação sindical e o
replanejamento do trabalho;
- O impacto da violência e do Estado policial e penitenciário
sobre a vida das pessoas.
As quatro últimas mesas redondas listadas integraram
também as atividades do Curso de Capacitação de Multiplicadores
de Informações sobre Saúde do Trabalhador, realizado entre os meses
de maio a setembro de 2008, juntamente com as seguintes temáticas:
- Agravos à saúde do trabalhador;
- A saúde do trabalhador como política de Estado: o caso da
RENAST;
- O CEREST de Cascavel: estrutura organizacional e plano
de ação;
- Previdência Social e Saúde do Trabalhador;
- Política social, controle social e conselhos de saúde:
possibilidades e limites;
- Oficina de trabalho, avaliação e encerramento do Curso e
entrega da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador.
Entre os palestrantes das mesas redondas e dos dinamizadores
do curso de capacitação estiveram docentes da Unioeste (Mestrado
em Educação, Licenciatura em Enfermagem, Bacharelado em
Serviço Social), membros da AP-LER, representantes da 10ª Regional
de Saúde do Estado do Paraná2, da Comissão Estadual de Saúde do
Trabalhador do Conselho Estadual de Saúde do Paraná (CEST/CMSPR), da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador do Conselho
Municipal de Saúde (CIST/CMS-Cascavel), do Centro de Referência
2
O Paraná tem 22 (vinte e duas) regionais de saúde, que são instâncias administrativas
19
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Cascavel e do Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS – Cascavel), além de renomados
pesquisadores de instituições universitárias brasileiras (Universidade
de Campinas/Unicamp3; Universidade de São Paulo/USP-São Paulo
e USP-Ribeirão Preto).
As nove mesas redondas contaram
com 824 participantes; o curso teve 36 concluintes, além de 28
participantes que frequentaram algumas atividades como ouvintes.
No total, o projeto atingiu 888 sujeitos4, oriundos de vários órgãos e
entidades, abaixo indicados:
- Órgãos vinculados à saúde: 9ª, 10ª e 11ª Regionais de Saúde
do Paraná, CEREST/Cascavel, conselhos municipais de saúde,
conselhos locais de saúde, secretarias municipais de saúde, unidades
básicas de saúde, centros de saúde, comissões de atenção à saúde
básica, farmácias básicas, centros de atenção psicossocial, centros
de atenção à saúde mental, postos de atendimento continuado,
vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, Hospital Universitário
da Unioeste;
- Outros órgãos governamentais: Secretaria Estadual da
Criança e Juventude, secretarias municipais de assistência social,
intermediárias da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). Devem desenvolver
cooperação técnica e apoio à gestão dos serviços de saúde nos municípios e consórcios.
As regionais de saúde articulam-se em 6 (seis) macrorregionais, visando a sinergia das
ações da política de saúde do estado do Paraná, visando ao enfrentamento de
problemas comuns (Informações disponíveis em: <http://www.saude.pr.gov.br/
modules /conteudo /conteudo.php?conteudo=524>).
3
Trata-se do professor Ricardo Antunes, que proferiu palestra de abertura das
atividades do projeto.
4
O número de participantes do projeto foi calculado com base nas listas de frequência
de cada atividade (mesas redondas e frequência no curso).
20
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
centros socioeducacionais, corpo de bombeiros, Secretaria Estadual
de Educação, INSS;
- Entidades de defesa da saúde dos trabalhadores: Associação
dos Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos/AP-LER;
Associação dos Deficientes Físicos de Cascavel/ADEFICA;
Associação Popular para Desenvolvimento e Promoção da Saúde/
APOS;
- Sindicatos e outras entidades representativas dos
trabalhadores: Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentos
de Toledo/STIA; Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias
Metalúrgicas Mecânicas e de Material Elétrico de Toledo/
SINTIMETAL; Sindicato dos Bancários de Toledo; Sindicato dos
Bancários de Cascavel; Associação Docente da Unioeste; Sindicato
de Saneamento/SAEMCA; Sindicato dos Trabalhadores e Servidores
em Serviços Públicos de Saúde Pública e Previdência do Estado do
Paraná/SindSaúde; Sindicato dos Trabalhadores em Educação
Pública do Paraná/APP-Sindicato; Sindicato dos Servidores
Municipais de Toledo; Sindicato dos Servidores Públicos Federais
em Trabalho, Saúde, Previdência e Ação Social do Estado do Paraná/
SINDPREVS; Federação Nacional de Sindicatos em Saúde e
Previdência Social; Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do
Iguaçu/SISMUFI; Sindicato dos Servidores Municipais de Cascavel/
SISMUVEL; Sindicato dos Trabalhadores em Cooperativas de
Cascavel e Região/Sindtracoop;
- Outras entidades representativas da sociedade civil:
Associação de Deficientes Visuais de Cascavel/ACADEVI;
Movimento pelo Passe Livre, Associação dos Deficientes Físicos de
Cascavel/ADEFICA;
- Instituições de ensino superior: Universidade Estadual do
Oeste do Paraná/Unioeste (cursos: Enfermagem, Fisioterapia,
21
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
Medicina, Farmácia, Odontologia, Pedagogia, Direito, Serviço Social, Ciências Sociais, Letras, Ciências Contábeis, Administração,
Ciências Econômicas, Ciências Biológicas, Especialização em
Fundamentos da Educação, Mestrado em Educação, Mestrado em
Letras; Hospital Universitário); Universidade Tecnológica Federal do
Paraná/UTFPR; União Panamericana de Ensino/UNIPAN;
Faculdade Assis Gurgacz/FAG; Universidade Paranaense/UNIPAR;
Unidade de Ensino Superior Vale do Iguaçu/UNIGUAÇU; União
Educacional de Cascavel/UNIVEL; União Dinâmica de Faculdades
Cataratas/UDC; Pontifícia Universidade Católica de Toledo/PUCToledo; Faculdade Educacional de Medianeira/FACEMED;
- Instituições de educação básica: Colégio Estadual José
Angelo Baggio Orso; Colégio Estadual Wilson Joffre; Núcleo Regional de Educação de Cascavel; Colégio Marista de Cascavel; Colégio
Estadual Presidente Castelo Branco; Colégio Incomar; Escola Municipal Ivone V. dos Passos; Escola Hermes Vezzaro; Colégio
Estadual Professor Francisco Lima da Silva; Colégio Estadual Costa
e Silva; Colégio Estadual Pacaembu; Colégio Estadual Ieda Baggio
Mayer; Centro Estadual de Educação Profissional Pedro Boaretto
Neto;
- Outras instituições de ensino: Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial/SENAI-Cascavel;
- Outros: Ministério Público do Estado do Paraná; Unimed/
Oeste do Paraná; Laboratório Álvaro; Fundação de Saúde Itaiguapy;
Instituto Iguaçu; Caixa Econômica Federal, Departamento de
Segurança e Trânsito do município de Toledo.
Os participantes das atividades do projeto residiam em
diferentes municípios do Paraná: Cascavel, Toledo, Foz do Iguaçu,
Cafelândia, Medianeira, Campo Mourão, Itaipulândia, Maripá,
Umuarama, Maringá e União da Vitória. Essa abrangência geográfica
22
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
do projeto demonstrou a importância do tema e a existência de uma
significativa demanda social no estado do Paraná, referente aos direitos
do trabalho, educação e saúde, em especial da saúde do trabalhador.
A diversidade representada pelos órgãos, entidades e
municípios abrangidos nas atividades promovidas (mesas redondas
e curso de capacitação) e a expressiva participação popular nas
mesmas permite afirmar que o projeto atingiu o seu objetivo geral –
contribuir com os gestores públicos por meio da capacitação de
trabalhadores e usuários das políticas de saúde para o aperfeiçoamento
da participação nas instâncias e nos órgãos de controle social do
SUS, nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (MS,
2006b) – e os seus objetivos específicos, que foram: a) promover a
formação permanente de trabalhadores da saúde e contribuir com a
formação inicial de futuros profissionais do setor, tratando de temas
amplos e específicos pertinentes à política de saúde, de modo a
contribuir para que tais formações ocorram segundo as diretrizes
atuais da Seguridade Social; e b) atualizar e informar os usuários da
saúde pública dos seus direitos e de suas responsabilidades para um
tratamento adequado, em especial no caso dos usuários que são
trabalhadores, nos termos da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde
(MS, 2006b) e dos princípios da Rede Nacional de Atenção Integral
à Saúde do Trabalhador.
Este último objetivo específico referiu-se, especialmente, ao
Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações sobre Saúde
do Trabalhador, ocorrido entre maio e setembro de 2008, e que teve
36 concluintes.
O curso foi coordenado por membros da Unioeste (uma
docente do Mestrado em Educação, duas docentes do curso de
Enfermagem, uma técnica-administrativa) e pela AP-LER (um
integrante da diretoria da entidade). A programação pedagógica do
23
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
curso resultou de encontros com professores e acadêmicos da
Unioeste vinculados aos cursos citados acima, outros membros da
AP-LER, um profissional da 10ª Regional de Saúde e membros de
sindicatos (Sindicato dos Bancários e SINDPREVS). Desses
encontros coletivos resultou a proposta do curso, sintetizada a seguir:
- Título: Curso de Capacitação de Multiplicadores de
Informações sobre Saúde do Trabalhador
- Carga horária: 40 horas, distribuídas em 11 encontros
ocorridos entre os meses de maio a setembro de 2008.
- Finalidade: Socializar para os usuários e trabalhadores da
saúde os fundamentos e a estrutura da política pública de saúde do
trabalhador, além dos mecanismos e procedimentos necessários para
que os trabalhadores possam atuar como sujeitos de direito à
assistência e promoção da saúde, agentes do controle social e como
personagens imprescindíveis para a identificação de causas e medidas
corretivas e preventivas de doenças do trabalho e para a qualificação
da atuação dos agentes públicos sobre as transformações necessárias
em determinados ambientes de trabalho.
- Objetivo: Promover a atualização e prestar informações aos
usuários e trabalhadores da saúde pública acerca dos seus direitos e
de suas responsabilidades para a adequada atenção integral em saúde
do trabalhador e para o exercício do controle social, conforme a Carta
dos Direitos dos Usuários da Saúde e dos princípios da RENAST.
- Conteúdo programático: Dimensões do trabalho no século
XXI; Mundo do trabalho e saúde do trabalhador; Ação em saúde do
trabalhador: a formação sindical e o replanejamento do trabalho; O
impacto da violência e do Estado policial e penitenciário sobre a
vida das pessoas; Agravos à saúde do trabalhador; A saúde do
trabalhador como política de Estado: o caso da RENAST; O
CEREST de Cascavel: estrutura organizacional e plano de ação;
24
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
Previdência Social e saúde do trabalhador; Política social, controle
social e conselhos de saúde: possibilidades e limites; Oficina de
trabalho, avaliação e encerramento do Curso, com entrega da Cartilha;
Público alvo: Membros de entidades sociais e/ou sindicatos com
atuação na defesa da saúde do trabalhador; trabalhadores da saúde;
membros da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST);
conselheiros de saúde; Critérios para inscrição e frequência no curso:
Compromisso de multiplicar as informações e conhecimentos
adquiridos no curso e cumprimento de, no mínimo, 80% da carga
horária da capacitação.
A divulgação do curso foi feita por meio de folder impresso –
distribuído em órgãos públicos e entidades várias –, de chamada na
página eletrônica do Mestrado em Educação da Unioeste e de e-mails.
As inscrições foram realizadas por e-mail, tendo sido
disponibilizadas 50 vagas, a serem preenchidas por ordem de
recebimento das mensagens eletrônicas. Ao final do período de
inscrições (mês de abril de 2008), havia 72 interessados em frequentar
o curso. Em função da pertinência dos inscritos ao público alvo
previsto, os coordenadores do curso decidiram autorizar a frequência
de todos os interessados, visto que alguns alegaram, desde a inscrição,
o grande interesse de participação, não obstante a existência de
dificuldades (horário de trabalho e distância geográfica,
principalmente) para o cumprimento de todas as atividades previstas
no curso. Dessa forma, o curso teve 36 concluintes, com direito a
certificado, visto que estes cumpriram as exigências mínimas de
frequência e assumiram o compromisso de multiplicação das
informações recebidas e das aprendizagens alcançadas; os demais
inscritos participaram de algumas atividades do curso como ouvintes.
Entre os concluintes, 64% tiveram frequência entre 100% e 90% e
36% frequentaram de 89% a 80% das atividades do curso. As faltas,
25
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
quando ocorreram, foram seguidas de justificativas, demonstrando o
compromisso e o sentido de grupo presentes entre os participantes
do curso.
Os concluintes do curso foram representantes dos seguintes
órgãos e entidades5:
- Associação dos Deficientes Físicos de Cascavel (ADEFICA):
2 participantes; - Associação de Portadores de Lesões por Esforços
Repetitivos (AP-LER): 1 participante; - Secretaria Municipal de Saúde
de Toledo/Departamento de Segurança do Trabalho: 2 participantes;
- Secretaria Municipal de Saúde de Toledo/Departamento
de Vigilância Epidemiológica: 1 participante; - Secretaria Municipal
de Saúde de Toledo/Departamento de Vigilância à Saúde: 7
participantes; - Secretaria Municipal de Saúde de Toledo/
Departamento de Vigilância Sanitária: 3 participantes; - Curso de
Enfermagem da Unioeste (acadêmica): 1 participante; - SISMUFI
(Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu): 2
participantes; - SindSaúde/Cascavel: 1 participante; - SindSaúde/
Campo Mourão: 1 participante; - SindSaúde/Foz do Iguaçu: 1
participante; - 9ª Regional de Saúde/Toledo: 1 participante; - 10ª
Regional de Saúde/Cascavel: 1 participante; - 11ª Regional de Saúde/
Campo Mourão: 1 participante; - CEREST/Cascavel: 3 participantes;
- Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Toledo: 2
participantes; - Conselho Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu: 1
participante; - CIST/Cascavel: 1 participante; - Sindicato dos
Bancários de Cascavel: 1 participante; - Sindicato dos Bancários de
Toledo: 3 participantes;
- APP-Sindicato/Cascavel: 1 participante; - Associação Popular para Desenvolvimento e Promoção da Saúde (APOS): 1
5
O número de concluintes não corresponde ao número de representantes indicados,
uma vez que alguns inscritos representavam mais de uma entidade.
26
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
participante; - Sindicato de Trabalhadores em Cooperativas de
Cascavel (Sindtracoop): 1 participante; - Sindprevs/Maringá: 1
participante; - Sindprevs/Cascavel: 1 participante.
Deve-se destacar que a participação e assiduidade dos
inscritos no curso superaram as expectativas da comissão
organizadora. A distância geográfica, a rotina de trabalho, os dias de
chuva e frio, além das limitações financeiras dos inscritos não foram
empecilho para a frequência ao curso. Os residentes em outros
municípios encontraram formas coletivas para realização do trajeto
de suas cidades até Cascavel e houve pessoas que viajavam cerca de
quatro horas para chegar à Unioeste. O mesmo se pode dizer dos
sujeitos que participaram das mesas redondas. Esta constatação
reforça a avaliação de que o conjunto de atividades do projeto
respondeu a uma demanda significativa, visto o nível quantitativo e
qualitativo de participação.
A sistemática de avaliação das atividades do projeto ocorreu
de duas formas: manifestação oral dos participantes ao final de cada
mesa redonda e de cada atividade do curso e discussão avaliativa
(opiniões e encaminhamentos) na oficina de trabalho que encerrou o
curso. A síntese das manifestações, atestadas através de filmagem
do último dia de encontro, é a seguinte:
- Em geral, a temática, as atividades e a dinâmica do curso
foram muito interessantes, uma vez que permitiram a aproximação
entre a universidade (espaço de produção do conhecimento) e
entidades sociais e órgãos públicos envolvidos com a saúde do
trabalhador, com destaque para os debates sobre o controle social;
- O curso oportunizou a formação de um grupo coeso de
trabalhadores, envolvido em discussões acerca do trabalho, da
educação e da saúde, que puderam trocar experiências referentes à
luta pela garantia da saúde dos trabalhadores;
27
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
- O curso foi uma significativa estratégia de formação de
representantes da sociedade civil que se sentem mais capacitados e
com força política para continuar atuando no movimento em defesa
da saúde, em especial da saúde dos trabalhadores, derrubando muros
e aproximando trabalhadores e universidade;
- As discussões ocorridas permitiram ter uma noção do que
pode ser feito no campo da saúde do trabalhador, dando condições
para que fossem pensadas ações efetivas referentes ao tema;
- O curso revelou a necessidade de formação de uma frente
regional para enfrentamento de problemas referentes à saúde do
trabalhador no estado do Paraná;
- A forma como os conteúdos do curso foram abordados
demonstrou a necessidade de diversos conhecimentos para a
orientação e o tratamento de pessoas que chegam aos órgãos de saúde
adoecidos pelo trabalho;
- Os encontros foram gratificantes e deixaram a inquietação
acerca de como atrair usuários para maior participação nos conselhos
municipais de saúde;
- Alguns profissionais da área de saúde revelaram que
participaram do curso por imposição das chefias (em especial os
funcionários do CEREST/Cascavel), mas avaliaram como muito
positiva a experiência, uma vez que o que foi tratado no curso em
muito contribuirá com suas atividades;
- Os participantes manifestaram a necessidade da continuidade
de ações desse tipo voltadas para a formação e capacitação de
militantes, trabalhadores da saúde e trabalhadores em geral.
Os encaminhamentos resultantes do encontro de avaliação
do curso foram os seguintes:
- Compromisso de todos os participantes de reivindicarem e
encontrarem formas de garantir a participação efetiva e qualificada
28
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
dos usuários no conselho municipal de saúde de seus municípios,
verificando o cumprimento das normativas referentes à composição
dos conselhos municipais de saúde, em especial o que orienta a
Resolução n° 333, de 04 de novembro de 2003, do Conselho Nacional
de Saúde, que apresenta as diretrizes para criação, reformulação,
estruturação e funcionamento dos conselhos de saúde.
- Organização e mobilização para efetivação do comitê
estadual de óbitos e amputações em âmbito macrorregional, tendo
em vista a grande incidência de doenças e acidentes de trabalho, e
considerando que o referido comitê já foi instalado no estado do
Paraná desde 1997, sendo que uma das atividades definidas em 2007
foi a realização de oficinas nas macrorregiões do estado para
planejamento das ações para a prevenção de acidentes de trabalho,
segundo a própria Secretaria de Estado da Saúde do Paraná;
- Estudo e divulgação, junto a órgãos de saúde e entidades da
sociedade civil, da Portaria n° 1969/GM, de 25 de outubro de 2001,
que orienta as ações das instituições de assistência à saúde do Sistema
Único de Saúde nos casos de internação hospitalar de pacientes
vítimas de agravo à saúde do trabalhador e que torna obrigatória a
indicação dos casos, considerando a Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID);
- Estudo e divulgação, junto a órgãos de saúde e entidades da
sociedade civil, da Portaria GM/MS n°1339, de 19 de novembro de
1999, que apresenta a lista de doenças relacionadas ao trabalho;
- Reforço das atividades das entidades voltadas para a defesa
da saúde dos trabalhadores e criação de uma entidade macrorregional
com a mesma finalidade;
- Distribuição da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador em
empresas com grande incidência de doenças do trabalho, entidades
29
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
sociais, instituições de assistência à saúde, hospitais, postos do INSS,
etc.;
- Lançamento da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador nas
principais cidades onde estão instaladas empresas do setor frigorífico,
em função da grande incidência de casos de acidente de trabalho e
adoecimento em função das condições de trabalho;
- Necessidade de continuidade do projeto, aprofundando as
discussões e ampliando o número de trabalhadores capacitados para
atuarem no campo da saúde do trabalhador.
Durante os meses de desenvolvimento das mesas redondas e
do curso, uma comissão, formada por membros da Unioeste (uma
docente do Mestrado em Educação, duas docentes e três acadêmicas
do curso de Enfermagem, uma técnica-administrativa) e da AP-LER
(um integrante da diretoria da entidade), realizou estudos e elaborou
a “Cartilha sobre Saúde do Trabalhador: Fique de olho para não entrar
numa fria”. A cartilha, prevista desde o projeto original, recebeu um
enfoque específico, por decisão da comissão que a organizou, tendo
em vista que a situação mais alarmante na ocasião, quanto à saúde
dos trabalhadores na região oeste do Paraná, dizia respeito à realidade
dos trabalhadores em empresas frigoríficas. Essa demanda,
apresentada pela AP-LER, em função das situações que chegam até
a entidade, foi ratificada logo nas primeiras atividades do projeto,
uma vez que considerável parte das intervenções dos participantes,
nos momentos de debate, referiu-se à realidade dos trabalhadores do
referido setor. Além disso, na fase de discussão e fundamentação
teórica para elaboração da cartilha, foram realizados estudos que
tomaram materiais do mesmo gênero como objeto de análise. Tais
estudos indicaram que o efeito desse tipo de material é maior quando
se trata de áreas específicas de trabalho, permitindo a identificação
dos trabalhadores com o conteúdo abordado, visto o tratamento que
30
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
se dá às especificidades dos setores de trabalho, no caso o setor
frigorífico.
A entrega da cartilha a cada um dos participantes do curso,
ocorrida no último dia da atividade, marcou o encerramento do projeto.
Já nesse momento identificou-se a validade da edição da cartilha,
consideradas as intervenções dos concluintes do curso.
O relato aqui apresentado das atividades do projeto de
extensão “Trabalho, educação e saúde: formação permanente de
profissionais e usuários da saúde pública” indica que as metas
previstas inicialmente foram cumpridas: a) foram organizadas as nove
9 (nove) mesas redondas, com carga horária total de 36 h, entre os
meses de outubro de 2007 a setembro de 2008 (um a cada mês,
excetuando-se os períodos de férias letivas). Originalmente, previase o encerramento das mesa-redonda no mês de maio de 2008;
entretanto, a inclusão de algumas mesas na programação do curso
possibilitou a concentração de esforços e não impediu o alcance das
metas previstas; b) realizou-se o Curso de Capacitação de
Multiplicadores de Informações sobre Direitos da Saúde do
Trabalhador, com carga horária de 44 h (quatro além do planejado),
desenvolvido entre os meses de maio a setembro de 2008. Optou-se
por realizar o curso depois do previsto (fevereiro a maio de 2008,
inicialmente), considerando a concentração de esforços apontada
acima. Ademais, a vinda de pesquisadores como convidados para
participação nas atividades do projeto dependeu, em alguns casos,
das agendas individuais; c) durante o desenvolvimento das mesas
redondas e do curso ocorreu, em paralelo, a elaboração, a revisão, a
impressão e o início da distribuição gratuita dos 20 mil exemplares
da Cartilha sobre Saúde do Trabalhador, publicada pela Editora da
31
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
Unioeste (Edunioeste); d) publicação resultante do projeto6, reunindo
artigos dos palestrantes das mesas redondas, dos sujeitos que
ministraram o curso e de renomados pesquisadores sobre os temas
trabalho, educação e saúde7.
Considerando os resultados concretos do projeto, pode-se
afirmar que todos aqueles previstos originalmente foram alcançados:
- O perfil das entidades representadas pelos participantes
demonstra que o projeto oportunizou, de forma significativa, o
estreitamento das relações entre a Unioeste e diferentes organismos
públicos (Secretarias Estadual e Municipais de Saúde, além de outras
correlatas; 3 (três) regionais de saúde; Conselho Estadual de Saúde e
vários conselhos municipais de Saúde) e da sociedade civil (entidades
de defesa da saúde do trabalhador, sindicatos e outras entidades
sociais);
- As mesas redondas e o curso, imediatamente, e a cartilha e
os livros publicados, mediatamente, permitiram a efetiva promoção
da qualificação dos profissionais da saúde da região de abrangência
da Unioeste. Foi significativa a participação de acadêmicos de
diversas instituições de ensino superior da região oeste do Paraná e
de diferentes cursos relacionados ao trabalho, educação e saúde nas
atividades, assim como a participação de inúmeros profissionais das
mesmas áreas, em especial da saúde. Essas participações fizeram jus
6
Coletâneas em dois volumes, distribuídos gratuitamente para universidades e outros
espaços formativos na área da saúde, instituições de assistência à saúde do Sistema
Único de Saúde localizadas na região oeste do Paraná, conselhos estadual e municipais
de saúde e entidades sociais.
7
A complexidade do trabalho que envolve a organização de obras coletivas e a necessidade
de respeito ao fluxo de publicações da Edunioeste, que exige a avaliação das obras por
pareceristas qualificados, justificam a impossibilidade de que as publicações estivessem
prontas exatamente no mês de encerramento do projeto.
32
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
à perspectiva do projeto atuar como uma oportunidade de apoio à
formação inicial e continuada de profissionais de diferentes áreas e
instituições;
- Diversos acadêmicos da Unioeste (Mestrado em Educação
e curso de Enfermagem) participaram de momentos de elaboração e
organização das atividades do projeto, permitindo o reconhecimento
de créditos acadêmicos para os mesmos. Foi também expressiva a
presença de acadêmicos de inúmeros cursos da Unioeste como
participantes das atividades realizadas, permitindo-lhes a certificação
em atividades extracurriculares e o reconhecimento de carga horária
em seus currículos;
- Foram publicados os 2 (dois) volumes previstos do livro
“Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais
e usuários da saúde pública”;
- Foi elaborada e publicada a Cartilha sobre Saúde do
Trabalhador, com tiragem de 20 mil exemplares. Vários exemplares
foram entregues aos participantes do curso, marcando o encerramento
de suas atividades. A cartilha, enfocando a realidade dos trabalhadores
de empresas frigoríficas, apresenta relações entre trabalho e saúde
do trabalhador, características da organização do trabalho em
frigoríficos e de seus efeitos negativos sobre a saúde do trabalhador,
além dos direitos dos trabalhadores vítimas de agravos e dos
procedimentos básicos para garanti-los;
- Foi concluído o projeto de iniciação científica que tratou do
resgate histórico da Associação de Portadores de Lesões por Esforços
Repetitivos/AP-LER, parceira da Unioeste no projeto e uma das
principais motivadoras da sua idealização, realização e resultados. O
relatório do projeto de iniciação científica, intitulado “A luta pela
saúde do trabalhador: um histórico da associação de portadores de
lesões por esforços repetitivos (AP-LER)”, foi aprovado pela
33
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
Comissão Local do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC) e apresentado no XVII Encontro Anual de Iniciação
Científica (EAIC), ocorrido entre os dias 19 e 22 de novembro de
2008, em Foz do Iguaçu.
Além desses resultados, outros foram decorrentes do
envolvimento dos participantes nas atividades realizadas, embora
não estivessem previstos originalmente no projeto:
- O projeto contribuiu com a organização de entidades da
sociedade civil que vêm somando esforços para a efetiva estruturação
e consolidação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(CEREST) de Cascavel, que abrange as macrorregiões de Cascavel,
Toledo e Foz do Iguaçu, envolvendo 52 municípios. O CEREST
funciona junto à 10ª Regional de Saúde e é gestionado pelo Estado
do Paraná. A urgente necessidade de efetivação do CEREST foi
revelada pelos participantes do projeto, visto a intensa demanda de
orientação e tratamento adequado a trabalhadores vitimados pelo
trabalho, além da necessidade de identificação dos setores de trabalho
mais vulneráveis. No caso dos trabalhadores de empresas frigoríficas,
identificados como principal população carente desse tipo de serviço
público de saúde, a efetivação do CEREST será um passo fundamental no enfrentamento da problemática vivenciada por eles;
- Essa organização das entidades, estimulada pelo projeto,
contribuiu também para a criação da Comissão Provisória do Comitê
Macrorregional de Investigação de Óbitos e Amputações
Relacionados ao Trabalho, em reunião organizada pelo CEREST de
Cascavel, ocorrida no dia 27 de novembro de 2008. Na ata da referida
reunião, constata-se a presença de vários trabalhadores e
representantes de entidades que participaram das atividades do curso.
A articulação entre o CEREST e o Comitê de Investigação de Óbitos
e Amputações Relacionadas ao Trabalho demonstra o compromisso
34
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
dos participantes do curso na criação e integração de ações e
organizações macrorregionais fundamentais para a luta em defesa da
saúde do trabalhador;
- O projeto de extensão aqui relatado foi utilizado como
referência pela Comissão Estadual de Saúde do Trabalhador,
vinculada ao Conselho Estadual de Saúde do Paraná, para a
elaboração de uma política de formação de recursos humanos para
atuação no campo da saúde do trabalhador;
- Criação da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador
(CIST), dos Conselhos Municipais de Saúde de Francisco Beltrão e
Foz do Iguaçu, por força da mobilização e intervenção de membros
que participaram das atividades do projeto;
- Compromisso público do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Unioeste de realização de uma segunda edição do
projeto, visto a reivindicação dos participantes do curso. Essa
possibilidade é a melhor prova dos bons resultados do projeto, da
disposição de todos os envolvidos em continuar a organizar e participar
de ações de capacitação e formação de usuários e trabalhadores e do
êxito da relação mais do que necessária entre a Unioeste e a
comunidade em que se insere;
- Lançamentos oficiais da cartilha, tendo o primeiro ocorrido
na Unioeste, campus de Toledo, em dezembro de 2008;
- Distribuição da cartilha para membros da AP-LER, durante
as assembléias da entidade, e entrega de exemplares na entrada de
empresas frigoríficas localizadas no oeste do Paraná, permitindo a
trabalhadores do setor o acesso ao material;
- Adesão da Associação Docente da Unioeste/Seção Sindical
do ANDES-Sindicato Nacional (Adunioeste) nas atividades de
lançamento e distribuição da cartilha. A deliberação acerca da adesão
35
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
foi tomada em assembléia da entidade realizada no dia 9 de dezembro
de 2008;
- Confecção de um vídeo amador fazendo a apresentação da
cartilha para ser utilizado nas atividades de lançamento.
Deve-se exaltar, ao fim deste relato, duas ocorrências
imprescindíveis para o êxito do projeto: a decisiva e fundamental
importância do sentido e da aplicabilidade do Edital nº 06/2007PROEXT 2007, de 20 de junho de 2007, lançado pelo Ministério da
Educação (MEC), Secretaria de Educação Superior (SESu) e
Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior
(DEPEM), e o apoio incondicional da Unioeste durante o
desenvolvimento das atividades do projeto. A primeira ocorrência
criou e garantiu as condições estruturais para a realização do projeto,
especialmente por meio do seu financiamento.
O financiamento resultante do PROEXT 2007 viabilizou a
publicação das produções resultantes do projeto (compra dos
materiais gráficos necessários para a publicação de dois volumes do
livro, com 500 exemplares cada, e dos 20 mil exemplares da cartilha,
além do pagamento do serviço de revisor e ilustrador), a divulgação
e certificação das atividades (banners e emissão de certificados) e a
aquisição de equipamentos necessários para a realização das
atividades (um notebook e um equipamento multimídia, patrimoniados
pela Unioeste sob os números 01004839 e 01003637,
respectivamente).
O apoio da Unioeste permitiu que as atividades do projeto
pudessem contar com a presença de competentes pesquisadores
convidados, oriundos de outros estados do país, nas atividades do
projeto. A participação desses convidados abrilhantou ainda mais a
qualidade dos debates e discussões que foram travados. Aqui cabe
destacar a compra de passagens pelo Mestrado em Educação e a
36
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
garantia de transporte, hospedagem e alimentação para os convidados,
oportunizada pela Direção do Campus de Cascavel.
Considerações finais
Esse longo relato, logo na apresentação desta publicação,
intenta ratificar a necessidade da aproximação da universidade com
a sociedade civil e outros órgãos públicos, atendendo demandas
populares; no caso, a saúde do trabalhador, compreendida a partir
das intrínsecas relações entre trabalho, educação e saúde. Uma
necessidade histórica.
A Constituição de 1988 pode ser considerada um marco na
história das políticas sociais no Brasil, por pelo menos dois aspectos,
no que diz respeito à saúde pública: em primeiro lugar, por propor
um modelo de participação societária na política de saúde; em segundo
lugar, por articular a saúde, a previdência social e a assistência social
num conjunto integrado de políticas, denominado Seguridade Social.
O modelo de participação societária, definido
constitucionalmente, apesar de representar uma possibilidade de
avanço democrático nas relações entre o Estado e a sociedade civil,
não garante, per si, que o exercício do controle social se efetive. Para
tanto, são necessários movimentos e posturas políticas, no âmbito
estrito do Estado e no espaço diverso da sociedade civil, que
constituam, de fato e de direito, a disponibilidade republicana para a
participação social. Esta se constitui num elemento recente na história
das políticas sociais brasileiras; entretanto, a implementação da cultura
participativa deve ser entendida como um processo social em curso,
ainda em estr uturação, que deve, cada vez mais, chamar à
responsabilidade os profissionais e os usuários da saúde. Tal cultura,
37
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
se não aprofundada, pode redundar na absorção dos organismos
sociais “[...] por agências do Estado ou, pelo contrário, na sua
autonomização na sociedade civil enquanto movimento social”
(RIBEIRO, 1997, p. 88).
A modernização e a democratização das relações entre Estado
e sociedade civil, iniciada no Brasil no bojo da luta social contra o
regime ditatorial, são processos em curso, que se viram seriamente
ameaçados pela tendência neoliberal que se manifesta no país a partir
dos anos 1990. Recentes medidas governamentais que anunciam a
retomada do caráter universal e popular das políticas de saúde são,
ao mesmo tempo, advertências para que a sociedade civil reconfigure
e reestruture suas alternativas de formação, organização e intervenção,
na direção da repolitização das relações estabelecidas com o Estado,
em diferentes frentes e aspectos. No Pacto pela Saúde, que consolida
o Sistema Único de Saúde no país, é reiterada a “[...] importância da
participação e do controle social com o compromisso de apoio à sua
qualificação” (MS, 2006a, p. 3).
Para tanto, é necessário recuperar o empenho coletivo (do
Estado e da sociedade civil) para fazer predominar o estatuto das
políticas sociais como políticas que assegurem direitos efetivos, em
oposição à forte característica assistencial que ainda é hegemônica.
Nesse aspecto, a idéia de descentralização na execução e no controle
das políticas sociais deve revigorar alguns indicativos e medidas a
serem adotadas, tais como: a participação popular nos processos de
formulação, implementação e controle das políticas sociais, e a
democratização do acesso aos bens públicos, de modo a reduzir a
marginalização de parcelas não desprezíveis da população a esses
bens (SOARES, 2001, p. 211). Assim, é fundamental que os processos
formativos dos profissionais de saúde confiram significativa atenção
à sua formação inicial e continuada e que os usuários de saúde tomem
38
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
conhecimento das diversas estratégias de participação (direitos e
deveres) na condução da política de saúde.
A qualificação dos profissionais da saúde e a participação
dos usuários – dimensões fundamentais da democratização do acesso
a bens públicos de saúde – pressupõem, no mínimo, o conhecimento
dos fundamentos e dos processos envolvidos na implementação do
Sistema de Seguridade Social, de modo a poder se vislumbrar formas
cada vez mais sólidas de atuação profissional, de acesso e de controle
sobre as políticas públicas que lhes são pertinentes. Nesse aspecto, o
Pacto pela Saúde, recentemente definido como instrumento do
Sistema de Seguridade Social, prevê, no item “Responsabilidades na
educação na saúde”, que deve caber aos estados da federação a
promoção, entre outros, da “[...] integração de todos os processos de
capacitação e desenvolvimento de recursos humanos à política de
educação permanente, no âmbito da gestão estadual do SUS” (MS,
2006a, p. 29-30).
As instituições públicas voltadas para a formação profissional,
em especial as universidades, devem mobilizar seus agentes
educacionais no sentido de voltarem sua atuação para a formação e
aperfeiçoamento de recursos humanos em saúde, não só nos limites
das ações formativas tradicionais (cursos de graduação e pósgraduação), mas também por meio de outras estratégias, como a
pesquisa e a extensão.
Essa perspectiva foi assumida pelos pesquisadores da
Unioeste (do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação,
do Curso de Enfermagem e do Curso de Serviço Social) e pela APLER ao proporem o projeto aqui apresentado. E o fizeram por três
motivos fundamentais: pela competência resultante da busca
constante de aperfeiçoamento científico, por meio do
39
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
desenvolvimento de pesquisas sobre os temas propostos; pela
convicção de que a universidade pública deve cumprir sua
responsabilidade social, expandindo o conhecimento produzido,
socializando-o com segmentos da sociedade civil e colocando-o a
serviço de outras áreas e setores da política pública; pela compreensão
de que o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão só tem sentido se orienta ações concretas – envolvendo a
universidade e a sociedade civil – de impacto e relevância social,
como é o caso, aqui, do tema da promoção da saúde e/ou prevenção
de doenças, mediado pela estratégia de formação permanente de
profissionais e usuários da saúde pública.
Conforme apresentado neste capítulo, o projeto extensionista
“Trabalho, educação e saúde: formação permanente de profissionais
e usuários da saúde pública”, aprovado pelo Edital nº 06/2007PROEXT 2007 e financiado com recursos públicos, foi uma forma
de a Unioeste atender ao chamamento de sua responsabilidade social, por meio de duas frentes de ação: a) Formação permanente e
apoio à formação inicial de futuros profissionais da saúde; b) Curso
de Capacitação de Multiplicadores da Rede Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Trabalhador.
Esse formato buscou atender ao previsto pelo Conselho
Nacional de Saúde, o qual aprovou, em 2003, a “Política de educação
e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente
em saúde” (SUS, 1998). As principais proposições dessa política
incluem a conquista de “[...] relações orgânicas entre as estruturas de
gestão da saúde (práticas gerenciais e organização da rede), as
instituições de ensino (práticas de for mação, produção de
conhecimento e prestação de serviço), os órgãos de controle social
(conselhos de saúde, movimentos sociais e de educação popular) e
40
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
os serviços de atenção (profissionais e suas práticas)” (CECCIM e
FEUERWERKER, 2004, p. 54).
Para contribuir com a referida política, o projeto propôs a
abordagem de temas e questões de diversas ordens sobre a saúde
pública, através de estratégias formativas, organizadas em forma de
mesas redondas, envolvendo pesquisadores e profissionais de
diferentes áreas, integrantes de entidades sociais atinentes à área da
saúde pública e membros de órgãos de controle social, numa
perspectiva interdisciplinar e interinstitucional.
Os temas e questões tratados nas atividades do projeto foram definidos em função: a) de demandas identificadas nos diversos
estudos realizados pelos pesquisadores da Unioeste e de outras
instituições universitárias e por suas competências teóricas, práticas
e metodológicas (atestadas em seus currículos) para abordar os
assuntos definidos; e b) das articulações entre os pesquisadores
envolvidos e outros órgãos públicos e agentes sociais, próprias do
constante esforço para aproximar as atividades de ensino e de
pesquisa com a extensão, por meio da relação com a sociedade, visando
ao tratamento de questões sociais candentes.
As temáticas definidas para as frentes de ação “Formação
permanente e apoio à formação inicial de futuros profissionais da
saúde” e “Curso de Capacitação de Multiplicadores de Informações
sobre Direitos da Saúde do Trabalhador” foram organizadas em dois
blocos: contexto sócio-econômico-político das políticas de saúde e
temas e dilemas da luta em defesa da saúde do trabalhador. As frentes
de ação do projeto buscaram obedecer ao Pacto pela Saúde, editado
em 2006 pelo Ministério da Saúde, que apresenta como uma de suas
diretrizes o estabelecimento de ações no campo da saúde que devem
se tornar prioritárias e executadas “[...] com foco em resultados e
com a explicitação inequívoca dos compromissos orçamentários e
41
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
financeiros para o alcance desses resultados” (MS, 2006a, p. 2).
Alguns dos problemas que afetam o equilíbrio financeiro do
sistema público de saúde são a morosidade no tratamento de doenças
e suas recidivas e a ineficiência do combate sobre as causas desse
fenômeno, muitas vezes pela falta de uma sistemática de atendimento
que considere a possibilidade de origens não biológicas para o
surgimento e agravamento de enfermidades. Esse é o caso dos
problemas envolvidos com o tema da saúde do trabalhador, que se
tornou um sério problema social e que engendrou a iniciativa da
formação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST), integrada ao Sistema Único de Saúde, a
partir de 2002.
O Manual de Gestão e Gerenciamento da RENAST indica
que as ações de saúde do trabalhador visam à indissociabilidade das
ações assistenciais e de vigilância em saúde e compreendem os
seguintes aspectos: assistência aos agravos; vigilância dos ambientes
e condições de trabalho (vigilância sanitária); da situação de saúde
dos trabalhadores (vigilância epidemiológica) e da situação ambiental
(vigilância ambiental); produção, coleta, sistematização, análise e
divulgação das informações de saúde; a produção de conhecimento
e as atividades educativas, todas elas desenvolvidas sob o controle
da sociedade organizada (BRASIL, 2006, p. 59). Quanto a este último
item, uma preocupação expressa no documento citado é
[...] o grau de infor mação dos cidadãos
responsáveis por exercer o controle social e que
têm o compromisso de zelar para que essas ações
sejam executadas na direção de preservar o
42
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
direito dos brasileiros e brasileiras garantidos na
Constituição Cidadã de 1988" (id., p. 7).
Tal preocupação ganha maior relevância quando se verifica
que entre os princípios da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde
estão os seguintes: “[...] todo cidadão tem direito a tratamento
adequado e efetivo para seu problema” e “[...] todo cidadão também
tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça da forma
adequada” (MS, 2006b, p. 1). Desta forma, a qualidade do nível, tipo
e abrangência do conhecimento dos trabalhadores sobre esse recente
modelo qualificado de atenção à saúde dos trabalhadores no Sistema
Único de Saúde torna-se fundamental.
Em função dos argumentos apresentados acima, o projeto
promoveu a socialização para os usuários da saúde pública residentes
nos municípios da região oeste do Paraná – e de outros que se fizeram
representar – dos fundamentos, funcionamento, mecanismos e
procedimentos necessários para que os trabalhadores pudessem
qualificar sua atuação como sujeitos de direito à assistência e
promoção da saúde, como agentes do controle social e, principalmente,
como personagens imprescindíveis para a identificação de causas e
medidas corretivas e preventivas de doenças do trabalho, e para a
qualificação da atuação dos agentes públicos sobre as transformações
necessárias em determinados ambientes de trabalho. Dessa forma,
foi possível promover a atualização e prestar informações aos
profissionais e usuários da saúde pública dos seus direitos e de suas
responsabilidades para um tratamento adequado, em especial no caso
dos usuários que são trabalhadores, nos termos da Carta dos Direitos
dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/MS/2006) e dos princípios
da RENAST (BRASIL, 2006).
43
O Projeto de Extensão “Trabalho, Educação e Saúde”
A opção pela abrangência de temas tratados nas atividades
do projeto resultou não só do caráter inter, transdisciplinar e
interinstitucional da equipe, mas também da necessidade de
enfrentamento de questões de fundo, que remetem à compreensão
de que formação deve-se tratar:
Como for mar sem colocar em análise o
ordenamento das realidades? Como formar sem
colocar em análise os vetores que forçam o
desenho das realidades? Como formar sem ativar
vetores de potência contrária àqueles que
conservam uma realidade dada que queremos
modificar?” (CECCIM; FEUERWERKER,
2004, p. 47).
Ao final do projeto, os seus idealizadores e realizadores
puderam constatar que simples medidas, quando condizentes com
as expectativas das demandas populares, apresentam processos e
resultados de grande expressão e significado social. É a grandeza do
que foi proporcionado pelo projeto, expressa pelos seus resultados,
que esta publicação deseja socializar. Significativos “vetores de
potência” que podem contribuir para a modificação de condições
adversas que produzem tantos trabalhadores doentes.
44
Georgia S. dos Santos Cêa - Laerson Vidal Matias - Neide Tiemi Murofuse
Referências
BRASIL. SUS. RENAST. Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde
do Trabalhador. Manual de Gestão e Gerenciamento. São Paulo,
2006. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/ManualRenast06.pdf>. Acessado em: 30 abr. 2007.
CECCIM, Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura C. M. O
quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção
e controle social. Physis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, 2004.
MS. Ministério da Saúde. Portaria n. 399/GM, de 22 de fevereiro
de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e
aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. 2006a.
Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/
Port2006/GM/GM-399.htm>. Acessado em: 22 out. 2006.
___________. Portaria n. 675/GM, de 30 de março de 2006.
Aprova Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que consolida os
direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde em todo o País.
2006b. Disponível em: < http://dtr2001.saude.gov. br/sas/
PORTARIAS/Port2006/GM/GM-675.htm>. Acessado em: 22 out.
2006.
RIBEIRO, José Mendes. Conselhos de saúde, comissões intergestores
e grupos de interesses no Sistema Único de Saúde (SUS). Cadernos
de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, 1997, p. 81-92.
SOARES, Laura Tavares Ribeiro. Ajuste neoliberal e desajuste
social na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2001.
SUS. Norma operacional básica do Sistema Único de Saúde. NOBSUS 01/96. Disponível em: <http://www.saude.rj.gov.br/Ces/
Legisl/NOB96.pdf>. Acessado em 17 fev. 2006.
45
46
DILEMAS DO TRABALHO NO CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO
VERA LUCIA NAVARRO
VALQUÍRIA PADILHA
Não se deve tirar a conclusão de que minhas
opiniões inspiram-se em nostalgia de uma época
que não pode mais voltar. Pelo contrário, minhas
opiniões sobre o trabalho estão dominadas pela
nostalgia de uma época que ainda não existe
(BRAVERMAN, 1987, p. 18).
Introdução
Iniciamos, este capítulo1, considerando que foram marcantes
as transformações ocorridas no mundo do trabalho na virada do século
XX para o XXI, e o crescimento em escala mundial do desemprego
é, certamente, a face mais perversa deste quadro. Constatamos que,
apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico, de todas
as importantes inovações operadas na base técnica dos processos
produtivos, houve pouco alívio na labuta humana. Em realidade,
tais mudanças no conjunto da economia e da sociedade, resultantes
1
Este capitulo foi publicado originalmente na revista Psicologia & Sociedade, Porto
Alegre, v. 19. Número especial. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000400004&lng=en&nrm=iso>.
47
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
da reestruturação produtiva, que ganhou maior visibilidade a partir
dos anos de 1990, acabaram por intensificar a exploração da força de
trabalho e precarizar o emprego.
Neste cenário, podemos observar uma contradição marcante:
enquanto parte significativa da classe trabalhadora é penalizada com
a falta de trabalho, outros sofrem com seu excesso. Além da
precarização das condições de trabalho, da informalização do
emprego, do recuo da ação sindical, crescem, em variadas atividades,
os problemas de saúde, tanto físicos quanto psíquicos, relacionados
ao trabalho. A busca da compreensão dessa questão nos remete à
discussão acerca das mudanças do processo de trabalho no capitalismo
que expressam a necessidade constante de reprodução ampliada do
capital ao longo de sua história. Para tentarmos entender como isso
se processa, faz-se necessária a retomada de alguns conceitos que
nos possibilitam acompanhar o movimento e as transformações
operadas no trabalho sob o capitalismo.
Revendo os significados do trabalho
Entendemos que o trabalho tem caráter plural e polissêmico
e que exige conhecimento multidisciplinar; é também a atividade
laboral fonte de experiência psicossocial, sobretudo dada a sua
centralidade na vida das pessoas: é indubitável que o trabalho ocupa
parte importante do espaço e do tempo em que se desenvolve a vida
humana contemporânea. Assim, ele não é apenas meio de satisfação
das necessidades básicas: é também fonte de identificação e de
autoestima, de desenvolvimento das potencialidades humanas, de
alcançar sentimento de participação nos objetivos da sociedade.
Trabalho e profissão (ainda) são senhas de identidade.
Compreendemos que as pessoas, apesar das transformações que
48
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
testemunhamos hoje, continuam ancorando sua existência na
atividade laboral, mesmo aquelas que se encontram em situação de
desemprego.
A centralidade do trabalho dá-se não só na esfera econômica
(o trabalho é a fonte de renda da maioria da população mundial)
como também na esfera psíquica – o que, certamente, representa um
paradoxo, uma vez que a atividade laboral ainda parece ser uma
importante fonte de saúde psíquica (tanto que sua ausência, pelo
desemprego ou pela aposentadoria, é causa de abalos psíquicos), ao
mesmo tempo em que se registram cada vez mais pesquisas que
evidenciam o trabalho como causa de doenças físicas e mentais e de
mortes (cf. SELIGMANN-SILVA, 1994). É preciso perguntar: que
tipo de trabalho adoece corpo e mente e até mata? Certamente, não
é o trabalho criativo, produtivo, prazeroso, que deveria ser central na
vida das pessoas.
Quando afirmamos ser o trabalho central na vida das pessoas,
partimos do princípio marxiano2 de que é por meio do trabalho que o
homem torna-se um ser social. Assim, o trabalho é compreendido
como momento decisivo na relação do homem com a natureza, pois
ele modifica a sua própria natureza ao atuar sobre a natureza externa
quando executa o ato de produção e de reprodução. Nesse sentido, o
trabalho é um ato que pressupõe a consciência e o conhecimento
dos meios e dos fins aos quais se pretende chegar. Pode-se afirmar
2
Marx definiu o trabalho como “[...] um processo de que participam o homem e a
natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e
controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como
uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e
pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindolhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificandoa, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza” (MARX, 1989a, p. 202).
49
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
que não há trabalho humano sem consciência (enquanto finalidade),
na medida em que todo trabalho busca a satisfação de uma
necessidade.
Nas palavras de Marx (1989a, p. 208),
O processo de trabalho, que descrevemos em
seus elementos simples e abstratos, é atividade
dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de
apropriar os elementos naturais às necessidades
humanas; é condição necessária do intercâmbio material
entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da
vida humana, sem depender, portanto, de qualquer
forma dessa vida, sendo antes comum a todas
as suas formas sociais. (grifos nossos).
Vale lembrar que, quando se fala da dimensão do trabalho
como categoria primeira, está se pensando em atividade que cria valorde-uso e que trava relações entre o homem e a natureza, ou seja,
referimo-nos ao trabalho concreto – que é divergente do trabalho
abstrato, uma atividade estranhada e fetichizada, que cria valor-detroca. Com o desenvolvimento do capitalismo, a dimensão do trabalho
concreto – que produz objetos úteis – perde espaço para a dimensão
do trabalho abstrato.
Nas sociedades contemporâneas, o uso perde valor para a
troca; os produtos não são mais produzidos prioritariamente para
serem usados até o seu fim. Essa é uma tendência que se acentua nas
sociedades capitalistas nas quais a descartabilidade das mercadorias
é cada vez mais prematura. O descarte, independentemente da
50
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
qualidade da mercadoria, é induzido para que novos produtos sejam
comprados, o que leva os produtos para o lixo muito antes de esgotada
a sua vida útil. Para Mészáros (1989), o modo capitalista de produção
é inimigo da durabilidade; portanto, deve solapar as práticas
produtivas orientadas para a durabilidade, inclusive comprometendo
deliberadamente a qualidade.
O capitalismo traz consigo uma série de contradições, muitas
delas relacionadas ao mundo do trabalho. Ao mesmo tempo em que
o trabalho é a fonte de humanização e é o fundador do ser social, sob
a lógica do capital, torna-se degradado, alienado, estranhado. O
trabalho perde a dimensão original e indispensável ao homem de
produzir coisas úteis (que visariam a satisfazer as necessidades
humanas) para atender às necessidades do capital. Sob o capitalismo,
explicou Marx, o trabalhador decai à condição de mercadoria e a sua
miséria está na razão inversa da magnitude de sua produção. Em
suas palavras,
O trabalhador se torna tão mais pobre quanto
mais riqueza produz, quanto mais a sua produção
aumenta em poder e extensão. O trabalhador se
torna uma mercadoria tão mais barata quanto
mais mercadorias cria. Com a valorização do
mundo das coisas aumenta em proporção direta
a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho
não produz só mercadorias; produz a si mesmo
e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na
proporção em que produz mercadorias em geral
(MARX, 1989b, p. 148, grifos do autor).
51
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
O produto do trabalho aparece, no final, como algo alheio ou
estranho ao trabalhador, como um objeto que não lhe pertence. “O
trabalhador coloca a sua vida no objeto; mas agora ela não pertence
mais a ele, mas sim ao objeto” (Ibid., p. 150).
Quando se faz a crítica à sociedade capitalista, deve-se, então,
passar pela crítica do trabalho abstrato, pois é ele que contém a
dimensão de estranhamento. Quanto mais essa dimensão do trabalho
predomina numa sociedade, mais esta sociedade é estranhada. O
estranhamento é o afastamento do homem de sua essência humana,
é a sua conversão em coisa, sua reificação. Uma sociedade estranhada
é uma sociedade que cria, por sua lógica estrutural, barreiras sociais
para o livre desenvolvimento das potencialidades humanas. O
fenômeno do estranhamento se apoia na “histórica apropriação
desigual dos produtos do trabalho humano” (RANIERI, 2001, p. 61).
Sobre essa questão, o autor explica que, “na medida em que o trabalho
estranhado rebaixa a atividade humana a mero meio de subsistência,
a própria vida humana transforma-se num meio de efetivação da
atividade estranhada” (Ibid., p. 62, grifos do autor).
Em contrapartida, uma sociedade emancipada é aquela que
conseguiu abortar todas as formas de estranhamento do ser, inclusive e principalmente o trabalho assalariado abstrato e todas as formas
de propriedade privada. Assim, o que defendemos é que o homem
não pode abdicar da dimensão concreta do trabalho, sob pena de
perder a principal referência do seu caráter de humano e de ser social. Os riscos de essa perda acontecer são constantes, sobretudo
quando entendemos e levamos em consideração o caráter do
fetichismo presente na produção das sociedades capitalistas.
O fetiche da mercadoria é a aparência que se sobrepõe à
essência, é o mundo das coisas como objetivo final, provocando o
comprometimento e/ou supressão da subjetividade: a “coisa” sufoca
52
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
o “humano”. O fetichismo – este caráter misterioso das mercadorias
– provém do fato de que elas ocultam a relação social entre os trabalhos
individuais dos produtores e o trabalho total. Para Marx (1989a, p.
80-81), “uma relação social definida, estabelecida entre os homens,
assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas.”
O estranhamento e o fetichismo fazem parte do mesmo
processo de coisificação dos sujeitos. Conforme Silveira (1989, p.
50),
[...] na atividade alienada, em que o homem, a
classe, o indivíduo não se apropriam do resultado
de sua atividade vital, a energia vital dispendida
se torna própria do ‘objeto’, que rigorosamente se
torna coisa no sentido de ter adquirido vida
própria, um poder autônomo: o estranhamento,
o alheamento [...]. É neste sentido também [...]
que esse sujeito é determinado, é limitado, é,
radicalmente falando, coisificado, posto pela coisa
que se apropriou do que era próprio ao sujeito da
atividade vital. A coisa, o capital, a mercadoria, o
dinheiro pondo sujeitos físicos, isto é, sujeitos de que
dependem – elas, as coisas – para se reproduzirem
como tais (grifos do autor).
O fetichismo da mercadoria e o controle que o capital exerce
sobre o trabalho humano, no capitalismo, são causas diretas da
alienação ou estranhamento dos trabalhadores. Cada vez mais o
trabalhador – que, como “ser genérico”, representa toda a humanidade
– encontra-se estranhado. Esse estranhamento intensifica-se com o
desenvolvimento do capitalismo.
53
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
O desenvolvimento do trabalho no século XX
A principal abordagem desenvolvida aqui é a de que o trabalho
é o elemento fundante do ser social, é o ponto de partida da
humanização. Diante disso, podemos perguntar: quais são as
implicações das transformações do mundo do trabalho para a vida
dos trabalhadores?
O avanço das forças produtivas (a ciência e a técnica)
intensifica o estranhamento. O desenvolvimento das forças produtivas
é um processo contraditório: capacita o capital ao mesmo tempo em
que suprime o trabalho. A lógica desse avanço tecnológico é a lógica
do capital; assim, não são a ciência e a técnica perversas em si. Isso
fica claro quando conhecemos a história do surgimento das fábricas,
conforme nos sugere Decca (1988, p. 7). Este autor afirma que,
“dentre todas as utopias criadas a partir do século XVI, nenhuma se
realizou tão desgraçadamente como a da sociedade do trabalho”. A
dimensão crucial da glorificação do trabalho deu-se com o surgimento
da fábrica mecanizada, que aparecia, aos olhos do mundo ocidental,
como a nova ilusão de que não haveria limites para a produtividade
humana.
Decca (1988) afirma que é preciso encontrar a fábrica em
todos os lugares em que se teve a intenção de disciplinar e assujeitar
o trabalhador. Isso quer dizer que o sucesso da fábrica não foi, como
se pode pensar, a mecanização e o desenvolvimento tecnológico,
mas, sim, o fato de ela ter sido um locus privilegiado da
disciplinarização dos trabalhadores, que acabou por introjetar dentro
de cada um o relógio moral do desenvolvimento capitalista.
O que o autor assevera é que a divisão do trabalho criada
para o funcionamento da fábrica significou a apropriação dos saberes
54
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
(anteriormente pertencentes aos artesãos) por meio de sutis
mecanismos de controle social. A tecnologia é vista, então, como
mais uma forma de controle social. A imposição da noção de “tempo
útil” parece ser um bom exemplo disso, na medida em que prevalece,
cada vez mais, a ideia “moralizante” de que não se pode perder tempo,
de que tempo é dinheiro. Essa introjeção definitiva da imagem e do
valor do tempo como moeda de mercado (cf. THOMPSON, 2002) é
uma ilustração de que são dominantes as ideias da classe dominante.
Marglin (1989, p. 41) afirma:
[...] a origem e o sucesso da fábrica não se
explicam por uma superioridade tecnológica, mas
pelo fato dela despojar o operário de qualquer
controle e de dar ao capitalista o poder de
prescrever a natureza do trabalho e a quantidade
a produzir. A partir disso, o operário não é livre
para decidir como e quanto quer trabalhar para
produzir o que lhe é necessário; mas é preciso
que ele escolha trabalhar nas condições do patrão
ou não trabalhar, o que não lhe deixa nenhuma
escolha.
Os capitalistas reuniram os trabalhadores em fábricas muito
mais por uma questão organizacional que tecnológica. No entanto, a
técnica não deve ser entendida como neutra: ela serviu e continua
servindo aos interesses de controle e hierarquia do capital. O capital
conseguiu que a ciência se colocasse a seu serviço, o que se deu num
processo de “docilização” da mão-de-obra (DECCA, 1988). A
apropriação do saber – inicialmente do artesão e posteriormente do
operário – pelos capitalistas nas fábricas é uma das formas desse
estranhamento que continua se manifestando nos dias atuais.
55
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
Os relatos de Simone Weil, professora de Filosofia na França,
que optou por trabalhar como operária na fábrica para sentir na pele
o sofrimento do trabalhador, descrevem sensações interessantes e
explicam o que a vida na fábrica fez com ela:
[...] E não creio que tenham nascido em mim
sentimentos de revolta. Não, muito ao contrário.
Veio o que era a última coisa do mundo que eu
esperava de mim: a docilidade. Uma docilidade
de besta de carga resignada. Parecia que eu tinha
nascido para esperar, para receber, para executar
ordens – que nunca tinha feito senão isso –, que
nunca mais faria outra coisa. Não tenho orgulho
em confessar isso. É a espécie de sofrimento de
que nenhum operário fala; dói demais, só de
pensar (WEIL apud BOSI, 1996, p. 79).
A história da organização do trabalho é a história do
desenvolvimento tecnológico em favor da acumulação capitalista,
ao mesmo tempo em que é a história do sofrimento dos trabalhadores.
Os avanços científicos ocorridos em nome do progresso não
conseguiram eliminar as formas de exploração física e psíquica dos
trabalhadores, nas fábricas ou fora delas. As técnicas de organização
da produção e do trabalho, baseadas nos princípios taylorista, fordista
e toyotista, só fizeram aumentar essas formas de exploração.
Taylorismo, fordismo e toyotismo: formas de intensificação e
controle do trabalho
Ao longo de todo o desenvolvimento do processo de trabalho
no capitalismo, o que podemos observar é a perda progressiva do
56
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
controle do trabalhador sobre o processo produtivo e, em
consequência, a perda de controle sobre seu próprio trabalho. O que
varia, em diferentes momentos, são as formas disso se objetivar.
O taylorismo não promoveu mudanças importantes na base
técnica do processo de trabalho: sua preocupação foi com o
desenvolvimento dos métodos e a organização do trabalho. Ele
aprofundou a divisão do trabalho introduzida pelo sistema de fábrica,
assegurando definitivamente o controle do tempo do trabalhador pela
gerência, o que significou uma separação extrema entre concepção e
execução do trabalho.
De acordo com Braverman (1987), o que Taylor buscava não
era a melhor maneira de trabalhar em geral mas uma resposta ao
problema específico de como controlar melhor o trabalho alienado,
ou seja, a força de trabalho comprada e vendida. Para Braverman, o
controle do trabalho ao longo da história da gerência sempre foi o
aspecto essência, mas foi a partir de Taylor que essa questão adquiriu
dimensões sem precedentes. Em geral, antes de Taylor, admitia-se
que a gerência tinha o direito de controlar o trabalho, o que usualmente
significava apenas a fixação de tarefas, com pouca interferência direta
na maneira do trabalhador executá-las. Com Taylor, essa prática foi
invertida, sendo substituída pelo seu oposto: ele alegava que a gerência
se tornaria um empreendimento limitado e frustrado se deixasse ao
trabalhador qualquer tipo de decisão sobre o trabalho.
Seu “sistema” era tão-somente um meio para
que a gerência efetuasse o controle do modo
concreto de execução de toda a atividade no
trabalho, desde a mais simples à mais
complicada. Nesse sentido, ele foi pioneiro de
57
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
uma revolução muito maior na divisão do
trabalho que qualquer outra havida.
(BRAVERMAN, 1987, p. 86).
O fordismo continuou requerendo esse tipo de trabalhador
estranhado que o taylorismo havia evidenciado 3. Ford mantém o
essencial do taylorismo e aperfeiçoa o método introduzindo a linha
de montagem e um novo modo de gerir a força de trabalho, com
destaque aos incentivos dados aos trabalhadores por meio de aumento
dos níveis salariais.
A história registra, no entanto, uma significativa resistência
operária ao fordismo, uma vez que os trabalhadores sentem a perda
de seu savoir-faire e o peso de um trabalho puramente mecanizado,
rotinizado, gerando um alto índice de absenteísmo e o aumento de
paralisações e sabotagens. Em contraposição, houve considerável
aumento de salário, para amenizar temporariamente os problemas
com a força de trabalho.
Crise do padrão taylorista-fordista e a propagação do toyotismo
Nos anos o padrão de regulação taylorista-fordista começa a
dar sinais de esgotamento em meio à crise estrutural vivida pelo
3
Vale lembrar que é muito difícil entender o fordismo (que pressupõe também a
produção e o consumo em massa) fora do contexto do americanismo: a propagação
do fordismo exigiu uma nova forma de organização social do processo de produção
que está intimamente ligada com o modo de viver e de ser do conjunto dos
trabalhadores. O americanismo pode ser entendido como um conjunto de
caracterizações próprias, originadas nos Estados Unidos, que visavam à construção
de um novo homem para um novo tipo de trabalho. O modo de viver deveria ser
adaptado ao modo de produzir. O objetivo foi o de criar um novo tipo de trabalhador
(cf. GRAMSCI, 1989).
58
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
capitalismo nesse período. O taylorismo e o fordismo passam a
conviver ou mesmo a ser substituídos por outros modelos
considerados mais “enxutos” e “flexíveis”, melhor adequados às novas exigências capitalistas de um mercado cada vez mais globalizado.
É a partir dos anos 1980 que se observa o acirramento da chamada
reestruturação produtiva. Em um cenário de maior competitividade,
as empresas, visando à redução dos custos de produção, ao aumento
da variedade de suas mercadorias, à melhoria da qualidade de seus
produtos e serviços e de sua produtividade, investiram em mudanças
de ordem tecnológica e organizacionais que repercutiram
negativamente nas relações e condições de trabalho.
Novas formas de organização do trabalho, “mais flexíveis” e
alternativas ao taylorismo-fordismo, considerado muito rígido,
emergiram em várias partes do mundo, mesclando-se, fundindo-se
ou mesmo superando a(s) anterior mente predominante(s)
(ANTUNES, 1995). Alguns estudos chegam mesmo a afirmar a
existência de um novo paradigma de produção industrial alternativo
ao fordismo. São exemplos dessas novas experiências o modelo sueco,
o modelo italiano e o modelo japonês4. No entanto, foi este último
que conseguiu maior capacidade de propagação. Os métodos
produtivos japoneses aparecem sempre como
4
Segundo Hirata (1994, p. 40), “os modelos sueco e italiano [...] podem ser
caracterizados, conjuntamente, em oposição ao modelo japonês, como sendo
modelos produtivos de envolvimento negociado dos trabalhadores nos novos
processos de produção de qualidade e produtividade e só se realiza com sindicatos
fortes e independentes. Tanto o modelo italiano quanto o sueco se apoiam numa
formação profissional importante dos trabalhadores e na polivalência do trabalho
em grupo. Embora tenham por objetivo, como todos os modelos industriais,
alcançar a produtividade por meio de um máximo de eficiência, não se baseiam na
produção enxuta.”
59
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
[...] a materialização de um novo sistema de
organização, desenvolvimento e competitividade
industrial, como exemplo de modernidade
capitalista a ser reproduzido pelas empresas que
pretendam chegar à condição de world class company (empresa de categoria mundial). O
toyotismo é a marca de um modelo de
exploração vendido mundialmente e adaptado a
qualquer situação nacional. Na visão dos
capitalistas e da maior parte dos pesquisadores,
as relações de produção deste modelo japonês
são também a própria realização da harmonia
entre capital e trabalhador (MARTINS, 1994, p.
124).
O sistema Toyota, ou, como prefere Coriat (1994, p. 24), o
ohnismo5, “constitui um conjunto de inovações organizacionais cuja
importância é comparável ao que foram em suas épocas as inovações
organizacionais trazidas pelo taylorismo e pelo fordismo”. O objetivo
maior de seu método é produzir, a baixos custos, pequenas séries de
produtos variados. Um dos primeiros problemas de Ohno, no início
de seu empreendimento, foi a questão dos estoques, visto que o Japão
não é um país que dispõe de vastos espaços como os Estados Unidos.
Segundo Coriat, duas descobertas nascem a partir desse problema: a
“fábrica mínima” e a “administração pelos olhos”. A primeira está
relacionada com o fato de que, por trás do estoque, há um “excesso
de pessoal”, o que leva à conclusão de que, se o estoque é permanente,
5
Em referência direta ao nome do engenheiro Taiichi Ohno (1912-1990), a quem se
atribui o mérito principal pela criação da “nova escola japonesa”, que teria sido originada
na fábrica da Toyota.
60
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
há por detrás dele um excesso de equipamento. É nas entrelinhas
deste princípio que, segundo Coriat (1994, p. 33),
[...] se desenha aquilo que seríamos tentados a
designar como a ‘fábrica mínima’, a fábrica
reduzida às suas funções, equipamentos e efetivos
estritamente necessários para satisfazer a demanda
diária ou semanal. Observe-se também que, no
espírito de Ohno, a fábrica mínima é primeiro e
antes de tudo a fábrica de pessoal mínimo.
Na Toyota de Ohno, o conceito de economia é indissociável
da busca da “redução de efetivos” e da “redução de custos”.
Obviamente, não se pensa nos altos custos psicossociais dessa
política.
A segunda descoberta de Ohno é o método de “gestão pelos
olhos”. A meta a alcançar é a eliminação de tudo o que for considerado
“supérfluo”, dos “excessos gordurosos”, de tudo aquilo que uma
fábrica pode dispensar. Nasce, então, segundo Coriat (CORIAT,
1994, p. 36), a fábrica “magra”, transparente e flexível, que se opõe
à fábrica fordista, qualificada como “gorda”. O ponto forte dessa
“fábrica mínima” é o just in time, que organiza a produção de modo a
fabricar os produtos apenas na quantidade e no momento de serem
escoados, o que pressupõe estoque mínimo e número reduzido de
operários.
Outra característica do modelo japonês bastante difundida
no meio empresarial e, em parte, no meio acadêmico, diz respeito à
qualificação do trabalhador. Contrariamente ao operário do
taylorismo/fordismo que desempenhava tarefas altamente
simplificadas, repetitivas, monótonas e embr utecedoras, no
61
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
toyotismo, o trabalhador estaria transformando-se em um trabalhador
“altamente qualificado”, “polivalente”, “multiprofissional”. Na
prática, várias pesquisas demonstram que essas mudanças, de forma
geral, ao invés de qualificarem o trabalhador, sobrecarregam-no de
mais trabalho. O que se observa é que o toyotismo mantém as formas
objetivas de exploração do trabalho e amplia as formas subjetivas
dessa exploração.
[...] o taylorismo e o fordismo tinham uma
concepção muito linear, onde a Gerência
Científica elaborava e o trabalhador manual
executava. O toyotismo percebeu, entretanto, que
o saber intelectual do trabalho é muito maior do
que o fordismo e taylorismo imaginavam, e que
era preciso deixar que o saber intelectual do
trabalho florescesse e fosse também ele
apropriado pelo capital (ANTUNES, 1999, p.
206).
Para Har vey (1993), esse novo quadro (“acumulação
flexível”) em que o mercado de trabalho passa por uma reestruturação
radical possibilita maior controle do trabalho pelos empregadores,
na medida em que o conjunto da força de trabalho sai muito mais
enfraquecido desse processo.
Diante da forte volatilidade do mercado, do
aumento da competição e do estreitamento das
margens de lucro, os patrões tiraram proveito
do enfraquecimento do poder sindical e da
grande quantidade de mão-de-obra excedente
62
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
(desempregados e subempregados) para impor
regimes e contratos de trabalho mais flexíveis
(Ibid., p. 143).
Apesar de a luta de classes estar presente nas relações
antagônicas entre capital e trabalho no século XX e agora no século
XXI, a organização coletiva de trabalhadores, no mundo e no Brasil
em particular, vem enfrentando impasses importantes. Devido ao
enfraquecimento dos sindicatos nas últimas décadas, estes não têm
conseguido impedir o processo de precarização do trabalho, conforme
analisamos neste capítulo. Segundo Ramalho (1997, p. 86),
O movimento sindical passa pelas dificuldades
de lidar com uma situação fabril à qual políticas
e estratégias de ação sindical parecem impotentes
para deter a destruição de direitos e se relacionar
com uma força de trabalho de características
diversas daquelas encontradas no pátio das
grandes empresas.
As metamorfoses do trabalho ferem não só os direitos e a
subjetividade do trabalhador, mas também suas formas de organização
na luta contra o capital. Conforme afirma Antunes (1997, p. 72),
desde os anos 1980, o sindicalismo vem-se configurando como um
sindicalismo “de negociação”, que aceita a ordem do capital e do
mercado, que abandona a luta pelo socialismo e pela emancipação e
que debate “no universo da agenda e do ideário neoliberal”.
63
Dilemas do Trabalho no Capitalismo Comtemporâneo
Considerações finais
Considerando o conjunto das transformações operadas no
mundo do trabalho no último século – do taylorismo ao toyotismo –
, podemos pensar que, conforme sugere Tomaney (citado por
ANTUNES, 1999, p. 49), “as mudanças no processo capitalista de
trabalho não são tão profundas, mas exprimem uma contínua
transformação dentro do mesmo processo de trabalho, atingindo
sobretudo as formas de gestão e o fluxo de controle, mas levando
frequentemente à intensificação do trabalho”.
O que pretendemos destacar é que, ao longo do
desenvolvimento do processo de trabalho nos séculos XIX e XX,
apesar de algumas transformações e crises, não houve uma verdadeira
ruptura com o caráter capitalista do modo de produção e com seu
complexo plano ideológico de fragmentação da subjetividade para
facilitar a manutenção de seu projeto hegemônico. Exemplos disso
são a apologia do individualismo, o aumento do desemprego, a
intensificação e a crescente precarização do trabalho nos diferentes
setores da economia.
Podemos pensar que, nos últimos anos, as perdas para a classe
trabalhadora foram importantes não apenas do ponto de vista
financeiro, mas também de sua saúde física e psíquica. Não é por
acaso que Sennet (1999) denominou de “corrosão do caráter” uma
das principais consequências pessoais do modelo atual de organização
do trabalho no capitalismo. A flexibilização trazida pela
reestruturação produtiva – que exige trabalhadores ágeis, abertos a
mudanças em curto prazo, que assumam riscos continuamente e que
dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais – não
causa apenas sobrecarga de trabalho para os que sobreviveram ao
enxugamento dos cargos, mas acarreta grande impacto para a vida
64
Valquíria Padilha - Vera Lucia Navarro
pessoal e familiar de todos os trabalhadores, sejam eles empregados
ou desempregados.
Os direitos sociais duramente conquistados pelos
trabalhadores estão sendo substituídos ou subtraídos nos quatro cantos do mundo. O desemprego força as pessoas, desesperadas pela
falta de dinheiro e de reconhecimento social, a enfrentarem filas
aviltantes para tentar uma vaga no mercado do emprego formal,
mesmo que este seja alienado e estranhado. Tragicamente, até mesmo
o trabalho que pode comprometer a saúde física e psíquica passa a
ser objeto de desejo.
Concordamos com Silveira (1989, p. 63) quando diz que, “se
é ridículo ‘sentir nostalgia’ das relações de dependência das formas
pré-capitalistas, é também ridículo crer que ‘é preciso deter-se neste
esvaziamento completo’”, típico da universalização do estranhamento
que se estabelece sob a lógica do capital.
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67
68
AS RELAÇÕES ENTRE TRABALHO E SAÚDE
NOS SERVIÇOS DE SAÚDE: DISCUTINDO O
MARCO TEÓRICO
FRANCISCO ANTONIO DE CASTRO LACAZ
Introdução
Um dos maiores desafios que o campo Saúde do Trabalhador
(LACAZ, 1996) enfrenta é como utilizar o conceito de processo de
trabalho (MARX, 1980) nos estudos e investigações das atividades
que envolvem o setor terciário ou de serviços. Fundado sobre a
realidade do trabalho industrial, a partir da urbanização e
industrialização ocorrida nos principais países da América Latina nos
anos 1970 (LAURELL; NORIEGA, 1989), o campo depara-se com
a necessidade de apropriar-se dos processos de trabalho do setor de
serviços, até porque é neste espaço que está alocado, hoje, o maior
contingente da força de trabalho (IPEA, 2009). Assim, tal apropriação
será instrumental e estratégica para o desenvolvimento de estudos e
pesquisas que hoje são mandatórias tanto no que se refere ao trabalho
em saúde como em educação (BLANCH; STECHER, 2009) e, aqui,
o marco teórico coloca-se como uma questão central (LACAZ ;
SANTOS, 2009).
69
As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde
A saúde e o trabalho dos trabalhadores da saúde
Do ponto de vista conceitual, a base teórica para a
investigação sobre a saúde dos trabalhadores da saúde, nos dias que
correm, deve situar-se nos marcos da reorganização do trabalho de
cunho neoliberal à qual são submetidos hospitais e outros serviços
de saúde e que tem como marca um
[...] novo paradigma [...] de reorganização flexível do
trabalho. [...] iniciado nos anos 80 como resultado
do projeto político neoliberal e de suas máximas
de desregulamentação, liberalização e
privatização, [o que] implicou na colonização mercantil
de diversas organizações (hospital, universidade etc.)
tradicionalmente autônomas em relação à economia
política de mercado, à ética do negócio, à pragmática da
gestão flexível do trabalho, à retórica da produtividade,
competitividade e rentabilidade, ao cálculo de custobenefício e à axiologia da livre concorrência, da
qualidade total, do lucro individual e do negócio
privado (BLANCH; STECHER, 2009, p. 1,
grifos nossos).
No que se refere aos ser viços de saúde, o chamado
“capitalismo sanitário” é algo que vem sendo observado desde o
início dos anos 1990, a partir da publicação do livro de autoria de
Navarro (1993) que analisava a mercantilização que ocorria nos
serviços de saúde nos Estados Unidos já àquela época.
Na América Latina, pode-se dizer que o conceito de
“capitalismo sanitário” surge na esteira da reforma neoliberal do setor
da saúde fomentada pelo Banco Mundial e colocada em marcha desde
70
Francisco Antonio de Castro Lacaz
a década de 1980, em vários países da região, cuja expressão maior
foi o modelo adotado no Chile sob Pinochet (BORÓN, 2000).
Mesmo considerando que o conceito de “capitalismo
sanitário” seja um interessante referencial para embasar pesquisas
empíricas que iluminem a especificidade de processos de reforma
política em realidades específicas, a adoção do conceito de
“capitalismo organizacional” ajuda a dar conta de outros aspectos
envolvidos na relação trabalho-saúde, como os processos de
subjetivação e objetivação no trabalho em serviços de saúde, na
perspectiva da psicologia social do trabalho, quando se busca analisar
a reorganização de tais espaços sob a influência do novo modelo de
gestão “da coisa” pública (BLANCH; STECHER, 2009, p. 8).
Para melhor entendimento do que se está falando e atualizar
a temática central do objeto que se pretende investigar conforme
propõem Blanch et al. (2007), é necessário apontar o que se entende
por “objetivação”, ou seja, a
[...] ‘institucionalização’ do novo modelo empresarial
(a materialização operativa pelo New Management de um conjunto de dispositivos, códigos,
normas, regras, procedimentos, tecnologias e
práticas estruturais da organização) e, por outra,
sua naturalização (construção pelo discurso
gerencial do novo modelo de organização como
pertencente à ordem da natureza e, portanto,
como realidade necessária, imutável e
inquestionável) (BLANCH; STECHER, 2009, p.
9, grifos dos autores).
71
As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde
Por outro lado, entende-se por “subjetivação”
[...] um conjunto de processos de construção de
subjetividade, pelos quais a experiência de trabalho
em universidades e hospitais reorganizados
empresarialmente dá lugar nos trabalhadores, a
particulares formas de pensar, sentir e atuar com
relação a si mesmo, às demais pessoas e ao
mundo. Consiste [...] naquela dinâmica pela qual
cada indivíduo torna-se (é constituído ou se
constitui) um tipo particular de sujeito através (a)
de sua sujeição, inserção e submissão a um
específico ordenamento sócio-simbólico, isto é,
a uma particular configuração histórica de
relações de saber-poder; mas também (b) de sua
atividade (individual e coletiva) de apropriação
reflexiva, resignificação, desestabilização e resistência
em relação às determinações que o constituem
como ser social e em cujo horizonte está inscrito
[...] (Ibid., p. 9, grifo nosso).
Ao se debruçar sobre os marcos teóricos de pesquisas nesta
área, ao lado da noção de objetivação que envolve a própria
institucionalização das novas formas de gestão do trabalho em vários
níveis e espaços da administração pública, pode-se dizer que o que
aproxima os estudos de Lacaz et al. (2008) e de Blanch et al. (2007)
– mesmo considerando o fato de que têm como objeto de estudo a
macropolítica da gestão em saúde na Atenção Básica do Sistema
Único de Saúde, o primeiro; e os efeitos psicossociais da micropolítica
de gestão do trabalho nos hospitais públicos da Catalúnia, o segundo
– é a ideia de “resistência”. Esta é analisada e discutida mais
diretamente no estudo de Lacaz et al. (2008) por referência ao
72
Francisco Antonio de Castro Lacaz
conceito de estratégia gerencial ou “gerencialismo” (PAULA, 2005)
e à possível luta dos trabalhadores para reverter essa tendência
observada. Tal tendência se expressa, por exemplo, na própria
estratégia defendida pelo Ministério da Saúde do Brasil, que visa a
buscar a “desprecarização” do trabalho em Saúde no SUS, ou seja, a
adoção de Planos de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) que
recoloquem em pauta a contratação com estabilidade, regida pelo
concurso público como forma desta contratação, da evolução
funcional e da capacitação permanente do pessoal de saúde (LACAZ
et al. 2008; NOGUEIRA, BARALDI; RODRIGUES, 2004;
BRASIL, 2003).
Frise-se que esta nova realidade de gestão do trabalho,
embutida na flexibilização produtiva, caracteriza-se por uma
“consciência apologética” que decreta
[...] o fim das relações antagônicas entre capital e
trabalho, que estão sendo substituídas por relações
de cooperação e de amizade entre parceiros. [...]
acredita[-se] que a reestruturação da economia
está a criar novas formas de organização e
gerenciamento do processo de trabalho, que não
lembram mais os princípios de padronização,
especialização, sincronização e de centralização que
configuravam e alicerçavam a estruturação do
processo produtivo. No lugar da produção
padronizada, surge a produção flexível que requer
[...] trabalhadores polivalentes e altamente
qualificados, com alto grau de responsabilidade
e autonomia (TEIXEIRA, 2008, p. 114-115).
73
As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde
Mais ainda,
[...] esta nova forma de produção de mercadorias
engendra outros métodos de produção [...]. Com
a diferença de que, agora, o poder do capital é
substituído pelo poder impessoal do mercado.
Poder que não mais se identifica com a
administração de uma empresa particular, mas,
sim, com a necessidade abstrata que obriga todos
a se submeterem à racionalidade do trabalho
abstrato: trabalhar [...], sem se importar com a
natureza do trabalho, o lugar em que é realizado
e como deve ser efetivado (Ibid., p. 131).
De certa forma, são os reflexos da dinâmica da produção
flexível sobre a subjetividade dos trabalhadores que Blanch et al.
(2007) buscam apreender quando investigam os efeitos psicossociais
observados em trabalhadores dos serviços hospitalares de saúde,
consequentes da colonização, da lógica de gestão calcada na
reestruturação produtiva. Frise-se que tal lógica é também uma
realidade dos serviços de saúde que compõem a rede do Sistema
Único de Saúde (LACAZ et al., 2008).
Assim, renova-se, aqui, um dos desafios mais importantes
colocados aos estudos em Saúde do Trabalho, ou seja, como utilizar
a categoria “processo de trabalho”, principal marco referencial do
campo, aplicando-o aos estudos do trabalho no setor terciário ou de
serviços (LACAZ, 1996; MINAYO-GOMES; THEDIM-COSTA,
2003). Para auxiliar a preocupação de estudos empíricos que
envolvam o trabalho e a saúde nos serviços de saúde, contribuição
importante surge da sociologia do trabalho em anos recentes. Aqui,
há importantes aportes advindos de uma certa sociologia do trabalho
74
Francisco Antonio de Castro Lacaz
que aponta para elementos conceituais que poderão desamarrar os
nós que atam estudos nesta área. Trata-se de conceitos que permitem
avançar no conhecimento das especificidades dos processos de
trabalho no setor de prestação de serviços em sua relação com a
saúde dos trabalhadores que aí atuam.
Numa revisão sobre o conceito de serviços (MEIRELLES,
2006), é apontado que a noção de “simultaneidade” pode ser uma
ferramenta central para abordar o trabalho em serviços, mediante
estudos empíricos, na sua relação com a saúde, dado que ocorre o
seu consumo ao mesmo tempo em que é produzido, colocando
diretamente em contato trabalhador e “consumidor/clientela”,
conformando o que é chamado de “copresença”, o que pode exercer
pressão no tempo de produção de tais serviços, como se observa na
fila dos caixas de bancos ou dos serviços de saúde. Daí deriva outro
conceito importante para pensar-se aquela relação, o de “coprodução”
(ORBAN, 2005), já que, na produção flexível, o que importa não é
mais a produção em escala, característica do fordismo/taylorismo,
mas sim a produção acoplada às demandas da clientela, situação esta
que, no caso dos serviços, depende basicamente da postura do
cliente/consumidor (GORENDER, 1997).
Frise-se que a coprodução tem como “subproduto” o
autosserviço, em que o consumidor/cliente age sobre o (no) processo
de trabalho, trazendo como consequência a queda do número de
postos de trabalho, sendo que, no caso dos serviços de saúde, o
chamado autocuidado ou corresponsabilização pelo cuidado é uma
das expressões dessa realidade. Ademais, é mister também salientar
que, nos ser viços, interfere sobremaneira a emoção e sua
“administração”, o que traz importantes efeitos para a saúde mental
no trabalho (LACAZ; SATO, 2006).
75
As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde
Considerações finais
Considerando que as questões aqui colocadas têm como pano
de fundo a noção de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) a partir
de um viés que coloca como aspecto central para que seja atingida a
referida qualidade a noção de “controle” que os coletivos de
trabalhadores devem ter sobre seus processos de trabalho (LACAZ,
2000; LACAZ; SATO, 2006), postula-se, então, que tais referenciais
e abordagens podem fazer avançar a profundidade dos estudos nesta
área, questão central para se entender, inclusive, os desafios colocados
para a qualidade da atenção na rede de serviços do SUS.
E, falando-se de QVT, é importante considerar sua
historicidade quando se transita dos anos 60 do século passado aos
anos 2000 do novo século. Na verdade, esta temática surge com
força no final dos anos 1950, quando se relaciona com as experiências
de trabalho vivenciadas por trabalhadores na perspectiva de uma
produtividade por eles regulada (LACAZ, 2000).
Mais recentemente, a discussão da QVT a partir dos anos
1980 também se relaciona com a globalização neoliberal, a qual passa
a influenciar a visão da QVT quando busca dar conta de questões
relacionadas à produtividade, mas agora articulada com a qualidade
do produto, a competitividade, envolvendo a motivação e o
pertencimento à empresa como algo intrínseco à produção capitalista.
A isso se soma a saúde no trabalho, envolvendo aspectos relativos a
formas diferenciadas de organização do trabalho e a novas tecnologias
de gestão do trabalho (LACAZ, 2000).
Esse enfoque vai ser a tônica também dos anos 1990 e 2000.
A “novidade” desta abordagem relaciona-se com o esgotamento da
organização do trabalho taylorista/fordista que se associou ao
76
Francisco Antonio de Castro Lacaz
aumento do absenteísmo, ao mal-estar no trabalho e à não-aderência
dos trabalhadores às metas definidas pela gerência (ANTUNES,
1999). Agora, o modelo japonês, calcado na experiência da Toyota,
o toyotismo, é o novo paradigma de organização do trabalho a ser
implantado (ANTUNES, 1995; GORENDER, 1997). Ocorre que
entendemos que a QVT está intimamente relacionada ao controle
que o trabalhador coletivo consegue conquistar, e não é por acaso
que esta visão foi incorporada pela própria Organização Internacional
do Trabalho (OIT) quando lançou, no hoje distante ano de 1976, o
seu Programa Internacional de Melhoramento das Condições de
Trabalho (PIACT). Historicamente, nos anos de 1970, a noção de
QVT relacionava-se com a luta reivindicatória dos trabalhadores
organizados pela melhoria de condições, ambientes, organização do
trabalho, visando a uma maior satisfação no trabalho, o que também
repercutia na produtividade. Essa postura foi influenciada pelo
movimento originado a partir do chão de fábrica, especialmente na
Europa, em que a “gestão participativa” e a “democracia industrial”
são ideais a serem perseguidos e garantidos. E é justamente
influenciada por essa realidade que, em meados dos anos de 1970,
mais precisamente em 1976, a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) lançou o Programa Internacional para o Melhoramento das
Condições de Trabalho (PIACT), o qual preconizava a melhoria geral
de vida como aspiração da humanidade, melhoria esta que não
poderia ser barrada no portão da fábrica, o que tinha como
pressuposto a participação dos trabalhadores nas decisões relativas
à sua vida e às suas atividades profissionais (MENDES, 1986;
BAGNARA et al., 1981; ROUSTANG, 1983). Esta temática vai se
estender à busca da garantia das conquistas obtidas na luta pelo Estado
77
As relações entre Trabalho e Saúde nos serviços da Saúde
de Bem-Estar Social, inclusive com reflexos até os dias atuais nos
países da Europa como França, Alemanha e Inglaterra e Itália
(BORÓN, 2000).
Considera-se que são aportes como os acima que farão
avançar o conhecimento em ST num campo eminentemente
inter(trans)disciplinar, o que deve pautar os estudos diante da
complexa realidade introduzida pela reestruturação produtiva
neoliberal (GORENDER, 1997; TEIXEIRA, 2008), como vinha
acontecendo desde meados dos anos 1990 no campo da Saúde
Coletiva (LACAZ, 2007), mesmo sabendo-se que tais estudos deverão
consumir maior tempo de maturação, execução e publicação. Para
que tal avanço ocorra, esta deve ser a forma de abordar as relações
trabalho-saúde e a qual se impõe, apesar da pressão produtivista que
hoje caracteriza a produção e os critérios de avaliação acadêmicos,
frutos e função dos padrões mercantilistas que norteiam as
investigações científicas empreendidas na academia nos dias que
correm, como apontam Liria e Garcia (2009) ao discutirem os reflexos
da influência do chamado Plano Bolonha sobre a Universidade na
Europa e seus desdobramentos pelo resto do mundo.
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81
82
SAÚDE DO TRABALHADOR:
OBJETO DE NEGOCIAÇÃO COTIDIANA
LENY SATO
Saúde do trabalhador: problema vivido pelos trabalhadores e
objeto da ação sindical1
Desde que se documenta a história e a atuação do movimento
sindical no Brasil, reconhece-se a sua atuação sobre os problemas de
saúde dos trabalhadores decorrentes das condições e das formas de
organização do processo de trabalho. Muitas das reivindicações
motivaram a construção de regulamentações legais dessas condições,
presentes nos dias de hoje.
Mais recentemente, no final da década de 70, com o
ressurgimento do movimento sindical na cena pública, a saúde do
trabalhador foi tomada como um dos temas e como bandeira de luta
dos sindicatos, consolidando-se, inclusive, na criação de um órgão
com a finalidade de assessorar os trabalhadores nessa área, o DIESAT
– Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e
dos Ambientes de Trabalho (RIBEIRO et al., 2002). Posteriormente,
com a criação das centrais sindicais, foram criadas estruturas
específicas, como é o caso do INST (Instituto Nacional de Saúde no
Trabalho) e da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
1
Este capítulo foi originalmente publicado na Revista Democracia e Mundo do Trabalho,
Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 76-81, 2005.
83
Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana
Além disso, configurando-se como um problema de saúde
pública, nessa mesma época, inicialmente no Estado de São Paulo,
os serviços públicos de saúde deram início à implementação de
Programas de Atenção à Saúde do Trabalhador, expandida
posteriormente a diversas outras regiões do país. É importante frisar
que tal política não se restringia à oferta de assistência à saúde, mas
visava a atuar nas condições e na organização de trabalho que
explicavam e causavam tais problemas (prevenção primária). Por se
considerar que os problemas de saúde dos trabalhadores não podem
ser compreendidos senão à luz das relações de trabalho e da correlação
de forças presente numa sociedade de classes – portanto, um problema
político –, buscou-se garantir a presença ativa dos órgãos sindicais
de trabalhadores na definição dessa política pública. Num desses
casos, o Programa de Atenção à Saúde do Trabalhador Químico do
ABCD contou com a cogestão do Sindicato dos Químicos do ABCD
e de órgãos públicos de saúde (LACAZ, 1996; FREITAS; LACAZ;
ROCHA, 1985; SATO; LACAZ; BERNARDO, 2004).
Foi no contexto do ressurgimento da atuação sindical na cena
pública e do processo de redemocratização do país que a Saúde do
Trabalhador, enquanto um campo teórico e prático, foi construído 2
(LACAZ, 1997; MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).
Desde então, têm se tornado cada vez mais reconhecidos os
malefícios à saúde sentidos pelos trabalhadores no seu cotidiano de
trabalho, nas diversas categorias profissionais. Não pretendemos, aqui,
apresentar a diversidade de situações e problemas, mas sabe-se que
continuam sendo importantes os acidentes de trabalho, as doenças
profissionais e do trabalho, além do sofrimento e dos esforços que
2
É importante frisar que, como bem o mostrou Lacaz (1996), o conceito de Saúde do
Trabalhador não se confunde com o de Saúde Ocupacional.
84
Leny Sato
nem sempre se conformam como doenças, pois são menos visíveis3
Se, de um lado, a atuação sindical sobre a saúde dos
trabalhadores tem dado frutos importantes, utilizando-se do
instrumento das negociações coletivas e da participação em processos
de mudanças de dispositivos legais (CLT) sobre segurança e medicina
do trabalho, verifica-se que, no dia-a-dia, os trabalhadores, mesmo
sem o respaldo da atuação de organizações nos locais de trabalho,
como as CIPAs e Comissões de Empresa livremente compostas,
buscam lidar, por meio dos instrumentos, do poder e dos recursos
disponíveis, com as agruras decorrentes das condições e da
organização do trabalho e suas repercussões para a saúde, construindo
mecanismos de contrapoderes.
Saúde do trabalhador: problema vivido pelos trabalhadores e
objeto de negociação cotidiana
Não é novidade o reconhecimento de que os trabalhadores
são criativos, inventam novas “tecnologias” e, no dia-a-dia, resolvem
os mais diversos problemas que se apresentam no trabalho. É fruto
desse reconhecimento a implementação de Programas de Qualidade,
a premiação de operários pela apresentação de “projetos” que
conduzam à economia de insumos e à melhoria da qualidade dos
produtos, dentre outros.
Diversos estudos já mostraram que os procedimentos
planejados pelo staff gerencial sofrem múltiplas interpretações e
reinterpretações até chegar ao “chão de fábrica”. Testemunhos da
3
Diversas são as publicações que versam sobre situações concretas que provocam
danos à saúde dos trabalhadores. São publicações sindicais, de órgãos públicos e de
pesquisas desenvolvidas nas universidades. Não haveria espaço, no escopo deste
trabalho, para anunciar tais publicações.
85
Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana
existência de múltiplas racionalidades podem ser encontrados nos
estudos clássicos da Escola de Relações Humanas (os grupos
informais), nas descrições atentas da ergonomia e nos casos de
gerenciamento cotidiano apresentados pela Escola Sociotécnica.
Essas múltiplas racionalidades podem ser compreendidas
como evidência da existência de múltiplas realidades organizacionais,
que também podem ser vistas em processos manufaturados de
fabricação, com atividades repetitivas, monótonas e todo o rol de
atributos que caracterizam o trabalho fordista e rotinizado. Esse é o
caso que pudemos observar no setor fabril de uma grande indústria
alimentícia localizada na cidade de São Paulo (SATO, 1997; 2002).
Operários e operárias trabalhavam cerca de nove horas por dia, seis
dias por semana, além de horas extras, muitas vezes cumpridas aos
domingos. Além das tarefas realizadas no interior da fábrica,
diretamente na produção, eles deviam cumprir uma outra, no pátio
externo: fazer ginástica laboral. Isso porque as lesões por esforços
repetitivos eram uma realidade que atingia grande contingente de
trabalhadores e trabalhadoras, muitos deles conduzidos ao
afastamento do trabalho ou à aposentadoria por invalidez.
Observando aquela fábrica, ninguém, em sã consciência,
ousaria duvidar que ali havia um gerenciamento centralmente
planejado, fixando pessoas em postos de trabalho, com regras e
procedimentos padronizados e com metas de produção. Ademais, a
fisionomia deferente dos operários e operárias, carregando seus corpos
dóceis, diria-nos que qualquer possibilidade de barganha, ali, seria
impossível.
A eterna e hipnotizante repetição de movimentos, o barulho
contínuo das máquinas, as pessoas vestidas de branco da cabeça aos
pés, tudo isso compunha um ambiente praticamente monocromático
e impessoal que podia ser visto da sala de supervisão, a qual, seguindo
86
Leny Sato
os ditames de uma arquitetura disciplinar, oferecia uma visão
panorâmica de toda a planta fabril. A imagem de organização como
uma máquina, nos moldes apresentados tão brilhantemente por
Charles Chaplin, no filme Tempos modernos, tomava-nos
imediatamente.
A primeira sensação que atingia o observador externo era a
da grande impotência das pessoas que operavam, as quais, alienadas,
só podiam fazer o que lhes era mandado. Se esta era a fachada
apresentada, a convivência no chão de fábrica nos possibilitou acessar
outras realidades, que mostravam o quanto o gerenciamento nos locais
de trabalho deve ser compreendido no plural, por diversos motivos.
E, primeiro lugar, não há um único objeto que solicita ser gerenciado.
Se há, como foco privilegiado, o gerenciamento da produção com
vistas à fabricação de bens a serem comercializados – seguindo-se
metas de eficiência e produtividade, sendo que tudo o mais decorre
desse foco –, há também o gerenciamento que toma como foco principal os esforços e o sofrimento decorrentes das condições e da
organização do processo de trabalho. Em segundo lugar, são múltiplas
as pessoas que realizam o gerenciamento, às vezes buscando
microacordos negociados em diversos microespaços da empresa:
numa linha de produção, num setor, num turno de trabalho. A
peculiaridade das diversas atividades de gerenciamento e,
consequentemente, das diversas “fábricas”, reside no fato de também
não haver sombra de dúvida de que os operários não eram donos
daquele lugar.
Para lidar com a assimetria de poder e de controle sobre o
trabalho, os trabalhadores utilizavam-se de táticas astuciosas para
dar espaço a seus interesses em meio aos hegemônicos. Segundo
Michel de Certeau, a tática consiste na
87
Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana
[...] ação calculada que é determinada pela ausência
de um [lugar] próprio. Então, nenhuma
delimitação de fora lhe fornece a condição de
autonomia. A tática não tem por lugar senão o
do outro. E por isso deve jogar com o terreno
que lhe é imposto tal como o organiza a lei de
uma força estranha. Não tem meios para se
manter em si mesma, à distância, numa posição
recuada, de previsão e de convocação própria: a
tática é movimento ‘dentro do campo de visão
do inimigo’, como dizia Büllow, e no espaço por
ele controlado. Ela não tem portanto a
possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço
distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por
golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e
delas depende, sem base para estocar benefícios,
aumentar a propriedade e prever saídas. O que
ela ganha não se conserva. Este não-lugar lhe
permite sem dúvida mobilidade, mas numa
docilidade aos azares do tempo, para captar no
vôo as possibilidades oferecidas por um instante.
Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as
conjunturas particulares vão abrindo na vigilância
do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali
surpresas. Consegue estar onde ninguém espera.
É astúcia (CERTEAU, 1994, p. 100-101).
A astúcia da tática, no caso desses trabalhadores e
trabalhadoras com quem convivemos longamente, consistia em se
aproveitarem do discurso gerencial, no caso, sintetizado no discurso
da “qualidade”. Inteligentemente, os operários sabiam que a condição
para serem “ouvidos” era empregar o discurso introduzido e permitido
88
Leny Sato
pela empresa, e assim o faziam, de modo a cavarem espaços simbólicos
que possibilitassem conduzir mudanças em favor de seus interesses
como pessoas e como trabalhadores – no caso específico, os que
garantiriam a amenização dos esforços e do sofrimento no trabalho,
como, por exemplo, mudança de procedimentos no trabalho e melhoria
de condições de higiene e saúde.
Uma primeira aproximação com o emprego da palavra
“qualidade” veiculada pelos operários e operárias da fábrica davanos a impressão de que a ideologia gerencial era totalmente eficaz, o
que era expresso por meio de frases como: “Aqui todo mundo tem
que trabalhar com qualidade!”. Porém, ao nos aproximarmos dos
significados atribuídos a essa frase, vimos as múltiplas compreensões
que nela estavam ancoradas. É essa multiplicidade de significados
que guarda a astúcia dos operários e operárias e que torna factível a
ancoragem de diversos argumentos nessa frase, sustentando a defesa
de interesses os mais diversos, e até mesmo opostos. Assim, se para
o staff gerencial, trabalhar com “qualidade” significava adotar uma
série de procedimentos de controle durante o processo (controle
estatístico de processo, por exemplo), para muitos operários e
operárias, trabalhar com qualidade significava respeitar o limite do
que para eles e elas era suportável (diminuir a intensidade do ritmo
de trabalho, contar com maior número de colegas por linha, ter
condições mínimas de conforto).
Um dos casos foi protagonizado por um operário do
almoxarifado, Paulo. Sua insatisfação deu-se com as condições
ambientais de trabalho (espaço físico, bebedouro, ventilação,
equipamentos etc.). Muito embora Paulo tenha tido uma atuação
individual, seu incômodo era partilhado por cerca de 35 operários
que trabalhavam no mesmo espaço, sendo, portanto, um representante
de interesses coletivos, mesmo que tal condição não tenha sido
89
Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana
explicitada nem pelo representante e nem pelos representados.
Embora seu incômodo já fosse sentido há muito tempo, a
oportunidade para negociar a melhoria das condições de trabalho
com a gerência deu-se quando Paulo tomou conhecimento de que a
empresa seria, em breve, objeto de uma auditoria. Observando as
preocupações e a movimentação de gerentes e supervisores para
prepararem a empresa para essa auditoria (relatórios, padronização
de procedimentos, reforma predial, higienização etc.), Paulo começou
a desenvolver uma micropesquisa, na qual descobriu que os seus
interesses poderiam ser escudados nos interesses gerenciais, e concluiu
que algumas de suas antigas reivindicações poderiam, agora, ser
alcançadas.
Simulando um comportamento deferente para esconder a
insubordinação, Paulo, reconhecendo mais uma vez a hegemonia do
discurso gerencial, disse: “Aqui na empresa todo mundo tem que
falar a mesma língua!”. Seguindo essa máxima, Paulo empregou o
eufemismo, nos mesmos moldes em que se empregam hoje as palavras
‘colaboradores’ e ‘parceiros’ para designar os empregados. Ao invés
de reivindicações, Paulo apresentou “sugestões de melhoria”, “idéias”,
procurou “buscar soluções”. E essa forma de fazer com que
reivindicações fossem escutadas foi possível porque todos sabiam,
na fábrica, que a direção da empresa, dentro do seu programa de
empowerment, queria “discutir idéias porque problemas nós já temos
demais, e então eles [a gerência] querem que você apresente uma
solução possível” (Paulo). Essa linguagem e essa forma de
apresentação pública escamoteavam os conflitos e as contradições,
mas foi por meio delas que as negociações cotidianas, denominadas
pelos trabalhadores de “conversas”, desenvolveram-se.
Desse modo, Paulo, em contato direto com o gerente,
“sugeriu” que fossem instalados bebedouros, ampliados os espaços
90
Leny Sato
de circulação, instalados ventiladores e providenciadas outras
condições que oferecessem maior conforto aos trabalhadores. O
argumento apresentado por Paulo ao gerente consistiu em dizer-lhe
que, se as condições ambientais fossem melhoradas, isso tornaria a
gerência de produção mais bem vista pela equipe de auditoria.
Aceitando os argumentos, o gerente garantiu recursos para que as
melhorias fossem implementadas.
Embora não verbalize, Paulo reconhecia que, para desenvolver
o contrapoder e apresentar suas reivindicações, deveria mostrar-se
deferente e esconder a insubordinação, pois, ao ser perguntado se os
operários podiam falar o que considerassem inadequado na empresa,
disse: “Eu vou falar?, vou falar pra quê ?, não sou louco!”. Na fábrica,
afirma, os operários têm “medo de assumir uma idéia, uma postura”,
e finaliza:
[...] se fala em autonomia, iniciativa, criatividade... mas a
hierarquia, minha querida Leny, tem que ser seguida,
porque dizem, e nunca vai deixar de ser verdade, que a
corda só arrebenta do lado do mais fraco, no caso, o nosso.
A gente trabalha aqui... [...] só que na minha cabeça
sempre vai continuar a certeza de que um dia eu posso sair
sem valor nenhum daqui, sabe? [...] com a consciência de
que a empresa não é nossa (Depoimento de Paulo).
Outra situação ocorrida na mesma fábrica nos mostra como
o argumento da “qualidade” foi empregado para negociar, tomandose como foco os esforços e o sofrimento dos trabalhadores. Vejamos:
à demanda do gerente para intensificar o ritmo de uma linha de
produção, um operador de máquina contra-argumenta: “Sim, eu
poderia aumentar o ritmo da máquina, só que vai prejudicar a
qualidade!”. Com essa resposta, o operador convenceu o gerente
91
Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana
sobre a adequação em manter-se a situação como estava e, com isso,
conseguiu evitar que mais esforços fossem despendidos e mais
sofrimento vivido, não apenas por ele, mas por suas colegas de linha
(as embaladoras).
Esses são exemplos do que Stewart Clegg (1992, p. 64) afirma:
Onde existem regras, deve existir reinterpretações
[...]. As regras não podem jamais fornecer sua
própria interpretação. [...] Portanto, estabelecer
regras é em si mesmo uma atividade de poder.
Porém, esta atividade só se concretiza por ações,
processo que constitui a concretização do sentido
pelo qual o simbólico fixa-se.
Muitos outros casos podem ser encontrados nessa fábrica.
Negociações contínuas, muitas vezes invisíveis, acontecem no diaa-dia de uma empresa e versam sobre os problemas que atingem
cotidianamente o trabalhador “na pele”. E a necessidade de negociar
é explicitada por Antonia, auxiliar de produção: “Não é de qualquer
jeito que se tira dinheiro dessa fábrica!”.
Os alcances e os limites das negociações cotidianas
É necessário trazer alguns apontamentos sobre as negociações
cotidianas. Se, de um lado, elas permitem operar micromudanças que,
sem dúvida, amenizam o sofrimento, o incômodo e os esforços
sentidos pelos trabalhadores no seu dia-a-dia, de outro, há limites
importantes postos pelo próprio contexto no qual se dão.
Deve-se pontuar que há outras situações nas quais não há
qualquer possibilidade de negociação no “chão de fábrica”. As ordens
provenientes dos superiores devem ser acatadas, e pronto. A
92
Leny Sato
assimetria de poder e de controle, que se materializa, no limite, na
possibilidade de demissão, inviabiliza a criação de circunstâncias para
a construção de mecanismos de contrapoderes. Há outras situações
nas quais, muito embora haja tentativas de se conduzir tais
negociações, elas, do ponto de vista dos trabalhadores, fracassam.
Justamente porque as negociações cotidianas acontecem num
contexto de assimetria de poder e de controle é que elas são de
natureza tática e astuciosa. Ademais, é importante ressaltar que a
amplitude das mudanças e das melhorias das condições/organização
do trabalho é restrita ao que essa micropolítica permite.
Dessa forma, como defende Gardell (1982), as ações relativas
à Saúde do Trabalhador devem ser conduzidas em múltiplos níveis
(local de trabalho, sindicatos e centrais sindicais). Além disso, é
importante considerar que a presença de uma legislação do trabalho
que garanta e amplie direitos aos trabalhadores e aos seus órgãos de
representação, de modo a garantir o suporte necessário para que tais
ações se deem, é muito importante. Tal sustentação do Estado mostrase ainda mais relevante num contexto em que a globalização da
economia e suas relações com a reestrutuação da produção articulamse a níveis cada vez mais altos de desemprego. E, sabe-se, o
desemprego torna-se uma potente arma de controle simbólico sobre
os trabalhadores empregados, diminuindo ainda mais o seu poder de
barganha.
93
Saúde do Trabalhador: Objeto de Negociação Cotidiana
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95
96
PROCESSO DE TRABALHO E SAÚDE DO
TRABALHADOR
PAULINO JOSÉ ORSO
NEIDE TIEMI MUROFUSE
LAERSON VIDAL MATIAS
MARIA HELENA PALUCCI MARZIALE
Ao discutir processo de trabalho, neste capítulo1, remetemonos imediatamente à compreensão de que o trabalho não se constitui
numa forma definida, específica, pronta e acabada. Entendemos que
o trabalho se define de um determinado modo, de acordo com o
processo de transformação e desenvolvimento do conhecimento, da
ciência e da tecnologia. Portanto, adquire concretude diferenciada
em cada contexto, sociedade e momento histórico. Da mesma forma,
podemos falar da saúde do trabalhador, que também ganha contornos
definidos de acordo com os processos de desenvolvimento social e
humano.
Mas, para iniciar nossa discussão, perguntamo-nos: Qual a
relação entre o trabalho e o homem? Qual a relação entre trabalho e
saúde? Qual o significado do trabalho para o homem? Podemos dizer
que o trabalho realmente dignifica o homem?
1
Este capítulo foi publicado originalmente na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional,
em setembro de 2002, tendo como título Reflexões acerca das Lesões por Esforços Repetitivos
e a organização do trabalho. Para integrar esta coletânea, o mesmo sofreu algumas
modificações.
97
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
Partindo do pressuposto de que o homem é genuinamente
um produto da natureza, assim como todos os demais seres vivos o
são, pelo trabalho ele adquire sua especificidade enquanto um ser à
parte dela, ligado a ela, mas não mais indiferenciado. Ele se constituiu
e se constitui no responsável pela sua diferenciação e constituição
em cada momento do processo de hominização. Até este momento,
podemos dizer que, pelo trabalho, o homem se hominizou,
transformou-se em homem, mas daí a, pelo trabalho, transformar-se
em um ser realmente humano, ainda está longe de acontecer; está à
espera de um novo modo de produção que possibilite a libertação
dos grilhões do próprio trabalho e deste modo de produção.
Embora para os burgueses o trabalho seja compreendido
reduzidamente como um meio de produzir riqueza e capital, podemos
dizer, contrário a isso, que o trabalho, ao longo de todas as épocas,
transformou-se na condição existencial e essencial para o ser humano.
Pelo trabalho, o homem não só foi transformando o meio, mas
também foi se transformando; foi produzindo o meio e se produzindo;
foi produzindo bens materiais necessários à sobrevivência e também
bens imateriais, ideais, ou seja, foi produzindo cultura, entendida
aqui como o cultivo e a produção do homem. Foi pelo trabalho que
o homem foi organizando o meio e se organizando para garantir sua
sobrevivência. Isto, porém, não significa necessariamente incorporar
aqui qualquer juízo de valor que imprima um caráter de superioridade
do homem, como se fosse uma espécie superior, por eleição divina.
Se assim o fosse, talvez a condição humana fosse outra. Contudo,
por meio do trabalho, muitas vezes, ao invés de encontrar uma
condição de humanização, encontramos nele debilitação, doenças a
até morte, justamente porque a forma mercadoria se generalizou na
sociedade. Assim, não poderia acontecer de modo diferente com o
homem, com a educação, com a saúde. Em função disso, neste
98
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
capítulo, pretende-se trazer à discussão a questão do trabalho, sua
forma de organização, suas contradições e seus efeitos sobre a saúde
dos trabalhadores.
Na prática social do conjunto da sociedade, o trabalho
constitui-se na questão fundamental. Ou seja, além de ser o meio de
garantir a vida material, constitui-se na essência do ser humano.
Contudo, a forma de trabalho utilizada para garantir a sobrevivência,
muitas vezes, coloca o homem numa situação conflituosa. Se por
um lado garante a vida, por outro, contraditoriamente, pode provocar
doenças, diminuir a capacidade vital e até provocar a morte.
Pelo trabalho, a humanidade, ao longo de seu processo de
transformação, desenvolveu experiências, conhecimentos e
tecnologias que poderiam resolver a maioria dos problemas sociais.
Mas, concentrados nas mãos de poucos e instrumentalizados,
prioritariamente, em função do capital e do lucro, ao invés de resolvêlos, agravam-nos ainda mais (ORSO; ANTUNES, 1998).
Neste trabalho, pretende-se chamar a atenção para essas
contradições. Mais especificamente, pretende-se abordar a
organização do trabalho e sua incidência sobre a produção das
chamadas doenças do trabalho, particularmente, das Lesões por
Esforços Repetitivos (LER), que vêm crescendo assustadoramente
e estão sendo consideradas por alguns especialistas e pesquisadores
como uma epidemia, como uma questão de saúde pública.
Estas lesões vêm sendo objeto de debate, pesquisa, discussão
e preocupação em todo o mundo. Contudo, a maioria das pesquisas
realizadas até o momento praticamente tem se limitado a estudar
suas manifestações, os grupos de incidência, os aspectos psicológicos,
as predisposições individuais dos portadores de LER, a ergonomia e
as formas de tratamento dos lesionados, que, sem dúvida, é necessário
estudar. Ou então, dito de outro modo, pode-se afirmar que a grande
99
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
maioria dos estudos limita-se a uma análise fenomenológica. Todavia,
para uma compreensão mais efetiva, esta perspectiva é insuficiente:
é preciso buscar as causas que provocam tais lesões e ir à raiz da
questão.
Mas, mesmo sendo apontada por trabalhadores, associações
de lesionados, pesquisadores, profissionais da saúde e até pelo governo
como sendo a organização do trabalho a gênese das lesões, poucas
são as referências de estudo a esse respeito. Se o trabalho produz o
próprio homem, então, ele deve ser o centro de nossa preocupação,
pois aquilo que os homens são depende do que e do como produzem
sua vida material. Por isso, o objetivo central deste texto é tratar do
processo de trabalho e sua relação com a saúde do trabalhador e,
principalmente, relacionar a organização do trabalho e a produção
das LER.
Como diz Bisso (1990, p. 15), “[...] o trabalho foi uma
atividade incorporada à própria existência do ser humano”. E o foi
de tal forma que se tornou a condição sine qua non da existência
humana (apesar de uns viverem à custa de seu trabalho e outros, à
custa da expropriação do trabalho de outros). De qualquer forma, o
trabalho tornou-se a essência do homem. Através dele, o homem se
produz e se reproduz socialmente. Nesse sentido, Marx e Engels (1991,
p. 27) dizem que, “[...] ao produzirem os seus meios de vida, os
homens produzem indiretamente a sua própria vida material”. Mas
não o fazem sós e isolados, nem o fazem sempre da mesma maneira
e nas mesmas condições. Fazem-no situados historicamente,
independente de sua vontade (MARX, 1987), uma vez que a
necessidade de sobreviver é muito maior que a vontade, o interesse,
o gosto das pessoas em submeter-se a um ou a outro tipo de trabalho,
a uma ou a outra condição que lhe é exigida para satisfazer suas
necessidades existenciais. Mesmo que não escolham o que fazer para
100
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
sobreviver, o certo é que, “[...] como exprimem a sua vida, assim os
indivíduos são. Aquilo que eles são coincide, portanto, com a sua
produção, com o que produzem e também com o como produzem”
(MARX; ENGELS, 1991, p. 27-28).
Como os indivíduos não produzem sozinhos tudo de que
necessitam para sobreviver, precisam se organizar. Todavia, no modo
de produção capitalista, cuja base da produção é a propriedade
privada e nem todos têm propriedade, então, sobrevivem trabalhando
no que é seu ou de outro. Ao trabalhador, cuja única propriedade é a
sua força de trabalho, a condição de sua existência está na venda da
mesma. Para garantir sua sobrevivência na sociedade de classes, como
diz Giovani Berlinguer (1983, p. 16), precisa “[...] vender a única
mercadoria da qual dispõe, a própria capacidade de trabalho”. E, ao
trabalhar numa propriedade que não é sua, ao alienar sua força de
trabalho, o trabalhador deixa de escolher as condições em que quer
trabalhar, deixa de escolher o que, o como, quando, de que forma, em que
condições produzir e se submete à vontade, ao interesse, aos objetivos
do capitalista, assim como qualquer instrumento de trabalho, porém,
com uma diferença, pois o trabalhador é o único que adiciona valor
e produz mais-valia.
O fato é que,
[...] com o desenvolvimento da burguesia, isto é,
do capital, desenvolve-se também o proletariado,
a classe dos operários modernos, que só podem
viver se encontrarem trabalho, e que só encontram
trabalho na medida em que este aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se
diariamente, são mercadoria, artigo de comércio
como qualquer outro; em conseqüência, estão
sujeitos a todas a vicissitudes da concorrência, a
101
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
todas as flutuações do mercado (MARX apud
BERLINGER, 1983, p. 26-27).
Em decorrência disso,
[...] a produção capitalista que essencialmente é
produção de mais-valia, absorção de trabalho
excedente [...], não causa apenas a atrofia da força
de trabalho humana, à qual rouba suas condições
normais, morais e físicas de atividade e de
desenvolvimento; ela ocasiona o esgotamento
prematuro e a morte da própria força de trabalho.
Aumenta o tempo de produção do trabalhador
num período determinado, encurtando a duração
de sua vida (MARX apud BERLINGER, 1983,
p.34-35).
Nessa mesma perspectiva, Engels diz:
[...] se a sociedade coloca centenas de proletários
numa situação tal que devam necessariamente ser
vítimas de uma morte prematura, não natural [...]
se subtrai de milhares de indivíduos o necessário
para a existência, se os coloca em condições nas
quais nao podem viver [...] isto é assassinato,
exatamente como a ação de um só, assassinato
oculto e traiçoeiro [...] é sempre um assassinato
(ENGELS, 1991, p. 120-121, grifo nosso).
Na sociedade de classes, o homem deixa de ser o centro, que
passa a ser ocupado pelo capital; as condições de trabalho e a própria
organização do trabalho passam a ser direcionadas à produção e ao
102
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
lucro e não para a satisfação e bem-estar do homem. Por isso, embora
o trabalho deva ser considerado como um meio de vida, não é raro
que nele o trabalhador encontre acidentes, doenças, degradação,
mutilação e até a morte. Por essa razão, as condições e a organização
do trabalho são fatores importantes a se considerar quando se pensa
no tipo de vida que o trabalhador leva e nos tipos de acidentes e
doenças provocados pelo trabalho. Conforme analisam Marx e Engels,
[...] o crescente emprego de máquinas e a divisão
do trabalho despojando o trabalho do operário
de seu caráter autônomo, tiraram-lhe todo
atrativo. O produtor passa a um simples apêndice
da máquina e só se requer dele a operação mais
simples, mais monótona, mais fácil de aprender.
Desse modo o custo do operário se reduz, quase
exclusivamente, aos meios de manutenção que
lhe são necessários para viver e perpetuar sua
existência. Ora, o preço do trabalho, como de
toda mercadoria, é igual ao custo de sua
produção. Portanto, à medida que aumenta o
caráter enfadonho do trabalho, decrescem os
salários. Mais ainda, a quantidade de trabalho
cresce com o desenvolvimento do maquinismo
e da divisão do trabalho, quer pelo
prolongamento das horas de labor, quer pelo
aumento do trabalho exigido em um tempo
determinado, pela aceleração do movimento das
máquinas, etc. (MARX; ENGELS, 1986, p. 27).
Em decorrência da ampliação das exigências, acumulam-se
problemas para o trabalhador. Dentre os problemas que ele enfrenta,
relacionados à organização do trabalho, poderíamos citar uma
103
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
infinidade de acidentes, que, mesmo analisados por si só, já causam
preocupação devido ao número e à gravidade com que acontecem.
Mas o trabalho não produz só acidentes: “[...] além dos acidentes do
trabalho, que são processos que causam lesões imediatas nos
trabalhadores, devemos considerar também que certas condições
ambientais ou atividades de trabalho irão fazer como que, após algum
tempo, o trabalhador adoeça” (BISSO, 1990, p. 46).
Dentre as doenças causadas pelo exercício de determinadas
atividades profissionais denominadas doenças do trabalho, temos,
como exemplos, a silicose, a asbestose, a surdez, o reumatismo, a
pneumonia, distúrbios digestivos, neuroses e infartos, alergias,
dermatites, escoliose, câncer, hérnias e a tenossinovite (LER). E,
além dessas, poderíamos citar infindáveis outras.
Segundo Berlinger (1983, p. 126), “[...] as causas destas
doenças devem ser procuradas nas condições ambientais nas quais o
operário é obrigado a trabalhar [...]”, nas disfunções estruturais, na
falta de prevenção adequada, nos altos ritmos de trabalho, na falta
de espaço, na falta de preparo profissional, na falta de normas ou na
desobediência às normas de segurança, na imposição de ritmos de
trabalho impossíveis ou quase impossíveis de serem atingidos. Enfim,
devemos buscar as causas num tipo de organização do trabalho que
está voltada para a racionalização dos processos, para a maximização
dos lucros com o mínimo de custos possíveis, transformando o
trabalhador num meio para a concretização desses fins. Isto faz com
que suas condições psicofísicas piorem, a tensão nervosa aumente,
o trabalho torne-se monótono e extenuante, provocando diminuição
da atenção, confusão dos reflexos, desgaste e diminuição da
resistência, acarretando-lhe acidentes e doenças do trabalho.
Esses fatores e a demanda por mais trabalho, maior
produtividade e mais horas também está por trás da LER, que, de
104
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
acordo com a norma de 1993, é considerada como a mais grave doença
relacionada ao trabalho, na sociedade moderna. Dentre as diversas
caracterizações da LER, podemos destacar três. A primeira,
estabelecida pelas próprias Normas Técnicas para Avaliação das
Lesões por Esforços Repetitivos, adota a terminologia LER
[...] para as afeções que podem acometer tendões,
sinóvias, músculos, nervos, fáscias, ligamentos,
isolada ou associadamente, com ou sem
degeneração de tecidos, atingindo principalmente,
porém não somente, os membros superiores,
região escapular e pescoço, de origem
ocupacional (BRASIL, 1993, p. 7).
A segunda, apontada por Yeng, caracteriza as lesões por
esforços repetitivos como “[...] acometimento de estruturas ósseas,
musculares, tendíneas, nervosas e do tecido conjuntivo que lhe dá
sustentação em decorrência de solicitações cumulativas excessivas e
repetitivas de um segmento do corpo” (YENG, 1995, p. 89).
A terceira caracterização, realizada por Joanna Bawa, diz:
As lesões por esforços repetitivos (LER) não são
uma doença específica; é o nome para uma série
de distúrbios que atingem principalmente o
pescoço, ombros, membros superiores, mão e
punhos. Apesar de as evidências mostrarem o
contrário, as LER não surgiram de uma hora para
outra. Suas altas e repentinas notoriedades devemse ao fato de terem sido identificadas – isoladas
como uma condição específica, resultado de sua
gradativa predominância dentro do mundo
industrializado. Tem sua origem no local de
105
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
trabalho, sendo muito frequente entre
trabalhadores submetidos a determinados fatores
organizacionais (BAWA, 1997, p. 57-58).
Nessas caracterizações, são apontados como fatores
desencadeadores a ocupação do trabalhador, as solicitações
cumulativas excessivas e repetitivas e os fatores organizacionais. Já
em relação à terminologia, existem várias: LER (Lesões por Esforços
Repetitivos), LTC (Lesões por Traumas Cumulativos), DORT
(Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) – todas
aceitas no Brasil. Mas, além dessas, há outras: RSI (Repetitive Stain
Injury), na Austrália; OCD (Occupational Cervicobrachial Disorder), no
Japão; CTD (Cumulative Trauma Disorders), nos EUA. Porém, mesmo
que a denominação da patologia não seja igual em todos os países,
há quase um consenso em praticamente todos eles quanto às possíveis
causas da doença: a organização do trabalho e os fatores psicológicos
(COUTO et al., 1998).
Dentre os muitos sintomas ocasionados pelas lesões por
esforços repetitivos, citamos alguns, tais como: dor, dormência, ardor, fraqueza, peso, fadiga, queimação, sensação de frio e inchaço
nos membros superiores, cãibras, distúrbios do sono, diminuição da
agilidade dos dedos, incapacidade de manutenção da força motora e
de permanecer sentado por muito tempo, enrijecimento doloroso da
musculatura, limitação dos movimentos das articulações, alta
sensibilidade, sinais de distrofia simpático-reflexa, dificuldade para
pegar e manusear pequenos objetos, para manter os membros
superiores elevados, para escrever, para segurar telefone, para carregar
sacolas e bebês, para pentear, para dirigir (SETTIMI; SILVESTRE,
1995).
Como diz Bawa (1997, p. 72),
106
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
[...] a fadiga muscular é a precursora das lesões
por esforços repetitivos. Ela não é a causa direta,
mas os músculos cansados do trabalho constante
em uma sequência repetida estão mais
predispostos a ser usados de uma forma nada
saudável. Por exemplo, a digitação por um tempo
prolongado causará uma sensação generalizada
de fadiga nas mãos, punhos e antebraços, o que
encorajará o digitador despreparado a largar os
braços sobre a mesa. Isso pode aliviar a fadiga,
mas força o trabalhador a flexionar os pulsos
aproximadamente em um ângulo agudo para
alcançar as teclas. E é essa flexão que leva à pressão
e à compressão dos tendões e, por fim, à
tenossinovite e à síndrome do túnel do carpo2.
Apesar das lesões por esforços repetitivos serem mais
evidentes na atualidade, o surgimento dos primeiros casos
documentados remonta ao ano de 1700, registrados pelo médico
italiano Bernardino Ramazzini, que angariou o epíteto de Pai da
Medicina do Trabalho.
Ele observou o desenvolvimento de processos
de adoecimento em trabalhadores que
precisavam manter ‘qualquer postura específica
dos membros’ ou realizar ‘movimentos não
naturais do corpo’ enquanto desempenhavam
suas funções. Ramazzini também descrevia as
rotinas diárias de ‘escribas e notários’ e explicava
2
Tenossinovite e síndrome do túnel do carpo são os dois tipos mais comuns de
LER.
107
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
as ‘enfermidades’, que eram resultado de
‘contínuo e sempre o mesmo movimento da mão
(BAWA, 1997, p. 58).
Ramazzini narrou o caso de um trabalhador (escriba) que,
“[...] devido à fraqueza e à dor contínuas no braço direito, ‘as quais
não se curavam com remédio algum’, aprendeu a escrever com a
esquerda, ‘que logo seria acometida do mesmo mal’” (BAWA, 1997,
p. 58). Mais tarde, Charles Turner Thackrah, em 1832, fala dos efeitos
do “excesso de trabalho”. E, em 1893, Gray’s Anatomy refere-se à
“entorse de lavadeira”, um inchaço do tendão provocado por
movimentos como torcer tecidos. Ambos destacam como fator
comum os movimentos repetitivos e frequentes de um grupo isolado
de músculos, enquanto o resto do corpo permanece horas a fio parado
na mesma posição.
Como vimos, as LER ou DORT não são uma condição nova
na vida dos trabalhadores. Mas,
[...] apesar da existência das LER antes do início
da Revolução Industrial, somente depois de 1980
a expressão ‘lesões por esforços repetitivos’ foi
criada. Aconteceu na Austrália, após uma aparente
epidemia de problemas musculares e ósseos entre funcionários de escritórios. A incidência de
pessoas que se queixavam de dores,
formigamentos e insensibilidade nos membros
superiores começou a crescer de maneira
dramática por volta de 1981, passando de um a
nove pacientes por dez mil para seis novos
pacientes a cada mil trabalhadores em 1987
(BAWA, 1997, p. 63).
108
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
O problema vem se agravando. Recentemente, o jornal
britânico Financial Times e a empresa de telecomunicações British
Telecom tiveram de pagar altas indenizações a funcionários que os
processaram, alegando que seus empregadores eram os maiores
responsáveis por seus casos de incapacitação devido às LER. Onze
digitadoras entraram com uma ação conjunta, mencionando “anos
de dor e sofrimento” como razão que motivou o processo. Elas tinham
de digitar até treze mil caracteres por hora, sob a ameaça de perderem
o emprego, e sofriam descontos no salário se os dados não fossem
rapidamente digitados. Muitas vezes, o aumento de salário e as
promoções eram determinados pela velocidade do trabalho
(digitação), monitoradas por computadores, mesmo que muitas
digitadoras não recebessem qualquer treinamento formal no teclado.
Além das exigências da função, as mulheres não contavam com
cadeiras ajustáveis nem eram instruídas sobre saúde no trabalho e,
caso sua taxa de digitação baixasse para menos de dez mil toques por
hora, eram verbalmente ameaçadas. Muitas funcionárias usavam talas
ou bandagens para trabalhar e acabaram ficando incapacitadas para
a utilização das mãos em tarefas corriqueiras, como lavar e pentear
os cabelos ou cozinhar.
A LER está crescendo assustadoramente. A partir da década
de 1990, ela passa a ser considerada um dos distúrbios ocupacionais
mais difundidos entre os trabalhadores.
Nos EUA, o Bureau of Labor Statistics
(Escritório de Estatísticas Trabalhistas) registrou
as LER como as responsáveis por 61% das
doenças ocupacionais em 1991. [...] O ano de
1992 registra para os americanos 281.800 novos
casos de LER somente no setor privado. Em
1993 atinge a casa dos 300 mil novos casos. E
109
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
em 1994 quase 350 mil novos casos invadem o
mercado de trabalho americano (BAWA, 1997,
p. 62).
Se tomarmos os dados fornecidos pela Organização Mundial
da Saúde, veremos que, “em 1998, nos Estados Unidos, ocorreram
650 mil casos de LER/DORT, responsáveis por dois terços das
ausências ao trabalho, a um custo estimado de US$ 15 bilhões a US$
20 bilhões, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)”
(O’NEILL; MORÁS, 2001).
Outro problema torna a LER ainda mais preocupante: tratase de uma síndrome que, mesmo que lhe seja atribuída uma
dificuldade no diagnóstico, envolve patologias já conhecidas por
muitos especialistas médicos (OLIVEIRA, 1998). Por se constituir
numa doença em que o diagnóstico é fundamentalmente clínico, os
trabalhadores ficam submetidos à “autoridade” de médicos para que
eles possam ser reconhecidos como pessoas portadoras de uma doença
relacionada ao trabalho. Mas é comum encontrar doentes que não
apresentem sinal clínico algum com efeito visível. Bawa diz que,
[...] em sua primeira ‘epidemia’ verdadeira, na
Austrália do início da década de 1980, menos de
5% dos casos registrados de LER eram
oficialmente diagnosticados como síndrome do
túnel do carpo, epicondilite (cotovelo de tenista)
ou tenossinovite. Os 95% restantes não
apresentavam quaisquer sinais objetivos com testes radiológicos, vasculares, patológicos, de
eletrodiagnóstico ou qualquer outro fisiológico.
Esse extraordinário desequilíbrio entre doenças
mensuráveis e faltas no trabalho levou à rotulação
110
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
das LER como ‘o mal dos preguiçosos’, e suas
vítimas foram chamadas de ‘gazeteiros’ (BAWA,
1997, p.54-55).
A dificuldade no diagnóstico e o fato de ser uma doença
relacionada à organização do trabalho têm gerado uma série de malentendidos e preconceitos em relação aos lesionados. Alguns acham
que é fantasia de trabalhador preguiçoso, problema de pouca
autoconfiança, medo, fr ustração; outros chamam a LER
pejorativamente de doença de mulher, tratando-a como um problema
emocional ou sintoma histérico. Ou seja, trata-se de descaracterizar
a LER como doença do trabalho, pois, se for comprovada, a relação
organização do trabalho/LER certamente provocará um
questionamento sobre toda a estrutura social.
No entanto, a LER/DORT passou a ser uma questão de
saúde pública devido aos expressivos casos que estão ocorrendo. Por
exemplo, em 2001,
[...] no Banco do Brasil, um entre quatro
funcionários, apresentavam algum sintoma de
LER/DORT. As empresas, em sua maioria, não
têm conhecimento dos níveis dessa doença em
seus quadros funcionais (O’NEILL; MORÁS,
2001).
Mesmo que alguns procurem descaracterizar a LER, seja pelo
motivo que for, o fato é que ela existe, atestada por milhares de
trabalhadores acometidos pelas lesões, por profissionais ligados à
saúde, por pesquisadores e até pelos órgãos governamentais. A maioria
111
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
desses pesquisadores e entidades admitem que a LER está relacionada
a um determinado tipo de organização do trabalho. Aliás, não se tem
referência de nenhum caso de LER em que o portador não tenha
realizado ou não esteja realizando algum tipo de trabalho. Mesmo
que não se saiba exatamente o modo como o trabalho ou sua
organização interfere no organismo humano e produza tal lesão, é
quase um consenso de que está relacionada com a organização do
trabalho. Por isso, dada a importância do trabalho para o ser humano,
para a produção e manutenção da vida (FREIRE, 1995) e do próprio
homem, é preciso que os pesquisadores auxiliem a compreender
melhor esta epidemiologia, sua etiologia e sua profilaxia. Também é
necessário realizar estudos sobre a organização do trabalho e suas
implicações para o ser humano, para que, ao invés de ser sinônimo
de dor, destruição, degradação e morte, o trabalho se transforme em
sinônimo de melhores condições de vida para todos.
A organização do trabalho na sociedade capitalista volta-se
prioritariamente ao capital em detrimento do ser humano. “O trabalho
[...] sob o capitalismo é trabalho alienado e implica o uso deformado
e deformante tanto do corpo como das potencialidades psíquicas”
(LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 116). Este tipo de trabalho acarreta
“[...] movimentos estereotipados, redução do trabalhador à condição
de autômato, de robô, fatores esses de decisiva importância na origem
da tensão pela dissociação corpo-mente, conforme preconiza a
interpretação estruturalista das causas das LER” (COUTO et al.,
1998, p. 44).
Como se pode perceber, existem reiteradas referências a
respeito da LER e sua relação com a organização do trabalho. Ribeiro
(1997) chega a ser enfático ao afirmar que a LER é uma doença
inequivocamente relacionada ao trabalho. O grupo que mais tem
112
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
pesquisado sobre a LER no Brasil, em Belo Horizonte, também afirma
que “[...] os resultados da investigação indicam que a LER é uma
doença cuja gênese está relacionada tanto às condições materiais
quanto à organização do trabalho” (RIBEIRO, 1997, p. 21). O
pesquisador Francisco de Paula Antunes Lima, integrante desse grupo,
diz que “[...] a LER não pode ser atribuída à tecnologia [...] e que o
foco de análise deve ser recentrado nos aspectos organizacionais”
(LIMA; ARAÚJO; LIMA, 1997).
Há uma concordância quanto à relação entre a organização
do trabalho e as LER, ainda que não se tenha estudos que explicitem
como, quando, de que forma e em que condições aquela interfere e
contribui para a produção desta.
Devido à importância da questão,
O reconhecimento da dimensão e transcendência
das LER tem suscitado nos últimos anos,
inúmeros seminários, congressos e pesquisas,
algumas multicêntricas, não pairando qualquer
dúvida aos institutos, centros e grupos que
pesquisam as inter-relações do trabalho com a
saúde, de que o trabalho repetitivo, a sobrecarga
músculo-esquelética estática e a nova organização
do trabalho, aliadas à automação estão
estreitamente associadas na causalidade das LER
(RIBEIRO, 1997, p. 25).
Nos anos de 1990 e nesta década, as tenossinovites e as
síndromes do túnel do carpo tiveram um crescimento expressivo e
não param de crescer. As exigências de maior produtividade,
competição e concorrência, pressão de todos os lados sobre os
trabalhadores, estão potencializando o aparecimento de lesionados.
113
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
Contudo,
[...] é errado afirmar que antes do sistema de
organização do trabalho proposto por Taylor,
Ford e Gilbreth não houvesse LTC. Mas podese afirmar ter a incidência destas lesões
aumentado exponencialmente após a instituição
deste tipo de organização do trabalho numa
fábrica ou num escritório (RIBEIRO, 1997, p.
237).
As mudanças ocorridas na organização do trabalho têm sido
intensas. Muitas delas realizadas sem pesquisas prévias para avaliar
o impacto de tais mudanças para a saúde e para a vida dos
trabalhadores, para o meio e para o conjunto da sociedade.
No Brasil, as lesões por esforços repetitivos começaram a ser
descritas em meados da década de 1984, mas só mais tarde foram
reconhecidas como doença do trabalho. Na época, chamou a atenção
o impacto da velocidade de trabalho e dos incentivos à produção
existentes nas empresas, com pagamento de adicionais de
produtividade e de privilégios para quem digitasse mais e se dispusesse
a fazer horas-extras e a dobrar turnos (COUTO et al., 1998, p. 30).
Além disso, “pelas plagas brasileiras, também em 1994 o Centro de
Referência de Saúde do Trabalhador de São Paulo (CEREST-SP)
registrou que de 1.598 trabalhadores atendidos com doenças
ocupacionais 65,4% sofriam de LER (BAWA, 1997, p. 62).
No Brasil os dados apresentados no Relatório Anual de 1995,
elaborado pelo Núcleo de Saúde do Trabalhador de Minas Gerais,
são bastante reveladores e nos permitem ter uma ideia da gravidade
da situação. Segundo este relatório,
114
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
[...] a LER ocupa, entre as doenças profissionais,
o primeiro lugar em número de atendimentos,
no decorrer de 1995. Foram atendidos 1160
casos de LER, o que significou 70,6% do total
dos atendimentos [...]. Os trabalhadores mais
jovens continuam sendo os mais atingidos por
essa doença [...] um contingente enorme de
trabalhadores jovens e produtivos está sendo
atingido e lesado em sua capacidade laborativa e
funcional, ficando muitas vezes afastado por
longos períodos e até incapacitado para o
trabalho (LIMA; ARAÚJO; LIMA, 1997, p. 11).
A preocupação começa a mexer com os empresários e com o
governo devido aos altos custos que ela acarreta. Segundo o
economista José Pastore, da USP, o governo brasileiro gasta cerca de
R$ 20 bilhões com acidentes e doenças relacionadas ao trabalho e as
empresas despendem outros R$ 15 bilhões por ano (O’NEILL;
MORÁS, 2001).
Atualmente, as LER constituem um tema de preocupação
central em um grande número de países industrializados e prevê-se
que elas vão se tornar um dos principais problemas laborais nos
próximos anos. Os dados disponíveis mostram que a incidência das
LER está aumentando na maior parte dos países industrializados.
Segundo Castro et al. (1994, p. 142), as lesões por esforços repetitivos
já se constituem numa questão de saúde pública.
Como já observamos, se não bastasse a grande incidência de
casos de LER que estão ocorrendo, outros fatores agravam ainda
mais a situação dos lesionados. A imprecisão nas causas e,
consequentemente, na profilaxia, tem provocado nos portadores de
LER situações conflituosas, tanto no âmbito individual e familiar
115
Processo de Trabalho e saúde do trabalhador
quanto no social. Além disso, enfrentam o descaso por muitos
profissionais que atuam nos órgãos governamentais responsáveis.
Através de muitas referências, parece-nos que tornamos
evidente a existência de relação entre a organização do trabalho e a
produção das LER. Ao chegarmos ao final deste capítulo, voltamos
à premissa inicial: se o trabalho produz o homem, constitui-se na sua
essência. Dadas as constatações feitas, perguntamo-nos: que tipo de
homem e sociedade estamos produzindo a partir da forma como nos
organizamos para garantir a nossa sobrevivência? Ao que parece, o
trabalho aproxima-se de seu sentido etimológico: tripalium, ou seja,
instrumento de tortura.
Depois que vimos tudo isso, perguntamo-nos novamente: o
problema está onde: no trabalho, na tecnologia ou no modo de
produção e organização do trabalho? Vimos que o trabalho é algo
que foi incorporado à vida do homem, tornou-se sinônimo do próprio
homem, ou seja, a sua essência. Portanto, trata-se de colocar o trabalho
a serviço do homem e não o homem a serviço do trabalho, que se
tornou sinônimo de capital. Então, trata-se de superar a organização
da produção da vida centrada no capital e não no homem.
No caso da LER, já foram feitas muitas pesquisas e escritos
muitos trabalhos sobre as predisposições individuais, os fatores
psicológicos, a ergonomia. Contudo, sobre a questão aqui enfocada,
existem poucos. Torna-se, portanto, necessário que estudos e
pesquisas sejam feitas, tanto para desvelar esta relação, quanto para
contribuir com sua profilaxia e com a produção de um mundo
humanizado. Mas isto somente as classes que ora enfrentam a
burguesia, somente o proletariado como uma classe verdadeiramente
revolucionária pode enfrentar (MARX; ENGELS, 1986, p. 29).
Entretanto, é preciso que se repense e se transforme todo o processo
de trabalho, isto é, é preciso refletir sobre o que e como os homens
116
Paulino J. Orso - Neide T. Murofuse - Laerson V. Matias - Maria P. Marziale
produzem e se produzem se quisermos pensar e enfrentar de fato os
problemas relacionados à saúde dos trabalhadores para que, ao invés
de debilitação, doenças, sofrimento e morte, o trabalho torne-se
condição de vida e dignidade.
Referências
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118
AGRAVOS À SAÚDE DO TRABALHADOR:
PROCESSO SAÚDE–DOENÇA–TRABALHO
ZUHER HANDAR
Introdução
É indiscutível o fato de o trabalho ter um papel fundamental
na inserção dos indivíduos no mundo, pois contribui para a formação
de sua identidade, permite que os indivíduos participem da vida social, fator essencial para a qualidade de vida e de saúde. Entretanto,
na forma como está organizado, o trabalho apresenta efeitos negativos,
como o adoecimento e a morte dos trabalhadores.
Entre os trabalhadores, os acidentes e as doenças relacionadas
ao trabalho constituem um dos principais agravos. Além das
estatísticas, a divulgação desses eventos ilustra a gravidade da situação
das condições de saúde, das condições e do ambiente de trabalho,
como bem ilustram as notícias que a imprensa vem publicando: mortes
de operários jovens têm sido constante; setores que apresentam maior
gravidade no quadro de acidentes ainda continuam não investindo
na prevenção; o processo de terceirização acelerada e predatória tem
contribuído cada vez mais para o aumento desses agravos; as doenças
relacionadas ao trabalho, segundo informações do INSS, têm
aumentado, por conta principalmente do uso de um novo instrumento
utilizado pela Previdência Social, denominado de Nexo Técnico
Epidemiológico Previdenciário.
119
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
Mesmo reconhecendo que o processo saúde-doença dos
trabalhadores não é determinado apenas no âmbito da fábrica, do
processo de produção e de trabalho, é indiscutível o papel e a
importância dos riscos para a saúde gerados em processos de trabalhos
particulares. Portanto, inúmeros são os fatores que contribuem para
provocar agravos na saúde do trabalhador, dentre os quais se destacam
as denominadas “cargas de trabalho”, que abarcam aspectos como
poeiras, substâncias químicas tóxicas, ruído, vibração, calor ou frio
excessivos, radiações ionizantes e não-ionizantes, microorganismos,
posturas e movimentos requeridos pelo trabalho, tensão, monotonia,
relações autoritárias e conflituosas com as chefias e as gerências.
A situação da saúde dos trabalhadores
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), estima-se que há mais de 200 milhões de desempregados no
mundo. Esse índice nunca foi alcançado em outros tempos. Chama a
atenção o fato de a metade dos que estão trabalhando (1,4 bilhão de
pessoas) viver com menos de dois dólares por dia; ou seja, soma-se à
população pobre. A OIT constata ainda que 86 milhões de
desempregado, cerca da metade do total das pessoas nessa condição,
são jovens entre 15 e 24 anos. Outra situação que continua sendo
um agravo para a sociedade é a persistência do trabalho infantil: uma
em cada sete crianças no mundo continua desenvolvendo algum tipo
de trabalho infantil.
Esses fatos contribuem para a piora das condições de vida
dos trabalhadores no trabalho e levam ao aparecimento de mais
acidentes e, principalmente, de mais doenças. Diante das condições
de pobreza e da possibilidade de ficarem desempregados, os
trabalhadores são obrigados a aceitar qualquer condição de trabalho,
120
Zuher Handar
pois o que está em jogo, nesse momento, é a própria sobrevivência e
a de sua família.
O panorama mundial da Segurança e Saúde no Trabalho
também é bastante preocupante, conforme mostram os dados
divulgados pela OIT desde 2005. A cada ano, ocorrem cerca de 270
milhões de acidentes de trabalho não-fatais, que resultam em, no
mínimo, três dias de afastamento do trabalho. Chama a atenção, ainda,
o número divulgado de novos casos de doenças relacionadas ao
trabalho que surgem a cada ano: 160 milhões.
É importante observarmos que esses dados demonstram que
os agravos do trabalho, que geram milhares de novos casos de doentes
pelo trabalho, configuram um grande desafio que a sociedade precisa
enfrentar. Essa é a preocupação que devemos ter neste momento,
não desconsiderando a importância que os acidentes têm também na
vida dos trabalhadores.
No entanto, apesar dos índices elevados, a informalidade não
permite que se chegue ao número real de doentes e acidentados. O
trabalho tem gerado danos e agravos que ficam escondidos e
subnotificados. No Brasil, somente 5% das notificações ao INSS são
provenientes da economia formal. Os dados da OIT ainda indicam
que morrem anualmente mais de dois milhões de trabalhadores por
acidentes e doenças do trabalho, o que representa cerca de 6.000
mortes diárias. Desse total, mais de 70% representam morte por
doença do trabalho.
De acordo com a Tabela 1 abaixo, os casos de óbito por
acidente e por doença relacionada ao trabalho são distribuídos em
vários sistemas e aparelhos do corpo humano, com destaque para as
doenças do aparelho circulatório e as neoplasias, além das doenças
transmissíveis.
121
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
TABELA 1 – Estimativas mundiais de acidentes e de doenças
fatais
relacionadas
aomundiais
trabalho,
separadas
por gênero
(OIT 2000)
TABELA
1 – Estimativas
de acidentes
e de doenças
fatais relacionadas
ao
trabalho, separadas por gênero (OIT 2000)
Causas
Doenças transmissíveis
Neoplasias malignas
Doenças do sistema
respiratório
Doenças do sistema
circulatório
Afecções
neuropsiquiátricas
Doenças do sistema
digestivo
Doenças do sistema
geniturinário
Acidentes e atos de
violência no local de
trabalho
Mortalidade total
Mortalidade
relacionada ao
trabalho, homens
Mortalidade
relacionada ao
trabalho, mulheres
108.256
570.008
127.226
517.404
64.975
17.562
Mortalidade
relacionada ao
trabalho, estimativa
total
625.660
634.984
144.788
337.129
112.214
449.343
18.827
5.384
24.212
16.307
4.959
21.266
9.163
1.200
10.362
311.493
34.226
345.719
1.498.409
757.924
2.256.334
Fonte: informações disponíveis em <www.ilo.org/safework>.
Ainda de acordo com os organismos internacionais, o custo
dos acidentes e das doenças do trabalho gera um custo muito grande
para a sociedade, que pode ser dividido em duas categorias: custo
humano-social e custo econômico para as empresas e para o país. É
indiscutível o impacto do custo humano e social para os trabalhadores
e suas famílias, gerando dor e sofrimento para todos, desagregando
as relações sociais e familiares. Por outro lado, o custo econômico
não pode deixar de ser considerado, pois ele contribui para enormes
perdas de recursos públicos, que poderiam estar sendo direcionados
para setores mais prioritários e para políticas de prevenção e de
promoção da saúde e da vida das pessoas.
122
Zuher Handar
Ademais, o custo para as empresas também é grande.
Entretanto, infelizmente, elas não percebem isso. Não conseguem
enxergar que há um custo direto e indireto produzido pelo afastamento
do trabalhador, custo esse demonstrado pelo pagamento das
indenizações, pela perda de tempo de trabalho, pela interrupção da
produção, pelos gastos com a formação e a requalificação de novos
trabalhadores, bem como com a reabilitação dos trabalhadores
atingidos, além de tantos outros prejuízos. De acordo com pesquisas
realizadas, estima-se que se gaste 4% do PIB global anualmente com
problemas de saúde relacionados ao trabalho. Somente em 2001,
foram gastos 1,23 bilhões de dólares com os acidentes e as doenças
do trabalho.
Acidentes de trabalho no Brasil
Nos últimos dez anos, o Brasil apresentou aproximadamente
500 mil casos de acidentes e de doenças notificadas pelo sistema
previdenciário. Ou seja, esse índice refere-se somente à parcela dos
trabalhadores que compõem a economia formal, que têm o regime
de trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e
que estão segurados da previdência social. De acordo com dados de
instituições de pesquisas, esse número deve aumentar de três a quatro
vezes se considerarmos os trabalhadores que estão à margem do
sistema, ou seja, que estão na informalidade.
Dos dados registrados pela Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT), 80% dos problemas de saúde referem-se a acidentes
típicos, e somente 5% são registros de doenças relacionadas ao
trabalho, restando então 15% para os acidentes de trajeto. Esses dados
podem estar sofrendo uma transformação significativa, levando-se
em consideração a implantação do Nexo Técnico Epidemiológico
123
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
Previdenciário (NTEP), que começou a ser implantado em 2007 e
provocou o aumento do número de notificações de doenças do
trabalho. Os dados parciais demonstram que, devido ao NTEP, houve
um aumento de registro de doenças ocupacionais entre fevereiro e
dezembro de 2008, época em que a pesquisa foi realizada. Esse
crescimento está acima de 130%. As notificações de doenças do
sistema osteomuscular – incluídas aí as lesões por esforço repetitivo
(LER), que representam 84,77% do total das doenças do trabalho –
aumentaram 512,3%, segundo dados do Ministério da Previdência.
Se considerarmos somente as notificações advindas da
economia formal, a mortalidade por acidente e por doença
relacionados ao trabalho continua em patamar elevado, oscilando
nos últimos dez anos entre 10 a 15/100.000 trabalhadores. Esse
número é três a quatro vezes maior do que o índice apresentado por
países desenvolvidos, principalmente pela Europa.
TABELA 2 – Acidentes de trabalho registrados no Brasil entre
1995 e 2005
124
Zuher Handar
De acordo com os dados, é alarmante o número de mortes de
trabalhadores com menos de quarenta anos de idade e o número de
incapacitados total e permanente para o trabalho, que corresponde a
aproximadamente 15.000 trabalhadores por ano. Se somarmos as
incapacidades e as mortes (que geram um benefício de pensão), cerca
de 18.000 benefícios são gerados anualmente, engrossando as contas
da Previdência Social.
Ao analisar a série histórica dos últimos dos últimos vinte
anos, observamos uma diminuição do número de acidentes de
trabalho e de óbitos relacionados ao trabalho. Não há dúvida de que
houve melhora das condições de trabalho em alguns setores, como
também reconhecimento da situação por parte de muitos empresários,
que têm contribuído para mudar a triste realidade. Entretanto, essa
mudança é ainda incipiente, pois a realidade atual ainda é dura e
penosa, o que requer que atitudes mais incisivas sejam tomadas.
A ideia, criada pelo sistema capitalista, de que a causa dessa
situação está vinculada ao descuido dos trabalhadores faz com que
muitos programas das empresas se concentrem em ações relacionadas
unicamente à prevenção dos acidentes de trabalho, principalmente
no que tange à mudança de comportamento dos trabalhadores. Com
isso, deixa-se de lado a análise dos reflexos que o processo de
globalização e de reestruturação produtiva tem trazido para a
produção de doenças do trabalho, pois essas mudanças têm
transformado a maneira de trabalhar, bem como o gerenciamento e a
gestão do processo produtivo e de trabalho, impondo aos trabalhadores
muita dor e sofrimento.
125
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
Evolução da relação de trabalho e dos processos produtivos
O processo de produção tem início com a Primeira Revolução
Industrial, por volta de 1700, com a invenção da máquina a vapor,
por James Watt. Nesse período, há um imenso fluxo migratório da
área rural para as cidades, motivado pela busca por trabalho nas
fábricas. Com o crescimento das cidades, há também a preocupação
com a situação da saúde pública, já que aumenta o risco de epidemias
devido à desorganização urbana e à falta de saneamento.
No que tange ao mundo do trabalho, as características desse
período são: trabalho pesado e insalubre na indústria têxtil, controle
autoritário, agressões físicas, ameaças, castigos, longas jornadas,
condições de trabalho precárias, salários baixíssimos, movimento
sindical frágil, tímida função reguladora do Estado, sem proteção
social, acidentes de trabalho graves.
A Segunda Revolução Industrial é marcada pela administração
científica do trabalho, pela produção em série e pelo surgimento das
esteiras. Esse processo tem como marca a presença de Taylor e Ford,
e, por isso, também é conhecido como modelo Taylorista-Fordista.
Nos moldes tayloristas, a administração científica do trabalho prega
a racionalização da organização do trabalho e a observação do modo
de se fazer, pela descrição e pela medição do que se faz. A preparação
do trabalho passou a ser atribuição de especialistas, e o único e melhor
método de execução como norma a ser seguida permanentemente
pela empresa. Nesse contexto, prega-se o princípio do “homem certo
no lugar certo.” As fábricas tinham estruturas organizacional rígida,
hierarquizada e permanente vigilância, feita por supervisores,
característica que persiste ainda nos nossos tempos.
O modelo fordista inicia o processo de trabalho com a criação
das esteiras rolantes, unindo as tarefas individuais e sucessivas. O
126
Zuher Handar
trabalhador fica isolado, sem comunicação. Dá-se continuidade ao
processo de absorção do saber do trabalhador. Esse modelo fixa uma
cadência regular de trabalho e reduz o transporte entre as operações.
Os trabalhadores ficam mais submetidos ao ritmo automático, à
cadência das máquinas, à rotina, executando várias vezes um mesmo
movimento em uma linha de montagem. A divisão do trabalho e a
divisão das tarefas se intensificam. Portanto, nesse modelo, a
organização do trabalho em linha de montagem contribui para evitar
o deslocamento do trabalhador de um posto a outro, evitando, assim,
o contato entre os trabalhadores. Assim, o capital controla o seu
medo: a articulação entre a categoria.
Marca ainda esse processo o ritmo de trabalho determinado
pela velocidade da esteira. O trabalho é exaustivo até a fadiga.
Procura-se quantificar a produção, não mais pela vontade do
trabalhador, mas pela vontade da máquina e dos supervisores. Com
a fixação do trabalhador em determinada posição, evita-se a perda
de tempo e são aperfeiçoados os movimentos, garantindo, assim, mais
rapidez ao processo de trabalho. A produção passa a ser feita em
grandes volumes, garantindo redução dos preços e aumento do lucro.
Essa busca exagerada pela produtividade trouxe problemas,
tais como o desencadeamento de distúrbios osteomusculares por
sobrecarga funcional, pois, para aumentar o ritmo, coloca-se a pessoa
mais hábil na primeira posição da linha de montagem, com o objetivo
de puxá-lo. Associado a isso, estímulos com pagamento de adicional
de produtividade são implantados, sem a análise da condição de
execução do trabalho.
Atualmente, vivemos a Terceira Revolução Industrial, ou,
ainda, o início da Quarta Revolução Industrial. Nesse período,
vivemos questões essenciais de uma política mundial, caracterizada
por:
127
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
- Profundas mudanças nos processos de trabalho;
- Forte tendência de terceirização da economia dos países
desenvolvidos;
- Início do declínio do setor secundário industrial e o
crescimento acentuado do setor terciário (serviços);
- Mudança do perfil da força de trabalho empregada;
- Transferência de indústrias para o Terceiro Mundo – uma
verdadeira transnacionalização da economia –, principalmente daquelas
que provocam poluição ambiental ou risco para a saúde (asbesto,
chumbo, agrotóxicos e outros), e das que requerem muita mão-deobra com baixa tecnologia, como é o caso típico das fábricas que
rapidamente se instalam nas “zonas livres” ou “francas”, mundo afora.
Os países do Terceiro Mundo, pressionados pela recessão que
se instala universalmente, buscam o desenvolvimento econômico a
qualquer custo e aceitam ou estimulam essa transferência das
indústrias, supostamente capaz de amenizar o desemprego e de gerar
divisas.
Num nível “micro”, observa-se a rápida implantação de novas
tecnologias, a automação (máquinas de controle numérico, robots e outros)
e a informatização. São viabilizadas, nesse contexto, profundas
modificações na organização do trabalho. Por exemplo, o capital
diminui sua dependência em relação aos trabalhadores, ao mesmo
tempo em que aumenta a possibilidade de controle. Ressurge com
vigor redobrado o taylorismo, por meio de dois de seus princípios
básicos: a primazia da gerência via apropriação do conhecimento do
operário e a interferência direta nos métodos e processos, importantes
para o planejamento e para o controle do trabalho.
Os modelos implantados até momento têm trazido
consequência não somente para o mundo do trabalho, mas também
para a sociedade, pois o modelo de desenvolvimento até agora seguido
é marcado por sérios problemas para a saúde pública e para o meio
ambiente.
128
Zuher Handar
O capital é sinônimo de desenvolvimento e, nesse contexto,
o crescimento ilimitado da produção e a capacidade de crescer sempre
são colocados como norma natural desse processo, que tem por
princípio a economia, o progresso, a expansão e o crescimento,
dkeixando de lado os princípios humanos e sociais.
Segundo a OIT, vivemos em um mundo com grandes lacunas, marcado pela falta de trabalho, pelo aumento do desemprego e
do subemprego. Persiste o trabalho de baixa qualidade e, muitas vezes,
improdutivo. Ganha força o trabalho inseguro e as contratações
instáveis. Aumentam a informalidade e o desrespeito pelos direitos
dos trabalhadores.
Nesse cenário, observa-se o crescimento das desigualdades
caracterizadas pela concentração do poder político e econômico, da
deterioração da qualidade de vida, da poluição e degradação
ambiental, do desemprego estrutural. Crescem também as formas
variadas de violência e o recr udescimento de movimentos
fundamentalistas. Observa-se, ainda, o aumento da expectativa de
vida: vive-se cada vez mais e melhor, apesar das desigualdades.
O processo de globalização, que é caracterizado pela
aceleração e pela liberalização das barreiras do comércio mundial
traz consigo a difusão de novas tecnologias, proporcionando, assim,
novos riscos de organização do trabalho e novos modos de exposição
aos riscos de acidente e de doenças relacionadas ao trabalho. Esses
são alguns dos fatores que têm marcado e contribuído para a
incidência dos agravos à saúde dos trabalhadores.
Outro fator que tem contribuído para os agravos à saúde é a
reestruturação produtiva, que pode ser definida também como um
conjunto de transformações no mundo do trabalho. Inclui-se, aí, a
utilização de novos padrões de gestão e de organização do trabalho,
configurando o trabalho como uma obrigação e uma necessidade e
129
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
considerando somente os critérios de eficiência e de custo. Nesse
momento, as mudanças têm ocorrido pelo desejo de alcançar cada
vez mais um crescimento econômico ilimitado.
Na evolução e na busca de um modelo de maior produtividade,
e tendo como princípio a qualidade total, surge o modelo Toyotista
como um novo modelo de gestão e de organização do trabalho, que
impõe ao trabalhador uma diversidade de operações e procura
envolvê-lo com os objetivos da empresa. Nesse período, intensificase o desenvolvimento da informática, a automação e a robótica.
Também são objetivos a elevação da produtividade, a redução dos
custos e a promoção de um controle preciso da qualidade. Com isso,
promove-se a diminuição dos postos de trabalho. Como
consequência, aumentam as exigências de qualificações dos
trabalhadores, resultando na exclusão dos menos qualificados, dos
muito jovens e dos mais idosos, dos menos escolarizados e dos
portadores de algum tipo de desvantagem biopsíquica ou social.
O Toyotismo tem imposto muitas exigências ao trabalhador.
São requeridas características como:
- Maior grau de escolarização;
- Raciocínio lógico;
- Capacidade de operar equipamentos diversificados e
complexos;
- Competência para realizar diversas operações;
- Motivação para o trabalho;
- Engajamento com os objetivos da empresa, atitude
colaborativa;
Nesse contexto, o próprio grupo exerce pressão sobre os
indivíduos.
Com relação à saúde do trabalhador, o Toyotismo tem
proporcionado aos trabalhadores sentimentos como insegurança,
130
Zuher Handar
medo, angústia e ansiedade. Quem quer se manter empregado acaba
tendo a tensão como parte de seu cotidiano. Os trabalhadores
vivenciam o medo do desemprego, e, por conta disso, assumem
condutas de obediência, de submissão, quebrando a reciprocidade e
a solidariedade entre os colegas de trabalho. Há também o sofrimento
daqueles que têm medo de não serem capazes de manter uma performance (de tempo, de cadência, de formação, de informação, de
aprendizagem, de nível de conhecimento, de experiência, de adaptação
à cultura ou à ideologia da empresa).
Dificuldades, desafios e oportunidades
O medo do desemprego é um dos maiores problemas para a
saúde do trabalhador, pois tem levado à deterioração do poder de
compra de bens e serviços essenciais ao bem-estar dos indivíduos e
de suas famílias, à deterioração da auto-estima e da auto-imagem
dos trabalhadores atingidos, ao desenvolvimento de mecanismos de
defesa para garantir a estabilidade no emprego, ao acirramento dos
conflitos interpessoais no trabalho e ao sofrimento biopsíquico de
todos os envolvidos.
O aumento do número de pequenas e médias empresas pode
ser entendido como uma dificuldade e, ao mesmo tempo, como um
desafio para quem lida com a saúde do trabalhador, pois as
dificuldades econômicas e financeiras e o insucesso da gestão em
garantir um ambiente de trabalho saudável são fatores que contribuem
para o aumento do número de acidentes e de doenças no trabalho.
Isso porque essas empresas seguem, quando muito, somente o mínimo
da legislação, não possuem uma assessoria em saúde e geram cada
vez mais contratações informais ou instáveis.
Outra questão que preocupa é o fato de as empresas não
131
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
verem na Segurança e Saúde no Trabalho (SST) uma ferramenta
estratégica, mas a entenderem somente como uma exigência legal.
Procuram, assim, formas possíveis de sair dos limites que a lei lhes
impõe.
Vivemos hoje com o desafio das mudanças rápidas na
organização do trabalho, processo que traz consigo maiores exigências
e tensões organizativas no trabalho. Em consequência, tem-se um
aumento significativo de transtornos relacionados ao estresse no
trabalho, fato que resulta na elevação das estatísticas de doenças e
de agravos relacionados com o trabalho.
As empresas terceirizadas contribuem também para as atuais
preocupações com a saúde do trabalhador. Isso porque, por princípio,
deveriam qualificar fornecedores e aumentar a qualidade dos produtos.
Entretanto, o que vem acontecendo é a redução de custos via
precarização das relações e das condições de trabalho, com diminuição
do nível de remuneração. A tendência é a redução dos benefícios
sociais, como fornecimento de transporte e alimentação, e a
intensificação do ritmo de trabalho, com prolongamento das jornadas.
Nesse setor, observa-se a alta incidência de acidentes de trabalho,
inclusive fatais, e o aumento das doenças profissionais clássicas.
O adoecimento dos trabalhadores e suas causas
Os trabalhadores podem adoecer por diversas causas. Além
de concorrer com a população em geral no que tange às causas do
aparecimento de doenças, os trabalhadores podem adoecer por causas
específicas, originadas no trabalho.
132
Zuher Handar
QUADRO 1 – Doenças que podem acometer os trabalhadores
Tipos de doenças
Causas de doenças
Doenças profissionais
Têm relação com condições de trabalho específicas
Doenças relacionadas ao
Têm sua frequência, surgimento ou gravidade modificados pelo
trabalho
trabalho
Doenças comuns ao conjunto da
Não guardam relação de causa com o trabalho, mas
população
condicionam a saúde dos trabalhadores
Formas de adoecimento mal
Expressões de sofrimento, “problemas”, disfunções, distúrbios,
caracterizadas
“mal-estar”, etc.
Outra classificação dos agravos relacionados ao trabalho é
apresentada por Schilling, que os distribui em três categorias: a primeira
refere-se às doenças que têm o trabalho como causa necessária; a
segunda apresenta o trabalho como elemento que contribui para o
aparecimento da doença; a terceira abarca as doenças para as quais o
trabalho pode ser concausa, bem como as doenças latentes que são
ressurgidas por conta do trabalho. As três categorias são ilustradas
no quadro abaixo.
QUADRO 2 – Classificação de Schilling (1984)
CATEGORIA
I-Trabalho como causa necessária
II-Trabalho como fator de risco contributivo ou adicional,
mas não necessário








III-Trabalho como provocador de um distúrbio latente, ou
agravador de doença prévia, já estabelecida






EXEMPLOS
Intoxicação por chumbo
Silicose
“Doenças profissionais”
legalmente prescritas
Outras
Doença coronariana
Doenças do aparelho
locomotor
Câncer
Varizes dos membros
inferiores
Outras
Bronquite crônica
Dermatite de contato alérgica
Asma
Doenças mentais
Outras
133
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
Podemos, ainda, classificar as causas dos acidentes e das
doenças do trabalho em três categorias, conforme ilustra a figura
abaixo.
FIGURA 1 – Causa dos acidentes e das doenças do trabalho
Diante disto tudo, devemos refletir: como e o que fazer para
enfrentarmos tudo isto?
O que fazer para que as tragédias não aconteçam? As
perguntas que mais vem à nossa mente são: É possível evitar os
riscos? Se o trabalho se der em outras condições, é possível reduzir
ou eliminar os problemas que levam às tragédias? O que se pode
fazer para que não voltem a acontecer tragédias como aquelas
demonstradas nas estatísticas nacionais e mundiais?
Um dos fundamentos da prevenção necessário para a
superação dessa realidade refere-se à promoção da gestão do risco
no ambiente de trabalho, que poderia ser entendida como o
desenvolvimento de medidas que possam controlar e reduzir os riscos
em seus locais de trabalho, com o objetivo de prevenir lesões e de
proteger a saúde. Além de garantir um trabalho sem risco, a gestão
do risco pode proporcionar e promover um trabalho digno e decente.
134
Zuher Handar
Outro fator que pode contribuir para mudarmos a triste
realidade é a persistência no desenvolvimento de uma Política de
Saúde Trabalhador mais efetiva e mais eficaz, que possa promover o
estudo e a intervenção nas relações entre o trabalho e a saúde e,
ainda, promover mudanças nos processos de trabalho por meio de
uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial.
Devemos garantir uma Política de Saúde do Trabalhador que
contemple ações de vigilância sobre os riscos presentes nos ambientes,
sobre as condições de trabalho e sobre os agravos à saúde dos
trabalhadores. Essa política deve promover, ainda, o estudo e o
acompanhamento dos agravos por meio de um Sistema de Informação
e Vigilância Epidemiológica, bem como a organização e a prestação
da assistência à saúde dos trabalhadores, compreendendo
procedimentos de diagnóstico, tratamento e reabilitação, de forma
integrada ao Sistema Único de Saúde.
Nesse contexto, é preciso garantir que trabalhador, empregador,
governos e sociedade assumam funções compartilhadas. Cada esfera deve
garantir que os locais de trabalho, as máquinas, os equipamentos, as operações
e os processos sob seu controle sejam seguros e não tragam risco algum
para a segurança e para a saúde dos trabalhadores, conforme prevê a
Convenção 155, da OIT.
Responsabilidades e atribuições
Empregadores
A Convenção da OIT sobre Segurança e Saúde dos
Trabalhadores (1981, nº 155) estabelece que deverá ser exigido dos
empregadores que, na medida do razoável e do factível, garantam
que os locais de trabalho, as máquinas, os equipamentos e as
operações e os processos sob seu controle sejam seguros e não tragam
135
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores. Assim,
pois, todos os riscos que se apresentam no local de trabalho, quer
sejam de origem física, química ou biológica, devem ser gestionados
adequadamente. Deverão, ainda, ser proporcionadas a todos os
trabalhadores a informação e a formação necessárias. Quando as
circunstâncias exigirem, os empregadores devem distribuir
gratuitamente roupas e equipamentos de proteção adequados.
Trabalhadores
Os trabalhadores, por sua vez, devem cooperar com os
empregadores no cumprimento das obrigações que lhes cabem, e,
ainda, informar sobre situações que apresentam perigo eminente.
Governos
O governo deve estabelecer uma Política Nacional de
Segurança e Saúde no Trabalho, implantar um sistema eficaz de
inspeção e controle do cumprimento da legislação correspondente e
coletar dados estatísticos de interesse sobre acidentes e doenças
relacionadas ao trabalho.
As instituições de educação e for mação também
desempenham uma função importante na orientação e na difusão de
conhecimento sobre os riscos relacionados com o trabalho e, ainda,
na gestão dos riscos de maneira eficaz. As universidades e os institutos
de pesquisas têm um importante papel, já que pesquisam e estudam
os riscos. Além disso, proporcionam uma sólida base técnica e
científica para a avaliação e a gestão dos riscos e podem desenvolver
meios inovadores de reduzi-los, como os derivados da introdução de
novas tecnologias.
136
Zuher Handar
Portanto, temos um desafio dentre tantos: a formulação e a
implementação de políticas capazes de garantir, simultaneamente, o
desenvolvimento econômico e social, a inclusão social e o trabalho
decente.
Por fim, as diretrizes de um novo estilo de desenvolvimento
devem ser norteadas por uma nova ética, na qual os objetivos do
progresso estão subordinados à preservação do meio ambiente, aos
critérios de respeito à dignidade humana e à melhoria da qualidade
de vida das pessoas. Com isso, se possibilitará uma melhora da
qualidade de vida das pessoas e se evitará o sofrimento, a dor e a
morte no trabalho. Este será, então, um instrumento de alegria,
felicidade e dignidade humana.
Referências
MERLO, Álvaro Roberto Crespo; LÁPIS, Naira Lima. A saúde e os
processos de trabalho no capitalismo: reflexões na interface da
Psicodinâmica do Trabalho e da Sociologia do Trabalho. Psicologia
& Sociedade, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 61-68, jan./abr. 2007.
ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO.
Programa sobre Seguridad y Salud en el Trabajo y el Medio
Ambiente (Trabajo Seguro). Ginebra, Suiza, s/d.
RIGOTTO, Raquel Maria. Saúde dos trabalhadores e meio ambiente
em tempos de globalização e reestruturação. Revista Brasileira de
Saúde Ocupacional, São Paulo. v. 25, n. 93/94, p. 9-20, dez. 1998.
_____. Produção e consumo: saúde e ambiente em busca de fontes e
caminhos. In: MINAYO, M. C de Souza; MIRANDA, A. C (Org.).
Saúde e Ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2002.
137
Agravos a saúde do trabalhador: Processo saúde - doença - trabalho
RODGERS, Gerry. El trabajo decente como una meta para la
economía global. Boletín Cintefor, n. 153, p. 9-28, OIT, s/d.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente e trabalho decente
para todos. Documento preparado para a comissão Mundial sobre a
Dimensão Social da Globalização, OIT, outubro de 2002. Oficina
Internacional do Trabalho, Escritório do Brasil.
138
PREVIDÊNCIA E SAÚDE DO TRABALHADOR
FERNANDO LUIZ BORGES
LAERSON VIDAL MATIAS
O presente texto apresenta o conteúdo abordado no curso
de capacitação de multiplicadores de informações sobre a Saúde do
Trabalhador, ocorrido no mês de setembro de 2008, nas dependências
da Unioeste. O curso em questão constituiu parte das atividades
desenvolvidas pelo Projeto de Extensão intitulado Trabalho, Educação
e Saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde
pública.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a
saúde é entendida como o completo bem-estar físico, psíquico e social, e não como simples ausência de doenças. Sobre tal entendimento,
Oliveira (1996) comenta que o conceito negativo de saúde (como
ausência de doença) perdurou por longo tempo, influenciando muito
no estudo da doença em detrimento do estudo da saúde. O autor
menciona ainda que o completo bem-estar social acaba consagrando
as interferências do ambiente social na saúde.
A questão da saúde não pode mais ser tratada de forma
isolada, desvinculada de outras dimensões da vida. Observa-se cada
vez mais uma preocupação constante do trabalhador brasileiro com
a Previdência Social, não mais apenas como simples Previdência
Social, mas como parte do grande tripé chamado Seguridade Social,
o qual engloba Saúde, Ação Social e Previdência Social. Na verdade,
trata-se de um conceito já inscrito na Constituição Federal de 1988,
mas que só nos últimos anos vem chamando a atenção do trabalhador
brasileiro. Dessa forma, a Previdência Social insere-se no amplo
conceito de Saúde engajada na Política Nacional de Segurança e Saúde
139
Previdência e Saúde do trabalhador
do Trabalhador, ampliando assim suas metas de prover a subsistência
do trabalhador na ocorrência de eventos infortunísticos, como as
doenças, a velhice, a morte e até mesmo a reclusão.
Recentemente, em agosto do ano de 2008, atingiu-se a marca
de 40 milhões de trabalhadores inscritos como contribuintes da
Previdência Social, todos com carteira assinada, o que significa dizer
que, todos estão cobertos pelo SAT (Seguro de Acidente de Trabalho),
cujos recursos são provenientes de alíquotas recolhidas pelas empresas
sobre o total da folha de pagamentos realizados mensalmente. Tais
alíquotas destinam-se a financiar os gastos com os acidentes de
trabalho e benefícios geradores de incapacidade. A lei n° 8.212, de
24 de julho de 1991, que trata da organização e do custeio da
Seguridade Social, determinou, em seu artigo 22, o recolhimento de
recursos com base em alíquotas fixadas em razão do grau de risco da
atividade preponderante das empresas. Dentro dessa visão, as
alíquotas dos graus de risco das empresas foram fixadas em 1%, para
empresas consideradas de grau de risco leve, de 2% para risco médio,
e de 3% para risco grave (BRASIL, 1991, p. 5).
Ao longo dos anos, a taxa de incidência de acidentes de
trabalho vem caindo paulatinamente. Contudo, vem aumentando a
gravidade desses acidentes, levando o Brasil a um gasto total de 40
bilhões de reais por ano com custos diretos e indiretos, o que levou a
Previdência Social a implementar uma nova política de saúde
prevencionista para procurar controlar e estancar essa terrível sangria
dos cofres públicos: gastos com acidentes de trabalho.
O panorama atual do Brasil aponta para três vítimas fatais
de acidentes de trabalho a cada duas horas de trabalho efetivo, e
para três acidentados a cada minuto. Esse índice considera apenas
os trabalhadores cobertos pelo “guarda chuva” do Seguro de Acidentes
de Trabalho (SAT), o que re presenta um grande risco de
140
Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias
subnotificação de casos, visto que uma massa muito mais expressiva
de trabalhadores da População Economicamente Ativa (PEA) não
está acobertada pelo SAT. A população coberta é estimada, grosso
modo, em cerca de 30 milhões de trabalhadores, enquanto cerca de
70 milhões de trabalhadores seguem sem cobertura previdenciária
de seguro de acidente de trabalho. Dentre os não cobertos, muitos
são contribuintes individuais, incluindo nessa categoria autônomos
(a maioria), empresários, donas de casa, síndicos etc.
A Tabela 1, abaixo apresentada, mostra dados do Boletim
Estatístico da Previdência Social, do ano de 2007 (BRASIL, 2007b),
acerca da População Economicamente Ativa existente no Brasil.
TABELA 1 – Dados populacionais – 2006
DISCRIMINAÇÃO
População Residente
Urbana
Rural
População Economicamente Ativa
Ocupada
Desocupada
População Não Economicamente Ativa (3)
População Ocupada Segundo Posição no Trabalho Principal:
Total
Empregados
Com carteira de trabalho assinada
Funcionários públicos estatutários e militares
Outros e sem declaração
Trabalhador Doméstico
Com carteira de trabalho assinada
Sem carteira de trabalho assinada e sem declaração
Conta Própria
Empregador
Trabalhadores na produção para o próprio consumo e na
construção para o próprio uso
Não remunerados
Contribuintes para instituto de previdência em qualquer
trabalho
TOTAL
Empregados
TOTAL
187.227.792
155.933.826
31.293.966
97.528.322
89.318.095
8.210.227
58.755.071
89.318.095
50.055.523
28.343.584
5.901.449
15.810.490
6.782.111
1.841.252
4.940.859
18.924.327
3.976.813
4.177.459
5.401.862
43.585.777
33.604.137
26.576.068
141
Previdência e Saúde do trabalhador
Na verdade, o foco prevencionista da Previdência Social, nesse
momento, está voltado para a população coberta pelo SAT,
principalmente devido aos gastos gerados com indenizações, pensões
e aposentadorias por invalidez acidentária. Tais gastos estão orçados
atualmente em cerca de quarenta bilhões de reais/ano, representando
500 mil acidentados/ano, incluindo 2.700 óbitos/ano. Só no Estado
do Paraná a soma desses gastos atinge a astronômica quantia de dois
bilhões de reais/ano. Além disso, há um registro de custo direto de
nove bilhões e oitocentos milhões de reais (mês de novembro de
2007) referentes aos pagamentos realizados com aposentadoria especial1 e aos custos direitos com os próprios acidentes de trabalho de
qualquer tipo, fatais ou não, como pagamento de salários em caso de
afastamento temporário do trabalho e custeio de despesas com
tratamento médico.
Ora, se esses números dizem respeito aos custos diretos, o
que dizer dos custos indiretos? E a que estes se referem exatamente?
De forma simplificada, mas não menos impactante, os custos indiretos
representam os gastos realizados com a assistência à saúde do
acidentado, indenizações, treinamento, reinserção no mercado de
trabalho e horas de trabalho perdidas. Isso sem mencionar os reparos
realizados com maquinários danificados e a parada do processo
produtivo.
1
A aposentadoria especial é um benefício concedido somente pela Previdência Social,
após a comprovação do tempo de trabalho e da atividade profissional do segurado,
em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do mesmo.
Para ser concedida esta aposentadoria, faz-se necessário a comprovação da exposição
aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação dos mesmos, de forma
permanente, não ocasional nem intermitente, por um período de quinze, vinte ou
vinte e cinco anos, conforme o caso (FUNASA, 2001, p. 74, grifo do autor).
142
Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias
Compondo mais um aspecto desse panorama de descaso com
a prevenção da saúde do trabalhador, os afastamentos do trabalho
por licença médica – auxílio doença – atingem 1.500.000
trabalhadores, dos quais 210.000 estão afastados por acidentes de
trabalho, e outros 90.000 por doenças do trabalho.
Perante esses números – que representam uma realidade
incontestável, associados à inércia de grande parte dos setores ligados
à área de acidentes –, desde o ano de 2004, a Previdência Social
decidiu estabelecer uma nova política de combate aos acidentes de
trabalho, com base em estudos realizados pelo Conselho Nacional
de Previdência Social (CNPS). Tais estudos resultaram na Lei n°
11.432, de 26 de dezembro de 2006, que foi regulamentada no ano
de 2007 pelo Decreto 6.042, de 1° de abril de 2007, que estabelece
e normatiza o chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário
– NTEP (BRASIL, 2007a).
É de capital importância transcrever aqui alterações sofridas
pela Lei no 8.213 (Regimento Geral dos Benefícios da Previdência
social – RGBPS), de 24 de julho de 1991, que passa a vigorar com a
seguinte redação:
Art. 21-A: A perícia médica do INSS considerará
caracterizada a natureza acidentária da
incapacidade quando constatar ocorrência de
nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e
o agravo, decorrente da relação entre a atividade
da empresa e a entidade mórbida motivadora
da incapacidade elencada na Classificação
Internacional de Doenças - CID, em
confor midade com o que dispuser o
regulamento. § 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar
143
Previdência e Saúde do trabalhador
o disposto neste artigo quando demonstrada a
inexistência do nexo de que trata o caput deste
artigo.
§ 2o A empresa poderá requerer a não aplicação
do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão
caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa
ou do segurado, ao Conselho de Recursos da
Previdência Social (BRASIL, 1991).
Com essa alteração legal, estabelece-se a natureza acidentária
da incapacidade laboral quando houver relação estreita entre o
trabalho exercido e a doença que o trabalhador apresentar e a
atividade econômica da empresa.
Para tornar mais clara a afirmação dada no parágrafo anterior, apresenta-se um exemplo: se em determinada empresa existe o
fator de repetitividade na linha de produção e o trabalhador é
acometido por LER/DORT, a perícia médica do INSS caracterizará
aquela doença como doença originária do trabalho exercido, uma
vez que tais agravos incidem muito mais em empresas apresentam
atividades repetitivas e outros fatores como vibrações localizadas,
exposição ao frio e monotonia. Dentro da lógica do NTEP, o objetivo
é estimular e sensibilizar as empresas a investirem e estabelecerem
políticas de prevenção. Para tais empresas, está prevista a diminuição
da alíquota SAT (Seguro de Acidente de Trabalho); para a empresa
que não investir na prevenção e persistir produzindo mais acidentes,
é previsto o aumento da alíquota SAT.
O sistema está desenhado de tal forma que, se entre duas
empresas de mesma atividade econômica – como, por exemplo,
frigoríficos –, uma delas produzir mais doenças e acidentes de trabalho
do que a outra, uma poderá ter sua alíquota SAT reduzida, e a outra
poderá ter sua alíquota aumentada. Nada mais justo.
144
Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias
Como operacionalizar tal metodologia? Na realidade, o
princípio de flexibilização do SAT já estava previsto pelo Fator
Acidentário de Prevenção (FAP), criado pela Lei n° 10.666, em maio
de 2003 (BRASIL, 2003). Trata-se de um mecanismo para aumentar
ou diminuir as alíquotas de contribuição das empresas ao seguro de
acidente de trabalho, dependendo do grau de risco de cada uma delas.
O FAP é um multiplicador a ser aplicado às alíquotas de 1%, 2% ou
3%, incidentes sobre a folha de salários, para financiar o SAT. O
índice do SAT varia entre 0,5 e 2,0%, o que significa que a alíquota
de contribuição da empresa pode ser reduzida à metade ou dobrar. O
FAP nada mais é do que uma espécie de medidor da quantidade de
acidentes de trabalho ocorridos em uma determinada empresa, em
um determinado período, cuja vigência estava prevista para janeiro
de 2009. Fato é que essa nova metodologia despertou paixões e
adversários dentro do setor ligado à Segurança do Trabalho. Aqueles
que nunca tinham antes discutido a subnotificação maciça dos
acidentes de trabalho, e nem mesmo os gastos descomunais com essa
catástrofe, se levantaram e passaram a bradar contra tal metodologia,
sob alegações as mais estapafúrdias possíveis. Interessante notar que
tais figuras, ligadas à área de Segurança do Trabalho, nunca se
preocuparam antes em trazer à tona soluções ou formas de melhorar
o panorama atual. A princípio, as críticas ao FAP partiram do setor
dos trabalhadores, que, após uma reflexão mais consistente,
reconheceu pontos positivos nessa nova metodologia de
caracterização dos acidentes de trabalho; mas, numa segunda fase,
os adversários surgiram dentro da classe empresarial, somada a alguns
“próceres” da área de Segurança do Trabalho.
Como resultado da resistência da classe empresarial e do capital em assumir suas responsabilidades, o Ministério da Previdência
Social adiou para janeiro de 2010 a entrada em vigor do Fator
145
Previdência e Saúde do trabalhador
Acidentário de Prevenção (FAP), que inicialmente seria adotado a
partir de janeiro de 2009 (BRASIL, 2007c). Alegou-se que o governo
pretendia aperfeiçoar a metodologia para a definição das alíquotas
do Fator Acidentário, que passariam a incidir sobre a contribuição
das empresas à previdência social. O adiamento, segundo o ministro
da Previdência, foi decidido para aguardar a finalização dos trabalhos
da Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho e para
ampliar as discussões nas demais comissões pertinentes. Ao menos
essa nova metodologia tem o condão de trazer à superfície um tema
que antes parecia ser proibido: o descaso com a política nacional de
combate aos acidentes de trabalho.
Com a entrada em vigor do NTEP, houve um aumento
significativo do número de doenças e acidentes de trabalho notificados
junto ao INSS. De 2006 para 2007, aproximadamente 141 mil novos
acidentes de trabalho foram registrados (BRASIL, 2007b), conforme
mostra a Tabela 2:
TABELA 2 – Número de acidentes de trabalho – Brasil 2006/
2007
Acidentes de trabalho
em 2007
653.090
Acidentes de trabalho
em 2006
512.232
Aumento em números
absolutos
140.858
Aumento em
percentual
27,50%
Acidentes de trabalho
em 2007 Estado de SP
232.364
Acidentes de trabalho
em 2006 Estado de SP
191.426
Aumento em números
absolutos
41.499
Aumento em
percentual
22%
Acidentes de trabalho
em 2007
Intermediários
Financeiros
9269
Acidentes de trabalho
em 2006
Intermediários
Financeiros
7867
Aumento em números
absolutos
Aumento em
percentual
Acidentes de trabalho
em 2007
653.090
Acidentes de trabalho
em 2006
512.232
Aumento em números
absolutos
140.858
Fonte: Brasil (2007b).
146
1402
18%
Aumento em
percentual
27,50%
Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias
Ressalta-se que, para registros de acidente de trabalho, o
Ministério da Previdência Social considera a ocorrência envolvendo
os empregados com carteira assinada, os quais corresponderam a um
universo de 36.421.009 contribuintes/segurados em 2007 (BRASIL,
2007b).
Ainda com base nos dados da Previdência Social, observa-se
um aumento significativo de doenças do trabalho notificadas, dentre
elas as doenças osteomusculares que atingem os trabalhadores,
especificamente as tenossinovites, lesões do ombro e a dorsalgia,
compondo o quadro da síndrome conhecida como LER/DORT.
TABELA 3 – Números de afastamento do trabalho segundo a
maior incidência (2006/2007)
Grupos da CID-10
M65 – Sinovite e Tenossinovite
M75 – Lesões do ombro
F43 – Reações ao estresse grave
F32 – Episódios depressivos
M54 - Dorsalgia
2007
2006
22.217
18.896
5.170
3.560
50.706
9.845
7.191
3.037
Zero
16.773
Fonte: Brasil (2007b).
É importante destacar o aparecimento da CID F-32 –
episódios depressivos –, com 3560 casos registrados em 2007 e
nenhum em 2006. Com a introdução do NTEP, o grupo F-32 da
CID-10 passou a ser caracterizado como acidente de trabalho na
categoria bancária, em função da grande ocorrência de casos nesse
setor. O aumento do número de acidentes de trabalho registrados
nas Tabelas 2 e 3 também pode ser atribuído à introdução do NTEP,
que, ao inverter o ônus da prova, caracteriza o acidente de trabalho
147
Previdência e Saúde do trabalhador
mesmo quando o empregador não emite a CAT. Para se ter ideia do
impacto dessa mudança, tem-se o seguinte: TABELA 4 – Quantidade de Acidente de Trabalho com ou sem
CAT emitida (2007)
Acidente de Trabalho com CAT emitida
514.135
Acidente de Trabalho sem CAT emitida
138.955
Fonte: Brasil (2007b).
As estatísticas apresentadas pela Previdência Social (BRASIL,
2007b) revelam que a questão dos acidentes de trabalho é um
problema social e que só será resolvido com a introdução de políticas
públicas de Estado que valorizem a prevenção e a promoção da saúde
dos trabalhadores em todos os ambientes de trabalho. Essa meta,
por sua vez, só será alcançada com o cumprimento da legislação
referente à fiscalização e à vigilância dos ambientes de trabalho, com
a participação decisiva dos sindicatos no processo de vigilância dos
ambientes e na organização do trabalho e, por fim, com a
regulamentação do Fator Acidentário de Prevenção – FAP, que visa
a taxar os setores da economia que mais adoecem os trabalhadores.
O INSS apontou que mais de 138 mil benefícios acidentários
foram concedidos sem a emissão de CAT por parte das empresas
(BRASIL, 2007b). Tais dados reforçam a real intenção dos
empregadores em manter a subnotificação das doenças relacionadas
com o trabalho, com o objetivo de não assumir responsabilidade civil
diante do acidente de trabalho. Esse fato é agravado pela inexistência
de qualquer tipo de punição, por parte da Previdência Social, às
empresas que não emitem CAT. Prova-se que a subnotificação é muito
grande para os casos em questão.
148
Fernando Luiz Borges - Laerson Vidal Matias
Apesar de inúmeros problemas, a introdução do Nexo
Epidemiológico revela um grande avanço na concessão de benefício
acidentário. O método deve ser mantido e aprimorado pela
Previdência Social em conjunto com a comissão interministerial que
acompanha a implementação e a execução da nova metodologia. Vale
lembrar, entretanto, que esse método volta-se apenas aos
trabalhadores formais, e sabe-se que isso representa menos da
“metade” do problema, se forem considerados os trabalhadores
precarizados, terceirizados e quarteirizados, que são submetidos a
condições ainda mais perversas de trabalho.
Referências
BRASIL. Decreto nº 6.042 de 12 fev. 2007. Altera o regulamento
da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio
de 1999, disciplina a aplicação, acompanhamento e avaliação do
Fator Acidentário de Prevenção – FAP e do Nexo Técnico
Epidemiológico e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13
fev. 2007a. Seção 1, p. 2.
_____. Boletim Estatístico da Previdência Social ano de 2007.
Disponível em: <http://www.previdenciasocial.gov.br/
pg_secundarias/previdencia_social_13_05-A.asp>. Acesso em: 12
abr. 2009, 2007b.
_____. Decreto nº 6.257 de 19 nov. 2007. Altera a redação dos arts.
4o e 5o do Decreto no 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, que altera o
Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048,
de 6 de maio de 1999, disciplina a aplicação, acompanhamento e
avaliação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP e do Nexo
Técnico Epidemiológico. Diário Oficial [da] República Federativa
149
Previdência e Saúde do trabalhador
do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 nov. 2007c. Seção 1, p.
8.
_____. Lei nº 8.212 de 24 jul. 1991. Dispõe sobre a organização da
Seguridade Social, institui Plano de Custeio e dá outras providências.
Brasília. 1991. Presidência da República: Casa civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L8212cons.htm>.
Acesso em: 06 maio 2009.
_____. Lei nº 8.213 de 24 jul. 1991. Dispõe sobre os planos de
benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília,
1991. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Seção 1, p. 14809.
_____. Lei n. 10.666 de 08 maio 2003. Dispõe sobre a concessão
de aposentadoria especial ao cooperado de cooperativas de trabalho
ou de produção e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 maio 2003.
Seção 1, p. 1.
FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Boletim de Pneumologia
Sanitária, v. 9, n. 2, jul./dez. 2001. Disponível em: <http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/bps_ vol09nr2.pdf#page=57>.
Acesso em: 12 fev. 2008.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à Saúde do
Trabalhador. São Paulo: LTr, 1996.
150
POLÍTICA SOCIAL E CONTROLE SOCIAL NO
ESTADO CAPITALISTA TARDIO
ALFREDO BATISTA
[...] o que está em causa não é se produzimos ou não sob
alguma forma de controle, mas sob que tipo de controle;
dado que as condições atuais foram produzidas sob o “férreo
controle” do capital que nossos políticos pretendem perpetuar
como força reguladora fundamental de nossas vidas.
(MÉSZÁROS, 1987, p. 23)
Tratamos, neste capítulo1, a questão da temática Política Social e sua relação com os Conselhos de Direito, mediada por elementos
de controle social, como uma problemática que tem sua raiz no século
XIX, em particular, a partir da segunda metade desse espectro temporal e com demarcação espacial – a Europa. No entanto, no Brasil,
somente a partir da Constituição Brasileira de 1988 é que se inicia
uma possível vivência experimental de largo alcance.
1
Este capítulo é parte constitutiva dos conteúdos apresentados na palestra “Política
social, controle social e Conselhos de Saúde: possibilidades e limites”, proferida em
mesa redonda realizada como parte do Projeto de Extensão “Trabalho, educação e
saúde: formação permanente de profissionais e usuários da saúde pública”.
Informamos que, no presente texto-artigo, algumas das reflexões fazem-se presentes
na Tese de Doutorado intitulada A questão social e as refrações no Serviço Social brasileiro na
década de 1990, defendida pelo autor deste texto na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, em outubro de 2002.
151
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Para tratarmos dessa relação estabelecida entre Estado e
sociedade civil por meio das estruturas constituídas em processos
permanentes de disputa de projetos societários, entendemos que
pautar a materialidade da relação capital/trabalho e da centralidade
da categoria trabalho, neste processo, é parte constitutiva da nossa
exposição e análise.
Partimos da premissa que relações concretas materializadas
no cotidiano dos seres sociais constroem, no tecido da sociedade
civil, diferentes formas de Estado. Nesse espaço permeado por
contradições, modelos de projetos societários movimentam-se e, em
momentos específicos, datados, entram em processo de disputas,
ganhando legitimidade. Verificamos, nos resultados e registros na
história, que o projeto que domina materialmente também domina
ideologicamente (MARX, 1986).
Sob esta base concreta, o Estado de Direito ganhou expressão
e tem, durante os séculos XIX, XX e início do XXI, demarcado, em
particular no Brasil, diferentes momentos de expressão, prevalecendo,
em seu percurso temporal, larga extensão da prática do Estado sob a
ausência dos direitos políticos (CARVALHO, 2001; FERNANDES,
1989). É sob esta fundamentação que iremos expor nossa
contribuição neste capítulo. Em primeiro lugar explicitaremos
elementos ontológicos que orientam nossa argumentação na direção
de que o trabalho é a fonte de toda riqueza humana, porém, o trabalho
é mais do que esta dimensão humana efetivada desde os primórdios
do processo civilizatório. Para Engels (1985b), o trabalho é
compreendido como elemento cêntrico que cria o próprio homem.
Conforme apresenta Lukács (1979b; LUKÁCS in KOFLER, 1969),
o trabalho é a protogênese da existência humana. Sob esta orientação,
em seguida, abordaremos como se funda, na sociedade produtiva e
reprodutiva capitalista, um projeto societário e como os protagonistas
152
Alfredo Batista
deste projeto têm demarcado o entendimento dos resultados efetivos
de criação de um tipo histórico de sociabilidade.
Para finalizar, apresentaremos, sob a perspectiva analítica,
portanto crítica, a política social, entendendo-a como uma construção
no interior da sociedade burguesa, permeada por elementos de
controle social, em específico, os conselhos de direito que, na condição
de instrumentos de controle, efetivam o processo no cotidiano
presente, dando amplitude à participação de diferentes instâncias
representativas da sociedade civil, reduzindo o poder do Estado e
atribuindo aos sujeitos históricos o papel de fazer a história e não de
sofrer a história. É neste horizonte que, nos marcos da democracia
liberal ou liberal democracia, temos registrado um verdadeiro campo
de possibilidades em construir o novo a partir do velho, no tempo
presente.
Objetivações entre capital e trabalho: a centralidade da categoria
trabalho
A relação de intercâmbio material existente historicamente
na esfera denominada civilização entre os homens e a natureza é
uma batalha interminável. Cada ação que o ser social realiza,
transforma-o, e cria um campo de possibilidades para ultrapassar os
limites do ser singular em direção ao genérico.
O ser social é um complexo cuja
reprodução se encontra em múltiplas e variadas
inter-relações com o processo reprodutivo dos
complexos parciais relativamente autônomos,
porém onde a totalidade exerce sempre uma
influência predominante no interior dessas
relações (LUKÁCS, apud LESSA, 1995).
153
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Nesse sentido, os homens, atuando “sobre a natureza externa
e modificando-a, ao mesmo tempo modificam sua própria natureza.
Desenvolvem as potencialidades nelas adormecidas e submetem ao
seu domínio o jogo das forças naturais” (MARX, 1975, p. 202).
Esse movimento, determinado historicamente em seu tempo
e espaço, cria condições simples e complexas para que os homens,
paulatinamente, diferenciem-se dos animais e os resultados possam
criar um campo concreto de afastamento, de distanciamento do seu
ser natural. Esse processo diferencial é que traz, como elemento central, o trabalho humano como “a única forma existente de um ser
finalisticamente produzido que funda, pela primeira vez, a
especificidade do ser social” (LUKÁCS, 19-?, p. 3)2. Os homens, a
partir desta determinação primeira, criam relações sociais3. Conforme
Lukács (1979a, p. 141), “quando uma relação existe, ela existe para
mim; o animal não “tem relações” com algo ou, mesmo dizendo não
tem absolutamente nenhuma relação. Para o animal suas relações
com outros não existem como relações”.
Ao relacionar-se com a natureza, a relação mais natural,
direta, é do homem com o homem, e quando o homem relaciona-se
com a mulher. De acordo com Marx (1985, p. 7), “nesta relação
aparece, pois, de maneira sensível, reduzida a um fato visível, em
que medida a essência humana se converteu para o homem em
natureza ou a natureza tornou-se a essência do homem”.
2
Para Lukács, a história é um campo de batalha, um campo que põe possibilidades.
Dessa forma, o trabalho não é percebido e entendido como a categoria primeira que se
põe no movimento da história.
3
Este momento é diferencial na constituição do homem como ser social, pois marca,
desde o início, a sua diferenciação com os animais não humanos.
154
Alfredo Batista
Nesse momento, abrem-se as possibilidades dos homens
iniciarem o processo de humanização do mundo. Tal processo cria
aos homens condições concretas de se colocarem desafios e
necessidades, as quais, no cotidiano, exigem que sejam resolvidas.
Assim, os homens, repletos de possibilidades, são
materializados historicamente sob a estrutura de uma determinada
base produtiva, cujas ações humanas objetivam-se lógica e
historicamente, presente nos diferentes momentos da construção
humana e também no interior dos particulares modos de produção.
Essa relação, que não se manifesta de forma mágica, para ser colocada
em movimento, necessita de que algo a impulsione.
Direta e indiretamente, é o trabalho humano que
possibilita o processo de produção no momento
em que se age sobre um determinado objeto de
trabalho. Marx, partindo de pressupostos
ontológicos, nos coloca diretamente em relação
à categoria social trabalho. Mas, não é qualquer
trabalho, é trabalho humano dotado de
consciência e força. [...] O trabalho humano é
consciente e proposital, ao passo que o trabalho
dos outros animais é instintivo (BRAVERMAN,
1981, p. 50).
Na visão de Lukács (1989, p. 16), “o trabalho dos animais,
não humanos, é realizado por instinto e não apreendidos, enquanto
que o homem age com consciência. O homem, ao agir com
consciência, [...] reflete a realidade e adquire certo grau de
possibilidade”. O trabalho permite dar finalidade à sua ação antes
de iniciá-la. “A teleologia, [...] por sua própria natureza, é uma
categoria posta: todo processo teleológico implica uma finalidade e,
portanto, numa consciência que estabelece um fim” (Ibid., p. 5).
155
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
É o trabalho humano que possibilita o processo de produzir,
pois, ao realizar tal façanha, ocorre o movimento de objetivação sob
determinado objeto que está presente em qualquer matéria, e “todas
as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com
seu meio natural constituem objetos de trabalho, fornecidos pela
natureza” (MARX, 1975, p. 203). Essa relação estabelecida entre os
homens e a natureza, somente o trabalho humano, num primeiro
momento, pode colocar em movimento e retirar o objeto da sua
situação estagnada e transformá-lo, e, ao mesmo tempo, ser
transformado por ele.
Para realizar o processo de intervenção e transformação é
necessário que algo mediador interfira neste universo4; entra em cena
o instrumento de trabalho, entendido como sendo “uma coisa ou um
complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto
de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre o objeto”
(Ibid., p. 203). Isso significa que o homem, por exemplo, por meio do
trabalho individual ou coletivo, utiliza-se da ferramenta para cortar a
árvore. A ferramenta, instrumento de trabalho, é aqui nominada como
meio de trabalho e este é o conduto, a mediação entre o homem que
trabalha e o objeto. O grau de determinações simples ou complexas
4
Historicamente, os homens foram percebendo e vivenciando em suas ações cotidianas
que o trabalho, na forma natural, possuía limites. O corpo humano, ao expressar-se
em suas dimensões físicas e psíquicas como uma máquina que se move pela motricidade,
apresentou, historicamente, o esgotamento de suas dinamicidades. Os instrumentos
de trabalho operacional presente no corpo humano eram limitados. Assim, os homens
precisam continuamente, para que dominem a natureza e coloquem-na ao seu serviço,
objetivar-se por meio da construção de instrumentos de trabalho que vão além da
elasticidade do trabalho humano. Este processo ocorre historicamente enquanto
dimensão emancipadora ou negadora do homem, conforme ele se põe como homem
na sociedade.
156
Alfredo Batista
de um instrumento de trabalho indica “o grau de desenvolvimento
das forças produtivas e as condições sociais sobre as quais o trabalho
se realiza” (Ibid., p. 203; LUKÁCS, 1989, p. 26). Marx ainda
acrescenta que
[...] o homem foi definido como o animal que
constrói os seus próprios utensílios. É correto,
mas é preciso acrescentar que construir e usar
instrumento implica necessariamente, como
pressuposto imprescindível para o sucesso do
trabalho, [...] que o homem tenha domínio
sobre si mesmo (LUKÁCS apud KOFLER,
1969, grifo nosso).
Mas, o domínio dos homens sobre si mesmos só é possível se
tiverem condições concretas para exercer o livre arbítrio, o que não
ocorreu/ocorre com o desenvolvimento e efetivação do modo de
produção capitalista em que os seres sociais, pertencentes às classes
sociais deter minantes, agiam/agem cotidianamente sob a
arbitrariedade do mercado. As suas escolhas não são possíveis de
serem explicitadas no campo das alternativas, pois são escolhas
determinadas socialmente, por meio dos princípios racionais e
irracionais do projeto societário burguês. Para a verificação do
movimento dessa lógica, é necessário compreender, entender e analisar
como a força de trabalho movimenta-se nas dimensões objetiva e
subjetiva, constr uídas e/ou negadas nos diferentes campos
particulares na relação intrínseca com o capitalista.
157
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
O processo de trabalho em mutação: conceitos e categorias
Resgatando as imbricações que envolvem os elementos que
fazem parte do processo de trabalho, identifica-se, na produção de
qualquer produto, a participação de três componentes centrais: a
matéria-prima, os instrumentos de trabalho e o trabalho 5. Os dois
primeiros componentes são denominados meios de produção, os
quais, no sistema capitalista, estão sob o domínio da classe burguesa.
Na condição de meios de produção, a matéria-prima e os
instrumentos de trabalho participam na produção das mercadorias;
no entanto, desempenham papéis diferenciados na composição do
produto final. Isto porque, a partir do momento em que se inicia a
produção de uma determinada mercadoria, até o final de sua produção,
tanto a matéria-prima como o instrumento de trabalho participam
desse processo sofrendo transformações. Esta relação realizada pelo
homem, por meio de determinada quantidade de força de trabalho,
implica no processo possível de realizar uma possível transformação
nas relações, isto é, sujeito e objeto são transformados.
De um lado, a matéria-prima, em sua forma inicial, sofre
transformações. E ao transformar-se, incorpora-se na mercadoria,
no produto final e assume uma outra forma. “A matéria-prima
constitui a substância do produto, mas muda sua forma. Matériaprima e materiais acessórios perdem a figura com que entraram no
processo de trabalho como valores-de-uso” (MARX, 1975, p. 228).
5
O trabalho é o componente principal na materialização do processo de trabalho, pois,
“ao converter o trabalho, por meio da troca, em um de seus elementos materiais,
somente se aprecia uma diferença substancial entre o trabalho e os demais elementos
objetivos do capital, é que o trabalho reveste uma forma de atividade, enquanto que os
outros elementos aparecem em estado de repouso” (MARX, 1985, v. 1, p. 344).
158
Alfredo Batista
Porém, adquirem uma nova forma enquanto valor agregado. Por outro
lado e, ao mesmo tempo, no processo, o instrumental de trabalho, ou
meio de trabalho, não se incorpora ao produto e, além de não se
incorporar, desgasta-se em sua utilização.
Segundo Marx (Ibid., p. 228), “uma ferramenta, uma máquina,
um edifício de fábrica, um recipiente só são úteis ao processo de
trabalho”. Trazendo nossa reflexão para o cotidiano, tomemos como
exemplo a construção de cadeiras no processo de trabalho. No
momento em que a madeira é transformada, pelo e através do trabalho
vivo, em cadeira, ela perde a forma que tinha no início do processo
de produção. A cadeira, enquanto produto, expressa uma nova forma
de madeira. Ou seja, o produto cadeira incorporou a matéria-prima,
enquanto os instrumentos de trabalho que agiram sobre a matériaprima, madeira, não adquiriram uma nova forma no produto final
cadeira; ao contrário, todos os dias, entram e saem com a mesma
forma. O que ocorre com os instrumentos de trabalho não é a
transformação da forma inicial e sua incorporação no produto final.
No entanto, ocorre um desgaste dos instrumentos de trabalho. Tanto
a matéria-prima como os instrumentos de trabalho, apesar de se
diferenciarem no processo de produção, trazem algo em comum no
processo de valorização do produto, isto é, ambos transferem valor.
Dessa forma, pode-se dizer que os meios de produção não
criam valor, mas transferem valor ao produto, pela incorporação da
matéria-prima e pelo desgaste dos instrumentos. É a utilização da
força de trabalho na produção de mercadorias que possibilita aos
meios de produção transferir valores ao produto final. Isso ocorre
porque, durante o processo de trabalho, os meios de produção
apresentam, em sua forma original, um valor de uso que é de
propriedade do capitalista. Para que os meios de produção possam
realizar-se, é necessário que os capitalistas adquiram uma determinada
159
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
quantidade de trabalho no mercado e a coloquem em movimento
todos os dias. Esse ritual permite que os meios de produção ganhem
outras dimensões durante o processo de trabalho e o capitalista
obtenha, no final do processo, um produto. No decorrer do processo
de produção, ocorre uma transformação da forma inicial da matériaprima, que será incorporada ao produto final enquanto um valor
agregado. Ao mesmo tempo, os instrumentos de trabalho terminam
o processo final de produção de forma diferenciada de como entraram
no produto, isto é, não o instrumento, mas o seu desgaste. Assim, o
desgaste provocado no instrumento não é agregado ao produto, mas
transferido.
Nesse mesmo processo, como parte determinante, é fundamental que se ressalte a centralidade do trabalho humano. Este possui
uma dupla natureza em um mesmo tempo. Em primeiro lugar, o
trabalho humano é a fonte principal – na condição de força de trabalho
– que, por meio do desgaste de energia, músculos e cérebros, produz
certa quantidade de produtos. Ao atingir o estatuto de produto final,
este incorpora, por meio do trabalho, valor. Isto é, os homens, com
sua força de trabalho, criam valor, que é apropriado pelo capitalista
enquanto trabalho excedente, quer dizer, não pago. Ao mesmo tempo,
uma segunda determinação está presente: o mesmo trabalho que cria
excedente agrega, no produto final, valores advindos dos meios de
produção (Ibid.).
Dessa forma, os meios de produção comportam-se no
processo como sendo a parte que não produz valor. O máximo que
se realiza é a agregação de valores. É a parte do processo que não
muda, isto é, sua incorporação e seu desgaste são expressos no
produto final não como valor criado, mas como valor transferido. A
esta parte do processo, Marx denominou “capital constante”. “A parte
do capital, portanto, que se converte em meios de produção, isto é,
160
Alfredo Batista
em matéria-prima, materiais e acessórios e meios de trabalho, não
muda a magnitude de seu valor no processo de produção” (Ibid., p.
224).
No entanto, a parte do produto final expressa na dimensão
de capital fixo somente é retirada da sua condição de repouso se o
trabalho for acionado. É neste momento que o capitalista, na esfera
do mercado, adquire por um tempo determinado a mercadoria força
de trabalho ou capacidade de trabalho, que, para Marx (Ibid., p. 187),
é o “conjunto das capacidades físicas e mentais, existente no corpo e
na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação
toda vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie”. Sem a
presença da força de trabalho, o capital constante permaneceria em
sua forma inicial, não criaria campos de possibilidades para que a
relação homem/natureza saísse do estágio natural6. É a força de
trabalho – expressão conceitual particular ao se tratar do modo de
produção capitalista – que permitirá expressar no ente e no ser de
cada objeto – produto ou mercadoria – sua substância presente em
todos os valores-de-uso.
Durante o processo de produção, toda mercadoria, ao
expressar seu valor-de-uso, possui uma vinculação relacional entre o
homem e a coisa. Nesse sentido, “o valor-de-uso de cada mercadoria
representa determinada atividade produtiva subordinada a um fim,
isto é, um trabalho útil particular” (Ibid., p. 49). Essa subordinação
teleológica do trabalho é que faz o homem diferenciar-se dos animais,
distanciando-se destes, a cada ato que realiza do estágio do homem
natural. Os homens são únicos seres sob essa condição ontológica.
Somente os homens colocam o pôr teleológico. Fundamentando esta
6
A parte do capital convertida em força de trabalho, ao contrário, muda de valor no
processo de produção. Reproduz o próprio equivalente e, além disso, proporciona
um excedente, a mais-valia, que pode variar, ser maior ou menor.
161
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
condição ontológica humana e não pertencente ao qualquer outra
particularidade de ser, Marx dimensiona o distanciamento real
existente entre o ser animal não humano e o humano, dizendo que
[...] uma aranha executa operações semelhantes à
do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto
ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o
pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura
na mente sua construção antes de transformá-la
em realidade (Ibid., p. 202).
O pôr teleológico, a ação finalística apresentada pelos seres
sociais, coloca o ser de dimensão social e humana em condição
privilegiada e diferenciada em relação aos demais seres. Somente os
homens podem emancipar-se individual e coletivamente, por isso,
toda e qualquer produção humana é social. Portanto, a saída histórica
na construção, no desenvolvimento e na efetivação de uma nova
sociedade emancipada só é possível coletivamente, e é esta
particularidade que o trabalho possui, pois só ele cria a possibilidade
de os homens emanciparem-se enquanto seres genéricos.
Porém, para o capitalista, os valores-de-uso produzidos só
representam algum significado se forem direcionados para o mundo
do mercado, quer dizer, se forem trocados por outras mercadorias. É
necessário adquirirem for ma social. Caso esse caminho seja
interrompido, essa construção esgota-se em si mesma. Nesse sentido,
os valores-de-uso são veículos materiais de valores-de-troca, isto é,
ao tornarem-se sociais, possibilitam a ocorrência de trocas por outras
mercadorias. “Para criar mercadoria, é mister não só produzir valorde-uso, mas produzir para outros, dar origem a valor-de-uso social”
(Ibid., p. 48).
162
Alfredo Batista
Adquirindo origem social, as mercadorias expressam-se no
mercado com determinadas características que as colocarão em
condições de troca. Na troca, as mercadorias (enquanto valores
equivalentes ou valores relativos), possuem certas qualidades de
valores-de-uso que desaparecem no momento da troca, ficando
somente na relação com a quantidade produtiva nelas presente. Esta
quantidade não possui uma determinação horizontal e eterna, mas
varia no tempo e no espaço conforme o desenvolvimento dos meios
de produção e das forças produtivas.
Desaparecendo as qualidades das mercadorias, trabalho concreto, estas, enquanto valores-de-troca, expressam, no mercado, suas
quantidades, isto é, trabalho humano abstrato, materializado no
produto. E por apresentarem-se como valores-de-troca na dimensão
do trabalho social abstrato, as mercadorias podem ser trocadas umas
pelas outras quantas vezes forem necessárias: em um determinado
momento, com valores equivalentes, em outro, com valores relativos.
Isto enquanto o mercado apresentar mercadorias com propriedades
de valores-de-uso. Uma mercadoria A relaciona-se com uma
mercadoria B, efetivando-se uma troca simples. Mas, uma mercadoria,
para ser lançada no mercado, deve relacionar-se, enquanto troca, com
infinitas outras mercadorias oferecidas, independentes da sua espécie,
pois,
[...] nenhuma mercadoria se relaciona consigo
mesma como equivalente, não podendo
transformar seu próprio corpo em expressão de
seu próprio valor, tem ela de relacionar-se com
outra mercadoria, considerada equivalente, ou
seja, fazer da figura física de outra mercadoria
sua própria forma de valor (Ibid., p. 65).
163
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Todo esse processo ocorre com todos os homens em suas
ações cotidianas, mas não aparece de forma transparente. No
momento da troca, os homens não percebem que estão trocando
trabalho concreto: trabalho que apresenta qualidade, imbuído da
criatividade humana. Nesse sentido, o que os homens trocam aparece
como coisas, e estas assumem o papel determinante, escondendo,
assim, as relações sociais existentes na transação. A relação entre as
coisas passa a ser reconhecida como relações sociais, e as relações
sociais aparecem como coisas.
É no momento da troca que o valor se expressa. É neste
momento que certa quantidade de trabalho abstrato, enquanto
excedente, aparece em sua liquidez e vai para as mãos de um
determinado capitalista. Este valor, que só aparece no momento da
troca das mercadorias, esconde, no decorrer da transação, a sua
substancialidade, sua magnitude e sua forma. Essas propriedades
não aparecem claramente para quem está trocando, mas ganham outras
dimensões, aparecem como uma relação fetichizada.
A mercadoria é misteriosa simplesmente por
encobrir as características sociais do próprio
trabalho dos homens, apresentando-as como
características materiais e propriedades sociais
inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar,
portanto, a relação social entre os trabalhos
individuais dos produtores e o trabalho total, ao
refleti-la com relação social existente, à margem
deles, entre os produtos do seu próprio trabalho
(Ibid., p. 81).
Na condição de relação fetichizada, coisificada, os homens
realizam-na entre si sem tal discernimento. Apesar de estarem trocando
164
Alfredo Batista
seus produtos “sem saberem o que estão fazendo”, há uma relação
entre os homens, pois, sabendo ou não, querendo ou não, no processo
de troca, algo comum está presente na mercadoria como expressão
de valor equivalente ou valor relativo. Trata-se da presença de trabalho
humano. Mesmo “se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria,
só lhe resta ainda uma propriedade: a de ser produto do trabalho”
(Ibid., p. 44).
Por apresentar trabalho humano, o valor é intrínseco em toda
mercadoria, porque toda mercadoria é fruto do produto do trabalho
humano que, na troca, coloca-se como trabalho humano abstrato.
“O valor, ao contrário do valor-de-troca, é uma propriedade inerente
à mercadoria porque nesta está contida trabalho humano abstrato, e
este por sua vez uma propriedade comum a todas as mercadorias”
(Ibid., p. 451).
Assim, o valor é comum a todas as mercadorias, porque, para
que haja trocas, é necessário que o valor-de-uso apresente-se em
quantidades diferentes no mercado, e esta designação revela, em seu
conteúdo, uma quantidade determinada de trabalho socialmente
necessário. Quer dizer, “o tempo de trabalho requerido para produzirse um valor-de-uso qualquer, nas condições de produção socialmente
normais existentes e com o grau social médio de destrezas em
intensidade de trabalho (Ibid., p. 46).
Esse trabalho socialmente necessário, na troca, apresenta-se
como trabalho socialmente abstrato. E, por ser abstrato, parte do
trabalho é utilizado para pagar a força de trabalho (trabalho
necessário), e parte é apropriado pelo capitalista (trabalho excedente),
fator que lhe possibilita acumular capital. O trabalho excedente é
uma quantidade de trabalho não pago.
Este recurso – produção de trabalho necessário e excedente
– é um processo realizado por diferentes forças de trabalho que se
165
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
expressam no decorrer do processo de trabalho e de produção das
relações sociais. No entanto, algo místico paira sobre esta relação: o
fetichismo da mercadoria que, ao apresentar-se no mercado, está
imbuída de certa quantidade de trabalho humano abstrato para ser
trocada. Por que ela aparece sob a forma de trabalho abstrato e não
como trabalho concreto? Por uma razão muito especial: no momento
da transação, a relação existente apresenta-se de forma fetichizada,
e por apresentar-se desta forma, o comprador e o vendedor abstraem
todas as qualidades que existem no conteúdo das mercadorias,
celebrando uma relação entre coisas. O que prevalece, enquanto
possibilidade de troca no mercado, não é quem produz acompanhado
de suas qualidades criativas, mas o que se produz. E no ato da troca,
o que se produz resume-se a quantidades de valores. As coisas
assenhoram-se e tornam-se sujeitos enquanto as pessoas escravizamse, subordinam-se e são reconhecidas como predicados em todos os
sentidos. “Este salto é mortal”. Aparece uma dada relação que,
fetichizada, esconde as relações sociais que estão presentes em cada
mercadoria. Isto é, trabalho humano concreto. Aparecem os homens
relacionando-se entre si, não como pessoas, mas como propriedades
das coisas. Desaparece todo o processo da construção entre homens,
e aparece o mundo das coisas. As coisas aparecem configuradas como
relações sociais, e as relações sociais aparecem como relações entre
coisas. Sob a lógica da razão instrumental, as relações de produção
atribuem uma forma social às coisas, “pelas quais e através das quais
as pessoas mantêm essa dada relação” (RUBIN, 1987, p. 38), e,
mesmo que ela seja interrompida, “as coisas se apresentam como
uma forma social determinada, fixada, começam por sua vez a
influenciar as pessoas, moldando sua motivação e induzindo-as a
estabelecer relações de produção concretas uma com as outras” (Ibid.,
p. 38).
166
Alfredo Batista
Essa forma social determinada, fixada na produção e na
circulação, põe-se na condição de materialização das relações de
produção. Os homens relacionam-se uns com os outros e o produto
dessa relação final é a sua materialização específica 7. E, no
capitalismo, ao materializar-se em relação, confere-lhe uma
determinada forma social. É neste momento que as coisas ganham
uma dada personificação. Os homens reconhecem os outros não pelo
que são, mas pelo que eles possuem ou fazem. As relações sociais
aparecem como coisas, fetichizadas, e ao realizarem-se como fetiche,
elas se apresentam, em todo o processo, estranhas aos produtores. E,
ao personificar as relações, ocorre uma reificação das pessoas, criandose uma aparente contradição entre a “reificação das pessoas” e a
“personificação das coisas”. “Dos dois aspectos mencionados do
processo de produção, apenas o segundo – ‘personificação da coisa’
– permanece na superfície da vida econômica e pode ser diretamente
observado (Ibid., p. 39).
Porém, para que este universo pudesse ser construído no
cotidiano, necessitou-se que a força de trabalho estivesse à disposição
no mercado. Assim,
[...] quando os grandes donos das terras inglesas
per mitiram a seus ser ventes que antes
consumiam uma parte da produção excedente
arrancando da terra, ao par que seus arrendatários
expulsavam das suas terras os campesinos,
7
“Por materialização das relações de produção entre as pessoas, Marx entendia o
processo através do qual, determinadas relações de produção entre pessoas (por
exemplo, entre capitalistas e operários) conferem uma determinada forma social ou
características sociais, as coisas através das quais as pessoas se relacionam uma com as
outras (por exemplo, a forma social do capital)” (RUBIN, 1987, p. 35).
167
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
lançando no mercado de trabalho uma massa de
forças de trabalho que ficavam livres em dois
sentidos: livres das velhas relações de clientela,
servas e dependentes, e livres também de todos
os seus bens, de toda forma de existência objetiva
e material, livres de toda propriedade e, portanto,
obrigados a vender sua capacidade de trabalho
ou a dedicar-se na mendicância, à vagabundagem
ou ao roubo, para poder subsistir (MARX, 1985,
p. 363).
Essa conquista foi fundamental para os donos do capital e
representou um fator determinante no processo de produção, pois a
força de trabalho é o único elemento no processo de produção que
cria valor8 e, no estado de potência, é fonte viva do valor.
Sob esta forma de se relacionar e da necessidade imediata, o
modo de produção capitalista traz uma peculiaridade que o diferencia
radicalmente dos modos de produção anteriores. É necessário que
exista um determinado número de pessoas “livres” e despossuídas
para oferecerem seus trabalhos. A subsunção formal inicia-se neste
momento. A partir daí, os homens colocam-se no mercado para
venderem sua força de trabalho, suas energias, registrando sua
dependência como operários.
Ao vender seu trabalho ao capitalista, o operário
adquire somente o direito em obter o preço do
trabalho, porém não o produto deste trabalho
8
“O trabalho, é certo, apresenta primeiramente uma relação de negatividade com
respeito a si mesmo, é o trabalho ainda não objetivado, quer dizer, carente de objeto e
que possui, portanto, uma existência meramente subjetiva. Portanto, ainda que o
trabalho careça de objeto, é uma atividade; pode não ter um valor por si mesmo,
porém é a fonte viva do valor” (MARX, 1975, p. 203).
168
Alfredo Batista
nele acrescentado por ele. [...] Vender o trabalho
é igual a renunciar a todos os frutos do trabalho.
Portanto, todos os progressos da civilização ou,
dito de outro modo, todo o incremento das
forças produtivas sociais, que são, se você quiser,
as forças produtivas do trabalho mesmo, os
resultados da ciência, dos inventos, da divisão e
combinação do trabalho, os avanços dos meios
de comunicação, da criação do mercado
mundial, da maquinaria, etc., não enriquecem,
consequentemente, aos operários senão ao
capital; somente servem para acrescentar mais e
mais o poder que domina o trabalho; potenciam
somente a força produtiva do capital (Ibid., p.
363).
Por outro lado, não basta ao operário querer vender sua força
de trabalho; é necessário que existam no mercado pessoas que
queiram comprá-la e colocá-la em movimento. Necessita-se da
existência do capitalista9.
Os operários vendem sua força de trabalho para o capitalista,
recebendo, em troca, um salário. Portanto, a apropriação do trabalho
alheio marca a dependência do operário em relação ao capitalista
por um determinado período. Essa apropriação, no entanto, ocorre
não só em relação ao trabalho, mas também da vontade do operário,
9
Neste primeiro momento, os capitalistas se utilizavam não somente da força de
trabalho do operário, mas também de seus instrumentos (muitos operários não
conseguiam colocá-los em movimento devido à concorrência que já existia
no mercado). Num segundo momento, os operários, despossuídos de todos os
bens, inclusive de seus instrumentos de trabalho, resumem-se em uma única
mercadoria: a força de trabalho.
169
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
retirando-lhe sua liberdade – a liberdade de decidir sobre sua vontade
–, reduzindo o seu campo de reflexo em relação a si mesmo e ao
mundo.
De acordo com Lukács (1989, p. 37), “o reflexo correto da
realidade é a condição inevitável para que um dever-ser funcione de
maneira correta; no entanto o reflexo, correto, só se torna efetivo
quando conduz realmente à realização daquilo que deve ser”. Assim,
o operário é expropriado, definhado de todas as determinações que
lhe possibilitem perceber o reflexo correto da realidade e, sob o jugo
do capital, transforma-se em nada.
Esse mecanismo vivo, porém, não é percebido pelo
trabalhador, mas materializa-se a partir da passagem da cooperação
simples para a manufatura e nesta se efetiva. A subordinação do
trabalho em relação ao capital explicita-se concretamente. Mesmo
no interior na velha produção feudal, caracterizada pela cooperação
simples, ensaiavam-se as formas de se colocar o trabalhador
subordinado ao capital. Porém, quando o processo de trabalho
materializou-se, no período manufatureiro, o que eram ensaios,
tentativas, tornou-se realidade. A manufatura dominava o universo
produtivo e social, impondo, naquele momento histórico determinado,
como a relação capital-trabalho deveria ser.
A manufatura foi o passo inicial. O capitalista se aproveitou
das condições existentes, pois não nasce do nada uma nova forma
de subsunção. Existe uma construção anterior que determina a forma
de se relacionar na produção. Há uma separação dos meios de
produção, mas também de decomposição destes, o que leva o
trabalhador, aos poucos, a perder a dimensão do todo e apreender
apenas uma parte do ofício. Neste trilhar antagônico e contraditório
presente nas relações estabelecidas entre classes, porém de forma
embrionária, a manufatura
170
Alfredo Batista
[...] não se limita a aproveitar as condições para
cooperação como as encontra, ela as cria, até certo
ponto, decompondo a atividade do artesão. Por
outro lado, consegue esta organização social do
processo de trabalho apenas aprisionando cada
trabalhador a uma única fração do ofício (MARX,
1975, p. 396).
Nessa fase da subordinação, a relação capital-trabalho ocorre
por meio da produção de valor excedente, por meio da mais-valia
absoluta, quando o capitalista passa a utilizar-se da força de trabalho
do operário o maior tempo possível. Isso lhe possibilita aumentar
constantemente o trabalho excedente. Embora os meios de trabalho
mantenham certa rotatividade, o aumento da mais-valia dá-se na
ampliação das horas de trabalho, inclusive reduzindo os horários de
refeições, e no não cumprimento dos feriados e dos dias santos.
Os operários não assistiram a essa relação de braços cruzados.
Posicionaram-se contrários e lutaram bravamente, em vários
momentos da história, por meio dos movimentos reivindicatórios.
A luta entre o capitalista e o trabalhador remonta
à própria origem do capital. Ressoa durante todo
o período manufatureiro. Mas, só a partir da
introdução da máquina, passa o trabalhador a
combater o próprio instrumental de trabalho, a
configuração material do capital. Revolta-se contra essa forma deter minada dos meios de
produção, vendo nela o fundamento material do
modo capitalista de produção (Ibid., p. 489).
Essa postura do trabalhador em relação ao capital foi-se
complexificando. E os trabalhadores conseguiram, em alguns países,
171
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
a redução da jornada de trabalho, dificultando a ação dos capitalistas
na correlação de força, porém, não conseguiram impedir o movimento
da classe capitalista, que continuou extraindo trabalho excedente e,
se não bastasse isso, colocando em movimento a mais-valia relativa.
Porém, os capitalistas foram, aos poucos, sentindo a necessidade de
criarem mecanismos para alterarem esta relação de desvantagem. Era
necessário dar um salto qualitativo na forma de produzir, ou o modo
de produção capitalista corria o risco de entrar num processo de
estagnação profunda. E a resposta não tardou a ser anunciada, por
meio de ações individuais e coletivas: houve a revolução tecnológica
que, acompanhada pela racionalização e burocratização das relações
de produção e social, possibilitou a superação da mais-valia absoluta,
mas não a extinguiu, pois esta é parte constitutiva de toda produção
social mercantil.
Assim, o aumento da jornada de trabalho e a criação de leis
que beneficiassem os capitalistas colocaram em movimento um
processo de extração de valor por meio da maquinaria. Com o motor
a vapor, fruto da primeira revolução tecnológica, esse mecanismo
“morto” contribuiu para ampliar a apropriação do trabalho vivo e
acumular maior valor excedente. Dessa forma, as máquinas passaram
a controlar os homens, fazendo deles um apêndice dos instrumentos
de produção, pois a única lei que se preservava era a da produtividade,
e de como produzir em um menor espaço de tempo uma quantidade
maior de mercadorias.
Essa posição capitalista foi alcançada devido à primeira
revolução tecnológica, que permitiu reestruturar a forma de produzir,
exigindo que os operários aumentassem a intensidade e a elasticidade
das suas atividades. É a máquina que diz para o operário quanto
tempo é necessário para produzir uma determinada mercadoria. Ao
colocar as potencialidades descobertas a serviço do capital constante,
172
Alfredo Batista
obtendo uma maior lucratividade, o capitalista não só ampliou o ritmo
das atividades, como também as indústrias começaram a ser movidas
em turnos alternados. A verdadeira subsunção real estava posta em
prática. “Na subordinação real do trabalho ao capital efetua-se uma
revolução total (que prossegue e se repete continuamente) no próprio
modo de produção, na produtividade do trabalho e na relação entre
capitalista e operário” (Ibid., p. 89).
O trabalhador, definitivamente, além de perder seus meios
de produção, perde a liberdade de construir seu produto. Há uma
inversão de papéis. O trabalhador é dominado pelo instrumento que
ele mesmo produziu: as dimensões criativas e suas habilidades são
impedidas de serem desenvolvidas. Amplia-se o grau de
embrutecimento dos homens em relação aos próprios homens.
Formata-se nas relações cotidianas, nos diferentes processos de
trabalho, o domínio dos capitalistas no âmbito do capital constante,
ampliando a acumulação e concentração do capital fixo.
A subsunção real é o marco de uma nova forma no interior
do processo de trabalho, dentro de um mesmo modo de produção.
Na subsunção formal, o domínio do capitalista é relativizado: uma
grande parte dos operários vende sua força de trabalho para aquele,
mas possui ainda a possibilidade de manejar instrumentos que são
do seu domínio, permanecendo o processo de trabalho que antes se
procedia. Porém, na subsunção real, o trabalhador perde a liberdade
total, relativizando a sua vontade individual e coletiva. A
preocupação dos capitalistas não foi, em nenhum momento, com o
homem como ser social, humano, que, objetivando suas teleologias
por meio do trabalho, tivesse a possibilidade de libertar-se em direção
à emancipação do meio natural. Os capitalistas somente se
preocuparam em extrair a maior quantidade possível de mais-valia.
Este objetivo central é o que determina a sua forma de ser.
173
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Para atingir este objetivo “promissor”, os capitalistas, por
meio da apropriação do conhecimento científico e tecnológico,
começaram a criar e fabricar máquinas revolucionárias. Com a
introdução das máquinas, ocorreu uma transformação significativa
no processo de trabalho e dos instrumentos de trabalho. Essa
transformação não poderia ocorrer se, ao mesmo tempo, o trabalho
não passasse por uma divisão pormenorizada, que “tem a ver, em
princípio, com a mudança no método de trabalho, mas é afetada,
como também afeta as alterações no instrumental do trabalho”
(PARO, 1991, p. 49). Mas a esfera da organização do trabalho é
também atingida em suas determinações centrais.
Dividir o trabalho em funções pormenorizadas foi um avanço
para os capitalistas e uma “desgraça” para o operário. O capitalista
deixou de se preocupar, em parte, com o trabalho individualizado. E
conseguiu, por meio de treinamentos, adequar o trabalho a diferentes
funções dentro da fábrica. Com essa possibilidade posta na ordem
do dia, o capitalista adquiriu vantagens desde o momento da compra
da força de trabalho. Assim, foi necessário comprar apenas uma força
de trabalho que tivesse o conhecimento de todo o processo de
produção. Considerando que o mercado dispõe de um grande e
qualificado exército de trabalhadores, “com a divisão pormenorizada
do trabalho, torna-se possível comprar separadamente, de diferentes
possuidores, o tipo de capacidade de trabalho requerida para cada
elemento do processo” (Ibid., p. 53).
Sob essas condições materializadas no mercado, o resultado
para o capitalista é certo: aumento exponencial do lucro 10 E realizar
10
Por apresentar uma maior redistribuição do trabalho, é possível encontrar a qualquer
momento o tipo de capacidade de trabalho de que necessita o capitalista. Para conseguir
aumentar a intensidade desse capital, o capitalista propõe “sugar” a maior quantidade
de potencialidade que cada trabalhador possui.
174
Alfredo Batista
esta imposição sobre a força de trabalho não só é possível porque o
capitalista se apropria da força de trabalho do operário, mas também
porque exerce sobre esta um determinado controle. “A divisão
manufatureira do trabalho pressupõe a autoridade incondicional do
capitalista sobre seres humanos transformados em simples membros
de um mecanismo que a ele pertence” (MARX, 1975, p. 480).
Ao controlar o trabalho dos operários, o capitalista, no período
da manufatura, exercia o domínio da força sobre o trabalho individual. Para isso, buscava dominar e controlar a ponto de “apoderarse de suas raízes”, isto é, da potencialidade de cada operário. Ocorre,
portanto, mais uma reestruturação da organização das formas de
trabalho. Concomitante a essa reestruturação, ocorre na manufatura
um processo de racionalização e burocratização que leva à criação
de uma hierarquia entre os próprios trabalhadores. “A manufatura
propriamente dita não só submete ao comando e à disciplina do capital antes independente, mas também cria uma graduação hierárquica
entre os próprios trabalhadores” (Ibid., p. 412).
Todas as “grandezas revolucionárias” criadas pelo capitalismo,
colocando o operário diretamente sob as regras da subsunção real,
atingiram o grau mais perverso que até este momento a humanidade
presenciou. Ocorreu uma transformação radical nos meios de
produção, o que propiciou ao capitalismo atingir um grau de
acumulação de excedente até então nunca visto. E, ao mesmo tempo,
levou o operário e seus familiares a atingirem graus máximos de miséria
humana. Essa gradação revela o seu nada, pois o trabalhador, no
decorrer do processo, apresenta-se comto um ser desqualificado,
humana e profissionalmente. “O homem necessitado, cheio de
preocupações, não pode admirar nem o mais belo espetáculo” (Ibid.,
p. 40).
175
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Profissionalmente, o operário, ao se entregar a dado objeto,
tem a finalidade de, por meio dos seus conhecimentos de base técnica
e/ou científica, apropriar-se das deter minações singulares,
particulares e da totalidade que o objeto é. No entanto, devido à
situação em que o operário se encontra nesse estágio do
desenvolvimento produtivo, o máximo que consegue atingir é parte
insignificante da riqueza do que é o objeto, mesmo quando há um
domínio da parte mais complexa. Este fato ocorre porque os operários
são treinados e organizados na base produtiva para saber o máximo
do mínimo, tornando-se especialistas 11. No modo de produção
capitalista, essa dimensão é criada e desenvolvida para estar sempre
a serviço do capital e, jamais, reverter-se contrariamente à lógica. “A
especialização de manejar uma ferramenta parcial, uma vida inteira,
se transforma na especialização de servir sempre a uma máquina
parcial” (Ibid., p. 482).
Enquanto força de trabalho especializada, a subsunção real
ao capital torna-se mais nítida, possibilitando o reconhecimento social. O capitalista enquadra o operário como apêndice da máquina, e
utiliza-se da sua especialidade o máximo possível, transformando-a
em um instrumento que domina o próprio operário. “O feitiço vira
contra o feiticeiro”, a máquina construída pelo próprio homem
apodera-se das suas potencialidades e de todo o seu tempo disponível.
É importante lembrar que, para o capitalista, não existe tempo livre12.
11
Tornar-se especialista é uma condição posta pelo próprio modo de produção
estabelecido, pois quanto mais se desenvolvem as forças produtivas, mais se necessita
de especialistas. No entanto, no momento em que o especialista não
consegue dimensionar a parte – complexos de complexos – no todo complexo,
torna-se um ser parcelado, fragmentado e, portanto, fragilizado em sua individualidade.
12
Para o capitalista, não existe tempo disponível para criar valor-de-uso (para construir
uma sociedade com vida). Se hoje há um desmoronamento do
176
Alfredo Batista
[...] Fica desde logo claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é que força
de trabalho, que todo o seu tempo disponível é
por natureza e por lei tempo de trabalho, a ser
empregado no aumento do próprio capital. Não
tem qualquer sentido o tempo para a educação,
para o desenvolvimento intelectual, para
preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e
espirituais, para o descanso dominical mesmo no
país dos santificadores de Domingo (Ibid., p.
300).
Essa perda da amplitude do que representam realmente as
dimensões do trabalho social é prolongada com maior evidência no
momento em que os trabalhadores perdem o ritmo de seus trabalhos
e são colocados à vontade do ritmo da máquina. É a máquina que
diz a hora de iniciar e a hora de parar. É a máquina que diz como
iniciar e como parar. Há uma “inversão” na relação homem/natureza:
“não é mais o trabalhador que utiliza os instrumentos de produção
para transformar a matéria-prima em objeto útil; pelo contrário, é a
máquina que utiliza o trabalhador, determinando-lhe o movimento e
o ritmo de trabalho” (PARO, 1991, p. 53).
Há, dessa forma, o domínio de um mecanismo morto em
relação a um mecanismo vivo. É a máquina dominando e impondo o
ritmo ao trabalhador: “na manufatura, os trabalhadores são membros
de um mecanismo vivo. Na fábrica eles se tornam complementos
vivos de um mecanismo morto que existe independente deles”
(MARX, 1975, p. 353).
trabalho humano e livre, como pensar uma sociedade de tempo “livre”? Hoje, o
shopping center é o espaço para o tempo livre.
177
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Ao dominarem os membros de um mecanismo vivo, a
máquina (mecanismo morto) leva os homens a um certo grau de
monstruosidade, até então nunca visto, atingindo um alto grau de
negação das próprias atividades humanas. As ações bárbaras realizadas
pelos homens em seu cotidiano são delegadas como sendo obras do
demônio ou, numa visão mais moralista, como casos de vadiagem,
de descompromisso social. Essas ações nunca são entendidas como
fruto da relação conflituosa entre capital e trabalho em seu cotidiano
porque
[...] deformam o trabalhador monstruosamente
levando-o artificialmente a desenvolver uma
atividade parcial, à custa da repressão de um
mundo de instintos e de capacidades produtivas,
lembrando aquela prática das regiões platinas
onde se mata um animal apenas para tirar-lhe a
pele e o sebo. Não só o trabalho é dividido e
suas diferentes frações distribuídas entre os
indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado
e transformado no aparelho automático de um
trabalho parcial, tornando-se assim, realidade a
fábula absurda de Menennius Agrippa que
representa o ser humano como simples
fragmento do seu próprio corpo (Ibid. p. 413).
A desumanização dos operários atinge outros limites. No
decorrer do processo de produção capitalista, o trabalhador vai
chegando a uma dada situação em que, para manter-se em pé e
propiciar condições mínimas de vida, não como sujeito, mas como
um ser insignificante, chega aos extremos: além de um operário
escravo, torna-se também um traficante de escravos. Ou seja, não
178
Alfredo Batista
basta ao operário perder sua dimensão de homem enquanto sujeito:
o capitalismo exige que seus filhos e sua mulher também cheguem à
mesma condição13. E, com essa dimensão destruidora do ser social
colocada em prática, a classe-que-vive do trabalho excedente
consegue abstrair e materializar “da desgraça dos outros” a sua
felicidade. Expropriados da própria produção, os trabalhadores e seus
familiares necessitam reivindicar junto às esferas do Estado direitos
positivos para manterem-se vivos e em condições básicas humanas,
físicas e psíquicas, para produzir e reproduzir-se como seres sociais.
Esse processo contínuo e histórico coloca diariamente os
trabalhadores em processo de organização para materializarem
conquistas e/ou ajudas por meio de ações, projetos, programas e
políticas sociais que respondam às metamorfoses da questão social
que estes sujeitos estão imersos desde as primeiras relações
estabelecidas no interior do modo de produção capitalista, a partir
do final do século XVIII e, com mais intensidade, após a segunda
metade do século XIX.
No Brasil, este cenário marca seu princípio no pós-1930,
porém, é com a constituição de 1988 que iremos sedimentar no campo
legal direitos humanos em diferentes dimensões, encontrando na
criação dos conselhos de direito, instância consultiva, propositiva e
deliberativa, uma possibilidade de ampliar direitos positivos já
existentes, bem como estabelecer, por meio deste instrumento, o
controle social do papel do Estado. Este exercício humano de inferir
nas decisões da vida cotidiana encontra no tripé da Seguridade So13
A revolução ocorrida na ciência, principalmente após 1870, levou a divisão do trabalho
ao seu limite, criando e ampliando novas profissões e novos postos de trabalho, em
que a força de trabalho das crianças e das mulheres ganha espaços. Essa ação não é
inocente: ela contribui para fragilizar a relação dos trabalhadores em relação ao capital.
179
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
cial – saúde, previdência e assistência social – espaços privilegiados
para exercitar e materializar decisões coletivas. Entendemos que esse
espaço é uma conquista política possível de avançar na ampliação
da sociabilidade humana, efetivando realizações que se encontram
na esfera da emancipação humana, especialmente a ampliação da
democracia, momento em que a pluralidade é conquistada e
executada. No entanto, esse processo pode também expressar a
continuidade da negação da vida, expressar retrocessos, pois, ao invés
de colocarmo-nos na história como sujeitos, nossa concretude
sedimenta-se enquanto objeto. Per manecendo esta última
possibilidade, vivenciam-se experiências que desenvolvem a
construção e efetivação de uma sociedade bárbara.
Política social e controle social
Com a criação e efetivação da sociedade assalariada durante
a última quadra do século XVIII e em todo o século XIX (CASTEL,
1988; ENGELS, 1985a), consolida-se nas bases estruturais do projeto
societário burguês a presença da figura do Estado, aportando
elementos teórico-práticos e históricos que culminaram com uma
inovada estrutura na esfera de governo, ou seja, o campo dos
direitos14.
Ações irracionais ampliam-se nos diferentes cantos das
cidades e do campo: algo era necessário fazer. Não havia tempo para
esperar o pior. A contradição e o antagonismo de classes instauramse a céu aberto na metade do século XIX (MARX, 1995; 1998).
14
O campo dos direitos é uma dimensão particular reclamada pela classe trabalhadora,
estruturada em entidades com elementos de organização ou não. Este espaço requer
a implantação e implementação do sistema democrático de governo (VIEIRA, 1992).
180
Alfredo Batista
Pobreza, miséria, desemprego e outras profundas manifestações da
questão social “colocam a cabeça para fora”. A classe burguesa,
despida de argumentos e ações democráticas liberais, distancia-se
dos princípios progressistas conquistados durante a Revolução
Francesa e passa a assumir na história o papel de classe conservadora.
Suas ações pautam-se não mais na preocupação com a manifestação
da verdade científica, mas com a verdade que agrada aos interesses
do projeto societário burguês em movimento. A verdade
materializava-se caso fosse do interesse dos membros da classe
burguesa e das instituições estatais responsáveis pela segurança da
propriedade privada e corporal dos indivíduos, destacando-se a
corporação policial (COUTINHO, 1972).
Os trabalhadores, movimentados por princípios humanistas,
avançaram em seus propósitos; porém, quando apresentaram ações
de intervenção de cunho revolucionário, não conseguiram sustentar
seus propósitos nobres e, sem nenhum cuidado, as forças dominantes
destruíram, em sua raiz, a manifestação da contradição em
movimento na Europa. Por meio de uma interferência brutal realizada
pelas forças repressivas dos países europeus, estas conseguiram, em
curto espaço temporal, colocar ponto final no movimento
reivindicatório dos trabalhadores em 1848. No entanto, não
conseguiram destruir o germe da contradição gestado na história de
alcance universal (MARX, 1977).
A contradição percorria os espaços públicos e privados. As
manifestações da “questão social” abarcavam os diferentes extratos
sociais, não deixando suspeitas sobre o que poderia acontecer: de
um lado, uma resposta dos trabalhadores e de seus familiares; de
outro, a desconfiança dos membros da classe dominante em dar
respostas que acabassem com as epidemias e outras implicações no
campo da saúde pública que assolavam também os lares burgueses.
181
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Quem cumprirá o papel de realizar um novo arranjo para mediar as
relações contraditórias? O Estado, na condição de esfera de governo
que cria mecanismo de controle social. Como expressa Mészáros
(1987): em qualquer sistema de governo, o controle social é parte
constitutiva da política; a questão é saber quais bases teórico-práticas
e históricas o fundamentam.
A interferência do Estado assume uma inovada
particularidade em sua constituição política: por meio dos recursos
públicos, é convocado a responder às exigências das políticas sociais,
efetivadas em instâncias diferenciadas pelo processo histórico de luta
explicitado por membros da classe trabalhadora. Em particular, suas
metas intervencionistas estavam voltadas para os trabalhadores com
carteira profissional assinada (BEHRING, 1998). Quanto aos demais
trabalhadores, em compasso diferenciado em relação aos arranjos e
rearranjos do capital, diferenciados na dosagem atribuída em cada
país, a interferência do Estado assume uma particularidade em sua
constituição política.
No Brasil, até 1930, as manifestações da questão social foram tratadas como caso de polícia e não de política (CERQUEIRA
FILHO, 1982). Entre ações manipulatórias governamentais por meio
de planos econômicos e golpes militares, o campo dos direitos sociais
avançou minimamente e, mesmo quando estes direitos eram
anunciados pelos governantes, tinham e ainda hoje têm a retórica e a
concretude da dimensão da filantropia estatal. Este cenário ganha
inovada configuração a partir das décadas de 1970 e 1980, momento
em que novos sujeitos históricos “entram em cena” (SADER, 1988;
ANTUNES, 2000).
182
Alfredo Batista
Marcado pela erupção de uma nova crise mundial de
fundamentos estruturais, o capitalismo tardio, como é apresentado
por Mandel (1985), sofre retração em seu processo de acumulação,
iniciando uma nova “onda longa” de caráter recessivo. Envoltos nesse
processo, os trabalhadores ganham as ruas durante o governo ditatorial
e, além das lutas por direitos de fundamentos econômicos, expressos
diretamente em recuperar ganhos salariais, homens e mulheres de
todas as idades expressam – por meio de mecanismos os mais
diferenciados possíveis – lutas cotidianas para recuperarem a
retomada dos direitos civis e políticos, abrindo caminho para
colocarem na ordem do dia uma gama de reivindicações de direitos
sociais. Este processo materializou-se na esfera jurídica com a
aprovação da constituição de 1988. Durante este recorte temporal
vivenciado no Brasil – décadas de 1970 e 1980 –, o projeto societário
burguês – sob o comando dos governos Thatcher na Inglaterra e
Reagan nos Estados Unidos, países cêntricos – coloca em movimento,
a partir de 1979, a experiência do receituário neoliberal (HARVEY,
1989), em resposta ao processo recessivo instaurado.
[...] o resultado de dois movimentos conjuntos,
estreitamente interligados, mas distintos. O
primeiro pode ser caracterizado como a mais
longa fase de acumulação ininterrupta do capital
que o capitalismo conheceu desde 1914. O
segundo diz respeito às políticas de liberalização,
de privatização, de desregulamentação e de
desmantelamento de conquistas sociais e
democráticas, que foram aplicadas desde o início
da década de 1980, sob o impulso dos governos
Thatcher e Reagan (CHESNAIS, 1996, p. 34).
183
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
Quando trazemos nossas reflexões para os dias atuais – ou
pós-Constituição de 1988 –, deparamo-nos com elementos inovados
do processo de controle social no âmbito das políticas sociais, em
particular, na esfera da Seguridade Social: saúde, previdência e
assistência. As duas últimas ganharam as ruas e, por meio de
processos democráticos, avançaram na esfera pública, criando, na
instância legal, os Conselhos de Direitos. A maioria deles, além de
poder manifestar a dimensão consultiva, garantia também em lei
dimensões deliberativas e propositivas. Porém, na esfera do governo,
as ações, projetos, programas e residuais políticas sociais, ao reduzirem
a responsabilidade do Estado, transferem-na para a esfera privada15
(BATISTA, 1999).
A terceirização dos serviços, por meio das entidades privadas
– denominadas de “terceiro setor” –, situa-se sob uma nova
modalidade de firmar convênios com as diferentes esferas de governo
para garantir a lógica da retirada do Estado com o controle público,
abrindo as comportas para as falsas regras de mercado.
No momento que estes dois movimentos caminham no
mesmo espaço – porém, com fundamentos teóricos, metodológicos
e históricos diferenciados –, constata-se, nas disputas cotidianas, que
os Conselhos de Direitos têm ocupado o papel de certificar as ações
terceirizadas, enquanto as ações públicas diretas reduzem a
intervenção no campo do direito positivo.
Há um elemento que determina essa prática em tempos
neoliberais: a apropriação do lucro em escala exponencial, advindo
15
Um novo discurso é retomado dos fundamentos liberais e ganha especificidades
inovadas nos dias atuais. Determina-se ao Estado que transfira para o mercado
o papel de execução das políticas sociais geradoras de lucro, em destaque as políticas
sociais da saúde e da educação.
184
Alfredo Batista
das diferentes fontes, inclusive da expropriação dos fundos públicos
nas diferentes esferas de governo.
A questão não é nova. Os mecanismos criados por meio do
projeto burguês e pelas manifestações reivindicatórias dos
movimentos e agrupamentos de trabalhadores, organizados ou não,
é que apresentam características inovadas.
Na esfera do capital, a cooptação dos trabalhadores e de seus
familiares ganha expressões sutis, ampliando a dominação física e
psíquica (ANTUNES, 1988; 2000). Nas vinculações ofensivas dos
trabalhadores, suas intervenções retrocedem no tempo e no espaço
e, impossibilitados em avançar no campo da ruptura, direcionam suas
ações para garantir mínimos sociais ou negociarem vantagens efêmeras
em troca da permanência no emprego. Também cresce a aceitação
por atividades desregulamentadas ou sob as novas e opressivas
regulamentações trabalhistas. Este cenário ampliou sua manifestação
nas categorias profissionais vinculadas às esferas públicas; em particular, podemos exemplificar a situação contratual que os docentes
colaboradores estão celebrando por meio do contrato de trabalho
nas universidades estaduais do Paraná.
Pensar em direitos é dar espaços ao campo de lutas que tem
como horizonte os princípios que fundamentam a democracia. Esta
conquista histórica assentou seus primeiros pilares filosóficos e de
exercícios práticos na Grécia Antiga, adormeceu em todo o período
medieval e estr uturou-se sob novos parâmetros a partir dos
fundamentos reconhecidos na atualidade como universais, nos escritos
de Hobbes, Locke e Rousseau.
Ao mesmo tempo e com expressão deter minante, o
movimento que o capitalismo comercial e, posteriormente, o industrial tomou, em particular, nos países Europeus, criou na base desses
processos embrionários, que culminaram com a construção das classes
185
Política Social e Controle Social no estado capitalista tardio
sociais – burguesia e proletariado –, princípios de igualdade,
fraternidade e liberdade, trazendo, em seus fundamentos, conteúdos
que referiam-se à implantação de uma dada sociabilidade, em que os
direitos humanos ganhariam centralidade.
É neste cenário que o Estado de Direito ganha formatação,
tendo como expressão máxima, em sua base estrutural, a Revolução
Industrial em suas dimensões econômica e política na Inglaterra e na
França. Em decorrência dessas duas concretizações históricas e suas
implicações no cotidiano das ações das classes em construção, o
Estado de Direito, com diferentes configurações, é instaurado em
vários países – e na estrutura de seu propósito, dá sinais efetivos da
construção de uma estratégia de governo denominada “política social” (VIEIRA, 1992).
No berço desta nova configuração das relações estabelecidas
na sociedade civil, enfatizamos que este movimento histórico que se
registra nas décadas de 70 e 80 do século XIX não é expressão da
criação divina ou da linearidade da história mas, sim, é expressão do
espaço que a classe trabalhadora ocupava/ocupa no interior do modo
de produção capitalista. No entanto, o movimentar-se dos
trabalhadores não ocorria para além das margens estabelecidas pela
classe burguesa dominante. Em outras palavras: se o Estado de Direito
é a concretização necessária para que as políticas sociais possam ser
criadas, desenvolvidas e aprimoradas, esta situação não ocorre de
forma livre, mas sob o controle da classe que domina materialmente
e ideologicamente (MARX, 1986). Num primeiro momento, sob a
máxima da cenoura e do porrete – no governo de Bismark, na
Alemanha. Num segundo momento, por ações de disputa na própria
elaboração das políticas. Este mecanismo ganhou outras dimensões
186
Alfredo Batista
e, no Brasil, no pós-Constituição de 1988, registra-se e desenvolvese a criação dos conselhos de direito em diferentes instâncias das
políticas sociais.
Assegurar a continuidade e aprofundamento do debate, a
ampliação dos direitos por meio das ações realizadas pelos
movimentos dos trabalhadores, propiciando o aumento das
instituições de direitos, é uma meta diária a seguir. Porém, não
podemos deixar de ter a clareza de que os avanços possíveis de se
alcançar são sempre limitados, pois nosso horizonte de embate são
os espaços em que impera o direito burguês. Dentro desse universo,
o máximo que possamos avançar, e é necessário, são conquistas que
se encontram no marco da cidadania burguesa.
Referências
ANTUNES, R. A Rebeldia do trabalho: o confronto operário no
ABC paulista, as greves de 1978/80. São Paulo: Ensaio, 1988.
______. Adeus ao trabalho?. 7 ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez,
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189
190
REFLEXÕES SOBRE O CONTROLE SOCIAL
EM DUAS DÉCADAS DE VIGÊNCIA DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
MANOELA DE CARVALHO
MARIA LUCIA FRIZON RIZZOTTO
ELFRIDA KOROL ANDREAZZA
Introduzindo o tema
Muitos estudos têm discutido a questão da participação popular inserida no contexto da sociedade capitalista (CORTES, 1996;
BÓGUS, 1998; CORREIA, 2000; LIMA, 2001). Uns em defesa da
participação como meio para transformar esta sociedade, em busca
de outra mais democrática e igualitária, na qual as necessidades da
população seja a referência para o plano e as políticas de governo.
Outros alertam para o fato de que a participação popular tem sido
utilizada como meio dos governos para legitimar as decisões tomadas
por eles e como forma de desresponsabilizar o Estado pelas questões
sociais, associando a ideia da participação à de voluntariado. Nesta
concepção, a população é incentivada a sentir-se responsável pelas
ações e serviços que o Estado deveria manter em função das
contribuições que a população paga (tributos, impostos, taxas, etc.).
No Brasil, as conferências e os conselhos de saúde resultaram
de mobilizações e lutas de setores da sociedade que conseguiram,
em determinado momento histórico, fazer prevalecer um projeto
político para o setor saúde, o projeto do Movimento da Reforma
191
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Sanitária. Estas conquistas também são, atualmente, espaços de
disputas de projetos políticos e interesses de grupos sociais distintos,
muitas vezes antagônicos e com recursos diferentes de poder, que
nos diversos enfrentamentos buscam fazer prevalecer seus interesses.
Por serem espaços de disputa de projetos políticos, podem apontar,
em determinados momentos, para direções distintas daquelas
originalmente pensadas, pois, outros grupos sociais podem mobilizarse para fazer prevalecer os seus interesses. Ou seja, não está
determinado que estes espaços expressem todo o tempo, as
necessidades dos setores populares da sociedade. Talvez, até então
tenha se sobressaindo as propostas de cunho popular, mas isto não é
imutável.
É necessário fazer a distinção entre o conjunto de entidades
que compõem os conselhos de saúde para compreender a participação
popular como possibilidade de ambas as situações, ou seja, ao mesmo
tempo em que pode mobilizar a população para o enfrentamento das
desigualdades sociais em busca de melhor qualidade de vida, pode
também ser manobrada em favor daqueles que buscam a manutenção
e conservação da situação vigente.
Ainda que os conselhos e as conferências de saúde sejam
reconhecidos como espaços de disputa de projetos políticos diferentes,
e às vezes contraditórios, no campo social e da saúde o princípio
constitucional da participação popular no SUS pressupõe que as
propostas aprovadas nas conferências de saúde e as decisões
deliberadas nas reuniões dos conselhos, em sua maioria, expressam a
compreensão acerca da assistência à saúde dos segmentos que
participam desses espaços, quais sejam, os usuários e trabalhadores
de saúde, majoritariamente, prestadores e gestor. E que, ali, explicitam
as suas necessidades e anseios com relação aos serviços públicos de
saúde. Portanto, as decisões e proposições advindas dessas instâncias
192
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
deveriam ser observadas pelo poder público no momento em que
planejam, executam e avaliam as políticas de saúde implementadas,
indicando respeito às conferências de saúde como o grande momento
consultivo do processo de participação da população no Sistema
Único de Saúde, e os conselhos de saúde como órgãos deliberativos,
além de fiscalizadores, conforme os preceitos legais.
No entanto, ao analisar as necessidades de saúde da
população, expressas nos relatórios finais das conferências, há que
se considerar o contexto sociocultural e a interferência da ideologia
hegemônica do atual estágio de desenvolvimento capitalista, na
formação cultural dos sujeitos e das suas representações sociais sobre
saúde e doença. Afinal, o que ou quem determina realmente as
necessidades de saúde da população? Compreendendo que a saúde
se transformou em uma mercadoria no sistema capitalista e, enquanto
tal, possuidora de valor de troca, não é fácil afirmar que as
necessidades apontadas pela população, nas conferências, estão
isentas deste caráter ideológico e da lógica de mercado. Nesse sentido,
em parte são compreensíveis as reivindicações dos usuários de
determinados medicamentos, maior número de médicos, mais
ambulâncias ou, ainda, de implantação de programas apresentados
pelo governo como a solução para todos os problemas de saúde.
Contudo, há que se perguntar se são reais estas demandas ou são
apenas a resposta da população ao processo de educação para a
doença.
Há necessidade de medicamentos, exames e procedimentos
para o atendimento curativo de agravos que já estão acometendo a
população, porém, há necessidade, ainda que não sentida ou
percebida, de implementar medidas amplas para promover a saúde
daqueles que ainda não a perderam e de prevenir muitos agravos que
poderiam e deveriam estar sendo abordados preventivamente.
193
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Há indícios e denúncias que revelam que as atuais políticas
de saúde não estão de acordo com as decisões provenientes do
exercício do controle social do SUS, ao contrário, na maioria das
vezes estão atreladas ao projeto de desmonte do Estado, que busca
“modernizar” o aparelho estatal e ampliar a participação da iniciativa
privada nas ações lucrativas do setor saúde. Esse projeto propõe a
focalização dos serviços públicos para grupos marginalizados da
população e a participação da comunidade nos sistemas de saúde,
com o intuito de responsabilizar a população pelos cuidados com a
saúde, portanto, com entendimento distinto do defendido pelo
Movimento da Reforma Sanitária Brasileira.
Como se observa não são poucos os problemas enfrentados
para que a participação da população realmente se concretize
conforme o exposto na legislação do SUS. O despreparo dos
conselheiros de saúde, a apatia política da maioria da população,
resultado de vários fatores, incluindo o desemprego, associado à
disseminação da idéia de divisão dos custos do sistema de saúde
com a população, o co-pagamento e o estímulo ao terceiro setor, aos
trabalhos voluntários, solidários, tudo tem feito com que as discussões
sobre políticas de saúde, nas várias instâncias institucionais como
conselhos e conferências de saúde, se apresentem com caráter
meramente homologador das propostas dos gestores do sistema de
saúde, colaborando para o ponto de vista de que o espaço de
participação, quando consentido pelo Estado, serve mais para atenuar
os conflitos do que para enfrentá-los e superá-los (NASCIMENTO,
2001).
As formações sociais capitalistas são caracterizadas pelo
conflito, ainda que velado, entre classes sociais distintas e com
interesses antagônicos. De acordo com Saes (1998), na maioria dos
194
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
casos o resultado concreto de um processo social não corresponde
às intenções, nem de um, nem de outro agente, ou seja,
[...] não corresponde nem à intenção da classe
exploradora, nem à intenção da classe explorada.
A prática da classe explorada, de resistência à
dominação de classe, põe obstáculos à
concretização das intenções da classe exploradora
[...]; mas as concessões (materiais, no plano do
discurso), com as quais a classe exploradora responde à prática de resistência, desencaminham a
classe explorada, levando-a a agir por vias que
não levam à concretização de sua intenção [...]
(SAES, 1998, p. 154).
Como se observa, o Estado capitalista busca atenuar os
conflitos por meio da instituição de estratégias ou políticas sociais
que, apesar de na maioria das vezes resultarem de amplos processos
de mobilização e pressão social, geralmente têm caráter
assistencialista, com a finalidade de compensar as desigualdades e
injustiças sociais, contribuindo, assim, para a conservação deste
sistema político e econômico.
Segundo Coutinho (1989), em nome da restrição econômica,
de um lado, e da necessidade da modernização do aparelho estatal
para o desenvolvimento dos países periféricos, de outro, a partir da
década de 1980, o Estado brasileiro adotou medidas de redução das
suas responsabilidades, seguindo o modelo neoliberal, por meio de
privatizações de empresas e instituições públicas, cortes dos gastos
públicos, principalmente na área social, incentivo a participação da
iniciativa privada em todos os setores públicos, desregulamentação
das relações de trabalho, entre outras.
195
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Os países centrais e suas principais agências de financiamento
(Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional) financiaram os
países em desenvolvimento para auxiliar na implantação destas
políticas, na reestruturação do Estado e, juntamente com os recursos,
repassaram também as orientações de como obter êxito na
implementação destas medidas. As consequências sociais podem ser
percebidas, sem grandes esforços, no aumento do desemprego, no
crescimento da pobreza na piora das condições de vida de grandes
contingentes da população (SOARES, 1997). Para o setor saúde,
estas políticas também trouxeram consequências para a qualidade e
acesso aos serviços, como aborda Soares (1997, p. 14) ao afirmar
que as políticas neoliberais reduziram a responsabilidade do Estado
e destruíram políticas públicas historicamente consolidadas: “ao invés
de avançarmos do estágio onde as políticas sociais eram meramente
compensatórias e assistencialistas para o estágio no qual as políticas
sociais passam a ser equânimes e universais, [...] retrocedemos às
políticas residuais”.
A subordinação dos recursos destinados à saúde a uma política
econômica de redução de gastos na área social vem fazendo com
que o SUS seja cotidianamente questionado no que diz respeito à
sua incapacidade de atender a demanda dos serviços de saúde, bem
como de impedir o reaparecimento de doenças consideradas sob
controle. A alternativa encontrada pelos governos para solucionar
estes problemas tem sido a apresentação de programas e estratégias
simplificados e focalizados nas populações mais pobres, ao mesmo
tempo em que incentiva a expansão da rede privada, por meio da
transformação de hospitais públicos em Organizações Sociais
Autônomas e da transferência de serviços para associações
comunitárias, desobrigando-se das responsabilidades de oferecer uma
196
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
assistência integral e universal, conforme os preceitos do SUS.
Estas propostas, de acordo com Rizzotto (2000), foram e
são defendidas por organismos financeiros internacionais, como o
Banco Mundial, e estão expressas em vários documentos oficiais que
tratam do setor saúde de um modo geral e do sistema de saúde
brasileiro em particular, muito embora colidam com os princípios e
diretrizes do SUS.
A emergência da ideia de participação popular na saúde
A discussão da participação popular é marcada por
ambiguidades que expressam as diferentes perspectivas políticoideológicas com que se utiliza o ter mo. Valla (1998) define
participação popular como múltiplas ações que diferentes forças
sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução,
fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos
na área social. Este autor, ao diferenciar a participação popular dos
termos modernização, integração da comunidade, mutirões, aponta
para uma participação política da sociedade civil em órgãos, agências
ou serviços do Estado alertando para duas possibilidades desta
participação: de um lado legitima a política do Estado diante da
população e, de outro, abre canal para as entidades populares
disputarem o controle e o destino da verba pública.
Entendida a participação popular como a mobilização e
organização das classes populares para exigir do Estado políticas
públicas que garantam condições dignas de vida, é possível localizar
o início da discussão sobre participação popular nos anos 30 e 40 do
século XX, em relação estreita com o surgimento das políticas públicas
(VALLA, 1998). Neste período, o desenvolvimento do capitalismo
197
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
no Brasil por meio do processo de industrialização e com o aumento
da urbanização e a expansão das periferias, agravou as desigualdades
socioeconômicas no espaço das cidades. Este fato fez com que, a
partir da década de 1970, aumentassem significativamente as
demandas por serviços de infra-estrutura e sistema de transporte
(BÓGUS, 1998).
Lopes (2000) considera que a atual forma de organização
dos serviços de saúde e dos diferentes órgãos colegiados de
participação teve seu início em 1923, com a aprovação da Lei Eloy
Chaves, legalizando a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões
(CAPs) que favorecia os trabalhadores de categorias mais organizadas,
como os ferroviários e, mais tarde, em 1926, estendidas aos portuários
e marítimos, oferecendo serviços de saúde de caráter curativo aos
integrantes e seus familiares.
Nas CAPs os trabalhadores participavam dos Conselhos de
Administração formados por representantes da empresa e dos
trabalhadores, eleitos diretamente a cada três anos, sendo o presidente
escolhido por seus pares. A participação do Estado se restringiu à
criação da lei, mas não interferia na administração ou na gestão
financeira, somente em casos de problemas entre as Caixas e os
segurados.
Com o processo de industrialização, que ampliou o número
de trabalhadores na zona urbana, o Estado unificou as CAPs por
categoria profissional nos Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs), fazendo parte da administração, ficando a participação dos
trabalhadores e dos empregadores com um papel secundário de
assessoria e fiscalização a posteriori dos atos do presidente, agora
indicado pelo Presidente da República, e não por voto direto (LOPES,
2000).
198
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
Em 1966, com a unificação dos IAPs no Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS), o modelo médico privatista consolidase, e, respaldado por uma política geral opressora, o controle e o
gerenciamento das ações de saúde passaram a ser totalmente
centralizados e a participação dos trabalhadores na gestão do sistema
previdenciário foi extinta. O Estado assumiu sozinho a direção do
INPS e os empregados e empregadores perderam por completo o
direito de gerir e definir as políticas previdenciárias e de saúde
(CARVALHO; PETRIS; TURINI, 2001).
Em 1977 com a criação do Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS), foi reforçada a assistência
médica de caráter individual e especializada e, no que se refere à
participação, a maioria da população retraída pelo medo devido ao
regime de ditadura militar, assumiu uma postura passiva, esperando
que o Estado resolvesse seus problemas. Entretanto, na segunda
metade da década de 1970, com a crise do INAMPS, consequência
da ampliação dos serviços e da proliferação de contratos com
empresas privadas sem controle por parte da Previdência, que deu
margem a uma enorme corrupção e desvio de recursos que levaram
à falência do sistema, associado aos movimentos sociais que
contestavam o regime militar, mobilizações populares começaram a
exigir melhores serviços de saúde.
Embora a história da participação popular seja anterior a este
momento, foi no século XX, durante a década de 1980, que as
manifestações populares chegaram ao ápice no Brasil (VALLA,1998).
Bógus (1998) também localiza no final da década de 1970 e
início da década de 1980 os movimentos baseados nas reivindicações
quanto aos bens e serviços, inexistentes ou insuficientes para
solucionar os problemas urbanos vivenciados nos bairros periféricos
das cidades.
199
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Na década de 1970, o papel dúbio e contraditório do Estado
de prover condições dignas de vida para a população trabalhadora e
atender os interesses dos grupos sociais comprometidos com o
impulso da economia capitalista industrial compôs o quadro em que
começaram a surgir os movimentos sociais. De acordo com Lopes
(2000), os movimentos sociais tornaram-se mais evidentes com a
retomada das discussões sobre cidadania, ocorrida na segunda metade
dos anos de 1970 com a luta contra o regime autoritário imposto
pelo modelo político durante o governo militar e pela democratização
do país. Junto às reivindicações dos movimentos sociais por melhores
condições concretas de vida da maioria da população, como água,
esgoto, iluminação, transporte, etc., aglutinou-se a luta pelo direito à
saúde, que assumiu grande relevância com o Movimento da Reforma
Sanitária, o qual propunha profundas mudanças para a Saúde e
Previdência Social daquele período.
O descontentamento da população deu origem a movimentos
crescentes de reflexão e discussão da política de saúde. Neste período,
a população organizada passou a reivindicar mudanças nas políticas
sociais e defender a saúde como direito de todos e dever do Estado.
A saúde passou a ser percebida, pela primeira vez na história do país,
como resultante das condições de vida das pessoas e não apenas
como um estado biológico de ausência da doença. Nesse sentido, o
modelo de assistência pautado na doença é questionado e emerge a
proposta de um sistema de saúde público descentralizado, organizado
regional e hierarquicamente, de acesso universal e igualitário para
toda população, cuja participação deveria ser assegurada por lei
(VALLA, 1998).
Na década de 1980, com a implantação das Ações Integradas
de Saúde (AIS), estratégia racionalizadora das despesas com saúde
proposta pelo Plano Conselho Nacional de Assistência e Saúde
200
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
Pública (CONASP), já se defendia muitos dos princípios do SUS
como a universalidade do acesso aos serviços de saúde, a integralidade
e equidade da atenção, a regionalização e hierarquização dos serviços,
a descentralização das ações e do poder decisório e, também, a
participação de setores organizados da sociedade civil e o controle
pelos usuários. Com as AIS,
[...] foram instituídos órgãos colegiados,
denominados Comissões Interinstitucionais de
Saúde, organizados em nível estadual (CIS), regional (CRIS) e municipal (CIMS); e contavam
com a participação de gestores governamentais,
prestadores de serviços públicos e privados e
representantes da população (ANDRADE;
CORDONI JÚNIOR; SOARES, 2001 p. 98).
A defesa de um sistema de saúde descentralizado para os
municípios surge ainda em 1963, antes da instauração do regime
militar, na 3ª Conferência Nacional de Saúde, cujos temas oficiais
foram a situação sanitária da população brasileira, a distribuição das
atividades médico-sanitárias nos níveis federal, estadual e municipal, a municipalização dos serviços de saúde e fixação de um plano
nacional de saúde. Porém, estas discussões foram interrompidas pela
ditadura militar, que retomava a centralização das políticas no nível
federal e propunha, para o setor de saúde, a privatização dos serviços.
A luta pela municipalização da saúde é retomada na década de 1970
e reunia pessoas ligadas a movimentos das universidades, movimento
de técnicos interessados e movimento da população, das associações
de moradores e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja
Católica (CARVALHO, 2002).
201
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Mas, é na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) que o
projeto de Reforma Sanitária Brasileira atinge o momento apical na
sua definição político-ideológica. O sistema de saúde proposto seria
de responsabilidade do Estado, com complementaridade do setor
privado, com os objetivos de eficiência, eficácia e equidade sendo
construída, concomitantemente à ampliação da consciência sanitária
dos cidadãos, à inversão do modelo assistencial, ao desenvolvimento
de uma nova ética profissional e da criação de meios para favorecer
o controle popular sobre o sistema. A 8ª Conferência Nacional de
Saúde se constituiu no instr umento político-ideológico que
influenciou a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado
de Saúde (SUDS), em 1987, e na elaboração da nova Constituição
Brasileira (MENDES, 1994).
Santos (2000), ao avaliar os aspectos da conjuntura da
Reforma Sanitária Brasileira, afirma que o movimento iniciado a
partir da década de 1970 e desenvolvido na década de 1980, realizouse no bojo do aguçamento das contradições nos setores previdenciário
e da saúde no regime militar, e do esgotamento das soluções do próprio
modelo autoritário militar. Os movimentos sociais na luta pela
liberdade e fim do regime militar buscaram, na época, soluções em
espaços subalternos das práticas e organização dos serviços de saúde,
como também se espelhou no modelo italiano de reforma sanitária e
nos modelos de sistemas de saúde inglês e cubano.
Segundo o autor citado anteriormente, na década de 1990, a
Reforma Sanitária Brasileira se ampliou e apoiou-se na crescente
reflexão, formulação de estratégias e produção de conhecimentos,
geradas na prática de novos atores como os gestores do sistema de
saúde, seus assessores, membros do Ministério Público, os
202
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
conselheiros de saúde, as Comissões Intergestores, as organizações
não-governamentais, que buscavam ampliar trincheiras no esforço
de construir o SUS e o novo modelo assistencial.
Cortes (1996) aponta que as origens da criação de novas
formas de envolvimento dos cidadãos no processo político podem
ser encontradas, em primeiro lugar, na desilusão com as instituições
políticas verificadas em várias democracias liberais ocidentais,
desilusão representada pela diminuição do número de votantes em
eleições nos Estados Unidos e em países europeus, poucas filiações
em partidos políticos e a crescente desconfiança nos representantes
eleitos pelo voto, a falta de credibilidade nas principais instituições
políticas, fatos constatados por estudos realizados nestes países.
Em segundo lugar, a autora aponta, como fator predisponente
para a criação de mecanismos participatórios institucionalizados nas
democracias liberais, o crescimento de novos movimentos sociais ao
final dos anos de 1960 e durante os anos de 1970, como, por exemplo,
a Revolução de Maio, em Paris (1968) e o crescimento de organizações
de moradores, ecológicas e de consumidores nos Estados Unidos,
países europeus e latino-americanos. Estes movimentos distinguiamse pela posição anti-institucional e pela busca de autonomia frente
às instituições organizadas, até mesmo partidos políticos e sindicatos,
temendo novas formas de cooptação. E, em terceiro lugar, a autora
afirma que a crise econômica mundial, na segunda metade da década
de 1970, o endividamento público que pressionava as organizações
de bem-estar social a promover cortes em suas despesas e reformas
com o objetivo de racionalizar as estruturas burocráticas estatais,
implicaram na criação de mecanismos participatórios, os quais
poderiam, ao mesmo tempo, exercer pressão e servir como
fiscalizadores sobre uma burocracia resistente às mudanças
(CORTES, 1996, p. 31).
203
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Naquele contexto, governos conservadores simultaneamente
abriram para o setor privado serviços e produtos até então mantidos
pelo governo e promoveram a participação do consumidor individual,
em conjunto com entidades que representavam os interesses de
diversos setores sociais, promoveram a privatização e defenderam o
fim da dependência cultural promovida pelo Estado de bem-estar
social que produzia indivíduos preguiçosos. Já os governos socialdemocratas, propondo a reforma do setor público, incentivaram canais
de expressão das opiniões, reclamações e sugestões, pautados pela
concepção de provisão pública de bens e serviços e a manutenção
dos ideais igualitários de eqüidade e justiça social (CORTES, 1996).
O objetivo de ambos era lidar com as
[...] dificuldades financeiras do governo, com a
falta de resposta das burocracias às demandas
dos cidadãos, a ausência de controles públicos
sobre essas burocracias, a insatisfação e
desconfiança públicas e a redefinição das formas
de relacionamento entre os governos e os novos
movimentos sociais (CORTES, 1996, p. 32).
A implementação de políticas racionalizadoras e o incentivo
à participação fizeram com que diversos setores sociais demandassem
cada vez mais por participação nas decisões políticas e nos
rendimentos do desenvolvimento econômico. Em alguns países como
Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha, Itália e Alemanha,
foram criados canais participativos para os setores sociais nas áreas
como tráfico aéreo, licenciamento de alimentos e drogas,
gerenciamento costeiro, regulamentação, administração e definição
de políticas ambientais, educacional, habitacional, assistencial e de
saúde (CORTES, 1996).
204
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
Na área da saúde, a autora lembra que, além das pressões dos
movimentos sociais, também podem ter influenciado a criação de
novos espaços institucionais para a participação da comunidade, o
estímulo das agências internacionais, sendo que, no final dos anos
de 1960 e na década de 1970, os Estados Unidos estimularam a
participação dos cidadãos em centros de vacinas, centros de saúde
mental e criaram serviços de ouvidoria em programas de saúde.
Na Grã-Bretanha, em 1974, foram criados conselhos
comunitários de saúde nos níveis administrativos mais baixos do
Serviço Nacional de Saúde, enquanto no Canadá, em Quebec (19701972), as leis que reformaram o setor de saúde da província
estabeleceram que os cidadãos participariam das diretorias (boards)
dos hospitais e casas de saúde e nas agências de assistência social.
Também criaram os Centros Locais de Serviços Comunitários, que
seriam a porta de entrada para todos os serviços de saúde e de
assistência social na província do Quebec (CORTES, 1996).
As recomendações das agências internacionais, segundo a
autora anteriormente citada, representavam, na década de 1950 e
início dos anos de 1970, um guia seguro para atingir o
desenvolvimento. Para tanto, era necessária a contínua incorporação
de inovações tecnológicas para aumentar a produtividade, a
habilidade de exploração dos recursos naturais e de transformação
do meio ambiente (CORTES, 1996).
Neste período a participação da população era vista com muita
relutância pelos setores sociais dominantes, uma vez que, nos estágios
iniciais de desenvolvimento, a renda deveria concentrar-se nas mãos
dos empresários ou do Estado. Já entre os anos 60 e 70 do século
XX, foi constatado que o modelo de desenvolvimento anterior, ainda
que tendo induzido um intenso processo de industrialização e
modernização, exacerbou as desigualdades sociais e de distribuição
205
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
de renda, e as aglomerações urbanas ocasionavam problemas
ambientais e sociais sem precedentes, em função da urbanização
desordenada nesses países.
Neste contexto, nos anos setenta, surgiram
concepções opostas de desenvolvimento. A
primeira considerava a intervenção estatal [...] um
inibidor do processo de desenvolvimento. A
segunda concepção [...] enfatizava as dimensões
sociais do desenvolvimento, criticando as
propostas que ressaltavam apenas seus aspectos
econômicos [...] defendia a adoção de medidas
que viessem habilitar os setores populares a
participar do processo de desenvolvimento
(CORTES, 1996, p. 34).
É nesse contexto que organizações internacionais como o
Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), as Fundações Rockfeller e Kellogg, entre outras, incorporaram
em seus projetos, em certa medida, a idéia de participação. Porém,
algumas poucas organizações, como a UNICEF e a OMS,
consideravam a participação popular como um elemento estratégico
para atingir o desenvolvimento social e recomendavam a
implementação de políticas de cuidados primários de saúde que
estimulariam o autocuidado e a autonomia das comunidades,
assumindo, elas próprias, a responsabilidade por sua própria saúde,
pontos discutidos na Conferência de Alma Ata, em 1978. A estratégia
dos cuidados primários de saúde representava a racionalização de
custos de sistemas de saúde centrados nas atividades hospitalares e,
por meio do envolvimento dos usuários nesses sistemas, estabelecia
um controle externo sobre aqueles governos que resistiam em aceitar
206
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
os cortes de gastos ou outras medidas racionalizadoras. A
participação da comunidade poderia dar-se pela criação de espaços
de participação ou pela ênfase nos autocuidados envolvendo os
participantes como co-financiadores ou como mão-de-obra para a
construção de unidades de saúde ou equipamentos sanitários
(CORTES, 1996).
Já no final dos anos 70 e meados dos 80 do século XX, com
o agravamento da crise econômica e a ascensão de políticos
conservadores ao poder de países centrais as agências internacionais
incentivavam a promoção de políticas de ajustamento estrutural
visando reduzir drasticamente o tamanho do aparelho estatal,
secundarizando a questão da participação, sendo útil apenas como
estratégia de redução de custos e para incentivar ações autônomas
autofinanciadas pelas populações locais (CORTES, 1996, p. 35). É
nesse contexto que, aqui no Brasil, emergia o Movimento da Reforma
Sanitária Brasileira.
A participação popular na legislação do SUS
A intensa mobilização social ocorrida nas décadas de 70 e 80
do século XX, assumiu, no caso específico da saúde, papel importante
nas formulações da 8ª Conferência Nacional de Saúde, cujas
discussões resultaram na consagração institucional da saúde como
direito de todos e dever do Estado, princípio expresso legalmente
pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Federais nº 8080/90
e nº 8142/90. Juntas, estas leis constituem e sistematizam a proposta
de modificar a forma de organização dos serviços de saúde em nível
nacional, bem como as relações entre o Estado e a sociedade em
207
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
todas as esferas de governo, propiciando a emergência da participação
e do controle da população nas decisões referentes à saúde (LOPES,
2000).
No entanto, conforme afirma Valla (1998), os avanços legais,
incluindo os conselhos municipais de saúde, não têm levado a
transformações efetivas na realidade dos serviços. A implantação do
SUS, a partir da incorporação das propostas do Movimento da Reforma
Sanitária no texto constitucional de 1988, impõe a reorganização da
rede pública de saúde, baseada em alguns princípios e diretrizes,
dentre eles a participação da comunidade. Mas, este autor lembra
que a participação popular legalmente aceita limita-se, geralmente, à
representação civil em setores da administração pública responsáveis
por determinada política setorial, mas não a interferência da população
organizada sobre o conjunto das políticas sociais e econômicas do
Estado.
Ainda que a participação de alguns setores da população tenha
se institucionalizado desde a década de 1980, com as Comissões
Interinstitucionais de Saúde, quando da implantação das AIS (1985),
de acordo com Lopes (2000), a 8ª Conferência Nacional de Saúde
influiu de forma determinante nos poderes executivo e legislativo.
No executivo, por meio da implantação do SUDS que manteve
obrigatória a participação dos setores da sociedade nas comissões
Interinstitucionais e recomendava a criação de conselhos de saúde.
No legislativo, influiu na elaboração da seção saúde na Constituição
Federal, que propunha a criação do SUS. Este novo sistema de saúde,
legitimado pela Constituição Federal, possibilitaria a concretização
das diretrizes da Reforma Sanitária Brasileira através de seus
princípios norteadores.
A participação popular foi garantida legalmente no arcabouço
jurídico do Sistema Único de Saúde constituído, principalmente, pela
208
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
Constituição Federal de 1988, pelas Leis Orgânicas de Saúde nº 8080,
de 19 de setembro de 1990 e nº 8142, de 28 de dezembro de 1990, e
pela Lei Federal nº 8689, de 27 de julho de 1993 (BRASIL, 2000a,b,c).
A legislação federal estabeleceu as normas gerais que orientam a
participação da comunidade na gestão do SUS, por meio das
conferências e dos conselhos de saúde. Ambos são paritários, pois
os usuários têm direito à metade dos representantes, e sua organização
e funcionamento são definidos em regimento próprio aprovado por
cada conselho. A Resolução nº 33, do Conselho Nacional de Saúde/
1992, incorporou as recomendações da 9ª Conferência Nacional de
Saúde (1992) quanto à constituição e estruturação dos conselhos
estaduais e municipais, estabelecendo o percentual de cada segmento
para a composição paritária nestes órgãos.
A Lei Federal nº 8080/90 refere-se às condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, além da organização e
funcionamento dos serviços estatais e privados. Em razão dos vetos
sofridos e, posteriormente, em decorrência da intensa mobilização e
luta dos setores organizados da saúde, após três meses é aprovada a
Lei Federal nº 8142/90, que regulamenta a transferência
intergovernamental de recursos financeiros e a participação da
comunidade, estando esta, em seu artigo 1º, garantida da seguinte
forma: O SUS contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das
funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:
a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde (BRASIL, 2000a).
Há consenso de que o SUS representa um grande avanço no
tocante às políticas públicas no Brasil, principalmente em relação às
políticas de saúde anteriores à Constituição de 1988, sendo o único
setor com propostas e práticas claras de controle social, transparência
administrativa, gestão participativa e democratização. Os conselhos
de saúde foram criados e estão em processo de consolidação em
209
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
praticamente todos os municípios brasileiros. Mas os avanços são
dificultados pelo fato de que a proposta do SUS, um sistema
construído com base em princípios de solidariedade social e que
assegura a universalidade do acesso e a integralidade da atenção, não
é compatível com o atual modelo econômico. E, num contexto social em que a cultura política é marcada pelo autoritarismo, pelo
clientelismo e pela exclusão, a luta pela preservação das conquistas
sociais é dificultada pela frágil organização da sociedade, em especial dos setores que mais sofrem as consequências da pobreza e da
iniquidade social (SOARES, 2000).
As ações de saúde, acatadas as orientações da proposta
neoliberal para minimizar o papel do Estado, são vistas como uma
concessão aos pobres e são de responsabilidade privada, restando
aos governos agirem somente naquilo que não interessa ao setor
privado. Esta concepção sintetiza a “versão moderna da caridade” e,
nesse contexto, a implementação do SUS é desafio ainda maior
(SOARES, 1997).
A prática do controle social no SUS
Os conselhos de saúde são órgãos colegiados do SUS, fazem
parte da estrutura do governo e são espaços coletivos onde se
manifestam, com maior ou menor representatividade, os interesses
dos diferentes segmentos sociais, possibilitando a negociação de
propostas que pretendem direcionar os recursos para prioridades
diferentes, participando, assim, da discussão das políticas de saúde
em cada esfera de governo (BRASIL, 1998).
A lei confere aos conselhos de saúde o poder de atuar na
formulação de estratégias e no controle da execução das políticas de
saúde, sendo que estas são também atribuições do poder executivo e
210
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
do poder legislativo, portanto, conselhos e gestores compartilham
atribuições. Com relação à formulação de estratégias, os conselhos
deverão apresentar uma postura combativa, ofensiva e criadora de
construção do novo modelo, preferencialmente articulada e sinérgica
com o gestor do SUS quando este também estiver disposto a construílo de acordo com a legislação vigente, enquanto que no controle da
execução das políticas deverá ter uma postura defensiva contra
desvios e distorções, mas sem acompanhamento permanente de
execução dos programas prioritários do SUS.
São objetivos dos conselhos contribuírem para a gestão dos
princípios do SUS, seja na situação da saúde da população (riscos
sociais e epidemiológicos e direito de cidadania), nas prioridades das
intervenções e promoção, proteção e recuperação da saúde, na
formulação de diretrizes e estratégias das intervenções do SUS e no
planejamento de metas, orçamento e execução, no acompanhamento
e avaliação da execução dos planos, orçamentos e metas.
Os grandes objetos sobre os quais os conselhos devem atuar
são: os indicadores de saúde para orientar os conselheiros quanto às
prioridades e estratégias; os princípios do SUS para a construção do
novo modelo; o modelo assistencial de saúde voltado aos interesses
e direitos de cidadania dos usuários; o novo modelo de gestão
financeira, materiais e pessoal e a permanente informação e
alimentação às entidades representadas nos conselhos (BRASIL,
1998).
A criação de comissões nos conselhos de saúde pode estar
prevista na lei ou no decreto de criação do conselho, ou ser instituída
em plenário, sempre considerando que o caráter deliberativo do
conselho é privativo do seu plenário. As comissões temáticas têm
211
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
finalidade exclusiva de assessorar o plenário do conselho, subsidiando
discussões para deliberação e formulação de estratégias de controle
da execução de políticas de saúde.
Apesar da existência de problemas, os conselhos de saúde
têm se configurado como um novo espaço coletivo para discussões e
articulações para a construção do SUS. O retorno das informações e
deliberações do conselho para as entidades representadas pelo
conselheiro configura importante ação para a conquista de adesão
das mesmas no processo de construção e fortalecimento do SUS.
As articulações junto ao Poder Legislativo, para que os
conselhos sejam reconhecidos por lei, são desejáveis e pertinentes a
uma forte atuação dos conselhos. As entidades e instituições
representadas nos conselhos de saúde e os próprios conselheiros ainda
não desenvolveram suficientemente as imprescindíveis articulações
com o Poder Legislativo do seu município, Estado e da União. A
força política do Poder Legislativo é poderosa aliada para as questões
pertinentes ao fortalecimento do SUS nas ações dos conselhos
(BRASIL, 1998).
Os conselhos de saúde foram criados a partir de experiências
vividas nos próprios municípios que os constituíam, sem nenhuma
orientação. Assim foi com os conselhos municipais que buscavam
apoio nos municípios vizinhos onde os conselhos já estavam
funcionando, valendo também para os conselhos estaduais. Foi só
em 1992, através da Resolução nº 33/1992, que o Conselho Nacional
de Saúde se pronunciou sobre as diretrizes para a criação, estruturação
e funcionamento dos conselhos de saúde, e que em 2003 foi revogada
pela Resolução nº 333/2003.
Um aspecto também importante é o intercâmbio de
experiências de conselhos e conselheiros em plenárias, que permite
o fortalecimento do controle social. O último destaque refere-se a
212
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
uma prática que vem se tornando bastante construtiva, que é o papel
dos conselhos estaduais de saúde como instâncias de mediação e
conciliação para as tensões e questões internas pendentes dos
conselhos municipais do mesmo Estado, o mesmo acontecendo com
o Conselho Nacional de Saúde em relação aos conselhos estaduais.
Controle social entendido como o controle da população, ou
do conjunto da sociedade organizada, sobre o Estado, deve visar ao
benefício da maioria da população, permanentemente. Por isso, quanto
mais os segmentos da sociedade forem mobilizados e organizados,
maiores serão as chances de exercer pressão sobre os grupos
hegemônicos no interior do Estado, almejando como resultado o
Estado Democrático de fato. Todas essas formas de pressão e controle
deram-se e continuam ocorrendo por iniciativas preponderantes dos
movimentos e entidades da sociedade organizada, o que tende a ser
o controle mais efetivo e legítimo, a favor do conjunto da sociedade.
Porém, anteriormente já foi destacado o papel das Agências
Internacionais e dos governos de alguns países na instituição de canais
de participação da população nos serviços de saúde, visando a
legitimidade das decisões governamentais e o controle de despesas e
gastos desnecessários nos casos de governos tidos como corruptos.
A composição dos conselhos tem características distintas e,
ao mesmo tempo, representativas de todos os segmentos da sociedade.
Sua composição deve ser tão heterogênea e plural quanto a própria
sociedade, constituída por conselheiros sendo metade (50%) de
entidades representantes dos usuários e, na outra metade, além do
governo, entidades representantes dos prestadores de serviços (25%)
e dos profissionais de saúde (25%).
Apesar da garantia legal da participação popular no SUS como
possibilidade do exercício do controle social sobre as políticas
públicas, são vários os obstáculos para que esta prática se consolide
213
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
plenamente como um dos pilares na construção do Sistema Único
de Saúde.
Cecílio (1999) destaca como aspectos dificultadores do
processo de controle social sobre os serviços públicos de saúde, (a) a
existência de múltiplas racionalidades e projetos de saúde em disputa,
de forma nem sempre explicitada; (b) a pouca clareza do conceito de
qualidade em saúde; (c) o modelo de gestão vertical e pouco
transparente adotado no setor público e (d) o enorme poder médico
que se mantém fechado sobre si mesmo.
Segundo este autor, seria lógico e esperado que houvesse uma
parceria entre usuários e serviços públicos, uma vez que o usuário
deveria ter interesse em acompanhar, cobrar a qualidade dos serviços
que utiliza, pois financia através do pagamento de impostos, e o
serviço deveria ter interesse de ser informado sobre suas falhas e
inadequações na busca de melhorar seu funcionamento. Mas isto não
ocorre com tanta facilidade, em decorrência dos fatores anteriormente
pontuados.
As organizações de saúde constituem espaços nos quais são
disputados vários projetos políticos com diferentes visões de um
mesmo objeto, no caso a saúde, o SUS e os modelos assistenciais,
decorrentes de suas inserções diferenciadas tanto na sociedade como
no espaço específico das organizações da saúde. Assim, gestores,
prestadores de serviços privados, trabalhadores de saúde e usuários
possuem, geralmente, concepções diferenciadas e, por vezes,
contraditórias da saúde e do SUS. E mais, mesmo os trabalhadores
de saúde comportam várias categorias muito diferenciadas e também
possuem projetos políticos às vezes conflitantes, assim como os
usuários. As organizações públicas de saúde são habitadas por
distintos atores que têm interesses e projetos nem sempre
coincidentes (CECÍLIO, 1999).
214
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
E assim como possuem projetos diferenciados, controlam
recursos muito diferenciados também. O gestor controla recursos
financeiros e de poder; os trabalhadores controlam o recurso do saber, além da força de trabalho que mantém o ser viço em
funcionamento; aos usuários cabe controlar o recurso de poder eleger
os representantes no poder executivo e legislativo, o que, em
decorrência de vários fatores mediadores entre o ato de eleger nas
eleições, deixa o usuário em uma situação muito inferiorizada perante
os trabalhadores, na maioria das vezes, quando o recurso comparado
é o saber (CECÍLIO, 1999).
Além da existência de diferentes projetos políticos nas
organizações de saúde, outro aspecto apontado por este autor como
dificultador da prática do controle social é o caráter subjetivo do
conceito de qualidade da atenção à saúde, que remete à necessidade
de avaliar a qualidade dos serviços considerando, igualmente, a
opinião dos usuários e os critérios mais científicos e objetivos
estabelecidos pelos técnicos. Somados aos aspectos anteriores, o
modelo de gerência adotado no setor público, inclusive na saúde,
pode ser considerado como dificultador quando se observa que não
há tradição de se explicitar claramente a missão da organização e seu
desdobramento em objetivos e metas bem-esclarecidos e que não
existem mecanismos regulares de avaliação de desempenho e
prestação de contas no interior das organizações. Destaca-se, neste
ponto, a forte tradição de autonomia e do segredo médico como um
dificultador importante do controle dos usuários sobre os serviços
de saúde.
Desta forma, é possível afirmar que será necessário enfrentar
cada um destes pontos para contribuir na efetividade do controle
social como estratégia de melhoria do funcionamento dos serviços
de saúde.
215
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
Contudo, existem possibilidades reais para melhorar a
participação popular no setor da saúde. As instituições de ensino
superior, por exemplo, podem realizar diversas ações junto aos
conselhos de saúde ou a comunidade, estreitando o vínculo e
contribuindo com os mesmos, ouvindo-os antes de estabelecer as
atividades, além de devolver para a comunidade os resultados obtidos
através de atividades e pesquisas, realizar atividades de forma
constante e permanente, estabelecer parceria com os conselhos,
ampliar a atuação através de projetos e estágios e, proporcionar
atividades de educação em saúde e educação continuada.
A prática do controle social nas Conferências de Saúde
De acordo com a Lei Federal nº 8142/90, que dispõe sobre a
participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área
da saúde, são duas as instâncias colegiadas existentes em cada esfera
de governo para a população exercer o controle do sistema de saúde:
os conselhos de saúde e as conferências de saúde.
A lei afirma que a conferência de saúde reunir-se-á a cada
quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, com
a finalidade de “avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para a
formulação da política de saúde” nos níveis correspondentes
(BRASIL, 2000c). Portanto, legalmente, as conferências de saúde
não possuem caráter deliberativo, ainda que, na prática, elas venham
exercendo certa pressão sobre o poder público que acaba por acatar,
em alguma medida, suas deliberações. O próprio Sistema Único de
Saúde é exemplo disso: a Constituição Federal de 1988 praticamente
incorporou o resultado das discussões da 8ª Conferência Nacional
de Saúde, realizada em 1986. Obviamente isso só foi possível em
216
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
razão da mobilização contínua da sociedade mesmo após o término
da conferência.
As Conferências Nacionais de Saúde compõem a história das
políticas de saúde brasileiras dos últimos tempos, expressando a busca
pela democracia do Estado e a manifestação do controle social sobre
as políticas públicas. Baseada na história das Conferências Nacionais
de Saúde, as primeiras sete conferências de saúde realizadas no Brasil,
de 1941 a 1980, não tiveram a participação da sociedade civil,
destacando-se, porém, a importância da 3ª Conferência Nacional de
Saúde, que já propunha a descentralização do sistema de saúde para
os municípios e, ainda, a 7ª Conferência que ressaltou a importância
e a necessidade da participação popular.
De acordo com Carvalho (2002), qualquer análise da saúde
no Brasil, no período mais recente, implica necessariamente tomar
como referência a 3ª Conferência Nacional de Saúde, que discutiu
quatro temas centrais: situação sanitária da população brasileira;
distribuição das atividades médico-sanitárias nos níveis federal,
estadual e municipal; municipalização dos serviços de saúde e fixação
de um Plano Nacional de Saúde.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde é considerada um marco
para o SUS, uma vez que foi nesta conferência que as principais
características deste novo modelo para o sistema de saúde foram
pontuadas, por meio de princípios e diretrizes que deveriam nortear
o Sistema Único de Saúde e, também, pela primeira vez na história
das conferências de saúde do Brasil, contou com a participação da
sociedade civil, onde a participação popular foi defendida e deliberada
como uma das diretrizes do SUS. Deliberou pela formação de
conselhos de saúde em níveis local, municipal, regional e estadual,
compostos de representantes eleitos pela comunidade (usuários e
prestadores de serviço), que permitissem a participação plena da
217
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
sociedade no planejamento, execução e fiscalização dos programas
de saúde. Também foi proposta a garantia de eleição das direções
das unidades do sistema de saúde pelos trabalhadores desses locais e
pela comunidade atendida. Para que a participação popular fosse
viabilizada enquanto prática de controle social do SUS, foi afirmada
a necessidade de garantir o acesso da população às informações
necessárias ao controle social dos serviços, assegurando, a partir da
constituição de um Sistema Nacional de Informação, a maior
transparência às atividades desenvolvidas pelo setor e adoção de
políticas de saúde que respondessem efetivamente à complexidade
do perfil sócio-sanitário da população.
Muitas das propostas em torno da participação e do controle
social, assim como pontos polêmicos dentro do tema financiamento,
perduram até hoje, como, por exemplo, o gerenciamento dos fundos
de saúde, nos diferentes níveis, juntamente com a participação
colegiada de órgãos públicos e da sociedade organizada (CORREIA,
2000). Os problemas que permanecem acabam fazendo parte da pauta
das próximas conferências. Na 9ª Conferência Nacional de Saúde,
realizada em 1992, em meio a uma conjuntura de insatisfação social
com as medidas antipopulares do governo Collor (CORREIA, 2000),
o tema “Municipalização é o caminho” foi reafirmado como
indispensável à implementação e fortalecimento dos mecanismos de
controle social já existentes. Dentre as várias propostas aprovadas
no evento, consta a garantia de efetiva implantação dos conselhos
de saúde nos diversos níveis, em no máximo seis meses após a
publicação do relatório desta conferência, e assegurada, aos mesmos,
autonomia financeira, constituindo-os como unidades orçamentárias
em cada esfera de governo. Para efeito da composição de tais
conselhos, foi decidido, nesta conferência, que os usuários deveriam
ser representados por entidades populares, representantes de
218
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
trabalhadores, entidades da sociedade civil voltadas para a
organização de usuários do SUS e outras de natureza similar. Esta
conferência também aprovou a composição paritária nos conselhos
entre usuários e demais segmentos, assim como o seu caráter
deliberativo e fiscalizador, com autonomia inclusive quanto à dotação
orçamentária e gestão colegiada, devendo o presidente ser eleito entre seus membros, resultando na Resolução nº 33/1992, do Conselho
Nacional de Saúde. (CORREIA, 2000).
Dentre as propostas da 9ª Conferência Nacional de Saúde,
ainda foram destacadas por Correia (2000) as que exigem o
cumprimento das leis orgânicas no que diz respeito ao repasse de
recursos, aplicação dos artigos 33 e 35 da Lei Federal nº 8080/90 e
do artigo 3º da Lei Federal 8142/90, que tratam dos critérios para
transferência de recursos e a obrigatoriedade dos fundos de saúde
em todas as esferas de governo. Ressalta-se a proposta de destinar
10 a 15% dos orçamentos fiscais de cada esfera de governo
exclusivamente para a saúde e pelo menos 30% do orçamento da
seguridade social para a saúde, que mais tarde transformou-se no
Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 169 dos então deputados
Eduardo Jorge e Waldir Pires. Destaca-se que a atual Emenda
Constitucional nº 29 não atende às proposições da PEC 169, uma
vez que não vincula nenhum percentual obrigatório a ser destinado
pela União ao setor saúde e não define percentualmente os recursos
da saúde em relação ao orçamento da seguridade social.
A 10ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1996,
manteve as mesmas recomendações das anteriores com relação ao
controle social, reafirmando os princípios do SUS e exigindo a
efetivação dos espaços de participação popular. Os participantes desta
conferência deliberaram pelo aprofundamento e pelo fortalecimento
do controle social, reafirmando a obrigação dos gestores de cumprirem
219
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
a legislação do SUS também no que se refere ao caráter permanente
e deliberativo dos conselhos de saúde na formulação e no controle
da execução da política de saúde. Deter minaram ainda as
responsabilidades dos gestores do SUS no estabelecimento de
medidas que garantam o pleno funcionamento dos conselhos de
saúde. Destacaram proposições para o cumprimento da composição
dos conselhos de saúde e de reforço da articulação autônoma entre
conselhos e conselheiros de saúde. As propostas foram mais incisivas
com relação ao controle dos recursos da saúde por parte dos conselhos,
demonstrando preocupação e dificuldade dos conselheiros em exercer
este controle, diante da falta de transparência e de informações dos
setores de finanças das secretarias de saúde e limites na compreensão
e entendimento das contas prestadas pelo governo, conforme aponta
Correia (2000).
Na 11ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2000, é
aprovada uma Agenda para a Efetivação do SUS e do Controle Social, que defende que o fortalecimento do exercício da cidadania pode
ser realizado por meio do controle social da sociedade sobre as
políticas públicas e, em especial na área de saúde, por meio das
conferências e conselhos de saúde deliberativos e paritários com
exigência de respeito às suas decisões.
O balanço realizado pelos participantes desta conferência,
sobre a operacionalização do SUS e o exercício do controle social,
nos dez anos de esforços para sua implantação, indicou avanços e
desafios que deveriam ser enfrentados para a sua consolidação. Nesta
conferência foi reconhecido que, no Brasil, as desigualdades sociais,
a concentração de renda e a existência de um verdadeiro “estado de
mal-estar social”, produzem as condições que determinam a atual
situação de saúde da população, e que as lutas setoriais apresentam
resultados significativos de mudanças nestas condições de vida,
220
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
mesmo quando travadas numa perspectiva compensatória. Portanto,
elas devem existir, somando-se às lutas por uma ordem social e
econômica mais justa (NASCIMENTO, 2001).
As Conferências de Saúde podem e devem contribuir, ainda,
na definição de prioridades para melhorar a qualidade dos serviços
de saúde, na avaliação da atuação dos Conselhos de Saúde no
encaminhamento das propostas levantadas nas conferências
anteriores, possibilitando a construção do SUS a partir das
necessidades dos usuários e caminhando em direção à concretização
do direito à saúde para todos.
Porém, alguns entraves vêm se colocando para o alcance
desses objetivos. Carvalho (2002) analisa que se deve repensar desde
o período em que são realizadas as conferências, a representatividade
dos segmentos sociais e participação dos conselheiros nas
conferências, até o que se está fazendo depois das conferências para
acompanhar e avaliar a execução dos planos de saúde. O autor propõe
que as conferências devam ser realizadas em sincronia com a
elaboração dos planos plurianuais (PPAs), ou seja, no primeiro
semestre do primeiro ano de governo. A grande vantagem é agregar
aos planos tudo o que se constituiu em rica discussão do processo
eleitoral com seus anseios e promessas. Servirá para os governantes
nos seus três anos seguintes e no primeiro ano da gestão seguinte. E,
claro, cuidando-se para que, nos anos seguintes, sejam realmente
realizadas avaliações da execução do que está proposto no plano.
Atualmente as conferências de saúde apontam uma infinidade
de propostas, como se o fato de participar da conferência e propor
tudo o que se espera dos serviços de saúde fosse suficiente para que
o poder público incluísse essas propostas nos seus planos e na
execução da política de saúde. Tem que haver a mobilização
permanente, ao menos no Conselho de Saúde, eleito na conferência,
221
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
para encaminhar tais propostas. Porém, aqui também reside outro
problema: como a quantidade de propostas é muito superior ao tempo
que o conselho terá para encaminhá-las e não há uma definição de
prioridades na conferência para o tempo determinado para a atuação
do conselho (geralmente dois anos nos municípios e Estados), o
governo supostamente tem a incumbência de definir e priorizar as
ações de saúde dentre aquelas propostas nas conferências, de acordo
com o projeto político com o qual está comprometido. E, desta forma,
tem alegado cumprir em alguma medida as propostas elaboradas nas
conferências.
Considerações finais
As reflexões acerca do controle social e das práticas associadas
a ele não podem ser feitas unicamente a partir do setor onde estas se
realizam, mas, devem levar em consideração a realidade sócio,
econômica e política de cada contexto histórico especifico, bem como
os limites impostos pela concepção de mundo que caracteriza
determinado modo de produzir e reproduzir a vida material e espiritual
dos homens. Da mesma forma que se entende que essas condições
são determinantes para a ação dos homens, deve-se levar em
consideração que a realidade é dinâmica e contraditória e os processos
históricos têm revelado alternativas nem sempre visíveis ou
apreensíveis às análises realizadas próximas em termos temporais.
Neste sentido, em face da pouca experiência de participação
democrática vivida em nosso país, cerca de vinte anos, e da própria
perspectiva teórica, não se buscou realizar, neste texto, uma análise
onde fossem ressaltados apenas as mazelas do exercício do controle
social no âmbito do SUS, tampouco se procurou relevar os problemas
já identificados por vários autores, o que buscamos foi apresentar
222
Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
alguns elementos que em nosso entendimento possam contribuir para
que o exercício do controle social avance, tencionando a própria
democracia burguesa, na direção da construção de outra sociedade
mais humanizada e efetivamente democrática.
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A prática do controle social: conselhos de saúde e financiamento
do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2000a.
______. Lei Federal nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe
sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,
a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências. Legislação Básica do SUS 11ª Conferência
Nacional de Saúde. Brasília , 2000b.
______. Lei Federal nº 8142, de 29 de dezembro de 1990. Dispõe
sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de
Saúde SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área de saúde e dá outras providências. Legislação
Básica do SUS 11ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília, 2000c.
223
Reflexões sobre o Controle Social em duas décadas de vigência do SUS
CARVALHO, G. C. M. O financiamento público federal do
Sistema Único de Saúde (1988-2001) São Paulo: 2002. Tese
(Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da
Universidade Estadual de São Paulo - USP, São Paulo.
CARVALHO, B. G.; PETRIS, A. J.; TURINI, B. Controle Social em
Saúde. In ANDRADE, S. M. de, CORDONI JÚNIOR, L., SOARES,
D. A (organizadores). Bases da saúde coletiva. Londrina: Editora
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CECÍLIO, L. C. O. Pensando mecanismos que facilitem o controle
social como estratégia para a melhoria dos serviços públicos de saúde.
Saúde em debate, Rio de Janeiro, v.23, n.53, p.30-36, set/dez 1999.
CORREIA, M. V. C. Que controle social? Os conselhos de saúde
como instrumento. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000.
CORTES, S. M. V. As origens da idéia de participação na área de
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COUTINHO, C. N. Representação de interesses, formulação de
políticas e hegemonia. In TEIXEIRA, S. F. (Org.) Reforma sanitária
em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989, p. 47 60.
COUTINHO, J. A. O conselho municipal de saúde: um estudo
da participação popular na cidade de São Paulo (1989-1995).
Dissertação (Mestrado PUC/SP) São Paulo: 1996.
LIMA, Antônio Bosco de. Conselhos municipais na educação:
Perspectivas de Democratização da Política Educacional Municipal.
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(Mestrado em Saúde Coletiva) UEL.
MENDES, E. V. Distrito sanitário: O processo social de mudanças
nas práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 2. ed. São Paulo
Rio de Janeiro: Hucitec Abrasco, 1994.
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Manoela de Carvalho - Maria L. Frizon Rizzotto - Elfrida Korol Andreazza
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RIZZOTTO, M. L. F. O Banco Mundial e as políticas de saúde
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UNICAMP - FCM (Tese de Doutorado), 2000.
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VALLA, V. V. Sobre participação popular: uma questão de
perspectiva. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.14, n.
sup. 2, p.7-18, 1998.
225
226
SOBRE OS AUTORES
Alfredo Aparecido Batista
Doutor em Serviço Social (PUC-SP). Professor adjunto da
Unioeste, campus de Toledo, atuando no Curso de Serviço Social e no
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio.
Líder do Grupo de Pesquisa Fundamentos em Serviço Social:
Trabalho e Questão Social (Unioeste/CNPq). Desenvolve estudos
na área de Serviço Social do Trabalho, com ênfase nos seguintes
temas: trabalho, serviço social, Estado, questão social e formação
profissional. E-mail: [email protected].
Elfrida Korol Andreazza
Especialista em Educação Profissional da Área de Saúde
(ENSP); especialista em Enfer magem de Saúde Pública
(Unioeste); especialista em Vigilância em Saúde (ESPP/ENSP). Atua
como enfermeira da vigilância epidemiológica da 10ª Regional de
Saúde-PR. Membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores e
Servidores em Serviços Públicos da Saúde Pública e Previdência do
Estado do Paraná (SindSaúde-PR) na gestão 2008/2011. Conselheira
Estadual de Saúde no Paraná no biênio 2008/2009, representando o
SindSaúde-PR. E-mail: [email protected]
227
Sobre os Autores
Fernando Luiz Borges
Médico graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Perícia Médica
(Sociedade Brasileira de Perícia Médica). Pós-Graduação lato sensu
em Docência do Ensino Superior. Especialista em Medicina do
Trabalho pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho
(ANAMT). Professor de Pós-Graduação em Engenharia e Segurança
do Trabalho da União Pan Americana de Ensino (UNIPAN).
Assistente Técnico Judicial. Perito Judicial. Perito Médico
Previdenciário. Médico chefe perito do INSS – Gerência Executiva
de Cascavel. E-mail: [email protected]
Francisco Antonio de Castro Lacaz
Estágio de Pós-Doutorado em Psicologia Social na
Universidade Autônoma de Barcelona (2009). Doutor em Saúde
Coletiva pela Unicamp (1996). Professor Associado III da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atuando nos cursos de
graduação em Medicina e em Fonoaudiologia e no Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva (mestrado e doutorado), do
Departamento de Medicina Preventiva. Líder de grupo de pesquisa
Política, Planejamento e Gestão em Saúde (UNIFESP/CNPq).
Desenvolve estudos sobre Política e Processo de Trabalho e Gestão
e(m) Saúde, com ênfase nos seguintes temas: Trabalho e Saúde, Saúde
do Trabalhador, Política de Saúde do Trabalhador e Processo e Gestão
do Trabalho no Sistema Único de Saúde. Email: [email protected] e [email protected]
228
Sobre os Autores
Georgia Sobreira dos Santos Cêa
Doutora em Educação: História, Política, Sociedade (PUCSP). Professora adjunta da UFAL, atuando em cursos de licenciatura
e no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação. É
professora colaboradora externa do Programa de Pós-Graduação stricto
sensu em Educação da Unioeste. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Trabalho, Estado, Sociedade e Educação (GP-TESE/
CNPq). Membro do Coletivo de Estudos de Política Educacional
(FIOCRUZ/CNPq). Organizadora do livro O estado da arte da formação
do trabalhador no Brasil: pressupostos e ações governamentais a partir dos
anos 1990 (Edunioeste). Desenvolve estudos na área de Trabalho e
Educação, com ênfase nos seguintes temas: fundamentos econômicos
e políticos da educação, formação do trabalhador, processo de
trabalho, políticas sociais e Estado. E-mail: [email protected]
Laerson Vidal Matias
Bancário. Vice-presidente do Sindicato dos Bancários de
Cascavel. Diretor da Associação dos Portadores de Lesões por
Esforços Repetitivos (AP-LER), com sede em Cascavel-PR. Membro
da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador do Conselho
Municipal de Saúde de Cascavel-PR. Integrante da coordenação do
Fór um
Sindical
de
Cascavel.
E-mail:
[email protected]
229
Sobre os Autores
Leny Sato
Doutora em Psicologia Social (USP); livre-docente em
Psicologia (USP). Professora titular da USP, atuando no Instituto de
Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social
(mestrado e doutorado). Foi coordenadora do Centro de Psicologia
Aplicada ao Trabalho (CPAT/USP), de 1995 a 2005. Líder do Grupo
de Pesquisa Trabalho e processos organizativos na
contemporaneidade (USP/CNPq). Co-editora dos Cadernos de
Psicologia Social do Trabalho. Desenvolve estudos sobre os seguintes
temas: saúde do trabalhador, psicologia social do trabalho, psicologia
social, trabalho e psicologia do trabalho. E-mail: [email protected]
Manoela de Carvalho
Doutora em Saúde Coletiva (Unicamp). Mestre em Saúde
Coletiva (UEL); Professora adjunta da Unioeste, campus de Cascavel,
atuando no Curso de Enfermagem. Membro do Grupo de Pesquisa
em Políticas Sociais (GPPS/CNPq) e do Grupo Gestão e Avaliação
em Saúde (UEL/CNPq). Autora do capítulo As políticas do Governo
Lerner para o setor de saúde no Estado do Paraná (1995-2002), publicado
no livro Estado e Políticas Sociais (Edunioeste). Desenvolve estudos
na área de Saúde Coletiva, atuando principalmente nos seguintes
temas: políticas de saúde, SUS e epidemiologia. E-mail:
[email protected]
Maria Helena Palucci Marziale
Doutora em Enfermagem (USP/Ribeirão Preto); livredocente em Enfermagem (USP/Ribeirão Preto). Professora Titular
230
Sobre os Autores
da USP, atuando na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
(EERP/USP) no Curso de Enfermagem e nos Programas de PósGraduação em Enfermagem Fundamental (mestrado e doutorado) e
Doutorado Interunidades (EEUSP/EERP-USP). Coordenadora
da Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho em Hospitais
(REPAT/ USP). Líder do Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho
(NUESAT/CNPq). Coordenadora do Portal de Revistas de
Enfermagem REV@ENF da Biblioteca Virtual em Saúde. Editora
da Revista Latino-americana de Enfermagem. Desenvolve estudos
na área de Enfermagem, com ênfase em Saúde do Trabalhador,
atuando nos seguintes temas: enfermagem do trabalho, ergonomia
hospitalar, promoção da saúde, prevenção de doenças, acidentes do
trabalho e violência ocupacional. E-mail: [email protected]
Maria Lucia Frizon Rizzotto
Pós-doutora em Educação (UFSC/CENDES-UCV-Venezuela); doutora em Saúde Coletiva (Unicamp). Professora associada da
Unioeste, campus de Cascavel, atuando como docente no Curso de
Graduação em Enfermagem, na Especialização em Saúde Pública e
no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação.
Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS/CNPq).
Autora do livro História da Enfermagem e sua relação com a Saúde
Pública (AB Editora). Desenvolve estudos nas áreas de Saúde e
Educação, com ênfase nos seguintes temas: políticas de saúde,
planejamento e gestão em saúde, enfermagem em saúde pública e
for mação de recursos humanos em saúde. E-mail:
[email protected]
231
Sobre os Autores
Neide Tiemi Murofuse
Doutora em Enfermagem Fundamental (USP-Ribeirão Preto).
Professora adjunta da Unioeste, campus de Cascavel, atuando no Curso
de Enfermagem e na Especialização em Saúde Pública. Membro do
Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS/CNPq) e do Núcleo
de Estudo em Saúde e Trabalho (NUESAT/USP/CNPq).
Desenvolve estudos na área da Saúde, com ênfase nos seguintes
temas: enfermagem, saúde do trabalhador com enfoque no processo
de trabalho e sua relação com o processo saúde-doença (acidentes e
doenças do trabalho). E-mail: [email protected]
Paulino José Orso
Doutor em Educação: História e Filosofia da Educação
(Unicamp). Professor adjunto da Unioeste, campus de Cascavel,
atuando no Curso de Pedagogia, na Especialização lato sensu em
História da Educação Brasileira e no Programa de PósGraduação stricto sensu em Educação. Líder do Grupo de Pesquisa
em História, Sociedade e Educação – GT da Região Oeste do Paraná
(HISTEDOPR/CNPq). Organizador do livro Educação e lutas de
classes (Expressão Popular), dentre outros. Desenvolve estudos na
área de Educação, com ênfase em História e Filosofia da Educação.
E-mail: [email protected]
232
Sobre os Autores
Roberto Antonio Deitos
Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná - UNIOESTE (1992), mestrado (2000) e doutorado
(2005) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. Professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, Campus de Cascavel, Centro de Educação, Comunicação
e Artes, Colegiado do Curso de Pedagogia e do Programa de PósGraduação em Educação. Pesquisador do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Política Educacional e Social – GEPPES, atuando
principalmente nos seguintes temas: Estado e políticas sociais, política
educacional brasileira, organismos internacionais, ensino médio e
profissional. Publicações: FIGUEIREDO, Ireni Marilene Zago;
ZANARDINI, Isaura Monica Souza; DEITOS, Roberto Antonio
(Orgs.). Educação, políticas sociais e Estado no Brasil. Cascavel, PR:
Edunioeste/Fundação Araucária, 2008. E-mail: [email protected]
Valquíria Padilha
Pós-doutorado junto ao departamento Travail, Gestion et
Economie (Téluq/UQAM - Canadá, 2010/2011). Pós-doutorado em
Ciências Sociais (UFSCar). Doutorado em Ciências Sociais
(UNICAMP). Professora Doutora na USP (Universidade de São
Paulo), campus de Ribeirão Preto, no Departamento de Administração
da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de
Ribeirão Preto (FEA-RP). Autora do livro Shopping center: a catedral
das mercadorias (Boitempo). Desenvolve estudos qualitativos sobre
233
Sobre os Autores
aspectos psicossociais do trabalho, emoções do trabalhador, shopping
center e consumo. E-mail: [email protected]
Vera Lucia Navarro
Doutora em Ciências Sociais (Unicamp). Professora da USP,
campus de Ribeirão Preto, atuando na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, no Programa de Pós-Graduação em Saúde na Comunidade,
da Faculdade de Medicina e no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia (mestrado e doutorado). Membro do Grupo de Estudos
sobre o Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses (Unicamp/CNPq)
e do Grupo de pesquisa Terra, Trabalho, Memória e Migrações
(UFSCar/CNPq). Autora do livro Trabalho e trabalhadores do calçado: a
indústria calçadista de Franca (SP): das origens artesanais à reestruturação
produtiva (Expressão Popular). Desenvolve estudos sobre Sociologia
do Trabalho, com ênfase no estudo das relações entre trabalho e saúde.
E-mail: [email protected]
Zuher Handar
Especialista em Saúde Pública (FEPAR); especialista em
Medicina do Trabalho pela Associação Nacional de Medicina do
Trabalho (ANAMT). Médico sanitarista da Secretaria Estadual de
Saúde-PR. Professor auxiliar da Faculdade Evangélica do Paraná.
Professor auxiliar da Pontifícia Universidade Católica do Paraná;
coordenador do Curso de Pós Graduação em Medicina do Trabalho.
Professor do curso de Pós-Graduação em Saúde do Trabalhador do
Instituto Brasileiro de Pós Graduação e Extensão. Consultor na área
de saúde e segurança no trabalho da Organização Internacional do
234
Sobre os Autores
Trabalho (OIT). Organizador do livro O desafio da equidade em saúde
e segurança no trabalho: temas de saúde ocupacional nos países da América
Latina (Editora VK). Tem experiência na área de Medicina, com
ênfase em medicina do trabalho, atuando principalmente no
seguinte tema: gestão em segurança e saúde no trabalho. Email: [email protected]; [email protected]
235
236
Editora e Gráfica Universitária
Diretor:
Assistente Administrativa:
Criação e Diagramação:
Hélio Augustinho Zenati
Laurenice Veloso
Antonio da Silva Junior
André Crepaldi
Bruna Patrícia da Luz Santos
Impressão:
Gilmar Rodrigues de Oliveira
Izidoro Barabasz
Acabamento:
Gentil David Teixeira
Marizelda Webber
Vera Müller
Juliane Alves
Rafael Basgal
237
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